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Revista Cientiacutefica Gamaliel - ISSN 2674-9149ndash Fatej Fadisa | Vol1 | Nordm 2 | JaneiroJulho ndash Ano 2020 |
Revista Cientiacutefica Gamaliel - ISSN 2674-9149ndash Fatej Fadisa | Vol1 | Nordm 2 | JaneiroJulho ndash Ano 2020 |
FATEJ - Faculdade de Tecnologia Jardim
FADISA - Faculdade de Direito Santo Andreacute
REVISTA
CIENTIacuteFICA
GAMALIEL
Vol1 | Nordm 2 | JaneiroJulho - Ano 2020
SANTO ANDREacute ndash SAtildeO PAULO BRASIL
Revista Cientiacutefica Gamaliel - ISSN 2674-9149ndash Fatej Fadisa | Vol1 | Nordm 2 | JaneiroJulho ndash Ano 2020 |
CORPO EDITORIAL
Direccedilatildeo Cientifica Intelectual Reitora Dra Arleide Braga
Doutora pela PUC | SP
Poacutes Doutora em Direito Constitucional pela Universitaacute degli Studi di Messina ndash Itaacutelia
Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino ndash UMSA ndash Bs
As | ARG
Mestrada em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos | SP ndash UNIMES
Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito Previdenciaacuterio e Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho | RJ
Graduaccedilatildeo em Letras (Licenciatura) pelo Centro Universitaacuterio de Santo Andreacute | SP
Presidente da Comissatildeo de Direito Previdenciaacuterio da OAB ndash Santo Andreacute | SP ndash Triecircnio 20162018
Diretora Estrateacutegica Dra Karina Costa Braga
Mestranda em Direito - PUC | SP
Diretora Institucional da Faculdade de Tecnologia Jardim ndash FATEJ e da Faculdade de Direito Santo
Andreacute ndash FADISA em Santo Andreacute | SP
Diretora e Procuradora Dra Karen Costa Braga
Mestre em Direito - PUC | SP
Procuradora Institucional Coordenadora Administrativa do Departamento de Poacutes-Graduaccedilatildeo da
Faculdade de Tecnologia Jardim e da Faculdade de Direito Santo Andreacute ndash FADISA em Santo Andreacute |
SP
Editor Responsaacutevel
Me Marcelo Alves Dantas
PEIODICIDADE DA PUBLICACcedilAtildeO
Semestral
CAPA
Marcos Camilo Santana
IDIOMAS Aceitos artigos escritos em portuguecircs espanhol e inglecircs
AUTOR CORPORATIVO
FATEJ - Faculdade de Tecnologia Jardim
FADISA - Faculdade de Direito Santo Andreacute
Campus I - R Almirante Protoacutegenes 44 - B Jardim - Santo Andreacute - SP CEP 09090-760
(11) 4436-6489 | (11) 4992-3822
(11) 95238-4306 | (11) 99891-4846
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SUMAacuteRIO
ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM 6
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA 7
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA 9
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 17
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 19
ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA 20
INTRODUCcedilAtildeO 20
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL 21
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO 24
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 32
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 32
A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO 34
INTRODUCcedilAtildeO 35
1 JOAtildeO CALVINO 35
2 A REFORMA EM GENEBRA 37
21 - Aspectos Poliacuteticos 37
22 - Aspectos Econocircmicos 41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 46
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 46
A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A
RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA 48
INTRODUCcedilAtildeO 49
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO 49
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento 49
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento 52
121 Emanuel Imanuel (menino) 53
122 Melquisedeque 54
123 Filho de Davi 55
2 MESSIANISMO E MESSIAS 56
21 - Messias e Davi 56
22 Jesus - O Messias 59
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA 62
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 66
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 67
RESENHA - ―O UNIVERSO AO LADO - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O
ESTUDANTE DE TEOLOGIA 69
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BIOGRAFIA 70
INTRODUCcedilAtildeO 71
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO 72
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO
CRISTAtildeO 75
2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO 78
3 NATURALISMO 79
4 NIILISMO 81
5 EXISTENCIALISMO 82
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL 85
7 A NOVA ERA 88
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO 90
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92
REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA 94
PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO 95
UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO 95
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO 97
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO 99
21 - O que ―acredita o ateiacutesmo cristatildeo 101
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ―morte do Deus via teologia cristatilde 104
23 - Uma resposta possiacutevel 106
3 QUE MORALIDADE 107
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-Sponville 110
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor 113
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 117
ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO CORPOacuteREA
EM PAULO 118
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO 121
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS 122
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope 122
13 - Coesatildeo do Texto 125
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO 126
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO 133
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15 134
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 139
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ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM
Eacute preciso sentir a necessidade da experiecircncia da observaccedilatildeo ou
seja a necessidade de sair de noacutes proacuteprios para aceder agrave escola das
coisas se as queremos conhecer e compreender
Eacutemile Durkheim
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apontar alguns aspectos da Sociologia
da Religiatildeo de Eacutemile Durkheim Um dos principais nomes da chamada ―sociologia
claacutessica Durkheim foi um dos pioneiros no estudo socioloacutegico da religiatildeo
considerando as praacuteticas e instituiccedilotildees religiosas como um dos principais fatos
sociais que norteiam a vida em sociedade aleacutem de ter um importante papel na
formaccedilatildeo das consciecircncias individuais em uma coletividade Embora a
contemporaneidade seja marcada por um individualismo hedonista possivelmente
ineacutedito na histoacuteria da humanidade e pela hegemonia no campo da academia de um
poacutes-modernismo identitaacuterio avesso agrave ideia de coletividades mais tradicionais
abrangentes e universais as perspectivas que Durkheim propocircs nas primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX ainda podem ser uacuteteis para analisar a relaccedilatildeo das diversas
instituiccedilotildees e praacuteticas religiosas com a sociedade principalmente no Brasil onde as
igrejas evangeacutelicas comeccedilam a ter uma forte influecircncia moral no paiacutes
Palavras Chaves ndash Sociologia Religiatildeo Instituiccedilotildees Moral
ABSTRACT
This article aims to point out some aspects of the Sociology of Religion by
Eacutemile Durkheim One of the main names of the so-called ―classical sociology
Durkheim was one of the pioneers in the sociological study of religion considering
religious practices and institutions as one of the main social facts that guide life in
society as well as playing an important role in the formation of women individual
consciences in a collectivity Although contemporaneity is marked by a hedonistic
individualism possibly unheard of in human history and by the hegemony in the field
autor Prof Dr Mauricio Tintori Piqueira
tintoriledyahoocombr
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of academia of an identity postmodernism averse to the idea of more traditional
comprehensive and universal collectivities the perspectives that Durkheim proposed
in the early decades The twentieth century can still be useful for analyzing the
relationship of various religious institutions and practices with society especially in
Brazil where evangelical churches are beginning to have a strong moral influence in
the country
Keywords - Sociology Religion Institutions Moral
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA
O socioacutelogo francecircs Eacutemile Durkheim (1858-1917) compotildee ao lado dos
alematildees Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920) os autores claacutessicos da
Sociologia Entretanto cabe destacar que Durkheim foi o responsaacutevel por introduzir
a disciplina nas universidades francesas ao fundar a caacutetedra de Sociologia na
Universidade de Bordeacuteus em 1887 dando a ela um caraacuteter acadecircmico-cientiacutefico
Filho de uma famiacutelia de rabinos e portanto de origem judaica formou-se em
Filosofia na Escola Normal Superior de Paris em 1882 Jaacute nessa eacutepoca interessava-
se por Sociologia ateacute entatildeo uma disciplina do conhecimento relacionada agrave filosofia
positivista de Augusto Comte (1798-1857) que entre outras caracteriacutesticas
propunha um estudo cientiacutefico da sociedade atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos mesmos
meacutetodos de pesquisa e anaacutelise utilizados pelas Ciecircncias Exatas e Bioloacutegicas com o
intuito de identificar as ―leis gerais que norteariam a vida social
O meacutetodo socioloacutegico de Durkheim conhecido como Funcionalismo propotildee a
anaacutelise da sociedade de forma similar a de um organismo vivo Em outras palavras
a sociedade seria formada por diversos oacutergatildeos interdependentes entre si de cujo
bom funcionamento dependeria a sobrevivecircncia do corpo social Dessa forma o
socioacutelogo francecircs considera necessaacuteria a preservaccedilatildeo da coesatildeo social ou seja o
consenso entre os diversos grupos que compotildee a sociedade em torno de um ideal
que nas sociedades modernas seria o progresso cientiacutefico e industrial
proporcionado atraveacutes da hegemonia do pensamento loacutegico-racional Neste aspecto
Durkheim eacute um herdeiro da filosofia iluminista do seacuteculo XVIII e de sua inabalaacutevel feacute
na ciecircncia como caminho de superaccedilatildeo das miseacuterias humanas crenccedila que
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atualmente eacute alvo de criacuteticas no mundo acadecircmico devido ao constante uso da
proacutepria ciecircncia para fins beacutelicos voltados para a destruiccedilatildeo em massa
Outro aspecto importante da sociologia funcionalista de Durkheim eacute o
conceito de fato social considerado pelo socioacutelogo francecircs como o objeto de estudo
da Sociologia Segundo o autor fatos sociais correspondem a ―maneiras de agir
pensar e sentir exteriores ao indiviacuteduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude
do qual se lhe impotildeem () (DURKHEIM 1978 p88) Em outras palavras os fatos
sociais satildeo as estruturas cuja existecircncia independe da vontade do individuo
exercendo nele uma influecircncia coercitiva na maioria das vezes indireta que o induz
a adotar determinados padrotildees de comportamento com o intuito de portar-se
adequadamente na coletividade Assim o fato social tem uma enorme influecircncia na
formaccedilatildeo da consciecircncia individual e embora Durkheim reconheccedila que cada
indiviacuteduo pode escolher os comportamentos e atitudes que adota em sua vida
cotidiana estes satildeo moldados a partir do que estaacute posto concretamente na
sociedade e as consequecircncias de seguir ou natildeo determinados padrotildees satildeo
decorrentes das relaccedilotildees sociais
Ao comentar a obra de Eacutemile Durkheim o socioacutelogo Joseacute Arthur Giannoti
(1978 pp VII e VIII) destacou que para a Sociologia tornar-se uma ciecircncia era
necessaacuterio ―utilizar uma metodologia cientiacutefica investigando leis natildeo generalidades
abstratas e sim expressotildees precisas de relaccedilotildees descobertas entre os diversos
grupos sociais Entretanto eacute importante ressaltar que Durkheim considerava que o
fato social natildeo eacute apenas algo relacionado agrave vida material pois compreende que a
sociedade eacute ―um conjunto e ideais constantemente alimentados pelos homens que
fazem parte dela (GIANNOTI 1978 p VIII) Assim natildeo eacute por acaso que outro
conceito importante da teoria funcionalista eacute o de ―consciecircncia coletiva Ainda
segundo Giannoti (idem ibidem) o conceito de consciecircncia coletiva na obra de
Durkheim pode ser compreendida
() o sistema de representaccedilotildees coletivas em uma determinada sociedade Representaccedilotildees coletivas seriam por exemplo a linguagem ou um grupo de praacuteticas de trabalho encontradas em certa sociedade Tais representaccedilotildees coletivas constituiriam fatos de natureza especiacutefica e diferentes dos fenocircmenos psicoloacutegicos individuais () As representaccedilotildees coletivas desdobram-se nos aspectos intelectual e emocional e eacute possiacutevel determinaacute-las de maneira direta e natildeo apenas atraveacutes dos pensamentos e emoccedilotildees individuais O meacutetodo para conhecimento direto das representaccedilotildees coletivas utilizaria o exame das expressotildees permanentes dessas
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representaccedilotildees como por exemplo os sistemas juriacutedico e as obras de arte ()
Cabe ressaltar que se partirmos da metodologia funcionalista proposta por
Durkheim a religiatildeo pode ser considerada tanto um fato social pois corresponde agraves
formas de agir e pensar exteriores ao indiviacuteduo (isto eacute existe independente da sua
vontade) e tem um forte poder coercitivo sobre o indiviacuteduos que integram um
determinado grupo social como tambeacutem um componente da consciecircncia coletiva
pois ela eacute composta por um sistema de representaccedilotildees coletivas compartilhados
pelos indiviacuteduos que integram uma coletividade Natildeo por caso a religiatildeo foi um dos
principais objetos de estudo de Durkheim sendo considerado por muitos socioacutelogos
como o pioneiro nos estudos socioloacutegicos sobre a religiatildeo aacuterea conhecida como
Sociologia da Religiatildeo Neste artigo seraacute abordado importantes aspectos destes
estudos e sua importacircncia para a compreensatildeo natildeo apenas da Teologia mas
tambeacutem do papel da religiatildeo na sociedade contemporacircnea
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA
As principais consideraccedilotildees de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a sociedade estatildeo na obra As Formas Elementares da Vida Religiosa
publicada originalmente em 1912 Na introduccedilatildeo o autor justifica a escolha de
analisar praacuteticas religiosas animistas de tribos aboriacutegenes da Austraacutelia para a partir
desta identificar os aspectos gerais e universais das religiotildees como um todo e mais
precisamente ter subsiacutedios metodoloacutegicos para compreender o papel da Religiatildeo na
sociedade contemporacircnea Segundo Durkheim (1978 p205)
A Sociologia coloca-se problemas diferentes da Histoacuteria ou d Etnografia Ela natildeo procura conhecer as formas caducas da civilizaccedilatildeo com o uacutenico fim de conhececirc-las e reconstituiacute-las Mas com toda ciecircncia positiva antes de tudo El tem por objeto explicar uma realidade atual proacutexima de noacutes e capaz por conseguinte de afetar nossas ideacuteias e nossos atos esta realidade eacute o homem e mais especialmente o homem de hoje pois natildeo existe outro que estejamos mais interessados em conhecer bem Portanto natildeo estudaremos a religiatildeo mais antiga objeto de nossa pesquisa pelo uacutenico prazer de relatar coisas bizarras e singularidades Se noacutes a tomamos como objeto de nossa investigaccedilatildeo eacute porque ela nos pareceu mais apta do que qualquer outra para fazer compreender a natureza religiosa do homem isto eacute para nos revelar um aspecto essencial e permanente da humanidade
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Mais adiante Durkheim ressalta que um dos papeacuteis importantes da religiatildeo
na sociedade eacute buscar atender a alguma necessidade real do ser humano sendo
um erro considerar suas expressotildees ilusoacuterias ou falsas
Natildeo precisamos examinar aqui se existem realmente investigadores () que fizeram da Histoacuteria e da Etnografia religiosa uma maacutequina de guerra contra a Religiatildeo De qualquer maneira natildeo poderia ser este o ponto de vista de um socioacutelogo Com efeito eacute um postulado essencial da Sociologia que uma instituiccedilatildeo humana natildeo poderia repousar sobre o erro e sobre a mentira sem o que ela natildeo poderia durar Se ela natildeo estivesse fundada na natureza das coisas ela teria encontrado resistecircncia nas coisas contra a qual natildeo poderia triunfar Portanto quando abordamos o estudo das religiotildees primitivas o fazemos com a seguranccedila do que elas se apoiam no real e o exprimem () (DURKHEIM 1978 p206)
Neste ponto o socioacutelogo francecircs discorre a importacircncia de analisar as
diversas formas religiosas como um sistema de representaccedilotildees coletivas Desta
forma Durkheim ressalta que
() no fundo natildeo existem religiotildees falsas Agrave sua maneira todas satildeo verdadeiras todas respondem mesmo que de diferentes formas a condiccedilotildees dadas da existecircncia humana Sem duacutevida eacute possiacutevel dispocirc-las segundo uma ordem hieraacuterquica Umas podem ser ditas superiores agraves outras no sentido em que ela potildeem em jogo funccedilotildees mentais mais elevadas satildeo mais ricas em ideacuteias e sentimentos nelas figuram mais conceitos menos sensaccedilotildees e imagens sua sistematizaccedilatildeo mais engenhosa Mas por mais reais que sejam esta maior complexidade e esta mais alta idealidade elas natildeo satildeo suficientes para classificar as religiotildees correspondentes em gecircneros separados Todas satildeo igualmente religiotildees assim como todos os seres vivos satildeo igualmente vivos desde os mais humildes plastiacutedios ateacute o homem Portanto se nos dirigimos agraves religiotildees primitivas natildeo eacute com a segunda intenccedilatildeo de depreciar a religiatildeo em geral pois aquelas religiotildees natildeo satildeo menos respeitaacuteveis que as outras Elas respondem agraves mesmas necessidades desempenham o mesmo papel dependem das mesmas causas portanto elas podem servir para manifestar igualmente bem a natureza da vida religiosa () (DURKHEIM 1978 p206)
Em outras palavras apesar de reconhecer a existecircncia de religiotildees cujas
representaccedilotildees satildeo mais complexas do que outras possibilitando uma
hierarquizaccedilatildeo neste aspecto Durkheim enfatiza que haacute aspectos gerais presentes
em todas as religiotildees permitindo ao socioacutelogo ou ao pesquisador da Sociologia da
Religiatildeo identificar e analisar estes em sistemas simboacutelicos mais simples como foi o
caso do objeto de estudo de As Formas Elementares da Vida Religiosa no caso a
religiatildeo animista dos aboriacutegenes australianos como jaacute destacamos anteriormente
Nesta perspectiva o autor sugere tambeacutem uma abordagem histoacuterica das religiotildees
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com o objetivo de compreender o seu desenvolvimento no decorrer da Histoacuteria cuja
concepccedilatildeo eacute evolucionista fiel agrave perspectiva positivista marcada pelo evolucionismo
progressista Nas palavras de Durkheim (1978 p207)
() todas as vezes que se empreende explicar uma coisa humana tomada em um momento determinado no tempo ndash quer se trate de uma crenccedila religiosa de uma regra moral quer de um preceito juriacutedico de uma teacutecnica esteacutetica de um regime econocircmico ndash eacute preciso comeccedilar por retroceder ateacute a sua forma mais primitiva e mais simples procurar dar conta dos caracteres pelos quais ela se define neste periacuteodo de sua existecircncia depois mostrar como ela se desenvolveu e se complicou pouco a pouco como ela se tornou o que eacute no momento considerado Ora concebe-se facilmente de que importacircncia eacute para esta seacuterie de explicaccedilotildees progressistas a determinaccedilatildeo do ponto de partida ao qual estatildeo subordinadas Era um princiacutepio cartesiano que na cadeia das verdades cientiacuteficas o primeiro elo desempenha um papel preponderante Certamente natildeo poderia ser o caso de colocar na base da ciecircncia das religiotildees uma noccedilatildeo elaborada agrave maneira cartesiana isto eacute um conceito loacutegico um puro possiacutevel construiacutedo apenas pelas forccedilas do espiacuterito O que precisamos encontrar eacute uma realidade concreta que unicamente a observaccedilatildeo histoacuterica pode nos revelar ()
Mas quais seriam os aspectos gerais comum a todas as religiotildees que
permitem classificar-las no mesmo gecircnero de representaccedilotildees coletivas Durkheim
elenca da seguinte maneira algumas hipoacuteteses visando responder a tal
problematizaccedilatildeo
() todas as religiotildees satildeo comparaacuteveis porque elas satildeo todas espeacutecies do mesmo gecircnero existem necessariamente elementos essenciais que lhes satildeo comuns () Na base de todos os sistemas de crenccedilas e de todos os cultos deve necessariamente haver um certo nuacutemero de representaccedilotildees fundamentais e de atitudes rituais que malgrado a diversidade das formas que umas e outras puderam revestir em todas as partes tecircm a mesma significaccedilatildeo objetiva e em todas as partes preenchem as mesmas funccedilotildees Satildeo estes elementos permanentes que constituem o que haacute de eterno e de humano na religiatildeo eles satildeo todo o conteuacutedo objetivo da ideacuteia que se exprime quando se fala da religiatildeo em geral () (DURKHEIM 1978 pp207-208)
Entretanto tais aspectos satildeo mais perceptiacuteveis em representaccedilotildees coletivas
menos complexas e menos desenvolvidas Na perspectiva do socioacutelogo francecircs
Nas sociedades inferiores () o menor desenvolvimento das individualidades a extensatildeo mais fraca do grupo a homogeneidade das circunstacircncias exteriores tudo contribui para reduzir ao miacutenimo as diferenccedilas e variaccedilotildees O grupo realiza de maneira regular uma uniformidade intelectual e moral de que soacute encontramos raros exemplos nas sociedades mais adiantadas Tudo eacute comum a todos
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Os movimentos satildeo estereotipados todo mundo executa os mesmos atos nas mesmas circunstacircncias e esta conformidade da conduta natildeo faz senatildeo traduzir aquela do pensamento Todas as consciecircncias estando encadeadas nas mesmas correntes o tipo individual quase se confunde com o tipo geneacuterico Ao mesmo tempo em que tudo eacute uniforme tudo eacute simples Nada eacute mais rude do que estes mitos compostos de um uacutenico e mesmo tema que se repete sem fim do que estes ritos que satildeo feitos de um pequeno nuacutemero de gestos recomeccedilados agrave saciedade A imaginaccedilatildeo popular e sacerdotal ainda natildeo teve nem o tempo nem os meios de refinar e de transformar a mateacuteria-prima das ideacuteias e das praacuteticas religiosas portanto se esta mateacuteria se mostra a nu e se oferece por si mesma agrave observaccedilatildeo bastando um esforccedilo miacutenimo para descobri-la O acessoacuterio o secundaacuterio os desenvolvimentos de luxo ainda natildeo vieram esconder o principal Tudo estaacute reduzido ao indispensaacutevel agravequilo sem o que natildeo poderia haver religiatildeo Mas o indispensaacutevel eacute tambeacutem o essencial isto eacute o que antes de tudo importa conhecer (DURKHEIM 1978 p208)
Portanto eacute nas representaccedilotildees coletivas mais simples que se torna possiacutevel
para o socioacutelogo identificar e analisar os aspectos gerais da Religiatildeo presentes
tanto nas religiotildees animistaspagatildes quanto na religiosidade monoteiacutesta (seja cristatilde
judaica ou islacircmica) A evoluccedilatildeo histoacuterica das praacuteticas e sistemas religiosos tornam
tanto os ritos como os dogmas mais elaborados ao mesmo tempo em que
aparecem diversas contradiccedilotildees no interior da coletividade que compotildee determinado
sistema de crenccedilas religiosas Desta forma
() Na medida em que ele [o pensamento religioso] progride na Histoacuteria as causas que o chamaram agrave existecircncia permanecendo sempre ativas natildeo satildeo mais percebidas senatildeo atraveacutes de um vasto sistema de interpretaccedilotildees que as deformam As mitologias populares e as teologias sutis fizeram seu trabalho elas sobrepuseram aos sentimentos primitivos sentimentos muito diferentes que dependendo dos primeiros dos quais eles satildeo a forma elaborada entretanto natildeo deixam transparecer sua natureza verdadeira senatildeo muito imperfeitamente A distacircncia psicoloacutegica entre causa e o efeito entre a causa aparente e a causa efetiva tornou-se mais consideraacutevel e mais difiacutecil para o espiacuterito percorrecirc-la () Nas religiotildees primitivas o fato religioso traz ainda visiacutevel o cunho de suas origens ter-nos-ia sido bem mais aacuterduo inferi-lo considerando apenas as religiotildees mais desenvolvidas (DURKHEIM 1978 pp209-210)
A partir de tal metodologia Eacutemile Durkheim esboccedilou um conceito de religiatildeo
proacuteprio das Ciecircncias Sociais que em linhas gerais foi definido pelo socioacutelogo francecircs
da seguinte maneira
() A religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social As representaccedilotildees religiosas satildeo representaccedilotildees coletivas que exprimem realidades coletivas os ritos satildeo maneiras de agir que nascem no seio dos
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grupos reunidos e que satildeo destinados a suscitar a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos Mas entatildeo se as categorias satildeo de origem religiosa elas devem participar da natureza comum a todos os fatos religiosos elas tambeacutem devem ser coisas sociais produtos do pensamento coletivo Pelo menos - pois no estado atual de nossos conhecimentos nesta mateacuteria devemos nos guardar de toda tese radica e exclusiva ndash eacute legiacutetimo supor que elas satildeo ricas em elementos sociais (DURKHEIM 1978 p212)
Ora se a religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social como destaca
Durkheim ela tambeacutem eacute um mecanismo necessaacuterio para o estabelecimento de uma
identidade coletiva na qual os indiviacuteduos se percebem como participantes de um
grupo social que compartilha os mesmos valores morais e crenccedilas em um
determinado espaccedilo geograacutefico situado em um contexto (tempo histoacuterico) Assim
natildeo eacute o tempo individual relativo a cada ser vivo mas sim
() o tempo tal como eacute objetivamente pensado por todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo Apenas isto jaacute eacute suficiente para fazer entrever que uma tal organizaccedilatildeo deve ser coletiva E com efeito a observaccedilatildeo estabelece que estes pontos de apoio indispensaacuteveis em relaccedilatildeo aos quais todas as coisas satildeo classificadas temporalmente satildeo emprestados agrave vida social As divisotildees em dias semanas meses anos etc correspondem agrave periodicidade dos ritos das festas das cerimocircnias puacuteblicas Um calendaacuterio exprime o ritmo da atividade coletiva ao mesmo tempo que tem por funccedilatildeo assegurar sua regularidade O mesmo acontece com o espaccedilo () A representaccedilatildeo espacial consiste essencialmente numa primeira coordenaccedilatildeo introduzida entre os dados da experiecircncia sensiacutevel Mas esta coordenaccedilatildeo seria impossiacutevel se as partes do espaccedilo fossem qualitativamente equivalentes se elas realmente fossem substituiacuteveis umas agraves outras Para dispor espacialmente as coisas eacute preciso poder situar-las diferentemente () da mesma maneira que para dispor temporalmente os estados de consciecircncia eacute preciso poder localizaacute-los em datas determinadas O que representa dizer que o espaccedilo natildeo poderia ser ele mesmo se assim como o tempo ele natildeo fosse dividido e diferenciado () Todas estas distinccedilotildees evidentemente provecircm do fato de que valores afetivos diferentes foram atribuiacutedos agraves regiotildees E com todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo representam o espaccedilo de uma mesma maneira eacute preciso evidentemente que estes valores afetivos e as distinccedilotildees que dele dependem lhes sejam igualmente comuns o que implica quase necessariamente que elas satildeo de origem social (DURKHEIM 1978 pp212-213)
Em suma as representaccedilotildees coletivas presentes no que Durkheim denomina
de ―fato religioso tem com base valores afetivos compartilhados socialmente em um
determinado contexto temporal (histoacuterico) e espacial (geograacutefico) Natildeo por acaso as
religiotildees na Antiguidade estavam identificadas diretamente com as suas respectivas
civilizaccedilotildees (exemplo o Deus de Israel as divindades egiacutepcias como Hoacuterus e Isiacutes
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Baal da Feniacutecia entre outros) ao mesmo tempo em que aquelas que constituiacuteram
impeacuterios como o caso do Impeacuterio de Alexandre o Grande e o Impeacuterio Romano
construiacuteram panteotildees em suas respectivas capitais com o intuito de guardar as
divindades de todos os povos conquistados e subjugados por suas legiotildees
simbolizando natildeo apenas uma espeacutecie de ecumenismo mas tambeacutem a suposta
superioridade helecircnica e romana sobre os demais povos Por outro lado foi o
caraacuteter ecumecircnico e ―universal do Impeacuterio Romano aleacutem de suas estradas e rotas
de navegaccedilatildeo pelo mar Mediterracircneo que permitiu ao cristianismo se tornar uma
crenccedila que abrangeu todas as proviacutencias do Impeacuterio da Gratilde-Bretanha e Peniacutensula
Ibeacuterica ateacute as fronteiras com a Peacutersia
Outro aspecto importante da anaacutelise de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo eacute sua
diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico Se este corresponde agrave anaacutelise
dos fenocircmenos naturais humanos a partir da observaccedilatildeo e anaacutelise loacutegica e racional
a religiatildeo principalmente atraveacutes da Feacute tem a funccedilatildeo de auxiliar o crente ou o fiel a
viver um cotidiano cheio de obstaacuteculos e percalccedilos Segundo Durkheim (1978
p222)
() Os crentes os homens que vivendo da vida religiosa tecircm a sensaccedilatildeo direta daquilo que a constitui () sentem com efeito que a verdadeira funccedilatildeo da religiatildeo natildeo eacute fazer-nos pensar enriquecer nosso conhecimento acrescentar agraves representaccedilotildees que devemos agrave ciecircncia representaccedilotildees de uma outra origem e de um outro caraacuteter mas a de fazer-nos agir auxiliar-nos a viver O fiel que se comunicou com seu deus natildeo eacute apenas um homem que vecirc novas verdades que o descrente ignora ele eacute um homem que pode mais Ele sente em si mais forccedila seja pra suportar as dificuldades da existecircncia seja para vencecirc-las Ele estaacute como que elevado acima das miseacuterias humanas porquecirc estaacute elevado acima de sua condiccedilatildeo de homem acredita-se salvo do mal sob qualquer forma aliaacutes que ele conceba o mal O primeiro artigo de toda feacute eacute a crenccedila na salvaccedilatildeo pela feacute Uma ideacuteia com efeito natildeo eacute senatildeo um elemento de noacutes mesmos como poderia ela conferir-nos poderes superiores agravequeles que temos por nossa natureza Por mais que ela seja rica em virtudes afetivas natildeo poderia nada acrescentar agrave nossa vitalidade natural pois ela soacute pode liberar as forccedilas emotivas que estatildeo em noacutes natildeo criaacute-las ou aumentaacute-las Do fato de que noacutes nos representamos um objeto como digno de ser amado e procurado natildeo se segue que nos sintamos mais fortes mas eacute preciso que deste objeto emanem energias superiores agravequelas de que dispomos e aleacutem do mais que tenhamos algum meio de fazecirc-las penetrar em noacutes e de misturaacute-las agrave nossa vida interior Ora para isto natildeo eacute suficiente que noacutes a pensemos mas eacute indispensaacutevel que nos coloquemos em sua esfera de accedilatildeo que nos voltemos para lado pelo qual podemos sentir melhor sua influecircncia Numa palavra eacute preciso que ajamos e repitamos os atos que satildeo assim necessaacuterios todas as vezes em que isso eacute uacutetil para renovar seus efeitos()
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A feacute seria o combustiacutevel do fiel responsaacutevel por fortalecer periodicamente a
sua crenccedila Daiacute a importacircncia do culto o ponto localizado no tempo-espaccedilo no qual
o indiviacuteduo compartilha com outros a sua feacute constituindo assim um grupo social cuja
identidade estaacute na religiosidade Atraveacutes do culto a feacute eacute exteriorizada de forma
coletiva por mais que ela seja muitas vezes considerada um sentimento individual
Segundo Durkheim (pp222-223)
De fato quem quer que realmente praticou uma religiatildeo bem sabe que eacute o culto que suscita estas impressotildees de alegria de paz interior de serenidade de entusiasmo que satildeo para o fiel a prova experimental de suas crenccedilas O culto natildeo eacute simplesmente um sistema de signos pelos quais a feacute se traduz para o exterior ele eacute a coleccedilatildeo dos meios pelos quais ela se cria e recria periodicamente Que ele consista em manobras materiais ou em operaccedilotildees mentais eacute sempre ele que eacute eficaz
Atraveacutes do culto a coletividade impotildee a sua forccedila sobre o indiviacuteduo pois sua
feacute tem como alicerce paracircmetros externos estabelecidos pela sociedade ou
civilizaccedilatildeo agrave qual pertence Desta forma
() Quem faz o homem eacute este conjunto de bens intelectuais que constitui a civilizaccedilatildeo e a civilizaccedilatildeo eacute obra da sociedade E assim se explica o papel preponderante do culto em todas as religiotildees quaisquer que sejam Pois a sociedade soacute pode exercer influecircncia se ela for um ato e ela soacute pode ser um ato se os indiviacuteduos que a compotildeem estiverem reunidos e agirem em comum Eacute pela accedilatildeo comum que ela toma consciecircncia de si e se potildee antes de tudo ela eacute uma cooperaccedilatildeo ativa Mesmo as ideacuteias e os sentimentos coletivos apenas satildeo possiacuteveis graccedilas a movimentos exteriores que os simbolizam assim como estabelecemos Portanto a accedilatildeo domina a vida religiosa apenas porque a sociedade eacute sua fonte (DURKHEIM 1978 p223)
Para Durkheim a religiatildeo e suas praacuteticas tecircm tanta importacircncia para a
sociedade pois esta constitui agrave sua base A partir dos princiacutepios morais
estabelecidos atraveacutes dos dogmas religiosos que as civilizaccedilotildees e sociedades mais
antigas estabeleceram as demais instituiccedilotildees que exercem o controle social algo
essencial para a manutenccedilatildeo da coesatildeo entre os diversos grupos sociais e o pleno
funcionamento do organismo social
() Portanto pode-se dizer resumindo que quase todas as grandes instituiccedilotildees sociais nasceram da religiatildeo Ora para que os principais aspectos da vida coletiva tenham comeccedilado por aspectos variados da vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressatildeo abreviada da vida coletiva inteira Se a religiatildeo engendrou tudo o que haacute de essencial na sociedade eacute porque a ideacuteia da sociedade eacute a alma da religiatildeo (DURKHEIM 1978 p224)
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A ideia de que a sociedade eacute a alma da religiatildeo estaacute interligada a percepccedilatildeo
de que a religiatildeo foi responsaacutevel por estabelecer as primeiras bases da eacutetica e da
moral na maior parte das civilizaccedilotildees humanas Assim eacute possiacutevel concluir que
As forccedilas religiosas satildeo pois forccedilas humanas forccedilas morais Sem duacutevida porque os sentimentos coletivos natildeo podem tomar consciecircncia de si mesmos senatildeo fixando-se sobre objetos exteriores tais forccedilas natildeo puderam se constituir sem tomar agraves coisas alguns dos seus caracteres adquiriram assim um tipo de natureza fiacutesica a este tiacutetulo elas vieram misturar-se agrave vida do mundo material e eacute por elas que se acreditou poder explicar o que nele se passa Mas quando satildeo consideradas somente por este lado e nesta atribuiccedilatildeo vecirc-se apenas o que elas tecircm de mais superficial Na realidade eacute a consciecircncia que satildeo emprestados os elementos essenciais dos quais elas satildeo feitas Ordinariamente parece que elas natildeo teriam um caraacuteter humano senatildeo quando satildeo pensadas sob forma humana no entanto mesmo as mais impessoais e mais anocircnimas natildeo passam de sentimentos objetivados Soacute vendo as religiotildees sob este acircngulo eacute possiacutevel perceber sua verdadeira significaccedilatildeo Prendendo-se agraves aparecircncias os ritos frequentemente parecem o efeito de operaccedilotildees puramente manuais satildeo unccedilotildees lavagens refeiccedilotildees Para consagrar uma coisa se a coloca em contato com uma fonte de energia religiosa () Assim compreendida a teacutecnica religiosa parece um tipo de mecacircnica miacutestica Mas estas manobras materiais satildeo o invoacutelucro exterior sob o qual se dissimulam operaccedilotildees mentais Finalmente trata-se natildeo de exercer um tipo de coaccedilatildeo fiacutesica sobre forccedilas cegas e aliaacutes imaginaacuterias mas de atingir consciecircncias de tonificaacute-las disciplinaacute-las () Eacute sobre a vida moral que elas tecircm por principal funccedilatildeo agir Compreende-se assim que o que foi feito em nome da religiatildeo natildeo poderia ter sido feito em vatildeo pois foi necessariamente a sociedade dos homens a humanidade que recolheu os seus frutos (DURKHEIM 1978 p224)
Se por um lado alguns intelectuais poderiam contestar as conclusotildees de
Durkheim sobre a religiatildeo principalmente no que se refere ao estabelecimento e
coacutedigos morais inspirados em uma realidade social perfeita cuja concretude soacute
existiria no plano imaginaacuterio o socioacutelogo francecircs contra-argumenta ao ressaltar que
as aspiraccedilotildees humanas imaginaacuterias originam-se a partir das necessidades
humanas existentes na realidade concreta da vida em sociedade
Mas diz-se qual eacute exatamente a sociedade da qual se tirou o substrato da vida religiosa Eacute a sociedade real tal como ela existe e funciona sob nossos olhos com a organizaccedilatildeo moral juriacutedica que ela laboriosamente modelou no decorrer da histoacuteria Mas ela estaacute repleta de taras e de imperfeiccedilotildees Aqui o mal rodeia o bem a injusticcedila frequentemente reina como soberana a verdade eacute em cada instante obscurecida pelo erro Como um ser tatildeo grosseiramente constituiacutedo poderia inspirar os sentimentos de amor o entusiasmo ardente o espiacuterito de abnegaccedilatildeo que todas as religiotildees reclamam de seus fieacuteis Estes seres perfeitos que satildeo os deuses natildeo podem ter emprestado suas feiccedilotildees a uma realidade tatildeo mediacuteocre algumas
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vezes tatildeo baixa Trata-se ao contraacuterio da sociedade perfeita onde a justiccedila e a verdade seriam soberanas de onde o mal sob todas as suas formas estaria extirpado Natildeo se contesta que ela esteja em estreita relaccedilatildeo com o sentimento religioso pois diz-se as religiotildees tendem a realizaacute-la Apenas esta sociedade natildeo eacute um dado empiacuterico definido e observaacutevel ela eacute uma quimera um sonho no qual os homens acalentaram suas miseacuterias mas que eles jamais viveram na realidade Ela eacute uma simples ideia que vem traduzir na consciecircncia nossas aspiraccedilotildees mais ou menos obscuras para o bem o belo o ideal Ora estas aspiraccedilotildees tecircm em noacutes suas raiacutezes vecircm das proacuteprias profundezas de nosso ser portanto natildeo existe nada fora de noacutes que possa explicaacute-las Aliaacutes jaacute satildeo religiosas por si mesmas portanto a sociedade ideal supotildee a religiatildeo longe de poder explicaacute-la (DURKHEIM 1978 p225)
Cabe destacar portanto que para Eacutemile Durkheim a religiatildeo estaacute longe de
ser uma ilusatildeo habilmente manipulada pelos detentores do poder visando alienar a
sociedade (ou mais precisamente as classes sociais menos favorecidas) de seus
problemas decorrentes de uma sociedade marcada pela injusticcedila e sofrimento mas
uma representaccedilatildeo da proacutepria realidade pois em sua simbologia ela reproduz os
dramas existenciais muitas vezes decorrentes da carecircncia dos recursos necessaacuterios
para suprir as suas proacuteprias necessidades Por esta razatildeo
() eacute simplificar arbitrariamente as coisas ver a religiatildeo soacute por seu lado idealista ela eacute realista agrave sua maneira Natildeo existe fealdade fiacutesica ou moral natildeo existem viacutecios nem males que natildeo tenham sido divinizados Houve deuses do roubo e da astuacutecia da luxuacuteria e da guerra da doenccedila e da morte O proacuteprio cristianismo por mais alta que seja a ideia que ele se faz da divindade foi obrigado a dar ao espiacuterito do mal um lugar em sua mitologia Satatilde eacute uma peccedila essencial do sistema cristatildeo ora se ele eacute um ser impuro natildeo eacute um ser profano O antideus eacute um deus inferior e subordinado eacute verdade mas dotado de poderes extensos ele eacute mesmo objeto de ritos pelo menos negativos Portanto longe de a religiatildeo ignorar a sociedade real e dela fazer abstraccedilatildeo ela eacute sua imagem reflete todos os seus aspectos mesmo os mais vulgares e os mais repugnantes Tudo se reencontra nela e se frequentemente se vecirc o bem subjugar o mal a vida a morte as potecircncias da luz as potecircncias das trevas eacute porque diferentemente na realidade Pois se a relaccedilatildeo entre as forccedilas contraacuterias fosse inversa a vida seria impossiacutevel ora de fato ela se manteacutem e mesmo tende a se desenvolver (DURKHEIM 1978 p225)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Por fim cabe uma reflexatildeo sobre a validade das consideraccedilotildees
metodoloacutegicas e analiacuteticas propostas por Eacutemile Durkheim sobre a Sociologia da
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Religiatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX Em um artigo publicado em 2012 Ana Keila Mosca
Pinezi e Eacuterica Ferreira da Cunha Jorge inicialmente problematizaram de forma criacutetica
a teoria durkheimiana ao questionarem a validade de seus conceitos
Algumas correntes questionam a validade e utilizaccedilatildeo do pensamento durkheimiano nas anaacutelises contemporacircneas sobre religiatildeo por este universo de estudos ter sido completamente reconfigurado Um dos argumentos seria que as abordagens claacutessicas da sociologia da religiatildeo de Durkheim natildeo se ajustam agrave realidade atual um momento dominado pelo individualismo crescente como valor nas sociedades poacutes-industriais contemporacircneas Seraacute que o socioacutelogo francecircs imaginou que as sociedades ocidentais caminhariam para este processo de individualismo Eacute possiacutevel que os estudos atuais levem em consideraccedilatildeo as propostas de representaccedilotildees coletivas apontadas em suas claacutessicas antinomias (PINEZI JORGE 2012 p84)
Apesar das autoras considerarem que boa parte das categorias socioloacutegicas
propostas por Durkheim natildeo podem ser mais utilizadas ―puramente devendo ser
adaptadas de forma criacutetica para a anaacutelise de objetos de pesquisas contemporacircneos
concluiacuteram tal problematizaccedilatildeo da seguinte forma
() a atualidade e a relevacircncia da teoria durkheimiana retomada criticada reelaborada mas fundamental para que se prossiga na tarefa tatildeo aacuterdua quanto antes de pensar os arranjos e rearranjos do movimento do coletivo em relaccedilatildeo agrave busca do sobrenatural e da explicaccedilatildeo do consolo em relaccedilatildeo aos fatos da vida (PINEZI JORGE 2012 p98)
Partindo de tal perspectiva eacute possiacutevel observar a atualidade do referencial
metodoloacutegico de pesquisa e anaacutelise propostos por Eacutemile Durkheim para o estudo
socioloacutegico da religiatildeo As diversas denominaccedilotildees religiosas e seus sistemas
simboacutelicos expressos em seus cultos e nos seus coacutedigos de conduta moral satildeo
compartilhados por parcelas consideraacutevel da sociedade constituindo importantes
grupos sociais que atuam em um contexto marcado natildeo apenas pelo individualismo
exacerbado mas tambeacutem pela formaccedilatildeo de coletividades diversas que
compartilham diferentes (e muitas vezes antagocircnicos) princiacutepios e visotildees de
mundo Desta forma cabe ao cientista social partir para o desafio de identificar os
aspectos gerais e particulares das diversas formas de religiosidade praticadas na
sociedade com a perspectiva de contribuir natildeo apenas para a construccedilatildeo de um
conhecimento cientiacutefico sobre elas mas tambeacutem de construir um acervo intelectual
capaz de contribuir para a construccedilatildeo de um paiacutes realmente tolerante e democraacutetico
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no qual as mais diferenciadas expressotildees religiosas e ateacute aqueles que se mostram
descrentes possam conviver pacificamente respeitando as suas crenccedilas e opiniotildees
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
COSTA Cristina Sociologia ndash Introduccedilatildeo agrave ciecircncia da sociedade Satildeo Paulo
Editora Moderna 2010
DURKHEIM Eacutemile Os Pensadores Satildeo Paulo Abril Cultural 1978
_______________ As regras do meacutetodo socioloacutegico Satildeo Paulo Nacional
1987
_______________ As formas elementares da vida religiosa o sistema
totecircmico da Austraacutelia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
PINEZI Ana Keila Mosca JORGE Eacuterica Ferreira da Cunha Revisitando
dicotomias claacutessicas em As Formas da Vida Religiosa sagrado X profano
religiatildeo X magia Estudos de Religiatildeo v26 n 42 ndash Ediccedilatildeo Especial pp 83-
98 Disponiacutevel em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=6342741
acessado em 26 de dezembro de 2019
QUINTANEIRO Tania BARBOSA Maria Liacuteia de Oliveira OLIVEIRA Maacutercia
Guardecircnia de Um toque de claacutessicos ndash Marx Durkheim Weber 2ed Belo
Horizonte Editora UFMG 2009
SILVA Mauricio Cocircrrea de et al Metodologia Cientiacutefica para as Ciecircncias
Sociais Aplicadas anaacutelises criacuteticas sobre meacutetodos e tipologias de pesquisas e
destaque de contribuiccedilotildees de Marx Weber e Durkheim Revista Cientiacutefica
Hermes n13 pp159-179 2015 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2829321 acessado em
acessado em 26 de dezembro de 2019
Autor ndash Dr Mauriacutecio Tintori Piqueira
Docente FATEJ FADISA Doutor em Ciecircncias Sociais e Mestre em
Histoacuteria pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica
de Satildeo Paulo (PUC-SP)
Gestor Institucional-Acadecircmico da Faculdade
de Tecnologia JardimFaculdade de Direito de
Santo Andreacute
tintoriledyahoocombr
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ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA
ldquoAge sempre de tal modo que o teu
comportamento possa vir a ser princiacutepio
de uma de uma lei universalrdquo
Immanuel Kant
RESUMO
Nesse artigo procurar defender a possibilidade de se elaborar um conceito de
justiccedila que decorra de moral a partir dos princiacutepios cristatildeos do amor ao proacuteximo
que a nosso ver eacute alicerce da visatildeo de mundo ocidental Para tanto fazemos uma
anaacutelise das modernas noccedilotildees de Direito e das nuances do ideal de igualdade que
funda as noccedilotildees de justiccedila frente ao pensamento de Immanuel Kant
Palavras-chave Justiccedila Direito Religiatildeo Cristianismo
ABSTRACT
In this article we seek to defend the possibility of elaborating a moral concept
of justice based on the Christian principles of love of neighbor which in our view is
the foundation of the Western worldview To do so we analyze the modern notions of
law and the nuances of the ideal of equality which underlies the notions of justice in
front of the thought of Immanuel Kant
Keywords Justice Law Religion Christianity
INTRODUCcedilAtildeO
Ao nos depararmos com a obra de Herbert Hart o vemos apontando a justiccedila
como um segmento especiacutefico da moral que passa pelo sentido de condenaccedilatildeo
coletiva de determinada conduta natildeo se considerando simplesmente o valor
autor Piterson Balmat Gonccedilalves
piterson_avyahoocombr
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individual da accedilatildeo assim justiccedila seria a parte da moral que eacute pensada
coletivamente1 Rawls de maneira semelhante define justiccedila como a primeira
virtude das instituiccedilotildees sociais2
Na mesma esteira Teacutercio Sampaio Ferraz Juacutenior nos mostra que ―a justiccedila eacute
o princiacutepio e problema moral do direito3 Assim afirma porque identifica a justiccedila
como sendo ―o sentido unificador do universo moral de qualquer homem sem o
qual a vida se torna insuportaacutevel4 Em suma a justiccedila seria o elemento moral que
doa sentido (comunicativo) agraves regras de convivecircncia5
Dessa maneira a justiccedila seria o elemento externo ao Direito derivado da
moral capaz de lhe dar sentido Para este fim ele aponta que longe de se tratar de
uma questatildeo de crenccedila aquilo que acreditamos ser virtuoso (e a partir dele justo ndash
porque eacute certo todos agirem assim que eacute justo todos agirem assim) deriva daquilo
que compreendemos ser racional no sentido de ―relacionar ―ligar coisaslsquo entre si
motivo pelo qual justiccedila representa ―equiliacutebrio entre dois pontos6 Assim aponta a
igualdade como o princiacutepio universal daquilo que representa justiccedila
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL
Seria assim a noccedilatildeo de equiliacutebrioigualdade o elo moral de todas as
condutas humanas que reivindicam a participaccedilatildeo do Direito Eacute o criteacuterio moral de
justiccedila que estabiliza as relaccedilotildees e sem ele natildeo eacute possiacutevel viver
Nesse sentido a sua caracteriacutestica essencial seria constituiacuteda da noccedilatildeo de
equiliacutebrio dentro da qual o homem passa a existir A este equiliacutebrio gerado deve ser
dado o nome de justiccedila por ser o princiacutepio que dirige as relaccedilotildees do homem e que
serve de base para o processo de reconhecimento daquilo a que chamamos Direito
1 Nesse sentido ―a equidade (ou imparcialidade) coincide com a moral em geral as referecircncias a ela
satildeo pertinentes sobretudo em duas situaccedilotildees da vida social Uma se daacute quando natildeo estamos considerando a conduta de um uacutenico indiviacuteduo mas a forma como se tratam classes de indiviacuteduos quando haacute algum encargo ou benefiacutecio a ser distribuiacutedo entre elas (hellip) A segunda situaccedilatildeo ocorre quando algum prejuiacutezo foi causado e se reivindica a indenizaccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do dano Hart Herbert O conceito de Direito pp 205-206 A justiccedila portanto pensa aleacutem do elemento interno da accedilatildeo moral a sua motivaccedilatildeo mas busca se colocar no elemento exterior agrave sua praacutetica qual seja na realizaccedilatildeo de um desejo de igualdade Apesar das criacuteticas que poderemos realizar agrave colocaccedilatildeo geneacuterica da igualdade para aplicaccedilatildeo da justiccedila (jaacute que vinganccedila eacute distinta da distribuiccedilatildeo por exemplo) a distinccedilatildeo da justiccedila da moral comum como fruto do desejo de igualdade nos parece ser correto e dele natildeo deixaremos de nos valer 2 Rawls John uma teoria da justiccedila citado por Ricoeur Paul O Justo 1 p 30
3 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito p 332
4 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 328
5 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
6 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
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Justiccedila eacute assim um ideal pertencimento comum entre os homens pelo qual
se prega ou fomenta a igualdade entre os seus membros
Entretanto apesar da correccedilatildeo do pensamento dos aludidos autores se
observarmos as noccedilotildees de justiccedila que a Histoacuteria nos daacute perceberemos que elas (i)
tanto satildeo diferentes entre si como (ii) podem natildeo representar de fato um desejo de
igualdade entre os homens
Nesse sentido ainda que se quisesse natildeo se poderia considerar de maneira
igual por exemplo a justiccedila retributivareparatoacuteria que eacute a forma de Direito mais
antiga entre os homens a justiccedila comutativa (justiccedila derivada do acordo contratual
que busca equilibrar os elementos de uma permuta a partir do momento em que a
Economia precisa de uma reflexatildeo imediata do Direito a respeito das relaccedilotildees por
ela estabelecidas) ou mesmo uma justiccedila distributiva (bem mais proacutexima do Direito
estatal moderno e do exerciacutecio poliacutetico das ―democracias poacutes-Revoluccedilatildeo Francesa)
Da mesma forma natildeo se poderia concluir que tais noccedilotildees de justiccedila se baseiam em
um desejo de realizaccedilatildeo da igualdade entre os homens
Se observarmos as diversas noccedilotildees de justiccedila que nos satildeo dadas veremos
que elas na verdade se identificam muito mais com o aspecto institucional do
exerciacutecio do Direito do que se ligam com a busca do bem e a realizaccedilatildeo do
pertencimento tiacutepicos da moral Elas se relacionam primordialmente com intenccedilatildeo
de impeacuterio do Direito que busca mantecirc-lo vaacutelido perante os homens Em uacuteltima
instacircncia natildeo importa se servem para a praacutetica de um padratildeo moral mas antes se
valem para a realizaccedilatildeo de determinados interesses
Isso acontece por exemplo com a justiccedila comutativa onde a bilateralidade
atributiva que conteacutem em si uma forma de igualdade serve na verdade a
determinados interesses econocircmicos que precisam ser assegurados pelo poder
poliacutetico que emana do Direito Eacute assim tambeacutem com a justiccedila retributiva a qual
inspirada no desejo comum de vinganccedila vecirc este desejo monopolizado pelo poder
poliacutetico do Estado que o exerce atraveacutes da institucionalizaccedilatildeo do seu Direito ou
mesmo com a justiccedila distributiva que serve no fundo agrave pacificaccedilatildeo de conflitos
para a manutenccedilatildeo da seguranccedila do modelo institucionalmente imposto
Ocorre poreacutem que se a justiccedila eacute entendida dessa maneira a igualdade que
ela pressupotildee acaba por se resumir ao contraacuterio do que se concluiu inicialmente (eacute
dizer que justiccedila eacute o princiacutepio moral do Direito) a uma forma de dominaccedilatildeo que ao
manipular interesses dissimula interesses que lhe satildeo anteriores Se levado a uacuteltimo
termo trata-se a justiccedila neste exerciacutecio de poder de um jogo de interesses sendo
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que seraacute mais justo o padratildeo que mais souber ocultar os interesses por detraacutes da
pregaccedilatildeo da igualdade e ateacute mesmo souber fingir ser moral para se desviar da
necessidade que ela impotildee a respeito de se fazer o bem
A articulaccedilatildeo moral da maneira que nos eacute ensinada nesse acircmbito eacute quase
inexistente Na verdade se o problema da justiccedila fosse apenas este jogo de
interesses o problema da moral do Direito natildeo existiria vez que acabariacuteamos por
concluir que (i) o mais justo eacute o mais imoral ou mesmo o mais amoral e
consequentemente que (ii) natildeo haacute justiccedila ou natildeo haacute moral (sim pois se apenas
existe o mal natildeo existe o bem moral pelo que o proacuteprio mal natildeo existe) jaacute que seria
apenas dissimulando interesses que se conquistam padrotildees de uma falsa igualdade
Neste cenaacuterio que vai de mal a pior perde-se a esperanccedila na possibilidade de
existir algo aleacutem dos jogos de interesses fundados no egoiacutesmo humano de maneira
que a justiccedila faccedila algum sentido
O problema da igualdade revelado a partir dos interesses ganha entatildeo um
novo niacutevel de reflexatildeo Se a igualdade eacute pensada a partir do seu motivo natildeo basta
apenas que exista estruturalmente a igualdade natildeo basta que seja pensada
―coletivamente Faz-se necessaacuterio que moralmente a igualdade faccedila sentido e que
natildeo se destine a justiccedila a realizar o interesses de alguns
Ora eacute exatamente sobre este ponto que repousa toda a discussatildeo Se o jogo
de interesses representa a perda da possibilidade de igualdade entre os homens
(igualdade esta que como vimos eacute o fundamento da ideia de justiccedila) para que esta
exista a forccedila que motiva a accedilatildeo deve ser portanto desinteressada
A questatildeo eacute existiria alguma forccedila desinteressada no acircmbito da accedilatildeo
humana capaz de fundamentar a igualdade entre os homens sem que isso
represente um jogo de manipulaccedilotildees
Sem duacutevida para que houvesse este tipo de forccedila desinteressada natildeo
poderia ter ela origem nos desejos ordinaacuterios que servem justamente para que o
homem persiga determinados interesses Deveria haver um desejo superior que a
fundamentasse de maneira que natildeo existisse qualquer condiccedilatildeo que lhe tirasse a
necessidade Ao ser necessaacuterio o desejo seria universal vaacutelido para todos os
homens em qualquer tempo e assim poderia criar condiccedilotildees de igualdade para se
existir
Se concebido dessa maneira ndash e parece ser essa a uacutenica forma que se pode
pensar ndash para se formular uma teoria da justiccedila eacute indispensaacutevel a universalidade do
padratildeo moral precedecirc-la de maneira que esta seja atraveacutes da universalidade
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fomentada entre os homens E eacute neste ponto em que os padrotildees de justiccedila que
apontamos se mostram insuficientes para gerar igualdade porque natildeo levam em
conta o elemento da motivaccedilatildeo moral o interesse que inspira essas formas de
igualdade deixam de observar que facilmente a questatildeo da justiccedila se torna o
problema da injusticcedila
A universalidade se faz necessaacuteria na medida em que natildeo havendo um valor
de bem intriacutenseco agraves accedilotildees que se busca compreender natildeo poderaacute haver um bom
desejo podendo qualquer interesse decorrente de qualquer desejo servir de base
para a realizaccedilatildeo da ―igualdade Se isto ocorre o sentido de justiccedila acaba por se
resumir agrave forma de sua igualdade a qual resolve no fim das contas apenas parte
do problema Eacute dizer se a moral encontra seu ponto uacuteltimo na divisatildeo entre os
desejos e a ideia de igualdade que possibilita um conceito de justiccedila depende da
moral apenas quando se encontra um desejo universal eacute que se localiza uma justiccedila
que verdadeiramente serve a todos os homens
Aiacute a primeira grande importacircncia de Kant para o resgate do sentido de justiccedila
encontrar um elemento do desejo humano que parta da sua motivaccedilatildeo subjetiva
capaz de alcanccedilar a universalidade moral possibilitando a realizaccedilatildeo da igualdade
na sua universalidade A segunda contribuiccedilatildeo como veremos a seguir eacute o
elemento praacutetico da proacutepria construccedilatildeo universal que guia o homem para o seu todo
humano como um fim em si mesmo capaz de resgatar o homem da sua apatia e
indeterminaccedilatildeo eacuteticas Ambas em conjunto caminham agrave noccedilatildeo de amor ao
proacuteximo que nos eacute trazida do cristianismo
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO
Para que possamos avanccedilar no entanto seraacute necessaacuterio falar do problema
do formalismo kantiano jaacute que a foacutermula de universalidade que ele nos indica
parece se resumir a um simples absoluto loacutegico com isto queremos que apareccedila a
intenccedilatildeo escatoloacutegica de Kant e surja na dignidade do homem o caminho da vida
em comum
De fato se nos limitarmos agraves linhas baacutesicas da filosofia kantiana
perceberemos que ela nos eacute apresentada como aquela na qual a possibilidade de
accedilatildeo nos horizontes morais segundo juiacutezos que se remetem a maacuteximas evoca o
imperativo categoacuterico como prova da autonomia da vontade no homem Na sua
determinaccedilatildeo criacutetica trata-se de uma vontade que estaacute sujeita agraves leis da proacutepria
razatildeo um fundamento da capacidade de agir que natildeo dialoga imediatamente com
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outra coisa senatildeo com a proacutepria razatildeo que quer que se determina conforme a
razatildeo que legisla
O sistema que ele cria da maneira que o proacuteprio Kant pretendeu eacute uma
tentativa de localizar o a priori dentre os moacutebiles do agir no intuito de dar
continuidade ao seu projeto criacutetico agrave esfera do querer humano Quando ele localiza a
liberdade como condiccedilatildeo do agir a vontade a um determinado fim como meio e
todo caminho que atrapalhe a vontade de atingir diretamente o seu fim como
contingecircncia realiza o seu plano e daacute organicidade aos conhecimentos sobre a
moral
Visto dessa maneira tudo parece indicar que na esfera da moralidade natildeo
haacute outra coisa a se pensar senatildeo a sua construccedilatildeo baseada em um tipo de absoluto
loacutegico Sim pois se as ligaccedilotildees se datildeo por meio de determinados elementos
estruturais fixos o pensamento de Kant sobre a eacutetica natildeo pode ser senatildeo pura
forma
Nesse sentido tomemos de exemplo as palavras de Deleuze que
interpretando o pensamento de Kant nos mostra o instante em que a filosofia moral
de Kant eacute uma edificaccedilatildeo loacutegica e portanto formal
―Vimos que a faculdade de desejar era capaz de uma forma superior quando ela era determinada natildeo por representaccedilotildees de objectos (sensiacuteveis ou intelectuais) natildeo por um sentimento de prazer ou de dor que ligaria representaccedilotildees deste geacutenero agrave vontade mas pela representaccedilatildeo de uma pura forma Esta forma pura eacute a de uma legislaccedilatildeo universal A lei moral natildeo se apresenta como um universal comparativo e psicoloacutegico (por exemplo natildeo faccedilas aos outros etc) A lei moral ordena-nos que pensemos a maacutexima da nossa vontade como ―princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universal Eacute pelo menos conforme agrave moral uma acccedilatildeo cuja maacutexima pode ser pensada sem contradiccedilatildeo como lei universal O universal neste sentido eacute um absoluto loacutegico
7
Pensada assim a filosofia de Kant natildeo serve agrave formaccedilatildeo de uma praacutexis
servindo como uma mera foacutermula metafiacutesica E de fato uma vez que se detenha
nessa criacutetica ver-se-aacute que ela eacute procedente por alguns motivos
Em primeiro lugar haacute um claro formalismo na maneira que satildeo constituiacutedos
os seus escritos que por mais das vezes dentro de um rigoroso encadeamento
loacutegico arriscam-se em tautologias O meacutetodo geral de sua filosofia que tambeacutem eacute
vaacutelido para a sua Eacutetica se articula de maneira que nela se tenha como objetivo
provar que a razatildeo eacute a faculdade de adequar o seu objeto ndash no caso da moral a
7 Deleuze Gilles A filosofia Criacutetica de Kant p 35
26
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razatildeo praacutetica ndash conforme a um fim Eacute da prova silogiacutestica em que se constituem suas
foacutermulas8
Em um segundo momento vemos um formalismo intriacutenseco agrave sua filosofia
moral no que diz respeito agrave capacidade de legislar Esta inerente agrave razatildeo natildeo se
realiza segundo Kant da mesma maneira para o conhecer e para o querer No caso
do conhecimento haacute uma clara relaccedilatildeo entre um eu-subjetivo e mundo-objetivo que
no seu ponto a priori e universalizaacutevel ―significa a capacidade de perceber9 Isso
cria no fim das contas as condiccedilotildees objetivas de todo conhecimento e universaliza
a razatildeo pura ora se se condiciona o sujeito ao objeto e o objeto ao sujeito fecha-se
um sistema entre eles o qual se considerarmos o seu objeto como um conjunto de
apreensotildees da experiecircncia realiza de fato uma faculdade de conhecer uniforme
No caso do querer no entanto estaacute ausente a apreensatildeo fenomecircnica isto eacute
falta-lhe o mundo-objetivo Como vimos anteriormente para Kant o querer tem entre
a accedilatildeo e a liberdade do sujeito apenas a proacutepria vontade que na sua forma pura
nada mais eacute que o representante da razatildeo dentro do sujeito O plano objetivo
igualmente eacute a representaccedilatildeo da razatildeo pura na ideia de lei moral Nesse sentido
natildeo haacute coisas que estejam postas para serem percebidas em estruturas e
compartimentadas conforme as suas categorias observaacuteveis O subjetivo eacute a razatildeo e
o objetivo tambeacutem o eacute haacute apenas a razatildeo se articulando no sujeito observando o
dever que tem perante a lei moral intermediando a liberdade e os fins da accedilatildeo
humana tornando ela capaz de ser accedilatildeo moral Em outras palavras na criacutetica eacutetica
de Kant tudo se resume agrave razatildeo a razatildeo que quer eacute a razatildeo que legisla Tudo
permanece dentro do sujeito transcendental o subjetivo e o objetivo advecircm da
mesma origem restando a liberdade como afirma Hegel como elemento de
autolimitaccedilatildeo exterior e portanto formal10
8 Nesse sentido o proacuteprio Kant como vimos afirma ―a divisatildeo da Analiacutetica da razatildeo praacutetica pura teraacute
de resultar semelhante agrave de um silogismo ou seja procedendo do universal na premissa maior (do princiacutepio moral) mediante uma subsunccedilatildeo na premissa menor de possiacuteveis accedilotildees (como boas ou maacutes) sob aquela agrave conclusatildeo ou seja agrave determinaccedilatildeo subjetiva da vontade (a um interesse pelo bem praticamente possiacutevel e agrave maacutexima fundada sobre aquele) Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes p 147 Para tanto cumpre salientar que Kant considera que a razatildeo enquanto faculdade superior eacute dizer como universalidade dos seus proacuteprios fins se realiza tanto subjetivamente enquanto se reflete acerca das condiccedilotildees de cada sujeito alcanccedilar o princiacutepio aplicaacutevel como objetivamente onde se eacute capaz de pensar nas condiccedilotildees gerais que concretizam determinado fim como fim universal Este eacute portanto o meacutetodo loacutegico de universalizaccedilatildeo de Kant 9 Cf Cacciola Maria Luacutecia Os pensadores um Curso p 144
10 Nesse sentido vemos a criacutetica realizada por Hegel ―a definiccedilatildeo kantiana geralmente admitida
(Kant Doutrina do Direito) em que o elemento essencial eacute a 1limitaccedilatildeo da minha liberdade (ou do meu livre-arbiacutetrio) para que ela possa estar de acordo com o livre-arbiacutetrio de cada um segundo uma lei gerallsquo apenas constitui uma determinaccedilatildeo negativa (a de limitaccedilatildeo) Por outro lado o positivo que haacute nela a lei da razatildeo universal ou como tal considerada o acordo da vontade particular de cada um com a de cada outro leva agrave bem conhecida identidade formal e ao princiacutepio da contradiccedilatildeo A citada
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Parece contudo que se o pensamento kantiano ficasse limitado agraves
fragilidades do seu formalismo ficaria incompreendido com relaccedilatildeo agrave sua finalidade
Isto parece coincidir com as intenccedilotildees do proacuteprio autor senatildeo acabaria natildeo tendo
feito Eacutetica mas Loacutegica
Assim buscaremos observar a idealidade da razatildeo praacutetica ndash jaacute que concorda
sempre e unicamente consigo mesma sem elementos externos ndash e a relaccedilatildeo que
existe entre humanidade como fim em si mesmo o conceito de autonomia e o reino
dos fins vislumbrado por Kant de maneira que do sentido da sua filosofia moral
decorra uma noccedilatildeo de justiccedila ndash e como ela eacute na verdade uma articulaccedilatildeo da ideia
cristatilde de amor ao proacuteximo
A idealidade da razatildeo praacutetica eacute um elemento imprescindiacutevel para
compreensatildeo da moral Segundo Joaquim Salgado o ideal decorre da
ultrapassagem da noccedilatildeo que eacute um conceito puro que tem origem tatildeo soacute no
entendimento de maneira que ―quando a noccedilatildeo se torna transcendente isto eacute
ultrapassa toda possibilidade da experiecircncia tem-se a ideia ou o conceito da
razatildeo11
Nessa linha ideia eacute o ―esforccedilo metafiacutesico da razatildeo12 a sua pura
transcendentalidade ou encontro das condiccedilotildees da razatildeo que natildeo pode ser provada
no plano exterior mas eacute pressuposto na sua siacutentese total e incondicionada13
Partindo sempre Kant de noccedilotildees ele busca justamente reunir os elementos que
delas derivam para compor as ideias que dirigem a razatildeo pura
Com efeito deve-se notar que apesar de ser incondicionada a ideia tem um
valor em si aleacutem de ser o ponto que legitima o esforccedilo metafiacutesico Isso porque nela
que se encontra o ponto de unidade entre os conceitos comuns (como por exemplo
o de boa vontade) que faraacute com que o valor perseguido pela razatildeo se legitime
tornando-se regra universal Destarte a ideia eacute a totalidade daquilo que se torna
definiccedilatildeo conteacutem a ideia muito divulgada desde Rousseau de que a base primitiva e substancial deve estar natildeo na vontade como existente e racional em si e para si natildeo no espiacuterito como espiacuterito verdadeiro mas na vontade do indiviacuteduo no livre-arbiacutetrio que lhe eacute proacuteprio Uma vez aceito tal princiacutepio o racional soacute pode aparecer para essa liberdade como uma limitaccedilatildeo natildeo Portanto como razatildeo imanente mas como um universal exterior formal Natildeo precisa o pensamento filosoacutefico recorrer a qualquer consideraccedilatildeo especulativa para repelir este ponto de vista desde que ele produziu nas cabeccedilas e na realidade acontecimentos cujo horror soacute tem igual na vulgaridade dos pensamentos que os causaram Hegel G W F Princiacutepios da Filosofia do Direito Trad Orlando Vitorino apud in Novelli Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos p 107 11
Salgado Joaquim Ibidem p 43 12
Salgado Joaquim Ibidem p 52 13
Salgado Joaquim Ibidem p 43
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inquestionaacutevel a partir das condiccedilotildees comuns14 A ideia portanto ao fazer o papel
de siacutentese conteacutem em si a finalidade da razatildeo
Diante deste cenaacuterio retornamos ao conceito de humanidade o qual
transformado no ideal de humanidade como um fim e si mesmo conteacutem o ponto
nodal de toda a criacutetica moral Neste sentido retornemos ao iniacutecio deste capiacutetulo e
vejamos como Kant inicia sua Fundamentaccedilatildeo do conceito comum de boa vontade
ateacute chegar agrave lei moral que eacute o ideal que dirige a motivaccedilatildeo agrave sua universalidade A
partir daiacute a lei moral expressa no imperativo categoacuterico encontra sua expressatildeo
praacutetica suprema na ideia de humanidade expressa no imperativo praacutetico ―age de tal
maneira que tomes a humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de
qualquer outro sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como
meio15 momento a partir do qual se passa agrave realizaccedilatildeo da razatildeo em sua idealidade
(isto eacute na pura transcendentalidade)
Kant afirma claramente que humanidade eacute uma ideia que eacute na verdade a
ideia de ―humanidade como um fim em si mesmo16 Para demonstrar a
possibilidade da ideia ele faz quatro afirmaccedilotildees baseadas nos exemplos que usou
para confirmar a validade do imperativo categoacuterico
Na primeira Kant busca apontar os riscos que haacute em tornar a vida humana
um bem disponiacutevel Segundo ele condicionar a vida a determinadas condiccedilotildees eacute
fazecirc-la coisa e assim destruir a sua incondicionalidade Se assim se faz perde-se o
proacuteprio significado do homem ser um e uacutenico com a humanidade que soacute pode ser
um fim para ele jamais um meio Se o homem eacute meio a moral jaacute natildeo tem sentido17
Na segunda Kant quer mostrar como natildeo se valer de si ou de outro como
humanidade em si mesma significa a perda da capacidade de estabelecer um
criteacuterio igualitaacuterio nas relaccedilotildees entre os homens representando no fim das contas a
perda da capacidade de concordacircncia entre os homens18 a qual apenas se tem
quando a moral se funda na responsabilidade de cada accedilatildeo pela proacutepria
humanidade
14
―A razatildeo natildeo se contenta com as condiccedilotildees conhecidas na experiecircncia dada mas progride na seacuterie das condiccedilotildees ateacute o incondicionado que eacute a totalidade das condiccedilotildees ou a ideia a que nenhum objeto dos sentidos corresponde Salgado Joaquim Ibidem p 55 15
Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes pp 243245 16
Kant Immanuel Ibidem p 245 17
Kant Immanuel se ele [homem] destroacutei a si mesmo para fugir de um estado difiacutecil de suportar ele se serve de uma pessoa como um mero meio para conservaccedilatildeo de um estado toleraacutevel ateacute o fim da vida Ibidem p 245 18
Kant Immanuel Ibidem p 247 ―eacute impossiacutevel que aquele que eu quero usar para as minhas intenccedilotildees mediante tal promessa [mentirosa] concorde com a minha maneira de proceder com ele e contenha portanto ele proacuteprio o fim dessa accedilatildeo
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Na terceira afirmaccedilatildeo ele diz que natildeo importa apenas que a accedilatildeo natildeo esteja
em conflito com a humanidade mas deve com ela estar de acordo Significa no fim
das contas um dever positivo natildeo negativo que importa na conservaccedilatildeo da
humanidade como fim em si mesmo e a promoccedilatildeo deste fim19
Na quarta e uacuteltima ele insiste no dever positivo mostrando com a
humanidade em si mesmo soacute eacute capaz de significar isso quando a moral se baseia na
busca da felicidade do outro20 busca esta que representa o proacuteprio fim a ser
perseguido com relaccedilatildeo agrave humanidade Dessa maneira ele expressa na
humanidade como um fim em si mesmo o proacuteprio ideal de humanidade e o seu
destino comum que sua foacutermula visa Jaacute eacute possiacutevel entatildeo a felicidade de todos jaacute
que ―os fins do sujeito que eacute fim em si mesmo tecircm de ser tambeacutem tanto quanto
possiacutevel os meus fins se aquela representaccedilatildeo deve produzir em mim todo o seu
efeito21
Assim ficamos tentados a dizer que o ―eu transcendental moral (razatildeo)
subjetivo eacute seguido natildeo de outro ―eu (razatildeo) objetivo Isto tornaria a lei moral uma
questatildeo de escolha ―individual o que natildeo poderia jamais se coadunar com os
objetivos do autor O aspecto praacutetico do imperativo onde a humanidade ocupa o
lugar da lei moral poderia ser mais bem definido como certo ldquonoacutesrdquo transcendental
Evidentemente o termo transcendental de alguma maneira jaacute faz as vezes
do ―noacutes Contudo aqui esta pessoa do plural toma um sentido diferente Queremos
com ela nos referir a uma postura do ―eu que se coloca diante de si um ideal a que
se chama ―humanidade Assim com a filosofia moral kantiana pensamos como
somos capazes de agir o destino do nosso ―eu conforme o destino da
―humanidade Parece ser este tipo de altruiacutesmo que natildeo eacute outro mas noacutes mesmos
objeto de defesa kantiana Em outras palavras Kant prega uma concordacircncia entre
a nossa proacutepria humanidade e a humanidade em geral enquanto o ideal metafiacutesico
de todas as accedilotildees respectivamente princiacutepio do querer e lei moral
Aiacute reside ao que tudo indica a grande contribuiccedilatildeo da filosofia moral de Kant
apesar do formalismo do filoacutesofo Diante as quatro afirmaccedilotildees que servem para
mostrar a validade do imperativo praacutetico (―age de tal maneira que tomes a
humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro sempre ao
19
Cf Kant Immanuel Ibidem p 249 20
Como jaacute explicamos anteriormente querer o bem-estar (felicidade) particular e o bem-estar geral satildeo coisas distintas jaacute que a segunda pode conter a universalidade a primeira jamais Apenas o desejo de bem-estar geral pode concordar com o destino fraterno de todos e somente nele pode estar a propriedade categoacuterica do imperativo e de toda accedilatildeo moral 21
Kant Immanuel Ibidem p 249
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mesmo tempo como fim nunca meramente como meio) ele nos fornece um ideal
que carregado de princiacutepios relativos ao querer serve para a concretizaccedilatildeo da vida
em comum e abre a possibilidade de um destino para o homem que natildeo seja
apenas a realizaccedilatildeo de um jogo de interesses
E eacute dessa maneira que Kant chega agrave terceira foacutermula do imperativo
categoacuterico que exibe a ―vontade universalmente legislante22 O acento das
formulaccedilotildees que se iniciou na maacutexima e decorreu agrave possibilidade de fundamentar o
homem como um fim em si mesmo agora toma aparentemente atraveacutes da abertura
que lhe deu o ideal de humanidade a universalidade da vontade como objeto da
moral pensando a responsabilidade que implica a liberdade ao sujeito que eacute capaz
de legislar de acordo com a lei Esta responsabilidade que decorre da natureza
mandamental da lei moral eacute que daacute ao sujeito que legisla de acordo com o desejo
superior a sua autonomia ―legislando universalmente segundo o seu fim natural23
Esse fim natural que se confunde com o fim em si mesmo que Kant expotildee na
segunda formulaccedilatildeo do imperativo categoacuterico eacute um lugar a ser encontrado ―Imagina
que a tua maacutexima tenha o valor de uma lei universal da natureza ndash e examina
entatildeo o que a sua aplicaccedilatildeo acarretaria cita Lebrun24 De fato ―se eu determino a
minha vontade de modo a romper com toda motivaccedilatildeo natural eacute porque estou
cumprindo a funccedilatildeo de legislador a que me destinava a natureza25 A obediecircncia agrave
lei assim aparece
―Agora como o ato conforme por excelecircncia ao sentido de minha
existecircncia E com isso mesmo adquiro uma nova compreensatildeo de por que nunca devo tratar a humanidade racionaacutevel como mero meio cada vez que por egoiacutesmo recuso a dignidade de ser racionaacutevel a outro homem estou negando que o ser racionaacutevel seja nessa sua qualidade legislador universal por natureza ndash e assim que eu queira ou natildeo a expressatildeo ―ser racionaacutevel acaba designando para mim nada mais do que uma particularidade que especifica alguns viventes ndash um fato natural natildeo uma vocaccedilatildeo por natureza
26
Kant nesse sentido procura na moral mais do que localizar o seu ponto a
priori Busca a vocaccedilatildeo a que a liberdade possibilita justamente pela capacidade de
exerciacutecio ideal que a razatildeo praacutetica permite Como vimos de alguma maneira na
anaacutelise do mal radical (A Religiatildeo nos limites da simples Razatildeo) o projeto kantiano eacute
a construccedilatildeo teoloacutegica dos fins dos homens que unidos na sua autonomia ndash eacute dizer
22
Kant Immanuel Ibidem p 253 23
Kant Immanuel Ibidem p 257 24
Lebrun Geacuterard Uma escatologia para a moral apud in Kant Immanuel Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita p 74 25
Lebrun Geacuterard Ibidem p 74 26
Lebrun Geacuterard Ibidem p 75
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porque tecircm a razatildeo como elemento unificador e pressuposto a todos os atos ndash
percebem o sentido da vida em comum pela razatildeo sabem o motivo pelo qual foram
criados
―Natildeo fosse o horizonte da Criaccedilatildeo seria impossiacutevel pensar-se o conjunto dos seres racionaacuteveis como uma totalidade sistemaacutetica a humanidade somente seria imaginaacutevel como uma pluralidade de pontos disseminados ndash da forma que aparece no plano da natureza sensiacutevel
27
A vontade universal portanto eacute mais uma vez concorde agora com uma
vontade superior que eacute a expressatildeo racional de unidade do querer Porque
colocado o desejo superior como pressuposto de todo querer a vontade tem em si o
destino a ser seguido por todos os homens na aptidatildeo a que foram criados Agrave
reuniatildeo de todos os homens sob tal vocaccedilatildeo Kant predica o destino de um reino
dos fins que eacute o destino da liberdade dada pela razatildeo substituindo o discurso
poliacutetico acerca da sociedade por um da escatologia do homem28
―Entendo poreacutem por reino a ligaccedilatildeo sistemaacutetica de diferentes seres racionais mediante leis comuns Ora uma vez que as leis determinam os fins segundo sua validade universal seraacute possiacutevel entatildeo se nos abstrairmos da diferenccedila pessoal dos seres racionais bem como de todo conteuacutedo de seus fins privados pensar um todo de todos os fins (tanto dos seres racionais enquanto fins em si como tambeacutem dos fins proacuteprios que cada um possa pocircr para si mesmo) em conexatildeo sistemaacutetica isto eacute um reino dos fins o que eacute possiacutevel segundo os princiacutepios acima29
Os homens assim na praacutetica moral se tornam seres racionais de um uacutenico
sistema completamente transcendental de maneira que os fins de cada ―eu eacute um
todo moral contendo cada accedilatildeo o esforccedilo para entrada no aludido reino totalizante
Isto eacute possiacutevel apenas porque natildeo haacute neste reino qualquer ser que seja tratado
como meio mas cada um eacute o fim de todos os outros Desse modo eacute que se alcanccedila
o valor intriacutenseco do homem a sua dignidade Como Kant explica
―Ora a moralidade eacute a uacutenica condiccedilatildeo sob a qual um ser racional pode ser
fim em si mesmo porque soacute atraveacutes dela eacute possiacutevel ser um membro legislante no reino dos fins Portanto a moralidade e a humanidade na
27
Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 28
Nesse sentido veja-se novamente Lebrun ―a ideia de ―reino dos fins desordenaraacute de maneira definitiva os dados da antropologia poliacutetica o indiviacuteduo humano (do qual partiam os pensadores poliacuteticos) natildeo seraacute mais por definiccedilatildeo do que um ser ―patoloacutegico abstrato (hellip) e o uacutenico ponto de partida para o discurso escatoloacutegico que entatildeo sucede ao discurso poliacutetico seraacute a pessoa noumenal dedicada por sua essecircncia a uma comunidade o ser puramente racionaacutevel cujo modelo terreno obviamente natildeo eacute mais o indiviacuteduo poreacutem o membro do gecircnero humano Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 (grifo nosso) 29
Kant Immanuel Ibidem p 259
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medida em que ela eacute capaz da mesma eacute a uacutenica coisa que tem dignidade
30
Assim o homem tornado agrave sua racionalidade pura na praacutetica de suas accedilotildees
encontra a dignidade que eacute intriacutenseca agrave humanidade como fim em si mesmo A
dignidade eacute da autonomia e da sistematicidade que deve respeito a esta autonomia
que concorda com a legislaccedilatildeo universal
A escatologia kantiana aponta para a realizaccedilatildeo de uma forma de
comunidade universal cujo fundamento de justiccedila reside justamente no
respeito e no cuidado muacutetuos que eacute no fim das contas bem querer aquele
que estaacute proacuteximo
Todos os princiacutepios decorrentes da boa vontade (―fidelidade agraves promessas
―benevolecircncia por princiacutepio31) buscam cumprir o valor intriacutenseco da humanidade
enquanto se encaminha para o destino comum A justiccedila que lhe decorre eacute pautada
pelo respeito agrave liberdade de cada vontade sem a intenccedilatildeo de deturpar a sua
escolha ndash que deve livremente apenas pela reverecircncia escolher a lei moral ndash da
mesma maneira que todos assim devem realizar A isto se daacute o nome de dignidade
do homem que eacute base de todas as declaraccedilotildees de direitos que se baseiam no
anseio humanitaacuterio de kantiano
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Assim neste ideal de humanidade que sustenta a intenccedilatildeo de linearidade no
homem e o daacute sentido de destino estatildeo incluiacutedos a liberdade e a igualdade Parece
ser este ideal o princiacutepio e o fim de toda a filosofia de Kant Estaacute o desejo superior
de benevolecircncia que eacute princiacutepio e fim em todo querer racional Aliaacutes colocada esta
noccedilatildeo de justiccedila antes mesmo do proacuteprio Direito que depende da moral na busca de
uma possiacutevel universalidade das suas diretrizes eacute do sentido que dela emana que
passa a existir o homem na eacutetica kantiana que justiccedila seja bem querer ao outro
que eacute no fim das contas um representante de todos noacutes
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
CACCIOLA Maria Lucia Os pensadores um Curso Rio de Janeiro Casa da
Palavra 1ordf Ed 2009
30
Kant Immanuel Ibidem p 265 31
Kant Immanuel Ibidem p 267
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DELEUZE Gilles Para ler Kant Trad Sonia Dantas Guimaratildees Rio de
Janeiro Livraria Francisco Alves Ed 1976
HART Herbert O conceito de Direito Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1ordf Ed
2009
KANT Immanuel A religiatildeo nos limites da simples razatildeo trad Artur Mouratildeo
Lisboa Editora 70
_____________ Criacutetica da Razatildeo Praacutetica Trad com introduccedilatildeo e notas de
Valeacuterio Rohden Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2011
_____________ Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes introduccedilatildeo por
Guido Antocircnio de Almeida Satildeo Paulo Barcarolla 2009
____________ Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista
cosmopolita Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 Apresentaccedilatildeo Geacuterard Lebrun
NOVELLI Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant
Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos
RICOEUR Paul O Justo 1 Trad Ivone Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes
2008
SALGADO Joaquim Carlos Salgado A ideia de justiccedila em Kant Seu
fundamento na liberdade e na igualdade Belo Horizonte Del Rey 3ordf Ed 2012
SAMPAIO FERRAZ JR Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito Teacutecnica
Decisatildeo Dominaccedilatildeo 6ordf ed Satildeo Paulo Ed Atlas 2012
Autor ndash Piterson Balmat Gonccedilalves
Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade de Satildeo Paulo Graduado em Direito pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor e Advogado E-mail piterson_avyahoocombr
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A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO
ldquoCalvino e o calvinismo de origem
contribuiacuteram certamente para tornar
muito mais faacuteceis no seio das populaccedilotildees
reformadas o desenvolvimento da vida
econocircmica e o surto do capitalismo
nascenterdquo
Andreacute Bieacuteler32
RESUMO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber a Reforma Protestante do seacuteculo
XVI proporcionou o florescimento do capitalismo Para tanto Weber estudou o
calvinismo o pietismo o metodismo e os batistas Mas seraacute que o calvinismo possui
alguma relaccedilatildeo causal com o capitalismo O objetivo desse ensaio foi demonstrar
como alguns elementos poliacuteticos e econocircmicos na reforma calvinista em Genebra
propiciaram o desenvolvimento do capitalismo Para tanto essa pesquisa serviu-se
do meacutetodo qualitativo com pesquisa bibliograacutefica nas obras de Vicente Themudo
Lessa e Andreacute Bieacuteler O ensaio apontou que embora os objetivos de Joatildeo Calvino
natildeo fossem capitalistas os aspectos poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Calvinista
em Genebra carregaram em si os elementos seminais do capitalismo
Palavras-chave Calvinismo Genebra Reforma Protestante Capitalismo
ABSTRACT
According to German sociologist Max Weber the 16th century Protestant
Reformation provided the flourishing of capitalism Weber studied Calvinism Pietism
Methodism and Baptists But does Calvinism have any causal relationship to
capitalism The purpose of this essay was to demonstrate how some political and
economic elements in the Calvinist reform in Geneva led to the development of
capitalism Therefore this research used the qualitative method with bibliographic
research in the works of Vicente Themudo Lessa and Andreacute Bieacuteler The essay
pointed out that while John Calvins goals were not capitalist the political and
32
Andreacute Bieacuteler (1990 p 661)
autor Prof Dr Ceacutesar Rocha Lima
rochalimauspbr
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Revista Cientiacutefica Gamaliel - ISSN 2674-9149ndash Fatej Fadisa | Vol1 | Nordm 2 | JaneiroJulho ndash Ano 2020 |
economic aspects of the Calvinist Reformation in Geneva carried within them the
seminal elements of capitalism
Keywords Calvinism Geneva Protestant Reformation Capitalism INTRODUCcedilAtildeO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber (1864-1920) ―o ascetismo
cristatildeo que de iniacutecio se retirara do mundo para a solidatildeo jaacute tinha regrado o mundo
ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja [] Agora avanccedilava
para o mercado da vida fechando atraacutes de si a porta do mosteiro (2009 p 121)
Para demonstrar a nova forma do ascetismo cristatildeo Weber distinguiu o ethos
protestante como elemento responsaacutevel pela vida disciplinada apego ao trabalho e
valorizaccedilatildeo da poupanccedila Nesse mister ele estudou algumas categorias do
protestantismo claacutessico entre elas o calvinismo o pietismo o metodismo e as
―seitas batistas (sic)
Em se tratando do calvinismo Weber afirmou que a sua doutrina central
(predestinaccedilatildeo) associada ao conceito luterano de trabalho como vocaccedilatildeo Beruf33
resultou no florescimento do capitalismo
Mas haveria ipso facto uma relaccedilatildeo entre o calvinismo e o capitalismo O
ramo calvinista da Reforma Protestante do seacuteculo XVI teria abrigado em si as
sementes do capitalismo
Constitui-se como objetivo deste ensaio destacar os principais aspectos
poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Genebrina do seacuteculo XVI a fim de examinar se
ela carregou as sementes do capitalismo moderno
Contudo vejamos primeiramente como se desenrolou a Reforma Calvinista
em Genebra na pessoa e obra de Joatildeo Calvino
1 JOAtildeO CALVINO
Calvino nasceu na pequena cidade de Noyon na Franccedila em 10 de julho de
1509 ele foi o segundo filho em uma famiacutelia de cinco irmatildeos
Seu pai Geacuterard Cauvin pertenceu agrave classe meacutedia e trabalhava como
secretaacuterio do bispo e procurador da biblioteca da catedral Sua matildee Jeanne
33
De acordo com Weber (2009 p 69) ―jaacute natildeo resta duacutevida de que na palavra alematilde Beruf e talvez mais claramente ainda na palavra inglesa calling estaacute pelo menos impliacutecita uma conotaccedilatildeo religiosa de uma tarefa confiada por Deus
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Lefranc proveniente de uma famiacutelia da classe alta faleceu quando Calvino possuiacutea
apenas seis anos
Devido agrave posiccedilatildeo que seu pai ocupava e agrave proximidade com o bispo de
Noyon Calvino e seus irmatildeos foram auxiliados no custeio dos seus estudos
(COSTA 2009 p 28) Com esses recursos Calvino pocircde estudar em Paris no
Collegravege de La Marche em 1523 onde teve seu primeiro contato com o humanismo
neste periacuteodo as discussotildees teoloacutegicas estavam num periacuteodo de efervescecircncia34
No ano seguinte ele estudou Gramaacutetica Filosofia e Teologia no Collegravege de
Montaigu concluindo assim a sua licenciatura em Artes Em seguida foi enviado por
seu pai para estudar advocacia na Universidade de Orleans de cunho humanista
―sob a influecircncia do conceituado jurista Pierre LlsquoEacutetoile designado rei da
jurisprudecircncialsquo e priacutencipe dos juristaslsquo que se tornaria posteriormente presidente
do Tribunal do Parlamento em Paris (COSTA 2009 p 31)
Contudo Calvino resolveu deixar a Universidade de Orleans antes de
terminar os estudos transferindo-se em 1529 para a Universidade de Bourges
Com a morte de seu pai ele retornou a Paris a fim de aperfeiccediloar os seus estudos
na liacutengua grega e hebraica no Coleacutegio Fortet
No ano seguinte Calvino adotou as ideias reformistas dispensando o seu
custeio eclesiaacutestico (CAIRNS 1988 p 252) Em 1534 foi compelido a abandonar a
Franccedila por elaborar juntamente com seu amigo Nicolaacutes Cop reitor da Universidade
de Paris um discurso de posse da reitoria o qual continha em seu bojo ideias
humanistas e reformistas Cop foi para Basileia35 e Calvino para outras cidades na
Franccedila Nesse interim Calvino influenciado pelo humanismo e ideias da reforma
aquiesci ao protestantismo propondo um sistema diferenciado de interpretaccedilatildeo das
Escrituras com ecircnfase na soberania de Deus
Em 1536 Calvino publicou o primeiro livro de As Institutas da Religiatildeo
Cristatilde36 que se tornou sua obra mais conhecida (CALVINO 1985 p 15) A partir de
entatildeo ele continuou preparando ediccedilotildees sucessivas37 de As Institutas que
aumentaram gradualmente ateacute a sua forma final (CALVINO 1989)
34
As ideias reformistas deJohn Wyclif John Huss e Martinho Lutero eram debatidas nos principais ciacuterculos acadecircmicos 35
Um dos cantotildees da Suiacuteccedila que serviu como uma espeacutecie de refuacutegio para os protestantes no periacuteodo de preacute-reforma e reforma 36
Trata-se de um livro dirigido ao monarca Francisco I da Franccedila na tentativa de defender os protestantes que eram retaliados pelos seus novos costumes Calvino solicitou ao monarca uma cabal investigaccedilatildeo pois ateacute o momento estaacute tinha sido feita de forma desordenada quando natildeo todo tumultuada e sem nenhuma sistemaacutetica de direito 37
Nas proacuteximas ediccedilotildees de As Institutas Calvino desenvolveu a doutrina da predestinaccedilatildeo sob o
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As Institutas de Religiatildeo Cristatilde foram precedidas de uma epiacutestola dirigida ao
monarca Francisco I rei da Franccedila datada em 23 de agosto de 1535
2 A REFORMA EM GENEBRA
Nesse mesmo ano Calvino decidiu estabelecer seu domiciacutelio em Estrasburgo
lugar onde as ideias e princiacutepios reformistas receberam boa acolhida Este ambiente
tornara-se propiacutecio para as atividades teoloacutegicas e literaacuterias do reformador bastante
oportuno para a produccedilatildeo dos seus trabalhos
Todavia depois de uma breve visita a Ferrara e agrave Franccedila o caminho mais
curto para Estrasburgo estava fechado por confrontos militares e Calvino teve que
se desviar e pernoitar em Genebra
Mal o sabia que isto mudaria totalmente o curso de sua vida Guilherme de
Farel que tentara implantar sem muito sucesso os princiacutepios reformadores na
cidade de Genebra foi informado que Calvino pernoitara ali
Logo em contato com Calvino apresentou vaacuterias razotildees pelas quais
precisava da sua permanecircncia Calvino escutou-lhe atentamente e afirmou que natildeo
poderia aceitar o convite pois buscava em Estrasburgo as condiccedilotildees favoraacuteveis para
os seus estudos
Esgotados os argumentos e sem sucesso Farel fez o seguinte apelo ao
teoacutelogo de forma estridente ―Deus amaldiccediloe teu descanso e a tranquilidade que
buscas para estudar se diante de uma necessidade tatildeo grande te retiras e te negas
a prestar socorro e ajuda (GONZALEZ 1989 p 113)
Diante de tal imprecaccedilatildeo Calvino desistiu dos seus planos em Estrasburgo e
principiou o seu trabalho como reformador em Genebra
Depois de uma breve introduccedilatildeo sobre a vida de Joatildeo Calvino e os caminhos
que o levaram a Genebra vejamos os principais aspectos poliacuteticos e econocircmicos
que culminaram na reforma calvinista na Genebra do seacuteculo XVI
21 - Aspectos Poliacuteticos
Genebra antes da chegada de Farel e Calvino era conduzida na forma de
bispado Seu comando estava nas matildeos de trecircs autoridades o Bispo chamado
tambeacutem de ldquopriacutencipe de Genebra teoricamente o soberano da cidade com poderes
para cunhar moedas fixar impostos comandar a cidade em tempo de guerra julgar
binocircmio depravaccedilatildeo humana poacutes eacuteden e soberania divina
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as apelaccedilotildees e perdoar crimes o Magistrado incumbido da defesa da cidade da
guarda e execuccedilatildeo dos prisioneiros e por fim o Conselho de Genebra composto
de conselheiros de entre os moradores da cidade que julgava as questotildees criminais
concernentes aos leigos (as infraccedilotildees dos sacerdotes era da competecircncia do
bispado) cuidava do abastecimento da cidade das financcedilas e mantinha a boa
ordem por meio da poliacutecia Este era o sistema adotado pela maioria das cidades
europeias catoacutelicas (LESSA 2010 pos 1851)
Diante da grande autoridade do bispado eram frequentes os conflitos em
busca dos direitos entre o bispado o conselho e o povo Contudo em 1536 quando
Genebra abraccedilou oficialmente a reforma38 o bispado perdeu seu poder e os
conselheiros assumiram as funccedilotildees desse Desta forma a Igreja deixou de exercer
a sua primazia sobre o Estado e tornou-se lhe subordinada
Em 1537 a pedido de Farel Calvino iniciou seus trabalhos em Genebra
Ambos redigiram uma Confissatildeo de Feacute39 de vinte e um artigos Essa confissatildeo
serviria de regulamento para a Igreja em Genebra e foi aprovada pelo Conselho em
novembro daquele ano
Uma vez que a Igreja estava subordinada ao Estado e o Conselho era o seu
representante legal coube-lhe o direito de investigar e punir todas as infraccedilotildees das
leis cristatildes Aos pastores fora designado o direito de produzir todos os regulamentos
que julgassem necessaacuterios de assinalar aos magistrados os delitos e incentivar as
puniccedilotildees (LESSA 2010 pos 2217)
Se no sistema anterior a Igreja Romana se envolvia nos assuntos estatais
agora o Estado eacute quem deveria resolver as questotildees eclesiaacutesticas Nesse novo
sistema considerando que o Conselho se pautava por um ethos protestante a
reforma natildeo implicou na eliminaccedilatildeo do controle da Igreja na vida cotidiana mas
antes substituiu o controle vigente por uma nova forma
38
No dia 21 de maio de 1536 na Catedral de Satildeo Pedro reuniu-se o Conselho e foi lida uma moccedilatildeo em que se decidia por unanimidade a aceitaccedilatildeo da religiatildeo reformada e a supressatildeo das missas e do modelo de culto proposto por Roma Logo foi colocada a porta da Catedral uma placa com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoEm memoacuteria da graccedila que Deus nos fez de haver sacudido o jugo do anticristo abolido a supersticcedilatildeo e recobrado a nossa liberdaderdquo (LESSA 2010 pos 2027) 39
Assim como no periacuteodo do Imperador Constantino (transiccedilatildeo do paganismo para o cristianismo) houve uma grande produccedilatildeo de Credos Apostoacutelico Niceno-constantinopolitano Atanasiano tambeacutem na Reforma (transiccedilatildeo do catolicismo para o protestantismo) houve por parte dos reformadores e seus seguidores uma enorme produccedilatildeo de Confissotildees de Feacute (Escocesa Augsburgo Helveacutetia Dort e Westminster) Esses siacutembolos foram ―de grande valia para a educaccedilatildeo dos crentes partindo sempre do princiacutepio da necessidade da feacute expliacutecita de que todos os cristatildeos devem conhecer sua feacute sabendo no que creem e por que creem (COSTA 2002 p 13)
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Nesse mister Weber fez a seguinte afirmaccedilatildeo
[] a regra do calvinismo tal como foi imposta no seacuteculo XVI em Genebra e na Escoacutecia entre o seacuteculo XVI e XVII em grande parte da Holanda no seacuteculo XVII na Nova Inglaterra e por algum tempo na proacutepria Inglaterra se tornaria a forma mais intoleraacutevel de controle eclesiaacutestico do indiviacuteduo que jaacute pocircde existir (2009 p 40)
O controle que a Igreja Romana possuiacutea sobre o indiviacuteduo se tornara frouxo
mas a reforma calvinista (genebrina) levou esse controle ao extremo Em Genebra
isto se deu com os regulamentos ndash ou Articuli de regimine Ecclesiae ndash que logo
provocaram muitos conflitos porquanto entendiam alguns cidadatildeos que os pastores
nada tinham que ver com as suas vidas particulares
Rompendo com o bispo eles achavam que no gozo de sua independecircncia
poliacutetica poderiam tambeacutem desfrutar plenamente a liberdade religiosa
O povo genebrino protestou e Calvino percebeu que natildeo seria tatildeo simples a
implantaccedilatildeo da reforma naquele paiacutes Por meio de um desabafo ele registrou esse
conflito numa correspondecircncia ao seu amigo Bullinger
Estamos expostos as mais seacuterias dificuldades [] porquanto o povo sacudindo o jugo dos sacerdotes entende que se libertou de toda a autoridade do mundo Muitos cidadatildeos exclamam O conhecimento dos evangelhos nos eacute suficiente sabemos como os devemos ler e nada tendes a ver com nossos atos (GUIZOT 1868 pp 219 220)
Este conflito entre Calvino e Farel de um lado e o povo buscando uma maior
liberdade do outro levou a um enrijecimento40 das partes Eacute claro que natildeo se deve
atribuir a Calvino a paternidade de todos os regulamentos severos de Genebra
havia em outros cantotildees leis austeras naqueles dias41
Assim os homens que se opunham aos reformadores constituiacuteam uma
facccedilatildeo poliacutetica e religiosa Eram denominados libertinos devido as suas ideologias
de liberdade e uma vez livres do bispo natildeo queriam se sujeitar agraves novas leis
votadas
40
Com os novos regulamentos as leis de Genebra se tornaram mais austeras e nem os proacuteprios conselheiros e homens de destaque escapavam das suas penas ―Certo individuo acusado de perjuacuterio foi iccedilado a uma escada por algumas horas tendo a matildeo direita ligada ao alto Um aduacuteltero e sua cuacutemplice foram condenados a passear juntos na cidade um jogador obstinado foi exibido tendo as cartas penduradas ao pescoccedilo uma cabeleireira que havia penteado imodestamente uma jovem esposa foi condenada a dois dias de prisatildeo tambeacutem eram punidos os pais que privavam seus filhos da escola (LESSA 2010 pos 2258) 41
Em Zurique exigia-se a assistecircncia de todas as pessoas ao culto puacuteblico em determinadas horas ―Sob pena de multa era proibido jurar jogar dados e cartas o adulteacuterio era punido com prisatildeo ou exiacutelio Em Basileacuteia era obrigatoacuteria a assistecircncia aos cultos puacuteblicos Nos distritos pertencentes ao governo de Berna as danccedilas eram proibidas [] (LESSA 2010 pos 2247)
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Os libertinos tanto da facccedilatildeo poliacutetica como religiosa fizeram liga para se
oporem agraves tendecircncias dos pastores de Genebra Philiberto Berthelier Perrin e
Troillet eram os principais entre os do partido poliacutetico Quintin e Poquet eram chefes
dos Libertinos espirituais (LESSA 2010 pos 2284)
Nas eleiccedilotildees de fevereiro de 1538 os Libertinos obtiveram a maioria no
Conselho o qual logo determinou que o puacutelpito natildeo fizesse alusatildeo aos negoacutecios da
repuacuteblica Em oposiccedilatildeo num domingo de paacutescoa Farel e Calvino pregando
respectivamente nas Igrejas de Satildeo Gervaacutesio e Satildeo Pedro vendo muitos membros
do partido Libertino nos dois templos recusaram-se a celebrar a Santa Ceia
No dia seguinte reuniu-se o Conselho e decretou o banimento dos
reformadores em trecircs dias Desta forma saiacuteram de Genebra Farel e Calvino sendo
que este foi para Estrasburgo e aquele para Neuchacirctel
O banimento suacutebito de Farel e Calvino de Genebra chamou a atenccedilatildeo de
Roma para uma excelente oportunidade que se lhe abria e o cardeal Sadoleto
serviu-se da ocasiatildeo para uma reinserccedilatildeo da Igreja Romana nos negoacutecios religiosos
durante a ausecircncia do reformador (LESSA 2010 pos 3128)
Apoacutes trecircs anos do banimento continuava a reinar o espiacuterito de turbulecircncia e
insubordinaccedilatildeo agraves leis Em setembro de 1540 alguns membros do Conselho
comeccedilaram a formular planos para a revogaccedilatildeo do banimento de Calvino Em maio
1ordm de maio de 1541 o Conselho de Genebra revogou o decreto de 23 de abril de
1538 que bania da cidade Farel e Calvino e solicitou o empenho de Basileacutea Zurich
e da proacutepria Estrasburgo para que o reformador lhes fosse restituiacutedo coisa
conseguida natildeo sem dificuldade Jaacute no caso de Farel Neuchacirctel natildeo consentira em
se separar dele
No dia 13 de setembro de 1541 Calvino retorna a Genebra sendo que dez
dias depois apresentou ao Conselho um projeto contendo cento e sessenta e oito
artigos discutindo e emendando-o ateacute a sua votaccedilatildeo definitiva no dia 2 de janeiro de
154242
Esse projeto foi chamado de Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e tratava-se de um
novo modelo de sistema de governo onde haveria uma maior separaccedilatildeo entre os
assuntos da Igreja e do Estado Agora os pastores mestres diaacuteconos e consistoacuterio43
cuidariam dos assuntos eclesiais e o Conselho dos assuntos estatais
42
Segundo alguns historiadores nesta data instalou-se legalmente a ―Repuacuteblica Calvinista (LESSA 2010 pos 2935) 43
O Consistoacuterio compreendia os pastores e doze leigos nomeados pelo Conselho de Estado Estes leigos eram eleitos pelo periacuteodo de um ano podendo ser reconduzidos os que dessem bom
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Este sistema de governo eclesiaacutestico veio a ser adotado nas igrejas
reformadas da Suiacuteccedila da Franccedila da Holanda e da Escoacutecia
Todavia a poliacutetica de controle sobre os indiviacuteduos nas questotildees eclesiaacutesticas
atingiu seu cliacutemax no retorno de Calvino E o caso da execuccedilatildeo do ―herege Miguel
Serveto44 nas palavras do historiador Gonzalez se tornou ―siacutembolo do dogmatismo
riacutegido que reinava na Genebra de Calvino (1989 p 116) foi o ―golpe de
misericoacuterdia no partido dos Libertinos que saiu em defesa de Serveto
Esse sistema riacutegido de controle social proposto na reforma genebrina foi
chamado por Weber de ascetismo extramundano Conforme o autor
A coisa mais importante poreacutem foi o fato de que o homem que par excellence vivia a vida racional no sentido religioso era e continuou sendo monge Assim quando mais o ascetismo estivesse agarrado ao indiviacuteduo servia simplesmente para afastaacute-lo da vida cotidiana jaacute que a tarefa mais santa era definitivamente a de ultrapassar toda a moralidade mundana (2009 p 98)
22 - Aspectos Econocircmicos
Genebra pouco antes da chegada de Calvino possuiacutea entre 10000 a 12000
habitantes Era uma cidade conhecida pelas suas ruas limpas banheiros puacuteblicos e
pelas suas famosas feiras Contudo a sua economia estava em decliacutenio
A partir da segunda metade do seacuteculo XV enfraqueceu-se rapidamente a
atividade comercial Uma das principais razotildees foi a proibiccedilatildeo por parte do rei da
Franccedila Luiz XI de seus suacuteditos frequentarem as feiras de Genebra ndash o intuito era
aumentar o prestiacutegio e importacircncia das feiras de Lyon
Desta forma a cidade entrou num periacuteodo duro de retraccedilatildeo econocircmica
seguido de uma grande pobreza Sua economia estava apoiada na induacutestria de
tecidos (uma das mais lucrativas nos seacuteculos XV e XVI) na fabricaccedilatildeo de peccedilas
indumentaacuterias (chapelarias alfaiatarias sapatarias) e na praacutetica ourives (produccedilatildeo
de baixelas de prata objetos lituacutergicos e joias de toda espeacutecie)
testemunho de sua aptidatildeo O principal papel do Consistoacuterio era o de velar pelas Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e pela manutenccedilatildeo da disciplina O poder ―espiritual do Consistoacuterio demonstrava-se no direito a excomunhatildeo privando o culpado da participaccedilatildeo da Santa Ceia (LESSA 2010 pos 4177) 44
Serveto era meacutedico (descobridor do sistema pulmonar respiratoacuterio) teoacutelogo e filoacutesofo Em sua obra Restituitio questionou o dogma da trindade e afirmou ser este um desvio da igreja no Conciacutelio de Niceacuteia (325 dC) Serveto fora condenado pelo tribunal eclesiaacutestico da Igreja Romana em Viena E veio a Genebra a fim de difundir sua teologia (entre os libertinos) entendendo que Genebra por ter aderido agrave reforma lhe daria maior liberdade na sua teologia Contudo quando Serveto foi assistir um sermatildeo de Calvino (natildeo se sabe se por livre vontade ou por forccedila de lei) ele foi identificado julgado pelo tribunal eclesiaacutestico e uma vez que o mesmo natildeo se retratou de suas ―heresias foi condenado a fogueira em 1553 (DIDE sd p 180)
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Por ocasiatildeo da Reforma a economia genebrina sofreu grandes
transformaccedilotildees Os ourives por proibiccedilatildeo deixaram a fabricaccedilatildeo de objetos
lituacutergicos e por influecircncia dos refugiados abraccedilaram a arte da relojoaria (BIELER
1990 p 217)
As artes graacuteficas tiveram um grande desenvolvimento em funccedilatildeo da
publicaccedilatildeo de material protestante livros catecismos manuais para catecismo
regulamentos e leis Jean Geacuterard se instalou na cidade em 1536 e executou vaacuterias
impressotildees das obras de Calvino Jean Crespin Conrad Badius Robert Eacutetienne e
outros menos conhecidos todos refugiados introduziram em Genebra o que a
tipologia parisiense produzia de melhor
Outros ofiacutecios foram impulsionados pelos refugiados Um refugiado em Lyon
colocou seus preacutestimos agrave disposiccedilatildeo da Magistratura para estabelecer em Genebra
manufaturas de tecidos em seda
O nuacutemero de meacutedicos aumentou de 3 para 15 e quase que organizaram o
ensino da medicina na Academia de Genebra Os boticaacuterios passaram a reter a
riqueza e a alta posiccedilatildeo social que tinham anteriormente ao decliacutenio isto devido ao
comeacutercio droguista e de especiarias Contavam-se 96 boticaacuterios residindo em
Genebra de 1536 a 1569 para uma demanda de cerca de 15000 habitantes O
Estado interviu sobre as praacuteticas meacutedicas e sancionou no dia 11 de maio de 1569
as ordenanccedilas sobre a medicina farmaacutecia e cirurgia
O exerciacutecio da magia e do curandeirismo foi proibido por lei os meacutedicos eram
obrigados a visitarem gratuitamente os doentes pobres da zona em que residiam e
as boticas eram regularmente visitadas e fiscalizadas Os honoraacuterios meacutedicos foram
estabelecidos e apoacutes enormes devastaccedilotildees da peste de 1570 o Conselho fixou por
seis sous a visita realizada por cada cliacutenico
Haacute a inferecircncia de que a criaccedilatildeo do Banco de Genebra45 teria produzido um
maior impacto na economia bem como a sua poliacutetica na cobranccedila dos juros A
cobranccedila de juros em Genebra foi praticada desde haacute muito tempo antes da
Reforma
Contudo a Igreja Romana em seus cacircnones sempre se opocircs fortemente a
este tipo de cobranccedila O Conciacutelio de Latratildeo (1179 dC) ameaccedilou de excomunhatildeo os
45
Haacute controveacutersias quanto a criaccedilatildeo do Banco de Genebra Andreacute Bieacuteler pastor e doutor em Ciecircncias Econocircmicas afirma que em 1568 houve a tentativa frustrada de criaccedilatildeo de um Banco em Genebra para-se preservar o valor do dinheiro tomado de empreacutestimo de Basileacuteia em vista da guerra (BIELER 1990 p 239) Jaacute o teoacutelogo e historiador da Reforma Ernest Troeltsch (1958 p 132) entende que na eacutepoca de Calvino houve o estabelecimento do Banco de Genebra
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usuraacuterios manifestos (que praticavam usura) e lhes recusou um sepultamento
cristatildeo
Em 1272 Gregoacuterio X ordenou aos soberanos expulsarem em trecircs meses
todos os usuraacuterios estrangeiros em seus Estados Em 1312 Clemente V condenou
os estatutos municipais que autorizam o empreacutestimo a juros E o Conciacutelio de Viena46
(1331 dC) autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguirem os cristatildeos que
praticassem usura
Por sua vez Calvino fez uma distinccedilatildeo entre banqueiros e usuraacuterios e
defendeu a legalizaccedilatildeo da taxa de juros Neste ponto ele natildeo soacute rompeu com a
teologia da Igreja Romana mas tambeacutem se distanciou de Lutero47 (WEBER 2000
p55)
Calvino foi o primeiro teoacutelogo a admitir esse tipo de empreacutestimo exonerando-o
do oproacutebrio moral (BIEacuteLER 1990 p 239) Contudo pressentindo a gama de males
sociais que o liberalismo econocircmico poderia trazer o reformador propocircs uma
regulamentaccedilatildeo da taxa de juros Fixando em 5 aa em 19 de fevereiro de 1544 e
depois em 666 aa para os anos seguintes Esta barreira deveria inibir de
imediato o empreacutestimo a juros em Genebra e o surgimento de usuraacuterios e agiotas
profissionais aos quais o reformador era estritamente oposto
Esta nova matiz econocircmica de Calvino provocou uma seacuterie de criacuteticas para
os economistas estabelece-se aqui um ponto de virada para o capitalismo liberal
Weber identifica este ethos capitalista do protestantismo com o seguinte conceito de
capitalismo puro
Lembra-te de que o dinheiro eacute de natureza proliacutefica procriativa O dinheiro pode gerar dinheiro e seu produto pode gerar mais e assim por diante Cinco xelins em giro satildeo seis novamente empregados satildeo sete e trecircs pence e assim por diante ateacute atingir cem libras Quanto mais houver dele mais ele produz em cada turno de modo que o lucro aumenta cada vez mais rapidamente (2000 p 29)
O combate agrave pobreza foi outra accedilatildeo que produziu seus efeitos na economia
genebrina Para tanto foram criados dispositivos legais (poliacuteticas puacuteblicas) para o
46
O Conciacutelio de Viena de 1331 autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguir os cristatildeos que praticassem a usura (cobranccedila de juros) A igreja condenava o usuraacuterio porque ele ganhava sobre um tempo que natildeo lhe pertencia o fruto de seu dinheiro natildeo vinha de um trabalho suado pois o seu ganho pressupotildee uma hipoteca sobre um tempo que soacute a Deus pertence 47
Lutero julgou que cobrar juros estaacute em oposiccedilatildeo aos mandamentos divinos Juros altos que conforme Lutero comeccedilam com 5 ao ano prejudicam o devedor da mesma forma como o furto e o roubo Ele foi realista o suficiente para reconhecer que a cobranccedila de juros eacute necessaacuteria na economia mas disse ao mesmo tempo ―Ai dos que cobram juros
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combate agrave pobreza Eles se apoiavam em conceitos teoloacutegicos para fundamentar a
perpeacutetua desigualdade econocircmica48 social
No periacuteodo que esteve em Estrasburgo Calvino defrontou-se com problemas
sociais agudos com uma comunidade de refugiados desprovida de recurso Em
Genebra nas ordenanccedilas ele instituiu a Diaconia como oacutergatildeo de ajuda assistencial
Contudo natildeo bastava simplesmente propiciar aos pobres ajuda material dever-se-ia
dar aos necessitados os meios por si mesmos para saiacuterem de sua condiccedilatildeo
Mestres eram incumbidos da instruccedilatildeo das crianccedilas os enfermos e invaacutelidos
deveriam ser reeducados profissionalmente e a cada domingo eles eram
examinados para avaliar em que condiccedilotildees de trabalho se encontravam
Aos refugiados esforccedilavam-se por todos os meios por oferecer-lhes trabalho
remunerado Aqueles que natildeo achavam emprego em sua profissatildeo destinavam-se
provisoriamente agrave obra de construccedilatildeo das fortificaccedilotildees
Calvino tambeacutem combateu veementemente o oacutecio e a vadiagem De acordo
com suas convicccedilotildees teoloacutegicas o ser humano encontra no trabalho a plena
realizaccedilatildeo da vontade divina De forma que a ociosidade eacute um tipo de alienaccedilatildeo
contraacuteria agrave natureza humana Significa a recusa pelo homem de sua vocaccedilatildeo divina
sua ruptura com Deus uma ofensa a Deus O trabalho traz a becircnccedilatildeo divina
enquanto o oacutecio a sua maldiccedilatildeo
Em Genebra o reformador empenhou-se para coligir a seguinte lei de
repulsatildeo a ociosidade49
Os vagabundos decretado que se faccedila proclamaccedilatildeo puacuteblica de que todos os vagabundos estrangeiros que natildeo tenham meios de ganhar a vida sejam obrigados a deixar a cidade em trecircs dias e os outros todos da cidade devem trabalhar cada um em sua profissatildeo sob pena de serem postos em prisatildeo (BIEacuteLER 1990 p 222)
Este dispositivo legal trouxe a Genebra um impulso capitalista por meio da
nova visatildeo do trabalho De acordo com Calvino natildeo haveria trabalho insignificante
na sociedade ―Se seguirmos fielmente o nosso chamado divino receberemos o
48
Calvino possuiacutea o conceito teoloacutegico de que se Deus o quisesse teria uma abundacircncia de posses e de dinheiro e de tudo que eacute desejaacutevel de sorte que haveria igual medida entre todos Deus poreacutem soubera porque assim se fez que haja pobreza e riqueza e mesmo que ateacute o fim do mundo assim haveraacute de ser Caberia aos pobres crer no sustento divino e serem instrumentos de provaccedilatildeo aos ricos Caberia tambeacutem aos ricos administrar corretamente os bens que lhes foram confiados estando entre estes os pobres 49
Nesta mesma eacutepoca o rei Francisco I declarou guerra aos vagabundos ociosos e outros pedintes que enchiam as ruas e as praccedilas Ao inveacutes de prover-lhes ajuda material e meios de encontrar emprego foram reduzidos a trabalhos forccedilados trabalharam agrilhoados dois a dois sobre a ameaccedila do chicote ou da prisatildeo em obras de utilidade puacuteblica remoccedilatildeo de lama e imundiacutecies limpeza de valados reparo em muralhas de fortificaccedilotildees
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consolo de saber que natildeo haacute trabalho insignificante ou nojento que natildeo seja
verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus (COSTA 2006 p
284)
O trabalho quando exercido em sua plenitude redundaria ―na gloacuteria de
Deus independente da funccedilatildeo do trabalhador Weber numa anaacutelise do
protestantismo aponta para este fenocircmeno com a seguinte afirmaccedilatildeo
[] o homem deve para estar seguro de seu estado de graccedila ―trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado Natildeo eacute pois o oacutecio e o prazer mas apenas a atividade que serve para aumentar a gloacuteria de Deus de acordo com a inequiacutevoca manifestaccedilatildeo da Sua vontade (1990 p112)
Desta forma a assimilaccedilatildeo desse conceito teoloacutegico e a sua aplicaccedilatildeo na
principal fonte de produccedilatildeo de riquezas ndash o trabalho tornou-se alavanca para o
desenvolvimento do capitalismo em sua forma seminal em Genebra bem como os
paiacuteses que adotaram a poliacutetica e feacute calvinista
Ao chegar em Genebra Calvino propocircs ao Conselho um plano que incluiacutea a
criaccedilatildeo de uma escola para todas as crianccedilas da cidade Dessa proposta surgiu o
Collegravege de la Rive (1537) e ao exemplo deste coleacutegio com o retorno de Calvino
apoacutes seu banimento foram organizados outros quatro em outras quatro regiotildees da
cidade
Os alunos do Collegravege de la Rive foram divididos em quatro seccedilotildees de acordo
com as suas residecircncias nos quatro departamentos da cidade e foram classificados
em sete graus desde os iniciantes ateacute aos da graduaccedilatildeo
Mais tarde em 1559 foi inaugurada a Academia de Genebra sendo o seu
primeiro reitor Theodoro de Beza A escola jaacute estava em funcionamento antes
mesmo das construccedilotildees e funcionou a princiacutepio de forma precaacuteria
O ensino na instituiccedilatildeo foi dividido em duas partes Shola Privata ou coleacutegio
ndash onde em cada ano no final de abril o aluno apresentava um ensaio em francecircs e
se aprovado deveria traduzi-lo para o latim (LEWIS 1996 p 42) e Shola Publica
uma continuaccedilatildeo do coleacutegio que fornecia estudos em niacutevel superior onde a ecircnfase
recaiacutea no estudo das Artes e da Teologia
A Academia iniciou suas atividades com 600 alunos no primeiro ano
aumentando no segundo ano para 900 em funccedilatildeo de alunos estrangeiros vindos da
Franccedila Holanda Alemanha Itaacutelia e de outras cidades da Suiacuteccedila
Quando Calvino faleceu estavam matriculados cerca de 1500 alunos e em
poucos anos a Academia se tornou em Universidade Desta forma os genebrinos
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puderam oferecer aos seus filhos educaccedilatildeo com qualidade o que sem duacutevida veio
a contribuir para o desenvolvimento da proacutepria cidade
Weber aponta para uma relaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo acadecircmica e o acuacutemulo de
riquezas fazendo a comparaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo de catoacutelicos e protestantes na
Bavaacuteria e na Hungria E conclui que a escolha das profissotildees por catoacutelicos e
protestantes foi pautada pelo ethos religioso da famiacutelia Sendo que enquanto os
catoacutelicos demonstraram maior predileccedilatildeo pelo artesanato os protestantes possuiacuteam
predileccedilatildeo pelas faacutebricas (2000 p 21 22)
Certamente a poliacutetica educacional calvinista constituiu-se numa das
sementes para o desenvolvimento do capitalismo genebrino que se expandiu para
outros paiacuteses
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Observamos na reforma protestante de Genebra uma espeacutecie de laboratoacuterio
em plano piloto daquilo que o protestantismo causaria na Europa no seacuteculo XVI e
XVII Os itens mencionados por Weber como sementes do capitalismo moderno
podem ser encontrados na Genebra protestante O sistema de governo riacutegido a
criaccedilatildeo de um Banco Estatal legalizaccedilatildeo e controle da taxa de juros uma visatildeo
religiosa do trabalho a assistecircncia social e o investimento na educaccedilatildeo favoreceram
grandemente o desenvolvimento dessa cidade
Todos esses itens somados ao ascetismo protestante culminaram no acuacutemulo
de riquezas Foi a partir desta experiecircncia sustenta Troeltsch (1958 p 134135)
que o capitalismo se infiltrou na moral de todos os paiacuteses que vieram abraccedilar o
calvinismo
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Satildeo Paulo - SP Editora Martin Claret 2009
Autor ndash Dr Ceacutesar Rocha Lima
Docente FATEJ FADISA Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu Doutor em Ciecircncias Humanas FFLCH-USP ndash Universidade de Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncias pela UNIFESP Universidade Presbiteriana Licenciatura em Ciecircncias Sociais ndash Universidade Metodista de Satildeo Paulo Bacharelado em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pesquisador Grupos GAIA ndash USP (Grupo de Antropologia e Interdisciplinaridade Ambiental e Agraacuteria) Pesquisador NEP ndash Mackenzie (Nuacutecleo de Estudos do Protestantismo) Estuda o Islamismo no Brasil rochalimauspbr
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A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA
ldquoO amor eacute filho da pobreza e da riqueza da pobreza porque
constantemente pede e da riqueza porque constantemente se daacuterdquo
Platatildeo
RESUMO
Este artigo propotildee uma breve reflexatildeo sobre os conceitos de pobre e Messias
no Antigo Testamento e a relaccedilatildeo que existe entre ambos Dialogamos sobre trecircs
tipos de pobre que se concentram na classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres
escasseados os quais satildeo considerados juriacutedica e economicamente fracos
Mostramos o rei Davi como um messias em seu tempo e logo apoacutes mostramos
Jesus Cristo como o cumprimento cabal da figura messiacircnica Jesus Cristo o
Messias Tambeacutem analisamos de forma sucinta a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e
igreja e qual a posiccedilatildeo dessas em relaccedilatildeo ao pobre e marginalizado Alguns
referenciais que nos auxiliam nessa pesquisa satildeo Milton Schwantes Joseacute Luiacutes
Sicre entre outros
Palavras chave Pobre Messias Jesus Esperanccedila Igreja
ABSTRACT
This article proposes a brief reflection on the concepts of poor and Messiah in
the Old Testament and the relationship that exists between them We talk about
three types of poor that focus on the class of workers and scarce free citizens who
are considered legally and economically weak We show King David as a messiah in
his day and soon after we show Jesus Christ as the full fulfillment of the messianic
figure Jesus Christ the Messiah We also succinctly analyze the relationship
between the poor society and the church and their position on the poor and
marginalized Some references that help us in this research are Milton Schwantes
Joseacute Luiacutes Sicre among others
Keywords Poor Messiah Jesus Hope Church
autor Ebson de Sousa
ebsonsousayahoocombr
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INTRODUCcedilAtildeO
Neste artigo nos propomos a analisar os conceitos de pobre e Messias no
tempo veterotestamentaacuterio e tambeacutem Davi como um tipo de Messias e Jesus
como o Messias mostrando seus significados em sua etimologia e seus
desdobramentos
Ainda analisaremos a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e observar
como os pobres e marginalizados se tornaram um grande desafio para a
sociedade principalmente para a igreja como uma organizaccedilatildeo que tecircm sido
indiferente em relaccedilatildeo a essa classe desfavorecida Tal realidade desafia a igreja
a se posicionar e ser o verdadeiro veiacuteculo do Evangelho de Jesus Cristo
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO
O objetivo deste artigo eacute esclarecer de uma forma simples e objetiva o
conceito de pobre e messias no periacuteodo veterotestamentario qual o significado
desses termos e seus desdobramentos
Destaca-se tambeacutem uma pessoa de estimada relevacircncia nos tempos do
Antigo Testamento o rei Davi Pois a pessoa do rei Davi tem em sua
personalidade cuja relevacircncia aponta para o aacutepice da figura messiacircnica sendo
uma pessoa que representou esperanccedila messiacircnica aos menos favorecidos de
seu tempo
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento
A palavra ldquopobrerdquo pode ser usada como adjetivo e substantivo como adjetivo
ela tem a funccedilatildeo de qualificar caracterizar ou classificar o substantivo quando
localizada ao lado deste o pobre eacute visto como aquela pessoa que natildeo tem o que
eacute necessaacuterio agrave vida ou seja eacute aquela pessoa que seus bens satildeo inferiores agraves
suas necessidades (FABRIS 1991)
Haacute trecircs classes de pobres que podemos mencionar as quais as narrativas
biacuteblicas identificam como grupos de pessoas que satildeo juriacutedica e economicamente
fracos os quais satildeo trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados abandonados
e marginalizados puacuteblicos e por fim os escravizados (SANTOS 2009)
Queremos aqui destacar apenas trecircs tipos de pobres que se concentram na
classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados dentre vaacuterios existentes
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nos textos biacuteblicos do cacircnon sagrado os quais satildeo dal (lD) ebyon (wOyba) e
bdquoani (עני)
Dal (lD) se refere aquele pobre que tem falta de bens materiais e de poder
social essa pessoa eacute considerada como das classes mais pobres de Israel (cf Rs
2414 2512) Observamos isso quando Gideatildeo tentou recusar a escolha divina
para que ele fosse libertar Israel (Jz 615) Portanto dal nos traz a ideia de
humildade mas voltado para o sentido de privaccedilatildeo consequente agrave condiccedilatildeo de
pobreza em excesso ao seu estado de miseacuteria (HARRIS 1998)
Vejamos algumas passagens biacuteblicas onde a palavra dal aparece
lD II ndash uma formaccedilatildeo verbal de qll ndash encontra-se 48 vezes no AT a construccedilatildeo feminina לה II 4 vezes (2Rs 2414 2512 Jr 407 ד5216) e o verbo mediae geminatae דלל I ocorre 7 vezes (Jz 66 Is 174 196 3814 Sl 798 1166 1427) Com maior frequecircncia ל דocorre em Proveacuterbios 15 vezes (Pv 1015 1431 19417 2113 2291622 (duas vezes) 28381115 29714) Nos ditos profeacuteticos ל eacute encontrado 11 vezes (Am 27 41 511 86 Is ד102 114 1430 254 266 Sf 312 54 [+ 2 vezes דלל Is 174 196]) nos Salmos 6 vezes (Sl 412 7213 823s 1137 1Sm 28 [+ 4 vezes דלל Sl 798 1166 1427 Is 3814]) no livro de Joacute 6 vezes (Joacute 516 201019 3116 341928) nos textos legais ל דaparece 4 vezes (Ecircx 233 3015 Lv 1421 1915) (SCHWANTES 2013 p 2425)
Seu estado de pauperismo era tatildeo claro que dessas pessoas natildeo se exigia
ofertas caras para o templo ofertas essas que todo israelita deveria levar cada
qual a sua (Lv 1421) (SIQUEIRA 2005)
Observa-se que a palavra dal estaacute ligada a raiz hebraica dalal e traz o
sentido de uma pessoa que para a sociedade em que ela ―esta inserida eacute um ser
despreziacutevel insignificante um ser fraco o qual sua existecircncia eacute totalmente
despercebida e parte desse grupo eacute o proletariado rural (GELIN 1973)
Ebyon ( ןאביו ) fala daquele que se tornou destituiacutedo eacute aquela pessoa que
perdeu seus bens por algum motivo ou seus bens foram tomados de si
(SIQUEIRA 2005)
Nota-se que esse tipo de pobre tambeacutem pode ser considerado como o
―desejoso pois mesmo sendo considerado um pobre destituiacutedo percebe-se nele
uma espera uma suacuteplica ou seja uma pessoa que implora a caridade publica
para que as pessoas de melhores condiccedilotildees de vida olhem para eles e os
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ajudem para que assim possam ter o miacutenimo para sobreviver (Ecircx 23611)
(GELIN 1973)
Observemos algumas passagens biacuteblicas onde aparece a palavra ebyon
O substantivo e adjetivo אביון ocorrem 61 vezes respectivamente 62 vezes no Antigo testamento com maior frequecircncia apresenta-se o Salteacuterio com 23 vezes (respectivamente 24 vezes) Sl 919 126 3510 3714 4018 493 6934 706 7241213 (2 vezes) 7421 824 861 10741 109162231 11219 1137 12315 14013 [+ 412] a esta lista pertencem tambeacutem 1Sm 28 (= Sl 1137) Jr 2013 Ainda sob influencia clara dos salmos estatildeo passagens como Is 1430 254s (2919) Joacute 515 Na literatura profeacutetica אביון ocorre 17 vezes das quais algumas passagens vem determinadas pelo contexto de salmos (Am 26 41 512 846 Is [1430 254 2919] 327 Jr 234 528 [2013] 2216 Ez 1649 1812 2229 (Dt-) Is4117) em textos legais o verbete aparece 9 vezes (Ecircx 23611 Dt 1547 (2 vezes) 9 11 (2 vezes) 2414 no livro de Joacute 6 vezes (515 24414 2916 3025 3119) nos Proveacuterbios 4 vezes (1431 3014 31920) e 1 vez em Ester (922) (SCHWANTES 2013 p 33)
Fabris tem ebyon como ―mendigo um pedinte aquela pessoa que estende
a matildeo para pedir demostrando sua necessidade seu estado de miserabilidade
(FABRIS 1991)
bdquoani (עני) seu significado estaacute mais voltado para o tipo de pobre que sofre de
alguma incapacidade fiacutesica ou afliccedilatildeo segundo Siqueira (2005) esta afliccedilatildeo eacute
gerada pelo seu estado de miseacuteria e dependecircncia bdquoani em alguns casos pode ter
algum tipo de relaccedilatildeo com dal ou ebyon poreacutem essa palavra remete a um tipo
diferente de pobre porque ela nos daacute a ideia de algum tipo de disfunccedilatildeo fiacutesica ou
afliccedilatildeo (HARRIS 1998)
bdquoanah II eacute a raiz da palavra bdquoani a qual nos traz o significado de ―estar
encurvado inclinado abaixado e importunado Humilhados como tambeacutem assim
satildeo conhecidos sua limitaccedilatildeo fiacutesica estaacute relacionada com seu estado de
capacidade de vigor de valores que foram reduzidos devido as situaccedilotildees as
quais os envolveram situaccedilotildees essas que poderiam ser passageiras ou
permanentes tais como pobreza econocircmica doenccedila eou prisatildeo (GELIN 1973)
Segundo Fabris (1991 p 13) estes problemas estatildeo relacionados agraves
condiccedilotildees econocircmicas e culturais as quais oprimem e submetem pessoas ao
trabalho forccedilado sob maus tratos
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Consideremos algumas passagens biacuteblicas onde podemos observar a
presenccedila da palavra bdquoani
Acima de todos os conceitos para a designaccedilatildeo de pobre no AT a formaccedilatildeo a partir do qatil עני e a formaccedilatildeo a partir do qatal ענן ocorrem com maior frequecircncia 92 vezes no hebraico e 1 vez no aramaico biacuteblico (54 עני vezes 19 ענייםx no qal 1 ענו vez no qal vezes no qal) A metade de todas as referencias 19 ענויםencontram-se nos Salmos עני encurvado oprimido (Sl 102 [2 vezes] 146 1828 2225 2516 347 3510 [2 vezes] 3714 4018 6811 6930 706 7212 7421 823 861 8616 1021 1091622 14013 acrescentando-se ainda 2Sm 2228 [=Sl 1828] Hc 314 [ Sl 2222] עניים (Sl 913 [Kittel = K] 1012[K] נויםע (7419 7224 126 (Sl 919 [K] 1017 2227 259 [2 vezes] 343 3711 6933 7610 1476 1494) Igualmente sob a influencia dos Salmos encontram-se claramente Nm 123 Is 1432 266 2919 4117 4913 622 Sf 23 Zc 99 ( Pv 334) (SCHWANTES 2013 p 3839)
Segundo Harris (1998 p1653) esta questatildeo de privaccedilotildees materiais e as
dificuldades estatildeo relacionadas agrave opressatildeo social Haacute uma relaccedilatildeo muito forte
entre a afliccedilatildeo fiacutesica e a espiritual (Sl 2424) e haacute casos em que a afliccedilatildeo interior
eacute provocada pela exterior gerando um pedido de socorro a Deus
Assim observamos de forma simples e objetiva o conceito de pobre no
Antigo Testamento mais especificamente sobre trecircs tipos de pobres que se
concentram na classe de trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados os quais
satildeo dal ebyon e bdquoani A seguir falaremos sobre o conceito de Messias (maxiah -
o qual eacute a fonte geradora de esperanccedila para as classes desfavorecidas os (משיח
pobres
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento
O nome messias (maxiahungido - משיח) substantivo hebraico tem sua
origem na raiz mxh que tem por significado ungir untar Esse termo maxiah foi
usado pelos textos biacuteblicos canocircnicos de duas formas como verbo na forma
passiva e como substantivo (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como verbo foi usado na forma passiva tal como em 2 Samuel 121
―Montes de Gilboa natildeo caia sobre voacutes nem orvalho nem chuva nem haja aiacute
campos que produzam ofertas pois neles foi profanado o escudo dos valentes o
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escudo de Saul que jamais seraacute ungido com oacuteleo isso denota uma accedilatildeo uma
atitude (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como substantivo teve um significado profundamente teoloacutegico no
Antigo Testamento O verbo na forma passiva maxiah passou a ser substantivo
apoacutes a morte do rei Davi Com isso a palavra maxiah messias passou a ser um
tiacutetulo como em 1 Samuel 166 ―Sucedeu que entrando eles viu a Eliabe e disse
consigo Certamente estaacute perante o Senhor o seu ungido Esse tiacutetulo agora
reconhece condiccedilatildeo do rei e o autentica como eleito de Deus para mediar Sua
becircnccedilatildeo em prol do povo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Harris (1998 p885) essa palavra maxiah ocorre cerca de 40
vezes no Antigo Testamento e foi utilizada como substantivo como citamos
acima mas tambeacutem como adjetivo com a funccedilatildeo de classificar caracterizar ou
qualificar o substantivo Os textos em que mais aparece estatildeo em 1 e 2 Samuel e
Salmos
Existem alguns nomes que indicam como o messias era caracterizado no
tempo veterotestamentario Queremos citar aqui apenas trecircs deles os quais satildeo
Emanuel ou Imanuel (Menino) Melquisedeque e Filho de Davi
121 Emanuel Imanuel (menino)
Deus pronunciou em suas primeiras promessas aos hebreus algo que
nenhum outro deus do Oriente Meacutedio havia pronunciado aos que criam neles Em
Gn 177 Deus afirmou a Abraatildeo que estaria com ele e com sua descendecircncia
perpetuamente Em momentos de dificuldade (Gn 2815) Deus reafirma sua
presenccedila proteccedilatildeo e sua benccedilatildeo sobre a vida de Jacoacute ateacute que se cumpra na
vida dele aquilo que Deus havia lhe prometido A Moiseacutes em Ecircxodo 312 Deus
reafirma sua presenccedila com ele e lhe faz uma promessa concretizada
demonstrando de forma clara que natildeo o desampararia mas sempre estaria com
ele (SIQUEIRA 2005)
Com a realizaccedilatildeo das promessas proferidas de Deus ao povo fez com que a
confianccedila do povo aumentasse como nos mostra o Salmo 136 que diz que cada
ato criacionista ou salviacutefico de Deus eacute porque Sua misericoacuterdia dura para sempre
Demonstrando assim Sua presenccedila e Seu cuidado de forma real entre Seu povo
E eacute a partir desse sentimento de feacute que o profeta Isaiacuteas insatisfeito com as
atitudes dos reis da linhagem de Davi atitudes pecaminosas que se sucediam a
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cada dia que ele profetizou a chegada de um menino chamado lsquoImanu‟el (lrm נו עמ
ל Imanu‟el significa Conosco estaacute Deus este nome eacute a junccedilatildeo da preposiccedilatildeo‟ (א
‟im o pronome nu e o substantivo ‟el (SIQUEIRA 2005)
Precisamos observar o contexto em que esta palavra estava inserida para
melhor compreensatildeo da mesma Israel e a Siacuteria anelaram fazer uma alianccedila com
Judaacute a fim de se oporem a Assiacuteria Poreacutem Judaacute hesitou e Israel e a Siacuteria
resolveram castiga-la e ao ouvir isto Acaz rei de Judaacute se amedrontou Com isso
Isaiacuteas lhe avisou que natildeo devia temer pois logo seus inimigos seriam derrotados
e lhe disse que pedisse um sinal de Deus mas logo o rei Acaz recusou por causa
da sua incredulidade (DOUGLAS 2006)
Segundo Siqueira (2005 p102) Isaiacuteas profetizou o nascimento do menino
‟Imanu‟el devido agrave incredulidade do rei Acaz em relaccedilatildeo ao sinal de Deus (Is 710-
17) que traria salvaccedilatildeo ao povo inseguro e aflito que vivia em Jerusaleacutem
portanto a chegada do menino lsquoImanu‟el era um juiacutezo sobre os reis que natildeo
creram e foram infieacuteis a Deus
Em Isaiacuteas 715-16 fala que a infacircncia do ―Menino-Deus era o tempo de
medida ateacute que os reis que amedrontaram Acaz fossem destruiacutedos poreacutem Acaz
recusou o sinal do ‟Imanu‟el e se voltou ao rei da Assiacuteria essa atitude de Acaz e
seus sucessores causaram a ruiacutena de Judaacute poreacutem a promessa do ‟Imanu‟el
estava de peacute por aqueles fieacuteis a Deus o remanescente pois em ‟Imanu‟el estaacute agrave
esperanccedila e salvaccedilatildeo (DOUGLAS 2006)
122 Melquisedeque
Melquisedeque nome que aparece no texto biacuteblico no livro de Genesis
1418-20 nos traz o significado meu rei eacute sedeq pois sedeq significa justiccedila
Esse nome demonstra claramente o desejo do povo de um rei justo que
praticasse a justiccedila em seu governo Justiccedila no contexto biacuteblico significa salvar e
libertar as pessoas de qualquer tipo de opressatildeo que elas sofrem ou podem
sofrer (SIQUEIRA 2005)
Melquisedeque era sacerdote do Deus Altiacutessimo rei de Saleacutem
Melquisedeque levou patildeo e vinho a Abraatildeo quando voltava da batalha de
Quedorlaomer e recebeu os diacutezimos que Abraatildeo lhe ofereceu (SANTOS 2011)
Segundo Santos (2011 p319) no Salmo 1104 Jesus eacute narrado como
sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque Jaacute em Hebreus capiacutetulos
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5 6 e 7 vai fazer-se uma relaccedilatildeo entre Melquisedeque e Jesus mostrando que
Jesus eacute a figura perfeita do sacerdoacutecio de Melquisedeque o qual foi apenas a
sombra desse sacerdoacutecio perfeito de Jesus Essa relaccedilatildeo demonstra quatro
singularidades ―1 Natildeo segundo a ordem leviacutetica 2 Tem superioridade sobre
Abraatildeo 3 Natildeo se conhecendo seu principio e seu fim 4 E natildeo soacute eacute sacerdote
mas tambeacutem rei de paz e justiccedila
Segundo Douglas (2006 p856) no Salmo 1104 um rei da linhagem de Davi
eacute declarado por juramento divino como sacerdote para sempre segundo a ordem
de Melquisedeque Jesus e seus coetacircneos reconheceram esse rei como sendo o
Messias Daviacutedico (Mc 1235s) ―Se Jesus eacute o Messias Daviacutedico entatildeo ele eacute o
sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque
123 Filho de Davi
Como diz Siqueira (2005 p103104) ―A expressatildeo filho de Davi eacute um entre
tantos tiacutetulos messiacircnicos atribuiacutedos a Jesus (Mt 927 1223 1522) e podemos
observar por dois pontos de vista diferentes a razatildeo e a origem desta epiacutegrafe
A primeira se daacute no conhecimento que o povo judeu tinha em relaccedilatildeo agraves
promessas de Deus escritas no Antigo Testamento onde diz Davi e sua
posteridade teriam um governo perpeacutetuo Em 587 aC houve o fim da monarquia
poreacutem parte do povo continuou crendo nas promessas de Deus de que algueacutem
da linhagem de Davi viria restaurar o reino de Israel atraveacutes da forccedila do exeacutercito
e da forccedila poliacutetica ou seja um Filho de Davi poliacutetico e guerreiro (SIQUEIRA
2005)
A segunda forma de se observar o tiacutetulo Filho de Davi eacute observando o povo
que conheceu ouviu e andou com Jesus Pois atraveacutes das atitudes e palavras de
Jesus esse povo tambeacutem reconhecia em Jesus o Filho de Davi natildeo como um
guerreiro e politico mas sim como um pastor aquele que socorre levando paz e
vida para as pessoas (Jo 1011) E este grupo afirmava que sua origem natildeo era
de Beleacutem (SIQUEIRA 2005)
Pudemos observar as origens e conceito do termo pobre e messias no
primeiro testamento e seus desdobramentos Observamos tambeacutem algumas
caracterizaccedilotildees do Messias no Antigo Testamento agora veremos como surge
esse messianismo a figura principal do Messias no primeiro testamento e Jesus
Cristo como o verdadeiro Messias
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2 MESSIANISMO E MESSIAS
O messianismo pode ser entendido de duas formas Haacute aqueles veem o
messianismo como o fundamento e a esperanccedila do Antigo Testamento o qual o
personagem central dessa esperanccedila eacute um personagem futuro que traraacute a
redenccedilatildeo Poreacutem existem aqueles que acreditam que esse fundamento de um
mundo melhor em todos os aspectos natildeo eacute futuro e sim no presente (SICRE
2000)
De forma geral o movimento messiacircnico eacute definido como um movimento
Em que um nuacutemero maior ou menor de pessoas em estado de grande exaltaccedilatildeo emotiva provocada pelas tensotildees sociais se reuacutenem no culto a um indiviacuteduo considerado portador de poderes sobrenaturais e se mantem reunidos na esperanccedila miacutestica de que seratildeo salvas de uma cataacutestrofe universal e (ou) ingressaratildeo ainda em vida num mundo paradisiacuteaco a terra sem males o reino dos ceacuteus a cidade ideal (QUEIROZ 1966 p 287)
Segundo Sicre (2000 p16-18) Flusser um judeu diz que o Messias eacute um
descendente de Davi carismaacutetico que quebraria o jugo que estava sobre os
judeus e reinaria sobre o reino de Israel Jaacute para Mowinckel cristatildeo protestante o
Messias eacute um personagem escatoloacutegico Todavia quando o Messias aparece nos
textos sejam canocircnicos ou extra canocircnicos normalmente ele aparece como um
rei da linhagem de Davi unindo as duas caracteriacutesticas poliacutetica e religiosa Sicre
afirma que a ideia messiacircnica estaacute ligada ao rei e Davi eacute o personagem principal
dentre os reis de Israel
21 - Messias e Davi
Na histoacuteria de Israel e Judaacute o rei eacute a figura mais importante da eacutepoca da
monarquia inclusive mais importante do que o sumo sacerdote (SICRE 2000)
Segundo esse mesmo autor (2000 p49) a unccedilatildeo privada de Davi em 1Sm
161-13 o fez destacar dos demais pois o texto diz que o ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo se
apoderou de Davi Isso demonstra que Davi jaacute natildeo era mais uma pessoa simples
como as outras mas sim o ldquoUngidordquo do Senhor designado para ser rei em Israel
Schwantes diz sobre o Salmo 2 mas em relaccedilatildeo ao Ungido que este tem
um relacionamento muito estreito com Javeacute ao ponto de Javeacute o chamar de ldquofilhordquo
(v7) Fato eacute que essa filiaccedilatildeo fiacutesica divina faz parte das tradiccedilotildees do Antigo
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Oriente poreacutem essa filiaccedilatildeo estaacute ligada a entronizaccedilatildeo do rei quando o mesmo
toma posse e assume sua posiccedilatildeo de rei ele eacute adotado como filho de Deus em
sua titulaccedilatildeo (SCHWANTES 1982)
Segundo Sicre (2000 p55 e 56) no Egito e na Mesopotacircmia natildeo se ungiam
os reis contudo houve-se falar que no Egito ungia-se somente algum funcionaacuterio
ou outros reis que seriam subordinados a Faraoacute e essa unccedilatildeo natildeo tinha um
sentido religioso servia apenas como designaccedilatildeo Provavelmente essas praacuteticas
influiacuteram em Canaatilde e passou aos israelitas Pois passou a ser um ato religioso
acredita-se que no azeite consiste um poder sagrado ou do azeite flui esse poder
Entatildeo quando algueacutem era ungido esse poder e santidade recaiacutea sobre a pessoa
tornando-a algueacutem ―especial protegida por Javeacute intocaacutevel sagrada e habilitada
para desempenhar atos religiosos
Segundo Douglas
[] Fundamentalmente a unccedilatildeo era um ato de Deus (1Sm 101) ndash que explica o respeito em que era mantida ndash enquanto a palavra ―ungido era usada ateacute mesmo metaforicamente para significar a doaccedilatildeo do favor divino (Sl 235 9210) ou a nomeaccedilatildeo para algum lugar ou funccedilatildeo especial do propoacutesito de Deus (Sl 10515 Is 451) Aleacutem disso a unccedilatildeo simbolizava equipamento para o serviccedilo e eacute associada ao derramamento do espiacuterito de Deus (1Sm 101 9 1613 Is 611 Zc 41-14) [] (DOUGLAS 2006 p 1362)
Mas quem foi Davi
Davi foi lamentavelmente humano e maravilhosamente santo atrevidamente corajoso e degradantemente carnal magnificamente reacutegio e mundanamente deploraacutevel Suas grandes vitoacuterias concederam-lhe as alturas enquanto seus pecados o lanccedilaram nas profundezas Foi um homem complexo ainda que simplesmente um homem Foi um homem entre os homens mas tambeacutem um homem segundo o coraccedilatildeo de Deus Foi culpado de derramamento de sangue na guerra mas familiarizado com as becircnccedilatildeos da adoraccedilatildeo (TASSEL 1987 p56)
Segundo Tassel (1987 p7-11) houve uma guerra civil que perdurou por
meacutedia de sete anos guerra essa que se deu entre Is-Bosete e Davi poreacutem essa
guerra foi estimulada por Abner quando esse retomou o controle do governo de
Israel o qual estava na matildeo dos filisteus Com esses acontecimentos Davi
esperou o momento certo para agir durante esses sete anos de guerra Davi
esperou no Senhor em Hebrom pois Davi jaacute era rei em Judaacute (2Sm 24) ―Assim
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pois todos os anciatildeos de Israel vieram ter com o rei em Hebrom e o rei Davi fez
com eles alianccedila em Hebrom perante o SENHOR Ungiram Davi rei sobre Israel
Esta alianccedila possivelmente teria sido algum tipo de documento legal o qual Davi
se comprometera a realizar em seu reinado sobre Israel de acordo com a lei
mosaica em contrapartida o povo seria leal a Davi A expressatildeo ldquoperante o
Senhorrdquo nos daacute a entender que tanto o povo quanto Davi desejavam fazer a
vontade de Deus Apoacutes sua coroaccedilatildeo Davi estabeleceu a capital de Judaacute em
Jerusaleacutem (2Sm 56ss 1Cr 114ss) Jerusaleacutem estava estabelecida dentro dos
limites do Reino Sul e Reino Norte ou seja Jerusaleacutem era o lugar perfeito dentro
do ponto de vista estrateacutegico militar Pois se localizava em posiccedilatildeo alta e rochosa
com trecircs barrancos ao seu redor era uma fortaleza natural com uma localizaccedilatildeo
praticamente inconquistaacutevel Davi foi uma das maiores mentes militares de todas
as eacutepocas ―Ia Davi crescendo em poder cada vez mais porque o Senhor Deus
dos Exeacutercitos era com ele (2Sm 510)
Davi foi um homem de conquistas A Siacuteria Edom e Moabe tornaram-se tributaacuterias do seu reino As conquistas de Davi estenderam os limites de Israel vinte vezes mais Estabeleceu um impeacuterio que rivalizou com os da Babilocircnia e Assiacuteria em seu poder militar Davi foi um soberano e salmista da mais alta categoria Davi foi um homem culto O novo rei de Israel estabeleceu as tradiccedilotildees do seu povo de acordo com a lei de Moiseacutes O longo reinado de Davi deu-lhe oportunidade de estabelecer importantes precedentes consistentes com a lei cerimonial leviacuteticos dados por Deus Davi foi um homem do comeacutercio ―Hiratildeo rei de Tiro enviou mensageiros a Davi e madeira de cedro e carpinteiros e pedreiros que edificaram uma casa a Davi (2Sm 511) Tiro era o ponto central do comeacutercio feniacutecio na costa mediterracircnea Davi trocou seu trigo e azeite por toda espeacutecie de produtos necessaacuterios O soberano-pastor sabia como prover as necessidades do seu rebanho (TASSEL 1987 p 1112)
Em relaccedilatildeo a Alianccedila Daviacutedica podemos observar cinco grandes promessas
feitas ao rei Davi Primeiro Deus prometeu a Davi uma descendecircncia (2Sm 716)
Segundo Deus prometeu a Davi poder (2Sm 713) Terceiro Deus prometeu um
lugar para que seu povo habite e natildeo seja mais afligido (2Sm 710) Quarto Deus
prometeu que seu trono seria para sempre (2Sm 716) Quinto esta quinta
promessa se referia mais a Salomatildeo e sua posteridade onde para eles de fato
serem bem-sucedidos deveriam observar as leis e preceitos de Javeacute (2Sm 714-
15) Esta periacutecope de 2 Samuel 78-17 veremos o resultado do amor lealdade
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fidelidade e perfeiccedilatildeo do coraccedilatildeo de Davi para com Deus poreacutem essa perfeiccedilatildeo
natildeo estaacute isenta de erros pois Davi era humano (TASSEL 1987)
Conforme Fitzmyer a dinastia continuou
depois que Salomatildeo sucedeu a Davi e construiu o Templo em Jerusaleacutem com Roboatildeo como rei em Judaacute (922-915 aC) e depois da revolta quando Jeroboatildeo torna-se rei em Israel (922-921 aC) A dinastia continuou a florescer em Judaacute (cf 1Cr 31 5 10-16) atraveacutes dos reis Abias Asa Josafaacute Jeoratildeo (Joratildeo) OcozIAS Jeoaacutes (Joaacutes) Amasias Uzias (Azarias) Joatatildeo Acaz (Jeoacaz I) Ezequias Manasseacutes Amon Josias Jeoacaz II (Salum) Jeoaiquim (Eliaquim) Joiaquin (Jeconias) e Sedecias (Matanias [597-585 aC]) ateacute o tempo do cativeiro babilocircnico quando a monarquia chegou ao fim [] Depois do cativeiro babilocircnico a dinastia restaurada continuou em Salatiel e Zorobabel (1Cr 31719) (FITZMYER 2015 p 55)
Salomatildeo reconheceu o cumprimento da Alianccedila Daviacutedica em si proacuteprio
conforme 1Rs 815-20 poreacutem o cumprimento final dessa Alianccedila seraacute em Jesus
Cristo conforme Rm 134 que diz ―v3 Com respeito ao seu Filho o qual
segundo a carne veio da descendecircncia de Davi v4 E foi designado Filho de
Deus com poder segundo o espiacuterito de santidade pela ressurreiccedilatildeo dos mortos a
saber Jesus Cristo nosso Senhor (TASSEL 1987)
A promessa original de que a semente da mulher finalmente derrotaria a
serpente (Gn 315) foi mais tarde definida para Abraatildeo (Gn 123) elaborada por
Balaatildeo (Nm 249) especificada por Jacoacute (Gn 4910) personalizada em Davi e
cumprida em Jesus Cristo (TASSEL 1987)
[] O livro do Cronista tem a atenccedilatildeo de dirigir o olhar de seus leitores para aquele que o profeta Ezequiel chamava de bdquouacutenico pastor‟ bdquoDavi meu servo‟ (Ez 3423) o bdquoverdadeiro justo‟ de Jeremias (Jr 235) bdquoo menino‟ de Isaiacuteas (Is 96) bdquoo que deve ser o chefe supremo de Israel‟ (Mq 52) isto eacute em direccedilatildeo a Cristo apogeu e termo final de Israel que com sua vida e sua morte lanccedilaria as bases de uma Teocracia que nenhum adversaacuterio poderaacute aniquilar de novo (SICRE 2000 p 99100)
22 Jesus - O Messias
Na biacuteblia o nome natildeo eacute um rotulo de uma pessoa natildeo eacute uma etiqueta que
os pais colocam em uma crianccedila mas sim o nome expressa seu caraacuteter parte
essencial dela O nome na biacuteblia eacute tatildeo importante que em Ec 610 o que natildeo tem
nome eacute inexistente em Joacute 308 os que natildeo tem nome satildeo despreziacuteveis A
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conversa entre Deus e Moiseacutes eacute um exemplo claro disso (Ecircx 313-14) quando
Moiseacutes indaga acerca do nome de Deus o qual ele seria seu representante Deus
o responde Eu Sou o que Sou ou seja Eu Sou Aquele que faz acontecer
revelando assim parte essencial do caraacuteter Por isso para o povo biacuteblico o nome
estaacute intrinsicamente ligado agrave pessoa e ao que ela faz Pois em cada accedilatildeo de
Deus dentro da histoacuteria de seu povo (hebreus) eles se referiam a Deus com um
nome diferente nome esse que se referia ao ato salviacutefico de Deus para
determinada situaccedilatildeo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Santos
Jesus (Salvador) ndash eacute a forma grega do nome Josueacute o filho de Num Assim em Atos 745 Em Colossenses 411 o apoacutestolo Paulo refere-se a ―Jesus conhecido por Justo Este Jesus um cristatildeo foi um dos cooperadores do apoacutestolo em Roma e prestou-lhe solidariedade no momento das suas provaccedilotildees Jesus Cristo (Iesoucircs Christoacutes = Josueacute Jesus Ungido Messias formulaccedilatildeo grega para o hebraico Yehoxuah ―Javeacute salvaraacute seu povo dos seus pecados [Mt 121]) [] (SANTOS 2011 p249)
Segundo Siqueira (2005 p 111) Jesus era conhecido como Salvador por
dois motivos ―1 O Seu nome natildeo foi uma designaccedilatildeo arbitraacuteria de seus pais
pelo contraacuterio 2 O nome de Jesus representa a realidade mais profunda de Sua
vida e obra Os quais seus proacuteprios disciacutepulos reconheceram isso dizendo ―Eacute
que vos nasceu hoje na cidade de Davi o Salvador que eacute Cristo o Senhor (Lc
211) ―e diziam agrave mulher Jaacute natildeo eacute pela tua palavra que noacutes cremos pois agora
noacutes mesmos temos ouvido e sabemos que este eacute verdadeiramente o Salvador do
mundo
No livro de Marcos 215-17 narra um fato que desafia a uma mudanccedila a
estrutura social judaica daquela eacutepoca ― Natildeo necessitam de meacutedicos os satildeos
mas sim os enfermos eu natildeo vim chamar os justos mas pecadores (cf Mt 910-
13 Lc 529-32) Os ―pecadores daquela eacutepoca eram as pessoas consideradas
imorais pela nata da sociedade (aduacutelteros mentirosos prostitutas cegos coxos
surdos publicanos entre outros) pessoas indignas de terem qualquer tipo de
relaccedilatildeo com eles principalmente no que tange a mesa lugar de partilha e
comunhatildeo lugar que tambeacutem se demonstrava estrato social Segundo esse
pensamento social da eacutepoca qualquer pessoa que se assentasse com um desses
pecadores se tornava pecador tambeacutem ou seja essas pessoas contaminavam
qualquer outra que estivesse com elas Poreacutem Jesus Cristo ao se assentar com
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os ―pecadores subverte o sistema legal de pureza e atende a necessidade dos
marginalizados pela sociedade Em Mc 21-12 nos mostra que Jesus tambeacutem
cura e perdoa os pecados (v5 ―E Jesus vendo-lhes a feacute disse ao paraliacutetico Filho
perdoado satildeo os teus pecados) havia em Jerusaleacutem todo um sistema sacrificial
em relaccedilatildeo ao pecado o sistema de expiaccedilatildeo era exercido pelo sumo sacerdote
poreacutem Jesus mesmo sem ter alguma autoridade terrena para mudar os haacutebitos
religiosos vigentes Ele demonstra ter uma autoridade superior para realizar tais
atos (MORIN 2016)
Como diz Eacutemile Day
Haacute diversos usos caracteriacutesticos de ―Cristo em Lucas-Atos Primeiro encontramos a frase ―o Cristo de Deus (Lc 920 2335 cf ―o Cristo do Senhor em 226 e ―Ungido do Senhor em At 426) A prova de Jesus como o Messias encontra-se em alguns exemplos da pregaccedilatildeo cristatilde primitiva (p ex At 542 173 18528) Segundo no importante manifesto em Lc 418-19 (cf Lc 722 e 4Q521) eacute o messianismo profeacutetico que estaacute presente baseado em Is 611-2 texto sitado na descriccedilatildeo fragmentaacuteria do proclamador angeacutelico em 11QMelqu A conclusatildeo desse capitulo (440) sugere que o ministeacuterio de cura jaacute iniciado demonstrava o messiado de Jesus (DAY 2005 p 497-498)
Jesus sempre valorizou muito mais a vida do que oblaccedilotildees sacrifiacutecios e
tradiccedilotildees que satildeo usadas para fazer diferenccedila entre as pessoas separando o
santo do pecador o bom do mau o melhor do pior Pois suas pregaccedilotildees eram de
fato uma oposiccedilatildeo contra esse tipo de comiseraccedilatildeo que vecirc a vontade de Deus
somente em beneficio proacuteprio (SANTOS 2011)
Em resumo a missatildeo de Jesus aconteceu no Impeacuterio Romano No mediterracircneo oriental o poder romano partilhado pelas elites locais fez da crueldade e da extorsatildeo parte da vida diaacuteria Para a natildeo elite do povo de Israel o colapso do sistema patronal da elite israelita apareceu como verdadeira traiccedilatildeo e deslealdade por parte das melhores famiacutelias aristocraacuteticas e cujo interesse a economia politica e a religiatildeo politica funcionavam O resgate dessa situaccedilatildeo somente ocorreria como Deus de Israel tomando o controle do paiacutes e restaurando a proteccedilatildeo divina da perfiacutedia politica que preenchia a terra A proclamaccedilatildeo de Jesus a respeito do reino de Deus era na verdade seu evangelho social (MALINA 2004 p 43)
Tudo aquilo que leva o povo ao sofrimento eacute considerado satacircnico Pois na
mensagem nos ensinamentos de Jesus Cristo seu principal tema era o ―reinado
de Deus e a salvaccedilatildeo Pois Jesus Cristo veio para resgatar e demonstrar o
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sedaqah (justiccedila) em sua plenitude Jesus Cristo veio instaurar um novo tempo
resignificando o sofrimento atraveacutes das bem-aventuranccedilas (Lc 620-23 Mt 51-12)
demonstrando assim ser o Immanuel ou seja ―Deus conosco (SANTOS 2011)
O evangelho de Jesus Cristo o Messias tambeacutem tinha o propoacutesito de gerar
uma comunidade que continuasse a propagar o reino que por Ele foi iniciado E
isso soacute podia ser feito mediante a unccedilatildeo e presenccedila do Espiacuterito do Senhor (Lc
418) Os propoacutesitos de Deus soacute podem ser realizados mediante essa unccedilatildeo do
Messias os qual visa em prioridade levar a Boa Nova aos pobres Essa Boa Nova
aos pobres estaacute relacionada agrave libertaccedilatildeo da opressatildeo romana e uma vida eterna
um lugar no ceacuteu ou seja uma resposta imediata e uma eterna o hoje e o
amanhatilde Como a paraacutebola do rico e o Lazaro benccedilatildeo eterna ao pobre e a
acusaccedilatildeo contra os ricos do presente (LOCKMANN 2011)
Pixley diz que
O reino de Deus se caracteriza pela vida uma vida tatildeo abundante que os leprosos satildeo limpos e mortos ressuscitam Isto jaacute estava acontecendo na obra de Jesus entre os pobres e marginalizados da Galileacuteia Entre os pobres esta vida abundante para os que haviam padecido carecircncias eacute recebida com alegria e Boa Nova (PIXLEY 1986 apud LOCKMANN 2011)
Observamos nessa parte que o messianismo surge com o sentido de
esperanccedila seja futura ou presente esperanccedila sobre as dificuldades diversas da
vida Davi foi um tipo de Messias em seu tempo pois ele gerava essa esperanccedila
e expectativa nas pessoas Jesus Cristo poreacutem foi o antiacutetipo do Messias sua vida
e suas obras foram voltadas totalmente para a classe dos desfavorecidos
trazendo esperanccedila aos seus coraccedilotildees tanto para uma vida futura como para a
vida presente e por fim com sua morte e ressurreiccedilatildeo concretizou essa
esperanccedila Veremos agora a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e como se
daacute o diaacutelogo entre eles
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA
Quando falamos sobre pobres e excluiacutedos normalmente nos reportamos agraves
pessoas que estatildeo fora do sistema que rege uma sociedade o sistema soacutecio-
politico-econocircmico e religioso Temos que nos atentar para essas questotildees pois
como cristatildeos temos que ter uma visatildeo mais ampla sobre esse assunto para que
assim possamos cumprir os desiacutegnios de Cristo valorizar os desvalorizados
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(FELLER 1995) ―Eacute pobre portanto quem carece dos meios de vida Quem natildeo
tem os meios materiais para viver nem para se desenvolver com dignidade no
plano social poliacutetico e cultural (ALDUNATE 1991 p 16)
Esse grupo de pessoas na sociedade soacute consegue ser vistos a partir do
momento que eles proacuteprios se sentem incomodados e indignados com a situaccedilatildeo
que vivem formam seus grupos e tomam iniciativas que seratildeo visualizadas nos
conflitos sociais Pois eacute a partir desses conflitos que surgem e desenvolvem
meios de condiccedilotildees para combater a exclusatildeo social
[] satildeo os excluiacutedos os que mais sofrem por causa dos erros da modernidade brasileira e suas consequecircncias evidentes o ecircxodo rural e a explosatildeo urbana a violecircncia no campo e na cidade a concentraccedilatildeo da terra e do capital a especulaccedilatildeo financeira e imobiliaacuteria a inflaccedilatildeo a divida externa a reduccedilatildeo na produccedilatildeo de alimentos para o mercado interno o corporativismo dos poliacuteticos e empresaacuterios a instabilidade social a miseacuteria e a fome o desemprego a insalubridade publica o abandono do ensino baacutesico o desdeacutem ao pensamento nacional alternativo o embrutecimento intelectual a deseducaccedilatildeo do povo o disfarccedilamento da realidade a desmoralizaccedilatildeo eacutetica a destruiccedilatildeo do sentimento de nacionalidade a desarticulaccedilatildeo cultural as soluccedilotildees egoiacutestas e imediatistas o individualismo ganancioso
enfim o processo de apartaccedilatildeo crescente (FELLER 1995 p15)
Podemos perceber que a pobreza eacute gerada na sociedade por causa da
ganancia de pessoas que detecircm um determinado poder social politico ou
religioso e que acabam lesando o direito dos pobres a uma vida digna a pobreza
logo eacute uma carecircncia injusta e indevida resultado do abuso dos gananciosos
(ALDUNATE 1991)
Exatamente essas pessoas ―dominadoras a elite da sociedade natildeo medem
esforccedilos para manter o sistema funcionando sempre em seu proacuteprio beneficio e
deixando assim pobres na situaccedilatildeo onde eles se encontram sem dar a eles
esperanccedila de vida de melhoria Esses dominadores que satildeo uma porcentagem
bem pequena na sociedade trabalham dentro de uma estrutura social de
exploraccedilatildeo os quais utilizam princiacutepios convencionais ndash poliacuteticos econocircmicos
sociais culturais e religiosos ndash sempre com a finalidade de manter os pobres
sobre o seu domiacutenio em suas matildeos (SANTA ANA 1985)
Infelizmente a religiatildeo acaba legitimando esse tipo de situaccedilatildeo em prol de
benefiacutecios proacuteprios para manter suas proacuteprias posiccedilotildees Assim educando os
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pobres a concordar que as condiccedilotildees de vida em que eles vivem eacute a vontade de
Deus para eles mudando assim essa esperanccedila de uma vida melhor aqui para
uma vida melhor somente depois da morte Com isso a igreja faz uso da feacute para
legitimar uma desigualdade a qual o proacuteprio Deus condena (SANTA ANA 1985)
Segundo Santa Ana (1985 p48-49) o sistema educacional ajuda nessa
perpetuaccedilatildeo da pobreza A partir do momento que o sistema educacional
socializa as pessoas atraveacutes do conformismo faz com que os ricos tenham total
acesso ao processo educacional assim perpetuando-se no poder Fazendo com
que os pobres nunca tenham uma oportunidade como a deles Isso tambeacutem
atinge as estruturas familiares que se enveredam pelo mesmo caminho
preparando seus membros a fortalecerem esse processo de dominaccedilatildeo em que o
poder e a riqueza dominam fazendo ateacute o sistema politico trabalharem a seu
favor ou seja os vassalos trabalham e seus senhores colhem os frutos
Estamos definindo a pobreza como a incapacidade de realizaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas exigidas para manter adequadamente a vida livre de doenccedilas miseacuteria fome dor sofrimento desespero e medo de um lado e a incapacidade de defesa em face da injusticcedila estrutural de outro Em qualquer dos casos essas condiccedilotildees podem ser resumidas como opressatildeo A luta contra a pobreza consiste pois em atividades em que se envolvem os oprimidos e os que lutam em seu favor na busca de uma ―vida melhor Natildeo se procura apenas a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas mas tambeacutem a existecircncia vivida com dignidade baseada no exerciacutecio da justiccedila da participaccedilatildeo e da liberdade (SANTA ANA 1985 p98)
Em grande parte das sociedades humanas existem pessoas grupos
governos igrejas entre outras instituiccedilotildees que se dedicam de forma incansaacutevel
para diminuir ou ateacute extinguir a pobreza na sociedade pois Deus natildeo criou o ser
humano para ser oprimido Podemos observar em Gn 1210-15 que esse tipo de
opressatildeo emerge no encontro de culturas poderosas com outras culturas que natildeo
tem esse mesmo poder dessa forma os mais fortes sempre dominam os mais
fracos (SANTA ANA 1985)
Em contrapartida a histoacuteria nos mostra que nem todos os opressores e
oprimidos aceitaram a opressatildeo assim tatildeo faacutecil Pessoas escolheram morrer ateacute
mesmo juntamente com sua famiacutelia ao inveacutes de se submeterem a opressatildeo
escravizadora esses satildeo os negros americanos que lutaram contra a
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segregaccedilatildeo e a escravidatildeo Essa opressatildeo natildeo eacute extinta tatildeo facilmente
infelizmente (SANTA ANA 1985)
―Do ponto de vista cristatildeo o processo de libertaccedilatildeo dura agrave vida toda O
objetivo uacuteltimo da luta contra a pobreza eacute criar a sociedade humana sem
opressores nem oprimidos onde todos se esforccedilam para ser verdadeiramente
humanos (SANTA ANA 1985 p106)
As Escrituras Sagradas fala sobre os direitos que os oprimidos tecircm os quais
se negam a dignidade de vida Podemos observar a preocupaccedilatildeo que a
legislaccedilatildeo os profetas os saacutebios e Jesus tecircm em relaccedilatildeo aos pobres e oprimidos
da sociedade A forma que Deus os protege e a forma de como Jesus Cristo se
identifica com eles de modo profundo que toda e qualquer opressatildeo ou violecircncia
praticada contra eles eacute da mesma intensidade contra Deus (ALDUNATE 1991)
Eacute quase um refratildeo que percorre toda a Biacuteblia natildeo oprimir o pobre natildeo explorar o oacuterfatildeo natildeo se aproveitar da viuacuteva natildeo discriminar o imigrado ou o forasteiro natildeo excluir o escravo Quem satildeo todos estes Satildeo aqueles que natildeo encontram lugar na sociedade organizada ou que por sua situaccedilatildeo social natildeo tecircm a quem recorrer e por isso satildeo entregues agrave proacutepria sorte ou satildeo feitos vitimas dos gananciosos [] O pobre pode ser saacutebio mas porque eacute pobre ―sua sabedoria eacute desprezada (Ec 916) e assim se destroacutei a cidade (ALDUNATE 1991 p97)
A igreja tecircm a missatildeo de defender a vida frente aos diversos problemas
sociais eacuteticos e espirituais em que vivemos nosso maior exemplo disso foi Jesus
Jesus questionou bastante fortemente os privileacutegios e as hierarquias que a sociedade judaica estabelecia tanto no domiacutenio social quanto no domiacutenio religioso Pela sua solidariedade com os pecadores com os pequenos com os sem-lei com os impuros ele contestou fortemente as estruturas de uma sociedade que ousava se apoiar em Deus para justificar a separaccedilatildeo entre aqueles que ensinam e os que escutam entre os que decidem e os que obedecem entre os que devem ser honrados e os que devem ser condenados O contexto modificou-se mas natildeo mudou muito a realidade das coisas A sociedade sempre teve e ainda tem seus marginalizados e seus desclassificados aos quais ela daacute apenas o direito do silecircncio O direito de natildeo serem como os outros [] A proacutepria igreja ainda natildeo conseguiu abandonar privileacutegios e hierarquias que foi interpelada a abolir Continua sustentando relaccedilotildees de autoridade e obediecircncia Continua ignorando aqueles que natildeo entram no quadro de sua moral ou de sua teologia oficial Existem ainda pecadores e estrangeiros sem o direito agrave mesa comum Pois eacute preciso respeitar as precedecircncias e as conveniecircncias Ainda natildeo aprendemos a nos colocar agrave mesa para comer com os pecadores E precisamos aceitar que simpatia
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e generosidade natildeo bastam para uma transformaccedilatildeo da histoacuteria Suprimir privileacutegios eacute a primeira decisatildeo para um combate E aceitar o risco da solidariedade e comprometer-se na luta contra toda opressatildeo Comeccedilar desde agora a viver na Igreja uma mudanccedila real com o maacuteximo de lucidez politica e uma coragem profeacutetica enraizada nas palavras do Cristo (MORIN 2016 p79-80)
A esperanccedila messiacircnica surge no primeiro testamento seu aacutepice se deu na
pessoa do rei Davi pois ele gerava essa esperanccedila nos coraccedilotildees das pessoas
isso porque ele natildeo olhava somente para as suas vontades mas tambeacutem as dos
desfavorecidos da sua eacutepoca Mas em Jesus eacute cumprida a promessa do
verdadeiro Messias de Deus o qual teve a coragem de lutar e doar a sua vida em
favor dos pobres e marginalizados concretizando assim uma esperanccedila que
jamais morreraacute A igreja cristatilde precisa seguir cabalmente esse exemplo de Davi e
por fim de Jesus Cristo e se doar em favor daqueles que satildeo considerados a
escoacuteria da sociedade
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Vivemos em tempos em que a sociedade valoriza muito mais aqueles que
tecircm do que aqueles satildeo Essa eacute a Era da coisificaccedilatildeo ou seja vocecirc vale aquilo
que vocecirc possui As pessoas que vivem a mercecirc desse sistema capitalista para
serem aceitas na sociedade ou em determinados grupos tem que demonstrar
aquilo que possui para serem aceitas as quais se tornam escravas do
consumismo e satildeo engolidas por esse sistema
Sistema esse que eacute regido por uma pequena porcentagem da sociedade
mas que dominam as pessoas que possuem menos poder que elas no que tange
a questatildeo politica econocircmica e social Essas pessoas fazem esse sistema
capitalista sempre girar em torno delas satildeo pessoas egoiacutestas gananciosas E os
mais prejudicados com isso satildeo as pessoas que satildeo dominadas por esse tipo de
governo os pobres e marginalizados
Nos uacuteltimos tempos as comunidades tecircm se preocupado com a situaccedilatildeo dos
pobres Mas natildeo basta somente se preocupar as comunidades precisam se
posicionar e praticar o evangelho de Cristo que entendemos ser o evangelho da
inclusatildeo Temos que aprender a tratar esse problema social que infelizmente
existe em nosso meio
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Fazer a vontade de Deus estaacute sempre relacionado ao nosso proacuteximo Como
seres humanos todos os pobres e marginalizados tem o direito de uma vida digna
ou seja ter pelo menos o baacutesico que um ser humano precisa para viver
Por isso estender a matildeo ao necessitado torna-se um grande desafio para a
sociedade e principalmente para a igreja
Com esse artigo procuramos trazer as nossas mentes para fazer-nos
relembrar acerca dos mandamentos divinos que eacute amar a Deus sobre todas as
coisas e ao proacuteximo como a si mesmo Mostrando que o pobre e marginalizado
tambeacutem tem o direito de igualdade em relaccedilatildeo agrave sociedade de ter pelo menos o
baacutesico para sua sobrevivecircncia A pobreza soacute existe porque o ser humano se
esqueceu de Deus e a partir daiacute soacute pensa em si proacuteprio em sempre ter vantagem
e domiacutenio sobre o outro
Infelizmente a igreja tambeacutem se esqueceu de seu papel aqui na Terra que eacute
de anunciar as Boas Novas de Cristo trazendo paz e esperanccedila a todos mas
principalmente aqueles a qual a sociedade despreza e marginaliza aqueles que
foram desamparados e natildeo tem nem o baacutesico para viver a fim de que tenham
uma vida digna como filho de Deus
Isso se torna um desafio para a sociedade e principalmente para a igreja a
qual eacute uma instituiccedilatildeo que deveria ou deve representar o reino de Deus desafio
esse de abrir um diaacutelogo e conscientizaccedilatildeo dos cristatildeos por partes de seus lideres
para que a igreja se torne um lugar de acolhida para essas pessoas que natildeo tem
para onde ir
Precisamos valorizar essas pessoas pois quem cuida delas realmente esta
dando continuidade a obra de Cristo pois essa foi agrave obra que Cristo fez dar a vida
em favor dos desfavorecidos
―Quando entre ti houver algum pobre de teus irmatildeos em alguma das tuas cidades na tua terra que o SENHOR teu Deus te daacute natildeo endureceraacutes o teu coraccedilatildeo nem fecharaacutes as matildeos a teu irmatildeo pobre antes lhe abriraacutes de todo a matildeo e lhe emprestaraacutes o que lhe falta quanto baste para a sua necessidade (Dt 157-8)
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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DOUGLAS JD O novo dicionaacuterio da Biacuteblia 3ordf ed rev ndash Satildeo Paulo Vida Nova 2006
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FABRIS Rinaldo Opccedilatildeo pelos pobres na Biacuteblia Satildeo Paulo Paulinas 1991
FELLER Vitor Galdino A revelaccedilatildeo de Deus a partir dos excluiacutedos Satildeo Paulo Paulus 1995
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Autor ndash Ebson de Sousa
Bacharel em Teologia ndash UMESP E-mail ebsonsousayahoocombr
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RESENHA - ldquoO UNIVERSO AO LADOrdquo - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O ESTUDANTE DE TEOLOGIA
ldquoA tendecircncia da moderna teologia (se eacute que podemos
chama-la de teologia) eacute sempre rumo agrave deificaccedilatildeo
da criatura ao inveacutes da glorificaccedilatildeo do Criadorrdquo
Arthur Walkington Pink
RESUMO
O objetivo desta resenha eacute oferecer ao corpo discente do curso de teologia
da FATEJFADISA uma leitura auxiliar no desenvolvimento da compreensatildeo dos
cenaacuterios e cosmovisotildees que alimentam a hipermodernidade Haacute livros que fazem
a diferenccedila no quesito introduccedilatildeo aacute teologia e sem duacutevida alguma este eacute um
deles
Universo ao lado eacute um livro de suma importacircncia sendo aqui utilizada a
ediccedilatildeo de 2009 sendo ―O Livro - Universo ao Lado foi publicado pela primeira
vez em 1976 (na liacutengua inglesa) de modo que a antiguidade do livro chama a
atenccedilatildeo porquanto fazendo uma breve pesquisa e lecionando nestes uacuteltimos dez
anos em cursos de teologias tenho contemplando a comprometedora realidade
de que muitos dos discentes nunca tiveram acesso ou se dedicaram a leitura da
temaacutetica apresentado neste livro
Assim esta resenha foi feita para despertar no estudante de teologia o
interesse relevante pela literatura que jaacute haacute alguns anos vem contribuindo para
elucidar a questatildeo das cosmovisotildees da qual depende a produccedilatildeo de uma
teologia com excelecircncia reflexiva sendo necessaacuteria uma filosofia acadecircmica em
cuja essencialidade se acesse informaccedilotildees mais amplas as quais satildeo
imprescindiacuteveis como ponto de partida do saber teoloacutegico contemporacircneo
Boa leitura
autor Prof Me Marcelo Alves Dantas
marcelodantasteologiagmailcom
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James W Sire
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4 ed
Satildeo Paulo Hagnos 2009
BIOGRAFIA
Em 6 de fevereiro de 2018 faleceu James W Sire aos 84 anos50 Autor ―O
Universo ao Lado considerado um claacutessico cristatildeo sobre cosmovisotildees Sire
dedicou grande parte de seus estudos ao assunto James W Sire51 (17 de outubro de 1933 - 6 de fevereiro de 2018) foi um
autor palestrante e editor cristatildeo americano da InterVarsity Press Nascido em
uma fazenda na orla do Nebraska Sandhills Sire era oficial do Exeacutercito professor
universitaacuterio de literatura filosofia e teologia inglesa editor-chefe da InterVarsity
Press (editora de livros cristatildeos) palestrante de mais de duzentos universidades
nos EUA Canadaacute Europa Oriental e Ocidental e Aacutesia e autor de vinte livros
sobre literatura filosofia e feacute cristatilde Seu livro The Universe Next Door publicado
em 1976 e agora em sua quinta ediccedilatildeo jaacute vendeu mais de 400000 coacutepias e foi
traduzido para 19 idiomas estrangeiros Ele possuiacutea um bacharelado em quiacutemica
e inglecircs pela Universidade de Nebraska um mestrado pela Washington State
College (hoje Universidade) e um doutorado pela Universidade do Missouri Sua
publicaccedilatildeo mais recente foi Rim of the Sandhills um livro de memoacuterias da vida no
rancho traccedila sua chegada precoce agrave feacute e seu desenvolvimento gradual de uma
apologeacutetica madura pela feacute cristatilde Entre as deacutecadas de 1960 e 1980 James Sire foi editor-chefe da
InterVarsity Press uma editora voltada ao puacuteblico acadecircmico e cristatildeos
pensantes Liderou um movimento de consolidaccedilatildeo intelectual cristatildeo numa
cultura evangeacutelica cada vez mais fundamentalista e anti-intelectual Trouxe ao
conhecimento puacuteblico como editor pensadores como Francis Schaeffer Os
Guinness C Stephen Evans Rebecca Manley Pippert Mark Noll e muitos outros
pensadores cristatildeos Ele mesmo colaborou com 20 tiacutetulos a maioria tratando
sobre apologeacutetica cristatilde Seu livro mais conhecido mais vendido e traduzido para
50
httpswwwultimatocombrconteudoo-intelectual-como-vocacao-james-sire-1933-2018 - Acesso 15122019 51
https translate google com br translate hl = pt B R amp s l = e n amp u = h t t p s e n w i k i p e d i a org wiki J a m e s _ W _ S i r e amp p r e v = s e a r c h ndash Acesso 15122019
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20 idiomas O Universo ao Lado (1976) foi uma marco na tentativa em divulgar a
apologeacutetica cristatilde em formato de cosmovisotildees E deu certo mais de 350 mil
coacutepias somente nos EUA
INTRODUCcedilAtildeO
James Sire tem como um de seus objetivos refletir sobre a batalha para
descobrir nossa proacutepria feacute nossa proacutepria cosmovisatildeo nossas crenccedilas sobre a
realidade Seus principais intentos satildeo
a) Esboccedilar as cosmovisotildees que estatildeo por traacutes do modo pelo qual noacutes no
mundo ocidental pensamos sobre noacutes mesmos outras pessoas o mundo
natural e Deus ou a realidade final
b) Traccedilar historicamente como essas cosmovisotildees se desenvolveram desde o
decliacutenio da cosmovisatildeo teiacutesta transitando por sua vez para o deiacutesmo o
naturalismo o niilismo o existencialismo o misticismo oriental e a nova
consciecircncia da Nova Era
c) Mostrar como o poacutes-modernismo provocou uma reviravolta nessas
cosmovisotildees
d) Encorajar-nos a pensar em termos de cosmovisotildees isto eacute com
consciecircncia natildeo apenas do nosso modo de pensar mas tambeacutem do modo
de pensar das outras pessoas para que possamos primeiro entender os
outros e entatildeo estabelecer uma comunicaccedilatildeo eficaz em nossa sociedade
pluralista
Dr James W Sire eacute editor e palestrante muito requisitado em coleacutegios e
Universidades dos Estados Unidos e Europa Autor de vaacuterios livros
1 How to Read Slowly Reading for Comprehension Como ler
devagar Leitura para compreensatildeo 1978
2 Scripture Twist twenty Ways Cults Misunderstand the Bible
Torccedilatildeo das Escrituras 20 maneiras pelos quais os cultos
interpretam mal a Biacuteblia 1980
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3 Discipleship of the Mind Learning to Love God In the Ways We
Think Discipulado da mente aprendendo a amar a Deus da
maneira que pensamos 1990
4 Why Should Anyone Believe Anything at All Por que algueacutem
deveria acreditar em tudo1994
5 Habits of the Mind Intellectual Life as a Christian Calling Haacutebitos
da Mente vida intelectual como uma vocaccedilatildeo crista 2001
6 Naming the Elephant Worldview as a Concept Nomeando o
elefante cosmovisatildeo como conceito 2004
7 Por que bons argumentos frequentemente falham (IVP 2006)
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO
Sire parte do pressuposto que jaacute n o final do seacuteculo XIX Stephen Crane
havia aprendido a condiccedilatildeo com que noacutes no iniacutecio do seacuteculo XXI passariacuteamos a
encarar o universo
Considera-se como um fato importante nos dias de Hoje o movimento
religioso do Islatilde que defende a cosmovisatildeo cujos pressupostos vecircm afetando o
Ocidente que natildeo foi abordada em nenhumas das ediccedilotildees anteriores Desde 11
de setembro de 2001 o Islatilde tornou-se o principal fator da vida natildeo apenas no
Oriente Meacutedio Aacutefrica e Aacutesia mas tambeacutem na Europa e Ameacuterica do Norte A
cosmovisatildeo islacircmica (ou talvez cosmovisotildees) exerce sua influecircncia sobre as
vidas das pessoas em todo o mundo Aleacutem disso o termo cosmovisatildeo aparece
comumente nos jornais quando jornalistas tentam compreender e explicar o que
estaacute incentivando os chocantes eventos dos uacuteltimos anos
Segundo Sire os leitores de qualquer uma das ediccedilotildees anteriores notaratildeo
que a nova definiccedilatildeo faz trecircs coisas
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a) Primeiro ela muda o foco de uma cosmovisatildeo como um conjunto de
pressuposiccedilotildees para um compromisso uma orientaccedilatildeo fundamental
do coraccedilatildeo concedendo uma ecircnfase maior agraves raiacutezes preacute-teoacutericas do
intelecto
b) Segundo expande a forma pela qual as cosmovisotildees satildeo expressas
adicionando ao conjunto de pressuposiccedilotildees uma noccedilatildeo de histoacuteria
c) Terceiro torna mais expliacutecito que a raiz mais profunda de uma
cosmovisatildeo eacute seu comprometimento e compreensatildeo da realidade
real
O objetivo do livro eacute de forma resumida apresentar algumas das
cosmovisotildees que mais influenciam o pensamento humano Apesar de alguns
nomes de filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles Sartre Camus e Nietzsche
aparecerem nas paginas do livro este natildeo se constitui ser um trabalho acadecircmico
de filosofia E embora nos remeta ao tempo e aos conceitos tornados famosos
pelo apostolo Paulo por Agostinho Tomaacutes de Aquino e Calvino mesmo assim
este natildeo eacute um trabalho acadecircmico de teologia Em especial eacute um livro de
cosmovisotildees ndash de modo mais baacutesico e fundamental do que os estudos formais
em filosofia ou teologia Ou de outro modo eacute um livro de universos adaptados
pelas palavras e conceitos que trabalham em conjunto para propiciar um quadro
mais ou menos coerente de referecircncia para todo pensamento e accedilatildeo
Em se tratando de cosmovisotildees Sire a define da seguinte maneira
Eacute um conjunto de pressuposiccedilotildees (hipoacuteteses que podem ser verdadeiras parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente consistente ou inconsistentemente) sobre a formaccedilatildeo baacutesica de nosso mundo
O autor propotildee responder atraveacutes de 7 perguntas baacutesicas para cada
cosmovisatildeo pontos fundamentais da vida e do universo poreacutem natildeo percorre
exatamente as 7 perguntas em todas as cosmovisotildees no entanto como algumas
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cosmovisotildees se aproximam em suas hipoacuteteses essenciais parece ter
considerado que uma responde a outra
As sete perguntas baacutesicas satildeo
1 Qual a realidade primordial ndash o que eacute realmente verdadeiro A
isso se responde Deus os deuses ou o cosmo material
2 Qual a natureza da realidade externa isto eacute do mundo ao nosso
redor Aqui nossas respostas sinalizam se vemos o mundo como
criado ou autocircnomo como catoacutelico ou ordenado como mateacuteria ou
espiacuterito se nossa ecircnfase eacute subjetiva e de relacionamento pessoal
com o mundo ou se sua objetividade o separa de noacutes
3 O que eacute o ser humano - A essa pergunta podemos responder
Uma maquina altamente complexa um deus adormecido uma
pessoa feita agrave imagem e semelhanccedila de Deus um ―gorila nu
4 O que acontece quando uma pessoa morre - Aqui podemos
replicar com extinccedilatildeo pessoal ou transformaccedilatildeo em estado
elevado ou reencarnaccedilatildeo ou partida para uma existecircncia obscura
―no outro lado
5 Por que eacute possiacutevel conhecer alguma coisa - Respostas simples
incluem a ideacuteia de que fomos criados agrave imagem de um Deus todo-
conhecedor ou essa consciecircncia e racionalidade desenvolveram-se
sob contingecircncias de sobrevivecircncia atraveacutes de um longo processo
evolutivo
6 Como sabemos o que eacute certo ou errado - Mais uma vez a
resposta ou fomos criados agrave imagem de um Deus cujo caraacuteter eacute
bom ou o certo e o errado satildeo determinados somente pela escolha
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humana ou pelo que nos faz sentir bem ou as naccedilotildees
simplesmente se desenvolveram sob um iacutempeto orientado agrave
sobrevivecircncia fiacutesica ou cultural
7 Qual o significado da histoacuteria humana - A isso podemos
responder compreender os propoacutesitos de deus ou deuses preparar
um paraiacuteso na terra preparar um povo para uma vida em
comunidade com um deus amoroso e santo e assim por diante
Dentro de vaacuterias cosmovisotildees baacutesicas outras questotildees satildeo levantadas
Por exemplo Quem estaacute no comando deste mundo ndash Deus os seres humanos ou
ningueacutem Somos seres determinados ou livres Somos os uacutenicos fabricantes de
valores Deus eacute realmente bom Deus eacute pessoal ou impessoal Deus existe
afinal
O livro apresenta uma siacutentese de cada uma das cosmovisotildees abaixo
relacionadas
Teiacutesmo Deiacutesmo Naturalismo Niilismo Existencialismo Monismo
panteiacutesta oriental Nova era Poacutes-modernismo
SEGUE-SE UM ESBOCcedilO DE CADA UMA DAS COSMOVISOtildeES CITADAS
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO CRISTAtildeO
No teiacutesmo cristatildeo a proposiccedilatildeo principal relaciona-se agrave natureza de Deus
Deus eacute infinito e pessoal (triuno) transcendente e imanente onisciente soberano
e bom
Deus criou o cosmo ex nihilo para operar com a uniformidade de causa e
efeito num sistema aberto Obs ex nihilo (fora do nada natildeo fora de si mesmo ou
de algum caos preexistente) porque se o cosmo fosse realmente ―preexistente
seria tatildeo eterno quanto Deus O universo eacute ordenado e Deus natildeo o apresenta a
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noacutes em confusatildeo mas em claridade A natureza do universo de Deus e a
natureza do caraacuteter de Deus estatildeo assim intimamente relacionadas
Outra noccedilatildeo importante eacute que o sistema estaacute aberto e isso significa que
natildeo estaacute programado Deus estaacute constantemente envolvido no padratildeo de
desdobramento de contiacutenua atividade do universo E assim somos como seres
humanos O curso de atividade do mundo estaacute aberto ao reordenamento efetuado
tanto por Deus como pelos os seres humanos Assim o encontramos
dramaticamente reordenado na Queda Se o curso dos acontecimentos fosse
determinado nossas decisotildees natildeo teriam significado Assim o teiacutesmo declara que
o universo eacute ordenado mas natildeo determinado
Os seres humanos satildeo criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus e assim
possuem personalidade autotranscendecircncia inteligecircncia moralidade senso
gregaacuterio e criatividade
No Teiacutesmo cristatildeo Deus completa nosso uacuteltimo desejo fazendo-o de vaacuterias
maneiras
a) Sendo o perfeito complemento para nossa proacutepria natureza
satisfazendo nosso desejo por um relacionamento interpessoal
b) Sendo e sua onisciecircncia o fim da busca por conhecimento Sendo
em sua santidade o fundamento justo para a nossa busca por
justiccedila
c) Sendo em seu infinito amor a causa de nossa esperanccedila por
salvaccedilatildeo
d) Sendo em sua infinita criatividade a fonte de nossa imaginaccedilatildeo
criativa e a beleza final que buscamos refletir quando noacutes mesmos
criamos
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Os seres humanos podem conhecer tanto o mundo agrave sua volta quanto o
proacuteprio Deus porque Deus os proveu com essa capacidade e assumiu um papel
ativo na comunicaccedilatildeo com eles A base do conhecimento humano eacute o caraacuteter de
Deus como criador
Os seres humanos foram criados bons mas pela queda a imagem de
Deus foi desfigurada embora natildeo completamente arruinada a ponto de natildeo ser
possiacutevel de restauraccedilatildeo pela obra de Cristo Deus redimiu a humanidade e
comeccedilou o processo de restauraccedilatildeo das pessoas para a bondade embora
qualquer pessoa possa escolher rejeitar essa redenccedilatildeo
O Teiacutesmo argumenta contra a tentativa do ser humano de procurar se
organizar como seres autocircnomos aacuterbitros de sua proacutepria maneira de viver como
se fossem independentes de Deus Todavia isso eacute o que eles precisamente natildeo
possuem pois devem tudo tanto sua origem como sua existecircncia contiacutenua ndash a
Deus
Para cada pessoa a morte eacute ou o portatildeo para a vida com Deus e seu povo
ou o portatildeo para a separaccedilatildeo eterna da uacutenica coisa que completaria em ultima
instacircncia as aspiraccedilotildees humanas
A eacutetica eacute transcendente e estaacute baseada no caraacuteter de Deus como bom
(santo e amoroso)
A histoacuteria eacute linear uma sequecircncia significativa de eventos que convergem
para o cumprimento dos propoacutesitos de Deus para a humanidade
O teiacutesmo no entanto ensina que natildeo somente haacute um universo moral
como tambeacutem haacute um padratildeo absoluto pelo qual todos os julgamentos morais satildeo
feitos O proacuteprio Deus - seu caraacuteter de bondade (santidade e amor) - eacute esse
padratildeo
Aleacutem disso os cristatildeos e judeus defendem que Deus te revelado o seu
padratildeo em vaacuterias leis e princiacutepios expressos no texto biacuteblico Os Dez
Mandamentos o sermatildeo do monte o ensino eacutetico do apoacutestolo Paulo - por meio
dessas e muitas outras maneiras Deus tem revelado o seu caraacuteter Haacute portanto
um padratildeo de certo e errado e todos os que desejam conhececirc-lo o conseguem
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2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO
O Deiacutesmo se desenvolveu segundo alguns como uma tentativa de buscar
unidade fora do caos teoloacutegico e das discussotildees filosoacuteficas que no seacuteculo XVII
estavam atolados em interminaacuteveis disputas
Apoacutes deacutecadas de extenuantes discussotildees eclesiaacutesticos luteranos
puritanos e anglicanos poderiam muito bem ter olhado novamente para os pontos
de concordacircncia De certa forma o deiacutesmo eacute a resposta para isso apesar de o
rumo que tal concordacircncia tomou tenha levado o deiacutesmo aleacutem dos limites do
cristianismo tradicional
Um dos fatores primordiais constante no livro sendo fator importante para
o pensamento teoloacutegico foi o desenvolvimento do deiacutesmo enquanto uma
mudanccedila na localizaccedilatildeo da autoridade pelo conhecimento sobre o divino que
passou da revelaccedilatildeo especial encontrada na Escritura para a presenccedila da razatildeo
a luz de Deus na mente humana ou para a intuiccedilatildeo a luz interior
Nas palavras de Bacon o conhecimento tornou-se poder poder para
manipular e trazer a criaccedilatildeo mais plenamente sob o domiacutenio do homem Essa
visatildeo eacute ecoada na linguagem moderna de J Bronowski Eu defino ciecircncia como
a organizaccedilatildeo de nosso conhecimento de modo a aumentar o seu domiacutenio sobre
o potencial latente na natureza
O deiacutesmo nega que Deus pode ser conhecido pela revelaccedilatildeo por atos
especiais da auto expressatildeo por exemplo na Escritura ou na encarnaccedilatildeo
Havendo excluiacutedo Aristoacuteteles como uma autoridade em assuntos relativos agrave
ciecircncia o deiacutesmo agora exclui a Escritura como autoridade em teologia
permitindo apenas a aplicaccedilatildeo da razatildeo humana
Sire entretanto buscando a coerecircncia da informaccedilatildeo discute que nem
todos os deiacutestas sustentaram a mesma maneira de pensar a respeito da questatildeo
o que de certa forma nos coloca a reflexatildeo criacutetica do autor como uma proposta
de equiliacutebrio em relaccedilatildeo ao estudo do pensamento deiacutesta bem como do
comportamento frente a questatildeo por parte de seus simpatizantes Para Sire
alguns defenderam uma seacuterie de noccedilotildees inter-relacionadas poreacutem nem todos
apoiaram as doutrinas em comum John Locke por exemplo natildeo rejeitou a ideia
da revelaccedilatildeo poreacutem insistiu em que a razatildeo humana deveria ser usada para
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julgaacute-la Certos deiacutestas como Voltair eram hostis ao cristianismo alguns como
Locke natildeo Uns acreditavam na imortalidade da alma outros natildeo
Ainda alguns criam que Deus abandonou a sua criaccedilatildeo para funcionar por
conta proacutepria outros poreacutem acreditavam na providecircncia Por fim havia os que
acreditavam em um Deus pessoal outros natildeo Por tanto os deiacutestas eram muito
menos unidos em relaccedilatildeo a questotildees baacutesicas do que os teiacutestas
No entanto o deiacutesmo natildeo provou ser uma cosmovisatildeo estaacutevel
Historicamente ele exerceu breve domiacutenio sobre o mundo intelectual da Franccedila e
Inglaterra do fim do seacuteculo XVII ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII Precedido
pelo teiacutesmo foi seguido pelo naturalismo
3 NATURALISMO
Uma siacutentese que ajuda na compreensatildeo em termos intelectuais pode ser
notada na seguinte propositura
a) No teiacutesmo Deus eacute o Criador pessoal e infinito sustentador do
cosmo
b) No deiacutesmo Deus eacute reduzido ele comeccedila a perder a sua
personalidade embora permaneccedila como Criador e (por implicaccedilatildeo)
sustentador do cosmo
c) No naturalismo Deus eacute ainda mais reduzido perdendo a sua proacutepria
existecircncia
Os personagens envolvidos nessa mudanccedila do teiacutesmo para o naturalismo
formam uma legiatildeo em especial no periacuteodo entre 1600 e 1750
A primeira proposiccedilatildeo definidora de naturalismo eacute a de que a mateacuteria existe
eternamente e eacute tudo o que haacute Deus natildeo existe
No naturalismo a natureza do cosmo eacute que eacute primaacuteria pois agora com
um Criador eterno fora de cena o proacuteprio cosmo se torna eterno - sempre laacute
poreacutem natildeo necessariamente em sua forma atual na verdade certamente natildeo em
sua presente forma
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O Naturalismo defende que o cosmo existe como uma uniformidade de
causa e efeito em um sistema fechado Os seres humanos satildeo maacutequinas
complexas a personalidade eacute uma inter-relaccedilatildeo de propriedades quiacutemicas e
fiacutesicas ainda natildeo totalmente compreendidas Para os Naturalistas a morte eacute a
extinccedilatildeo da personalidade e da individualidade homens e mulheres satildeo
constituiacutedos de mateacuteria e nada mais A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos
ligada por causa e efeito poreacutem sem uma proposta abrangente
No Naturalismo primeiramente a palavra histoacuteria como utilizada nessa
proposiccedilatildeo inclui tanto a histoacuteria natural quanto a humana pois os naturalistas
veem a ambas como uma continuidade A origem da famiacutelia humana estaacute na
natureza Surgimos dela e mais provavelmente retornaremos a ela (natildeo apenas
individualmente mas como espeacutecie)
A noccedilatildeo de um Planejador dotado de propoacutesito natildeo eacute permitida pelos
naturalistas
Ainda em relaccedilatildeo agrave eacutetica concordam os naturalistas que a mesma estaacute
relacionada apenas os seres humanos Para o teiacutesta Deus eacute o alicerce de todos
os valores enquanto que para os naturalistas os valores satildeo construiacutedos pelos
seres humanos
Duas formas de naturalismo merecem uma atenccedilatildeo especial A primeira eacute
o humanismo secular um termo que passou a ser usado e abusado tanto por
adeptos quanto por criacuteticos Por essa razatildeo algum esclarecimento quanto aos
termos se faz aqui necessaacuterio Primeiro o humanismo secular em geral eacute uma
forma de humanismo poreacutem natildeo eacute a uacutenica O humanismo em si eacute a postura
global de que os seres humanos possuem um valor especial seus anseios
pensamentos e aspiraccedilotildees satildeo significantes Igualmente existe uma ecircnfase no
valor da pessoa como indiviacuteduo
O humanismo secular eacute uma forma do humanismo que eacute totalmente
estruturada dentro da cosmovisatildeo naturalista Eacute justo afirmar creio eu que a
maioria que se sente confortaacutevel dentro do roacutetulo humanista secular encontraraacute
suas visotildees retratadas nas seis proposiccedilotildees anteriores Em outras palavras os
humanistas seculares satildeo simplesmente naturalistas embora nem todos os
naturalistas sejam humanistas seculares
A partir da uacuteltima parte do seacuteculo XIX umas das formas de naturalismo
com maior relevacircncia histoacuterica tem sido o marxismo Poreacutem Sira reconhece que e
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difiacutecil expressar com brevidade uma definiccedilatildeo sobre o marxismo devido agrave
existecircncia de diferentes tipos de marxistas
Sire conclui acerca do naturalismo que ao contraacuterio do deiacutesmo este tem
apresentado um grande poder de permanecircncia Concebido no seacuteculo XVIII ele se
desenvolveu no seacuteculo XIX chegando agrave maturidade no seacuteculo XX
Naturalismo eacute visto como o grande vilatildeo da vanguarda poacutes-moderna
Todavia ateacute o momento nenhuma cosmovisatildeo rival tem sido capaz de fazer-lhe
frente em que pese ser justo afirmar que o seacuteculo XX forneceu algumas opccedilotildees
poderosas e o teiacutesmo esteja experimentando um tipo de renascimento em todos
os niacuteveis da sociedade
Sire compreende que o que torna o naturalismo tatildeo persistente satildeo dois
motivos baacutesicos Primeiro porque daacute a impressatildeo de ser honesto e objetivo A
pessoa eacute solicitada a aceitar apenas o que parece estar fundamentado em fatos e
nos resultados seguros da investigaccedilatildeo cientiacutefica ou da erudiccedilatildeo e segundo
porque para um grande contingente de pessoas o naturalismo parece coerente
Entretanto Sire arrazoa que contudo muito antes do teacutermino do seacuteculo
XX rachaduras comeccedilaram a surgir na estrutura Os criacuteticos teiacutestas sempre
encontraram falhas nela jamais abandonando as suas convicccedilotildees de que um
Deus infinito e pessoal estaacute por detraacutes do universo
4 NIILISMO
Sire inicia argumentando que o Niilismo eacute mais um sentimento que
propriamente uma filosofia todavia sendo mais preciso o niilismo de forma
alguma eacute uma filosofia mas uma negaccedilatildeo dela da possibilidade de
conhecimento e de tudo aquilo que possui valor Uma vez que em sua
epistemologia ao avanccedilar para a absoluta negaccedilatildeo de tudo o niilismo nega ateacute
mesmo a realidade de sua proacutepria existecircncia
Porquanto o niilismo eacute a negaccedilatildeo de todas as coisas - conhecimento
eacutetica beleza realidade No niilismo nenhuma afirmaccedilatildeo possui validade nada
tem significado Antes tudo eacute gratuito dispensaacutevel isto eacute apenas existe
Sire cita o romance coacutesmico de ficccedilatildeo cientiacutefica de Douglas Adams
retratando a situaccedilatildeo dos que buscam na ciecircncia da computaccedilatildeo uma resposta
ao significado do homem
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Outros autores tais como Samuel Beckett Franz Kafka Eugene Ionesco
Joseph Heller Kurt Vonnegut Jr fazem parte das indicaccedilotildees de leitura sobre
Niilismo
O Niilismo tem suas implicaccedilotildees Sire argumenta acerca do ponto de vista
daquele que crecirc numa Revelaccedilatildeo (Teiacutesmo) uma vez que em um universo na
perspectiva Niilista onde Deus estaacute morto as pessoas satildeo culpadas de violar a
lei moral apenas satildeo culpadas da culpa e isso eacute muito seacuterio pois nada pode ser
feito a respeito Se algueacutem pecou pode haver expiaccedilatildeo Se algueacutem infligiu agrave lei o
legislador pode perdoar o infrator Mas se algueacutem apenas for culpado da culpa
natildeo haacute como solucionar esse problema extremamente pessoal
Assim os fios do niilismo epistemoloacutegico metafiacutesico e eacuteticos se entrelaccedilam
para formar uma corda longa e forte o suficiente para envolver toda uma cultura
O nome dessa corda eacute perda de significado
Segundo Sire o Niilismo eacute uma consequecircncia do Naturalismo Se
considerarmos seriamente as implicaccedilotildees da morte de Deus o desaparecimento
do transcendente o hermetismo do universo acabamos exatamente como
Niilistas convivendo com a perda de significado Questiona-se contudo por que
nem todos os Naturalistas satildeo Niilistas para Sire a resposta estaacute em que nem
todos levam a seacuterio o seu Naturalismo
Entretanto deve-se ficar claro que toda vez que os niilistas pensam e
confiam em seu pensamento eles estatildeo sendo inconsistentes pois tecircm negado
que aquele pensamento possui valor ou que pode levar ao conhecimento Poreacutem
no acircmago da afirmaccedilatildeo de um niilista repousa uma autocontradiccedilatildeo
5 EXISTENCIALISMO
O existencialismo especialmente em sua forma secular natildeo apenas leva a
seacuterio o niilismo mas eacute uma resposta a ele Sire especiacutefica que eacute importante
reconhecer que o existencialismo assume duas formas baacutesicas dependendo de
sua relaccedilatildeo com as cosmovisotildees anteriores porque o existencialismo natildeo eacute uma
cosmovisatildeo totalmente amadurecida
O existencialismo ateiacutesta eacute um parasita do naturalismo enquanto o
existencialismo teiacutesta eacute um parasita do teiacutesmo Ateacute certo ponto todas as
cosmovisotildees possuem sutis variaccedilotildees e o existencialismo natildeo constitui uma
exceccedilatildeo
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O existencialismo ateiacutesta principia com a aceitaccedilatildeo de todas as
proposiccedilotildees do naturalismo a seguir mencionadas A mateacuteria existe para sempre
Deus natildeo existe O cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito em
um sistema fechado A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos conectados por
causa e efeito mas sem um propoacutesito abrangente A eacutetica eacute relacionada apenas a
seres humanos
Na perspectiva do Existencialismo existem duas dimensotildees onde a
epistemologia estabelece suas bases a saber - O Mundo Objetivo e o Mundo
Subjetivo
O primeiro tipo de ser eacute o mundo objetivo - o mundo das coisas materiais
da lei inexoraacutevel da causa e efeito do tempo cronoloacutegico do fluxo do
mecanismo O maquinaacuterio do universo - eleacutetrons giratoacuterios galaacutexias em espiral
corpos que caem gases que se elevam e aacuteguas que fluem ndash cada qual
realizando sua funccedilatildeo eternamente inconscientes para sempre apenas
existente Aqui afirmam os existencialistas a ciecircncia e a loacutegica mostram sua
utilidade As pessoas conhecem o mundo objetivo e exterior pela virtude de uma
observaccedilatildeo atenta registrando levantando hipoacuteteses e verificando- as por meio
de experimentos sempre refinando teorias e comprovando conjecturas sobre o
mundo em que vivemos
O segundo tipo de ser eacute o mundo subjetivo mdash o mundo da mente da
consciecircncia da percepccedilatildeo da liberdade da estabilidade Aqui a percepccedilatildeo
interior da mente eacute uma consciecircncia presente um agora constante
O tempo natildeo tem significado algum pois para si mesmo o assunto estaacute
sempre presente nunca passado ou futuro A ciecircncia e a loacutegica natildeo penetram
esse domiacutenio nada tem a dizer sobre subjetividade pois ela eacute a compreensatildeo do
eu pelo natildeo eu subjetividade eacute fazer do natildeo eu parte de si mesmo O sujeito
absorve o conhecimento natildeo como a garrafa armazena o liacutequido mas como um
organismo ingere o seu alimento O conhecimento se transforma no conhecedor
Para os seres humanos ldquoa existecircncia precede a essecircnciardquo as pessoas
fazem de si mesmas o que satildeo Essa frase proveniente de Sartre eacute a mais
famosa definiccedilatildeo do acircmago do existencialismo
Sire enfatiza que o existencialismo enfatiza a desuniatildeo entre o mundo
Objetivo e o Mundo Subjetivo demonstrando que entre esses dois mundos existencialismo opta vigorosamente em favor do mundo subjetivo o que Sartre
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denomina como um conjunto de valores distintos do reino material Segundo
Sire o mundo objetivo eacute regido por leis os corpos caem se natildeo forem apoiados
O mundo subjetivo natildeo conhece nenhuma regra O que eacute presente a ele o que
estaacute aqui e agora eacute
O mundo objetivo eacute o mundo de experimentos isolados e controlados eacute o
mundo da fiacutesica o mundo subjetivo eacute o mundo do conhecimento valores
decisotildees e atos de propoacutesitos os quais esses experimentos satildeo na verdade designados a servir eacute o mundo da ciberneacutetica de nosso proacuteprio comportamento
orientado a um objetivo
Assim na premissa dos Existencialistas todos somos livres interiormente
e portanto podemos criar o nosso proacuteprio valor pela afirmaccedilatildeo de nosso meacuterito
Natildeo somos restringidos pelo mundo objetivo dos tique-taques de reloacutegios de
quedas daacutegua e de eleacutetrons giratoacuterios O valor eacute interno e o interior pertence a
cada pessoa
O Existencialista entretanto possui uma singular diferenccedila na sua
epistemologia em relaccedilatildeo ao Niilista Aqui estaacute como um existencialista vai aleacutem
do niilismo Nada possui valor no mundo objetivo no qual nos tornamos
conscientes mas enquanto somos conscientes criamos valor A pessoa que vive
uma autecircntica existecircncia eacute aquela que se manteacutem cocircnscia da condiccedilatildeo absurda
do cosmo mas que se rebela contra essa condiccedilatildeo criando significado
O homem subterracircneo de Fyodor Dostoievski eacute um paradigma do
rebelde sem uma causa aparentemente razoaacutevel
Umas das questotildees baacutesicas do existencialismo eacute que em lugar de mudar
suas pressuposiccedilotildees naturaliacutesticas compatibilizando-as com os dados biacuteblicos
eles concluiacuteram que a Biacuteblia era historicamente indigna de confianccedila Isso poderia
ter resultado em um abandono da feacute cristatilde em sua totalidade Entretanto Sire
argumenta que muitos teoacutelogos passaram a interpretar as Escrituras aacute luz do
pensamento criacutetico existencialista dentre os mais conhecidos estatildeo (Karl Barth
Reinhold Niebuhr Rudolf Bultmann e outros de seus colegas)
Sire destaca na questatildeo do existencialismo eacute importante discernir sobre as
duas formas interessantes nas quais se apresenta e que deve ser objeto de
estudo e reflexatildeo pois formam um par de cosmovisotildees que sustentam um
relacionamento fraternal poreacutem satildeo filhos de pais diferentes O existencialismo
teiacutesta surgiu com Kierkegaard como uma resposta ao teiacutesmo morto e a uma
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ortodoxia morta e com Karl Barth como uma resposta agrave reduccedilatildeo do cristianismo
a uma mera moralidade Isso deu lugar ao subjetivismo elevou a religiatildeo da
histoacuteria e concentrou sua atenccedilatildeo no significado interior O existencialismo ateiacutesta
veio agrave tona com Jean Paul Sartre e Albert Carnus como uma reaccedilatildeo ao niilismo e
a reduccedilatildeo das pessoas a insignificantes engrenagens dentro do maquinaacuterio
coacutesmico Isso levou a uma volta subjetivista elevou a filosofia da objetividade e
citou significado a partir da afirmaccedilatildeo humana
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL
A mudanccedila ao pensamento oriental desde os anos sessenta eacute por tanto
primariamente uma fuga do pensamento ocidental Sire considera que por cerca
de um seacuteculo o pensamento oriental vem fluindo para o Ocidente
As escrituras hinduiacutestas e budistas foram traduzidas e circulam agora em
ediccedilotildees de bolso de baixo custo Jaacute no ano de 1893 no primeiro Parlamento de
Religiotildees Mundiais realizado em Chicago Swami Vivekananda comeccedilou a
introduzir os ensinamentos de seu guru pessoal Sri Ramakrishna Paramahansa
D T Suzuki do Japatildeo introduziu o Zen nas publicaccedilotildees ocidentais
E Alan Watts um ocidental absorveu o Zen e retornou ao Ocidente para
propagar tais ensinos entre seus colegas ocidentais Na deacutecada de 1960 estudos
orientais jaacute tinham penetrado nas escolas de ensino meacutedio Gurus indianos
cruzaram repetidas vezes os Estados Unidos e Europa por muitas deacutecadas O
conhecimento oriental passa a ser de faacutecil obtenccedilatildeo sendo que mais e mais sua
visatildeo de realidade torna-se uma opccedilatildeo de vida no Ocidente
Sire procura elucidar a maneira Oriental de ser perceber e interpretar o
mundo partindo do monismo panteiacutesta sendo essa eacute a cosmovisatildeo raiz que
forma a base do sistema hindu
O monismo panteiacutesta eacute diferenciado das demais cosmovisotildees relacionadas
com o Oriente por seu monismo a noccedilatildeo de que apenas um elemento impessoal
constitui a realidade Hare Krishna natildeo se enquadra nessa cosmovisatildeo pois
embora compartilhe muitas caracteriacutesticas do monismo panteiacutesta oriental declara
que a realidade em uacuteltima anaacutelise eacute pessoal (e portanto compartilha uma
similaridade com o teiacutesmo totalmente ausente em Advaita Vedanta)
Na cosmovisatildeo do monismo panteiacutesta oriental Atma eacute Brahma isto eacute a
alma de cada um e de todo ser humano eacute a alma do cosmo Deus em termos
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panteiacutestas Deus eacute a realidade uacutenica infinita impessoal e suprema ou seja Deus
eacute o cosmo
Deus estaacute em tudo o que existe nada existe que natildeo seja Deus Se
qualquer coisa que natildeo seja Deus aparente existir isso eacute maya ou seja ilusatildeo e
natildeo existe realmente Em outras palavras tudo o tudo o que existe como um
objeto distinto e separado - essa cadeira natildeo aquela outra essa rocha natildeo
aquela aacutervore eu natildeo vocecirc - eacute uma ilusatildeo Natildeo eacute a nossa distinccedilatildeo que nos
concede realidade mas a nossa unicidade o fato de sermos Brahma e Brahma eacute
u m Sim Brahma eacute o um
Sire lembra que noacutes ocidentais natildeo estamos acostumados a esse tipo de
sistema Distinguir isso eacute pensar Essa noccedilatildeo no monismo panteiacutesta eacute
diametralmente contraacuteria ao teiacutesmo No teiacutesmo a personalidade eacute a caracteriacutestica
principal sobre Deus como tambeacutem sobre as pessoas Significa que um indiviacuteduo
possui complexidade no acircmago de seu ser A personalidade demanda
autoconsciecircncia e autodeterminaccedilatildeo e ambos envolvem dualidade - o pensador e
a coisa pensada No teiacutesmo tanto Deus quanto a humanidade satildeo complexos
No panteiacutesmo a caracteriacutestica principal sobre Deus eacute a Unidade abstrata
absoluta indiferenciada e natildeo dual unidade Isso coloca Deus aleacutem da
personalidade
Sire considera que um dos pilares da cosmovisatildeo Oriental estaacute em
perceber a unidade com o cosmo eacute ir aleacutem do bem e do mal o cosmo eacute perfeito a
todo o momento Trata-se de um assunto dos mais sensiacuteveis Constitui um dos
pontos mais delicados no panteiacutesmo oriental porque as pessoas se recusam a
negar a moralidade Elas continuam a agir como se algumas accedilotildees fossem
certas e outras erradas Aleacutem disso o conceito de carma eacute quase universal no
pensamento oriental
Na cosmovisatildeo Oriental Carma eacute a compressatildeo de que o presente destino
de algueacutem prazer ou dor ser rei escravo ou um mosquito eacute fruto de accedilotildees
passadas em especial em um a existecircncia anterior Isso estaacute portanto
conectado agrave noccedilatildeo de reencarnaccedilatildeo que proveacutem do princiacutepio geral de que nada
que eacute real (ou seja nenhuma alma) jamais perde a consciecircncia da existecircncia
Pode demorar seacuteculos e mais seacuteculos para encontrar seu caminho de volta ao
Um poreacutem nenhuma alma deixaraacute de ser Toda alma eacute eterna pois toda alma eacute
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essencialmente Alma e portanto para sempre o um Carma eacute a versatildeo oriental d
o ditado vocecirc colhe o que semeia
Sire explica poreacutem que o carma implica em uma estrita necessidade Se
vocecirc pecou natildeo haacute Deus para cancelar sua diacutevida e perdoar A confissatildeo para
nada se aproveita O pecado deve ser resolvido e o seraacute Eacute claro que a pessoa
pode escolher seus atos futuros e portanto o carma natildeo implica em
determinismo ou fatalismo
Para deixar mais claro Sire elucida que haacute duas coisas que devem ser
observadas sobre esse sistema Primeira o fundamento para se praticar o bem
natildeo eacute para que o bem seja realizado ou de modo a beneficiar outra pessoa O
carma demanda que cada alma sofra por seus pecados passados natildeo
havendo assim valor em aliviar o sofrimento A alma que for auxiliada teraacute que
sofrer mais tarde Por tanto natildeo existe o amor aacutegape o amor doador nem
qualquer outro tipo de amor deve beneficiar o receptor A pessoa deve praticar
boas obras a fim de obter unidade com o um Fazer o bem eacute primeira e
principalmente um modo de vida de autoajuda
Segunda todas as accedilotildees simplesmente fazem parte de todo um mundo de
ilusatildeo
A cosmovisatildeo monoteiacutesta panteiacutesta oriental tem a morte como o fim da
existecircncia pessoal individual mas natildeo altera nada de essencial na natureza do
indiviacuteduo
A morte humana sinaliza o fim de uma encarnaccedilatildeo individual de Atma
Igualmente sinaliza o fim de uma pessoa Mas a alma Atma eacute indestrutiacutevel No
entanto observe nenhum ser humano no sentido de indiviacuteduo ou pessoa
sobrevive agrave morte Atma sobrevive mas Atma eacute impessoal Quando Atma eacute
reencarnado torna-se outra pessoa Entatildeo o hinduiacutesmo ensina a imortalidade da
alma Sim mas natildeo uma imortalidade pessoal e individual
O monismo hindu defende que a realidade final eacute Brahma o uacutenico
O monismo zen-budista sustenta que a realidade final eacute o vazio
A distinccedilatildeo tambeacutem leva a uma diferente compreensatildeo dos seres
humanos
Para um hindu a pessoa individual eacute uma alma (Atma) e portanto eacute
dotada de realidade substancial (espiritual natildeo material) porque eacute uma emanaccedilatildeo
de Brahma (a proacutepria realidade) Na morte a alma individual perde sua residecircncia
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corpoacuterea mas eacute reencarnada em outro indiviacuteduo - um tipo de transmigraccedilatildeo da
alma
Para um budista uma pessoa individual eacute uma natildeo alma Natildeo haacute natureza
que possa ser nomeada no acircmago de cada pessoa Na verdade cada pessoa eacute
uma soma de pessoas anteriores
Sire ainda apresenta distinccedilotildees importantes da cosmovisatildeo oriental sendo
importante a leitura do livro para compreensatildeo de detalhes tais como maneiras e
modelos de meditaccedilatildeo presentes na cultura oriental e suas diferenccedilas e
similaridades diferenccedilas nas praacuteticas religiosas conceito em relaccedilatildeo ao corpo
alma espiacuterito moral eacutetica etc
7 A NOVA ERA
No fim de 1987 a revista Time uma vez mais deu atenccedilatildeo ao movimento
da Nova Era com sua capa exibindo Shirley MacLaine e uma histoacuteria abordando
curandeiros da feacute canalizadores viajantes do tempo e cristais em abundacircncia
A partir de entatildeo MacLain e parece assumir a posiccedilatildeo de maior expoente da
Nova Era
A cosmovisatildeo da Nova Era eacute altamente sincreacutetica e ecleacutetica tomando
emprestado de todas as principais cosmovisotildees A Nova Era deposita grande
valor na pessoa como indiviacuteduo
Para Sire longe de estar totalmente formada a cosmovisatildeo da Nova Era
ainda conteacutem muitas arestas por aparar tensotildees internas e ateacute mesmo
contradiccedilotildees evidentes Trata-se de uma cosmovisatildeo cuja essecircncia de sua
filosofia estaacute em considerar o cristianismo como algo jaacute superado de modo que
uma nova civilizaccedilatildeo humana estaacute surgindo tendo a tecnologia a ciecircncia
filosofia psicologia e demais disciplinas todas convergentes para uma nova
realidade da existecircncia humana A Era de Peixes terminou e deu lugar a Era de
Aquaacuterio
No acircmbito religioso misturam princiacutepios filosoacuteficos e miacutesticos Os adeptos
da Nova Era se utilizam de vaacuterios instrumentos simbologias e filosofias para fins
de esclarecimento e compreensatildeo das mudanccedilas e sentido dos acontecimentos
da Nova Era tais como piracircmides filosofias orientais energias coacutesmicas cristais
energeacuteticos amuletos pensamentos positivos esoterismo (cabala horoacutescopo
mantra mapa astral Yoga relaxamento ecologia aura em harmonia com o
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corpo Yin Yang) estes servem de orientaccedilatildeo didaacutetica para a nova consciecircncia
Assim a consciecircncia coacutesmica - enxergar o mundo atraveacutes de um sistema
diferente de siacutembolos
A maioria dos proponentes da Nova Era e da nova consciecircncia possui um
saudaacutevel respeito pela ciecircncia Ken Wilber Aldous Huxley Laurence LeShan e
William Irwin Thompson satildeo os melhores exemplos E m suma o universo visiacutevel
estaacute sujeito agrave uniformidade de causa e efeito poreacutem o sistema estaacute aberto para
ser reordenado pelo eu (em especial quando percebe sua unidade com o um)
que por fim o controla e por seres da mente expandida os quais o eu pode
recrutar como agentes de mudanccedila
Sire argumenta que a mente expandida eacute um tipo de universo ao lado
alternadamente chamado de consciecircncia expandida ou consciecircncia alternativa
(MacLaine) uma realidade separada (Castaneda) realidade clarividente
(LeShan) outros espaccedilos (Lilly) supermente (Rosenfeld) vazioface original
(Wilber) ou mente universal (Klimo) Essa mente expandida natildeo obedece agraves leis
do universo visiacutevel A consciecircncia do eu pode viajar centenas de quilocircmetros pela
superfiacutecie da terra e fazecirc-lo n um piscar de olhos
Contudo Sire destaca que a essecircncia da experiecircncia da Nova Era eacute a
consciecircncia coacutesmica na qual categorias comuns de espaccedilo tempo e moralidade
tendem a desaparecer Sendo que a caracteriacutestica primaacuteria da consciecircncia
coacutesmica eacute uma consciecircncia do cosmo ou seja da vida e da ordem do universo
Em conjunto com essa consciecircncia do cosmo ocorre uma iluminaccedilatildeo intelectual
que por si soacute transportaria o indiviacuteduo para um novo plano de existecircncia mdash o
tornaria um membro de uma nova espeacutecie
Um ponto central na consciecircncia coacutesmica eacute a experiecircncia unitaacuteria primeiro
a experiecircncia de perceber a totalidade do cosmo segundo a experiecircncia de se
tornar um com todo o cosmo e finalmente a experiecircncia de ir aleacutem daquela
unidade com o cosmo para reconhecer que o eu eacute o gerador de toda a realidade e
que nesse sentido tanto eacute o cosmo como o seu criador
A morte fiacutesica natildeo eacute o fim do eu sob a experiecircncia da consciecircncia coacutesmica
o temor da morte eacute removido Para os adeptos da Nova Era a base definitiva para
a crenccedila de que a morte eacute apenas uma transiccedilatildeo para outra forma de vida eacute no
entanto a noccedilatildeo de que a consciecircncia eacute mais do que a manifestaccedilatildeo fiacutesica de
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uma pessoa Se algueacutem eacute o todo ou o criador de tudo e se isso eacute conhecido
intuitivamente entatildeo a pessoa certamente natildeo precisa temer a morte
Trecircs atitudes distintas satildeo consideradas para a questatildeo metafiacutesica da
natureza da realidade sob o quadro geral da Nova Era (1) a versatildeo oculta na
qual os seres e coisas percebidos em estados alterados de consciecircncia existem agrave
parte do ser que eacute consciente (2) a versatildeo psicodeacutelica na qual essas coisas e
seres satildeo projeccedilotildees do eu consciente e (3) a versatildeo relativista conceituai na qual
a consciecircncia coacutesmica eacute a atividade consciente de uma mente utilizando um dos
muitos modelos incomuns para a realidade nenhum dos quais eacute mais
verdadeiro do que qualquer outro
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO
Nas consideraccedilotildees finais Sire apresenta o quadro criacutetico do saber
filosoacutefico que mexe e convulsiona todas as cosmovisotildees expostas em seu livro
tendo como ponto de partida o reconhecimento da morte de Deus como o comeccedilo
da sabedoria poacutes-moderna
Nossa era que mais e mais estaacute sendo chamada de poacutes-moderna
encontra-se agrave deriva em um mar de perspectivas pluralistas de possibilidades
filosoacuteficas em excesso poreacutem sem qualquer noccedilatildeo dominante que indique para
onde ir ou como chegar laacute Um futuro de anarquia cultural se avizinha como
inevitaacutevel
Lyotard definiu poacutes-moderno como uma incredulidade direcionada agraves
metanarrativas Um dos vetores da poacutes-modernidade eacute que com o advento do
poacutes-modernismo nenhuma histoacuteria pode ter mais credibilidade que a outra Todas
elas satildeo igualmente vaacutelidas sendo assim validadas pela comunidade que vive
por elas
Por isto para Sire a primeira questatildeo que o poacutes-modernismo suscita natildeo eacute
o que estaacute laacute ou como sabemos o que laacute estaacute mas como a linguagem funciona
para construir significado Em outras palavras haacute uma mudanccedila nas primeiras
coisas de ser para saber para construir significado
A sociedade entatildeo move-se da hierarquia medieval para o Iluminismo da
democracia universal para o poacutes-moderno privilegiando os valores autodefinidos
de indiviacuteduos e comunidades
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A noccedilatildeo da autonomia da razatildeo humana liberou a mente humana da
autoridade dos antigos O progresso cientiacutefico e tecnoloacutegico ocorreu natildeo das
noccedilotildees reveladas nas Escrituras mas da pressuposiccedilatildeo de que a razatildeo humana
poderia de fato encontrar o seu caminho rumo agrave verdade Tal conhecimento
constituiacutea poder poder instrumental poder sobre a natureza poder para
satisfazer nossos desejos Na ciecircncia os resultados foram extraordinaacuterios Na
filosofia entrementes o movimento do ser para conhecer da primazia de Deus
que cria e revela para a primazia do eu que conhece por si soacute mostrou-se fatal
Isso estabeleceu a agenda para a filosofia moderna de Locke a Kant como
igualmente alimentou a repercussatildeo da filosofia poacutes-moderna de Nietzsche a
Derrida com o otimismo humanista mesclado ao desespero O proacuteprio
conhecimento encontra-se sob fogo cruzado em especial a noccedilatildeo de que haacute
quaisquer verdades de correspondecircncia O relativismo conceitual discutido no
capiacutetulo anterior serve agora natildeo apenas agrave experiecircncia religiosa mas a todos os
aspectos da realidade
Uma das frases que traduz o ceticismo poacutes-moderno eacute ―A verdade sobre a
proacutepria realidade estaacute para sempre oculta de noacutes Tudo o que podemos jazer eacute
contar histoacuterias
Sire argumenta que todas as narrativas mascaram um jogo pelo poder
Qualquer narrativa utilizada como metanarrativa torna-se opressiva
Conhecimento eacute poder Francis Bacon fez essa afirmaccedilatildeo em um momento
particularmente profeacutetico O moderno conhecimento cientiacutefico tem demonstrado
seu poder por trecircs seacuteculos Com o advento do poacutes-modernismo entretanto a
situaccedilatildeo inverteu-se Natildeo existe conhecimento objetivo puro nenhuma verdade
de correspondecircncia Em lugar disso existem apenas histoacuterias que quando cridas
concedem ao narrador poder sobre os seus ouvintes
Natildeo haacute eu substancial Os seres humanos fazem de si mesmos o que satildeo
pelas linguagens construiacutedas sobre eles mesmos O conceito base eacute de que natildeo
haacute nada no acircmago de nosso ser exceto o que noacutes mesmos colocamos laacute
nenhuma norma que natildeo tenhamos criado no decurso de criaccedilatildeo de uma praacutetica
nenhum padratildeo que natildeo seja um apelo a tal norma nenhuma argumentaccedilatildeo
rigorosa que natildeo seja obediente agraves nossas proacuteprias convenccedilotildees
Considera-se assim que na Idade Meacutedia a teologia era a rainha das
ciecircncias No iluminismo a filosofia e em especial a ciecircncia tornaram-se a
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vanguarda da mudanccedila cultural intelectual Jaacute na era poacutes-moderna a teoria
literaacuteria passa a exercer esse papel na linha de frente
Contudo embora Sire tenha compreensatildeo dos aspectos positivos da poacutes-
modernidade tambeacutem analisa e criacutetica a poacutes-modernista aceita o seu otimismo
naturalista em geral poreacutem reconhece a excessiva confianccedila que tem sido
depositada na razatildeo humana e no meacutetodo cientiacutefico Argui o reconhecimento poacutes-
moderno de que a linguagem estaacute intimamente associada com o poder
entretanto o poacutes-modernista que colocar a sua fala como superior estaraacute caindo
em contradiccedilatildeo
Sire conclui refletindo que de qualquer forma o desafio da morte de Deus
da morte da razatildeo da morte da verdade e a morte do eu - todos dominantes no
poacutes-modernismo atual - provavelmente estaratildeo convivendo conosco por muito
tempo
Para Sire o poacutes-modernismo natildeo eacute uma cosmovisatildeo madura mas eacute uma
perspectiva tatildeo penetrante que tem influenciado inuacutemeras cosmovisotildees mais
notadamente o naturalismo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Sire termina o seu livro fazendo consideraccedilotildees e resumindo as SETE
COSMOVISOtildeES baacutesicas seis se natildeo contarmos o niilismo ou oito se contarmos
as duas formas de existencialismo em separado ou ainda dez se
acrescentarmos o animismo e a perspectiva poacutes-moderna ambos mencionados
com brevidade
O fato eacute que embora a princiacutepio as cosmovisotildees pareccedilam proliferar elas
satildeo constituiacutedas de respostas a questotildees para as quais haacute apenas um limitado
nuacutemero de respostas
Em meio as vaacuterias propostas de cosmovisotildees Sire vecirc o ser humano sendo
obrigado a fazer a sua escolha porquanto todos estatildeo em busca do sentido da
vida Diante disso questiona o que pode nos auxiliar a escolher entre uma
cosmovisatildeo que presume a existecircncia de um Deus pessoal e transcendente e
outra que natildeo o faz Contudo devemos ter a consciecircncia de que qualquer
cosmovisatildeo que adotarmos seraacute limitada Nossa finitude como seres humanos o
que quer que a nossa humanidade venha a ser manter-nos-aacute longe da precisatildeo
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total quanto agrave maneira que compreendemos e expressamos nossa cosmovisatildeo e
tambeacutem da totalidade e exaustatildeo
Sire argui ao finalizar seu livro que na busca por uma cosmovisatildeo deve
ser levado em conta algumas questotildees fundamentais da existecircncia humana
porquanto uma cosmovisatildeo apropriada deve explicar o que ela proclama explicar
Assim Sire indica algumas das perguntas cruciais que devem ser feitas a
uma cosmovisatildeo satildeo Como ela explica o fato de os seres humanos pensarem
mas pensar hesitantemente amar mas tambeacutem odiar serem criativos poreacutem
igualmente destrutivos saacutebios mas com frequecircncia tolos e assim por diante O
que explica nossos anseios pela verdade e por realizaccedilatildeo pessoal Por que o
prazer como o conhecemos agora raramente nos satisfaz por completo Por que
em geral sempre queremos mais - mais dinheiro mais amor mais ecircxtase Como
explicar a recusa humana em agir de um modo amoral Por fim sugestiona que
uma cosmovisatildeo deve ser satisfatoacuteria subjetivamente
Concluindo Sire opta pela reconsideraccedilatildeo e releitura do Teiacutesmo Cristatildeo
sendo de grande relevacircncia e presente em todas as estruturas do pensamento
humano Para Ele o Teiacutesmo Cristatildeo permanece em todos os niacuteveis da sociedade
e em cada disciplina acadecircmica - nas ciecircncias e nas humanidades na tecnologia
e no mundo dos negoacutecios ndash aqueles que consideram seu teiacutesmo com cabal
seriedade e honestidade intelectual
Sire termina sua obra literaacuteria esclarecendo o desafio que haacute para a
teologia argumenta haacute muito mais a ser dito sobre as dimensotildees pessoais e
teoloacutegicas dessa forma de se olhar a vida Aceitar o cristianismo cristatildeo apenas
como um construto intelectual na verdade natildeo eacute aceitaacute-lo plenamente Existe
uma dimensatildeo profundamente pessoal envolvida em compreender e viver dentro
dessa cosmovisatildeo pois ela inclui o reconhecimento de nossa proacutepria
dependecircncia de Deus como suas criaturas nossa rebeliatildeo contra ele e nossa
confianccedila nele pela restauraccedilatildeo da amizade com sua pessoa E isso significa
aceitar a Cristo tanto como nosso libertador da escravidatildeo como Senhor para
nosso futuro
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REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4
ed Satildeo Paulo Hagnos 2009
Autor ndash Me Marcelo Alves Dantas
Docente FATEJ FADISA Bacharelando em Direito - UNIESPFAPAN Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo - UMESP Mestre em Teologia do Novo Test - FTBSP Docecircncia do Ensino Superior - UNOPAR Bacharel em Teologia - UMESP E-mail marcelodantasteologiagmailcom
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PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO
RESUMO
O presente artigo reflete a perspectiva do ateiacutesmo cristatildeo Atraveacutes do
diaacutelogo com o pensamento do filoacutesofo Andreacute Comte-Sponville tratamos de
responder duas perguntas sobre o assunto A primeira pergunta consiste em
saber se eacute possiacutevel ser um ateu cristatildeo a segunda se haacute uma moralidade
para esse seguimento Nossa busca estaacute relacionada com o espiacuterito do
ateiacutesmo e uma moral destituiacuteda da religiatildeo ocidental mas que sustente a
humanidade por meio daquilo que temos em comum O artigo propotildee apoacutes
explanaccedilatildeo uma possibilidade via o ateiacutesmo cristatildeo de outra religiatildeo ndash que
natildeo a sustentada pelo cristianismo ndash que abarque o amor como uma accedilatildeo
humana possiacutevel
Palavras-chave Ateiacutesmo cristatildeo ndash Comte-Sponville ndash Moral
Abstract This article reflects the perspective of Christian moral Through
dialogue with the thinking of philosopher Andreacute Comte-Sponville we try to answer
two questions on the subject The first question is whether it is possible to be a
Christian atheism the second if there is a morality for this follow-up Our search is
related to the spirit of atheism and a morality devoid of Western religion but that
supports humanity through what we have in common The article proposes after
explanation a possibility via Christian atheism of another religion ndash not that
sustained by Christianity ndash that embraces love as a possible human action
Keyword Christian Atheism ndash Comte-Sponville ndash Moral
autor Prof Me Rafael de Campo
elfaracamposhotmailcom
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INTRODUCcedilAtildeO
Parece contraditoacuterio o tiacutetulo dessa reflexatildeo mas como veremos na
exposiccedilatildeo algumas contradiccedilotildees satildeo possiacuteveis ou aceitas no campo das ideias
Mais do que possiacutevel as contradiccedilotildees alimentam a vida principalmente na esfera
da religiatildeo A possibilidade de haver numa mesma sentenccedila as palavras
―ateiacutesmo e ―cristatildeo eacute tatildeo igual haacute possibilidade de pensarmos o ateiacutesmo como
budista maometano judaico etc
O ateiacutesmo cristatildeo como sugerido ndash contraditoacuterio ndash pode ser considerado
um oximoro por excelecircncia e deseje brincar seriamente com opostos que se
excluem Esse paradoxismo eacute sugestivo de opiniotildees contraacuterias ou seja unir dois
polos que natildeo confluem por causa de seus sentidos diferentes e que vatildeo contra a
opiniatildeo (gr doxa) um do outro Com maior clareza ateiacutesmo e cristianismo
enquanto termos antiteacuteticos se referem a universos excludentes e dizem respeito
a doutrinas que natildeo podem confluir simultaneamente Satildeo duas grandes
dicotomias que se negam gerando aqui uma siacutentese
Ainda essa contraposiccedilatildeo entre ateiacutesmo e cristianismo representa o
pensamento por diacuteades ou seja os dois termos satildeo antiteacuteticos e entendidos
como natildeo complementares Cada um representa e interpreta um universo
particular em um mundo composto em que os entes divergem e conflitam entre
si Enfim dessa contraposiccedilatildeo ocorre uma siacutentese dialeacutetica (afirmaccedilatildeo + negaccedilatildeo
= negaccedilatildeo da negaccedilatildeo) onde ateiacutesmo e cristianismo geraria o ―ateiacutesmo cristatildeo52
Assim a tentativa de combinar as ideias do cristianismo (em suma a moral
extraiacuteda do homem Jesus dito o Cristo) com a moral ateia natildeo eacute uma realidade
tatildeo divulgada e difundida nos meios e ciacuterculos ndash sejam eles acadecircmicos ou mais
populares Um dos filoacutesofos da atualidade que trata e assume o ateiacutesmo cristatildeo
(ou ateiacutesmo fiel) eacute Andreacute Comte-Sponville
A partir de suas inferecircncias iremos dialogar numa busca por compreender
o que se denominou por ateiacutesmo cristatildeo ou seja a base para um ateu fiel Temos
por objetivo pensar duas perguntas eacute possiacutevel algueacutem se dizer ateu cristatildeo Que
tipo de moralidade um ateu fiel segui A primeira pergunta sugere examinar e
expor quais as bases daquilo que Comte-Sponville chama de ateiacutesmo cristatildeo
52
Um livro sugerido para entender o ateiacutesmo e o cristianismo como partes contrapostas na histoacuteria desde a antiguidade ateacute atualmente Cf MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
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A segunda pergunta gira em torno da questatildeo moral ligada as duas redes
de conhecimento a religiatildeo cristatilde ocidental (o cristianismo) e o ateiacutesmo
Desde jaacute eacute necessaacuterio informar que esse ensaio natildeo se propotildee refletir as
―provas acerca da existecircncia ou da natildeo existecircncia de qualquer divindade
Portanto nossa exposiccedilatildeo estaacute baseada no diaacutelogo com essa ―nova
espiritualidade ndash sendo possiacutevel assim chamar
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO
O Espiacuterito do Ateiacutesmo eacute o livro do filoacutesofo francecircs materialista racionalista
e humanista Andreacute Comte-Sponville lanccedilado originalmente em francecircs com o
tiacutetulo L‟ESPRIT DE L‟ATHEacuteISME por Albin Michel Paris 2006 Seu conteuacutedo
estaacute divido em trecircs capiacutetulos e subdivisotildees preacircmbulo e conclusatildeo Nele Comte-
Sponville relata sua experiecircncia com essa nova espiritualidade e a oferece como
uma opccedilatildeo tanto aos ateus quanto ao religioso O livro eacute escrito basicamente
para motivar uma espiritualidade que vai para aleacutem da religiatildeo Por assim dizer o
livro foi escrito em prol da ―toleracircncia pela laicidade pela liberdade de crenccedila e
de descrenccedila O espiacuterito natildeo pertence a ningueacutem A liberdade tambeacutem natildeo
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 9) Assim como tambeacutem contra a intoleracircncia o
dogmatismo o obscurantismo o integrismo e o fanatismo contra a supersticcedilatildeo o
niilismo e a apatia
Em busca do essencial ou daquilo que eacute mais baacutesico ao ser humano
Comte-Sponville idealiza uma espiritualidade que acopla em si trecircs perguntas
cada uma exposta nos trecircs capiacutetulos do livro
O primeiro capiacutetulo Pode-se viver sem religiatildeo (que eacute o guia para nossa
reflexatildeo nesse ensaio) iraacute introduzir argumentos do autor contra a religiatildeo e
erigiraacute a base de uma nova espiritualidade alicerccedilada sobre os conceitos de
comunhatildeo fidelidade e amor Em contraste com a feacute a esperanccedila e o amor de I
Coriacutentios 13 Sponville refaz a loacutegica das virtudes teologais atentando para o
proacuteprio texto biacuteblico onde se diz que a feacute passaraacute a esperanccedila passaraacute e o
amorcaridade permaneceraacute Talvez esse seja o ponto alto de sua reflexatildeo agrave
espiritualidade que articula no livro feacute e esperanccedila como virtudes provisoacuterias ou
seja jaacute passaram Vivemos pois na era do Reino do amor O ateu fiel afirmaraacute
que jaacute estamos no amor pois o Reino eacute aqui e agora
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O propoacutesito de Sponville natildeo eacute a exegese histoacuterico-criacutetica mas encontrar
―um ponto de tangecircncia ou de intersecccedilatildeo que o faccedila compreender e entrar em
acordo com o religioso que fora na juventude e com o ateu que eacute e lecirc
habitualmente Santo Agostinho Satildeo Tomaacutes de Aquino Espinosa Montaigne
Schopenhauer Pascal e outros O ateu de espiritualidade deseja entender o amor
como sendo mais elevado e mais precioso do que a feacute e a esperanccedila para
compreender que a vida eacute superior a qualquer religiatildeo que a comunhatildeo nada tem
a ver com igrejas e catedrais e que a fidelidade supera a feacute assim como supera o
proacuteprio ateiacutesmo
O segundo capiacutetulo do livro Deus existe trata de colocar em evidecircncia as
provas ndash na verdade a fraqueza delas ndash argumentando a ausecircncia frente a uma
pergunta tatildeo complexa Juntamente Sponville iraacute expor a fraqueza das
experiecircncias ndash uma vez que as pessoas dizem sentir e experimentar o ser divino
em seu cotidiano Ainda argumenta contra a incompreensibilidade da crenccedila em
Deus pois crer em Deus eacute querer explicar o que natildeo compreendemos por aquilo
que compreendemos menos ainda a saber Deus O autor conclui esse capiacutetulo
colocando sobre a mesa o assunto tatildeo caro ao cristianismo e para as religiotildees
monoteiacutestas que eacute a questatildeo do mal ndash ou a teodiceia ndash e tambeacutem a proposta do
direito que muitos tecircm de natildeo crer na divindade como oferecido pela religiatildeo
cristatilde
O capiacutetulo final relata a proposta pessoal (como a declaraccedilatildeo de uma
experiecircncia) que para Sponville eacute a mais importante pois eacute sobre uma
espiritualidade sem Deus Que espiritualidade para os ateus Sua resposta eacute de
cara que essa espiritualidade natildeo envolve religiatildeo eou ateiacutesmo mas sim uma
vida espiritual Isso uma vez que aquele que natildeo acredita em Deus tem um
espiacuterito e pode utiliza-lo Ele descreve sobre seu contato ―miacutestico com uma
espiritualidade mais abrangente que envolve tanto o conhecimento quanto a
experiecircncia natural e apresenta essa experiecircncia miacutestica a partir do que chamou
de ―suspensotildees ou parecircnteses que o fizeram estar num ―estado modificado de
consciecircncia Esse capiacutetulo eacute escrito como liccedilotildees que o autor experimentou
daquilo que vivenciou estando nesse estado modificado de consciecircncia em raras
experiecircncias
O livro tem como objetivo apresentar uma nova espiritualidade aquela em
que o Deus transcendente e suas instruccedilotildees natildeo se encontram (pelo menos como
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acreditam os cristatildeos) Salienta uma reflexatildeo de interconexatildeo entre o cristianismo
(a religiatildeo por excelecircncia do ocidente) e o seu Cristo tendo na mesma esteira o
ateiacutesmo e tambeacutem algumas praacuteticas da espiritualidade oriental a filosofia e
alguns de seus representantes
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO
Buscar o alicerce que sustenta uma espiritualidade que natildeo se finca em
uma tradiccedilatildeo religiosa especiacutefica e tampouco em um livro-texto sagrado como
base de devoccedilatildeo e rito eacute praticamente uma busca por entender o que se quer
dizer com uma espiritualidade sem base fixa ou seja sem um centro de poder
que legalize e legitime as atitudes morais que deveriam ser cumpridas e exercidas
por um devoto Sem uma fonte de revelaccedilatildeo que afirme o que se deve crer e
fazerobedecer fica complicado discernir as praacuteticas os ritos as devocionais que
sustentem a crenccedila de um religioso devoto do tipo ocidental Entretanto como jaacute
se afirmou acima se todos temos ―espiacuterito eacute possiacutevel raciocinar uma
espiritualidade que caiba dentro da vida essa particular a cada um
Para uma anaacutelise mais didaacutetica iremos questionar separadamente o que
estamos chamando de ateiacutesmo cristatildeo Eacute na realidade a busca por uma
articulaccedilatildeo entre uma cultura ateia e uma cultura cristatilde Por cultura em ambas as
frentes no sentido estrito denomina-se ―o conjunto de conhecimento que tanto o
ateiacutesmo quanto o cristianismo ―transmite e valoriza (Cf COMTE-SPONVILLE
2011b p 135-136) A dificuldade se instala na prerrogativa de que o ateiacutesmo e o
cristianismo natildeo satildeo coisasobjetos iguais o ateiacutesmo ndash principalmente o que
queremos aqui evidenciar ndash eacute reclamado uma moral e natildeo uma religiatildeo como eacute
dito do movimento que evidencia e tem como centro a pessoa de Jesus
Utilizando as recentes pesquisas no campo da histoacuteria da evoluccedilatildeo
humana tanto a moral quanto a religiatildeo fazem parte das ―ordens imaginadas que
as pessoas (os Homo sapiens) criaram no processo de cooperaccedilatildeo muacutetua na
histoacuteria da humanidade Dessa forma uma religiatildeo qualquer eacute tida como religiatildeo
pelo fato de definir-se como um ―sistema de normas e valores humanos que se
baseia na crenccedila em uma ordem sobre-humana (HARARI 2017 p 218) A
principal caracterizaccedilatildeo de uma religiatildeo supotildee que a mesma tenha em
funcionamento padrotildees morais e de comportamento que seja universal e esteja
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ligada com a difusatildeo de sua crenccedila Isso significa que hoje para se definir como
religiatildeo eacute preciso que natildeo seja como as ―religiotildees antigas ndash que eram locais e
exclusivas ou seja povos que criam em deidades proacuteximas agrave terra de moradia
que ocupavam e natildeo tinham nenhum interesse em conversatildeo universal de
qualquer outra tribo morando distante deles (HARARI 2017)
Se religiatildeo e moral satildeo de ordem imaginada53 ligadas intersubjetivamente
e tecidas por uma trama ndash algo que se refere a uma rede de comunicaccedilotildees que
liga e conecta a consciecircncia subjetiva de milhares e milhotildees de indiviacuteduos ndash
entatildeo para se pensar o ateiacutesmo cristatildeo eacute preciso ultrapassar o pensamento da
ordem imaginada vigente e criar uma nova ordem imaginada alternativa Isso
seria a intersecccedilatildeo a quebra do muro que mantecircm dentro de certos limites a
religiatildeo vigente para entatildeo como afirma Sponville acerca do ateiacutesmo cristatildeo
forjar ―para mim uma espeacutecie de Cristo interior manso e limpo de coraccedilatildeolsquo sim
mas puramente humano que me acompanha e me guia (COMTE-SPONVILLE
2016 p 66)
A proposta de romper com os limites estabelecidos para forjar uma nova
espiritualidade natildeo configura seja para Comte-Sponville ou para algum outro ateu
fiel a formaccedilatildeo basilar de uma nova ordem religiosa Natildeo eacute essa a proposta de O
Espiacuterito do Ateiacutesmo Isso porque o projeto eacute muito mais pessoal e individual do
que uma proposiccedilatildeo que tenha caraacuteter de alcance universal O que ele pensa eacute
uma nova espiritualidade e essa sim de caraacuteter laica (gr laikoacutes ―do povo) e
totalmente desvencilhada da religiatildeo cristatilde ndash mas natildeo desfocada de sua
personagem principal No entanto essa nova espiritualidade busca por definiccedilotildees
e vai ao encontro de uma moral cabiacutevel a experiecircncia real o que pode configurar
nas pretensotildees de alguns uma nova ideologia
Ao que nos parece Comte-Sponville recorre ao misteacuterio do universo da
humanidade e de todas as forccedilas naturais que por si soacute ultrapassam nossas
concepccedilotildees de realidade e revelam nossa insignificacircncia como caccediladores desse
misteacuterio O tom criacutetico de Sponville eacute contra a natildeo criticidade Como filoacutesofo a
busca pelo misteacuterio deve convergir em resultados empiacutericos (de accedilotildees ao bem
53
Para Harari ordens imaginadas satildeo redes de cooperaccedilatildeo que regem e organizam nossa vida partilhadas universalmente entre milhotildees e milhotildees de pessoas e que existe apenas em nossa imaginaccedilatildeo Exemplos que ele relata como ordens imaginadas o dinheiro os impeacuterios e as religiotildees universais satildeo as bases que assentaram o mundo unificado (globalizado) de hoje
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comum) para que seja possiacutevel a afirmaccedilatildeo criacutetica Em um segundo plano sabe-
se que o misteacuterio se perfaz solitaacuterio e intransponiacutevel agrave busca racional
21 - O que ldquoacreditardquo o ateiacutesmo cristatildeo
Para Conte-Sponville hoje o ocidente jaacute natildeo eacute tatildeo cristatildeo como se pensa e
tem se mostrado (Cf COMTE-SPONVILLE 2016) A religiatildeo cristatilde perde
anualmente sua autonomia como religiatildeo universal e principalmente ela natildeo
evoca mais aos natildeo cristatildeos (e ateacute mesmo aos seus fieacuteis) o status de ―uacutenica A
proacutepria oponibilidade deu lugar a uma frente que preza antes pela simpatia do que
pela rechaccedila Obviamente seu discurso natildeo mudou Seus liacutederes tecircm mudado as
estrateacutegias tentando unificar um tipo de relaccedilatildeocomunhatildeo plural entre as
religiotildees universais Mostra-se ndash seja nos catolicismos seja nos protestantismos
ou evangelicalismos ndash em busca de uma moral contextualizada que natildeo incorra
retrograda e ateacute mesmo primitiva mas ao mesmo tempo haacute o esforccedilo pela
conservaccedilatildeo de seus dogmas e de sua feacute em um uacutenico Deus
O inverso de querer manter-se impetrado em uma moral regida por dogmas
transcendentesabsolutos imprime a pergunta ―Por que haacute alguma coisa em vez
de nada (COMTE-SPONVILLE 2011a p 23) Para essa pergunta natildeo existe
uma resposta empiacuterica e de loacutegica e de qualquer forma nunca saberemos se de
fato haacute uma resposta O cristatildeo supotildee haver algo em oposiccedilatildeo ao nada Jaacute o
ateu contra o discurso de um criador do mundo e do universo e natildeo favoraacutevel ao
discurso de que a vida soacute tem sentido ao crer em uma divindade apostaraacute no
nada ―O ateu natildeo tem uma ideia suficientemente elevada do mundo da
humanidade e de si mesmo para julgar verossiacutemil que um deus tenha podido cria-
los (COMTE-SPONVILLE 2011b p 64)
Uma vez que pensar Deus eacute pensa-lo existente de alguma maneira a
questatildeo Deus existe radicalmente se torna nula ndash jaacute que natildeo se pode provar
aquilo que por pensamento jaacute existe na imaginaccedilatildeo O cristianismo por toda a
histoacuteria elaborou inuacutemeras provas para se chegar agravequilo que jaacute crecirc que Deus
existe Fez isso porque sabia que toda afirmaccedilatildeo positiva traz consigo a
possibilidade de sua afirmaccedilatildeo negativa e se houve quem acreditasse
positivamente na existecircncia de Deus houve tambeacutem quem natildeo acreditasse
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Nesse vieacutes o ateiacutesmo natildeo eacute um objeto sem crenccedila O ateiacutesmo tambeacutem crecirc
em algo mas sua crenccedila eacute sempre negativa pois ―se alimenta do vazio de seu
objeto (COMTE-SPONVILLE 2011a p 89) Aqui eacute preciso explicar o ateiacutesmo
positivo e o ateiacutesmo negativo o primeiro acredita que Deus natildeo existe e o
segundo natildeo acredita em Deus o segundo nega Deus e o primeiro fala da
ausecircncia dele podendo assemelhar-se ao agnosticismo (Cf BAGGINI 2016)
Assim o ateiacutesmo fiel que Sponville apresenta (ateiacutesmo negativo pois nega
a existecircncia de Deus) se assenta sobre trecircs pilares elementares em oposiccedilatildeo agraves
concepccedilotildees da crenccedila religiosa cristatilde a comunhatildeo a fidelidade e o amor ndash sobre
o terceiro pilar falaremos mais abaixo ndash em oposiccedilatildeo entre a crenccedila e a feacute o que
reformula a realidadeidealidade para o amor
Partindo da definiccedilatildeo de religiatildeo (latim religio verbo religare) que Sponville
busca compreender o que de fato ―liga as pessoas umas agraves outras o que as liga
a ponto de ser um corpo social Sua proposta eacute natildeo esvaziar o conceito de
religiatildeo atribuindo a ele o significado de liame ou seja que todo liame eacute religioso
tem um sentido religioso Isto aponta para o fato de que toda experiecircncia humana
parte dessa suposiccedilatildeo a saber que a religiatildeo eacute quem vincula as pessoas
horizontal e verticalmente isto por causa do Deus cristatildeo ndash o sentido maacuteximo da
religiatildeo cristatilde ocidental
A partir da fenomenologia a experiecircncia humana eacute vista de outra
perspectiva Sponville iraacute afirmar que o que ligou os povos primitivos e o que liga
as sociedades modernas natildeo eacute Deus ―eacute o fato de que eles comungam a mesma
feacute (COMTE-SPONVILLE 2016 p 23) No entanto para partilhar a mesma feacute ou
sentimento religioso eacute preciso tambeacutem entender aquilo que Durkheim propocircs ou
seja
[] as tendecircncias sociais cujas origens estavam na natureza humana De fato todas as pessoas tecircm o que se poderia chamar de uma afinidade natural por seus iguais que se manifestou desde que vaacuterios homens passaram a viver juntos isto eacute desde os primeiros dias da humanidade O que os uniu natildeo era como se afirma com frequecircncia relaccedilotildees de sangue mas semelhanccedilas de liacutengua haacutebitos e costumes [] A afinidade entre iguais eacute assim a forma mais antiga de inclinaccedilatildeo social [] Encontrou contudo um aliado poderoso nos sentimentos religiosos (DURKHEIM 2016 pp 54-55)
O que Durkheim chama de afinidade entre iguais Comte-Sponville chama
de comunhatildeo isto eacute ―compartilhar sem dividir (COMTE-SPONVILLE 2016 p
23) Assim o que nos amarra seja em uma cultura ou civilizaccedilatildeo qualquer meio
de envolvimento pessoal eacute o sentimento de pertenccedila que temos em relaccedilatildeo
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agravequilo que nos agrega uma feacute um texto uma personalidade deuses etc em
comum Eacute assim que Sponville afirma que uma sociedade pode viver sem crenccedila
mas natildeo sem comunhatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 20-27)
Buscando em Ciacutecero outro sentido para religiatildeo (religio vem de relegere ndash
―recolher reler) sua segunda afirmativa sustenta que uma sociedade pode viver
sem feacute mas natildeo sem fidelidade (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 27-32) Isto
implica dizer que religiatildeo eacute aquilo que recolhe e relecirc os textos os mitos as leis ou
qualquer escrito apontado como sagrado O que Sponville chama de fidelidade se
atrela ao que ele reconhece por comunhatildeo natildeo pode haver comunhatildeo partilha
por igual sem que haja primeiramente um recolher do ensino ou a releitura de
uma tradiccedilatildeo para que seja afirmada dela sua fidelidade
Por isso a importacircncia da tradiccedilatildeo cristatilde a releitura hodierna dessa
tradiccedilatildeo transmitida dos costumes do conjunto de valores morais e espirituais
etc possibilita guardar aquilo que resta do passado do que necessitamos para
termos uma histoacuteria onde nos apoiar e (nos) fiarmos nossa humanidade A
fidelidade eacute portanto ―o que resta da feacute quando a perdemos (COMTE-
SPONVILLE 2016 p 29) Diferentemente da feacute a fidelidade eacute o apego o
comprometimento e o reconhecimento dos valores da histoacuteria da comunidade
Nessa loacutegica aqueles que natildeo tecircm feacute ou natildeo reconhecem que os valores
morais advecircm do Deus cristatildeo na foacutermula feacute + fidelidade = piedade reconhecem
entretanto ―a grandeza humana desses valores sua importacircncia sua
necessidade a fragilidade sua urgecircncia [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 30)
A foacutermula seria uma fidelidade destituiacuteda de feacute = impiedade ou seja a ausecircncia
da feacute em nada muda a responsabilidade humana em relaccedilatildeo a tudo o que foi
construiacutedo na histoacuteria Ao contraacuterio de muitas acusaccedilotildees contra o ateiacutesmo a
impiedade neste caso natildeo desembocaria no niilismo o niilismo eacute quando existe
a ausecircncia da fidelidade e da feacute sobrando um grande nada (COMTE-
SPONVILLE 2016)
O ateiacutesmo cristatildeo parece-nos como exposto amplia a visatildeo acerca do
mundo em que natildeo buscam construir ou levantar um impeacuterio religioso como se
apresentam as religiotildees monoteiacutestas e suas derivaccedilotildees A espiritualidade ateia de
fidelidade e comunhatildeo invoca muito mais a uma holiacutestica onde a duacutevida
relacionada ao misteacuterio da vida e do existir leva ao querer ndash o querer explorar a
potencialidade dos misteacuterios existenciais sem pretensotildees de esgotamento Dito
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de outra forma o ateiacutesmo cristatildeo acredita que a complexidade da vida como um
todo eacute um oceano de novos conhecimentos que na medida em que se
experimenta e adquire novas realidades as novas oportunidades e fronteiras satildeo
abertas ao ser humano
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ldquomorte do Deusrdquo via teologia
cristatilde
―Qualquer perspectiva que se apresente como ―ateiacutesmo cristatildeo jaacute eacute por si
soacute estranha [] apontam os teoacutelogos acerca do ―movimento teoloacutegico mais
radical do seacuteculo XX ou seja o movimento ―teologia da morte de Deus (MILLER
amp GRENZ 2011 p 97) No entanto os teoacutelogos cristatildeos de tradiccedilatildeo natildeo
imaginavam ndash e natildeo imaginam ateacute hoje ndash o quatildeo possiacutevel foi (e eacute) de dentro da
proacutepria tradiccedilatildeo o rompimento com o tradicionalismo do conceito de Deus e
fomentar uma nova teologia radical
O ateiacutesmo cristatildeo configura-se do ponto de vista da teologia como o
movimento da morte de Deus gerado no seio da teologia secular e com a
pretensatildeo de expulsar o Deus absoluto para fora do mundo dos homens Com os
tumultos da deacutecada de 60 passados a teologia da morte de Deus significou
muitas coisas desde a sentenccedila de uma derradeira queda da cultura cristatilde e a
objetificaccedilatildeo da figura do Deus da tradiccedilatildeo cristatilde na cultura Ocidental ateacute mesmo
da impossibilidade de experimentar o mundo como um mundo de Deus ndash sua
criaccedilatildeo da perda de Deus desde sua encarnaccedilatildeo na pessoa do homem Jesus o
processo da kenosis (esvaziamento) ateacute a suspensatildeo de toda transcendecircncia
divina para uma imanecircncia liberta da ideia metafiacutesica ndash o que configura uma troca
Jesus o homem sustecircm o lugar de Deus
Dito de forma sinteacutetica e simploriamente resumida a teologia da morte de
Deus e seus representantes tinham como prioridade parece-nos principalmente
tendo em vista todo ocorrido do seacuteculo XX responsabilizar o homem por cada
dor sofrimento e tambeacutem gesto de amor que transcorre sua mundanidade
―Deus morrer eacute para os teoacutelogos dessa visatildeo uma forma de natildeo isentar a todos
das barbaridades que ocasionaram agrave humanidade
Claramente influenciada pela filosofia ateiacutesta nietzschiana (mas natildeo
somente) a teologia da morte de Deus traz luz via os aforismos do filoacutesofo na
conduccedilatildeo contraacuteria a autoridade e a tradiccedilatildeo de Deus com uma nova retoacuterica de
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insurreiccedilatildeo natildeo mais eacute Deus quem se assenta no trono do Universo e tudo
governa mas o proacuteprio homem eacute quem toma as reacutedeas da histoacuteria e tudo iraacute
guiar Teologicamente Deus estava morto no sentido de sua irrelevacircncia como
ideia tradicional advinda dos seacuteculos anteriores em uma cultura que natildeo o deseja
mais
Dois teoacutelogos provenientes da tradiccedilatildeo cristatilde se destacaram como
propagadores dessa teologia Willian Hamilton e Thomas Altizer Ambos se
complementam em suas anaacutelises referentes agrave morte de Deus pois reconhecem
agraves profundas mudanccedilas acontecidas na cultura e na sociedade principalmente o
―evento histoacuterico-cultural da morte de Deus [] (GIBELLINI 2002 p 144)
O que para noacutes eacute importante destacar da teologia de Hamilton eacute a
alteraccedilatildeo que ele propotildee da feacute em amor da teologia em eacutetica da
responsabilidade ―que se orienta para a figura de Jesus que indica ―um lugar
onde ficar (GIBELLINI 2002 p 144) Haacute certo foco na exemplaridade e na
figura de Jesus A teologia de Altizer radicalmente focada na encarnaccedilatildeo de
Jesus o verbo que se fez carnelsquo como doutrina central infere que o Deus
transcendente morre em sua transcendecircncia por esvaziar-se se tornando carne
(lhe conferindo uma transcendecircncia vazia) ndash o que concretiza a passagem da
realidade transcendente para a realidade imanente Essa inversatildeo ocasionada na
figura de Jesus torna-se um evento histoacuterico que se move para dentro da histoacuteria
como num processo progressivo acontecendo ateacute hoje Como uma nova teologia
que pressupotildee a morte de Deus na cultura juntamente com seu esvaziamento
tornou-se um dado fenomenoloacutegico que exige atualmente reformas na maneira
de pensar a teologia que a Igreja sempre compreendeu trazendo essa novidade
para o tempo moderno (GIBELLINI 2002)
Sendo assim a teologia da morte de Deus natildeo prescreve a impossibilidade
de se crer em Deus pois para aqueles que creem sempre seraacute possiacutevel crecirc-lo A
questatildeo em torno do assunto se daacute em que a laicizaccedilatildeo e a secularizaccedilatildeo ndash
advindos dos projetos humaniacutesticos desde a Renascenccedila o Iluminismo seacuteculo
XVIII ateacute XX ndash supotildee uma ―descristianizaccedilatildeo da cultura tornando a crenccedila uma
manifestaccedilatildeo privada Isto eacute ―como dizem os socioacutelogos continuamos podendo
individualmente acreditar em Deus natildeo podemos mais socialmente comungar
nele (COMTE-SPONVILLE 2005 p 36)
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A preocupaccedilatildeo do ateu fiel eacute que com a morte de Deus no acircmbito social
as igrejas se esvaziando e os supermercados se entupindo de consumidores as
pessoas tomem consciecircncia a ponto de responder a velha pergunta ―o que devo
fazer Se a cultura estaacute sendo descristianizada portanto a religiatildeo e todo seu
credo perdendo sua forccedila moralizante mais do que tudo ―a questatildeo moral retorna
ao primeiro plano (COMTE-SPONVILLE 2005 p 41)
23 - Uma resposta possiacutevel
A pergunta ―Eacute possiacutevel algueacutem dizer-se ateu cristatildeordquo tem como resposta
a partir do caminho exposto por Comte-Sponville uma confirmaccedilatildeo positiva A
justificativa se encontra no valor (gr axios) que damos a histoacuteria humana aos
valores que ela produziu e permite que progressivamente seja atualizado e
transmitido agraves geraccedilotildees Principalmente porque esse valor dado agrave histoacuteria
humana eacute a resposta configura-se saber o que eacute o homem para que este seja
denominado homem sua essecircncia (humanismo teoacuterico) ou sua histoacuteria O anti-
humanismo teoacuterico que Sponville apoia responde que
[] eacute a histoacuteria ao mesmo tempo natural (homonizaccedilatildeo) e cultural (humanizaccedilatildeo) em outras palavras que o homem natildeo eacute primeiramente princiacutepio mas sim resultado ou o que daacute na mesma que ele soacute eacute humano na medida em que se torna humano [] O anti-humanismo teoacuterico natildeo eacute um imoralismo pensar o homem em sua verdade (em sua histoacuteria) eacute pensar a moral em sua urgecircncia (COMTE-SPONVILLE 2008 p 268-269)
O ateiacutesmo cristatildeo acredita que uma resposta possiacutevel agrave histoacuteria visando
um futuro melhor a toda humanidade eacute uma resposta possiacutevel na histoacuteria Ou
seja fundamenta-se na fidelidade e na comunhatildeo que perpassa nosso
compromisso e responsabilidade O passado natildeo eacute uma taacutebula rasa uma folha
em branco ndash um tempo memorial vazio de sentido e de materialidade em que
seria preciso hoje inventarmos novos valores Reconhecer o passado toda sua
memoacuteria e narrativa eacute a oportunidade individual e coletiva de ―inventar ou de
reinventar uma nova fidelidade aos valores que recebemos e que temos o
encargo de transmitir Eacute como uma diacutevida em relaccedilatildeo ao passado que soacute
poderiacuteamos saldar investindo no futuro [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 34)
Logo somos humanos porque assim nos tornamos somos histoacuteria porque assim
nos construiacutemos humanidade histoacuterica
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A preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo seja ela de paz ou de guerras eacute o uacutenico
testamento que temos para reescrevermos um novo futuro Os valores que foram
transmitidos do nosso passado tais como a liberdade a justiccedila a igualdade a
fraternidade por exemplo valem porque de fato haacute um valor Natildeo precisamos
alterar o fato de valerem agrave dignidade humana mas necessitamos fidelizar esses
valores para que possamos comungar e interagir humanamente tendo como
base aquilo que jaacute tecircm valor
Marcel Conche afirma em seu livro que de todas as culturas haacute uma
moralmente superior ―[] a greco-cristatilde eacute superior a qualquer outra porque foi no
solo greco-cristatildeo que se reconheceram e afirmaram pela primeira vez a
igualdade de direito de todos os homens e os direitos universais do homem
Sustenta implicitamente que um Estado que enxerga respeita e pratica como
primazia os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e agrave sua
personalidade de certa forma encontra nisso um ―ideal de universalidade
utilizando esse ideal como crivo para perceber e distinguir em todos os outros
meios (Estados) os que natildeo compartilham desses direitos (CONCHE 2006 p
XIII)
O cristianismo legou valor imenso agrave poacutes-modernidade Uma vez que a
pluralidade e os ecumenismos inter-religiosos crescem evidencia-se no Ocidente
a afirmativa de que natildeo mais haacute uma supremacia cristatilde Assim sendo eacute preciso
repensar e reinventar fidelidade a valores que a tradiccedilatildeo cristatilde produziu em
milecircnios de histoacuteria Por ser considerado a religiatildeo do amor (COMTE-
SPONVILLE 2011b) o cristianismo precisa ser peneirado para que aquilo que eacute
amaacutevel permaneccedila o que eacute suspeito seja desconsiderado por completo
3 QUE MORALIDADE
Para respondermos a essa pergunta eacute necessaacuterio investigarmos o objeto
do ateiacutesmo cristatildeo ou seja Jesus prescrevendo qual a importacircncia dessa
personagem dos Evangelhos biacuteblico e porque ele Antes eacute preciso reafirma que o
ateiacutesmo eacute uma moral e portanto o olhar do ateiacutesmo cristatildeo para Jesus restringe-
se a um olhar moral em busca daquilo que em Jesus pode ser abrilhantado mais
do que ofuscado
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Antes ainda eacute preciso distinguir como os conceitos de moral e eacutetica se
conciliam para entatildeo justificarmos o porquecirc do ateiacutesmo cristatildeo sugerir alsquo moral
aliada alsquo eacutetica e natildeo umalsquo eacutetica que prescreva balizas exteriores e umalsquo moral
que se valha de um ser transcendente e de suas exigecircncias
Todos jaacute ouvimos que a moral eacute reconhecida como a doutrina do dever e
tambeacutem estamos informados de que a eacutetica eacute a doutrina da sabedoria A moral
dirige-se agrave virtude que tem como finalidade a santidade jaacute a eacutetica tende para a
felicidade e tem como apogeu a sabedoria A moral lida com os deveres a eacutetica
com o prazer Sponville versa que ambas as normatividades satildeo ―diferentes em
seus princiacutepios e em ―suas finalidades mas que ―se unem no que concerne as
relaccedilotildees interpessoais em suas aplicaccedilotildees Assim
[] o que chamamos de moral e eacutetica satildeo na verdade duas vias de acesso que conduzem a esse mesmo objetivo vias diferentes decerto mas convergentes jaacute que conduzem pela obediecircncia (no caso da moral) ou pela razatildeo (no caso da eacutetica) a uma salvaccedilatildeo comum ou em todo caso a uma vida mais feliz e mais humana (COMTE-SPONVILLE 2008 p 256)
Ao buscar a eacutetica dentre as eacuteticas e a moral dentre as morais o ateiacutesmo
cristatildeo estaacute apenas tentando evidenciar aquilo que Conche torna explicito ou
seja que a minha moral natildeo pode estar fundamentada em minha religiatildeo ou em
minha filosofia pois ela seraacute contestada por outras religiotildees e outras inuacutemeras
filosofias e a todo arcabouccedilo moral que elas contecircm A evidecircncia estaacute em que
seja uma moral ou uma eacutetica particular de um grupo religioso ou de certo filoacutesofo
essa seraacute sempre contestada em detrimento de outra e vice-versa (Cf CONCHE
2006)
Podemos entender sucintamente a eacutetica como uma consciecircncia vasta
espaccedilosa que estaacute agrave procura de responder a pergunta ―como viver e portanto
eacute necessaacuterio incluir na resposta dessa pergunta todos os deveres cabiacuteveis a um
estilo de vida que tambeacutem busca a resposta acerca do ―que devo fazer Quer
dizer o que faccedilo (moral) natildeo responde como eu vivo (eacutetica) mas como eu vivo
ou penso em viver definiraacute aquilo que faccedilo ou como pretendo agir Por esse
prisma a eacutetica aparece como fundamento da moral em que a moral ―eacute apenas
um desejo que se toma por um absoluto que se toma como um fundamento
proacuteprio (COMTE-SPONVILLE 2008)
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Assim a eacutetica eacute um trabalho um processo um caminhar eacute o caminho pensado de viver na medida em que tende para a vida boa como diziam os gregos ou para a menos ruim possiacutevel e eacute essa a uacutenica sabedoria verdadeira (COMTE-SPONVILLE 2011b p 220)
Sendo a eacutetica como um espaccedilo amplo e abrangente feita de desejos
pessoais pensados e hierarquizados pelo conhecimento e pelas opccedilotildees ndash
portanto valores relativos pois sempre particulares (seja individual ou de um
grupo) ndash tende a transformar-se em um discurso normativo poreacutem natildeo
imperativo sempre respondendo aos opostos bomlsquo e ruimlsquo ndash imanente agrave
humanidade A moral posse da eacutetica revela-se como um discurso normativo e
imperativo resultado da oposiccedilatildeo dos valores absolutos ou transcendentes de
Bemlsquo e do Mallsquo (Cf COMTE-SPONVILLE 2008 p 262)
A moral o conjunto dos nossos deveres se transforma em accedilotildees ndash essas
que dizem respeito a um modo de ser e estar sendo no mundo de forma
consciente no tempo presente Mas vale lembrar que o valor moral natildeo estaacute
propriamente nas accedilotildees e no fim desejado por tal agir O valor de um dever eacute
intriacutenseco ao proacuteprio dever isto eacute qualquer ato em cumprimento do dever soacute tem
valor se o mesmo for desinteressado independente do resultado da accedilatildeo Por
isso a moral verdadeira natildeo age ―de acordo com o dever mas sim ―por dever
seria uma accedilatildeo em prol e por aquilo que nos eacute comum e de valor (humanidade) e
tambeacutem em benefiacutecio do que eacute diferente de nossa humanidade (outras espeacutecies
e a natureza por exemplo)
Comte-Sponville (2008 pp 398-399) nos lembra de que Kant jaacute dizia que a
moral ―natildeo tem menor necessidade da religiatildeo pois ―ela basta a si mesmo ndash por
isso o direito de a moral ser laica Ela diz respeito a homens e mulheres muito
mais que agraves instituiccedilotildees o que denota que toda liberdade e autonomia que dela
proveacutem a noacutes eacute relativa natildeo alterando seu aspecto ―absoluto praacutetico ao nosso
sentimento Esse sentimento que temos em relaccedilatildeo a moral sentimento de
grandeza e submissatildeo e a necessidade que temos de agir conforme sua
legislaccedilatildeo eacute porque ―toda moral eacute histoacuterica ndash daiacute o valor do passado e da
tradiccedilatildeo
A liberdade e autonomia diante de uma lei moral tem a ver com a nossa
vontade pois apenas o conhecimento da lei natildeo basta para a accedilatildeo moral
Precisamos deseja-la e quere-la em noacutes Uma vez que sou autocircnomo e livre para
viver diante de uma legislaccedilatildeo proacutepria jaacute natildeo dou valor agrave lei moral pelo que
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conheccedilo dela historicamente vivo moralmente e ajo conforme sou porque ela estaacute
vinculada aos meus desejos de vecirc-la universalmente em accedilatildeo O que estamos
tentando explicar eacute que agir conforme os deveres natildeo substitui a finalidade de
onde queremos chegar ou melhor na eacutetica do amor De acordo com o dever eacute
nos dito que devemos amar mas necessitamos de uma eacutetica do amor
simplesmente porque sempre agimos contraacuterio a essa consciecircncia de dever
A busca por uma eacutetica individual mas universalizante que seja primeira e
baliza aos nossos deveres ndash porque eacute pura consciecircncia ampla e abrangente ndash soacute
eacute possiacutevel quando agimos moralmente natildeo por amor agrave lei mas porque amamos o
amor que rege a lei Aqui jaacute deduzo que a eacutetica eacute uma eacutetica do amor isto eacute que
guia todos os nossos deveres mesmo que por amor precise confronta-los Uma
eacutetica do amor sempre iraacute questionar se nossos deveres compactuam com nossa
consciecircncia Esse jogo complexo eacute antigo mas sempre necessaacuterio
Trata-se de passar da moral agrave eacutetica do dever ao amor e eacute essa passagem cuja jubilosa espontaneidade cada um de noacutes experimenta um tanto mais um tanto menos assim como experimentamos tambeacutem nossas fadigas que o digam sua fragilidade e sua perpeacutetua incompletude (COMTE-SPONVILLE 2008 p 278)
Mas natildeo sejamos ingecircnuos Sponville nos alerta para o fato de que o amor
sempre faltaraacute a todos e por isso a necessidade da moral para exigir que
atuemos como se amassemos Somente assim poderemos experimentar os polos
de forma versaacutetil mas consciente
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-
Sponville
Resume-se na afirmativa ―Jesus natildeo era cristatildeo (COMTE-SPONVILLE
2011b p 134) era apenas um judeu piedoso Sponville redescobre no Cristo dos
Evangelhos via filosofia uma ponte aos temas em comum temas que os grandes
filoacutesofos se debruccedilaram tais como a sabedoria do amor e da amizade que foram
assuntos cariacutessimos a filoacutesofos como Spinoza e Epicuro Essa identificaccedilatildeo com o
―conteuacutedo humano impresso nas letras e no ―espiacuterito dos Evangelhos eacute o que foi
a sua redenccedilatildeo para conciliar a filosofia com
[] a feacute de minha infacircncia ou melhor com a moral que lhe era solidaacuteria reconciliou-me comigo mesmo portanto com a crianccedila que havia sido que era ainda e sobretudo isso me levou de volta a Cristo ao menos a
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uma certa imagem que me fiz dele a de um homem livre e doce que preferia o amor ao poder e que por isso morreu de um modo atroz ignominioso numa cruz Eacute o contraacuterio do Deus todo-poderoso do Deus vingador jaacute natildeo eacute em absoluto um Deus e eacute o uacutenico que me emociona (COMTE-SPONVILLE 1997 pp 142-143)
Essa moral que Sponville redescobriu claramente foge do conceito de
Deus-transcendente idealizado pelo cristianismo Encontra em Jesus o dos
Evangelhos uma ideia mais elevada ndash porque humana ndash para forjar uma
espiritualidade baseada na compreensatildeo de sua mensagem de amor A
interpretaccedilatildeo do Cristo evangeacutelico para que possa fazer parte daquilo que temos
chamado de ateiacutesmo cristatildeo eacute refinado a um olhar liberto da religiatildeo ou das
supersticcedilotildees da mesma
Sponville acredita de Jesus em sua mensagem aquilo que chama nossa
atenccedilatildeo para o essencial que o Reino de Deus jaacute havia comeccedilado e estava no
meio de noacutes eraeacute tatildeo presente que poderia ser assimilado no aqui e no agora
Tal afirmaccedilatildeo seria um chamado universal ao Reino do Amor
[] esse eacute o Cristo a quem amo aquele que criei pouco a pouco para mim aquele que me acompanha o uacutenico a me esclarecer [] Eacute pois o Cristo de todo o mundo ndash o Preseacutepio o Calvaacuterio ndash o dos mitos e das lendas o uacutenico que conhecemos no fundo o uacutenico que importa mas liberto da religiatildeo mas natildeo prometendo nada mais do que tudo ele tambeacutem ndash como os gregos como os verdadeiros mestres ndash e natildeo outro reino aleacutem deste mesmo onde jaacute estamos (COMTE-SPONVILLE 1997 p 143)
Para tanto o que o ateiacutesmo cristatildeo propotildee agravequeles que assim desejam eacute
um Cristo inventado mas que natildeo deixa de ser percebido e visto e encontrado
nas letras dos Evangelhos Seria o Cristo heterodoxo que contraria tanto os
padrotildees sociais vigentes quanto as doutrinasideologias tradicionalmente
assimiladas e admitidas Ele seria um anticonformista porque hereacutetico se
apresentaria aos olhos daqueles que seguem acriticamente o padratildeo
normatizado Seria o homem a divulgar a grande revelaccedilatildeo a todos os ouvintes no
Evangelho de Lucas
Tendo-lhe os fariseus perguntado quando viria o Reino de Deus ele lhes respondeu O Reino de Deus natildeo vem como um fato observaacutevel Natildeo se diraacute Aqui estaacutelsquo ou Laacute estaacutelsquo Pois o Reino de Deus estaacute em voacuteslsquo (entos humocircn) ou entre voacuteslsquo ou no meio de voacuteslsquo [] ou talvez melhor ainda e como dizia o Evangelho de Tomeacute o Reino de Deus estaacute ao mesmo tempo ―em voacutes e fora de voacutes (COMTE-SPONVILLE 1997 p 144)
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Isto faz surgir para Comte-Sponville a pergunta ―Se o Reino estaacute em noacutes
e se estamos no Reino para que serve a feacute e a esperanccedila seguida de
resposta ―Natildeo se deve crer em mais nada deve-se conhecer tudo Natildeo se deve
ter esperanccedila em mais nada deve-se amar tudo (COMTE-SPONVILLE 1997 p
144)
Eacute uma negaccedilatildeo por completa da feacute e da esperanccedila cristatilde uma vez que em
Jesus natildeo houve feacute e nem esperanccedila houve a praacutetica do amor que jaacute estava nele
e fora dele Imitar a Cristo nesse caso eacute compreender que as atitudes de Jesus
estavam esvaziadas de feacute e esperanccedila ndash havia sim manifestaccedilatildeo perfeita do
amor Ser fiel a Jesus seria portanto ―imitar sua visatildeo e sua compreensatildeo na
medida em que sejamos capazes [] eacute em todo caso imitar seu amor
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 63) Isso porque se natildeo haacute o que crer e nem
existe o que esperar ―natildeo haacute outra salvaccedilatildeo senatildeo viver natildeo haacute outra salvaccedilatildeo
senatildeo amar o Reino eacute aqui na terra a eternidade eacute agora (COMTE-SPONVILLE
1997 pp 144- 145)
Como jaacute dito supra noacutes natildeo amamos como deveriacuteamos porque o amor nos
falta quase sempre E tambeacutem natildeo somos Jesus Cristo A sugestatildeo de Sponville
eacute ―[] mas podemos ndash qualquer que seja aliaacutes sua realidade histoacuterica ndash nos
aproximar do modelo que ele propotildee (COMTE-SPONVILLE 2008 p 277) A
proposta parece ser maior do que pensamos porque eacute maior do que podemos ela
excede em princiacutepio nossa capacidade de apenas amar os amigos os proacuteximos
a noacutes e aquilo que nos falta (gr philia erocircs) A mensagem evangeacutelica nos pede
para amar o proacuteximo o inimigo o indiferente isto eacute aquele que natildeo oferece
razatildeo e nenhum atrativo para que nos dediquemos e lhe demos a preferecircncia
Como amar os que nos perseguem Os que fazem mal a noacutes Aqueles
que natildeo nos alegram e nos prejudicam Somos capazes de tal amor A esse
amor conservou-se o nome de amor universal ―Agapeacute eacute o amor divino se Deus
existe e mais ainda talvez se Deus natildeo existe (COMTE-SPONVILLE 1996 p
291) Esse amor que nos falta eacute tatildeo parte de noacutes pelo simples fato de a noacutes faltar
e mesmo que ele venha a noacutes em forma de pranto ndash o choro pelo injusticcedilado pelo
abatido pela falta de alegria e riso pela falta de beleza etc ndash aiacute estaacute o porquecirc
devemos buscaacute-lo como a virtude excelente agravequela que pelos passos vagarosos
que damos em prol da justiccedila igualdade e liberdade pelos direitos humanos
apareceraacute (em medida) como o sol em pleno vigor
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Esse legado do amor de Jesus o modelo de judeu fiel de Cristo
heterodoxo que ressoou a toda tradiccedilatildeo cristatilde e filosoacutefica eacute o motivo pelo qual
Sponville alicerccedilou sua filosofia e ateiacutesmo
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor
Reler o cristianismo eacute revecirc-lo em aprimoramento Se por religiatildeo o ateiacutesmo
cristatildeo redefiniu em fidelidade e comunhatildeolsquo ao inveacutes de esperanccedila e feacutelsquo assim
ao propor outra religiatildeo o amor seria o que uniria a todos e tambeacutem o que nos
tornaria fieacuteis agravequilo que importa e o que importa eacute que somos humanidade Uma
eacutetica do amor portanto uma sabedoria que vise enxergar os dias atuais exige a
releitura do conceito de humanidade tanto quanto de amor requerendo o apoio
daquilo que recebemos do passado
Outra religiatildeo do amor se colocaria de forma mais especiacutefica para que natildeo
seja confundida como uma nova espiritualidade A espiritualidade eacute uma maneira
(e haacute outras) de se viver a religiatildeo Espiritualidade eacute a ―vida do espiacuterito isto eacute a
vida do conhecimento e da accedilatildeo Ela natildeo faz parte exclusiva das Igrejas ou de
quaisquer Instituiccedilotildees que queiram fixaacute-la uacutenica ―a espiritualidade eacute uma
dimensatildeo da condiccedilatildeo humana (COMTE-SPONVILLE 2011b p 208) Essa nova
espiritualidade ou novo caminho seria a chave interpretativa para essa nova
Religiatildeo do Amor que como posto natildeo se pretende religiatildeo como as religiotildees
monoteiacutestas
A antiga religiatildeo do amor diz que ―Deus eacute amor e que o amor eacute Deus
confundindo a eacutetica com a religiatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2005 p 214) A
nova Religiatildeo do Amor por natildeo crer em Deus e entender o amor como
possibilidade unicamente da condiccedilatildeo humana diraacute que eacute preciso amar (de forma
limitada fraca e mortal) mediante a condiccedilatildeo que nos foi ensinada ndash pois nunca eacute
tarde para aprender sobre o amor e a amar O amor por ser accedilatildeo humana eacute
como a moral relativa em que ―cada um de noacutes soacute a encontra em si na medida
em que a recebeu (COMTE-SPONVILLE 2016 p 31)
[] o conjunto do que um indiviacuteduo se impotildee ou proiacutebe a si mesmo natildeo para antes de mais nada aumentar sua felicidade ou seu bem-estar proacuteprios o que natildeo passaria de egoiacutesmo mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro mas para natildeo ser um canalha mas para permanecer fiel a certa ideia de humanidade e de si (COMTE-SPONVILLE 2011a p 20)
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Uma vez que o amor tambeacutem eacute parte de uma eacutetica ideal ele se torna
superior e mais elevado que a feacute que a esperanccedila e a proacutepria moral A procura
sincera de um ateu fiel diante dessa verdade seraacute encontrar uma conexatildeo e um
ponto em comum com a antiga religiatildeo do amor no esforccedilo por compreender o
que as aproxima mais do que as afasta ndash para poder tomar parte juntamente na
grande arte do viver e construccedilatildeo da vida comunitaacuteria
Crentes e natildeo crentes estamos separados aqui apenas pelo que ignoramos Isso natildeo anula nossas discordacircncias mas relativiza seu alcance Seria loucura dar mais importacircncia ao que ignoramos ao que nos separa do que ao que sabemos tatildeo bem por experiecircncia e de coraccedilatildeo e que nos aproxima o que constitui o valor de uma vida humana natildeo eacute a feacute natildeo eacute a esperanccedila eacute a quantidade de amor de compaixatildeo e de justiccedila de que somos capazes (COMTE-SPONVILLE 2016 p 59)
Eacute por essa aproximaccedilatildeo pela via do amor que somos capazes a grande
virtude que se poderaacute democratizar os espaccedilos mundanos como espaccedilos de
fidelidade pois o amor une O amor seria nessa perspectiva o proacuteprio espaccedilo
de fidelidade e comunhatildeo que geraria a alegria tambeacutem o espaccedilo da verdade
alcanccedilaacutevel pois o amor seria universal e tambeacutem o espaccedilo de sabedoria pois o
amor seria o uacutenico caminho a ser seguido e priorizado (COMTE-SPONVILLE
2016)
Entendido de outra maneira o amor seria a lente para o novo olhar na
direccedilatildeo de tudo aquilo que jaz velho e imperceptiacutevel a nossa consciecircncia
Somente dessa forma diante da renovaccedilatildeo da consciecircncia e do olhar
passariacuteamos a uma nova percepccedilatildeo de tudo o que nos rodeia Isso requereria um
esvaziamento de toda nossa indiferenccedila quanto ao mundo agraves coisas e ao proacuteprio
ser humano Eacute como se voltaacutessemos a ver tudo como sendo ―bom sem a
ingenuidade e a ironia que a isso cabe Existir no mundo passaria a ser uma
existecircncia consciente do absurdo e tambeacutem consciente do quanto somos
capazes de em meio ao absurdo amarmos
Essa eacute a religiatildeo que segundo Sponville deveria ser elevada a religiatildeo do
amor No amor jaacute haacute toda espiritualidade de que nossa interioridade necessita
para saber-se e se reconhecer no mundo Isso posto o amor como espiritualidade
praacutetica natildeo vazia de sentido nos abre para a vida em comum e para uma
transcendecircncia do dia-a-dia ndash essa que eacute imanente e aberta a todo conhecimento
Tambeacutem uma abertura para a verticalidade do olhar para o alto que procura
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conscientizar-se acerca dos horizontes do mundo aquilaacute fora daquilo que nos
transcende porque nos transpassa
A religiatildeo do amor que produz nova espiritualidade e vice-versa portanto
estaacute sempre em busca de algo fora de si mesma A mateacuteria prima dessa religiatildeo eacute
o outro o mundo e seus arredores ou seja eacute o locallsquo onde o eulsquo se conecta com
o todo que flui e reflui reconstruindo novos laccedilos novos fundamentos (poreacutem
natildeo verdades incontestes) novas oportunidades dimensotildees e aprofundamentos
do conhecimento fundando uma razatildeo que eacute possiacutevel ao homem onde nosso
uacutenico dever eacute ser humano nossa uacutenica virtude eacute ser humano pois ningueacutem
poderaacute ser em meunosso lugar (COMTE-SPONVILLE 2011a)
Na religiatildeo do amor toda riqueza eacute encontrada fora de si mesmo como na
paraacutebola do tesouro e da peacuterola de grande valor
O Reino dos Ceacuteus eacute semelhante ao tesouro escondido no campo um homem o acha e torna a esconder e na sua alegria vai vende tudo o que possui e compra aquele campo O Reino do Ceacuteus eacute ainda semelhante ao negociante que anda em busca de peacuterolas finas Ao achar uma peacuterola de grande valor vai vende tudo o que possui e a compra (BIacuteBLIA Mateus 13 44-46 2011 p 1729)
Assim porque nos desfazemos de tudo o que temos para conseguir
adquirir o tesouro ou a peacuterola de maacuteximo valor da mesma forma podemos supor
que o amor eacute tudo o que queremos e depois saber que o amor eacute tudo o que
precisamos para sermos felizes
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Um olhar pessoal ao ateiacutesmo cristatildeo
A maioria dos cristatildeos ocidentais diraacute da impossibilidade de conceber o
ateiacutesmo cristatildeo A mesma impossibilidade que admitem haver no raciociacutenio de
uma espiritualidade ateia pode tambeacutem se encaixar a feacute cristatilde O fato de que
para pensar o Deus cristatildeo teria que ser necessaacuterio afirmar a possibilidade de
pensar a pura ideia de um uacutenico Deus e isso natildeo eacute possiacutevel revela o quatildeo
instaacutevel eacute a proacutepria feacute cristatilde ndash que sabe que natildeo se pode pensar Deus mas pensa
que eacute preciso pensa-lo e entatildeo formula as instabilidades de sua proacutepria feacute Isso eacute
o que chamo de contradiccedilotildees necessaacuterias pois satildeo por elas que a feacute continua a
ser pensada de tempos em tempos Satildeo essas contradiccedilotildees que tambeacutem
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asseguram novas possibilidades de entendimento acerca de conceitos caros a
histoacuteria do pensamento
Mesmo a feacute cristatilde milenar assim como qualquer outra feacute elas satildeo fontes
de ameaccedila agrave espiritualidade de qualquer pessoa Em todas elas existe
instabilidades contraditoacuterias desde sua essecircncia como um explosivo corrosivo A
pretensatildeo do ateiacutesmo cristatildeo a meu ver eacute expor tais instabilidades e afirmar a
contradiccedilatildeo das crenccedilas ndash mesmo aquela que o proacuteprio ateu propotildee Ter noccedilatildeo
disso eacute conhecer a diferenccedila entre ―feacute e ―saber pois o que confunde essas
categorias afirma Sponville ―eacute um imbecil e torna-se um ignorante da ignoracircncia
insuperaacutevel a existecircncia de Deus (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 p 72-73)
Dito isto qualquer religiatildeo de feacute ou mesmo o ateiacutesmo cristatildeo todos devem
ter como posicionamento a esfera da opiniatildeo sabendo que qualquer relaccedilatildeo de
toleracircncia e amor dependem de uma consciecircncia que se sabe insuficiente Se
entendermos o amor como um valor precioso agrave humanidade sem implicaccedilotildees
transcendentes chegaremos agrave conclusatildeo de que somos noacutes na medida em que
aprendermos a amar que transcenderemos ndash o que natildeo implica chamarmos a
noacutes de deuses
A regra da vida ou a norma do bem-viver pelo que tentamos expor supra
de Sponville eacute amar e amar como Jesus amou Que seja entatildeo atraveacutes da moral
essa ilusatildeo necessaacuteria para que possamos vagarosamente caminhar a um agir
por amor conscientes que podemos estar agindo por dever O ideal seria natildeo
necessitarmos de lei alguma por que amamos
Assim entendidos que a religiatildeo ―eacute um grande drama da relaccedilatildeo do
homem com os deuses (HARARI 2017 p 221) a espiritualidade que Sponville
apresenta estaacute fundamentada na busca humana a fim de encarar o grande
drama e desespero do homem consigo mesmo Muitos mestre da espiritualidade
podem ajudar nessa busca dramaacutetica da humanidade O ateiacutesmo cristatildeo
apresenta um em especial ndash especial pelo tipo de amor que apresentou e que
revolucionou as relaccedilotildees humanas Jesus o homem pois um Deuslsquo que natildeo
tenha se diminuiacutedo para se igualar aos seus nunca poderaacute dizer que lhes trouxe
libertaccedilatildeo
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAGGINI Julian Ateiacutesmo Uma breve introduccedilatildeo Satildeo Paulo LampPM Editores 2016 BIacuteBLIA de Jerusaleacutem Nova ediccedilatildeo revisada e ampliada Satildeo Paulo Editora Paulus 2011 COMTE-SPONVILLE Andreacute Pequeno tratado das grandes virtudes Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1996 COMTE-SPONVILLE Andreacute Bom dia anguacutestia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1997 COMTE-SPONVILLE Andreacute O capitalismo eacute moral Sobre algumas coisas ridiacuteculas e as tiranias de nosso tempo Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2005 COMTE-SPONVILLE Andreacute Valor e verdade Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2008 COMTE-SPONVILLE Andreacute Apresentaccedilatildeo da filosofia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011a COMTE-SPONVILLE Andreacute Dicionaacuterio filosoacutefico 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011b COMTE-SPONVILLE Andreacute O espiacuterito do ateiacutesmo introduccedilatildeo a uma espiritualidade sem Deus 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2016 CONCHE Marcel O fundamento da moral Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2006 DURKHEIM David Eacutemile Eacutetica e sociologia da moral Satildeo Paulo Martin Claret 2016 GIBELLINI Rosino A teologia do seacuteculo XX 2ordfed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 HARARI Yuval Noah Sapiens ndash uma breve histoacuteria da humanidade 28ordf ed Porto Alegre RS LampPM 2017 MILLER ED L amp GRENZ Stanley J Teologias contemporacircneas Satildeo Paulo Vida Nova 2011 MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
Autor ndash Me Rafael de Campos
Professor de Filosofia e Sociologia no Ensino Meacutedio Professor de Teologia e Religiatildeo em Seminaacuterio Teoloacutegico Especializando em Ciecircncia Poliacutetica pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar)
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Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciado em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP) E-mail elfaracamposhotmailcom
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ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO
CORPOacuteREA EM PAULO
RESUMO
Este presente artigo tem como objetivo demonstrar o elemento inovador
que o discurso da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em Paulo traz a partir do texto de
1Coriacutentios 1535-49 onde o apoacutestolo desenvolve e argumenta seu pensamento
escatoloacutegico acerca desta temaacutetica Para trilhar esse caminho este artigo propotildee
explanar alguns pontos metodoloacutegicos relevantes para o exerciacutecio exegeacutetico
desta narrativa paulina sob o respaldo dos referenciais teoacutericos ―A ressurreiccedilatildeo
do Filho de Deus e ―Paulo Novas Perspectivas de Wright A fim de desenvolver
esse pensamento e considerar os argumentos dentro dessa nova visatildeo teoloacutegica
da temaacutetica
Palavras-Chave Discurso Paulo Ressurreiccedilatildeo Corpoacutereo 1Coriacutentios 15
ABSTRACT
This article aims to demonstrate the innovative element that the discourse
of bodily resurrection in Paul brings from the text of 1 Corinthians 1535-49 where
the apostle develops and argues his eschatological thinking on this theme To
follow this path this article proposes to explain some methodological points
relevant to the exegetical exercise of this Pauline narrative supported by the
theoretical references ―The Resurrection of the Son of God and ―Paul New
perspectives by Wright In order to develop this thinking and consider the
arguments within this new theological view of the theme
Key-Words Discourse Paul Resurrection Corporeal 1Corinthians 15
autora Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Angelaaleixo72yahoocom
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INTRODUCcedilAtildeO
Considerada como doutrina central da teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea tem sua histoacuteria narrada em diferentes porccedilotildees biacuteblicas do Novo
Testamento Nos evangelhos canocircnicos Jesus anuncia sua morte e ressurreiccedilatildeo
sobre a afirmaccedilatildeo de que este eacute o plano de Deus Pai para com a humanidade
Em especial podemos ver entretecidas na teologia cristatilde mais antiga as cartas
paulinas que registram a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus Entendemos que estas
foram escritas por volta de duas deacutecadas apoacutes a morte de Cristo denotando assim
neste periacuteodo a firme crenccedila dos cristatildeos neste evento escatoloacutegico
Sobre a crenccedila de que a ressurreiccedilatildeo em princiacutepio tinha acontecido Paulo
exorta e instrui os seguidores de Jesus a reordenar suas vidas suas narrativas
seus siacutembolos e sua praacutexis para estarem em conformidade com o segmento
desta doutrina escatoloacutegica na poacutes-morte Neste sentido podemos dizer que os
ensinamentos de Paulo se tornaram um elemento chave da tradiccedilatildeo e da teologia
cristatilde Mais do que isso nosso pressuposto eacute de que a teologia paulina nos
fornece um desenvolvimento narrativo sobre a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea
Contudo num segundo olhar a esse discurso temaacutetico podemos levantar
um questionamento Que novidade este tema tatildeo debatido pode nos apresentar
Este ensaio exegeacutetico procuraraacute mostrar que a novidade norteadora desse
discurso paulino se concentra no uacutenico eixo narrativo a da tipologia corpoacuterea que
eacute alcanccedilado na poacutes-morte com a ressurreiccedilatildeo do corpo Ou seja a aceitaccedilatildeo na
crenccedila de que haveraacute no futuro escatoloacutegico um corpo glorioso e totalmente outro
Atraveacutes de uma nova abordagem ele desenvolve seu discurso temaacutetico a partir da
narrativa de 1Coriacutentios (153549)
Para tanto Paulo parte da descriccedilatildeo dos diferentes tipos de carnes de
animais de aves de peixes do sol da lua e das estrelas num evolutivo
pensamento Tendo como cerne discursivo o enunciado de que entre os corpos
tambeacutem haacute diferentes tipologias pois sua afirmativa eacute de que assim como existe o
corpo natural tambeacutem existe o corpo espiritual Desta forma neste texto Paulo
relata analogicamente o primeiro Adatildeo (corpo natural) em relaccedilatildeo ao segundo
Adatildeo Cristo (corpo espiritual) demonstrando que nele estaacute impliacutecito a memoacuteria
narrativa de Gn 1-3 cuja ecircnfase estaacute na criaccedilatildeo
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Assim este ensaio exegeacutetico de 1Cor (15 35-49) pretende analisar o
discurso paulino acerca da ressurreiccedilatildeo do corpo e verificar como ele discorreu
essa narrativa a conflitante comunidade de Corinto A fim de desenvolvermos este
ensaio utilizaremos alguns passos do meacutetodo histoacuterico-criacutetico como orientaccedilatildeo
todavia sem nos fixarmos nesta uacutenica metodologia54 Seguiremos com a anaacutelise
das caracteriacutesticas formais da periacutecope (delimitaccedilatildeo conteuacutedo literaacuterio e gecircnero
textual) e a finalizaccedilatildeo metodoloacutegica seraacute com um breve comentaacuterio quanto
articulaccedilatildeo do discurso paulino em todo capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO
35 Mas diraacute algueacutem Como ressuscitam os mortos E com que espeacutecie de
corpo vecircm 36 Insensato Tu o que semeias natildeo eacute vivificado se primeiro natildeo
morrer 37 E o que semeias natildeo semeia o corpo que tornaraacute mas (semeia) um
gratildeo nu como de trigo ou de outros gratildeos 38 Poreacutem Deus concede por si
mesmo o corpo conforme desejar e a cada uma das sementes (Ele) concede o
corpo proacuteprio dela 39 Nem toda carne (eacute) a mesma carne mas uma eacute a carne
dos homens outra eacute a carne de gados outra a carne de peixes e outras de aves
40 E (haacute) corpos celestes e corpos terrestres mas uma (eacute) a gloacuteria dos celestes
e outra (eacute) a gloacuteria dos terrestres 41 Uma eacute a gloacuteria do sol outra eacute a gloacuteria da
lua outra a gloacuteria das estrelas pois uma estrela difere em gloacuteria de outra estrela
42 Assim tambeacutem eacute a ressurreiccedilatildeo dos mortos O eacute semeado em corruptiacutebilidade
e ressuscitado em incorruptibilidade 43 Eacute semeado em desonra ressuscitado em
gloacuteria eacute semeado em fraqueza e ressuscitado em poder 44 Eacute semeado corpo
natural eacute ressuscitado corpo espiritual pois existe o corpo natural e existe o
corpo espiritual 45 Como tambeacutem estaacute escrito O primeiro homem Adatildeo tornou-
se alma vivente o uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante 46 Entretanto natildeo eacute
primeiro o espiritual mas o natural depois disso o espiritual 47 O primeiro
homem eacute proveniente de dentro da terra terreno o segundo homem eacute
proveniente de dentro do ceacuteu celestial 48 Tal como o terrestre (feito) do poacute
tambeacutem satildeo os terrenos e tal como (aquele) que eacute celestial tambeacutem satildeo os
54
A metodologia empregada seraacute a junccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico com a metodologia de ZABATIERO Julio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
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celestiais 49 E assim como trouxemos a imagem do terrestre traremos tambeacutem
a imagem do celeste55
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS
A anaacutelise das caracteriacutesticas formais de um texto eacute uma das bases para a
anaacutelise de conteuacutedos Trata-se de uma etapa fundamental para reunirmos
informaccedilotildees a respeito de suas caracteriacutesticas literaacuterias Assim para esta anaacutelise
desenvolveremos os seguintes passos delimitaccedilatildeo coesatildeo contexto literaacuterio
estruturaccedilatildeo da periacutecope gecircnero textual
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope
A delimitaccedilatildeo de um texto eacute fundamental para estabelecermos os limites
iniciais e finais a fim de reconhecermos a mensagem do texto de fazermos o
recorte textual correto Para isso esta anaacutelise levaraacute em consideraccedilatildeo a narrativa
de 1Coriacutentios (1535-49) como uma uacutenica periacutecope cuja segmentaccedilatildeo56 estaacute em
(35-38 39-44 45-49)
Num primeiro olhar da narrativa estes trecircs segmentos contidos nesta
periacutecope pode parecer desconexos quanto ao contexto integral Contudo ao
analisarmos o texto percebemos que eles se alternam entre si Esta eacute a proposta
da Biacuteblia de Jerusaleacutem (BJ) que demonstra em sua composiccedilatildeo uma estrutura na
qual cada estrofe salienta os temas tratados Assim entendemos que a junccedilatildeo
entre estes temas conjunccedilotildees e adveacuterbios contidos no texto satildeo as marcas
linguiacutesticas que melhor nos auxilia quanto agrave observaccedilatildeo de mudanccedilas nestas
narrativas
Observando o contexto literaacuterio anterior (vv29-34) notamos a mudanccedila de
assunto e de linguagem em relaccedilatildeo agrave narrativa dos versos (35-49) Isso porque a
linguagem desta periacutecope apresenta uma espeacutecie de parecircnteses ou seja uma
breve treacutegua apoacutes uma densa e complexa argumentaccedilatildeo sobre a ressurreiccedilatildeo
55
Um proacuteximo item metodoloacutegico nesta pesquisa seria a criacutetica textual Contudo ao averiguarmos este ponto constatamos que haacute vaacuterias variantes que natildeo apresentam nenhuma alteraccedilatildeo significativa na narrativa Por isso optamos em trabalhar por Nestle Alan descartando assim o exerciacutecio analiacutetico da mesma 56
―Segmentaccedilatildeo eacute um procedimento idecircntico ao da delimitaccedilatildeo mas restrito aos limites da proacutepria periacutecope utilizada aqui como passo metodoloacutegico por ZABATIERO J In Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007 p37
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um estilo entrecortado frases curtas raacutepidas mudanccedilas de tema Entendemos
que o assunto tratado aqui por Paulo exibe um foco mais antropoloacutegico De Cristo
ele passa a falar de si e dos perigos que constantemente enfrenta ao disseminar
sua teologia (v30)
Ele comeccedila seu discurso com duas perguntas sobre o batismo pelos
mortos (v29) Ambas principiadas pela conjunccedilatildeo ―se Ἐπεὶ como reflexatildeo da
questatildeo Segue falando de uma luta com feras em Egravefeso (v32) e concluiacute com
uma advertecircncia a comunidade O de natildeo se enganarem quanto agrave verdadeira
teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo dos mortos (vv33-4) evidenciado pelo verbo ―tornai
genomai tendo como fio condutor desta periacutecope o elo entre a vida presente e a
futura
A delimitaccedilatildeo desta periacutecope eacute uma questatildeo que varia entre os
pesquisadores Vejamos a posiccedilatildeo de alguns deles quanto a isso
Ao pesquisar esta questatildeo percebemos que grande parte dos
pesquisadores corroboram com a delimitaccedilatildeo semelhante agrave de Vouga que trata
do tema ―do corpo espiritual dos ressuscitados numa uacutenica narrativa sem
subdivisotildees (vv35-4957) Jaacute um grupo menor de pesquisadores nos apresenta
uma estrutura similar entre eles mas com alguns pontos divergentes Vejamos
algumas destas estruturas
De acordo com Konings a delimitaccedilatildeo deste texto segue a seguinte
estrutura ―Na respostas as perguntas (v35) Paulo recorre a algumas
comparaccedilotildees exemplificativas (vv36-41) manteacutem o tema da semeadura (vv42-
4) e discorre sobre os dois corpos (vv 45-958) Fitzmyer vai agrave outra vertente e
delimita o texto da seguinte forma ―A fim de dar respostas (v35) Paulo faz
analogias de sementes (vv36-41) e depois faz as aplicaccedilotildees destes
ensinamentos (vv 42-959)
Jaacute Wright ao delimitar esta narrativa a divide em dois blocos ―o primeiro
nos (vv 35-41) onde Paulo discorre sobre as diferenciaccedilotildees dos corpos
(terrestres e celestes) o segundo nos (vv42-9) elabora um contraste explicativo
57
VOUGA F MARGUERRAT Daniel (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 p 238 58
KONINGS J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 pp 368-9 59
JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa)
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sobre as duas espeacutecies de corpos60 culminando nas respostas as duas
perguntas lanccediladas no iniacutecio da narrativa (v35)
A narrativa de 35-49 compotildee a periacutecope central desta pesquisa e sua
anaacutelise seguiraacute a estrutura dos segmentos mencionados acima
Primeiro segmento de 35-8 No verso 35 o foco do discurso muda Apoacutes
ter discutido com a comunidade sobre a ressurreiccedilatildeo como fato Paulo agora se
volta agrave questatildeo da modalidade Iniciando o discurso pela conjunccedilatildeo ―mas Ἀλλὰ
Paulo agora pergunta pelo ―como e pela ―mecacircnica do processo da
ressurreiccedilatildeo cuja centralidade estaacute na questatildeo do corpo Paulo demonstra reagir
com dureza a estas questotildees (v36) e argumenta utilizando a analogia do gratildeo de
trigo (vv36-8)
Segundo segmento de 39-44 A partir do verso 39 o Apoacutestolo manteacutem a
temaacutetica mas dirige agora a atenccedilatildeo para criaccedilatildeo ou seja da semente das
plantas se volta para a carne Iniciando a narrativa com o adveacuterbio ―nem (οὐ) ele
passa a discursar sobre as diferentes espeacutecies criadas por Deus como os animais
domeacutesticos os paacutessaros e os peixes
Discorre tambeacutem sobre os ―corpos terrestres caracterizado pela palavra
grega σὰρξ sarx (vv39-43) e continua a narrativa em termos antropoloacutegicos
(v44) Evidencia os diferentes tipos de carne no intuito de ilustrar a diferenccedila do
corpo da ressurreiccedilatildeo na poacutes-morte Pois para Paulo a ressurreiccedilatildeo acarretaraacute
em uma metamorfose do corpo humano
Terceiro segmento de 45-9 Nestes versos Paulo atinge seu aacutepice
discursivo acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Utilizando o adveacuterbio Πῶρ (como) ele
agora discorre sobre a tipologia do primeiro homem Adatildeo e do uacuteltimo Cristo para
tipificar a transformaccedilatildeo do corpo natural em um corpo espiritual como esperanccedila
escatoloacutegica Nesta narrativa Paulo conclui o desenvolvimento de seu discurso
apocaliacuteptico sobre ressurreiccedilatildeo do corpo a Corinto Assim com essa mesma
temaacutetica encerra-se a periacutecope no v49
O contexto literaacuterio posterior (vv50-8) tambeacutem assume uma mudanccedila de
assunto e linguagem em relaccedilatildeo agrave (vv35-59) Na forma de uma declaraccedilatildeo
enfaacutetica Τοῦηο ―Eis que Paulo agora tenta direcionar a atenccedilatildeo da comunidade
para o que se segue (v50) Confidecircncia aos coriacutentios sua convicccedilatildeo de que nem
60
WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013 pp 481-500
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todos morreratildeo antes do fim dos tempos E o que caracterizaraacute este momento
seraacute a parousia (retorno) de Cristo (v51)
O Apoacutestolo atribui a caracteriacutestica de ―rapidez a este processo de
transformaccedilatildeo do corpo ressurreto (vv52-3) Destaca que a ecircnfase central deste
paraacutegrafo estaacute na transformaccedilatildeo necessaacuteria para aqueles atualmente vivos para
que possam fazer parte do reino Segue dizendo nos versos (54-5) que a forccedila
central desta metamorfose estaacute no fato de que ―como os mortos seratildeo
ressuscitados ―incorruptiacuteveis (vv52-4) assim ―noacutes os vivos seremos
―transformados (allagesometha61) E utiliza a conjunccedilatildeo ―assim Ὥζηε ao
concluir este discurso tendo como linguagem a forma de um hino de louvor triunfal
sobre a morte (v58)
Notamos portanto que o texto de 1Coriacutentios (1535-49) estaacute bem
delimitado e literariamente conectado com as periacutecopes ao seu redor embora
seja uma uacutenica unidade de sentido Essa perspectiva literaacuteria nos auxiliaraacute a
compreender a relevacircncia dessas palavras agrave comunidade de Corinto
13 - Coesatildeo do Texto
Esta unidade de sentido delimitada na narrativa (1535-49) apresenta
repeticcedilotildees de vaacuterios termos e sinocircnimos que mantecircm coesa a periacutecope
O verso (35) inicia com a ocorrecircncia de trecircs expressotildees importantes a
ἐγείπονηαι satildeo ressuscitados o νεκποί satildeo mortos e o ποίῳ swmati com que
espeacutecie de corpo Isso se deve aos conteuacutedos decorrentes do texto salientadas
pelas expressotildees semear e ressuscitar As palavras ζπείπειρ semeias e
ἀποθάνῃ morrer descritas no verso 36 indicam natildeo significados diferentes mas
o mesmo sentido de morte Tendo como objeto comum entre elas a palavra ζῶmicroα
corpo no verso 37
Na narrativa de 38-40 as palavras ζὰπξ carne e ζῶmicroα corpo se alternam
entre si indicando tambeacutem o mesmo significado corposubstacircncia As expressotildees
ἀνάζηαζιρ ressurreiccedilatildeo e νεκπῶν mortos no verso 42 apresentam os dois
estaacutegios do corpo E nos versos 43-4 o fio condutor desta periacutecope eacute ressaltado
pelas palavras ζπείπεηαι semeado e ἐγείπεηαι ressuscitado
61
IDEM pp500-1
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A narrativa de 45-9 ressalta atraveacutes de algumas expressotildees a mesma
temaacutetica do segmento anterior (vv38-44) os dois estaacutegios corpoacutereos As
expressotildees τςσὴν alma e πνεῦmicroα espiacuterito no verso 45 τςσικόν natural e
πνεςmicroαηικόν espiritual no verso 46 e σοφκόρ terreno e οὐπανοῦ ceacuteu no verso
(47) autenticam no texto os dois estaacutegios do corpo o atual e futuro Assim
podemos dizer que de modo geral os verbos ἀποθάνῃ morrer ζπείπειρ
semear e ἐγείπεηαι ressuscitar juntamente com o substantivo ζῶmicroα corpo
perpassam toda a periacutecope O restante do texto eacute decorrente da accedilatildeo da fala ou
estaacute ligada a ela
Assim observamos que haacute coesatildeo nesta periacutecope E que seu fio condutor
estaacute na dinacircmica do semear e ressuscitar do corpo na moldura especifica de cada
estaacutegio atual e futuro da poacutes-morte Trata-se portanto de uma unidade de
sentido delimitada e coesa
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO
O contexto literaacuterio de um texto busca mostrar a forma de escrita das
cartas de Paulo bem como identificar suas composiccedilotildees e a correlaccedilatildeo interna
entre o pensamento e os escritos paulinos a fim de observar a estrutura e a
dinacircmica do texto
A carta de 1Coriacutentios segue um formato mais ou menos padratildeo ou seja
detectaacutevel na maioria das cartas do Novo Testamento Algumas cartas satildeo tatildeo
longas que podem ser consideradas como carta ensaio A carta de 1Coriacutentios 15
eacute considerada pela maioria dos pesquisadores de conteuacutedo extensa podendo ser
escritas de vaacuterias maneiras
Neste sentido Brown diz que embora natildeo demonstre a divisatildeo necessaacuteria
dos pensamentos dos escritores de modo geral ―pode-se distingui-la em quatro
partes 1) Foacutermula introdutoacuteria 2) Accedilatildeo de graccedilas 3) Corpo ou mensagem 4)
Foacutermula conclusiva62 Este estilo divisoacuterio nas cartas eram comuns no Novo
Testamento o que favorecia a leitura e interpretaccedilatildeo da mesma
Em relaccedilatildeo ao puacuteblico na qual elas se destinavam Brown diz que de toda a
coleccedilatildeo de cartas do Apoacutestolo Paulo ―somente algumas das cartas do Novo
Testamento satildeo endereccediladas a comunidades numa cidade ou cidades
62
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 pp552-3
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especiacuteficas as outras poreacutem podem ter em mente cristatildeo com uma heranccedila
particular ()63 Em contra partida Vouga entende que as cartas do Apoacutestolo
Paulo satildeo ―destinadas as respectivas comunidades previamente conhecidas por
ele a fim de responder questotildees precisas e de reagir a problemas particulares
surgidos64
Nesta questatildeo concordamos com Vouga pois Paulo contava
constantemente com o auxiacutelio de cooperadores locais para escrever suas cartas
Esta afirmaccedilatildeo eacute evidenciada na narrativa de 1Coriacutentios (11-2) ―Paulo chamado
a ser Apoacutestolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus e Soacutestenes o irmatildeo a
igreja de Deus que estaacute em Corinto aos que foram santificados no Cristo Jesus
chamados a ser santos com todos os que invocam em todo lugar o nome de
nosso Senhor Jesus Cristo Senhor deles e nossordquo Assim eram os cooperadores
que forneciam as informaccedilotildees acerca dos conflitos existentes em Corinto O que
auxiliava Paulo quanto agrave direccedilatildeo do conteuacutedo especiacutefico a ser escrito a
comunidade
Neste sentido Berger diz que ―muitas vezes trata-se de um relacionamento
em triacircngulo eu-tu-ele ou eu-voacutes-ele65 Ou seja a dinacircmica desta relaccedilatildeo
triangular permitia um contato constante entre Paulo o cooperador e a
comunidade nas questotildees a serem resolvidas Assim estas informaccedilotildees serviam
como ponto de partida para elaboraccedilatildeo das cartas paulinas
Podemos dizer que na carta de 1Coriacutentios 15 o primeiro objetivo praacutetico
natildeo se exprime por meios de imperativos ou exortaccedilotildees mas sim por meios de
explicaccedilotildees e afirmaccedilotildees acerca da ressurreiccedilatildeo dos mortos Contudo este
objetivo se encontra impliacutecito na comunicaccedilatildeo de seu discurso neste capiacutetulo E
embora toda a narrativa deste capiacutetulo nos apresente o tema da ressurreiccedilatildeo satildeo
nos versos (35-49) que o Apoacutestolo especifica esta temaacutetica ao falar do corpo
ressurreto dos mortos na poacutes-morte
Um aspecto perceptiacutevel nesta exposiccedilatildeo discursiva eacute que Paulo se dirige a
toda a Corinto e natildeo somente ao grupo de ceacuteticos que questionavam a
ressurreiccedilatildeo do corpo De acordo com DETTWILER amp KAESTLI ainda que ―Paulo
saiba que na comunidade ―alguns negam a ressurreiccedilatildeo dos mortos (v12) ele
63
IDEM p550 64
VOUGA p233 65
BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 p253
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natildeo se dirige a eles mas a ―voacutes da comunidade a fim de dissuadi-la de partilhar a
posiccedilatildeo negativa da maioria66
Ao usar o termo ―voacutes o Apoacutestolo abrange a todos seu discurso retoacuterico
deixando assim impliacutecito a ambiguidade peculiar das cartas paulinas Ou seja
nesta narrativa central ele previne toda comunidade contra essa e outras
correntes filosoacuteficas contraacuterias ao cristianismo ao mesmo tempo em que refuta
indiretamente o grupo ceacutetico existente em Corinto
Em relaccedilatildeo agrave literatura das cartas de Paulo podemos dizer que em geral
elas apresentam um contexto de ―comunicaccedilatildeo estabelecido pelo Apoacutestolo que eacute
com efeito paradoxal ()67 Na periacutecope (vv35-49) encontramos este contexto
de comunicaccedilatildeo por parte do Apoacutestolo Nele Paulo utiliza natildeo soacute o paradoxo
mas tambeacutem outras formas literaacuterias para autenticar seu discurso Vejamos agora
algumas destas formas
O texto inicia com duas perguntas cruciais que conduz toda a narrativa
Nos versos 36-41 Paulo extraiu vaacuterias analogias sobre a diversidade de sementes
e organismos a fim de responder a primeira pergunta ―Como (Πῶρ) ressuscitam
os mortos (v 35a) Colzemann diz que Paulo ―em estilo de diatribe68 solta o
novo tema apresentado pelo Como69
A palavra ἄθπυν (insensato) que precede esta pergunta denota um estilo
de discussatildeo na narrativa E ao discutir esta questatildeo Paulo ressalta a oposiccedilatildeo
ou seja a objeccedilatildeo que tinha sido realmente levantada por um grupo de ―ceacuteticos
existentes em Corinto Segundo Colzemann ―o texto nos apresenta uma resposta
tripla (1) vv 36-8 (2) vv 39-44 (3) vv 45-970 reforccedilando a proposta de nossa
estrutura de segmentos Observamos portanto que nestas narrativas a teologia
paulina da ressurreiccedilatildeo natildeo admitia a existecircncia sem um corpo Seja ela no
tempo presente com caraacuteter apocaliacuteptico ou no tempo futuro com caraacuteter
escatoloacutegico
66
DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor 67
VOUGA p233 68
De acordo com Fitzmayer 2008 p 591 diatribe eacute uma forma dialoacutegica de argumentaccedilatildeo desenvolvida por certos professores como Bion Borys Thenite (ca 325-255 aC) Teles (fl 235 cabc) Dio Crisoacutestomo de Prusa (ad 40-112 []) Musonius Rufus (ca DC 30-102) e de Epicteto Hieraacutepolis (ad-55-135) Eacute utilizada nas escolas ciacutenicas e estoacuteicas da filosofia Foi um discurso pedagoacutegico realizado em debate animado e estilo de conversaccedilatildeo familiar com um interlocutor real ou imaginaacuterio que foi salpicado com apoacutestrofo proveacuterbios perguntas retoacutericas paradoxos paroacutedias antiacuteteses e fala fictiacutecia 69
COLZEMANN 1Corinthians Printed in the United States of American 1975 p280 70
IDEM 280 (traduccedilatildeo nossa)
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Paulo a partir de agora conduz seu discurso em duas perspectivas De
aplicar as implicaccedilotildees destas instruccedilotildees para a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea dos cristatildeos
falecidos e de procurar dar uma resposta apocaliacuteptica a segunda pergunta
definida por ποίῳ δὲ ζώmicroαηι ἔπσονηαι ―Com que espeacutecie de corpo vecircm
(v35b) De acordo com Fitzmyer
―Sua resposta definitiva eacute dada no versiacuteculo 44a desta periacutecope um corpo espiritual eacute elevado e em v 44b ele argumenta a minori ad maius Eacute no entanto apresentado de uma forma mais completa quando ele menciona mais trecircs qualidades desse corpo impereciacuteveis vestida de esplendor e poderosos Assim numa seacuterie de diacutesticos paralelos (vs42b-44a) quatro qualidades do corpo ressuscitado satildeo apresentados em oposiccedilatildeo a quatro qualidades do corpo humano terrestre Quatro antiacuteteses satildeo expressas pelos verbos passivos divinos speiretai-egeiretai Considerando que o atual corpo humano eacute pereciacutevel sem honra fraco e animado (psychikon) o corpo humano da ressurreiccedilatildeo seraacute incorruptiacutevel radiante poderoso e espiritual (pneumatikon)
71
Estas palavras de Fitzmyer vecircm corroborar nossa anaacutelise Na frase
―semeado em corruptibilidade desonra fraqueza e ressuscitado em
incorruptibilidade gloacuteria poder (vv42b-4a) a forma literaacuteria diacutestica paralela
construiacuteda por Paulo ressalta seu pensamento jaacute dito sobre a morte e
ressurreiccedilatildeo do corpo
Em forma de antiacutetese ele discorre sobre as qualidades e defeitos dos
corpos terrestres τςσικόν (natural) e ressuscitados πνεςmicroαηικόν (espiritual) cuja
acentuaccedilatildeo estaacute nos verbos ζπείπεηαι (semeado) e ἐγείπεηαι (ressuscitado) E
concluiacute seu discurso nos versos (44b-9) descrevendo uma comparaccedilatildeo de
criaccedilatildeo o ―primeiro homem Adatildeo com o ―uacuteltimo Adatildeo Cristo introduzindo nele
o aspecto escatoloacutegico
Assim entendemos que a periacutecope (vv35-49) agrega diferentes formas
literaacuterias Todavia esta composiccedilatildeo de formas variadas eacute compreensiacutevel uma vez
que Paulo escrevia as cartas com o auxiacutelio e talvez ateacute com opiniotildees de seus
cooperadores que conheciam bem a comunidade Esta variedade literaacuteria
enriquece e potencializa o tema tratado por Paulo neste caso a ressurreiccedilatildeo do
corpo na poacutes-morte Vejamos agora como Paulo estrutura este discurso
apocaliacuteptico e escatoloacutegico da ressurreiccedilatildeo
71
JOSEPH p591 (traduccedilatildeo nossa) Grifo do autor
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3 ESTRUTURACcedilAtildeO DE 1CORIacuteNTIOS 1535-49
Este discurso tem sido estruturado de diversas formas pelos exegetas
Mas ao atentar para o texto podemos detectar uma estrutura mnemocircnica da
narrativa isto eacute uma forma repetitiva de expor algo As repeticcedilotildees por sua vez
consistem em desenvolver e explanar a teologia paulina acerca da ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea agrave comunidade de Corinto Portanto a opccedilatildeo deste ensaio exegeacutetico eacute de
estruturar o texto a partir dele mesmo observando a relaccedilatildeo interna entre frases e
segmentos Sendo assim vejamos como eacute descrita esta estrutura textual
A 1ordm Segmento (35-8)
a Apresenta questotildees sobre o ―como (v35a) e a mecacircnica ―espeacutecie de
(v35b)
b Oponecircncia aos ceacuteticos e afirmaccedilatildeo sobre o semearmorrer (v36)
c Explicaccedilatildeo acerca do processo de semeadura (v37)
d A concessatildeo divina dos tipos de corpos (v38)
B 2ordm Segmento (39-44)
a Menccedilatildeo da tipologia das carnes (v39)
b Comparaccedilatildeo entre os corpos terrestrescelestes (v40)
c Diferenciaccedilatildeo da gloacuteria entre os luminares (v41)
d Conclusatildeo da analogia e da tipologia de corpos (v42a)
e Semeado em corruptibilidade
Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
f Semeado em desonra
Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
g Semeado em fraqueza
Ressuscitado em poder (v43b)
h Semeado corpo natural
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Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
i Pois existe o corpo natural
E o corpo espiritual (v44b)
C 3ordm Segmento (45-9)
a Argumentaccedilatildeo teoloacutegica com base nas Escrituras (v45a)
b O primeiro homem Adatildeo tornou-se alma vivente (v45b)
c O uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante (v45c)
d A ordem existencial dos corpos (v46)
e O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a)
f O segundo homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
g Tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a)
h Tal como celestial satildeo os celestes (v48b)
i Conclusatildeo Assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a)
j Traremos tambeacutem a imagem do celeste (v49b)
O primeiro segmento dos versos (35-8) foi estruturado com uma subdivisatildeo
a fim de analisarmos com mais nitidez a articulaccedilatildeo paulina neste discurso Desta
forma temos
A primeira divisatildeo nos apresenta dados gerais da carta (v35) Nesta
narrativa observamos que ela estaacute direcionada a comunidade ou mais
precisamente aos ceacuteticos de Corinto Seu conteuacutedo discorre sobre os dois tipos
de corpos (celestesterrestres) cuja conclusatildeo (v49) responde as duas questotildees
cruciais apresentadas no iniacutecio da narrativa Assim eacute pertinente afirmar que
introduccedilatildeo e conclusatildeo estatildeo relacionadas no texto
A segunda divisatildeo se inicia com a construccedilatildeo discursiva do pensamento
paulino sobre estas questotildees (vv36-8) De forma linear Paulo comeccedila afirmando
a necessidade de semearmorrer (v36) segue explicando o processo de
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semeadura (v37) e termina este segmento argumentando que a origem dos tipos
de corpos eacute de concessatildeo divina (v38)
O segundo segmento dos versos (39-44) traz uma estrutura longa e de
dupla composiccedilatildeo
Na primeira composiccedilatildeo Paulo continua na forma linear Ele expotildee a
tipologia das carnescorpos existentes (v39) e segue o discurso numa linha
comparativa entre os dois tipos de corpos terrestrescelestes (v40) Abrange seu
pensamento ao falar e exemplificar sobre as diferenccedilas de gloacuteria entre os
luminares (v41) e termina esta composiccedilatildeo tipoloacutegica retomando a questatildeo da
analogia de corpos (v42 a) Nesta estrutura de versos podemos visualizar a
forma loacutegica e clara paulina de difundir sua teologia a comunidade sobre os dois
tipos de corpos
Na segunda composiccedilatildeo Paulo apresenta um jogo mnemocircnico ou seja
ele enfatiza as repeticcedilotildees a fim de autenticar a dinacircmica da morte e da
ressurreiccedilatildeo Alternando-as na narrativa atraveacutes dos verbos semeado ζπείπεηαι
e resuscitado ἐγείπεηαι (vv42b-44a) Nesta dinacircmica estes dois verbos satildeo
seguidos de substantivos que paralelamente destacam as oposiccedilotildees tambeacutem de
forma alternada Vejamos agora esta estrutura de outra forma para que possamos
visualizar com mais clareza os paralelos entre os verbos e seus respectivos
substantivos
Semeado em corruptibilidade Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
Semeado em desonra Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
Semeado em fraqueza Ressuscitado em poder (v43b)
Semeado corpo natural Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
Pois existe o corpo natural e o corpo espiritual (v44b)
O terceiro segmento dos versos (45-9) continua nesta estrutura mnemocircnica
paralela Entretanto o destaque desta dinacircmica narrativa abrange duas vertentes
teoloacutegicas que tem como base as Escrituras (v45a)
A primeira vertente estaacute ligada agrave ordem existencial do corpo da
ressurreiccedilatildeo caracterizado em sua narrativa pela palavra grega ππῶηορ primeiro
e ἔζσαηορ uacuteltimo Esta classificaccedilatildeo ordinaacuteria elaborada por Paulo expressa
paralelamente a relaccedilatildeo entre o primeiro homem Adatildeo alma vivente (45b) e o
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uacuteltimo Adatildeo espiacuterito vivificante (v45c) Ele continua este discurso explanando
esta questatildeo ordinaacuteria da existecircncia dos corpos (v46) destacando agora sua
origem O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a) e o segundo
homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
Jaacute a segunda vertente estaacute ligada a tipologia dos dois corpos
caracterizados pelas palavras gregas σοφκόρ terrestre e ἐποςπάνιορ celeste No
intuito de culminar seu discurso a comunidade Paulo entatildeo faz uso das
expressotildees comparativas tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a) e tal como
celestial satildeo os celestes (v48b) para autenticar essa diferenccedila Desta forma
utilizando estas expressotildees comparativas ele concluiacute seu raciociacutenio teoloacutegico
dizendo assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a) traremos tambeacutem
a imagem do celeste (v49b)
Portanto podemos dizer que tanto a introduccedilatildeo como a conclusatildeo se
repetem no termo desta carta cuja literatura estiliacutestica apresenta formas diacutesticas
paralelas repeticcedilotildees oposiccedilotildees discussotildees antiacuteteses e escatologia formando
assim a moldura do nosso texto
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO
As cartas do Novo Testamento de modo especial as paulinas
destinavam-se agrave leitura em voz alta com o alvo de convencer
―Consequentemente tal como discursos elas podem ser consideradas retoacutericas
no que diz respeito agrave autoridade do escritor agrave qualidade do escrito e ao efeito
desejado sobre o puacuteblico72 Ao escrever para os coriacutentios Paulo assevera que se
sua carta natildeo for recebida iraacute e falaraacute pessoalmente com a comunidade
(2Cor131-5) De acordo com Brown
Argumentaccedilatildeo demonstrativa ou epidiacutetica como os discursos feitos em celebraccedilotildees puacuteblicas destinam-se a agradar ou inspirar as pessoas reafirmando crenccedilas e valores comuns e angariando o apoio para as empreitadas do momento Paulo muitas vezes escreve para encorajar seus convertidos louvando-lhes a feacute e a observacircncia A guisa de aplicaccedilatildeo C B Puskas Jr (The Letters of Paul an introduction [As Cartas de Paulo uma introduccedilatildeo] Collegeville Liturical 1993 pp 37-38 59-61 76-77) classifica Gaacutelatas 1Coriacutentios e Romanos como retoacutericas
72
BROWN p552
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judicial deliberativa demonstrativa respectivamente e oferece paralelos greco-romanos para cada um
73
Contudo aconselha-se prudecircncia nas tentativas de detectar modelos
retoacutericos sofisticados Neste sentido uma hipoacutetese pode ser considerada a de
que as diferentes formas de argumentaccedilatildeo podem ter sido simplesmente
respostas inconscientes ao que devia ser feito
―argumentativa ou exortativa (semelhante agrave retoacuterica forense e deliberativa) algumas passagens dos escritos de Paulo podem ser influenciados pela rib ou riv (um ato lituacutergico contratual no qual Deus leva seu povo ao tribunal Is 313-5 Mq 61ss) e natildeo (apenas) pela retoacuterica greco-romana O reconhecimento de exageraccedilotildees emotivas de arroubos de eloquecircncia de argumentaccedilatildeo bem ordenada etc eacute significativo para determinaccedilatildeo daquilo que realmente eacute dito Tal reconhecimento poreacutem pode ser obtido sem o conhecimento das regras formais da retoacuterica antiga Assim nem sempre fica claro ateacute que ponto as discussotildees a respeito da classificaccedilatildeo retoacuterica exata satildeo importantes para a interpretaccedilatildeo
74
Na narrativa (vv35-49) Paulo utiliza duas perguntas retoacutericas para discorrer
o assunto Esta forma literaacuteria eacute frequentemente usada por ele em suas cartas por
levantar pontosquestotildees a serem explanadas e argumentadas Podendo ateacute
expressar ―suas exasperaccedilotildees com a situaccedilatildeo a qual ele se refere como em
1Coriacutentios (15 29 30 32 3575)
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15
Observando a carta de 1Coriacutentios podemos dizer que o capiacutetulo 15 natildeo
consiste num tratamento isolado do assunto e natildeo eacute simplesmente o uacuteltimo
toacutepico de uma longa lista Pelo contraacuterio as referecircncias regulares agrave ressurreiccedilatildeo e
ideias cognatas ao longo da carta sugerem com veemecircncia que ―Paulo
considerava esse toacutepico uma das chaves para tudo o mais que queria dizer e
deliberadamente guardou o assunto para o final natildeo porque fosse o fim nesse
sentido mas porque a ressurreiccedilatildeo era o tema unificador desta carta particular76
Entretanto para que seu trabalho de discussatildeo seja eficaz ―Paulo elabora
em 1Coriacutentios 15 uma profunda reflexatildeo centrada na indissoluacutevel conexatildeo entre a
73
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 p552-3 74
IDEM p553 75
JOSEPH p66 (traduccedilatildeo nossa) 76
IDEM p398
135
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ressurreiccedilatildeo passada de Cristo dado elementar da feacute cristatilde e a ressurreiccedilatildeo dos
que estatildeo em Cristo77 Nesta interpretaccedilatildeo Paulo discorre sobre o Cristo que
ressuscitou dos mortos tornando-se a primiacutecia dos que morreram
Com efeito visto que a morte vem por meio de um homem eacute tambeacutem por
meio de um homem que vem a ressurreiccedilatildeo dos mortos Ou seja como todos
morrem em Adatildeo em Cristo todos receberatildeo a vida mas cada um em sua ordem
Primeiro o Cristo depois aqueles que pertencem de Cristo
Em seguida Paulo diz que viraacute o fim Quando ele entregar a realeza a
Deus Pai depois de ter destruiacutedo toda dominaccedilatildeo toda autoridade e todo poder
1Coriacutentios (1520-478) Ele declara nos versos (23b-28) que a vida de todos os
crentes caminham em direccedilatildeo agrave consumaccedilatildeo da morte e da vida na poacutes-morte79
Contudo em seu discurso apocaliacuteptico ele compartilha com Corinto o que chama
de um ―misteacuterio microςζηήπιον mysterion (v51) ressaltando que embora o fim seja
iminente nem todos morreratildeo antes da parousia de Cristo
No intuito de avanccedilar seus interesses frente agrave comunidade Paulo entatildeo se
transforma num dispositivo retoacuterico cujo levantamento de questotildees incluiu toda
Corinto Ele utiliza-se de consultas a seu interlocutor para refletir sobre dois
pontos importantes de sua teologia A continuidade entre a vida presente e a
futura em Cristo e a mudanccedila que teraacute lugar entre o presente e o futuro pois
estas duas questotildees estatildeo interligadas E a forma como ele o faz eacute muito peculiar
De posse dos questionamentos que permeavam a comunidade sobre a
ressurreiccedilatildeo dos mortos e a fim de evitar conflitos diretos com os mesmos Paulo
em sua narrativa (vv35-49) personifica o inquisidor Essa personificaccedilatildeo permite
a comunidade uma identificaccedilatildeo com as perguntas levantadas ao mesmo tempo
em que daacute a ela alguma liberdade para ser abrasiva com o inquisidor fictiacutecio sem
necessariamente vecirc-lo como tal que dirigi um ataque contra eles
Em outras palavras a comunidade pode identificar-se livremente com as
perguntas e Paulo ao atacar o interlocutor atraveacutes dos questionamentos
manteacutem-se distante do calor do ataque Uma estrateacutegia que aparentemente deu
certo
77
DETTWILER A KAESTLI JD MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Ediccedilotildees Loyola Satildeo Paulo 2011 p 93 78
IDEM p93 79
Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa)
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A primeira pergunta da pessoa fictiacutecia ―Como ressuscitam os mortos
(v35a) pode ser de interesse para Corinto mas nunca eacute respondida por si soacute
Isso porque uma vez que Paulo conjurou essa pessoa fictiacutecia em seu discurso ele
eacute livre para administraacute-lo como quiser Ou seja pode dizer o que quiser ou
simplesmente ignorar o que ele diz ―O que importa para Paulo eacute a atenccedilatildeo dos
ouvintes que mediante este procedimento discursivo eacute garantido80 A segunda
pergunta ―com que espeacutecie de corpo vem (v35b) faz referecircncia ao corpo
tornando-se assim a partir de agora o foco das reflexotildees de Paulo neste capiacutetulo
15 de 1Coriacutentios
Seguindo a narrativa (v36) o Apoacutestolo repreende a pergunta chamando a
pessoa fictiacutecia de ―insensato Inicialmente natildeo fica claro para o leitorreceptor
desta carta se a pessoa fictiacutecia eacute caracterizada insensata pela primeira ou
segunda pergunta Contudo essa ambiguidade eacute esclarecida quando Paulo
abandona a primeira pergunta e centra-se na elaboraccedilatildeo de seu argumento na
segunda pergunta as diferenccedilas de corpos Sem duacutevidas este passa a ser um
ponto importante no discurso da ressurreiccedilatildeo paulina a ser elaborada
A fim de discorrer seu discurso com clareza Paulo se utiliza das analogias
mais baacutesicas e dos fenocircmenos observaacuteveis disponiacuteveis para a experiecircncia de
cada ser humano Por isso ele elabora um raciociacutenio que envolve de forma geral
a natureza cuja classificaccedilatildeo seraacute abordada em dois pontos principais
O primeiro ponto eacute o entendimento de que o que se planta eacute e natildeo eacute o que
cresce Exemplificando esta afirmaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que se plantarmos uma
semente de nabo podemos natildeo ter um rabanete Embora o que se colhe eacute
realmente muito diferente da semente plantada o pensamento ainda eacute o rabanete
Em outras palavras Paulo estaacute dizendo que o corpo natural hoje seraacute o corpo
espiritual da ressurreiccedilatildeo poreacutem diferente pois transformaccedilatildeo que ocorreraacute nele
o faraacute totalmente outro
Nesta linha condutora de raciociacutenio Paulo afirma que assim eacute com a
ressurreiccedilatildeo dos mortos (v42) reprisando a imagem de semeadura relatada nos
(vv36-7) Desta forma o Apoacutestolo ressalta as distinccedilotildees entre o que se semeia e
o que eacute colhido ou seja natildeo nega o que haacute (sementecorpo) mas ao mesmo
tempo sua retoacuterica demonstra uma continuidade fundamental e metamorfoseada
na ressurreiccedilatildeo
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Ainda utilizando a natureza para confirmar sua teologia discursiva em
Corinto Paulo agora lanccedila matildeo de outros elementos naturais Ele agora engloba
os astros em sua argumentaccedilatildeo afirmando que o mesmo acontece com a gloacuteria
da lua do sol e das estrelas Poreacutem destaca que ateacute entre elas existe diferenccedila
de gloacuteria Ou seja ele demonstra mais uma vez atraveacutes das analogias a
distinccedilatildeo existente na diversidade dos astros para simbolizar a distinccedilatildeo existente
na diversidade dos corpos
O segundo ponto eacute a afirmaccedilatildeo de que ―junto a esta clareza e
confiabilidade tambeacutem haacute misteacuterio e mudanccedila81 Partindo do pressuposto de que
se haacute corpo natural tambeacutem haacute corpo espiritual o Apoacutestolo aplica exemplos que
lhe permitem falar juntamente destes trecircs elementos continuidade diversidade e
transformaccedilatildeo
Por isso descreve os diferentes tipos de corpos e de carnes delegando
esses tipos a pessoas animais domeacutesticos e aves Desta forma ele culmina seu
discurso agrave comunidade autenticando estes elementos quanto aos corpos
terrestres e celestes contudo a transformaccedilatildeo eacute realccedilada por ele em seu
discurso
Para Paulo a continuidade entre o agora e ainda natildeo expressa a dinacircmica
do corpo ou seja os corpos que estatildeo plantados na terra satildeo os mesmos que
seratildeo levantados no ceacuteu Assim ele os leva agrave imagem do homem da terra e
certamente a imagem do homem do ceacuteu em seu discurso Um dado interessante
nesta perspectiva paulina eacute que tanto a ―continuidade como a descontinuidade
satildeo normalmente utilizadas por Paulo em outros lugares como categorias
frequentes de tempo agora e ainda natildeo82 Mas no capiacutetulo de 1Coriacutentios 15 o
uso eacute pela ordem primeiro e uacuteltimo e semeado e ressuscitado ou seja ambas
accedilotildees representam a vida presente de crer e sua vida futura de ser
A fim de concluir este discurso Paulo esclarece que a carne e o sangue
isto eacute os seres humanos que vivem neste mundo natildeo poderatildeo ter acesso ao
reino de Cristo sem esta radical transformaccedilatildeo (vv51-7) Ele destaca esta
importante reivindicaccedilatildeo mas todos seremos transformados no verso (51) e
enfaticamente a reafirma no verso (52) Assim todos os crentes devem ser
81
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transformados pois natildeo haacute nenhum ser que possa adentrar a vida pronunciada
por Paulo na poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo sem esta metamorfose corpoacuterea
Paulo finda este capiacutetulo com uma oraccedilatildeo de graccedilas a Deus que nos daacute a
vitoacuteria sobre a morte E o relato em seu discurso do toque da trombeta (v52) por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo nos remete a um eco da citaccedilatildeo do capiacutetulo
25 de Isaiacuteas (v8) e de 1Coriacutentios 15(v54) O particiacutepio presente τῷ διδόντι (a
didonti) ―aponta para a accedilatildeo atual e contiacutenua de Deus em trazer e dar aos crentes
a vitoacuteria83
A afirmaccedilatildeo de Paulo eacute de que o processo que estaacute em curso com a morte
de Cristo culminaraacute com a redenccedilatildeo de toda a criaccedilatildeo os crentes Entretanto
como parte desta nova criaccedilatildeo os crentes jaacute desfrutam dos benefiacutecios da
atividade redentora e criadora de Deus
Portanto neste capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios Paulo articula o tema da
ressurreiccedilatildeo corpoacuterea de forma analoacutegica e metafoacuterica com intuito de enredar a
comunidade em seu raciociacutenio loacutegico atraveacutes de elementos da natureza Para
conduzir com clareza o entendimento comunitaacuterio sobre sua afirmaccedilatildeo teoloacutegica e
escatoloacutegica de que ―na ressurreiccedilatildeo dos mortos o corpo que temos hoje seraacute
transformado num totalmente outro
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS
Em suma podemos dizer que em nosso texto (vv35-49) Paulo descreve a
ressurreiccedilatildeo dos mortos em dois estaacutegios ―(primeiro o Messias depois seu povo
quando ele voltar) Quanto ao modo da descontinuidade (concentrado na
distinccedilatildeo entre corrupccedilatildeo e incorrupccedilatildeo e nos dois tipos de humanidade com o
Espiacuterito como o agente da humanidade)84
Neste sentido podemos entender que sua teologia nos convida a enveredar
por uma nova e desafiadora perspectiva acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Pois
nela Paulo demonstra sua crenccedila de que o corpo de Jesus foi transformado num
ato de nova criaccedilatildeo mediante o qual ele natildeo eacute mais corruptiacutevel Onde mediante
Cristo seus adeptos consequentemente teratildeo tambeacutem um corpo incorruptiacutevel na
poacutes-morte
83
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Assim este artigo procurou averiguar e demonstrar atraveacutes deste ensaio
exegeacutetico o pensamento paulino acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em 1Corintios
15 Onde atraveacutes de uma narrativa analoacutegica Paulo discorreu sobre as tipologias
das carnes para explicar os dois tipos de corpos natural e espiritual Estendendo
esta tipologia para a poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo
Vale ressaltar que essa temaacutetica apocaliacuteptica e escatoloacutegica paulina para
muitos traduz um verdadeiro labirinto cujas informaccedilotildees lhes parecem
fragmentadas Gerando assim certo grau de dificuldade e levado muitos a
pesquisarem outras perspectivas deste complexo assunto Daiacute as diversas
pesquisas que embora nos pareccedilam saturadas ainda proporcionam um vasto
campo a ser desbravado pela ciecircncia
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALAND Nestle Novum Testamentum Graece 27ordf ediccedilatildeo Stuttgart Deutsche Bibelgesellschaft 2001 BERGER Klaus As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 BROWN Raymond A Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 COLZEMANN Hans 1Corinthians Printed in the United States of American Fortress Press 1975 DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor FITZMYER J A First Corinthians A new translation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa) JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa) KONINGS J J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 VOUGA F MARGUERRAT D (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013
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ZABATIERO Juacutelio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
Autora ndash Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Licenciando em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciada em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP)
E-mailAngelaaleixo72yahoocom
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FATEJ - Faculdade de Tecnologia Jardim
FADISA - Faculdade de Direito Santo Andreacute
REVISTA
CIENTIacuteFICA
GAMALIEL
Vol1 | Nordm 2 | JaneiroJulho - Ano 2020
SANTO ANDREacute ndash SAtildeO PAULO BRASIL
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CORPO EDITORIAL
Direccedilatildeo Cientifica Intelectual Reitora Dra Arleide Braga
Doutora pela PUC | SP
Poacutes Doutora em Direito Constitucional pela Universitaacute degli Studi di Messina ndash Itaacutelia
Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino ndash UMSA ndash Bs
As | ARG
Mestrada em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos | SP ndash UNIMES
Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito Previdenciaacuterio e Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho | RJ
Graduaccedilatildeo em Letras (Licenciatura) pelo Centro Universitaacuterio de Santo Andreacute | SP
Presidente da Comissatildeo de Direito Previdenciaacuterio da OAB ndash Santo Andreacute | SP ndash Triecircnio 20162018
Diretora Estrateacutegica Dra Karina Costa Braga
Mestranda em Direito - PUC | SP
Diretora Institucional da Faculdade de Tecnologia Jardim ndash FATEJ e da Faculdade de Direito Santo
Andreacute ndash FADISA em Santo Andreacute | SP
Diretora e Procuradora Dra Karen Costa Braga
Mestre em Direito - PUC | SP
Procuradora Institucional Coordenadora Administrativa do Departamento de Poacutes-Graduaccedilatildeo da
Faculdade de Tecnologia Jardim e da Faculdade de Direito Santo Andreacute ndash FADISA em Santo Andreacute |
SP
Editor Responsaacutevel
Me Marcelo Alves Dantas
PEIODICIDADE DA PUBLICACcedilAtildeO
Semestral
CAPA
Marcos Camilo Santana
IDIOMAS Aceitos artigos escritos em portuguecircs espanhol e inglecircs
AUTOR CORPORATIVO
FATEJ - Faculdade de Tecnologia Jardim
FADISA - Faculdade de Direito Santo Andreacute
Campus I - R Almirante Protoacutegenes 44 - B Jardim - Santo Andreacute - SP CEP 09090-760
(11) 4436-6489 | (11) 4992-3822
(11) 95238-4306 | (11) 99891-4846
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SUMAacuteRIO
ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM 6
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA 7
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA 9
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 17
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 19
ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA 20
INTRODUCcedilAtildeO 20
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL 21
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO 24
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 32
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 32
A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO 34
INTRODUCcedilAtildeO 35
1 JOAtildeO CALVINO 35
2 A REFORMA EM GENEBRA 37
21 - Aspectos Poliacuteticos 37
22 - Aspectos Econocircmicos 41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 46
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 46
A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A
RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA 48
INTRODUCcedilAtildeO 49
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO 49
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento 49
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento 52
121 Emanuel Imanuel (menino) 53
122 Melquisedeque 54
123 Filho de Davi 55
2 MESSIANISMO E MESSIAS 56
21 - Messias e Davi 56
22 Jesus - O Messias 59
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA 62
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 66
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 67
RESENHA - ―O UNIVERSO AO LADO - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O
ESTUDANTE DE TEOLOGIA 69
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BIOGRAFIA 70
INTRODUCcedilAtildeO 71
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO 72
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO
CRISTAtildeO 75
2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO 78
3 NATURALISMO 79
4 NIILISMO 81
5 EXISTENCIALISMO 82
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL 85
7 A NOVA ERA 88
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO 90
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92
REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA 94
PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO 95
UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO 95
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO 97
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO 99
21 - O que ―acredita o ateiacutesmo cristatildeo 101
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ―morte do Deus via teologia cristatilde 104
23 - Uma resposta possiacutevel 106
3 QUE MORALIDADE 107
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-Sponville 110
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor 113
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 117
ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO CORPOacuteREA
EM PAULO 118
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO 121
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS 122
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope 122
13 - Coesatildeo do Texto 125
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO 126
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO 133
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15 134
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 139
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ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM
Eacute preciso sentir a necessidade da experiecircncia da observaccedilatildeo ou
seja a necessidade de sair de noacutes proacuteprios para aceder agrave escola das
coisas se as queremos conhecer e compreender
Eacutemile Durkheim
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apontar alguns aspectos da Sociologia
da Religiatildeo de Eacutemile Durkheim Um dos principais nomes da chamada ―sociologia
claacutessica Durkheim foi um dos pioneiros no estudo socioloacutegico da religiatildeo
considerando as praacuteticas e instituiccedilotildees religiosas como um dos principais fatos
sociais que norteiam a vida em sociedade aleacutem de ter um importante papel na
formaccedilatildeo das consciecircncias individuais em uma coletividade Embora a
contemporaneidade seja marcada por um individualismo hedonista possivelmente
ineacutedito na histoacuteria da humanidade e pela hegemonia no campo da academia de um
poacutes-modernismo identitaacuterio avesso agrave ideia de coletividades mais tradicionais
abrangentes e universais as perspectivas que Durkheim propocircs nas primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX ainda podem ser uacuteteis para analisar a relaccedilatildeo das diversas
instituiccedilotildees e praacuteticas religiosas com a sociedade principalmente no Brasil onde as
igrejas evangeacutelicas comeccedilam a ter uma forte influecircncia moral no paiacutes
Palavras Chaves ndash Sociologia Religiatildeo Instituiccedilotildees Moral
ABSTRACT
This article aims to point out some aspects of the Sociology of Religion by
Eacutemile Durkheim One of the main names of the so-called ―classical sociology
Durkheim was one of the pioneers in the sociological study of religion considering
religious practices and institutions as one of the main social facts that guide life in
society as well as playing an important role in the formation of women individual
consciences in a collectivity Although contemporaneity is marked by a hedonistic
individualism possibly unheard of in human history and by the hegemony in the field
autor Prof Dr Mauricio Tintori Piqueira
tintoriledyahoocombr
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of academia of an identity postmodernism averse to the idea of more traditional
comprehensive and universal collectivities the perspectives that Durkheim proposed
in the early decades The twentieth century can still be useful for analyzing the
relationship of various religious institutions and practices with society especially in
Brazil where evangelical churches are beginning to have a strong moral influence in
the country
Keywords - Sociology Religion Institutions Moral
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA
O socioacutelogo francecircs Eacutemile Durkheim (1858-1917) compotildee ao lado dos
alematildees Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920) os autores claacutessicos da
Sociologia Entretanto cabe destacar que Durkheim foi o responsaacutevel por introduzir
a disciplina nas universidades francesas ao fundar a caacutetedra de Sociologia na
Universidade de Bordeacuteus em 1887 dando a ela um caraacuteter acadecircmico-cientiacutefico
Filho de uma famiacutelia de rabinos e portanto de origem judaica formou-se em
Filosofia na Escola Normal Superior de Paris em 1882 Jaacute nessa eacutepoca interessava-
se por Sociologia ateacute entatildeo uma disciplina do conhecimento relacionada agrave filosofia
positivista de Augusto Comte (1798-1857) que entre outras caracteriacutesticas
propunha um estudo cientiacutefico da sociedade atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos mesmos
meacutetodos de pesquisa e anaacutelise utilizados pelas Ciecircncias Exatas e Bioloacutegicas com o
intuito de identificar as ―leis gerais que norteariam a vida social
O meacutetodo socioloacutegico de Durkheim conhecido como Funcionalismo propotildee a
anaacutelise da sociedade de forma similar a de um organismo vivo Em outras palavras
a sociedade seria formada por diversos oacutergatildeos interdependentes entre si de cujo
bom funcionamento dependeria a sobrevivecircncia do corpo social Dessa forma o
socioacutelogo francecircs considera necessaacuteria a preservaccedilatildeo da coesatildeo social ou seja o
consenso entre os diversos grupos que compotildee a sociedade em torno de um ideal
que nas sociedades modernas seria o progresso cientiacutefico e industrial
proporcionado atraveacutes da hegemonia do pensamento loacutegico-racional Neste aspecto
Durkheim eacute um herdeiro da filosofia iluminista do seacuteculo XVIII e de sua inabalaacutevel feacute
na ciecircncia como caminho de superaccedilatildeo das miseacuterias humanas crenccedila que
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atualmente eacute alvo de criacuteticas no mundo acadecircmico devido ao constante uso da
proacutepria ciecircncia para fins beacutelicos voltados para a destruiccedilatildeo em massa
Outro aspecto importante da sociologia funcionalista de Durkheim eacute o
conceito de fato social considerado pelo socioacutelogo francecircs como o objeto de estudo
da Sociologia Segundo o autor fatos sociais correspondem a ―maneiras de agir
pensar e sentir exteriores ao indiviacuteduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude
do qual se lhe impotildeem () (DURKHEIM 1978 p88) Em outras palavras os fatos
sociais satildeo as estruturas cuja existecircncia independe da vontade do individuo
exercendo nele uma influecircncia coercitiva na maioria das vezes indireta que o induz
a adotar determinados padrotildees de comportamento com o intuito de portar-se
adequadamente na coletividade Assim o fato social tem uma enorme influecircncia na
formaccedilatildeo da consciecircncia individual e embora Durkheim reconheccedila que cada
indiviacuteduo pode escolher os comportamentos e atitudes que adota em sua vida
cotidiana estes satildeo moldados a partir do que estaacute posto concretamente na
sociedade e as consequecircncias de seguir ou natildeo determinados padrotildees satildeo
decorrentes das relaccedilotildees sociais
Ao comentar a obra de Eacutemile Durkheim o socioacutelogo Joseacute Arthur Giannoti
(1978 pp VII e VIII) destacou que para a Sociologia tornar-se uma ciecircncia era
necessaacuterio ―utilizar uma metodologia cientiacutefica investigando leis natildeo generalidades
abstratas e sim expressotildees precisas de relaccedilotildees descobertas entre os diversos
grupos sociais Entretanto eacute importante ressaltar que Durkheim considerava que o
fato social natildeo eacute apenas algo relacionado agrave vida material pois compreende que a
sociedade eacute ―um conjunto e ideais constantemente alimentados pelos homens que
fazem parte dela (GIANNOTI 1978 p VIII) Assim natildeo eacute por acaso que outro
conceito importante da teoria funcionalista eacute o de ―consciecircncia coletiva Ainda
segundo Giannoti (idem ibidem) o conceito de consciecircncia coletiva na obra de
Durkheim pode ser compreendida
() o sistema de representaccedilotildees coletivas em uma determinada sociedade Representaccedilotildees coletivas seriam por exemplo a linguagem ou um grupo de praacuteticas de trabalho encontradas em certa sociedade Tais representaccedilotildees coletivas constituiriam fatos de natureza especiacutefica e diferentes dos fenocircmenos psicoloacutegicos individuais () As representaccedilotildees coletivas desdobram-se nos aspectos intelectual e emocional e eacute possiacutevel determinaacute-las de maneira direta e natildeo apenas atraveacutes dos pensamentos e emoccedilotildees individuais O meacutetodo para conhecimento direto das representaccedilotildees coletivas utilizaria o exame das expressotildees permanentes dessas
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representaccedilotildees como por exemplo os sistemas juriacutedico e as obras de arte ()
Cabe ressaltar que se partirmos da metodologia funcionalista proposta por
Durkheim a religiatildeo pode ser considerada tanto um fato social pois corresponde agraves
formas de agir e pensar exteriores ao indiviacuteduo (isto eacute existe independente da sua
vontade) e tem um forte poder coercitivo sobre o indiviacuteduos que integram um
determinado grupo social como tambeacutem um componente da consciecircncia coletiva
pois ela eacute composta por um sistema de representaccedilotildees coletivas compartilhados
pelos indiviacuteduos que integram uma coletividade Natildeo por caso a religiatildeo foi um dos
principais objetos de estudo de Durkheim sendo considerado por muitos socioacutelogos
como o pioneiro nos estudos socioloacutegicos sobre a religiatildeo aacuterea conhecida como
Sociologia da Religiatildeo Neste artigo seraacute abordado importantes aspectos destes
estudos e sua importacircncia para a compreensatildeo natildeo apenas da Teologia mas
tambeacutem do papel da religiatildeo na sociedade contemporacircnea
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA
As principais consideraccedilotildees de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a sociedade estatildeo na obra As Formas Elementares da Vida Religiosa
publicada originalmente em 1912 Na introduccedilatildeo o autor justifica a escolha de
analisar praacuteticas religiosas animistas de tribos aboriacutegenes da Austraacutelia para a partir
desta identificar os aspectos gerais e universais das religiotildees como um todo e mais
precisamente ter subsiacutedios metodoloacutegicos para compreender o papel da Religiatildeo na
sociedade contemporacircnea Segundo Durkheim (1978 p205)
A Sociologia coloca-se problemas diferentes da Histoacuteria ou d Etnografia Ela natildeo procura conhecer as formas caducas da civilizaccedilatildeo com o uacutenico fim de conhececirc-las e reconstituiacute-las Mas com toda ciecircncia positiva antes de tudo El tem por objeto explicar uma realidade atual proacutexima de noacutes e capaz por conseguinte de afetar nossas ideacuteias e nossos atos esta realidade eacute o homem e mais especialmente o homem de hoje pois natildeo existe outro que estejamos mais interessados em conhecer bem Portanto natildeo estudaremos a religiatildeo mais antiga objeto de nossa pesquisa pelo uacutenico prazer de relatar coisas bizarras e singularidades Se noacutes a tomamos como objeto de nossa investigaccedilatildeo eacute porque ela nos pareceu mais apta do que qualquer outra para fazer compreender a natureza religiosa do homem isto eacute para nos revelar um aspecto essencial e permanente da humanidade
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Mais adiante Durkheim ressalta que um dos papeacuteis importantes da religiatildeo
na sociedade eacute buscar atender a alguma necessidade real do ser humano sendo
um erro considerar suas expressotildees ilusoacuterias ou falsas
Natildeo precisamos examinar aqui se existem realmente investigadores () que fizeram da Histoacuteria e da Etnografia religiosa uma maacutequina de guerra contra a Religiatildeo De qualquer maneira natildeo poderia ser este o ponto de vista de um socioacutelogo Com efeito eacute um postulado essencial da Sociologia que uma instituiccedilatildeo humana natildeo poderia repousar sobre o erro e sobre a mentira sem o que ela natildeo poderia durar Se ela natildeo estivesse fundada na natureza das coisas ela teria encontrado resistecircncia nas coisas contra a qual natildeo poderia triunfar Portanto quando abordamos o estudo das religiotildees primitivas o fazemos com a seguranccedila do que elas se apoiam no real e o exprimem () (DURKHEIM 1978 p206)
Neste ponto o socioacutelogo francecircs discorre a importacircncia de analisar as
diversas formas religiosas como um sistema de representaccedilotildees coletivas Desta
forma Durkheim ressalta que
() no fundo natildeo existem religiotildees falsas Agrave sua maneira todas satildeo verdadeiras todas respondem mesmo que de diferentes formas a condiccedilotildees dadas da existecircncia humana Sem duacutevida eacute possiacutevel dispocirc-las segundo uma ordem hieraacuterquica Umas podem ser ditas superiores agraves outras no sentido em que ela potildeem em jogo funccedilotildees mentais mais elevadas satildeo mais ricas em ideacuteias e sentimentos nelas figuram mais conceitos menos sensaccedilotildees e imagens sua sistematizaccedilatildeo mais engenhosa Mas por mais reais que sejam esta maior complexidade e esta mais alta idealidade elas natildeo satildeo suficientes para classificar as religiotildees correspondentes em gecircneros separados Todas satildeo igualmente religiotildees assim como todos os seres vivos satildeo igualmente vivos desde os mais humildes plastiacutedios ateacute o homem Portanto se nos dirigimos agraves religiotildees primitivas natildeo eacute com a segunda intenccedilatildeo de depreciar a religiatildeo em geral pois aquelas religiotildees natildeo satildeo menos respeitaacuteveis que as outras Elas respondem agraves mesmas necessidades desempenham o mesmo papel dependem das mesmas causas portanto elas podem servir para manifestar igualmente bem a natureza da vida religiosa () (DURKHEIM 1978 p206)
Em outras palavras apesar de reconhecer a existecircncia de religiotildees cujas
representaccedilotildees satildeo mais complexas do que outras possibilitando uma
hierarquizaccedilatildeo neste aspecto Durkheim enfatiza que haacute aspectos gerais presentes
em todas as religiotildees permitindo ao socioacutelogo ou ao pesquisador da Sociologia da
Religiatildeo identificar e analisar estes em sistemas simboacutelicos mais simples como foi o
caso do objeto de estudo de As Formas Elementares da Vida Religiosa no caso a
religiatildeo animista dos aboriacutegenes australianos como jaacute destacamos anteriormente
Nesta perspectiva o autor sugere tambeacutem uma abordagem histoacuterica das religiotildees
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com o objetivo de compreender o seu desenvolvimento no decorrer da Histoacuteria cuja
concepccedilatildeo eacute evolucionista fiel agrave perspectiva positivista marcada pelo evolucionismo
progressista Nas palavras de Durkheim (1978 p207)
() todas as vezes que se empreende explicar uma coisa humana tomada em um momento determinado no tempo ndash quer se trate de uma crenccedila religiosa de uma regra moral quer de um preceito juriacutedico de uma teacutecnica esteacutetica de um regime econocircmico ndash eacute preciso comeccedilar por retroceder ateacute a sua forma mais primitiva e mais simples procurar dar conta dos caracteres pelos quais ela se define neste periacuteodo de sua existecircncia depois mostrar como ela se desenvolveu e se complicou pouco a pouco como ela se tornou o que eacute no momento considerado Ora concebe-se facilmente de que importacircncia eacute para esta seacuterie de explicaccedilotildees progressistas a determinaccedilatildeo do ponto de partida ao qual estatildeo subordinadas Era um princiacutepio cartesiano que na cadeia das verdades cientiacuteficas o primeiro elo desempenha um papel preponderante Certamente natildeo poderia ser o caso de colocar na base da ciecircncia das religiotildees uma noccedilatildeo elaborada agrave maneira cartesiana isto eacute um conceito loacutegico um puro possiacutevel construiacutedo apenas pelas forccedilas do espiacuterito O que precisamos encontrar eacute uma realidade concreta que unicamente a observaccedilatildeo histoacuterica pode nos revelar ()
Mas quais seriam os aspectos gerais comum a todas as religiotildees que
permitem classificar-las no mesmo gecircnero de representaccedilotildees coletivas Durkheim
elenca da seguinte maneira algumas hipoacuteteses visando responder a tal
problematizaccedilatildeo
() todas as religiotildees satildeo comparaacuteveis porque elas satildeo todas espeacutecies do mesmo gecircnero existem necessariamente elementos essenciais que lhes satildeo comuns () Na base de todos os sistemas de crenccedilas e de todos os cultos deve necessariamente haver um certo nuacutemero de representaccedilotildees fundamentais e de atitudes rituais que malgrado a diversidade das formas que umas e outras puderam revestir em todas as partes tecircm a mesma significaccedilatildeo objetiva e em todas as partes preenchem as mesmas funccedilotildees Satildeo estes elementos permanentes que constituem o que haacute de eterno e de humano na religiatildeo eles satildeo todo o conteuacutedo objetivo da ideacuteia que se exprime quando se fala da religiatildeo em geral () (DURKHEIM 1978 pp207-208)
Entretanto tais aspectos satildeo mais perceptiacuteveis em representaccedilotildees coletivas
menos complexas e menos desenvolvidas Na perspectiva do socioacutelogo francecircs
Nas sociedades inferiores () o menor desenvolvimento das individualidades a extensatildeo mais fraca do grupo a homogeneidade das circunstacircncias exteriores tudo contribui para reduzir ao miacutenimo as diferenccedilas e variaccedilotildees O grupo realiza de maneira regular uma uniformidade intelectual e moral de que soacute encontramos raros exemplos nas sociedades mais adiantadas Tudo eacute comum a todos
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Os movimentos satildeo estereotipados todo mundo executa os mesmos atos nas mesmas circunstacircncias e esta conformidade da conduta natildeo faz senatildeo traduzir aquela do pensamento Todas as consciecircncias estando encadeadas nas mesmas correntes o tipo individual quase se confunde com o tipo geneacuterico Ao mesmo tempo em que tudo eacute uniforme tudo eacute simples Nada eacute mais rude do que estes mitos compostos de um uacutenico e mesmo tema que se repete sem fim do que estes ritos que satildeo feitos de um pequeno nuacutemero de gestos recomeccedilados agrave saciedade A imaginaccedilatildeo popular e sacerdotal ainda natildeo teve nem o tempo nem os meios de refinar e de transformar a mateacuteria-prima das ideacuteias e das praacuteticas religiosas portanto se esta mateacuteria se mostra a nu e se oferece por si mesma agrave observaccedilatildeo bastando um esforccedilo miacutenimo para descobri-la O acessoacuterio o secundaacuterio os desenvolvimentos de luxo ainda natildeo vieram esconder o principal Tudo estaacute reduzido ao indispensaacutevel agravequilo sem o que natildeo poderia haver religiatildeo Mas o indispensaacutevel eacute tambeacutem o essencial isto eacute o que antes de tudo importa conhecer (DURKHEIM 1978 p208)
Portanto eacute nas representaccedilotildees coletivas mais simples que se torna possiacutevel
para o socioacutelogo identificar e analisar os aspectos gerais da Religiatildeo presentes
tanto nas religiotildees animistaspagatildes quanto na religiosidade monoteiacutesta (seja cristatilde
judaica ou islacircmica) A evoluccedilatildeo histoacuterica das praacuteticas e sistemas religiosos tornam
tanto os ritos como os dogmas mais elaborados ao mesmo tempo em que
aparecem diversas contradiccedilotildees no interior da coletividade que compotildee determinado
sistema de crenccedilas religiosas Desta forma
() Na medida em que ele [o pensamento religioso] progride na Histoacuteria as causas que o chamaram agrave existecircncia permanecendo sempre ativas natildeo satildeo mais percebidas senatildeo atraveacutes de um vasto sistema de interpretaccedilotildees que as deformam As mitologias populares e as teologias sutis fizeram seu trabalho elas sobrepuseram aos sentimentos primitivos sentimentos muito diferentes que dependendo dos primeiros dos quais eles satildeo a forma elaborada entretanto natildeo deixam transparecer sua natureza verdadeira senatildeo muito imperfeitamente A distacircncia psicoloacutegica entre causa e o efeito entre a causa aparente e a causa efetiva tornou-se mais consideraacutevel e mais difiacutecil para o espiacuterito percorrecirc-la () Nas religiotildees primitivas o fato religioso traz ainda visiacutevel o cunho de suas origens ter-nos-ia sido bem mais aacuterduo inferi-lo considerando apenas as religiotildees mais desenvolvidas (DURKHEIM 1978 pp209-210)
A partir de tal metodologia Eacutemile Durkheim esboccedilou um conceito de religiatildeo
proacuteprio das Ciecircncias Sociais que em linhas gerais foi definido pelo socioacutelogo francecircs
da seguinte maneira
() A religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social As representaccedilotildees religiosas satildeo representaccedilotildees coletivas que exprimem realidades coletivas os ritos satildeo maneiras de agir que nascem no seio dos
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grupos reunidos e que satildeo destinados a suscitar a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos Mas entatildeo se as categorias satildeo de origem religiosa elas devem participar da natureza comum a todos os fatos religiosos elas tambeacutem devem ser coisas sociais produtos do pensamento coletivo Pelo menos - pois no estado atual de nossos conhecimentos nesta mateacuteria devemos nos guardar de toda tese radica e exclusiva ndash eacute legiacutetimo supor que elas satildeo ricas em elementos sociais (DURKHEIM 1978 p212)
Ora se a religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social como destaca
Durkheim ela tambeacutem eacute um mecanismo necessaacuterio para o estabelecimento de uma
identidade coletiva na qual os indiviacuteduos se percebem como participantes de um
grupo social que compartilha os mesmos valores morais e crenccedilas em um
determinado espaccedilo geograacutefico situado em um contexto (tempo histoacuterico) Assim
natildeo eacute o tempo individual relativo a cada ser vivo mas sim
() o tempo tal como eacute objetivamente pensado por todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo Apenas isto jaacute eacute suficiente para fazer entrever que uma tal organizaccedilatildeo deve ser coletiva E com efeito a observaccedilatildeo estabelece que estes pontos de apoio indispensaacuteveis em relaccedilatildeo aos quais todas as coisas satildeo classificadas temporalmente satildeo emprestados agrave vida social As divisotildees em dias semanas meses anos etc correspondem agrave periodicidade dos ritos das festas das cerimocircnias puacuteblicas Um calendaacuterio exprime o ritmo da atividade coletiva ao mesmo tempo que tem por funccedilatildeo assegurar sua regularidade O mesmo acontece com o espaccedilo () A representaccedilatildeo espacial consiste essencialmente numa primeira coordenaccedilatildeo introduzida entre os dados da experiecircncia sensiacutevel Mas esta coordenaccedilatildeo seria impossiacutevel se as partes do espaccedilo fossem qualitativamente equivalentes se elas realmente fossem substituiacuteveis umas agraves outras Para dispor espacialmente as coisas eacute preciso poder situar-las diferentemente () da mesma maneira que para dispor temporalmente os estados de consciecircncia eacute preciso poder localizaacute-los em datas determinadas O que representa dizer que o espaccedilo natildeo poderia ser ele mesmo se assim como o tempo ele natildeo fosse dividido e diferenciado () Todas estas distinccedilotildees evidentemente provecircm do fato de que valores afetivos diferentes foram atribuiacutedos agraves regiotildees E com todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo representam o espaccedilo de uma mesma maneira eacute preciso evidentemente que estes valores afetivos e as distinccedilotildees que dele dependem lhes sejam igualmente comuns o que implica quase necessariamente que elas satildeo de origem social (DURKHEIM 1978 pp212-213)
Em suma as representaccedilotildees coletivas presentes no que Durkheim denomina
de ―fato religioso tem com base valores afetivos compartilhados socialmente em um
determinado contexto temporal (histoacuterico) e espacial (geograacutefico) Natildeo por acaso as
religiotildees na Antiguidade estavam identificadas diretamente com as suas respectivas
civilizaccedilotildees (exemplo o Deus de Israel as divindades egiacutepcias como Hoacuterus e Isiacutes
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Baal da Feniacutecia entre outros) ao mesmo tempo em que aquelas que constituiacuteram
impeacuterios como o caso do Impeacuterio de Alexandre o Grande e o Impeacuterio Romano
construiacuteram panteotildees em suas respectivas capitais com o intuito de guardar as
divindades de todos os povos conquistados e subjugados por suas legiotildees
simbolizando natildeo apenas uma espeacutecie de ecumenismo mas tambeacutem a suposta
superioridade helecircnica e romana sobre os demais povos Por outro lado foi o
caraacuteter ecumecircnico e ―universal do Impeacuterio Romano aleacutem de suas estradas e rotas
de navegaccedilatildeo pelo mar Mediterracircneo que permitiu ao cristianismo se tornar uma
crenccedila que abrangeu todas as proviacutencias do Impeacuterio da Gratilde-Bretanha e Peniacutensula
Ibeacuterica ateacute as fronteiras com a Peacutersia
Outro aspecto importante da anaacutelise de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo eacute sua
diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico Se este corresponde agrave anaacutelise
dos fenocircmenos naturais humanos a partir da observaccedilatildeo e anaacutelise loacutegica e racional
a religiatildeo principalmente atraveacutes da Feacute tem a funccedilatildeo de auxiliar o crente ou o fiel a
viver um cotidiano cheio de obstaacuteculos e percalccedilos Segundo Durkheim (1978
p222)
() Os crentes os homens que vivendo da vida religiosa tecircm a sensaccedilatildeo direta daquilo que a constitui () sentem com efeito que a verdadeira funccedilatildeo da religiatildeo natildeo eacute fazer-nos pensar enriquecer nosso conhecimento acrescentar agraves representaccedilotildees que devemos agrave ciecircncia representaccedilotildees de uma outra origem e de um outro caraacuteter mas a de fazer-nos agir auxiliar-nos a viver O fiel que se comunicou com seu deus natildeo eacute apenas um homem que vecirc novas verdades que o descrente ignora ele eacute um homem que pode mais Ele sente em si mais forccedila seja pra suportar as dificuldades da existecircncia seja para vencecirc-las Ele estaacute como que elevado acima das miseacuterias humanas porquecirc estaacute elevado acima de sua condiccedilatildeo de homem acredita-se salvo do mal sob qualquer forma aliaacutes que ele conceba o mal O primeiro artigo de toda feacute eacute a crenccedila na salvaccedilatildeo pela feacute Uma ideacuteia com efeito natildeo eacute senatildeo um elemento de noacutes mesmos como poderia ela conferir-nos poderes superiores agravequeles que temos por nossa natureza Por mais que ela seja rica em virtudes afetivas natildeo poderia nada acrescentar agrave nossa vitalidade natural pois ela soacute pode liberar as forccedilas emotivas que estatildeo em noacutes natildeo criaacute-las ou aumentaacute-las Do fato de que noacutes nos representamos um objeto como digno de ser amado e procurado natildeo se segue que nos sintamos mais fortes mas eacute preciso que deste objeto emanem energias superiores agravequelas de que dispomos e aleacutem do mais que tenhamos algum meio de fazecirc-las penetrar em noacutes e de misturaacute-las agrave nossa vida interior Ora para isto natildeo eacute suficiente que noacutes a pensemos mas eacute indispensaacutevel que nos coloquemos em sua esfera de accedilatildeo que nos voltemos para lado pelo qual podemos sentir melhor sua influecircncia Numa palavra eacute preciso que ajamos e repitamos os atos que satildeo assim necessaacuterios todas as vezes em que isso eacute uacutetil para renovar seus efeitos()
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A feacute seria o combustiacutevel do fiel responsaacutevel por fortalecer periodicamente a
sua crenccedila Daiacute a importacircncia do culto o ponto localizado no tempo-espaccedilo no qual
o indiviacuteduo compartilha com outros a sua feacute constituindo assim um grupo social cuja
identidade estaacute na religiosidade Atraveacutes do culto a feacute eacute exteriorizada de forma
coletiva por mais que ela seja muitas vezes considerada um sentimento individual
Segundo Durkheim (pp222-223)
De fato quem quer que realmente praticou uma religiatildeo bem sabe que eacute o culto que suscita estas impressotildees de alegria de paz interior de serenidade de entusiasmo que satildeo para o fiel a prova experimental de suas crenccedilas O culto natildeo eacute simplesmente um sistema de signos pelos quais a feacute se traduz para o exterior ele eacute a coleccedilatildeo dos meios pelos quais ela se cria e recria periodicamente Que ele consista em manobras materiais ou em operaccedilotildees mentais eacute sempre ele que eacute eficaz
Atraveacutes do culto a coletividade impotildee a sua forccedila sobre o indiviacuteduo pois sua
feacute tem como alicerce paracircmetros externos estabelecidos pela sociedade ou
civilizaccedilatildeo agrave qual pertence Desta forma
() Quem faz o homem eacute este conjunto de bens intelectuais que constitui a civilizaccedilatildeo e a civilizaccedilatildeo eacute obra da sociedade E assim se explica o papel preponderante do culto em todas as religiotildees quaisquer que sejam Pois a sociedade soacute pode exercer influecircncia se ela for um ato e ela soacute pode ser um ato se os indiviacuteduos que a compotildeem estiverem reunidos e agirem em comum Eacute pela accedilatildeo comum que ela toma consciecircncia de si e se potildee antes de tudo ela eacute uma cooperaccedilatildeo ativa Mesmo as ideacuteias e os sentimentos coletivos apenas satildeo possiacuteveis graccedilas a movimentos exteriores que os simbolizam assim como estabelecemos Portanto a accedilatildeo domina a vida religiosa apenas porque a sociedade eacute sua fonte (DURKHEIM 1978 p223)
Para Durkheim a religiatildeo e suas praacuteticas tecircm tanta importacircncia para a
sociedade pois esta constitui agrave sua base A partir dos princiacutepios morais
estabelecidos atraveacutes dos dogmas religiosos que as civilizaccedilotildees e sociedades mais
antigas estabeleceram as demais instituiccedilotildees que exercem o controle social algo
essencial para a manutenccedilatildeo da coesatildeo entre os diversos grupos sociais e o pleno
funcionamento do organismo social
() Portanto pode-se dizer resumindo que quase todas as grandes instituiccedilotildees sociais nasceram da religiatildeo Ora para que os principais aspectos da vida coletiva tenham comeccedilado por aspectos variados da vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressatildeo abreviada da vida coletiva inteira Se a religiatildeo engendrou tudo o que haacute de essencial na sociedade eacute porque a ideacuteia da sociedade eacute a alma da religiatildeo (DURKHEIM 1978 p224)
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A ideia de que a sociedade eacute a alma da religiatildeo estaacute interligada a percepccedilatildeo
de que a religiatildeo foi responsaacutevel por estabelecer as primeiras bases da eacutetica e da
moral na maior parte das civilizaccedilotildees humanas Assim eacute possiacutevel concluir que
As forccedilas religiosas satildeo pois forccedilas humanas forccedilas morais Sem duacutevida porque os sentimentos coletivos natildeo podem tomar consciecircncia de si mesmos senatildeo fixando-se sobre objetos exteriores tais forccedilas natildeo puderam se constituir sem tomar agraves coisas alguns dos seus caracteres adquiriram assim um tipo de natureza fiacutesica a este tiacutetulo elas vieram misturar-se agrave vida do mundo material e eacute por elas que se acreditou poder explicar o que nele se passa Mas quando satildeo consideradas somente por este lado e nesta atribuiccedilatildeo vecirc-se apenas o que elas tecircm de mais superficial Na realidade eacute a consciecircncia que satildeo emprestados os elementos essenciais dos quais elas satildeo feitas Ordinariamente parece que elas natildeo teriam um caraacuteter humano senatildeo quando satildeo pensadas sob forma humana no entanto mesmo as mais impessoais e mais anocircnimas natildeo passam de sentimentos objetivados Soacute vendo as religiotildees sob este acircngulo eacute possiacutevel perceber sua verdadeira significaccedilatildeo Prendendo-se agraves aparecircncias os ritos frequentemente parecem o efeito de operaccedilotildees puramente manuais satildeo unccedilotildees lavagens refeiccedilotildees Para consagrar uma coisa se a coloca em contato com uma fonte de energia religiosa () Assim compreendida a teacutecnica religiosa parece um tipo de mecacircnica miacutestica Mas estas manobras materiais satildeo o invoacutelucro exterior sob o qual se dissimulam operaccedilotildees mentais Finalmente trata-se natildeo de exercer um tipo de coaccedilatildeo fiacutesica sobre forccedilas cegas e aliaacutes imaginaacuterias mas de atingir consciecircncias de tonificaacute-las disciplinaacute-las () Eacute sobre a vida moral que elas tecircm por principal funccedilatildeo agir Compreende-se assim que o que foi feito em nome da religiatildeo natildeo poderia ter sido feito em vatildeo pois foi necessariamente a sociedade dos homens a humanidade que recolheu os seus frutos (DURKHEIM 1978 p224)
Se por um lado alguns intelectuais poderiam contestar as conclusotildees de
Durkheim sobre a religiatildeo principalmente no que se refere ao estabelecimento e
coacutedigos morais inspirados em uma realidade social perfeita cuja concretude soacute
existiria no plano imaginaacuterio o socioacutelogo francecircs contra-argumenta ao ressaltar que
as aspiraccedilotildees humanas imaginaacuterias originam-se a partir das necessidades
humanas existentes na realidade concreta da vida em sociedade
Mas diz-se qual eacute exatamente a sociedade da qual se tirou o substrato da vida religiosa Eacute a sociedade real tal como ela existe e funciona sob nossos olhos com a organizaccedilatildeo moral juriacutedica que ela laboriosamente modelou no decorrer da histoacuteria Mas ela estaacute repleta de taras e de imperfeiccedilotildees Aqui o mal rodeia o bem a injusticcedila frequentemente reina como soberana a verdade eacute em cada instante obscurecida pelo erro Como um ser tatildeo grosseiramente constituiacutedo poderia inspirar os sentimentos de amor o entusiasmo ardente o espiacuterito de abnegaccedilatildeo que todas as religiotildees reclamam de seus fieacuteis Estes seres perfeitos que satildeo os deuses natildeo podem ter emprestado suas feiccedilotildees a uma realidade tatildeo mediacuteocre algumas
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vezes tatildeo baixa Trata-se ao contraacuterio da sociedade perfeita onde a justiccedila e a verdade seriam soberanas de onde o mal sob todas as suas formas estaria extirpado Natildeo se contesta que ela esteja em estreita relaccedilatildeo com o sentimento religioso pois diz-se as religiotildees tendem a realizaacute-la Apenas esta sociedade natildeo eacute um dado empiacuterico definido e observaacutevel ela eacute uma quimera um sonho no qual os homens acalentaram suas miseacuterias mas que eles jamais viveram na realidade Ela eacute uma simples ideia que vem traduzir na consciecircncia nossas aspiraccedilotildees mais ou menos obscuras para o bem o belo o ideal Ora estas aspiraccedilotildees tecircm em noacutes suas raiacutezes vecircm das proacuteprias profundezas de nosso ser portanto natildeo existe nada fora de noacutes que possa explicaacute-las Aliaacutes jaacute satildeo religiosas por si mesmas portanto a sociedade ideal supotildee a religiatildeo longe de poder explicaacute-la (DURKHEIM 1978 p225)
Cabe destacar portanto que para Eacutemile Durkheim a religiatildeo estaacute longe de
ser uma ilusatildeo habilmente manipulada pelos detentores do poder visando alienar a
sociedade (ou mais precisamente as classes sociais menos favorecidas) de seus
problemas decorrentes de uma sociedade marcada pela injusticcedila e sofrimento mas
uma representaccedilatildeo da proacutepria realidade pois em sua simbologia ela reproduz os
dramas existenciais muitas vezes decorrentes da carecircncia dos recursos necessaacuterios
para suprir as suas proacuteprias necessidades Por esta razatildeo
() eacute simplificar arbitrariamente as coisas ver a religiatildeo soacute por seu lado idealista ela eacute realista agrave sua maneira Natildeo existe fealdade fiacutesica ou moral natildeo existem viacutecios nem males que natildeo tenham sido divinizados Houve deuses do roubo e da astuacutecia da luxuacuteria e da guerra da doenccedila e da morte O proacuteprio cristianismo por mais alta que seja a ideia que ele se faz da divindade foi obrigado a dar ao espiacuterito do mal um lugar em sua mitologia Satatilde eacute uma peccedila essencial do sistema cristatildeo ora se ele eacute um ser impuro natildeo eacute um ser profano O antideus eacute um deus inferior e subordinado eacute verdade mas dotado de poderes extensos ele eacute mesmo objeto de ritos pelo menos negativos Portanto longe de a religiatildeo ignorar a sociedade real e dela fazer abstraccedilatildeo ela eacute sua imagem reflete todos os seus aspectos mesmo os mais vulgares e os mais repugnantes Tudo se reencontra nela e se frequentemente se vecirc o bem subjugar o mal a vida a morte as potecircncias da luz as potecircncias das trevas eacute porque diferentemente na realidade Pois se a relaccedilatildeo entre as forccedilas contraacuterias fosse inversa a vida seria impossiacutevel ora de fato ela se manteacutem e mesmo tende a se desenvolver (DURKHEIM 1978 p225)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Por fim cabe uma reflexatildeo sobre a validade das consideraccedilotildees
metodoloacutegicas e analiacuteticas propostas por Eacutemile Durkheim sobre a Sociologia da
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Religiatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX Em um artigo publicado em 2012 Ana Keila Mosca
Pinezi e Eacuterica Ferreira da Cunha Jorge inicialmente problematizaram de forma criacutetica
a teoria durkheimiana ao questionarem a validade de seus conceitos
Algumas correntes questionam a validade e utilizaccedilatildeo do pensamento durkheimiano nas anaacutelises contemporacircneas sobre religiatildeo por este universo de estudos ter sido completamente reconfigurado Um dos argumentos seria que as abordagens claacutessicas da sociologia da religiatildeo de Durkheim natildeo se ajustam agrave realidade atual um momento dominado pelo individualismo crescente como valor nas sociedades poacutes-industriais contemporacircneas Seraacute que o socioacutelogo francecircs imaginou que as sociedades ocidentais caminhariam para este processo de individualismo Eacute possiacutevel que os estudos atuais levem em consideraccedilatildeo as propostas de representaccedilotildees coletivas apontadas em suas claacutessicas antinomias (PINEZI JORGE 2012 p84)
Apesar das autoras considerarem que boa parte das categorias socioloacutegicas
propostas por Durkheim natildeo podem ser mais utilizadas ―puramente devendo ser
adaptadas de forma criacutetica para a anaacutelise de objetos de pesquisas contemporacircneos
concluiacuteram tal problematizaccedilatildeo da seguinte forma
() a atualidade e a relevacircncia da teoria durkheimiana retomada criticada reelaborada mas fundamental para que se prossiga na tarefa tatildeo aacuterdua quanto antes de pensar os arranjos e rearranjos do movimento do coletivo em relaccedilatildeo agrave busca do sobrenatural e da explicaccedilatildeo do consolo em relaccedilatildeo aos fatos da vida (PINEZI JORGE 2012 p98)
Partindo de tal perspectiva eacute possiacutevel observar a atualidade do referencial
metodoloacutegico de pesquisa e anaacutelise propostos por Eacutemile Durkheim para o estudo
socioloacutegico da religiatildeo As diversas denominaccedilotildees religiosas e seus sistemas
simboacutelicos expressos em seus cultos e nos seus coacutedigos de conduta moral satildeo
compartilhados por parcelas consideraacutevel da sociedade constituindo importantes
grupos sociais que atuam em um contexto marcado natildeo apenas pelo individualismo
exacerbado mas tambeacutem pela formaccedilatildeo de coletividades diversas que
compartilham diferentes (e muitas vezes antagocircnicos) princiacutepios e visotildees de
mundo Desta forma cabe ao cientista social partir para o desafio de identificar os
aspectos gerais e particulares das diversas formas de religiosidade praticadas na
sociedade com a perspectiva de contribuir natildeo apenas para a construccedilatildeo de um
conhecimento cientiacutefico sobre elas mas tambeacutem de construir um acervo intelectual
capaz de contribuir para a construccedilatildeo de um paiacutes realmente tolerante e democraacutetico
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no qual as mais diferenciadas expressotildees religiosas e ateacute aqueles que se mostram
descrentes possam conviver pacificamente respeitando as suas crenccedilas e opiniotildees
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
COSTA Cristina Sociologia ndash Introduccedilatildeo agrave ciecircncia da sociedade Satildeo Paulo
Editora Moderna 2010
DURKHEIM Eacutemile Os Pensadores Satildeo Paulo Abril Cultural 1978
_______________ As regras do meacutetodo socioloacutegico Satildeo Paulo Nacional
1987
_______________ As formas elementares da vida religiosa o sistema
totecircmico da Austraacutelia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
PINEZI Ana Keila Mosca JORGE Eacuterica Ferreira da Cunha Revisitando
dicotomias claacutessicas em As Formas da Vida Religiosa sagrado X profano
religiatildeo X magia Estudos de Religiatildeo v26 n 42 ndash Ediccedilatildeo Especial pp 83-
98 Disponiacutevel em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=6342741
acessado em 26 de dezembro de 2019
QUINTANEIRO Tania BARBOSA Maria Liacuteia de Oliveira OLIVEIRA Maacutercia
Guardecircnia de Um toque de claacutessicos ndash Marx Durkheim Weber 2ed Belo
Horizonte Editora UFMG 2009
SILVA Mauricio Cocircrrea de et al Metodologia Cientiacutefica para as Ciecircncias
Sociais Aplicadas anaacutelises criacuteticas sobre meacutetodos e tipologias de pesquisas e
destaque de contribuiccedilotildees de Marx Weber e Durkheim Revista Cientiacutefica
Hermes n13 pp159-179 2015 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2829321 acessado em
acessado em 26 de dezembro de 2019
Autor ndash Dr Mauriacutecio Tintori Piqueira
Docente FATEJ FADISA Doutor em Ciecircncias Sociais e Mestre em
Histoacuteria pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica
de Satildeo Paulo (PUC-SP)
Gestor Institucional-Acadecircmico da Faculdade
de Tecnologia JardimFaculdade de Direito de
Santo Andreacute
tintoriledyahoocombr
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ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA
ldquoAge sempre de tal modo que o teu
comportamento possa vir a ser princiacutepio
de uma de uma lei universalrdquo
Immanuel Kant
RESUMO
Nesse artigo procurar defender a possibilidade de se elaborar um conceito de
justiccedila que decorra de moral a partir dos princiacutepios cristatildeos do amor ao proacuteximo
que a nosso ver eacute alicerce da visatildeo de mundo ocidental Para tanto fazemos uma
anaacutelise das modernas noccedilotildees de Direito e das nuances do ideal de igualdade que
funda as noccedilotildees de justiccedila frente ao pensamento de Immanuel Kant
Palavras-chave Justiccedila Direito Religiatildeo Cristianismo
ABSTRACT
In this article we seek to defend the possibility of elaborating a moral concept
of justice based on the Christian principles of love of neighbor which in our view is
the foundation of the Western worldview To do so we analyze the modern notions of
law and the nuances of the ideal of equality which underlies the notions of justice in
front of the thought of Immanuel Kant
Keywords Justice Law Religion Christianity
INTRODUCcedilAtildeO
Ao nos depararmos com a obra de Herbert Hart o vemos apontando a justiccedila
como um segmento especiacutefico da moral que passa pelo sentido de condenaccedilatildeo
coletiva de determinada conduta natildeo se considerando simplesmente o valor
autor Piterson Balmat Gonccedilalves
piterson_avyahoocombr
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individual da accedilatildeo assim justiccedila seria a parte da moral que eacute pensada
coletivamente1 Rawls de maneira semelhante define justiccedila como a primeira
virtude das instituiccedilotildees sociais2
Na mesma esteira Teacutercio Sampaio Ferraz Juacutenior nos mostra que ―a justiccedila eacute
o princiacutepio e problema moral do direito3 Assim afirma porque identifica a justiccedila
como sendo ―o sentido unificador do universo moral de qualquer homem sem o
qual a vida se torna insuportaacutevel4 Em suma a justiccedila seria o elemento moral que
doa sentido (comunicativo) agraves regras de convivecircncia5
Dessa maneira a justiccedila seria o elemento externo ao Direito derivado da
moral capaz de lhe dar sentido Para este fim ele aponta que longe de se tratar de
uma questatildeo de crenccedila aquilo que acreditamos ser virtuoso (e a partir dele justo ndash
porque eacute certo todos agirem assim que eacute justo todos agirem assim) deriva daquilo
que compreendemos ser racional no sentido de ―relacionar ―ligar coisaslsquo entre si
motivo pelo qual justiccedila representa ―equiliacutebrio entre dois pontos6 Assim aponta a
igualdade como o princiacutepio universal daquilo que representa justiccedila
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL
Seria assim a noccedilatildeo de equiliacutebrioigualdade o elo moral de todas as
condutas humanas que reivindicam a participaccedilatildeo do Direito Eacute o criteacuterio moral de
justiccedila que estabiliza as relaccedilotildees e sem ele natildeo eacute possiacutevel viver
Nesse sentido a sua caracteriacutestica essencial seria constituiacuteda da noccedilatildeo de
equiliacutebrio dentro da qual o homem passa a existir A este equiliacutebrio gerado deve ser
dado o nome de justiccedila por ser o princiacutepio que dirige as relaccedilotildees do homem e que
serve de base para o processo de reconhecimento daquilo a que chamamos Direito
1 Nesse sentido ―a equidade (ou imparcialidade) coincide com a moral em geral as referecircncias a ela
satildeo pertinentes sobretudo em duas situaccedilotildees da vida social Uma se daacute quando natildeo estamos considerando a conduta de um uacutenico indiviacuteduo mas a forma como se tratam classes de indiviacuteduos quando haacute algum encargo ou benefiacutecio a ser distribuiacutedo entre elas (hellip) A segunda situaccedilatildeo ocorre quando algum prejuiacutezo foi causado e se reivindica a indenizaccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do dano Hart Herbert O conceito de Direito pp 205-206 A justiccedila portanto pensa aleacutem do elemento interno da accedilatildeo moral a sua motivaccedilatildeo mas busca se colocar no elemento exterior agrave sua praacutetica qual seja na realizaccedilatildeo de um desejo de igualdade Apesar das criacuteticas que poderemos realizar agrave colocaccedilatildeo geneacuterica da igualdade para aplicaccedilatildeo da justiccedila (jaacute que vinganccedila eacute distinta da distribuiccedilatildeo por exemplo) a distinccedilatildeo da justiccedila da moral comum como fruto do desejo de igualdade nos parece ser correto e dele natildeo deixaremos de nos valer 2 Rawls John uma teoria da justiccedila citado por Ricoeur Paul O Justo 1 p 30
3 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito p 332
4 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 328
5 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
6 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
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Justiccedila eacute assim um ideal pertencimento comum entre os homens pelo qual
se prega ou fomenta a igualdade entre os seus membros
Entretanto apesar da correccedilatildeo do pensamento dos aludidos autores se
observarmos as noccedilotildees de justiccedila que a Histoacuteria nos daacute perceberemos que elas (i)
tanto satildeo diferentes entre si como (ii) podem natildeo representar de fato um desejo de
igualdade entre os homens
Nesse sentido ainda que se quisesse natildeo se poderia considerar de maneira
igual por exemplo a justiccedila retributivareparatoacuteria que eacute a forma de Direito mais
antiga entre os homens a justiccedila comutativa (justiccedila derivada do acordo contratual
que busca equilibrar os elementos de uma permuta a partir do momento em que a
Economia precisa de uma reflexatildeo imediata do Direito a respeito das relaccedilotildees por
ela estabelecidas) ou mesmo uma justiccedila distributiva (bem mais proacutexima do Direito
estatal moderno e do exerciacutecio poliacutetico das ―democracias poacutes-Revoluccedilatildeo Francesa)
Da mesma forma natildeo se poderia concluir que tais noccedilotildees de justiccedila se baseiam em
um desejo de realizaccedilatildeo da igualdade entre os homens
Se observarmos as diversas noccedilotildees de justiccedila que nos satildeo dadas veremos
que elas na verdade se identificam muito mais com o aspecto institucional do
exerciacutecio do Direito do que se ligam com a busca do bem e a realizaccedilatildeo do
pertencimento tiacutepicos da moral Elas se relacionam primordialmente com intenccedilatildeo
de impeacuterio do Direito que busca mantecirc-lo vaacutelido perante os homens Em uacuteltima
instacircncia natildeo importa se servem para a praacutetica de um padratildeo moral mas antes se
valem para a realizaccedilatildeo de determinados interesses
Isso acontece por exemplo com a justiccedila comutativa onde a bilateralidade
atributiva que conteacutem em si uma forma de igualdade serve na verdade a
determinados interesses econocircmicos que precisam ser assegurados pelo poder
poliacutetico que emana do Direito Eacute assim tambeacutem com a justiccedila retributiva a qual
inspirada no desejo comum de vinganccedila vecirc este desejo monopolizado pelo poder
poliacutetico do Estado que o exerce atraveacutes da institucionalizaccedilatildeo do seu Direito ou
mesmo com a justiccedila distributiva que serve no fundo agrave pacificaccedilatildeo de conflitos
para a manutenccedilatildeo da seguranccedila do modelo institucionalmente imposto
Ocorre poreacutem que se a justiccedila eacute entendida dessa maneira a igualdade que
ela pressupotildee acaba por se resumir ao contraacuterio do que se concluiu inicialmente (eacute
dizer que justiccedila eacute o princiacutepio moral do Direito) a uma forma de dominaccedilatildeo que ao
manipular interesses dissimula interesses que lhe satildeo anteriores Se levado a uacuteltimo
termo trata-se a justiccedila neste exerciacutecio de poder de um jogo de interesses sendo
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que seraacute mais justo o padratildeo que mais souber ocultar os interesses por detraacutes da
pregaccedilatildeo da igualdade e ateacute mesmo souber fingir ser moral para se desviar da
necessidade que ela impotildee a respeito de se fazer o bem
A articulaccedilatildeo moral da maneira que nos eacute ensinada nesse acircmbito eacute quase
inexistente Na verdade se o problema da justiccedila fosse apenas este jogo de
interesses o problema da moral do Direito natildeo existiria vez que acabariacuteamos por
concluir que (i) o mais justo eacute o mais imoral ou mesmo o mais amoral e
consequentemente que (ii) natildeo haacute justiccedila ou natildeo haacute moral (sim pois se apenas
existe o mal natildeo existe o bem moral pelo que o proacuteprio mal natildeo existe) jaacute que seria
apenas dissimulando interesses que se conquistam padrotildees de uma falsa igualdade
Neste cenaacuterio que vai de mal a pior perde-se a esperanccedila na possibilidade de
existir algo aleacutem dos jogos de interesses fundados no egoiacutesmo humano de maneira
que a justiccedila faccedila algum sentido
O problema da igualdade revelado a partir dos interesses ganha entatildeo um
novo niacutevel de reflexatildeo Se a igualdade eacute pensada a partir do seu motivo natildeo basta
apenas que exista estruturalmente a igualdade natildeo basta que seja pensada
―coletivamente Faz-se necessaacuterio que moralmente a igualdade faccedila sentido e que
natildeo se destine a justiccedila a realizar o interesses de alguns
Ora eacute exatamente sobre este ponto que repousa toda a discussatildeo Se o jogo
de interesses representa a perda da possibilidade de igualdade entre os homens
(igualdade esta que como vimos eacute o fundamento da ideia de justiccedila) para que esta
exista a forccedila que motiva a accedilatildeo deve ser portanto desinteressada
A questatildeo eacute existiria alguma forccedila desinteressada no acircmbito da accedilatildeo
humana capaz de fundamentar a igualdade entre os homens sem que isso
represente um jogo de manipulaccedilotildees
Sem duacutevida para que houvesse este tipo de forccedila desinteressada natildeo
poderia ter ela origem nos desejos ordinaacuterios que servem justamente para que o
homem persiga determinados interesses Deveria haver um desejo superior que a
fundamentasse de maneira que natildeo existisse qualquer condiccedilatildeo que lhe tirasse a
necessidade Ao ser necessaacuterio o desejo seria universal vaacutelido para todos os
homens em qualquer tempo e assim poderia criar condiccedilotildees de igualdade para se
existir
Se concebido dessa maneira ndash e parece ser essa a uacutenica forma que se pode
pensar ndash para se formular uma teoria da justiccedila eacute indispensaacutevel a universalidade do
padratildeo moral precedecirc-la de maneira que esta seja atraveacutes da universalidade
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fomentada entre os homens E eacute neste ponto em que os padrotildees de justiccedila que
apontamos se mostram insuficientes para gerar igualdade porque natildeo levam em
conta o elemento da motivaccedilatildeo moral o interesse que inspira essas formas de
igualdade deixam de observar que facilmente a questatildeo da justiccedila se torna o
problema da injusticcedila
A universalidade se faz necessaacuteria na medida em que natildeo havendo um valor
de bem intriacutenseco agraves accedilotildees que se busca compreender natildeo poderaacute haver um bom
desejo podendo qualquer interesse decorrente de qualquer desejo servir de base
para a realizaccedilatildeo da ―igualdade Se isto ocorre o sentido de justiccedila acaba por se
resumir agrave forma de sua igualdade a qual resolve no fim das contas apenas parte
do problema Eacute dizer se a moral encontra seu ponto uacuteltimo na divisatildeo entre os
desejos e a ideia de igualdade que possibilita um conceito de justiccedila depende da
moral apenas quando se encontra um desejo universal eacute que se localiza uma justiccedila
que verdadeiramente serve a todos os homens
Aiacute a primeira grande importacircncia de Kant para o resgate do sentido de justiccedila
encontrar um elemento do desejo humano que parta da sua motivaccedilatildeo subjetiva
capaz de alcanccedilar a universalidade moral possibilitando a realizaccedilatildeo da igualdade
na sua universalidade A segunda contribuiccedilatildeo como veremos a seguir eacute o
elemento praacutetico da proacutepria construccedilatildeo universal que guia o homem para o seu todo
humano como um fim em si mesmo capaz de resgatar o homem da sua apatia e
indeterminaccedilatildeo eacuteticas Ambas em conjunto caminham agrave noccedilatildeo de amor ao
proacuteximo que nos eacute trazida do cristianismo
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO
Para que possamos avanccedilar no entanto seraacute necessaacuterio falar do problema
do formalismo kantiano jaacute que a foacutermula de universalidade que ele nos indica
parece se resumir a um simples absoluto loacutegico com isto queremos que apareccedila a
intenccedilatildeo escatoloacutegica de Kant e surja na dignidade do homem o caminho da vida
em comum
De fato se nos limitarmos agraves linhas baacutesicas da filosofia kantiana
perceberemos que ela nos eacute apresentada como aquela na qual a possibilidade de
accedilatildeo nos horizontes morais segundo juiacutezos que se remetem a maacuteximas evoca o
imperativo categoacuterico como prova da autonomia da vontade no homem Na sua
determinaccedilatildeo criacutetica trata-se de uma vontade que estaacute sujeita agraves leis da proacutepria
razatildeo um fundamento da capacidade de agir que natildeo dialoga imediatamente com
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outra coisa senatildeo com a proacutepria razatildeo que quer que se determina conforme a
razatildeo que legisla
O sistema que ele cria da maneira que o proacuteprio Kant pretendeu eacute uma
tentativa de localizar o a priori dentre os moacutebiles do agir no intuito de dar
continuidade ao seu projeto criacutetico agrave esfera do querer humano Quando ele localiza a
liberdade como condiccedilatildeo do agir a vontade a um determinado fim como meio e
todo caminho que atrapalhe a vontade de atingir diretamente o seu fim como
contingecircncia realiza o seu plano e daacute organicidade aos conhecimentos sobre a
moral
Visto dessa maneira tudo parece indicar que na esfera da moralidade natildeo
haacute outra coisa a se pensar senatildeo a sua construccedilatildeo baseada em um tipo de absoluto
loacutegico Sim pois se as ligaccedilotildees se datildeo por meio de determinados elementos
estruturais fixos o pensamento de Kant sobre a eacutetica natildeo pode ser senatildeo pura
forma
Nesse sentido tomemos de exemplo as palavras de Deleuze que
interpretando o pensamento de Kant nos mostra o instante em que a filosofia moral
de Kant eacute uma edificaccedilatildeo loacutegica e portanto formal
―Vimos que a faculdade de desejar era capaz de uma forma superior quando ela era determinada natildeo por representaccedilotildees de objectos (sensiacuteveis ou intelectuais) natildeo por um sentimento de prazer ou de dor que ligaria representaccedilotildees deste geacutenero agrave vontade mas pela representaccedilatildeo de uma pura forma Esta forma pura eacute a de uma legislaccedilatildeo universal A lei moral natildeo se apresenta como um universal comparativo e psicoloacutegico (por exemplo natildeo faccedilas aos outros etc) A lei moral ordena-nos que pensemos a maacutexima da nossa vontade como ―princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universal Eacute pelo menos conforme agrave moral uma acccedilatildeo cuja maacutexima pode ser pensada sem contradiccedilatildeo como lei universal O universal neste sentido eacute um absoluto loacutegico
7
Pensada assim a filosofia de Kant natildeo serve agrave formaccedilatildeo de uma praacutexis
servindo como uma mera foacutermula metafiacutesica E de fato uma vez que se detenha
nessa criacutetica ver-se-aacute que ela eacute procedente por alguns motivos
Em primeiro lugar haacute um claro formalismo na maneira que satildeo constituiacutedos
os seus escritos que por mais das vezes dentro de um rigoroso encadeamento
loacutegico arriscam-se em tautologias O meacutetodo geral de sua filosofia que tambeacutem eacute
vaacutelido para a sua Eacutetica se articula de maneira que nela se tenha como objetivo
provar que a razatildeo eacute a faculdade de adequar o seu objeto ndash no caso da moral a
7 Deleuze Gilles A filosofia Criacutetica de Kant p 35
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razatildeo praacutetica ndash conforme a um fim Eacute da prova silogiacutestica em que se constituem suas
foacutermulas8
Em um segundo momento vemos um formalismo intriacutenseco agrave sua filosofia
moral no que diz respeito agrave capacidade de legislar Esta inerente agrave razatildeo natildeo se
realiza segundo Kant da mesma maneira para o conhecer e para o querer No caso
do conhecimento haacute uma clara relaccedilatildeo entre um eu-subjetivo e mundo-objetivo que
no seu ponto a priori e universalizaacutevel ―significa a capacidade de perceber9 Isso
cria no fim das contas as condiccedilotildees objetivas de todo conhecimento e universaliza
a razatildeo pura ora se se condiciona o sujeito ao objeto e o objeto ao sujeito fecha-se
um sistema entre eles o qual se considerarmos o seu objeto como um conjunto de
apreensotildees da experiecircncia realiza de fato uma faculdade de conhecer uniforme
No caso do querer no entanto estaacute ausente a apreensatildeo fenomecircnica isto eacute
falta-lhe o mundo-objetivo Como vimos anteriormente para Kant o querer tem entre
a accedilatildeo e a liberdade do sujeito apenas a proacutepria vontade que na sua forma pura
nada mais eacute que o representante da razatildeo dentro do sujeito O plano objetivo
igualmente eacute a representaccedilatildeo da razatildeo pura na ideia de lei moral Nesse sentido
natildeo haacute coisas que estejam postas para serem percebidas em estruturas e
compartimentadas conforme as suas categorias observaacuteveis O subjetivo eacute a razatildeo e
o objetivo tambeacutem o eacute haacute apenas a razatildeo se articulando no sujeito observando o
dever que tem perante a lei moral intermediando a liberdade e os fins da accedilatildeo
humana tornando ela capaz de ser accedilatildeo moral Em outras palavras na criacutetica eacutetica
de Kant tudo se resume agrave razatildeo a razatildeo que quer eacute a razatildeo que legisla Tudo
permanece dentro do sujeito transcendental o subjetivo e o objetivo advecircm da
mesma origem restando a liberdade como afirma Hegel como elemento de
autolimitaccedilatildeo exterior e portanto formal10
8 Nesse sentido o proacuteprio Kant como vimos afirma ―a divisatildeo da Analiacutetica da razatildeo praacutetica pura teraacute
de resultar semelhante agrave de um silogismo ou seja procedendo do universal na premissa maior (do princiacutepio moral) mediante uma subsunccedilatildeo na premissa menor de possiacuteveis accedilotildees (como boas ou maacutes) sob aquela agrave conclusatildeo ou seja agrave determinaccedilatildeo subjetiva da vontade (a um interesse pelo bem praticamente possiacutevel e agrave maacutexima fundada sobre aquele) Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes p 147 Para tanto cumpre salientar que Kant considera que a razatildeo enquanto faculdade superior eacute dizer como universalidade dos seus proacuteprios fins se realiza tanto subjetivamente enquanto se reflete acerca das condiccedilotildees de cada sujeito alcanccedilar o princiacutepio aplicaacutevel como objetivamente onde se eacute capaz de pensar nas condiccedilotildees gerais que concretizam determinado fim como fim universal Este eacute portanto o meacutetodo loacutegico de universalizaccedilatildeo de Kant 9 Cf Cacciola Maria Luacutecia Os pensadores um Curso p 144
10 Nesse sentido vemos a criacutetica realizada por Hegel ―a definiccedilatildeo kantiana geralmente admitida
(Kant Doutrina do Direito) em que o elemento essencial eacute a 1limitaccedilatildeo da minha liberdade (ou do meu livre-arbiacutetrio) para que ela possa estar de acordo com o livre-arbiacutetrio de cada um segundo uma lei gerallsquo apenas constitui uma determinaccedilatildeo negativa (a de limitaccedilatildeo) Por outro lado o positivo que haacute nela a lei da razatildeo universal ou como tal considerada o acordo da vontade particular de cada um com a de cada outro leva agrave bem conhecida identidade formal e ao princiacutepio da contradiccedilatildeo A citada
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Parece contudo que se o pensamento kantiano ficasse limitado agraves
fragilidades do seu formalismo ficaria incompreendido com relaccedilatildeo agrave sua finalidade
Isto parece coincidir com as intenccedilotildees do proacuteprio autor senatildeo acabaria natildeo tendo
feito Eacutetica mas Loacutegica
Assim buscaremos observar a idealidade da razatildeo praacutetica ndash jaacute que concorda
sempre e unicamente consigo mesma sem elementos externos ndash e a relaccedilatildeo que
existe entre humanidade como fim em si mesmo o conceito de autonomia e o reino
dos fins vislumbrado por Kant de maneira que do sentido da sua filosofia moral
decorra uma noccedilatildeo de justiccedila ndash e como ela eacute na verdade uma articulaccedilatildeo da ideia
cristatilde de amor ao proacuteximo
A idealidade da razatildeo praacutetica eacute um elemento imprescindiacutevel para
compreensatildeo da moral Segundo Joaquim Salgado o ideal decorre da
ultrapassagem da noccedilatildeo que eacute um conceito puro que tem origem tatildeo soacute no
entendimento de maneira que ―quando a noccedilatildeo se torna transcendente isto eacute
ultrapassa toda possibilidade da experiecircncia tem-se a ideia ou o conceito da
razatildeo11
Nessa linha ideia eacute o ―esforccedilo metafiacutesico da razatildeo12 a sua pura
transcendentalidade ou encontro das condiccedilotildees da razatildeo que natildeo pode ser provada
no plano exterior mas eacute pressuposto na sua siacutentese total e incondicionada13
Partindo sempre Kant de noccedilotildees ele busca justamente reunir os elementos que
delas derivam para compor as ideias que dirigem a razatildeo pura
Com efeito deve-se notar que apesar de ser incondicionada a ideia tem um
valor em si aleacutem de ser o ponto que legitima o esforccedilo metafiacutesico Isso porque nela
que se encontra o ponto de unidade entre os conceitos comuns (como por exemplo
o de boa vontade) que faraacute com que o valor perseguido pela razatildeo se legitime
tornando-se regra universal Destarte a ideia eacute a totalidade daquilo que se torna
definiccedilatildeo conteacutem a ideia muito divulgada desde Rousseau de que a base primitiva e substancial deve estar natildeo na vontade como existente e racional em si e para si natildeo no espiacuterito como espiacuterito verdadeiro mas na vontade do indiviacuteduo no livre-arbiacutetrio que lhe eacute proacuteprio Uma vez aceito tal princiacutepio o racional soacute pode aparecer para essa liberdade como uma limitaccedilatildeo natildeo Portanto como razatildeo imanente mas como um universal exterior formal Natildeo precisa o pensamento filosoacutefico recorrer a qualquer consideraccedilatildeo especulativa para repelir este ponto de vista desde que ele produziu nas cabeccedilas e na realidade acontecimentos cujo horror soacute tem igual na vulgaridade dos pensamentos que os causaram Hegel G W F Princiacutepios da Filosofia do Direito Trad Orlando Vitorino apud in Novelli Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos p 107 11
Salgado Joaquim Ibidem p 43 12
Salgado Joaquim Ibidem p 52 13
Salgado Joaquim Ibidem p 43
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inquestionaacutevel a partir das condiccedilotildees comuns14 A ideia portanto ao fazer o papel
de siacutentese conteacutem em si a finalidade da razatildeo
Diante deste cenaacuterio retornamos ao conceito de humanidade o qual
transformado no ideal de humanidade como um fim e si mesmo conteacutem o ponto
nodal de toda a criacutetica moral Neste sentido retornemos ao iniacutecio deste capiacutetulo e
vejamos como Kant inicia sua Fundamentaccedilatildeo do conceito comum de boa vontade
ateacute chegar agrave lei moral que eacute o ideal que dirige a motivaccedilatildeo agrave sua universalidade A
partir daiacute a lei moral expressa no imperativo categoacuterico encontra sua expressatildeo
praacutetica suprema na ideia de humanidade expressa no imperativo praacutetico ―age de tal
maneira que tomes a humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de
qualquer outro sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como
meio15 momento a partir do qual se passa agrave realizaccedilatildeo da razatildeo em sua idealidade
(isto eacute na pura transcendentalidade)
Kant afirma claramente que humanidade eacute uma ideia que eacute na verdade a
ideia de ―humanidade como um fim em si mesmo16 Para demonstrar a
possibilidade da ideia ele faz quatro afirmaccedilotildees baseadas nos exemplos que usou
para confirmar a validade do imperativo categoacuterico
Na primeira Kant busca apontar os riscos que haacute em tornar a vida humana
um bem disponiacutevel Segundo ele condicionar a vida a determinadas condiccedilotildees eacute
fazecirc-la coisa e assim destruir a sua incondicionalidade Se assim se faz perde-se o
proacuteprio significado do homem ser um e uacutenico com a humanidade que soacute pode ser
um fim para ele jamais um meio Se o homem eacute meio a moral jaacute natildeo tem sentido17
Na segunda Kant quer mostrar como natildeo se valer de si ou de outro como
humanidade em si mesma significa a perda da capacidade de estabelecer um
criteacuterio igualitaacuterio nas relaccedilotildees entre os homens representando no fim das contas a
perda da capacidade de concordacircncia entre os homens18 a qual apenas se tem
quando a moral se funda na responsabilidade de cada accedilatildeo pela proacutepria
humanidade
14
―A razatildeo natildeo se contenta com as condiccedilotildees conhecidas na experiecircncia dada mas progride na seacuterie das condiccedilotildees ateacute o incondicionado que eacute a totalidade das condiccedilotildees ou a ideia a que nenhum objeto dos sentidos corresponde Salgado Joaquim Ibidem p 55 15
Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes pp 243245 16
Kant Immanuel Ibidem p 245 17
Kant Immanuel se ele [homem] destroacutei a si mesmo para fugir de um estado difiacutecil de suportar ele se serve de uma pessoa como um mero meio para conservaccedilatildeo de um estado toleraacutevel ateacute o fim da vida Ibidem p 245 18
Kant Immanuel Ibidem p 247 ―eacute impossiacutevel que aquele que eu quero usar para as minhas intenccedilotildees mediante tal promessa [mentirosa] concorde com a minha maneira de proceder com ele e contenha portanto ele proacuteprio o fim dessa accedilatildeo
29
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Na terceira afirmaccedilatildeo ele diz que natildeo importa apenas que a accedilatildeo natildeo esteja
em conflito com a humanidade mas deve com ela estar de acordo Significa no fim
das contas um dever positivo natildeo negativo que importa na conservaccedilatildeo da
humanidade como fim em si mesmo e a promoccedilatildeo deste fim19
Na quarta e uacuteltima ele insiste no dever positivo mostrando com a
humanidade em si mesmo soacute eacute capaz de significar isso quando a moral se baseia na
busca da felicidade do outro20 busca esta que representa o proacuteprio fim a ser
perseguido com relaccedilatildeo agrave humanidade Dessa maneira ele expressa na
humanidade como um fim em si mesmo o proacuteprio ideal de humanidade e o seu
destino comum que sua foacutermula visa Jaacute eacute possiacutevel entatildeo a felicidade de todos jaacute
que ―os fins do sujeito que eacute fim em si mesmo tecircm de ser tambeacutem tanto quanto
possiacutevel os meus fins se aquela representaccedilatildeo deve produzir em mim todo o seu
efeito21
Assim ficamos tentados a dizer que o ―eu transcendental moral (razatildeo)
subjetivo eacute seguido natildeo de outro ―eu (razatildeo) objetivo Isto tornaria a lei moral uma
questatildeo de escolha ―individual o que natildeo poderia jamais se coadunar com os
objetivos do autor O aspecto praacutetico do imperativo onde a humanidade ocupa o
lugar da lei moral poderia ser mais bem definido como certo ldquonoacutesrdquo transcendental
Evidentemente o termo transcendental de alguma maneira jaacute faz as vezes
do ―noacutes Contudo aqui esta pessoa do plural toma um sentido diferente Queremos
com ela nos referir a uma postura do ―eu que se coloca diante de si um ideal a que
se chama ―humanidade Assim com a filosofia moral kantiana pensamos como
somos capazes de agir o destino do nosso ―eu conforme o destino da
―humanidade Parece ser este tipo de altruiacutesmo que natildeo eacute outro mas noacutes mesmos
objeto de defesa kantiana Em outras palavras Kant prega uma concordacircncia entre
a nossa proacutepria humanidade e a humanidade em geral enquanto o ideal metafiacutesico
de todas as accedilotildees respectivamente princiacutepio do querer e lei moral
Aiacute reside ao que tudo indica a grande contribuiccedilatildeo da filosofia moral de Kant
apesar do formalismo do filoacutesofo Diante as quatro afirmaccedilotildees que servem para
mostrar a validade do imperativo praacutetico (―age de tal maneira que tomes a
humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro sempre ao
19
Cf Kant Immanuel Ibidem p 249 20
Como jaacute explicamos anteriormente querer o bem-estar (felicidade) particular e o bem-estar geral satildeo coisas distintas jaacute que a segunda pode conter a universalidade a primeira jamais Apenas o desejo de bem-estar geral pode concordar com o destino fraterno de todos e somente nele pode estar a propriedade categoacuterica do imperativo e de toda accedilatildeo moral 21
Kant Immanuel Ibidem p 249
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mesmo tempo como fim nunca meramente como meio) ele nos fornece um ideal
que carregado de princiacutepios relativos ao querer serve para a concretizaccedilatildeo da vida
em comum e abre a possibilidade de um destino para o homem que natildeo seja
apenas a realizaccedilatildeo de um jogo de interesses
E eacute dessa maneira que Kant chega agrave terceira foacutermula do imperativo
categoacuterico que exibe a ―vontade universalmente legislante22 O acento das
formulaccedilotildees que se iniciou na maacutexima e decorreu agrave possibilidade de fundamentar o
homem como um fim em si mesmo agora toma aparentemente atraveacutes da abertura
que lhe deu o ideal de humanidade a universalidade da vontade como objeto da
moral pensando a responsabilidade que implica a liberdade ao sujeito que eacute capaz
de legislar de acordo com a lei Esta responsabilidade que decorre da natureza
mandamental da lei moral eacute que daacute ao sujeito que legisla de acordo com o desejo
superior a sua autonomia ―legislando universalmente segundo o seu fim natural23
Esse fim natural que se confunde com o fim em si mesmo que Kant expotildee na
segunda formulaccedilatildeo do imperativo categoacuterico eacute um lugar a ser encontrado ―Imagina
que a tua maacutexima tenha o valor de uma lei universal da natureza ndash e examina
entatildeo o que a sua aplicaccedilatildeo acarretaria cita Lebrun24 De fato ―se eu determino a
minha vontade de modo a romper com toda motivaccedilatildeo natural eacute porque estou
cumprindo a funccedilatildeo de legislador a que me destinava a natureza25 A obediecircncia agrave
lei assim aparece
―Agora como o ato conforme por excelecircncia ao sentido de minha
existecircncia E com isso mesmo adquiro uma nova compreensatildeo de por que nunca devo tratar a humanidade racionaacutevel como mero meio cada vez que por egoiacutesmo recuso a dignidade de ser racionaacutevel a outro homem estou negando que o ser racionaacutevel seja nessa sua qualidade legislador universal por natureza ndash e assim que eu queira ou natildeo a expressatildeo ―ser racionaacutevel acaba designando para mim nada mais do que uma particularidade que especifica alguns viventes ndash um fato natural natildeo uma vocaccedilatildeo por natureza
26
Kant nesse sentido procura na moral mais do que localizar o seu ponto a
priori Busca a vocaccedilatildeo a que a liberdade possibilita justamente pela capacidade de
exerciacutecio ideal que a razatildeo praacutetica permite Como vimos de alguma maneira na
anaacutelise do mal radical (A Religiatildeo nos limites da simples Razatildeo) o projeto kantiano eacute
a construccedilatildeo teoloacutegica dos fins dos homens que unidos na sua autonomia ndash eacute dizer
22
Kant Immanuel Ibidem p 253 23
Kant Immanuel Ibidem p 257 24
Lebrun Geacuterard Uma escatologia para a moral apud in Kant Immanuel Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita p 74 25
Lebrun Geacuterard Ibidem p 74 26
Lebrun Geacuterard Ibidem p 75
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porque tecircm a razatildeo como elemento unificador e pressuposto a todos os atos ndash
percebem o sentido da vida em comum pela razatildeo sabem o motivo pelo qual foram
criados
―Natildeo fosse o horizonte da Criaccedilatildeo seria impossiacutevel pensar-se o conjunto dos seres racionaacuteveis como uma totalidade sistemaacutetica a humanidade somente seria imaginaacutevel como uma pluralidade de pontos disseminados ndash da forma que aparece no plano da natureza sensiacutevel
27
A vontade universal portanto eacute mais uma vez concorde agora com uma
vontade superior que eacute a expressatildeo racional de unidade do querer Porque
colocado o desejo superior como pressuposto de todo querer a vontade tem em si o
destino a ser seguido por todos os homens na aptidatildeo a que foram criados Agrave
reuniatildeo de todos os homens sob tal vocaccedilatildeo Kant predica o destino de um reino
dos fins que eacute o destino da liberdade dada pela razatildeo substituindo o discurso
poliacutetico acerca da sociedade por um da escatologia do homem28
―Entendo poreacutem por reino a ligaccedilatildeo sistemaacutetica de diferentes seres racionais mediante leis comuns Ora uma vez que as leis determinam os fins segundo sua validade universal seraacute possiacutevel entatildeo se nos abstrairmos da diferenccedila pessoal dos seres racionais bem como de todo conteuacutedo de seus fins privados pensar um todo de todos os fins (tanto dos seres racionais enquanto fins em si como tambeacutem dos fins proacuteprios que cada um possa pocircr para si mesmo) em conexatildeo sistemaacutetica isto eacute um reino dos fins o que eacute possiacutevel segundo os princiacutepios acima29
Os homens assim na praacutetica moral se tornam seres racionais de um uacutenico
sistema completamente transcendental de maneira que os fins de cada ―eu eacute um
todo moral contendo cada accedilatildeo o esforccedilo para entrada no aludido reino totalizante
Isto eacute possiacutevel apenas porque natildeo haacute neste reino qualquer ser que seja tratado
como meio mas cada um eacute o fim de todos os outros Desse modo eacute que se alcanccedila
o valor intriacutenseco do homem a sua dignidade Como Kant explica
―Ora a moralidade eacute a uacutenica condiccedilatildeo sob a qual um ser racional pode ser
fim em si mesmo porque soacute atraveacutes dela eacute possiacutevel ser um membro legislante no reino dos fins Portanto a moralidade e a humanidade na
27
Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 28
Nesse sentido veja-se novamente Lebrun ―a ideia de ―reino dos fins desordenaraacute de maneira definitiva os dados da antropologia poliacutetica o indiviacuteduo humano (do qual partiam os pensadores poliacuteticos) natildeo seraacute mais por definiccedilatildeo do que um ser ―patoloacutegico abstrato (hellip) e o uacutenico ponto de partida para o discurso escatoloacutegico que entatildeo sucede ao discurso poliacutetico seraacute a pessoa noumenal dedicada por sua essecircncia a uma comunidade o ser puramente racionaacutevel cujo modelo terreno obviamente natildeo eacute mais o indiviacuteduo poreacutem o membro do gecircnero humano Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 (grifo nosso) 29
Kant Immanuel Ibidem p 259
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medida em que ela eacute capaz da mesma eacute a uacutenica coisa que tem dignidade
30
Assim o homem tornado agrave sua racionalidade pura na praacutetica de suas accedilotildees
encontra a dignidade que eacute intriacutenseca agrave humanidade como fim em si mesmo A
dignidade eacute da autonomia e da sistematicidade que deve respeito a esta autonomia
que concorda com a legislaccedilatildeo universal
A escatologia kantiana aponta para a realizaccedilatildeo de uma forma de
comunidade universal cujo fundamento de justiccedila reside justamente no
respeito e no cuidado muacutetuos que eacute no fim das contas bem querer aquele
que estaacute proacuteximo
Todos os princiacutepios decorrentes da boa vontade (―fidelidade agraves promessas
―benevolecircncia por princiacutepio31) buscam cumprir o valor intriacutenseco da humanidade
enquanto se encaminha para o destino comum A justiccedila que lhe decorre eacute pautada
pelo respeito agrave liberdade de cada vontade sem a intenccedilatildeo de deturpar a sua
escolha ndash que deve livremente apenas pela reverecircncia escolher a lei moral ndash da
mesma maneira que todos assim devem realizar A isto se daacute o nome de dignidade
do homem que eacute base de todas as declaraccedilotildees de direitos que se baseiam no
anseio humanitaacuterio de kantiano
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Assim neste ideal de humanidade que sustenta a intenccedilatildeo de linearidade no
homem e o daacute sentido de destino estatildeo incluiacutedos a liberdade e a igualdade Parece
ser este ideal o princiacutepio e o fim de toda a filosofia de Kant Estaacute o desejo superior
de benevolecircncia que eacute princiacutepio e fim em todo querer racional Aliaacutes colocada esta
noccedilatildeo de justiccedila antes mesmo do proacuteprio Direito que depende da moral na busca de
uma possiacutevel universalidade das suas diretrizes eacute do sentido que dela emana que
passa a existir o homem na eacutetica kantiana que justiccedila seja bem querer ao outro
que eacute no fim das contas um representante de todos noacutes
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
CACCIOLA Maria Lucia Os pensadores um Curso Rio de Janeiro Casa da
Palavra 1ordf Ed 2009
30
Kant Immanuel Ibidem p 265 31
Kant Immanuel Ibidem p 267
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DELEUZE Gilles Para ler Kant Trad Sonia Dantas Guimaratildees Rio de
Janeiro Livraria Francisco Alves Ed 1976
HART Herbert O conceito de Direito Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1ordf Ed
2009
KANT Immanuel A religiatildeo nos limites da simples razatildeo trad Artur Mouratildeo
Lisboa Editora 70
_____________ Criacutetica da Razatildeo Praacutetica Trad com introduccedilatildeo e notas de
Valeacuterio Rohden Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2011
_____________ Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes introduccedilatildeo por
Guido Antocircnio de Almeida Satildeo Paulo Barcarolla 2009
____________ Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista
cosmopolita Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 Apresentaccedilatildeo Geacuterard Lebrun
NOVELLI Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant
Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos
RICOEUR Paul O Justo 1 Trad Ivone Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes
2008
SALGADO Joaquim Carlos Salgado A ideia de justiccedila em Kant Seu
fundamento na liberdade e na igualdade Belo Horizonte Del Rey 3ordf Ed 2012
SAMPAIO FERRAZ JR Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito Teacutecnica
Decisatildeo Dominaccedilatildeo 6ordf ed Satildeo Paulo Ed Atlas 2012
Autor ndash Piterson Balmat Gonccedilalves
Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade de Satildeo Paulo Graduado em Direito pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor e Advogado E-mail piterson_avyahoocombr
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A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO
ldquoCalvino e o calvinismo de origem
contribuiacuteram certamente para tornar
muito mais faacuteceis no seio das populaccedilotildees
reformadas o desenvolvimento da vida
econocircmica e o surto do capitalismo
nascenterdquo
Andreacute Bieacuteler32
RESUMO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber a Reforma Protestante do seacuteculo
XVI proporcionou o florescimento do capitalismo Para tanto Weber estudou o
calvinismo o pietismo o metodismo e os batistas Mas seraacute que o calvinismo possui
alguma relaccedilatildeo causal com o capitalismo O objetivo desse ensaio foi demonstrar
como alguns elementos poliacuteticos e econocircmicos na reforma calvinista em Genebra
propiciaram o desenvolvimento do capitalismo Para tanto essa pesquisa serviu-se
do meacutetodo qualitativo com pesquisa bibliograacutefica nas obras de Vicente Themudo
Lessa e Andreacute Bieacuteler O ensaio apontou que embora os objetivos de Joatildeo Calvino
natildeo fossem capitalistas os aspectos poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Calvinista
em Genebra carregaram em si os elementos seminais do capitalismo
Palavras-chave Calvinismo Genebra Reforma Protestante Capitalismo
ABSTRACT
According to German sociologist Max Weber the 16th century Protestant
Reformation provided the flourishing of capitalism Weber studied Calvinism Pietism
Methodism and Baptists But does Calvinism have any causal relationship to
capitalism The purpose of this essay was to demonstrate how some political and
economic elements in the Calvinist reform in Geneva led to the development of
capitalism Therefore this research used the qualitative method with bibliographic
research in the works of Vicente Themudo Lessa and Andreacute Bieacuteler The essay
pointed out that while John Calvins goals were not capitalist the political and
32
Andreacute Bieacuteler (1990 p 661)
autor Prof Dr Ceacutesar Rocha Lima
rochalimauspbr
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economic aspects of the Calvinist Reformation in Geneva carried within them the
seminal elements of capitalism
Keywords Calvinism Geneva Protestant Reformation Capitalism INTRODUCcedilAtildeO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber (1864-1920) ―o ascetismo
cristatildeo que de iniacutecio se retirara do mundo para a solidatildeo jaacute tinha regrado o mundo
ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja [] Agora avanccedilava
para o mercado da vida fechando atraacutes de si a porta do mosteiro (2009 p 121)
Para demonstrar a nova forma do ascetismo cristatildeo Weber distinguiu o ethos
protestante como elemento responsaacutevel pela vida disciplinada apego ao trabalho e
valorizaccedilatildeo da poupanccedila Nesse mister ele estudou algumas categorias do
protestantismo claacutessico entre elas o calvinismo o pietismo o metodismo e as
―seitas batistas (sic)
Em se tratando do calvinismo Weber afirmou que a sua doutrina central
(predestinaccedilatildeo) associada ao conceito luterano de trabalho como vocaccedilatildeo Beruf33
resultou no florescimento do capitalismo
Mas haveria ipso facto uma relaccedilatildeo entre o calvinismo e o capitalismo O
ramo calvinista da Reforma Protestante do seacuteculo XVI teria abrigado em si as
sementes do capitalismo
Constitui-se como objetivo deste ensaio destacar os principais aspectos
poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Genebrina do seacuteculo XVI a fim de examinar se
ela carregou as sementes do capitalismo moderno
Contudo vejamos primeiramente como se desenrolou a Reforma Calvinista
em Genebra na pessoa e obra de Joatildeo Calvino
1 JOAtildeO CALVINO
Calvino nasceu na pequena cidade de Noyon na Franccedila em 10 de julho de
1509 ele foi o segundo filho em uma famiacutelia de cinco irmatildeos
Seu pai Geacuterard Cauvin pertenceu agrave classe meacutedia e trabalhava como
secretaacuterio do bispo e procurador da biblioteca da catedral Sua matildee Jeanne
33
De acordo com Weber (2009 p 69) ―jaacute natildeo resta duacutevida de que na palavra alematilde Beruf e talvez mais claramente ainda na palavra inglesa calling estaacute pelo menos impliacutecita uma conotaccedilatildeo religiosa de uma tarefa confiada por Deus
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Lefranc proveniente de uma famiacutelia da classe alta faleceu quando Calvino possuiacutea
apenas seis anos
Devido agrave posiccedilatildeo que seu pai ocupava e agrave proximidade com o bispo de
Noyon Calvino e seus irmatildeos foram auxiliados no custeio dos seus estudos
(COSTA 2009 p 28) Com esses recursos Calvino pocircde estudar em Paris no
Collegravege de La Marche em 1523 onde teve seu primeiro contato com o humanismo
neste periacuteodo as discussotildees teoloacutegicas estavam num periacuteodo de efervescecircncia34
No ano seguinte ele estudou Gramaacutetica Filosofia e Teologia no Collegravege de
Montaigu concluindo assim a sua licenciatura em Artes Em seguida foi enviado por
seu pai para estudar advocacia na Universidade de Orleans de cunho humanista
―sob a influecircncia do conceituado jurista Pierre LlsquoEacutetoile designado rei da
jurisprudecircncialsquo e priacutencipe dos juristaslsquo que se tornaria posteriormente presidente
do Tribunal do Parlamento em Paris (COSTA 2009 p 31)
Contudo Calvino resolveu deixar a Universidade de Orleans antes de
terminar os estudos transferindo-se em 1529 para a Universidade de Bourges
Com a morte de seu pai ele retornou a Paris a fim de aperfeiccediloar os seus estudos
na liacutengua grega e hebraica no Coleacutegio Fortet
No ano seguinte Calvino adotou as ideias reformistas dispensando o seu
custeio eclesiaacutestico (CAIRNS 1988 p 252) Em 1534 foi compelido a abandonar a
Franccedila por elaborar juntamente com seu amigo Nicolaacutes Cop reitor da Universidade
de Paris um discurso de posse da reitoria o qual continha em seu bojo ideias
humanistas e reformistas Cop foi para Basileia35 e Calvino para outras cidades na
Franccedila Nesse interim Calvino influenciado pelo humanismo e ideias da reforma
aquiesci ao protestantismo propondo um sistema diferenciado de interpretaccedilatildeo das
Escrituras com ecircnfase na soberania de Deus
Em 1536 Calvino publicou o primeiro livro de As Institutas da Religiatildeo
Cristatilde36 que se tornou sua obra mais conhecida (CALVINO 1985 p 15) A partir de
entatildeo ele continuou preparando ediccedilotildees sucessivas37 de As Institutas que
aumentaram gradualmente ateacute a sua forma final (CALVINO 1989)
34
As ideias reformistas deJohn Wyclif John Huss e Martinho Lutero eram debatidas nos principais ciacuterculos acadecircmicos 35
Um dos cantotildees da Suiacuteccedila que serviu como uma espeacutecie de refuacutegio para os protestantes no periacuteodo de preacute-reforma e reforma 36
Trata-se de um livro dirigido ao monarca Francisco I da Franccedila na tentativa de defender os protestantes que eram retaliados pelos seus novos costumes Calvino solicitou ao monarca uma cabal investigaccedilatildeo pois ateacute o momento estaacute tinha sido feita de forma desordenada quando natildeo todo tumultuada e sem nenhuma sistemaacutetica de direito 37
Nas proacuteximas ediccedilotildees de As Institutas Calvino desenvolveu a doutrina da predestinaccedilatildeo sob o
37
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As Institutas de Religiatildeo Cristatilde foram precedidas de uma epiacutestola dirigida ao
monarca Francisco I rei da Franccedila datada em 23 de agosto de 1535
2 A REFORMA EM GENEBRA
Nesse mesmo ano Calvino decidiu estabelecer seu domiciacutelio em Estrasburgo
lugar onde as ideias e princiacutepios reformistas receberam boa acolhida Este ambiente
tornara-se propiacutecio para as atividades teoloacutegicas e literaacuterias do reformador bastante
oportuno para a produccedilatildeo dos seus trabalhos
Todavia depois de uma breve visita a Ferrara e agrave Franccedila o caminho mais
curto para Estrasburgo estava fechado por confrontos militares e Calvino teve que
se desviar e pernoitar em Genebra
Mal o sabia que isto mudaria totalmente o curso de sua vida Guilherme de
Farel que tentara implantar sem muito sucesso os princiacutepios reformadores na
cidade de Genebra foi informado que Calvino pernoitara ali
Logo em contato com Calvino apresentou vaacuterias razotildees pelas quais
precisava da sua permanecircncia Calvino escutou-lhe atentamente e afirmou que natildeo
poderia aceitar o convite pois buscava em Estrasburgo as condiccedilotildees favoraacuteveis para
os seus estudos
Esgotados os argumentos e sem sucesso Farel fez o seguinte apelo ao
teoacutelogo de forma estridente ―Deus amaldiccediloe teu descanso e a tranquilidade que
buscas para estudar se diante de uma necessidade tatildeo grande te retiras e te negas
a prestar socorro e ajuda (GONZALEZ 1989 p 113)
Diante de tal imprecaccedilatildeo Calvino desistiu dos seus planos em Estrasburgo e
principiou o seu trabalho como reformador em Genebra
Depois de uma breve introduccedilatildeo sobre a vida de Joatildeo Calvino e os caminhos
que o levaram a Genebra vejamos os principais aspectos poliacuteticos e econocircmicos
que culminaram na reforma calvinista na Genebra do seacuteculo XVI
21 - Aspectos Poliacuteticos
Genebra antes da chegada de Farel e Calvino era conduzida na forma de
bispado Seu comando estava nas matildeos de trecircs autoridades o Bispo chamado
tambeacutem de ldquopriacutencipe de Genebra teoricamente o soberano da cidade com poderes
para cunhar moedas fixar impostos comandar a cidade em tempo de guerra julgar
binocircmio depravaccedilatildeo humana poacutes eacuteden e soberania divina
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as apelaccedilotildees e perdoar crimes o Magistrado incumbido da defesa da cidade da
guarda e execuccedilatildeo dos prisioneiros e por fim o Conselho de Genebra composto
de conselheiros de entre os moradores da cidade que julgava as questotildees criminais
concernentes aos leigos (as infraccedilotildees dos sacerdotes era da competecircncia do
bispado) cuidava do abastecimento da cidade das financcedilas e mantinha a boa
ordem por meio da poliacutecia Este era o sistema adotado pela maioria das cidades
europeias catoacutelicas (LESSA 2010 pos 1851)
Diante da grande autoridade do bispado eram frequentes os conflitos em
busca dos direitos entre o bispado o conselho e o povo Contudo em 1536 quando
Genebra abraccedilou oficialmente a reforma38 o bispado perdeu seu poder e os
conselheiros assumiram as funccedilotildees desse Desta forma a Igreja deixou de exercer
a sua primazia sobre o Estado e tornou-se lhe subordinada
Em 1537 a pedido de Farel Calvino iniciou seus trabalhos em Genebra
Ambos redigiram uma Confissatildeo de Feacute39 de vinte e um artigos Essa confissatildeo
serviria de regulamento para a Igreja em Genebra e foi aprovada pelo Conselho em
novembro daquele ano
Uma vez que a Igreja estava subordinada ao Estado e o Conselho era o seu
representante legal coube-lhe o direito de investigar e punir todas as infraccedilotildees das
leis cristatildes Aos pastores fora designado o direito de produzir todos os regulamentos
que julgassem necessaacuterios de assinalar aos magistrados os delitos e incentivar as
puniccedilotildees (LESSA 2010 pos 2217)
Se no sistema anterior a Igreja Romana se envolvia nos assuntos estatais
agora o Estado eacute quem deveria resolver as questotildees eclesiaacutesticas Nesse novo
sistema considerando que o Conselho se pautava por um ethos protestante a
reforma natildeo implicou na eliminaccedilatildeo do controle da Igreja na vida cotidiana mas
antes substituiu o controle vigente por uma nova forma
38
No dia 21 de maio de 1536 na Catedral de Satildeo Pedro reuniu-se o Conselho e foi lida uma moccedilatildeo em que se decidia por unanimidade a aceitaccedilatildeo da religiatildeo reformada e a supressatildeo das missas e do modelo de culto proposto por Roma Logo foi colocada a porta da Catedral uma placa com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoEm memoacuteria da graccedila que Deus nos fez de haver sacudido o jugo do anticristo abolido a supersticcedilatildeo e recobrado a nossa liberdaderdquo (LESSA 2010 pos 2027) 39
Assim como no periacuteodo do Imperador Constantino (transiccedilatildeo do paganismo para o cristianismo) houve uma grande produccedilatildeo de Credos Apostoacutelico Niceno-constantinopolitano Atanasiano tambeacutem na Reforma (transiccedilatildeo do catolicismo para o protestantismo) houve por parte dos reformadores e seus seguidores uma enorme produccedilatildeo de Confissotildees de Feacute (Escocesa Augsburgo Helveacutetia Dort e Westminster) Esses siacutembolos foram ―de grande valia para a educaccedilatildeo dos crentes partindo sempre do princiacutepio da necessidade da feacute expliacutecita de que todos os cristatildeos devem conhecer sua feacute sabendo no que creem e por que creem (COSTA 2002 p 13)
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Nesse mister Weber fez a seguinte afirmaccedilatildeo
[] a regra do calvinismo tal como foi imposta no seacuteculo XVI em Genebra e na Escoacutecia entre o seacuteculo XVI e XVII em grande parte da Holanda no seacuteculo XVII na Nova Inglaterra e por algum tempo na proacutepria Inglaterra se tornaria a forma mais intoleraacutevel de controle eclesiaacutestico do indiviacuteduo que jaacute pocircde existir (2009 p 40)
O controle que a Igreja Romana possuiacutea sobre o indiviacuteduo se tornara frouxo
mas a reforma calvinista (genebrina) levou esse controle ao extremo Em Genebra
isto se deu com os regulamentos ndash ou Articuli de regimine Ecclesiae ndash que logo
provocaram muitos conflitos porquanto entendiam alguns cidadatildeos que os pastores
nada tinham que ver com as suas vidas particulares
Rompendo com o bispo eles achavam que no gozo de sua independecircncia
poliacutetica poderiam tambeacutem desfrutar plenamente a liberdade religiosa
O povo genebrino protestou e Calvino percebeu que natildeo seria tatildeo simples a
implantaccedilatildeo da reforma naquele paiacutes Por meio de um desabafo ele registrou esse
conflito numa correspondecircncia ao seu amigo Bullinger
Estamos expostos as mais seacuterias dificuldades [] porquanto o povo sacudindo o jugo dos sacerdotes entende que se libertou de toda a autoridade do mundo Muitos cidadatildeos exclamam O conhecimento dos evangelhos nos eacute suficiente sabemos como os devemos ler e nada tendes a ver com nossos atos (GUIZOT 1868 pp 219 220)
Este conflito entre Calvino e Farel de um lado e o povo buscando uma maior
liberdade do outro levou a um enrijecimento40 das partes Eacute claro que natildeo se deve
atribuir a Calvino a paternidade de todos os regulamentos severos de Genebra
havia em outros cantotildees leis austeras naqueles dias41
Assim os homens que se opunham aos reformadores constituiacuteam uma
facccedilatildeo poliacutetica e religiosa Eram denominados libertinos devido as suas ideologias
de liberdade e uma vez livres do bispo natildeo queriam se sujeitar agraves novas leis
votadas
40
Com os novos regulamentos as leis de Genebra se tornaram mais austeras e nem os proacuteprios conselheiros e homens de destaque escapavam das suas penas ―Certo individuo acusado de perjuacuterio foi iccedilado a uma escada por algumas horas tendo a matildeo direita ligada ao alto Um aduacuteltero e sua cuacutemplice foram condenados a passear juntos na cidade um jogador obstinado foi exibido tendo as cartas penduradas ao pescoccedilo uma cabeleireira que havia penteado imodestamente uma jovem esposa foi condenada a dois dias de prisatildeo tambeacutem eram punidos os pais que privavam seus filhos da escola (LESSA 2010 pos 2258) 41
Em Zurique exigia-se a assistecircncia de todas as pessoas ao culto puacuteblico em determinadas horas ―Sob pena de multa era proibido jurar jogar dados e cartas o adulteacuterio era punido com prisatildeo ou exiacutelio Em Basileacuteia era obrigatoacuteria a assistecircncia aos cultos puacuteblicos Nos distritos pertencentes ao governo de Berna as danccedilas eram proibidas [] (LESSA 2010 pos 2247)
40
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Os libertinos tanto da facccedilatildeo poliacutetica como religiosa fizeram liga para se
oporem agraves tendecircncias dos pastores de Genebra Philiberto Berthelier Perrin e
Troillet eram os principais entre os do partido poliacutetico Quintin e Poquet eram chefes
dos Libertinos espirituais (LESSA 2010 pos 2284)
Nas eleiccedilotildees de fevereiro de 1538 os Libertinos obtiveram a maioria no
Conselho o qual logo determinou que o puacutelpito natildeo fizesse alusatildeo aos negoacutecios da
repuacuteblica Em oposiccedilatildeo num domingo de paacutescoa Farel e Calvino pregando
respectivamente nas Igrejas de Satildeo Gervaacutesio e Satildeo Pedro vendo muitos membros
do partido Libertino nos dois templos recusaram-se a celebrar a Santa Ceia
No dia seguinte reuniu-se o Conselho e decretou o banimento dos
reformadores em trecircs dias Desta forma saiacuteram de Genebra Farel e Calvino sendo
que este foi para Estrasburgo e aquele para Neuchacirctel
O banimento suacutebito de Farel e Calvino de Genebra chamou a atenccedilatildeo de
Roma para uma excelente oportunidade que se lhe abria e o cardeal Sadoleto
serviu-se da ocasiatildeo para uma reinserccedilatildeo da Igreja Romana nos negoacutecios religiosos
durante a ausecircncia do reformador (LESSA 2010 pos 3128)
Apoacutes trecircs anos do banimento continuava a reinar o espiacuterito de turbulecircncia e
insubordinaccedilatildeo agraves leis Em setembro de 1540 alguns membros do Conselho
comeccedilaram a formular planos para a revogaccedilatildeo do banimento de Calvino Em maio
1ordm de maio de 1541 o Conselho de Genebra revogou o decreto de 23 de abril de
1538 que bania da cidade Farel e Calvino e solicitou o empenho de Basileacutea Zurich
e da proacutepria Estrasburgo para que o reformador lhes fosse restituiacutedo coisa
conseguida natildeo sem dificuldade Jaacute no caso de Farel Neuchacirctel natildeo consentira em
se separar dele
No dia 13 de setembro de 1541 Calvino retorna a Genebra sendo que dez
dias depois apresentou ao Conselho um projeto contendo cento e sessenta e oito
artigos discutindo e emendando-o ateacute a sua votaccedilatildeo definitiva no dia 2 de janeiro de
154242
Esse projeto foi chamado de Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e tratava-se de um
novo modelo de sistema de governo onde haveria uma maior separaccedilatildeo entre os
assuntos da Igreja e do Estado Agora os pastores mestres diaacuteconos e consistoacuterio43
cuidariam dos assuntos eclesiais e o Conselho dos assuntos estatais
42
Segundo alguns historiadores nesta data instalou-se legalmente a ―Repuacuteblica Calvinista (LESSA 2010 pos 2935) 43
O Consistoacuterio compreendia os pastores e doze leigos nomeados pelo Conselho de Estado Estes leigos eram eleitos pelo periacuteodo de um ano podendo ser reconduzidos os que dessem bom
41
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Este sistema de governo eclesiaacutestico veio a ser adotado nas igrejas
reformadas da Suiacuteccedila da Franccedila da Holanda e da Escoacutecia
Todavia a poliacutetica de controle sobre os indiviacuteduos nas questotildees eclesiaacutesticas
atingiu seu cliacutemax no retorno de Calvino E o caso da execuccedilatildeo do ―herege Miguel
Serveto44 nas palavras do historiador Gonzalez se tornou ―siacutembolo do dogmatismo
riacutegido que reinava na Genebra de Calvino (1989 p 116) foi o ―golpe de
misericoacuterdia no partido dos Libertinos que saiu em defesa de Serveto
Esse sistema riacutegido de controle social proposto na reforma genebrina foi
chamado por Weber de ascetismo extramundano Conforme o autor
A coisa mais importante poreacutem foi o fato de que o homem que par excellence vivia a vida racional no sentido religioso era e continuou sendo monge Assim quando mais o ascetismo estivesse agarrado ao indiviacuteduo servia simplesmente para afastaacute-lo da vida cotidiana jaacute que a tarefa mais santa era definitivamente a de ultrapassar toda a moralidade mundana (2009 p 98)
22 - Aspectos Econocircmicos
Genebra pouco antes da chegada de Calvino possuiacutea entre 10000 a 12000
habitantes Era uma cidade conhecida pelas suas ruas limpas banheiros puacuteblicos e
pelas suas famosas feiras Contudo a sua economia estava em decliacutenio
A partir da segunda metade do seacuteculo XV enfraqueceu-se rapidamente a
atividade comercial Uma das principais razotildees foi a proibiccedilatildeo por parte do rei da
Franccedila Luiz XI de seus suacuteditos frequentarem as feiras de Genebra ndash o intuito era
aumentar o prestiacutegio e importacircncia das feiras de Lyon
Desta forma a cidade entrou num periacuteodo duro de retraccedilatildeo econocircmica
seguido de uma grande pobreza Sua economia estava apoiada na induacutestria de
tecidos (uma das mais lucrativas nos seacuteculos XV e XVI) na fabricaccedilatildeo de peccedilas
indumentaacuterias (chapelarias alfaiatarias sapatarias) e na praacutetica ourives (produccedilatildeo
de baixelas de prata objetos lituacutergicos e joias de toda espeacutecie)
testemunho de sua aptidatildeo O principal papel do Consistoacuterio era o de velar pelas Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e pela manutenccedilatildeo da disciplina O poder ―espiritual do Consistoacuterio demonstrava-se no direito a excomunhatildeo privando o culpado da participaccedilatildeo da Santa Ceia (LESSA 2010 pos 4177) 44
Serveto era meacutedico (descobridor do sistema pulmonar respiratoacuterio) teoacutelogo e filoacutesofo Em sua obra Restituitio questionou o dogma da trindade e afirmou ser este um desvio da igreja no Conciacutelio de Niceacuteia (325 dC) Serveto fora condenado pelo tribunal eclesiaacutestico da Igreja Romana em Viena E veio a Genebra a fim de difundir sua teologia (entre os libertinos) entendendo que Genebra por ter aderido agrave reforma lhe daria maior liberdade na sua teologia Contudo quando Serveto foi assistir um sermatildeo de Calvino (natildeo se sabe se por livre vontade ou por forccedila de lei) ele foi identificado julgado pelo tribunal eclesiaacutestico e uma vez que o mesmo natildeo se retratou de suas ―heresias foi condenado a fogueira em 1553 (DIDE sd p 180)
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Por ocasiatildeo da Reforma a economia genebrina sofreu grandes
transformaccedilotildees Os ourives por proibiccedilatildeo deixaram a fabricaccedilatildeo de objetos
lituacutergicos e por influecircncia dos refugiados abraccedilaram a arte da relojoaria (BIELER
1990 p 217)
As artes graacuteficas tiveram um grande desenvolvimento em funccedilatildeo da
publicaccedilatildeo de material protestante livros catecismos manuais para catecismo
regulamentos e leis Jean Geacuterard se instalou na cidade em 1536 e executou vaacuterias
impressotildees das obras de Calvino Jean Crespin Conrad Badius Robert Eacutetienne e
outros menos conhecidos todos refugiados introduziram em Genebra o que a
tipologia parisiense produzia de melhor
Outros ofiacutecios foram impulsionados pelos refugiados Um refugiado em Lyon
colocou seus preacutestimos agrave disposiccedilatildeo da Magistratura para estabelecer em Genebra
manufaturas de tecidos em seda
O nuacutemero de meacutedicos aumentou de 3 para 15 e quase que organizaram o
ensino da medicina na Academia de Genebra Os boticaacuterios passaram a reter a
riqueza e a alta posiccedilatildeo social que tinham anteriormente ao decliacutenio isto devido ao
comeacutercio droguista e de especiarias Contavam-se 96 boticaacuterios residindo em
Genebra de 1536 a 1569 para uma demanda de cerca de 15000 habitantes O
Estado interviu sobre as praacuteticas meacutedicas e sancionou no dia 11 de maio de 1569
as ordenanccedilas sobre a medicina farmaacutecia e cirurgia
O exerciacutecio da magia e do curandeirismo foi proibido por lei os meacutedicos eram
obrigados a visitarem gratuitamente os doentes pobres da zona em que residiam e
as boticas eram regularmente visitadas e fiscalizadas Os honoraacuterios meacutedicos foram
estabelecidos e apoacutes enormes devastaccedilotildees da peste de 1570 o Conselho fixou por
seis sous a visita realizada por cada cliacutenico
Haacute a inferecircncia de que a criaccedilatildeo do Banco de Genebra45 teria produzido um
maior impacto na economia bem como a sua poliacutetica na cobranccedila dos juros A
cobranccedila de juros em Genebra foi praticada desde haacute muito tempo antes da
Reforma
Contudo a Igreja Romana em seus cacircnones sempre se opocircs fortemente a
este tipo de cobranccedila O Conciacutelio de Latratildeo (1179 dC) ameaccedilou de excomunhatildeo os
45
Haacute controveacutersias quanto a criaccedilatildeo do Banco de Genebra Andreacute Bieacuteler pastor e doutor em Ciecircncias Econocircmicas afirma que em 1568 houve a tentativa frustrada de criaccedilatildeo de um Banco em Genebra para-se preservar o valor do dinheiro tomado de empreacutestimo de Basileacuteia em vista da guerra (BIELER 1990 p 239) Jaacute o teoacutelogo e historiador da Reforma Ernest Troeltsch (1958 p 132) entende que na eacutepoca de Calvino houve o estabelecimento do Banco de Genebra
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usuraacuterios manifestos (que praticavam usura) e lhes recusou um sepultamento
cristatildeo
Em 1272 Gregoacuterio X ordenou aos soberanos expulsarem em trecircs meses
todos os usuraacuterios estrangeiros em seus Estados Em 1312 Clemente V condenou
os estatutos municipais que autorizam o empreacutestimo a juros E o Conciacutelio de Viena46
(1331 dC) autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguirem os cristatildeos que
praticassem usura
Por sua vez Calvino fez uma distinccedilatildeo entre banqueiros e usuraacuterios e
defendeu a legalizaccedilatildeo da taxa de juros Neste ponto ele natildeo soacute rompeu com a
teologia da Igreja Romana mas tambeacutem se distanciou de Lutero47 (WEBER 2000
p55)
Calvino foi o primeiro teoacutelogo a admitir esse tipo de empreacutestimo exonerando-o
do oproacutebrio moral (BIEacuteLER 1990 p 239) Contudo pressentindo a gama de males
sociais que o liberalismo econocircmico poderia trazer o reformador propocircs uma
regulamentaccedilatildeo da taxa de juros Fixando em 5 aa em 19 de fevereiro de 1544 e
depois em 666 aa para os anos seguintes Esta barreira deveria inibir de
imediato o empreacutestimo a juros em Genebra e o surgimento de usuraacuterios e agiotas
profissionais aos quais o reformador era estritamente oposto
Esta nova matiz econocircmica de Calvino provocou uma seacuterie de criacuteticas para
os economistas estabelece-se aqui um ponto de virada para o capitalismo liberal
Weber identifica este ethos capitalista do protestantismo com o seguinte conceito de
capitalismo puro
Lembra-te de que o dinheiro eacute de natureza proliacutefica procriativa O dinheiro pode gerar dinheiro e seu produto pode gerar mais e assim por diante Cinco xelins em giro satildeo seis novamente empregados satildeo sete e trecircs pence e assim por diante ateacute atingir cem libras Quanto mais houver dele mais ele produz em cada turno de modo que o lucro aumenta cada vez mais rapidamente (2000 p 29)
O combate agrave pobreza foi outra accedilatildeo que produziu seus efeitos na economia
genebrina Para tanto foram criados dispositivos legais (poliacuteticas puacuteblicas) para o
46
O Conciacutelio de Viena de 1331 autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguir os cristatildeos que praticassem a usura (cobranccedila de juros) A igreja condenava o usuraacuterio porque ele ganhava sobre um tempo que natildeo lhe pertencia o fruto de seu dinheiro natildeo vinha de um trabalho suado pois o seu ganho pressupotildee uma hipoteca sobre um tempo que soacute a Deus pertence 47
Lutero julgou que cobrar juros estaacute em oposiccedilatildeo aos mandamentos divinos Juros altos que conforme Lutero comeccedilam com 5 ao ano prejudicam o devedor da mesma forma como o furto e o roubo Ele foi realista o suficiente para reconhecer que a cobranccedila de juros eacute necessaacuteria na economia mas disse ao mesmo tempo ―Ai dos que cobram juros
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combate agrave pobreza Eles se apoiavam em conceitos teoloacutegicos para fundamentar a
perpeacutetua desigualdade econocircmica48 social
No periacuteodo que esteve em Estrasburgo Calvino defrontou-se com problemas
sociais agudos com uma comunidade de refugiados desprovida de recurso Em
Genebra nas ordenanccedilas ele instituiu a Diaconia como oacutergatildeo de ajuda assistencial
Contudo natildeo bastava simplesmente propiciar aos pobres ajuda material dever-se-ia
dar aos necessitados os meios por si mesmos para saiacuterem de sua condiccedilatildeo
Mestres eram incumbidos da instruccedilatildeo das crianccedilas os enfermos e invaacutelidos
deveriam ser reeducados profissionalmente e a cada domingo eles eram
examinados para avaliar em que condiccedilotildees de trabalho se encontravam
Aos refugiados esforccedilavam-se por todos os meios por oferecer-lhes trabalho
remunerado Aqueles que natildeo achavam emprego em sua profissatildeo destinavam-se
provisoriamente agrave obra de construccedilatildeo das fortificaccedilotildees
Calvino tambeacutem combateu veementemente o oacutecio e a vadiagem De acordo
com suas convicccedilotildees teoloacutegicas o ser humano encontra no trabalho a plena
realizaccedilatildeo da vontade divina De forma que a ociosidade eacute um tipo de alienaccedilatildeo
contraacuteria agrave natureza humana Significa a recusa pelo homem de sua vocaccedilatildeo divina
sua ruptura com Deus uma ofensa a Deus O trabalho traz a becircnccedilatildeo divina
enquanto o oacutecio a sua maldiccedilatildeo
Em Genebra o reformador empenhou-se para coligir a seguinte lei de
repulsatildeo a ociosidade49
Os vagabundos decretado que se faccedila proclamaccedilatildeo puacuteblica de que todos os vagabundos estrangeiros que natildeo tenham meios de ganhar a vida sejam obrigados a deixar a cidade em trecircs dias e os outros todos da cidade devem trabalhar cada um em sua profissatildeo sob pena de serem postos em prisatildeo (BIEacuteLER 1990 p 222)
Este dispositivo legal trouxe a Genebra um impulso capitalista por meio da
nova visatildeo do trabalho De acordo com Calvino natildeo haveria trabalho insignificante
na sociedade ―Se seguirmos fielmente o nosso chamado divino receberemos o
48
Calvino possuiacutea o conceito teoloacutegico de que se Deus o quisesse teria uma abundacircncia de posses e de dinheiro e de tudo que eacute desejaacutevel de sorte que haveria igual medida entre todos Deus poreacutem soubera porque assim se fez que haja pobreza e riqueza e mesmo que ateacute o fim do mundo assim haveraacute de ser Caberia aos pobres crer no sustento divino e serem instrumentos de provaccedilatildeo aos ricos Caberia tambeacutem aos ricos administrar corretamente os bens que lhes foram confiados estando entre estes os pobres 49
Nesta mesma eacutepoca o rei Francisco I declarou guerra aos vagabundos ociosos e outros pedintes que enchiam as ruas e as praccedilas Ao inveacutes de prover-lhes ajuda material e meios de encontrar emprego foram reduzidos a trabalhos forccedilados trabalharam agrilhoados dois a dois sobre a ameaccedila do chicote ou da prisatildeo em obras de utilidade puacuteblica remoccedilatildeo de lama e imundiacutecies limpeza de valados reparo em muralhas de fortificaccedilotildees
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consolo de saber que natildeo haacute trabalho insignificante ou nojento que natildeo seja
verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus (COSTA 2006 p
284)
O trabalho quando exercido em sua plenitude redundaria ―na gloacuteria de
Deus independente da funccedilatildeo do trabalhador Weber numa anaacutelise do
protestantismo aponta para este fenocircmeno com a seguinte afirmaccedilatildeo
[] o homem deve para estar seguro de seu estado de graccedila ―trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado Natildeo eacute pois o oacutecio e o prazer mas apenas a atividade que serve para aumentar a gloacuteria de Deus de acordo com a inequiacutevoca manifestaccedilatildeo da Sua vontade (1990 p112)
Desta forma a assimilaccedilatildeo desse conceito teoloacutegico e a sua aplicaccedilatildeo na
principal fonte de produccedilatildeo de riquezas ndash o trabalho tornou-se alavanca para o
desenvolvimento do capitalismo em sua forma seminal em Genebra bem como os
paiacuteses que adotaram a poliacutetica e feacute calvinista
Ao chegar em Genebra Calvino propocircs ao Conselho um plano que incluiacutea a
criaccedilatildeo de uma escola para todas as crianccedilas da cidade Dessa proposta surgiu o
Collegravege de la Rive (1537) e ao exemplo deste coleacutegio com o retorno de Calvino
apoacutes seu banimento foram organizados outros quatro em outras quatro regiotildees da
cidade
Os alunos do Collegravege de la Rive foram divididos em quatro seccedilotildees de acordo
com as suas residecircncias nos quatro departamentos da cidade e foram classificados
em sete graus desde os iniciantes ateacute aos da graduaccedilatildeo
Mais tarde em 1559 foi inaugurada a Academia de Genebra sendo o seu
primeiro reitor Theodoro de Beza A escola jaacute estava em funcionamento antes
mesmo das construccedilotildees e funcionou a princiacutepio de forma precaacuteria
O ensino na instituiccedilatildeo foi dividido em duas partes Shola Privata ou coleacutegio
ndash onde em cada ano no final de abril o aluno apresentava um ensaio em francecircs e
se aprovado deveria traduzi-lo para o latim (LEWIS 1996 p 42) e Shola Publica
uma continuaccedilatildeo do coleacutegio que fornecia estudos em niacutevel superior onde a ecircnfase
recaiacutea no estudo das Artes e da Teologia
A Academia iniciou suas atividades com 600 alunos no primeiro ano
aumentando no segundo ano para 900 em funccedilatildeo de alunos estrangeiros vindos da
Franccedila Holanda Alemanha Itaacutelia e de outras cidades da Suiacuteccedila
Quando Calvino faleceu estavam matriculados cerca de 1500 alunos e em
poucos anos a Academia se tornou em Universidade Desta forma os genebrinos
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puderam oferecer aos seus filhos educaccedilatildeo com qualidade o que sem duacutevida veio
a contribuir para o desenvolvimento da proacutepria cidade
Weber aponta para uma relaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo acadecircmica e o acuacutemulo de
riquezas fazendo a comparaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo de catoacutelicos e protestantes na
Bavaacuteria e na Hungria E conclui que a escolha das profissotildees por catoacutelicos e
protestantes foi pautada pelo ethos religioso da famiacutelia Sendo que enquanto os
catoacutelicos demonstraram maior predileccedilatildeo pelo artesanato os protestantes possuiacuteam
predileccedilatildeo pelas faacutebricas (2000 p 21 22)
Certamente a poliacutetica educacional calvinista constituiu-se numa das
sementes para o desenvolvimento do capitalismo genebrino que se expandiu para
outros paiacuteses
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Observamos na reforma protestante de Genebra uma espeacutecie de laboratoacuterio
em plano piloto daquilo que o protestantismo causaria na Europa no seacuteculo XVI e
XVII Os itens mencionados por Weber como sementes do capitalismo moderno
podem ser encontrados na Genebra protestante O sistema de governo riacutegido a
criaccedilatildeo de um Banco Estatal legalizaccedilatildeo e controle da taxa de juros uma visatildeo
religiosa do trabalho a assistecircncia social e o investimento na educaccedilatildeo favoreceram
grandemente o desenvolvimento dessa cidade
Todos esses itens somados ao ascetismo protestante culminaram no acuacutemulo
de riquezas Foi a partir desta experiecircncia sustenta Troeltsch (1958 p 134135)
que o capitalismo se infiltrou na moral de todos os paiacuteses que vieram abraccedilar o
calvinismo
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Paulo Casa Editora Presbiteriana 1985
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Santo Satildeo Paulo Parakletos 2002
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LESSA Vicente Themudo Joatildeo Calvino sua vida e sua obra Brasiacutelia
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Press 1958
WEBER Max A eacutetica protestante e o espiacuterito do capitalismo 6a ediccedilatildeo
Satildeo Paulo - SP Editora Martin Claret 2009
Autor ndash Dr Ceacutesar Rocha Lima
Docente FATEJ FADISA Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu Doutor em Ciecircncias Humanas FFLCH-USP ndash Universidade de Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncias pela UNIFESP Universidade Presbiteriana Licenciatura em Ciecircncias Sociais ndash Universidade Metodista de Satildeo Paulo Bacharelado em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pesquisador Grupos GAIA ndash USP (Grupo de Antropologia e Interdisciplinaridade Ambiental e Agraacuteria) Pesquisador NEP ndash Mackenzie (Nuacutecleo de Estudos do Protestantismo) Estuda o Islamismo no Brasil rochalimauspbr
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A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA
ldquoO amor eacute filho da pobreza e da riqueza da pobreza porque
constantemente pede e da riqueza porque constantemente se daacuterdquo
Platatildeo
RESUMO
Este artigo propotildee uma breve reflexatildeo sobre os conceitos de pobre e Messias
no Antigo Testamento e a relaccedilatildeo que existe entre ambos Dialogamos sobre trecircs
tipos de pobre que se concentram na classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres
escasseados os quais satildeo considerados juriacutedica e economicamente fracos
Mostramos o rei Davi como um messias em seu tempo e logo apoacutes mostramos
Jesus Cristo como o cumprimento cabal da figura messiacircnica Jesus Cristo o
Messias Tambeacutem analisamos de forma sucinta a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e
igreja e qual a posiccedilatildeo dessas em relaccedilatildeo ao pobre e marginalizado Alguns
referenciais que nos auxiliam nessa pesquisa satildeo Milton Schwantes Joseacute Luiacutes
Sicre entre outros
Palavras chave Pobre Messias Jesus Esperanccedila Igreja
ABSTRACT
This article proposes a brief reflection on the concepts of poor and Messiah in
the Old Testament and the relationship that exists between them We talk about
three types of poor that focus on the class of workers and scarce free citizens who
are considered legally and economically weak We show King David as a messiah in
his day and soon after we show Jesus Christ as the full fulfillment of the messianic
figure Jesus Christ the Messiah We also succinctly analyze the relationship
between the poor society and the church and their position on the poor and
marginalized Some references that help us in this research are Milton Schwantes
Joseacute Luiacutes Sicre among others
Keywords Poor Messiah Jesus Hope Church
autor Ebson de Sousa
ebsonsousayahoocombr
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INTRODUCcedilAtildeO
Neste artigo nos propomos a analisar os conceitos de pobre e Messias no
tempo veterotestamentaacuterio e tambeacutem Davi como um tipo de Messias e Jesus
como o Messias mostrando seus significados em sua etimologia e seus
desdobramentos
Ainda analisaremos a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e observar
como os pobres e marginalizados se tornaram um grande desafio para a
sociedade principalmente para a igreja como uma organizaccedilatildeo que tecircm sido
indiferente em relaccedilatildeo a essa classe desfavorecida Tal realidade desafia a igreja
a se posicionar e ser o verdadeiro veiacuteculo do Evangelho de Jesus Cristo
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO
O objetivo deste artigo eacute esclarecer de uma forma simples e objetiva o
conceito de pobre e messias no periacuteodo veterotestamentario qual o significado
desses termos e seus desdobramentos
Destaca-se tambeacutem uma pessoa de estimada relevacircncia nos tempos do
Antigo Testamento o rei Davi Pois a pessoa do rei Davi tem em sua
personalidade cuja relevacircncia aponta para o aacutepice da figura messiacircnica sendo
uma pessoa que representou esperanccedila messiacircnica aos menos favorecidos de
seu tempo
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento
A palavra ldquopobrerdquo pode ser usada como adjetivo e substantivo como adjetivo
ela tem a funccedilatildeo de qualificar caracterizar ou classificar o substantivo quando
localizada ao lado deste o pobre eacute visto como aquela pessoa que natildeo tem o que
eacute necessaacuterio agrave vida ou seja eacute aquela pessoa que seus bens satildeo inferiores agraves
suas necessidades (FABRIS 1991)
Haacute trecircs classes de pobres que podemos mencionar as quais as narrativas
biacuteblicas identificam como grupos de pessoas que satildeo juriacutedica e economicamente
fracos os quais satildeo trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados abandonados
e marginalizados puacuteblicos e por fim os escravizados (SANTOS 2009)
Queremos aqui destacar apenas trecircs tipos de pobres que se concentram na
classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados dentre vaacuterios existentes
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nos textos biacuteblicos do cacircnon sagrado os quais satildeo dal (lD) ebyon (wOyba) e
bdquoani (עני)
Dal (lD) se refere aquele pobre que tem falta de bens materiais e de poder
social essa pessoa eacute considerada como das classes mais pobres de Israel (cf Rs
2414 2512) Observamos isso quando Gideatildeo tentou recusar a escolha divina
para que ele fosse libertar Israel (Jz 615) Portanto dal nos traz a ideia de
humildade mas voltado para o sentido de privaccedilatildeo consequente agrave condiccedilatildeo de
pobreza em excesso ao seu estado de miseacuteria (HARRIS 1998)
Vejamos algumas passagens biacuteblicas onde a palavra dal aparece
lD II ndash uma formaccedilatildeo verbal de qll ndash encontra-se 48 vezes no AT a construccedilatildeo feminina לה II 4 vezes (2Rs 2414 2512 Jr 407 ד5216) e o verbo mediae geminatae דלל I ocorre 7 vezes (Jz 66 Is 174 196 3814 Sl 798 1166 1427) Com maior frequecircncia ל דocorre em Proveacuterbios 15 vezes (Pv 1015 1431 19417 2113 2291622 (duas vezes) 28381115 29714) Nos ditos profeacuteticos ל eacute encontrado 11 vezes (Am 27 41 511 86 Is ד102 114 1430 254 266 Sf 312 54 [+ 2 vezes דלל Is 174 196]) nos Salmos 6 vezes (Sl 412 7213 823s 1137 1Sm 28 [+ 4 vezes דלל Sl 798 1166 1427 Is 3814]) no livro de Joacute 6 vezes (Joacute 516 201019 3116 341928) nos textos legais ל דaparece 4 vezes (Ecircx 233 3015 Lv 1421 1915) (SCHWANTES 2013 p 2425)
Seu estado de pauperismo era tatildeo claro que dessas pessoas natildeo se exigia
ofertas caras para o templo ofertas essas que todo israelita deveria levar cada
qual a sua (Lv 1421) (SIQUEIRA 2005)
Observa-se que a palavra dal estaacute ligada a raiz hebraica dalal e traz o
sentido de uma pessoa que para a sociedade em que ela ―esta inserida eacute um ser
despreziacutevel insignificante um ser fraco o qual sua existecircncia eacute totalmente
despercebida e parte desse grupo eacute o proletariado rural (GELIN 1973)
Ebyon ( ןאביו ) fala daquele que se tornou destituiacutedo eacute aquela pessoa que
perdeu seus bens por algum motivo ou seus bens foram tomados de si
(SIQUEIRA 2005)
Nota-se que esse tipo de pobre tambeacutem pode ser considerado como o
―desejoso pois mesmo sendo considerado um pobre destituiacutedo percebe-se nele
uma espera uma suacuteplica ou seja uma pessoa que implora a caridade publica
para que as pessoas de melhores condiccedilotildees de vida olhem para eles e os
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ajudem para que assim possam ter o miacutenimo para sobreviver (Ecircx 23611)
(GELIN 1973)
Observemos algumas passagens biacuteblicas onde aparece a palavra ebyon
O substantivo e adjetivo אביון ocorrem 61 vezes respectivamente 62 vezes no Antigo testamento com maior frequecircncia apresenta-se o Salteacuterio com 23 vezes (respectivamente 24 vezes) Sl 919 126 3510 3714 4018 493 6934 706 7241213 (2 vezes) 7421 824 861 10741 109162231 11219 1137 12315 14013 [+ 412] a esta lista pertencem tambeacutem 1Sm 28 (= Sl 1137) Jr 2013 Ainda sob influencia clara dos salmos estatildeo passagens como Is 1430 254s (2919) Joacute 515 Na literatura profeacutetica אביון ocorre 17 vezes das quais algumas passagens vem determinadas pelo contexto de salmos (Am 26 41 512 846 Is [1430 254 2919] 327 Jr 234 528 [2013] 2216 Ez 1649 1812 2229 (Dt-) Is4117) em textos legais o verbete aparece 9 vezes (Ecircx 23611 Dt 1547 (2 vezes) 9 11 (2 vezes) 2414 no livro de Joacute 6 vezes (515 24414 2916 3025 3119) nos Proveacuterbios 4 vezes (1431 3014 31920) e 1 vez em Ester (922) (SCHWANTES 2013 p 33)
Fabris tem ebyon como ―mendigo um pedinte aquela pessoa que estende
a matildeo para pedir demostrando sua necessidade seu estado de miserabilidade
(FABRIS 1991)
bdquoani (עני) seu significado estaacute mais voltado para o tipo de pobre que sofre de
alguma incapacidade fiacutesica ou afliccedilatildeo segundo Siqueira (2005) esta afliccedilatildeo eacute
gerada pelo seu estado de miseacuteria e dependecircncia bdquoani em alguns casos pode ter
algum tipo de relaccedilatildeo com dal ou ebyon poreacutem essa palavra remete a um tipo
diferente de pobre porque ela nos daacute a ideia de algum tipo de disfunccedilatildeo fiacutesica ou
afliccedilatildeo (HARRIS 1998)
bdquoanah II eacute a raiz da palavra bdquoani a qual nos traz o significado de ―estar
encurvado inclinado abaixado e importunado Humilhados como tambeacutem assim
satildeo conhecidos sua limitaccedilatildeo fiacutesica estaacute relacionada com seu estado de
capacidade de vigor de valores que foram reduzidos devido as situaccedilotildees as
quais os envolveram situaccedilotildees essas que poderiam ser passageiras ou
permanentes tais como pobreza econocircmica doenccedila eou prisatildeo (GELIN 1973)
Segundo Fabris (1991 p 13) estes problemas estatildeo relacionados agraves
condiccedilotildees econocircmicas e culturais as quais oprimem e submetem pessoas ao
trabalho forccedilado sob maus tratos
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Consideremos algumas passagens biacuteblicas onde podemos observar a
presenccedila da palavra bdquoani
Acima de todos os conceitos para a designaccedilatildeo de pobre no AT a formaccedilatildeo a partir do qatil עני e a formaccedilatildeo a partir do qatal ענן ocorrem com maior frequecircncia 92 vezes no hebraico e 1 vez no aramaico biacuteblico (54 עני vezes 19 ענייםx no qal 1 ענו vez no qal vezes no qal) A metade de todas as referencias 19 ענויםencontram-se nos Salmos עני encurvado oprimido (Sl 102 [2 vezes] 146 1828 2225 2516 347 3510 [2 vezes] 3714 4018 6811 6930 706 7212 7421 823 861 8616 1021 1091622 14013 acrescentando-se ainda 2Sm 2228 [=Sl 1828] Hc 314 [ Sl 2222] עניים (Sl 913 [Kittel = K] 1012[K] נויםע (7419 7224 126 (Sl 919 [K] 1017 2227 259 [2 vezes] 343 3711 6933 7610 1476 1494) Igualmente sob a influencia dos Salmos encontram-se claramente Nm 123 Is 1432 266 2919 4117 4913 622 Sf 23 Zc 99 ( Pv 334) (SCHWANTES 2013 p 3839)
Segundo Harris (1998 p1653) esta questatildeo de privaccedilotildees materiais e as
dificuldades estatildeo relacionadas agrave opressatildeo social Haacute uma relaccedilatildeo muito forte
entre a afliccedilatildeo fiacutesica e a espiritual (Sl 2424) e haacute casos em que a afliccedilatildeo interior
eacute provocada pela exterior gerando um pedido de socorro a Deus
Assim observamos de forma simples e objetiva o conceito de pobre no
Antigo Testamento mais especificamente sobre trecircs tipos de pobres que se
concentram na classe de trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados os quais
satildeo dal ebyon e bdquoani A seguir falaremos sobre o conceito de Messias (maxiah -
o qual eacute a fonte geradora de esperanccedila para as classes desfavorecidas os (משיח
pobres
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento
O nome messias (maxiahungido - משיח) substantivo hebraico tem sua
origem na raiz mxh que tem por significado ungir untar Esse termo maxiah foi
usado pelos textos biacuteblicos canocircnicos de duas formas como verbo na forma
passiva e como substantivo (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como verbo foi usado na forma passiva tal como em 2 Samuel 121
―Montes de Gilboa natildeo caia sobre voacutes nem orvalho nem chuva nem haja aiacute
campos que produzam ofertas pois neles foi profanado o escudo dos valentes o
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escudo de Saul que jamais seraacute ungido com oacuteleo isso denota uma accedilatildeo uma
atitude (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como substantivo teve um significado profundamente teoloacutegico no
Antigo Testamento O verbo na forma passiva maxiah passou a ser substantivo
apoacutes a morte do rei Davi Com isso a palavra maxiah messias passou a ser um
tiacutetulo como em 1 Samuel 166 ―Sucedeu que entrando eles viu a Eliabe e disse
consigo Certamente estaacute perante o Senhor o seu ungido Esse tiacutetulo agora
reconhece condiccedilatildeo do rei e o autentica como eleito de Deus para mediar Sua
becircnccedilatildeo em prol do povo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Harris (1998 p885) essa palavra maxiah ocorre cerca de 40
vezes no Antigo Testamento e foi utilizada como substantivo como citamos
acima mas tambeacutem como adjetivo com a funccedilatildeo de classificar caracterizar ou
qualificar o substantivo Os textos em que mais aparece estatildeo em 1 e 2 Samuel e
Salmos
Existem alguns nomes que indicam como o messias era caracterizado no
tempo veterotestamentario Queremos citar aqui apenas trecircs deles os quais satildeo
Emanuel ou Imanuel (Menino) Melquisedeque e Filho de Davi
121 Emanuel Imanuel (menino)
Deus pronunciou em suas primeiras promessas aos hebreus algo que
nenhum outro deus do Oriente Meacutedio havia pronunciado aos que criam neles Em
Gn 177 Deus afirmou a Abraatildeo que estaria com ele e com sua descendecircncia
perpetuamente Em momentos de dificuldade (Gn 2815) Deus reafirma sua
presenccedila proteccedilatildeo e sua benccedilatildeo sobre a vida de Jacoacute ateacute que se cumpra na
vida dele aquilo que Deus havia lhe prometido A Moiseacutes em Ecircxodo 312 Deus
reafirma sua presenccedila com ele e lhe faz uma promessa concretizada
demonstrando de forma clara que natildeo o desampararia mas sempre estaria com
ele (SIQUEIRA 2005)
Com a realizaccedilatildeo das promessas proferidas de Deus ao povo fez com que a
confianccedila do povo aumentasse como nos mostra o Salmo 136 que diz que cada
ato criacionista ou salviacutefico de Deus eacute porque Sua misericoacuterdia dura para sempre
Demonstrando assim Sua presenccedila e Seu cuidado de forma real entre Seu povo
E eacute a partir desse sentimento de feacute que o profeta Isaiacuteas insatisfeito com as
atitudes dos reis da linhagem de Davi atitudes pecaminosas que se sucediam a
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cada dia que ele profetizou a chegada de um menino chamado lsquoImanu‟el (lrm נו עמ
ל Imanu‟el significa Conosco estaacute Deus este nome eacute a junccedilatildeo da preposiccedilatildeo‟ (א
‟im o pronome nu e o substantivo ‟el (SIQUEIRA 2005)
Precisamos observar o contexto em que esta palavra estava inserida para
melhor compreensatildeo da mesma Israel e a Siacuteria anelaram fazer uma alianccedila com
Judaacute a fim de se oporem a Assiacuteria Poreacutem Judaacute hesitou e Israel e a Siacuteria
resolveram castiga-la e ao ouvir isto Acaz rei de Judaacute se amedrontou Com isso
Isaiacuteas lhe avisou que natildeo devia temer pois logo seus inimigos seriam derrotados
e lhe disse que pedisse um sinal de Deus mas logo o rei Acaz recusou por causa
da sua incredulidade (DOUGLAS 2006)
Segundo Siqueira (2005 p102) Isaiacuteas profetizou o nascimento do menino
‟Imanu‟el devido agrave incredulidade do rei Acaz em relaccedilatildeo ao sinal de Deus (Is 710-
17) que traria salvaccedilatildeo ao povo inseguro e aflito que vivia em Jerusaleacutem
portanto a chegada do menino lsquoImanu‟el era um juiacutezo sobre os reis que natildeo
creram e foram infieacuteis a Deus
Em Isaiacuteas 715-16 fala que a infacircncia do ―Menino-Deus era o tempo de
medida ateacute que os reis que amedrontaram Acaz fossem destruiacutedos poreacutem Acaz
recusou o sinal do ‟Imanu‟el e se voltou ao rei da Assiacuteria essa atitude de Acaz e
seus sucessores causaram a ruiacutena de Judaacute poreacutem a promessa do ‟Imanu‟el
estava de peacute por aqueles fieacuteis a Deus o remanescente pois em ‟Imanu‟el estaacute agrave
esperanccedila e salvaccedilatildeo (DOUGLAS 2006)
122 Melquisedeque
Melquisedeque nome que aparece no texto biacuteblico no livro de Genesis
1418-20 nos traz o significado meu rei eacute sedeq pois sedeq significa justiccedila
Esse nome demonstra claramente o desejo do povo de um rei justo que
praticasse a justiccedila em seu governo Justiccedila no contexto biacuteblico significa salvar e
libertar as pessoas de qualquer tipo de opressatildeo que elas sofrem ou podem
sofrer (SIQUEIRA 2005)
Melquisedeque era sacerdote do Deus Altiacutessimo rei de Saleacutem
Melquisedeque levou patildeo e vinho a Abraatildeo quando voltava da batalha de
Quedorlaomer e recebeu os diacutezimos que Abraatildeo lhe ofereceu (SANTOS 2011)
Segundo Santos (2011 p319) no Salmo 1104 Jesus eacute narrado como
sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque Jaacute em Hebreus capiacutetulos
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5 6 e 7 vai fazer-se uma relaccedilatildeo entre Melquisedeque e Jesus mostrando que
Jesus eacute a figura perfeita do sacerdoacutecio de Melquisedeque o qual foi apenas a
sombra desse sacerdoacutecio perfeito de Jesus Essa relaccedilatildeo demonstra quatro
singularidades ―1 Natildeo segundo a ordem leviacutetica 2 Tem superioridade sobre
Abraatildeo 3 Natildeo se conhecendo seu principio e seu fim 4 E natildeo soacute eacute sacerdote
mas tambeacutem rei de paz e justiccedila
Segundo Douglas (2006 p856) no Salmo 1104 um rei da linhagem de Davi
eacute declarado por juramento divino como sacerdote para sempre segundo a ordem
de Melquisedeque Jesus e seus coetacircneos reconheceram esse rei como sendo o
Messias Daviacutedico (Mc 1235s) ―Se Jesus eacute o Messias Daviacutedico entatildeo ele eacute o
sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque
123 Filho de Davi
Como diz Siqueira (2005 p103104) ―A expressatildeo filho de Davi eacute um entre
tantos tiacutetulos messiacircnicos atribuiacutedos a Jesus (Mt 927 1223 1522) e podemos
observar por dois pontos de vista diferentes a razatildeo e a origem desta epiacutegrafe
A primeira se daacute no conhecimento que o povo judeu tinha em relaccedilatildeo agraves
promessas de Deus escritas no Antigo Testamento onde diz Davi e sua
posteridade teriam um governo perpeacutetuo Em 587 aC houve o fim da monarquia
poreacutem parte do povo continuou crendo nas promessas de Deus de que algueacutem
da linhagem de Davi viria restaurar o reino de Israel atraveacutes da forccedila do exeacutercito
e da forccedila poliacutetica ou seja um Filho de Davi poliacutetico e guerreiro (SIQUEIRA
2005)
A segunda forma de se observar o tiacutetulo Filho de Davi eacute observando o povo
que conheceu ouviu e andou com Jesus Pois atraveacutes das atitudes e palavras de
Jesus esse povo tambeacutem reconhecia em Jesus o Filho de Davi natildeo como um
guerreiro e politico mas sim como um pastor aquele que socorre levando paz e
vida para as pessoas (Jo 1011) E este grupo afirmava que sua origem natildeo era
de Beleacutem (SIQUEIRA 2005)
Pudemos observar as origens e conceito do termo pobre e messias no
primeiro testamento e seus desdobramentos Observamos tambeacutem algumas
caracterizaccedilotildees do Messias no Antigo Testamento agora veremos como surge
esse messianismo a figura principal do Messias no primeiro testamento e Jesus
Cristo como o verdadeiro Messias
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2 MESSIANISMO E MESSIAS
O messianismo pode ser entendido de duas formas Haacute aqueles veem o
messianismo como o fundamento e a esperanccedila do Antigo Testamento o qual o
personagem central dessa esperanccedila eacute um personagem futuro que traraacute a
redenccedilatildeo Poreacutem existem aqueles que acreditam que esse fundamento de um
mundo melhor em todos os aspectos natildeo eacute futuro e sim no presente (SICRE
2000)
De forma geral o movimento messiacircnico eacute definido como um movimento
Em que um nuacutemero maior ou menor de pessoas em estado de grande exaltaccedilatildeo emotiva provocada pelas tensotildees sociais se reuacutenem no culto a um indiviacuteduo considerado portador de poderes sobrenaturais e se mantem reunidos na esperanccedila miacutestica de que seratildeo salvas de uma cataacutestrofe universal e (ou) ingressaratildeo ainda em vida num mundo paradisiacuteaco a terra sem males o reino dos ceacuteus a cidade ideal (QUEIROZ 1966 p 287)
Segundo Sicre (2000 p16-18) Flusser um judeu diz que o Messias eacute um
descendente de Davi carismaacutetico que quebraria o jugo que estava sobre os
judeus e reinaria sobre o reino de Israel Jaacute para Mowinckel cristatildeo protestante o
Messias eacute um personagem escatoloacutegico Todavia quando o Messias aparece nos
textos sejam canocircnicos ou extra canocircnicos normalmente ele aparece como um
rei da linhagem de Davi unindo as duas caracteriacutesticas poliacutetica e religiosa Sicre
afirma que a ideia messiacircnica estaacute ligada ao rei e Davi eacute o personagem principal
dentre os reis de Israel
21 - Messias e Davi
Na histoacuteria de Israel e Judaacute o rei eacute a figura mais importante da eacutepoca da
monarquia inclusive mais importante do que o sumo sacerdote (SICRE 2000)
Segundo esse mesmo autor (2000 p49) a unccedilatildeo privada de Davi em 1Sm
161-13 o fez destacar dos demais pois o texto diz que o ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo se
apoderou de Davi Isso demonstra que Davi jaacute natildeo era mais uma pessoa simples
como as outras mas sim o ldquoUngidordquo do Senhor designado para ser rei em Israel
Schwantes diz sobre o Salmo 2 mas em relaccedilatildeo ao Ungido que este tem
um relacionamento muito estreito com Javeacute ao ponto de Javeacute o chamar de ldquofilhordquo
(v7) Fato eacute que essa filiaccedilatildeo fiacutesica divina faz parte das tradiccedilotildees do Antigo
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Oriente poreacutem essa filiaccedilatildeo estaacute ligada a entronizaccedilatildeo do rei quando o mesmo
toma posse e assume sua posiccedilatildeo de rei ele eacute adotado como filho de Deus em
sua titulaccedilatildeo (SCHWANTES 1982)
Segundo Sicre (2000 p55 e 56) no Egito e na Mesopotacircmia natildeo se ungiam
os reis contudo houve-se falar que no Egito ungia-se somente algum funcionaacuterio
ou outros reis que seriam subordinados a Faraoacute e essa unccedilatildeo natildeo tinha um
sentido religioso servia apenas como designaccedilatildeo Provavelmente essas praacuteticas
influiacuteram em Canaatilde e passou aos israelitas Pois passou a ser um ato religioso
acredita-se que no azeite consiste um poder sagrado ou do azeite flui esse poder
Entatildeo quando algueacutem era ungido esse poder e santidade recaiacutea sobre a pessoa
tornando-a algueacutem ―especial protegida por Javeacute intocaacutevel sagrada e habilitada
para desempenhar atos religiosos
Segundo Douglas
[] Fundamentalmente a unccedilatildeo era um ato de Deus (1Sm 101) ndash que explica o respeito em que era mantida ndash enquanto a palavra ―ungido era usada ateacute mesmo metaforicamente para significar a doaccedilatildeo do favor divino (Sl 235 9210) ou a nomeaccedilatildeo para algum lugar ou funccedilatildeo especial do propoacutesito de Deus (Sl 10515 Is 451) Aleacutem disso a unccedilatildeo simbolizava equipamento para o serviccedilo e eacute associada ao derramamento do espiacuterito de Deus (1Sm 101 9 1613 Is 611 Zc 41-14) [] (DOUGLAS 2006 p 1362)
Mas quem foi Davi
Davi foi lamentavelmente humano e maravilhosamente santo atrevidamente corajoso e degradantemente carnal magnificamente reacutegio e mundanamente deploraacutevel Suas grandes vitoacuterias concederam-lhe as alturas enquanto seus pecados o lanccedilaram nas profundezas Foi um homem complexo ainda que simplesmente um homem Foi um homem entre os homens mas tambeacutem um homem segundo o coraccedilatildeo de Deus Foi culpado de derramamento de sangue na guerra mas familiarizado com as becircnccedilatildeos da adoraccedilatildeo (TASSEL 1987 p56)
Segundo Tassel (1987 p7-11) houve uma guerra civil que perdurou por
meacutedia de sete anos guerra essa que se deu entre Is-Bosete e Davi poreacutem essa
guerra foi estimulada por Abner quando esse retomou o controle do governo de
Israel o qual estava na matildeo dos filisteus Com esses acontecimentos Davi
esperou o momento certo para agir durante esses sete anos de guerra Davi
esperou no Senhor em Hebrom pois Davi jaacute era rei em Judaacute (2Sm 24) ―Assim
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pois todos os anciatildeos de Israel vieram ter com o rei em Hebrom e o rei Davi fez
com eles alianccedila em Hebrom perante o SENHOR Ungiram Davi rei sobre Israel
Esta alianccedila possivelmente teria sido algum tipo de documento legal o qual Davi
se comprometera a realizar em seu reinado sobre Israel de acordo com a lei
mosaica em contrapartida o povo seria leal a Davi A expressatildeo ldquoperante o
Senhorrdquo nos daacute a entender que tanto o povo quanto Davi desejavam fazer a
vontade de Deus Apoacutes sua coroaccedilatildeo Davi estabeleceu a capital de Judaacute em
Jerusaleacutem (2Sm 56ss 1Cr 114ss) Jerusaleacutem estava estabelecida dentro dos
limites do Reino Sul e Reino Norte ou seja Jerusaleacutem era o lugar perfeito dentro
do ponto de vista estrateacutegico militar Pois se localizava em posiccedilatildeo alta e rochosa
com trecircs barrancos ao seu redor era uma fortaleza natural com uma localizaccedilatildeo
praticamente inconquistaacutevel Davi foi uma das maiores mentes militares de todas
as eacutepocas ―Ia Davi crescendo em poder cada vez mais porque o Senhor Deus
dos Exeacutercitos era com ele (2Sm 510)
Davi foi um homem de conquistas A Siacuteria Edom e Moabe tornaram-se tributaacuterias do seu reino As conquistas de Davi estenderam os limites de Israel vinte vezes mais Estabeleceu um impeacuterio que rivalizou com os da Babilocircnia e Assiacuteria em seu poder militar Davi foi um soberano e salmista da mais alta categoria Davi foi um homem culto O novo rei de Israel estabeleceu as tradiccedilotildees do seu povo de acordo com a lei de Moiseacutes O longo reinado de Davi deu-lhe oportunidade de estabelecer importantes precedentes consistentes com a lei cerimonial leviacuteticos dados por Deus Davi foi um homem do comeacutercio ―Hiratildeo rei de Tiro enviou mensageiros a Davi e madeira de cedro e carpinteiros e pedreiros que edificaram uma casa a Davi (2Sm 511) Tiro era o ponto central do comeacutercio feniacutecio na costa mediterracircnea Davi trocou seu trigo e azeite por toda espeacutecie de produtos necessaacuterios O soberano-pastor sabia como prover as necessidades do seu rebanho (TASSEL 1987 p 1112)
Em relaccedilatildeo a Alianccedila Daviacutedica podemos observar cinco grandes promessas
feitas ao rei Davi Primeiro Deus prometeu a Davi uma descendecircncia (2Sm 716)
Segundo Deus prometeu a Davi poder (2Sm 713) Terceiro Deus prometeu um
lugar para que seu povo habite e natildeo seja mais afligido (2Sm 710) Quarto Deus
prometeu que seu trono seria para sempre (2Sm 716) Quinto esta quinta
promessa se referia mais a Salomatildeo e sua posteridade onde para eles de fato
serem bem-sucedidos deveriam observar as leis e preceitos de Javeacute (2Sm 714-
15) Esta periacutecope de 2 Samuel 78-17 veremos o resultado do amor lealdade
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fidelidade e perfeiccedilatildeo do coraccedilatildeo de Davi para com Deus poreacutem essa perfeiccedilatildeo
natildeo estaacute isenta de erros pois Davi era humano (TASSEL 1987)
Conforme Fitzmyer a dinastia continuou
depois que Salomatildeo sucedeu a Davi e construiu o Templo em Jerusaleacutem com Roboatildeo como rei em Judaacute (922-915 aC) e depois da revolta quando Jeroboatildeo torna-se rei em Israel (922-921 aC) A dinastia continuou a florescer em Judaacute (cf 1Cr 31 5 10-16) atraveacutes dos reis Abias Asa Josafaacute Jeoratildeo (Joratildeo) OcozIAS Jeoaacutes (Joaacutes) Amasias Uzias (Azarias) Joatatildeo Acaz (Jeoacaz I) Ezequias Manasseacutes Amon Josias Jeoacaz II (Salum) Jeoaiquim (Eliaquim) Joiaquin (Jeconias) e Sedecias (Matanias [597-585 aC]) ateacute o tempo do cativeiro babilocircnico quando a monarquia chegou ao fim [] Depois do cativeiro babilocircnico a dinastia restaurada continuou em Salatiel e Zorobabel (1Cr 31719) (FITZMYER 2015 p 55)
Salomatildeo reconheceu o cumprimento da Alianccedila Daviacutedica em si proacuteprio
conforme 1Rs 815-20 poreacutem o cumprimento final dessa Alianccedila seraacute em Jesus
Cristo conforme Rm 134 que diz ―v3 Com respeito ao seu Filho o qual
segundo a carne veio da descendecircncia de Davi v4 E foi designado Filho de
Deus com poder segundo o espiacuterito de santidade pela ressurreiccedilatildeo dos mortos a
saber Jesus Cristo nosso Senhor (TASSEL 1987)
A promessa original de que a semente da mulher finalmente derrotaria a
serpente (Gn 315) foi mais tarde definida para Abraatildeo (Gn 123) elaborada por
Balaatildeo (Nm 249) especificada por Jacoacute (Gn 4910) personalizada em Davi e
cumprida em Jesus Cristo (TASSEL 1987)
[] O livro do Cronista tem a atenccedilatildeo de dirigir o olhar de seus leitores para aquele que o profeta Ezequiel chamava de bdquouacutenico pastor‟ bdquoDavi meu servo‟ (Ez 3423) o bdquoverdadeiro justo‟ de Jeremias (Jr 235) bdquoo menino‟ de Isaiacuteas (Is 96) bdquoo que deve ser o chefe supremo de Israel‟ (Mq 52) isto eacute em direccedilatildeo a Cristo apogeu e termo final de Israel que com sua vida e sua morte lanccedilaria as bases de uma Teocracia que nenhum adversaacuterio poderaacute aniquilar de novo (SICRE 2000 p 99100)
22 Jesus - O Messias
Na biacuteblia o nome natildeo eacute um rotulo de uma pessoa natildeo eacute uma etiqueta que
os pais colocam em uma crianccedila mas sim o nome expressa seu caraacuteter parte
essencial dela O nome na biacuteblia eacute tatildeo importante que em Ec 610 o que natildeo tem
nome eacute inexistente em Joacute 308 os que natildeo tem nome satildeo despreziacuteveis A
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conversa entre Deus e Moiseacutes eacute um exemplo claro disso (Ecircx 313-14) quando
Moiseacutes indaga acerca do nome de Deus o qual ele seria seu representante Deus
o responde Eu Sou o que Sou ou seja Eu Sou Aquele que faz acontecer
revelando assim parte essencial do caraacuteter Por isso para o povo biacuteblico o nome
estaacute intrinsicamente ligado agrave pessoa e ao que ela faz Pois em cada accedilatildeo de
Deus dentro da histoacuteria de seu povo (hebreus) eles se referiam a Deus com um
nome diferente nome esse que se referia ao ato salviacutefico de Deus para
determinada situaccedilatildeo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Santos
Jesus (Salvador) ndash eacute a forma grega do nome Josueacute o filho de Num Assim em Atos 745 Em Colossenses 411 o apoacutestolo Paulo refere-se a ―Jesus conhecido por Justo Este Jesus um cristatildeo foi um dos cooperadores do apoacutestolo em Roma e prestou-lhe solidariedade no momento das suas provaccedilotildees Jesus Cristo (Iesoucircs Christoacutes = Josueacute Jesus Ungido Messias formulaccedilatildeo grega para o hebraico Yehoxuah ―Javeacute salvaraacute seu povo dos seus pecados [Mt 121]) [] (SANTOS 2011 p249)
Segundo Siqueira (2005 p 111) Jesus era conhecido como Salvador por
dois motivos ―1 O Seu nome natildeo foi uma designaccedilatildeo arbitraacuteria de seus pais
pelo contraacuterio 2 O nome de Jesus representa a realidade mais profunda de Sua
vida e obra Os quais seus proacuteprios disciacutepulos reconheceram isso dizendo ―Eacute
que vos nasceu hoje na cidade de Davi o Salvador que eacute Cristo o Senhor (Lc
211) ―e diziam agrave mulher Jaacute natildeo eacute pela tua palavra que noacutes cremos pois agora
noacutes mesmos temos ouvido e sabemos que este eacute verdadeiramente o Salvador do
mundo
No livro de Marcos 215-17 narra um fato que desafia a uma mudanccedila a
estrutura social judaica daquela eacutepoca ― Natildeo necessitam de meacutedicos os satildeos
mas sim os enfermos eu natildeo vim chamar os justos mas pecadores (cf Mt 910-
13 Lc 529-32) Os ―pecadores daquela eacutepoca eram as pessoas consideradas
imorais pela nata da sociedade (aduacutelteros mentirosos prostitutas cegos coxos
surdos publicanos entre outros) pessoas indignas de terem qualquer tipo de
relaccedilatildeo com eles principalmente no que tange a mesa lugar de partilha e
comunhatildeo lugar que tambeacutem se demonstrava estrato social Segundo esse
pensamento social da eacutepoca qualquer pessoa que se assentasse com um desses
pecadores se tornava pecador tambeacutem ou seja essas pessoas contaminavam
qualquer outra que estivesse com elas Poreacutem Jesus Cristo ao se assentar com
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os ―pecadores subverte o sistema legal de pureza e atende a necessidade dos
marginalizados pela sociedade Em Mc 21-12 nos mostra que Jesus tambeacutem
cura e perdoa os pecados (v5 ―E Jesus vendo-lhes a feacute disse ao paraliacutetico Filho
perdoado satildeo os teus pecados) havia em Jerusaleacutem todo um sistema sacrificial
em relaccedilatildeo ao pecado o sistema de expiaccedilatildeo era exercido pelo sumo sacerdote
poreacutem Jesus mesmo sem ter alguma autoridade terrena para mudar os haacutebitos
religiosos vigentes Ele demonstra ter uma autoridade superior para realizar tais
atos (MORIN 2016)
Como diz Eacutemile Day
Haacute diversos usos caracteriacutesticos de ―Cristo em Lucas-Atos Primeiro encontramos a frase ―o Cristo de Deus (Lc 920 2335 cf ―o Cristo do Senhor em 226 e ―Ungido do Senhor em At 426) A prova de Jesus como o Messias encontra-se em alguns exemplos da pregaccedilatildeo cristatilde primitiva (p ex At 542 173 18528) Segundo no importante manifesto em Lc 418-19 (cf Lc 722 e 4Q521) eacute o messianismo profeacutetico que estaacute presente baseado em Is 611-2 texto sitado na descriccedilatildeo fragmentaacuteria do proclamador angeacutelico em 11QMelqu A conclusatildeo desse capitulo (440) sugere que o ministeacuterio de cura jaacute iniciado demonstrava o messiado de Jesus (DAY 2005 p 497-498)
Jesus sempre valorizou muito mais a vida do que oblaccedilotildees sacrifiacutecios e
tradiccedilotildees que satildeo usadas para fazer diferenccedila entre as pessoas separando o
santo do pecador o bom do mau o melhor do pior Pois suas pregaccedilotildees eram de
fato uma oposiccedilatildeo contra esse tipo de comiseraccedilatildeo que vecirc a vontade de Deus
somente em beneficio proacuteprio (SANTOS 2011)
Em resumo a missatildeo de Jesus aconteceu no Impeacuterio Romano No mediterracircneo oriental o poder romano partilhado pelas elites locais fez da crueldade e da extorsatildeo parte da vida diaacuteria Para a natildeo elite do povo de Israel o colapso do sistema patronal da elite israelita apareceu como verdadeira traiccedilatildeo e deslealdade por parte das melhores famiacutelias aristocraacuteticas e cujo interesse a economia politica e a religiatildeo politica funcionavam O resgate dessa situaccedilatildeo somente ocorreria como Deus de Israel tomando o controle do paiacutes e restaurando a proteccedilatildeo divina da perfiacutedia politica que preenchia a terra A proclamaccedilatildeo de Jesus a respeito do reino de Deus era na verdade seu evangelho social (MALINA 2004 p 43)
Tudo aquilo que leva o povo ao sofrimento eacute considerado satacircnico Pois na
mensagem nos ensinamentos de Jesus Cristo seu principal tema era o ―reinado
de Deus e a salvaccedilatildeo Pois Jesus Cristo veio para resgatar e demonstrar o
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sedaqah (justiccedila) em sua plenitude Jesus Cristo veio instaurar um novo tempo
resignificando o sofrimento atraveacutes das bem-aventuranccedilas (Lc 620-23 Mt 51-12)
demonstrando assim ser o Immanuel ou seja ―Deus conosco (SANTOS 2011)
O evangelho de Jesus Cristo o Messias tambeacutem tinha o propoacutesito de gerar
uma comunidade que continuasse a propagar o reino que por Ele foi iniciado E
isso soacute podia ser feito mediante a unccedilatildeo e presenccedila do Espiacuterito do Senhor (Lc
418) Os propoacutesitos de Deus soacute podem ser realizados mediante essa unccedilatildeo do
Messias os qual visa em prioridade levar a Boa Nova aos pobres Essa Boa Nova
aos pobres estaacute relacionada agrave libertaccedilatildeo da opressatildeo romana e uma vida eterna
um lugar no ceacuteu ou seja uma resposta imediata e uma eterna o hoje e o
amanhatilde Como a paraacutebola do rico e o Lazaro benccedilatildeo eterna ao pobre e a
acusaccedilatildeo contra os ricos do presente (LOCKMANN 2011)
Pixley diz que
O reino de Deus se caracteriza pela vida uma vida tatildeo abundante que os leprosos satildeo limpos e mortos ressuscitam Isto jaacute estava acontecendo na obra de Jesus entre os pobres e marginalizados da Galileacuteia Entre os pobres esta vida abundante para os que haviam padecido carecircncias eacute recebida com alegria e Boa Nova (PIXLEY 1986 apud LOCKMANN 2011)
Observamos nessa parte que o messianismo surge com o sentido de
esperanccedila seja futura ou presente esperanccedila sobre as dificuldades diversas da
vida Davi foi um tipo de Messias em seu tempo pois ele gerava essa esperanccedila
e expectativa nas pessoas Jesus Cristo poreacutem foi o antiacutetipo do Messias sua vida
e suas obras foram voltadas totalmente para a classe dos desfavorecidos
trazendo esperanccedila aos seus coraccedilotildees tanto para uma vida futura como para a
vida presente e por fim com sua morte e ressurreiccedilatildeo concretizou essa
esperanccedila Veremos agora a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e como se
daacute o diaacutelogo entre eles
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA
Quando falamos sobre pobres e excluiacutedos normalmente nos reportamos agraves
pessoas que estatildeo fora do sistema que rege uma sociedade o sistema soacutecio-
politico-econocircmico e religioso Temos que nos atentar para essas questotildees pois
como cristatildeos temos que ter uma visatildeo mais ampla sobre esse assunto para que
assim possamos cumprir os desiacutegnios de Cristo valorizar os desvalorizados
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(FELLER 1995) ―Eacute pobre portanto quem carece dos meios de vida Quem natildeo
tem os meios materiais para viver nem para se desenvolver com dignidade no
plano social poliacutetico e cultural (ALDUNATE 1991 p 16)
Esse grupo de pessoas na sociedade soacute consegue ser vistos a partir do
momento que eles proacuteprios se sentem incomodados e indignados com a situaccedilatildeo
que vivem formam seus grupos e tomam iniciativas que seratildeo visualizadas nos
conflitos sociais Pois eacute a partir desses conflitos que surgem e desenvolvem
meios de condiccedilotildees para combater a exclusatildeo social
[] satildeo os excluiacutedos os que mais sofrem por causa dos erros da modernidade brasileira e suas consequecircncias evidentes o ecircxodo rural e a explosatildeo urbana a violecircncia no campo e na cidade a concentraccedilatildeo da terra e do capital a especulaccedilatildeo financeira e imobiliaacuteria a inflaccedilatildeo a divida externa a reduccedilatildeo na produccedilatildeo de alimentos para o mercado interno o corporativismo dos poliacuteticos e empresaacuterios a instabilidade social a miseacuteria e a fome o desemprego a insalubridade publica o abandono do ensino baacutesico o desdeacutem ao pensamento nacional alternativo o embrutecimento intelectual a deseducaccedilatildeo do povo o disfarccedilamento da realidade a desmoralizaccedilatildeo eacutetica a destruiccedilatildeo do sentimento de nacionalidade a desarticulaccedilatildeo cultural as soluccedilotildees egoiacutestas e imediatistas o individualismo ganancioso
enfim o processo de apartaccedilatildeo crescente (FELLER 1995 p15)
Podemos perceber que a pobreza eacute gerada na sociedade por causa da
ganancia de pessoas que detecircm um determinado poder social politico ou
religioso e que acabam lesando o direito dos pobres a uma vida digna a pobreza
logo eacute uma carecircncia injusta e indevida resultado do abuso dos gananciosos
(ALDUNATE 1991)
Exatamente essas pessoas ―dominadoras a elite da sociedade natildeo medem
esforccedilos para manter o sistema funcionando sempre em seu proacuteprio beneficio e
deixando assim pobres na situaccedilatildeo onde eles se encontram sem dar a eles
esperanccedila de vida de melhoria Esses dominadores que satildeo uma porcentagem
bem pequena na sociedade trabalham dentro de uma estrutura social de
exploraccedilatildeo os quais utilizam princiacutepios convencionais ndash poliacuteticos econocircmicos
sociais culturais e religiosos ndash sempre com a finalidade de manter os pobres
sobre o seu domiacutenio em suas matildeos (SANTA ANA 1985)
Infelizmente a religiatildeo acaba legitimando esse tipo de situaccedilatildeo em prol de
benefiacutecios proacuteprios para manter suas proacuteprias posiccedilotildees Assim educando os
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pobres a concordar que as condiccedilotildees de vida em que eles vivem eacute a vontade de
Deus para eles mudando assim essa esperanccedila de uma vida melhor aqui para
uma vida melhor somente depois da morte Com isso a igreja faz uso da feacute para
legitimar uma desigualdade a qual o proacuteprio Deus condena (SANTA ANA 1985)
Segundo Santa Ana (1985 p48-49) o sistema educacional ajuda nessa
perpetuaccedilatildeo da pobreza A partir do momento que o sistema educacional
socializa as pessoas atraveacutes do conformismo faz com que os ricos tenham total
acesso ao processo educacional assim perpetuando-se no poder Fazendo com
que os pobres nunca tenham uma oportunidade como a deles Isso tambeacutem
atinge as estruturas familiares que se enveredam pelo mesmo caminho
preparando seus membros a fortalecerem esse processo de dominaccedilatildeo em que o
poder e a riqueza dominam fazendo ateacute o sistema politico trabalharem a seu
favor ou seja os vassalos trabalham e seus senhores colhem os frutos
Estamos definindo a pobreza como a incapacidade de realizaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas exigidas para manter adequadamente a vida livre de doenccedilas miseacuteria fome dor sofrimento desespero e medo de um lado e a incapacidade de defesa em face da injusticcedila estrutural de outro Em qualquer dos casos essas condiccedilotildees podem ser resumidas como opressatildeo A luta contra a pobreza consiste pois em atividades em que se envolvem os oprimidos e os que lutam em seu favor na busca de uma ―vida melhor Natildeo se procura apenas a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas mas tambeacutem a existecircncia vivida com dignidade baseada no exerciacutecio da justiccedila da participaccedilatildeo e da liberdade (SANTA ANA 1985 p98)
Em grande parte das sociedades humanas existem pessoas grupos
governos igrejas entre outras instituiccedilotildees que se dedicam de forma incansaacutevel
para diminuir ou ateacute extinguir a pobreza na sociedade pois Deus natildeo criou o ser
humano para ser oprimido Podemos observar em Gn 1210-15 que esse tipo de
opressatildeo emerge no encontro de culturas poderosas com outras culturas que natildeo
tem esse mesmo poder dessa forma os mais fortes sempre dominam os mais
fracos (SANTA ANA 1985)
Em contrapartida a histoacuteria nos mostra que nem todos os opressores e
oprimidos aceitaram a opressatildeo assim tatildeo faacutecil Pessoas escolheram morrer ateacute
mesmo juntamente com sua famiacutelia ao inveacutes de se submeterem a opressatildeo
escravizadora esses satildeo os negros americanos que lutaram contra a
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segregaccedilatildeo e a escravidatildeo Essa opressatildeo natildeo eacute extinta tatildeo facilmente
infelizmente (SANTA ANA 1985)
―Do ponto de vista cristatildeo o processo de libertaccedilatildeo dura agrave vida toda O
objetivo uacuteltimo da luta contra a pobreza eacute criar a sociedade humana sem
opressores nem oprimidos onde todos se esforccedilam para ser verdadeiramente
humanos (SANTA ANA 1985 p106)
As Escrituras Sagradas fala sobre os direitos que os oprimidos tecircm os quais
se negam a dignidade de vida Podemos observar a preocupaccedilatildeo que a
legislaccedilatildeo os profetas os saacutebios e Jesus tecircm em relaccedilatildeo aos pobres e oprimidos
da sociedade A forma que Deus os protege e a forma de como Jesus Cristo se
identifica com eles de modo profundo que toda e qualquer opressatildeo ou violecircncia
praticada contra eles eacute da mesma intensidade contra Deus (ALDUNATE 1991)
Eacute quase um refratildeo que percorre toda a Biacuteblia natildeo oprimir o pobre natildeo explorar o oacuterfatildeo natildeo se aproveitar da viuacuteva natildeo discriminar o imigrado ou o forasteiro natildeo excluir o escravo Quem satildeo todos estes Satildeo aqueles que natildeo encontram lugar na sociedade organizada ou que por sua situaccedilatildeo social natildeo tecircm a quem recorrer e por isso satildeo entregues agrave proacutepria sorte ou satildeo feitos vitimas dos gananciosos [] O pobre pode ser saacutebio mas porque eacute pobre ―sua sabedoria eacute desprezada (Ec 916) e assim se destroacutei a cidade (ALDUNATE 1991 p97)
A igreja tecircm a missatildeo de defender a vida frente aos diversos problemas
sociais eacuteticos e espirituais em que vivemos nosso maior exemplo disso foi Jesus
Jesus questionou bastante fortemente os privileacutegios e as hierarquias que a sociedade judaica estabelecia tanto no domiacutenio social quanto no domiacutenio religioso Pela sua solidariedade com os pecadores com os pequenos com os sem-lei com os impuros ele contestou fortemente as estruturas de uma sociedade que ousava se apoiar em Deus para justificar a separaccedilatildeo entre aqueles que ensinam e os que escutam entre os que decidem e os que obedecem entre os que devem ser honrados e os que devem ser condenados O contexto modificou-se mas natildeo mudou muito a realidade das coisas A sociedade sempre teve e ainda tem seus marginalizados e seus desclassificados aos quais ela daacute apenas o direito do silecircncio O direito de natildeo serem como os outros [] A proacutepria igreja ainda natildeo conseguiu abandonar privileacutegios e hierarquias que foi interpelada a abolir Continua sustentando relaccedilotildees de autoridade e obediecircncia Continua ignorando aqueles que natildeo entram no quadro de sua moral ou de sua teologia oficial Existem ainda pecadores e estrangeiros sem o direito agrave mesa comum Pois eacute preciso respeitar as precedecircncias e as conveniecircncias Ainda natildeo aprendemos a nos colocar agrave mesa para comer com os pecadores E precisamos aceitar que simpatia
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e generosidade natildeo bastam para uma transformaccedilatildeo da histoacuteria Suprimir privileacutegios eacute a primeira decisatildeo para um combate E aceitar o risco da solidariedade e comprometer-se na luta contra toda opressatildeo Comeccedilar desde agora a viver na Igreja uma mudanccedila real com o maacuteximo de lucidez politica e uma coragem profeacutetica enraizada nas palavras do Cristo (MORIN 2016 p79-80)
A esperanccedila messiacircnica surge no primeiro testamento seu aacutepice se deu na
pessoa do rei Davi pois ele gerava essa esperanccedila nos coraccedilotildees das pessoas
isso porque ele natildeo olhava somente para as suas vontades mas tambeacutem as dos
desfavorecidos da sua eacutepoca Mas em Jesus eacute cumprida a promessa do
verdadeiro Messias de Deus o qual teve a coragem de lutar e doar a sua vida em
favor dos pobres e marginalizados concretizando assim uma esperanccedila que
jamais morreraacute A igreja cristatilde precisa seguir cabalmente esse exemplo de Davi e
por fim de Jesus Cristo e se doar em favor daqueles que satildeo considerados a
escoacuteria da sociedade
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Vivemos em tempos em que a sociedade valoriza muito mais aqueles que
tecircm do que aqueles satildeo Essa eacute a Era da coisificaccedilatildeo ou seja vocecirc vale aquilo
que vocecirc possui As pessoas que vivem a mercecirc desse sistema capitalista para
serem aceitas na sociedade ou em determinados grupos tem que demonstrar
aquilo que possui para serem aceitas as quais se tornam escravas do
consumismo e satildeo engolidas por esse sistema
Sistema esse que eacute regido por uma pequena porcentagem da sociedade
mas que dominam as pessoas que possuem menos poder que elas no que tange
a questatildeo politica econocircmica e social Essas pessoas fazem esse sistema
capitalista sempre girar em torno delas satildeo pessoas egoiacutestas gananciosas E os
mais prejudicados com isso satildeo as pessoas que satildeo dominadas por esse tipo de
governo os pobres e marginalizados
Nos uacuteltimos tempos as comunidades tecircm se preocupado com a situaccedilatildeo dos
pobres Mas natildeo basta somente se preocupar as comunidades precisam se
posicionar e praticar o evangelho de Cristo que entendemos ser o evangelho da
inclusatildeo Temos que aprender a tratar esse problema social que infelizmente
existe em nosso meio
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Fazer a vontade de Deus estaacute sempre relacionado ao nosso proacuteximo Como
seres humanos todos os pobres e marginalizados tem o direito de uma vida digna
ou seja ter pelo menos o baacutesico que um ser humano precisa para viver
Por isso estender a matildeo ao necessitado torna-se um grande desafio para a
sociedade e principalmente para a igreja
Com esse artigo procuramos trazer as nossas mentes para fazer-nos
relembrar acerca dos mandamentos divinos que eacute amar a Deus sobre todas as
coisas e ao proacuteximo como a si mesmo Mostrando que o pobre e marginalizado
tambeacutem tem o direito de igualdade em relaccedilatildeo agrave sociedade de ter pelo menos o
baacutesico para sua sobrevivecircncia A pobreza soacute existe porque o ser humano se
esqueceu de Deus e a partir daiacute soacute pensa em si proacuteprio em sempre ter vantagem
e domiacutenio sobre o outro
Infelizmente a igreja tambeacutem se esqueceu de seu papel aqui na Terra que eacute
de anunciar as Boas Novas de Cristo trazendo paz e esperanccedila a todos mas
principalmente aqueles a qual a sociedade despreza e marginaliza aqueles que
foram desamparados e natildeo tem nem o baacutesico para viver a fim de que tenham
uma vida digna como filho de Deus
Isso se torna um desafio para a sociedade e principalmente para a igreja a
qual eacute uma instituiccedilatildeo que deveria ou deve representar o reino de Deus desafio
esse de abrir um diaacutelogo e conscientizaccedilatildeo dos cristatildeos por partes de seus lideres
para que a igreja se torne um lugar de acolhida para essas pessoas que natildeo tem
para onde ir
Precisamos valorizar essas pessoas pois quem cuida delas realmente esta
dando continuidade a obra de Cristo pois essa foi agrave obra que Cristo fez dar a vida
em favor dos desfavorecidos
―Quando entre ti houver algum pobre de teus irmatildeos em alguma das tuas cidades na tua terra que o SENHOR teu Deus te daacute natildeo endureceraacutes o teu coraccedilatildeo nem fecharaacutes as matildeos a teu irmatildeo pobre antes lhe abriraacutes de todo a matildeo e lhe emprestaraacutes o que lhe falta quanto baste para a sua necessidade (Dt 157-8)
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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FABRIS Rinaldo Opccedilatildeo pelos pobres na Biacuteblia Satildeo Paulo Paulinas 1991
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SIQUEIRA Teacutercio Machado Tirando o poacute das palavras Histoacuteria e teologia de palavras e expressotildees biacuteblicas Satildeo Paulo Cedro 2005
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Autor ndash Ebson de Sousa
Bacharel em Teologia ndash UMESP E-mail ebsonsousayahoocombr
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RESENHA - ldquoO UNIVERSO AO LADOrdquo - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O ESTUDANTE DE TEOLOGIA
ldquoA tendecircncia da moderna teologia (se eacute que podemos
chama-la de teologia) eacute sempre rumo agrave deificaccedilatildeo
da criatura ao inveacutes da glorificaccedilatildeo do Criadorrdquo
Arthur Walkington Pink
RESUMO
O objetivo desta resenha eacute oferecer ao corpo discente do curso de teologia
da FATEJFADISA uma leitura auxiliar no desenvolvimento da compreensatildeo dos
cenaacuterios e cosmovisotildees que alimentam a hipermodernidade Haacute livros que fazem
a diferenccedila no quesito introduccedilatildeo aacute teologia e sem duacutevida alguma este eacute um
deles
Universo ao lado eacute um livro de suma importacircncia sendo aqui utilizada a
ediccedilatildeo de 2009 sendo ―O Livro - Universo ao Lado foi publicado pela primeira
vez em 1976 (na liacutengua inglesa) de modo que a antiguidade do livro chama a
atenccedilatildeo porquanto fazendo uma breve pesquisa e lecionando nestes uacuteltimos dez
anos em cursos de teologias tenho contemplando a comprometedora realidade
de que muitos dos discentes nunca tiveram acesso ou se dedicaram a leitura da
temaacutetica apresentado neste livro
Assim esta resenha foi feita para despertar no estudante de teologia o
interesse relevante pela literatura que jaacute haacute alguns anos vem contribuindo para
elucidar a questatildeo das cosmovisotildees da qual depende a produccedilatildeo de uma
teologia com excelecircncia reflexiva sendo necessaacuteria uma filosofia acadecircmica em
cuja essencialidade se acesse informaccedilotildees mais amplas as quais satildeo
imprescindiacuteveis como ponto de partida do saber teoloacutegico contemporacircneo
Boa leitura
autor Prof Me Marcelo Alves Dantas
marcelodantasteologiagmailcom
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James W Sire
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4 ed
Satildeo Paulo Hagnos 2009
BIOGRAFIA
Em 6 de fevereiro de 2018 faleceu James W Sire aos 84 anos50 Autor ―O
Universo ao Lado considerado um claacutessico cristatildeo sobre cosmovisotildees Sire
dedicou grande parte de seus estudos ao assunto James W Sire51 (17 de outubro de 1933 - 6 de fevereiro de 2018) foi um
autor palestrante e editor cristatildeo americano da InterVarsity Press Nascido em
uma fazenda na orla do Nebraska Sandhills Sire era oficial do Exeacutercito professor
universitaacuterio de literatura filosofia e teologia inglesa editor-chefe da InterVarsity
Press (editora de livros cristatildeos) palestrante de mais de duzentos universidades
nos EUA Canadaacute Europa Oriental e Ocidental e Aacutesia e autor de vinte livros
sobre literatura filosofia e feacute cristatilde Seu livro The Universe Next Door publicado
em 1976 e agora em sua quinta ediccedilatildeo jaacute vendeu mais de 400000 coacutepias e foi
traduzido para 19 idiomas estrangeiros Ele possuiacutea um bacharelado em quiacutemica
e inglecircs pela Universidade de Nebraska um mestrado pela Washington State
College (hoje Universidade) e um doutorado pela Universidade do Missouri Sua
publicaccedilatildeo mais recente foi Rim of the Sandhills um livro de memoacuterias da vida no
rancho traccedila sua chegada precoce agrave feacute e seu desenvolvimento gradual de uma
apologeacutetica madura pela feacute cristatilde Entre as deacutecadas de 1960 e 1980 James Sire foi editor-chefe da
InterVarsity Press uma editora voltada ao puacuteblico acadecircmico e cristatildeos
pensantes Liderou um movimento de consolidaccedilatildeo intelectual cristatildeo numa
cultura evangeacutelica cada vez mais fundamentalista e anti-intelectual Trouxe ao
conhecimento puacuteblico como editor pensadores como Francis Schaeffer Os
Guinness C Stephen Evans Rebecca Manley Pippert Mark Noll e muitos outros
pensadores cristatildeos Ele mesmo colaborou com 20 tiacutetulos a maioria tratando
sobre apologeacutetica cristatilde Seu livro mais conhecido mais vendido e traduzido para
50
httpswwwultimatocombrconteudoo-intelectual-como-vocacao-james-sire-1933-2018 - Acesso 15122019 51
https translate google com br translate hl = pt B R amp s l = e n amp u = h t t p s e n w i k i p e d i a org wiki J a m e s _ W _ S i r e amp p r e v = s e a r c h ndash Acesso 15122019
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20 idiomas O Universo ao Lado (1976) foi uma marco na tentativa em divulgar a
apologeacutetica cristatilde em formato de cosmovisotildees E deu certo mais de 350 mil
coacutepias somente nos EUA
INTRODUCcedilAtildeO
James Sire tem como um de seus objetivos refletir sobre a batalha para
descobrir nossa proacutepria feacute nossa proacutepria cosmovisatildeo nossas crenccedilas sobre a
realidade Seus principais intentos satildeo
a) Esboccedilar as cosmovisotildees que estatildeo por traacutes do modo pelo qual noacutes no
mundo ocidental pensamos sobre noacutes mesmos outras pessoas o mundo
natural e Deus ou a realidade final
b) Traccedilar historicamente como essas cosmovisotildees se desenvolveram desde o
decliacutenio da cosmovisatildeo teiacutesta transitando por sua vez para o deiacutesmo o
naturalismo o niilismo o existencialismo o misticismo oriental e a nova
consciecircncia da Nova Era
c) Mostrar como o poacutes-modernismo provocou uma reviravolta nessas
cosmovisotildees
d) Encorajar-nos a pensar em termos de cosmovisotildees isto eacute com
consciecircncia natildeo apenas do nosso modo de pensar mas tambeacutem do modo
de pensar das outras pessoas para que possamos primeiro entender os
outros e entatildeo estabelecer uma comunicaccedilatildeo eficaz em nossa sociedade
pluralista
Dr James W Sire eacute editor e palestrante muito requisitado em coleacutegios e
Universidades dos Estados Unidos e Europa Autor de vaacuterios livros
1 How to Read Slowly Reading for Comprehension Como ler
devagar Leitura para compreensatildeo 1978
2 Scripture Twist twenty Ways Cults Misunderstand the Bible
Torccedilatildeo das Escrituras 20 maneiras pelos quais os cultos
interpretam mal a Biacuteblia 1980
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3 Discipleship of the Mind Learning to Love God In the Ways We
Think Discipulado da mente aprendendo a amar a Deus da
maneira que pensamos 1990
4 Why Should Anyone Believe Anything at All Por que algueacutem
deveria acreditar em tudo1994
5 Habits of the Mind Intellectual Life as a Christian Calling Haacutebitos
da Mente vida intelectual como uma vocaccedilatildeo crista 2001
6 Naming the Elephant Worldview as a Concept Nomeando o
elefante cosmovisatildeo como conceito 2004
7 Por que bons argumentos frequentemente falham (IVP 2006)
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO
Sire parte do pressuposto que jaacute n o final do seacuteculo XIX Stephen Crane
havia aprendido a condiccedilatildeo com que noacutes no iniacutecio do seacuteculo XXI passariacuteamos a
encarar o universo
Considera-se como um fato importante nos dias de Hoje o movimento
religioso do Islatilde que defende a cosmovisatildeo cujos pressupostos vecircm afetando o
Ocidente que natildeo foi abordada em nenhumas das ediccedilotildees anteriores Desde 11
de setembro de 2001 o Islatilde tornou-se o principal fator da vida natildeo apenas no
Oriente Meacutedio Aacutefrica e Aacutesia mas tambeacutem na Europa e Ameacuterica do Norte A
cosmovisatildeo islacircmica (ou talvez cosmovisotildees) exerce sua influecircncia sobre as
vidas das pessoas em todo o mundo Aleacutem disso o termo cosmovisatildeo aparece
comumente nos jornais quando jornalistas tentam compreender e explicar o que
estaacute incentivando os chocantes eventos dos uacuteltimos anos
Segundo Sire os leitores de qualquer uma das ediccedilotildees anteriores notaratildeo
que a nova definiccedilatildeo faz trecircs coisas
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a) Primeiro ela muda o foco de uma cosmovisatildeo como um conjunto de
pressuposiccedilotildees para um compromisso uma orientaccedilatildeo fundamental
do coraccedilatildeo concedendo uma ecircnfase maior agraves raiacutezes preacute-teoacutericas do
intelecto
b) Segundo expande a forma pela qual as cosmovisotildees satildeo expressas
adicionando ao conjunto de pressuposiccedilotildees uma noccedilatildeo de histoacuteria
c) Terceiro torna mais expliacutecito que a raiz mais profunda de uma
cosmovisatildeo eacute seu comprometimento e compreensatildeo da realidade
real
O objetivo do livro eacute de forma resumida apresentar algumas das
cosmovisotildees que mais influenciam o pensamento humano Apesar de alguns
nomes de filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles Sartre Camus e Nietzsche
aparecerem nas paginas do livro este natildeo se constitui ser um trabalho acadecircmico
de filosofia E embora nos remeta ao tempo e aos conceitos tornados famosos
pelo apostolo Paulo por Agostinho Tomaacutes de Aquino e Calvino mesmo assim
este natildeo eacute um trabalho acadecircmico de teologia Em especial eacute um livro de
cosmovisotildees ndash de modo mais baacutesico e fundamental do que os estudos formais
em filosofia ou teologia Ou de outro modo eacute um livro de universos adaptados
pelas palavras e conceitos que trabalham em conjunto para propiciar um quadro
mais ou menos coerente de referecircncia para todo pensamento e accedilatildeo
Em se tratando de cosmovisotildees Sire a define da seguinte maneira
Eacute um conjunto de pressuposiccedilotildees (hipoacuteteses que podem ser verdadeiras parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente consistente ou inconsistentemente) sobre a formaccedilatildeo baacutesica de nosso mundo
O autor propotildee responder atraveacutes de 7 perguntas baacutesicas para cada
cosmovisatildeo pontos fundamentais da vida e do universo poreacutem natildeo percorre
exatamente as 7 perguntas em todas as cosmovisotildees no entanto como algumas
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cosmovisotildees se aproximam em suas hipoacuteteses essenciais parece ter
considerado que uma responde a outra
As sete perguntas baacutesicas satildeo
1 Qual a realidade primordial ndash o que eacute realmente verdadeiro A
isso se responde Deus os deuses ou o cosmo material
2 Qual a natureza da realidade externa isto eacute do mundo ao nosso
redor Aqui nossas respostas sinalizam se vemos o mundo como
criado ou autocircnomo como catoacutelico ou ordenado como mateacuteria ou
espiacuterito se nossa ecircnfase eacute subjetiva e de relacionamento pessoal
com o mundo ou se sua objetividade o separa de noacutes
3 O que eacute o ser humano - A essa pergunta podemos responder
Uma maquina altamente complexa um deus adormecido uma
pessoa feita agrave imagem e semelhanccedila de Deus um ―gorila nu
4 O que acontece quando uma pessoa morre - Aqui podemos
replicar com extinccedilatildeo pessoal ou transformaccedilatildeo em estado
elevado ou reencarnaccedilatildeo ou partida para uma existecircncia obscura
―no outro lado
5 Por que eacute possiacutevel conhecer alguma coisa - Respostas simples
incluem a ideacuteia de que fomos criados agrave imagem de um Deus todo-
conhecedor ou essa consciecircncia e racionalidade desenvolveram-se
sob contingecircncias de sobrevivecircncia atraveacutes de um longo processo
evolutivo
6 Como sabemos o que eacute certo ou errado - Mais uma vez a
resposta ou fomos criados agrave imagem de um Deus cujo caraacuteter eacute
bom ou o certo e o errado satildeo determinados somente pela escolha
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humana ou pelo que nos faz sentir bem ou as naccedilotildees
simplesmente se desenvolveram sob um iacutempeto orientado agrave
sobrevivecircncia fiacutesica ou cultural
7 Qual o significado da histoacuteria humana - A isso podemos
responder compreender os propoacutesitos de deus ou deuses preparar
um paraiacuteso na terra preparar um povo para uma vida em
comunidade com um deus amoroso e santo e assim por diante
Dentro de vaacuterias cosmovisotildees baacutesicas outras questotildees satildeo levantadas
Por exemplo Quem estaacute no comando deste mundo ndash Deus os seres humanos ou
ningueacutem Somos seres determinados ou livres Somos os uacutenicos fabricantes de
valores Deus eacute realmente bom Deus eacute pessoal ou impessoal Deus existe
afinal
O livro apresenta uma siacutentese de cada uma das cosmovisotildees abaixo
relacionadas
Teiacutesmo Deiacutesmo Naturalismo Niilismo Existencialismo Monismo
panteiacutesta oriental Nova era Poacutes-modernismo
SEGUE-SE UM ESBOCcedilO DE CADA UMA DAS COSMOVISOtildeES CITADAS
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO CRISTAtildeO
No teiacutesmo cristatildeo a proposiccedilatildeo principal relaciona-se agrave natureza de Deus
Deus eacute infinito e pessoal (triuno) transcendente e imanente onisciente soberano
e bom
Deus criou o cosmo ex nihilo para operar com a uniformidade de causa e
efeito num sistema aberto Obs ex nihilo (fora do nada natildeo fora de si mesmo ou
de algum caos preexistente) porque se o cosmo fosse realmente ―preexistente
seria tatildeo eterno quanto Deus O universo eacute ordenado e Deus natildeo o apresenta a
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noacutes em confusatildeo mas em claridade A natureza do universo de Deus e a
natureza do caraacuteter de Deus estatildeo assim intimamente relacionadas
Outra noccedilatildeo importante eacute que o sistema estaacute aberto e isso significa que
natildeo estaacute programado Deus estaacute constantemente envolvido no padratildeo de
desdobramento de contiacutenua atividade do universo E assim somos como seres
humanos O curso de atividade do mundo estaacute aberto ao reordenamento efetuado
tanto por Deus como pelos os seres humanos Assim o encontramos
dramaticamente reordenado na Queda Se o curso dos acontecimentos fosse
determinado nossas decisotildees natildeo teriam significado Assim o teiacutesmo declara que
o universo eacute ordenado mas natildeo determinado
Os seres humanos satildeo criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus e assim
possuem personalidade autotranscendecircncia inteligecircncia moralidade senso
gregaacuterio e criatividade
No Teiacutesmo cristatildeo Deus completa nosso uacuteltimo desejo fazendo-o de vaacuterias
maneiras
a) Sendo o perfeito complemento para nossa proacutepria natureza
satisfazendo nosso desejo por um relacionamento interpessoal
b) Sendo e sua onisciecircncia o fim da busca por conhecimento Sendo
em sua santidade o fundamento justo para a nossa busca por
justiccedila
c) Sendo em seu infinito amor a causa de nossa esperanccedila por
salvaccedilatildeo
d) Sendo em sua infinita criatividade a fonte de nossa imaginaccedilatildeo
criativa e a beleza final que buscamos refletir quando noacutes mesmos
criamos
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Os seres humanos podem conhecer tanto o mundo agrave sua volta quanto o
proacuteprio Deus porque Deus os proveu com essa capacidade e assumiu um papel
ativo na comunicaccedilatildeo com eles A base do conhecimento humano eacute o caraacuteter de
Deus como criador
Os seres humanos foram criados bons mas pela queda a imagem de
Deus foi desfigurada embora natildeo completamente arruinada a ponto de natildeo ser
possiacutevel de restauraccedilatildeo pela obra de Cristo Deus redimiu a humanidade e
comeccedilou o processo de restauraccedilatildeo das pessoas para a bondade embora
qualquer pessoa possa escolher rejeitar essa redenccedilatildeo
O Teiacutesmo argumenta contra a tentativa do ser humano de procurar se
organizar como seres autocircnomos aacuterbitros de sua proacutepria maneira de viver como
se fossem independentes de Deus Todavia isso eacute o que eles precisamente natildeo
possuem pois devem tudo tanto sua origem como sua existecircncia contiacutenua ndash a
Deus
Para cada pessoa a morte eacute ou o portatildeo para a vida com Deus e seu povo
ou o portatildeo para a separaccedilatildeo eterna da uacutenica coisa que completaria em ultima
instacircncia as aspiraccedilotildees humanas
A eacutetica eacute transcendente e estaacute baseada no caraacuteter de Deus como bom
(santo e amoroso)
A histoacuteria eacute linear uma sequecircncia significativa de eventos que convergem
para o cumprimento dos propoacutesitos de Deus para a humanidade
O teiacutesmo no entanto ensina que natildeo somente haacute um universo moral
como tambeacutem haacute um padratildeo absoluto pelo qual todos os julgamentos morais satildeo
feitos O proacuteprio Deus - seu caraacuteter de bondade (santidade e amor) - eacute esse
padratildeo
Aleacutem disso os cristatildeos e judeus defendem que Deus te revelado o seu
padratildeo em vaacuterias leis e princiacutepios expressos no texto biacuteblico Os Dez
Mandamentos o sermatildeo do monte o ensino eacutetico do apoacutestolo Paulo - por meio
dessas e muitas outras maneiras Deus tem revelado o seu caraacuteter Haacute portanto
um padratildeo de certo e errado e todos os que desejam conhececirc-lo o conseguem
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2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO
O Deiacutesmo se desenvolveu segundo alguns como uma tentativa de buscar
unidade fora do caos teoloacutegico e das discussotildees filosoacuteficas que no seacuteculo XVII
estavam atolados em interminaacuteveis disputas
Apoacutes deacutecadas de extenuantes discussotildees eclesiaacutesticos luteranos
puritanos e anglicanos poderiam muito bem ter olhado novamente para os pontos
de concordacircncia De certa forma o deiacutesmo eacute a resposta para isso apesar de o
rumo que tal concordacircncia tomou tenha levado o deiacutesmo aleacutem dos limites do
cristianismo tradicional
Um dos fatores primordiais constante no livro sendo fator importante para
o pensamento teoloacutegico foi o desenvolvimento do deiacutesmo enquanto uma
mudanccedila na localizaccedilatildeo da autoridade pelo conhecimento sobre o divino que
passou da revelaccedilatildeo especial encontrada na Escritura para a presenccedila da razatildeo
a luz de Deus na mente humana ou para a intuiccedilatildeo a luz interior
Nas palavras de Bacon o conhecimento tornou-se poder poder para
manipular e trazer a criaccedilatildeo mais plenamente sob o domiacutenio do homem Essa
visatildeo eacute ecoada na linguagem moderna de J Bronowski Eu defino ciecircncia como
a organizaccedilatildeo de nosso conhecimento de modo a aumentar o seu domiacutenio sobre
o potencial latente na natureza
O deiacutesmo nega que Deus pode ser conhecido pela revelaccedilatildeo por atos
especiais da auto expressatildeo por exemplo na Escritura ou na encarnaccedilatildeo
Havendo excluiacutedo Aristoacuteteles como uma autoridade em assuntos relativos agrave
ciecircncia o deiacutesmo agora exclui a Escritura como autoridade em teologia
permitindo apenas a aplicaccedilatildeo da razatildeo humana
Sire entretanto buscando a coerecircncia da informaccedilatildeo discute que nem
todos os deiacutestas sustentaram a mesma maneira de pensar a respeito da questatildeo
o que de certa forma nos coloca a reflexatildeo criacutetica do autor como uma proposta
de equiliacutebrio em relaccedilatildeo ao estudo do pensamento deiacutesta bem como do
comportamento frente a questatildeo por parte de seus simpatizantes Para Sire
alguns defenderam uma seacuterie de noccedilotildees inter-relacionadas poreacutem nem todos
apoiaram as doutrinas em comum John Locke por exemplo natildeo rejeitou a ideia
da revelaccedilatildeo poreacutem insistiu em que a razatildeo humana deveria ser usada para
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julgaacute-la Certos deiacutestas como Voltair eram hostis ao cristianismo alguns como
Locke natildeo Uns acreditavam na imortalidade da alma outros natildeo
Ainda alguns criam que Deus abandonou a sua criaccedilatildeo para funcionar por
conta proacutepria outros poreacutem acreditavam na providecircncia Por fim havia os que
acreditavam em um Deus pessoal outros natildeo Por tanto os deiacutestas eram muito
menos unidos em relaccedilatildeo a questotildees baacutesicas do que os teiacutestas
No entanto o deiacutesmo natildeo provou ser uma cosmovisatildeo estaacutevel
Historicamente ele exerceu breve domiacutenio sobre o mundo intelectual da Franccedila e
Inglaterra do fim do seacuteculo XVII ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII Precedido
pelo teiacutesmo foi seguido pelo naturalismo
3 NATURALISMO
Uma siacutentese que ajuda na compreensatildeo em termos intelectuais pode ser
notada na seguinte propositura
a) No teiacutesmo Deus eacute o Criador pessoal e infinito sustentador do
cosmo
b) No deiacutesmo Deus eacute reduzido ele comeccedila a perder a sua
personalidade embora permaneccedila como Criador e (por implicaccedilatildeo)
sustentador do cosmo
c) No naturalismo Deus eacute ainda mais reduzido perdendo a sua proacutepria
existecircncia
Os personagens envolvidos nessa mudanccedila do teiacutesmo para o naturalismo
formam uma legiatildeo em especial no periacuteodo entre 1600 e 1750
A primeira proposiccedilatildeo definidora de naturalismo eacute a de que a mateacuteria existe
eternamente e eacute tudo o que haacute Deus natildeo existe
No naturalismo a natureza do cosmo eacute que eacute primaacuteria pois agora com
um Criador eterno fora de cena o proacuteprio cosmo se torna eterno - sempre laacute
poreacutem natildeo necessariamente em sua forma atual na verdade certamente natildeo em
sua presente forma
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O Naturalismo defende que o cosmo existe como uma uniformidade de
causa e efeito em um sistema fechado Os seres humanos satildeo maacutequinas
complexas a personalidade eacute uma inter-relaccedilatildeo de propriedades quiacutemicas e
fiacutesicas ainda natildeo totalmente compreendidas Para os Naturalistas a morte eacute a
extinccedilatildeo da personalidade e da individualidade homens e mulheres satildeo
constituiacutedos de mateacuteria e nada mais A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos
ligada por causa e efeito poreacutem sem uma proposta abrangente
No Naturalismo primeiramente a palavra histoacuteria como utilizada nessa
proposiccedilatildeo inclui tanto a histoacuteria natural quanto a humana pois os naturalistas
veem a ambas como uma continuidade A origem da famiacutelia humana estaacute na
natureza Surgimos dela e mais provavelmente retornaremos a ela (natildeo apenas
individualmente mas como espeacutecie)
A noccedilatildeo de um Planejador dotado de propoacutesito natildeo eacute permitida pelos
naturalistas
Ainda em relaccedilatildeo agrave eacutetica concordam os naturalistas que a mesma estaacute
relacionada apenas os seres humanos Para o teiacutesta Deus eacute o alicerce de todos
os valores enquanto que para os naturalistas os valores satildeo construiacutedos pelos
seres humanos
Duas formas de naturalismo merecem uma atenccedilatildeo especial A primeira eacute
o humanismo secular um termo que passou a ser usado e abusado tanto por
adeptos quanto por criacuteticos Por essa razatildeo algum esclarecimento quanto aos
termos se faz aqui necessaacuterio Primeiro o humanismo secular em geral eacute uma
forma de humanismo poreacutem natildeo eacute a uacutenica O humanismo em si eacute a postura
global de que os seres humanos possuem um valor especial seus anseios
pensamentos e aspiraccedilotildees satildeo significantes Igualmente existe uma ecircnfase no
valor da pessoa como indiviacuteduo
O humanismo secular eacute uma forma do humanismo que eacute totalmente
estruturada dentro da cosmovisatildeo naturalista Eacute justo afirmar creio eu que a
maioria que se sente confortaacutevel dentro do roacutetulo humanista secular encontraraacute
suas visotildees retratadas nas seis proposiccedilotildees anteriores Em outras palavras os
humanistas seculares satildeo simplesmente naturalistas embora nem todos os
naturalistas sejam humanistas seculares
A partir da uacuteltima parte do seacuteculo XIX umas das formas de naturalismo
com maior relevacircncia histoacuterica tem sido o marxismo Poreacutem Sira reconhece que e
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difiacutecil expressar com brevidade uma definiccedilatildeo sobre o marxismo devido agrave
existecircncia de diferentes tipos de marxistas
Sire conclui acerca do naturalismo que ao contraacuterio do deiacutesmo este tem
apresentado um grande poder de permanecircncia Concebido no seacuteculo XVIII ele se
desenvolveu no seacuteculo XIX chegando agrave maturidade no seacuteculo XX
Naturalismo eacute visto como o grande vilatildeo da vanguarda poacutes-moderna
Todavia ateacute o momento nenhuma cosmovisatildeo rival tem sido capaz de fazer-lhe
frente em que pese ser justo afirmar que o seacuteculo XX forneceu algumas opccedilotildees
poderosas e o teiacutesmo esteja experimentando um tipo de renascimento em todos
os niacuteveis da sociedade
Sire compreende que o que torna o naturalismo tatildeo persistente satildeo dois
motivos baacutesicos Primeiro porque daacute a impressatildeo de ser honesto e objetivo A
pessoa eacute solicitada a aceitar apenas o que parece estar fundamentado em fatos e
nos resultados seguros da investigaccedilatildeo cientiacutefica ou da erudiccedilatildeo e segundo
porque para um grande contingente de pessoas o naturalismo parece coerente
Entretanto Sire arrazoa que contudo muito antes do teacutermino do seacuteculo
XX rachaduras comeccedilaram a surgir na estrutura Os criacuteticos teiacutestas sempre
encontraram falhas nela jamais abandonando as suas convicccedilotildees de que um
Deus infinito e pessoal estaacute por detraacutes do universo
4 NIILISMO
Sire inicia argumentando que o Niilismo eacute mais um sentimento que
propriamente uma filosofia todavia sendo mais preciso o niilismo de forma
alguma eacute uma filosofia mas uma negaccedilatildeo dela da possibilidade de
conhecimento e de tudo aquilo que possui valor Uma vez que em sua
epistemologia ao avanccedilar para a absoluta negaccedilatildeo de tudo o niilismo nega ateacute
mesmo a realidade de sua proacutepria existecircncia
Porquanto o niilismo eacute a negaccedilatildeo de todas as coisas - conhecimento
eacutetica beleza realidade No niilismo nenhuma afirmaccedilatildeo possui validade nada
tem significado Antes tudo eacute gratuito dispensaacutevel isto eacute apenas existe
Sire cita o romance coacutesmico de ficccedilatildeo cientiacutefica de Douglas Adams
retratando a situaccedilatildeo dos que buscam na ciecircncia da computaccedilatildeo uma resposta
ao significado do homem
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Outros autores tais como Samuel Beckett Franz Kafka Eugene Ionesco
Joseph Heller Kurt Vonnegut Jr fazem parte das indicaccedilotildees de leitura sobre
Niilismo
O Niilismo tem suas implicaccedilotildees Sire argumenta acerca do ponto de vista
daquele que crecirc numa Revelaccedilatildeo (Teiacutesmo) uma vez que em um universo na
perspectiva Niilista onde Deus estaacute morto as pessoas satildeo culpadas de violar a
lei moral apenas satildeo culpadas da culpa e isso eacute muito seacuterio pois nada pode ser
feito a respeito Se algueacutem pecou pode haver expiaccedilatildeo Se algueacutem infligiu agrave lei o
legislador pode perdoar o infrator Mas se algueacutem apenas for culpado da culpa
natildeo haacute como solucionar esse problema extremamente pessoal
Assim os fios do niilismo epistemoloacutegico metafiacutesico e eacuteticos se entrelaccedilam
para formar uma corda longa e forte o suficiente para envolver toda uma cultura
O nome dessa corda eacute perda de significado
Segundo Sire o Niilismo eacute uma consequecircncia do Naturalismo Se
considerarmos seriamente as implicaccedilotildees da morte de Deus o desaparecimento
do transcendente o hermetismo do universo acabamos exatamente como
Niilistas convivendo com a perda de significado Questiona-se contudo por que
nem todos os Naturalistas satildeo Niilistas para Sire a resposta estaacute em que nem
todos levam a seacuterio o seu Naturalismo
Entretanto deve-se ficar claro que toda vez que os niilistas pensam e
confiam em seu pensamento eles estatildeo sendo inconsistentes pois tecircm negado
que aquele pensamento possui valor ou que pode levar ao conhecimento Poreacutem
no acircmago da afirmaccedilatildeo de um niilista repousa uma autocontradiccedilatildeo
5 EXISTENCIALISMO
O existencialismo especialmente em sua forma secular natildeo apenas leva a
seacuterio o niilismo mas eacute uma resposta a ele Sire especiacutefica que eacute importante
reconhecer que o existencialismo assume duas formas baacutesicas dependendo de
sua relaccedilatildeo com as cosmovisotildees anteriores porque o existencialismo natildeo eacute uma
cosmovisatildeo totalmente amadurecida
O existencialismo ateiacutesta eacute um parasita do naturalismo enquanto o
existencialismo teiacutesta eacute um parasita do teiacutesmo Ateacute certo ponto todas as
cosmovisotildees possuem sutis variaccedilotildees e o existencialismo natildeo constitui uma
exceccedilatildeo
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O existencialismo ateiacutesta principia com a aceitaccedilatildeo de todas as
proposiccedilotildees do naturalismo a seguir mencionadas A mateacuteria existe para sempre
Deus natildeo existe O cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito em
um sistema fechado A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos conectados por
causa e efeito mas sem um propoacutesito abrangente A eacutetica eacute relacionada apenas a
seres humanos
Na perspectiva do Existencialismo existem duas dimensotildees onde a
epistemologia estabelece suas bases a saber - O Mundo Objetivo e o Mundo
Subjetivo
O primeiro tipo de ser eacute o mundo objetivo - o mundo das coisas materiais
da lei inexoraacutevel da causa e efeito do tempo cronoloacutegico do fluxo do
mecanismo O maquinaacuterio do universo - eleacutetrons giratoacuterios galaacutexias em espiral
corpos que caem gases que se elevam e aacuteguas que fluem ndash cada qual
realizando sua funccedilatildeo eternamente inconscientes para sempre apenas
existente Aqui afirmam os existencialistas a ciecircncia e a loacutegica mostram sua
utilidade As pessoas conhecem o mundo objetivo e exterior pela virtude de uma
observaccedilatildeo atenta registrando levantando hipoacuteteses e verificando- as por meio
de experimentos sempre refinando teorias e comprovando conjecturas sobre o
mundo em que vivemos
O segundo tipo de ser eacute o mundo subjetivo mdash o mundo da mente da
consciecircncia da percepccedilatildeo da liberdade da estabilidade Aqui a percepccedilatildeo
interior da mente eacute uma consciecircncia presente um agora constante
O tempo natildeo tem significado algum pois para si mesmo o assunto estaacute
sempre presente nunca passado ou futuro A ciecircncia e a loacutegica natildeo penetram
esse domiacutenio nada tem a dizer sobre subjetividade pois ela eacute a compreensatildeo do
eu pelo natildeo eu subjetividade eacute fazer do natildeo eu parte de si mesmo O sujeito
absorve o conhecimento natildeo como a garrafa armazena o liacutequido mas como um
organismo ingere o seu alimento O conhecimento se transforma no conhecedor
Para os seres humanos ldquoa existecircncia precede a essecircnciardquo as pessoas
fazem de si mesmas o que satildeo Essa frase proveniente de Sartre eacute a mais
famosa definiccedilatildeo do acircmago do existencialismo
Sire enfatiza que o existencialismo enfatiza a desuniatildeo entre o mundo
Objetivo e o Mundo Subjetivo demonstrando que entre esses dois mundos existencialismo opta vigorosamente em favor do mundo subjetivo o que Sartre
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denomina como um conjunto de valores distintos do reino material Segundo
Sire o mundo objetivo eacute regido por leis os corpos caem se natildeo forem apoiados
O mundo subjetivo natildeo conhece nenhuma regra O que eacute presente a ele o que
estaacute aqui e agora eacute
O mundo objetivo eacute o mundo de experimentos isolados e controlados eacute o
mundo da fiacutesica o mundo subjetivo eacute o mundo do conhecimento valores
decisotildees e atos de propoacutesitos os quais esses experimentos satildeo na verdade designados a servir eacute o mundo da ciberneacutetica de nosso proacuteprio comportamento
orientado a um objetivo
Assim na premissa dos Existencialistas todos somos livres interiormente
e portanto podemos criar o nosso proacuteprio valor pela afirmaccedilatildeo de nosso meacuterito
Natildeo somos restringidos pelo mundo objetivo dos tique-taques de reloacutegios de
quedas daacutegua e de eleacutetrons giratoacuterios O valor eacute interno e o interior pertence a
cada pessoa
O Existencialista entretanto possui uma singular diferenccedila na sua
epistemologia em relaccedilatildeo ao Niilista Aqui estaacute como um existencialista vai aleacutem
do niilismo Nada possui valor no mundo objetivo no qual nos tornamos
conscientes mas enquanto somos conscientes criamos valor A pessoa que vive
uma autecircntica existecircncia eacute aquela que se manteacutem cocircnscia da condiccedilatildeo absurda
do cosmo mas que se rebela contra essa condiccedilatildeo criando significado
O homem subterracircneo de Fyodor Dostoievski eacute um paradigma do
rebelde sem uma causa aparentemente razoaacutevel
Umas das questotildees baacutesicas do existencialismo eacute que em lugar de mudar
suas pressuposiccedilotildees naturaliacutesticas compatibilizando-as com os dados biacuteblicos
eles concluiacuteram que a Biacuteblia era historicamente indigna de confianccedila Isso poderia
ter resultado em um abandono da feacute cristatilde em sua totalidade Entretanto Sire
argumenta que muitos teoacutelogos passaram a interpretar as Escrituras aacute luz do
pensamento criacutetico existencialista dentre os mais conhecidos estatildeo (Karl Barth
Reinhold Niebuhr Rudolf Bultmann e outros de seus colegas)
Sire destaca na questatildeo do existencialismo eacute importante discernir sobre as
duas formas interessantes nas quais se apresenta e que deve ser objeto de
estudo e reflexatildeo pois formam um par de cosmovisotildees que sustentam um
relacionamento fraternal poreacutem satildeo filhos de pais diferentes O existencialismo
teiacutesta surgiu com Kierkegaard como uma resposta ao teiacutesmo morto e a uma
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ortodoxia morta e com Karl Barth como uma resposta agrave reduccedilatildeo do cristianismo
a uma mera moralidade Isso deu lugar ao subjetivismo elevou a religiatildeo da
histoacuteria e concentrou sua atenccedilatildeo no significado interior O existencialismo ateiacutesta
veio agrave tona com Jean Paul Sartre e Albert Carnus como uma reaccedilatildeo ao niilismo e
a reduccedilatildeo das pessoas a insignificantes engrenagens dentro do maquinaacuterio
coacutesmico Isso levou a uma volta subjetivista elevou a filosofia da objetividade e
citou significado a partir da afirmaccedilatildeo humana
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL
A mudanccedila ao pensamento oriental desde os anos sessenta eacute por tanto
primariamente uma fuga do pensamento ocidental Sire considera que por cerca
de um seacuteculo o pensamento oriental vem fluindo para o Ocidente
As escrituras hinduiacutestas e budistas foram traduzidas e circulam agora em
ediccedilotildees de bolso de baixo custo Jaacute no ano de 1893 no primeiro Parlamento de
Religiotildees Mundiais realizado em Chicago Swami Vivekananda comeccedilou a
introduzir os ensinamentos de seu guru pessoal Sri Ramakrishna Paramahansa
D T Suzuki do Japatildeo introduziu o Zen nas publicaccedilotildees ocidentais
E Alan Watts um ocidental absorveu o Zen e retornou ao Ocidente para
propagar tais ensinos entre seus colegas ocidentais Na deacutecada de 1960 estudos
orientais jaacute tinham penetrado nas escolas de ensino meacutedio Gurus indianos
cruzaram repetidas vezes os Estados Unidos e Europa por muitas deacutecadas O
conhecimento oriental passa a ser de faacutecil obtenccedilatildeo sendo que mais e mais sua
visatildeo de realidade torna-se uma opccedilatildeo de vida no Ocidente
Sire procura elucidar a maneira Oriental de ser perceber e interpretar o
mundo partindo do monismo panteiacutesta sendo essa eacute a cosmovisatildeo raiz que
forma a base do sistema hindu
O monismo panteiacutesta eacute diferenciado das demais cosmovisotildees relacionadas
com o Oriente por seu monismo a noccedilatildeo de que apenas um elemento impessoal
constitui a realidade Hare Krishna natildeo se enquadra nessa cosmovisatildeo pois
embora compartilhe muitas caracteriacutesticas do monismo panteiacutesta oriental declara
que a realidade em uacuteltima anaacutelise eacute pessoal (e portanto compartilha uma
similaridade com o teiacutesmo totalmente ausente em Advaita Vedanta)
Na cosmovisatildeo do monismo panteiacutesta oriental Atma eacute Brahma isto eacute a
alma de cada um e de todo ser humano eacute a alma do cosmo Deus em termos
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panteiacutestas Deus eacute a realidade uacutenica infinita impessoal e suprema ou seja Deus
eacute o cosmo
Deus estaacute em tudo o que existe nada existe que natildeo seja Deus Se
qualquer coisa que natildeo seja Deus aparente existir isso eacute maya ou seja ilusatildeo e
natildeo existe realmente Em outras palavras tudo o tudo o que existe como um
objeto distinto e separado - essa cadeira natildeo aquela outra essa rocha natildeo
aquela aacutervore eu natildeo vocecirc - eacute uma ilusatildeo Natildeo eacute a nossa distinccedilatildeo que nos
concede realidade mas a nossa unicidade o fato de sermos Brahma e Brahma eacute
u m Sim Brahma eacute o um
Sire lembra que noacutes ocidentais natildeo estamos acostumados a esse tipo de
sistema Distinguir isso eacute pensar Essa noccedilatildeo no monismo panteiacutesta eacute
diametralmente contraacuteria ao teiacutesmo No teiacutesmo a personalidade eacute a caracteriacutestica
principal sobre Deus como tambeacutem sobre as pessoas Significa que um indiviacuteduo
possui complexidade no acircmago de seu ser A personalidade demanda
autoconsciecircncia e autodeterminaccedilatildeo e ambos envolvem dualidade - o pensador e
a coisa pensada No teiacutesmo tanto Deus quanto a humanidade satildeo complexos
No panteiacutesmo a caracteriacutestica principal sobre Deus eacute a Unidade abstrata
absoluta indiferenciada e natildeo dual unidade Isso coloca Deus aleacutem da
personalidade
Sire considera que um dos pilares da cosmovisatildeo Oriental estaacute em
perceber a unidade com o cosmo eacute ir aleacutem do bem e do mal o cosmo eacute perfeito a
todo o momento Trata-se de um assunto dos mais sensiacuteveis Constitui um dos
pontos mais delicados no panteiacutesmo oriental porque as pessoas se recusam a
negar a moralidade Elas continuam a agir como se algumas accedilotildees fossem
certas e outras erradas Aleacutem disso o conceito de carma eacute quase universal no
pensamento oriental
Na cosmovisatildeo Oriental Carma eacute a compressatildeo de que o presente destino
de algueacutem prazer ou dor ser rei escravo ou um mosquito eacute fruto de accedilotildees
passadas em especial em um a existecircncia anterior Isso estaacute portanto
conectado agrave noccedilatildeo de reencarnaccedilatildeo que proveacutem do princiacutepio geral de que nada
que eacute real (ou seja nenhuma alma) jamais perde a consciecircncia da existecircncia
Pode demorar seacuteculos e mais seacuteculos para encontrar seu caminho de volta ao
Um poreacutem nenhuma alma deixaraacute de ser Toda alma eacute eterna pois toda alma eacute
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essencialmente Alma e portanto para sempre o um Carma eacute a versatildeo oriental d
o ditado vocecirc colhe o que semeia
Sire explica poreacutem que o carma implica em uma estrita necessidade Se
vocecirc pecou natildeo haacute Deus para cancelar sua diacutevida e perdoar A confissatildeo para
nada se aproveita O pecado deve ser resolvido e o seraacute Eacute claro que a pessoa
pode escolher seus atos futuros e portanto o carma natildeo implica em
determinismo ou fatalismo
Para deixar mais claro Sire elucida que haacute duas coisas que devem ser
observadas sobre esse sistema Primeira o fundamento para se praticar o bem
natildeo eacute para que o bem seja realizado ou de modo a beneficiar outra pessoa O
carma demanda que cada alma sofra por seus pecados passados natildeo
havendo assim valor em aliviar o sofrimento A alma que for auxiliada teraacute que
sofrer mais tarde Por tanto natildeo existe o amor aacutegape o amor doador nem
qualquer outro tipo de amor deve beneficiar o receptor A pessoa deve praticar
boas obras a fim de obter unidade com o um Fazer o bem eacute primeira e
principalmente um modo de vida de autoajuda
Segunda todas as accedilotildees simplesmente fazem parte de todo um mundo de
ilusatildeo
A cosmovisatildeo monoteiacutesta panteiacutesta oriental tem a morte como o fim da
existecircncia pessoal individual mas natildeo altera nada de essencial na natureza do
indiviacuteduo
A morte humana sinaliza o fim de uma encarnaccedilatildeo individual de Atma
Igualmente sinaliza o fim de uma pessoa Mas a alma Atma eacute indestrutiacutevel No
entanto observe nenhum ser humano no sentido de indiviacuteduo ou pessoa
sobrevive agrave morte Atma sobrevive mas Atma eacute impessoal Quando Atma eacute
reencarnado torna-se outra pessoa Entatildeo o hinduiacutesmo ensina a imortalidade da
alma Sim mas natildeo uma imortalidade pessoal e individual
O monismo hindu defende que a realidade final eacute Brahma o uacutenico
O monismo zen-budista sustenta que a realidade final eacute o vazio
A distinccedilatildeo tambeacutem leva a uma diferente compreensatildeo dos seres
humanos
Para um hindu a pessoa individual eacute uma alma (Atma) e portanto eacute
dotada de realidade substancial (espiritual natildeo material) porque eacute uma emanaccedilatildeo
de Brahma (a proacutepria realidade) Na morte a alma individual perde sua residecircncia
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corpoacuterea mas eacute reencarnada em outro indiviacuteduo - um tipo de transmigraccedilatildeo da
alma
Para um budista uma pessoa individual eacute uma natildeo alma Natildeo haacute natureza
que possa ser nomeada no acircmago de cada pessoa Na verdade cada pessoa eacute
uma soma de pessoas anteriores
Sire ainda apresenta distinccedilotildees importantes da cosmovisatildeo oriental sendo
importante a leitura do livro para compreensatildeo de detalhes tais como maneiras e
modelos de meditaccedilatildeo presentes na cultura oriental e suas diferenccedilas e
similaridades diferenccedilas nas praacuteticas religiosas conceito em relaccedilatildeo ao corpo
alma espiacuterito moral eacutetica etc
7 A NOVA ERA
No fim de 1987 a revista Time uma vez mais deu atenccedilatildeo ao movimento
da Nova Era com sua capa exibindo Shirley MacLaine e uma histoacuteria abordando
curandeiros da feacute canalizadores viajantes do tempo e cristais em abundacircncia
A partir de entatildeo MacLain e parece assumir a posiccedilatildeo de maior expoente da
Nova Era
A cosmovisatildeo da Nova Era eacute altamente sincreacutetica e ecleacutetica tomando
emprestado de todas as principais cosmovisotildees A Nova Era deposita grande
valor na pessoa como indiviacuteduo
Para Sire longe de estar totalmente formada a cosmovisatildeo da Nova Era
ainda conteacutem muitas arestas por aparar tensotildees internas e ateacute mesmo
contradiccedilotildees evidentes Trata-se de uma cosmovisatildeo cuja essecircncia de sua
filosofia estaacute em considerar o cristianismo como algo jaacute superado de modo que
uma nova civilizaccedilatildeo humana estaacute surgindo tendo a tecnologia a ciecircncia
filosofia psicologia e demais disciplinas todas convergentes para uma nova
realidade da existecircncia humana A Era de Peixes terminou e deu lugar a Era de
Aquaacuterio
No acircmbito religioso misturam princiacutepios filosoacuteficos e miacutesticos Os adeptos
da Nova Era se utilizam de vaacuterios instrumentos simbologias e filosofias para fins
de esclarecimento e compreensatildeo das mudanccedilas e sentido dos acontecimentos
da Nova Era tais como piracircmides filosofias orientais energias coacutesmicas cristais
energeacuteticos amuletos pensamentos positivos esoterismo (cabala horoacutescopo
mantra mapa astral Yoga relaxamento ecologia aura em harmonia com o
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corpo Yin Yang) estes servem de orientaccedilatildeo didaacutetica para a nova consciecircncia
Assim a consciecircncia coacutesmica - enxergar o mundo atraveacutes de um sistema
diferente de siacutembolos
A maioria dos proponentes da Nova Era e da nova consciecircncia possui um
saudaacutevel respeito pela ciecircncia Ken Wilber Aldous Huxley Laurence LeShan e
William Irwin Thompson satildeo os melhores exemplos E m suma o universo visiacutevel
estaacute sujeito agrave uniformidade de causa e efeito poreacutem o sistema estaacute aberto para
ser reordenado pelo eu (em especial quando percebe sua unidade com o um)
que por fim o controla e por seres da mente expandida os quais o eu pode
recrutar como agentes de mudanccedila
Sire argumenta que a mente expandida eacute um tipo de universo ao lado
alternadamente chamado de consciecircncia expandida ou consciecircncia alternativa
(MacLaine) uma realidade separada (Castaneda) realidade clarividente
(LeShan) outros espaccedilos (Lilly) supermente (Rosenfeld) vazioface original
(Wilber) ou mente universal (Klimo) Essa mente expandida natildeo obedece agraves leis
do universo visiacutevel A consciecircncia do eu pode viajar centenas de quilocircmetros pela
superfiacutecie da terra e fazecirc-lo n um piscar de olhos
Contudo Sire destaca que a essecircncia da experiecircncia da Nova Era eacute a
consciecircncia coacutesmica na qual categorias comuns de espaccedilo tempo e moralidade
tendem a desaparecer Sendo que a caracteriacutestica primaacuteria da consciecircncia
coacutesmica eacute uma consciecircncia do cosmo ou seja da vida e da ordem do universo
Em conjunto com essa consciecircncia do cosmo ocorre uma iluminaccedilatildeo intelectual
que por si soacute transportaria o indiviacuteduo para um novo plano de existecircncia mdash o
tornaria um membro de uma nova espeacutecie
Um ponto central na consciecircncia coacutesmica eacute a experiecircncia unitaacuteria primeiro
a experiecircncia de perceber a totalidade do cosmo segundo a experiecircncia de se
tornar um com todo o cosmo e finalmente a experiecircncia de ir aleacutem daquela
unidade com o cosmo para reconhecer que o eu eacute o gerador de toda a realidade e
que nesse sentido tanto eacute o cosmo como o seu criador
A morte fiacutesica natildeo eacute o fim do eu sob a experiecircncia da consciecircncia coacutesmica
o temor da morte eacute removido Para os adeptos da Nova Era a base definitiva para
a crenccedila de que a morte eacute apenas uma transiccedilatildeo para outra forma de vida eacute no
entanto a noccedilatildeo de que a consciecircncia eacute mais do que a manifestaccedilatildeo fiacutesica de
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uma pessoa Se algueacutem eacute o todo ou o criador de tudo e se isso eacute conhecido
intuitivamente entatildeo a pessoa certamente natildeo precisa temer a morte
Trecircs atitudes distintas satildeo consideradas para a questatildeo metafiacutesica da
natureza da realidade sob o quadro geral da Nova Era (1) a versatildeo oculta na
qual os seres e coisas percebidos em estados alterados de consciecircncia existem agrave
parte do ser que eacute consciente (2) a versatildeo psicodeacutelica na qual essas coisas e
seres satildeo projeccedilotildees do eu consciente e (3) a versatildeo relativista conceituai na qual
a consciecircncia coacutesmica eacute a atividade consciente de uma mente utilizando um dos
muitos modelos incomuns para a realidade nenhum dos quais eacute mais
verdadeiro do que qualquer outro
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO
Nas consideraccedilotildees finais Sire apresenta o quadro criacutetico do saber
filosoacutefico que mexe e convulsiona todas as cosmovisotildees expostas em seu livro
tendo como ponto de partida o reconhecimento da morte de Deus como o comeccedilo
da sabedoria poacutes-moderna
Nossa era que mais e mais estaacute sendo chamada de poacutes-moderna
encontra-se agrave deriva em um mar de perspectivas pluralistas de possibilidades
filosoacuteficas em excesso poreacutem sem qualquer noccedilatildeo dominante que indique para
onde ir ou como chegar laacute Um futuro de anarquia cultural se avizinha como
inevitaacutevel
Lyotard definiu poacutes-moderno como uma incredulidade direcionada agraves
metanarrativas Um dos vetores da poacutes-modernidade eacute que com o advento do
poacutes-modernismo nenhuma histoacuteria pode ter mais credibilidade que a outra Todas
elas satildeo igualmente vaacutelidas sendo assim validadas pela comunidade que vive
por elas
Por isto para Sire a primeira questatildeo que o poacutes-modernismo suscita natildeo eacute
o que estaacute laacute ou como sabemos o que laacute estaacute mas como a linguagem funciona
para construir significado Em outras palavras haacute uma mudanccedila nas primeiras
coisas de ser para saber para construir significado
A sociedade entatildeo move-se da hierarquia medieval para o Iluminismo da
democracia universal para o poacutes-moderno privilegiando os valores autodefinidos
de indiviacuteduos e comunidades
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A noccedilatildeo da autonomia da razatildeo humana liberou a mente humana da
autoridade dos antigos O progresso cientiacutefico e tecnoloacutegico ocorreu natildeo das
noccedilotildees reveladas nas Escrituras mas da pressuposiccedilatildeo de que a razatildeo humana
poderia de fato encontrar o seu caminho rumo agrave verdade Tal conhecimento
constituiacutea poder poder instrumental poder sobre a natureza poder para
satisfazer nossos desejos Na ciecircncia os resultados foram extraordinaacuterios Na
filosofia entrementes o movimento do ser para conhecer da primazia de Deus
que cria e revela para a primazia do eu que conhece por si soacute mostrou-se fatal
Isso estabeleceu a agenda para a filosofia moderna de Locke a Kant como
igualmente alimentou a repercussatildeo da filosofia poacutes-moderna de Nietzsche a
Derrida com o otimismo humanista mesclado ao desespero O proacuteprio
conhecimento encontra-se sob fogo cruzado em especial a noccedilatildeo de que haacute
quaisquer verdades de correspondecircncia O relativismo conceitual discutido no
capiacutetulo anterior serve agora natildeo apenas agrave experiecircncia religiosa mas a todos os
aspectos da realidade
Uma das frases que traduz o ceticismo poacutes-moderno eacute ―A verdade sobre a
proacutepria realidade estaacute para sempre oculta de noacutes Tudo o que podemos jazer eacute
contar histoacuterias
Sire argumenta que todas as narrativas mascaram um jogo pelo poder
Qualquer narrativa utilizada como metanarrativa torna-se opressiva
Conhecimento eacute poder Francis Bacon fez essa afirmaccedilatildeo em um momento
particularmente profeacutetico O moderno conhecimento cientiacutefico tem demonstrado
seu poder por trecircs seacuteculos Com o advento do poacutes-modernismo entretanto a
situaccedilatildeo inverteu-se Natildeo existe conhecimento objetivo puro nenhuma verdade
de correspondecircncia Em lugar disso existem apenas histoacuterias que quando cridas
concedem ao narrador poder sobre os seus ouvintes
Natildeo haacute eu substancial Os seres humanos fazem de si mesmos o que satildeo
pelas linguagens construiacutedas sobre eles mesmos O conceito base eacute de que natildeo
haacute nada no acircmago de nosso ser exceto o que noacutes mesmos colocamos laacute
nenhuma norma que natildeo tenhamos criado no decurso de criaccedilatildeo de uma praacutetica
nenhum padratildeo que natildeo seja um apelo a tal norma nenhuma argumentaccedilatildeo
rigorosa que natildeo seja obediente agraves nossas proacuteprias convenccedilotildees
Considera-se assim que na Idade Meacutedia a teologia era a rainha das
ciecircncias No iluminismo a filosofia e em especial a ciecircncia tornaram-se a
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vanguarda da mudanccedila cultural intelectual Jaacute na era poacutes-moderna a teoria
literaacuteria passa a exercer esse papel na linha de frente
Contudo embora Sire tenha compreensatildeo dos aspectos positivos da poacutes-
modernidade tambeacutem analisa e criacutetica a poacutes-modernista aceita o seu otimismo
naturalista em geral poreacutem reconhece a excessiva confianccedila que tem sido
depositada na razatildeo humana e no meacutetodo cientiacutefico Argui o reconhecimento poacutes-
moderno de que a linguagem estaacute intimamente associada com o poder
entretanto o poacutes-modernista que colocar a sua fala como superior estaraacute caindo
em contradiccedilatildeo
Sire conclui refletindo que de qualquer forma o desafio da morte de Deus
da morte da razatildeo da morte da verdade e a morte do eu - todos dominantes no
poacutes-modernismo atual - provavelmente estaratildeo convivendo conosco por muito
tempo
Para Sire o poacutes-modernismo natildeo eacute uma cosmovisatildeo madura mas eacute uma
perspectiva tatildeo penetrante que tem influenciado inuacutemeras cosmovisotildees mais
notadamente o naturalismo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Sire termina o seu livro fazendo consideraccedilotildees e resumindo as SETE
COSMOVISOtildeES baacutesicas seis se natildeo contarmos o niilismo ou oito se contarmos
as duas formas de existencialismo em separado ou ainda dez se
acrescentarmos o animismo e a perspectiva poacutes-moderna ambos mencionados
com brevidade
O fato eacute que embora a princiacutepio as cosmovisotildees pareccedilam proliferar elas
satildeo constituiacutedas de respostas a questotildees para as quais haacute apenas um limitado
nuacutemero de respostas
Em meio as vaacuterias propostas de cosmovisotildees Sire vecirc o ser humano sendo
obrigado a fazer a sua escolha porquanto todos estatildeo em busca do sentido da
vida Diante disso questiona o que pode nos auxiliar a escolher entre uma
cosmovisatildeo que presume a existecircncia de um Deus pessoal e transcendente e
outra que natildeo o faz Contudo devemos ter a consciecircncia de que qualquer
cosmovisatildeo que adotarmos seraacute limitada Nossa finitude como seres humanos o
que quer que a nossa humanidade venha a ser manter-nos-aacute longe da precisatildeo
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total quanto agrave maneira que compreendemos e expressamos nossa cosmovisatildeo e
tambeacutem da totalidade e exaustatildeo
Sire argui ao finalizar seu livro que na busca por uma cosmovisatildeo deve
ser levado em conta algumas questotildees fundamentais da existecircncia humana
porquanto uma cosmovisatildeo apropriada deve explicar o que ela proclama explicar
Assim Sire indica algumas das perguntas cruciais que devem ser feitas a
uma cosmovisatildeo satildeo Como ela explica o fato de os seres humanos pensarem
mas pensar hesitantemente amar mas tambeacutem odiar serem criativos poreacutem
igualmente destrutivos saacutebios mas com frequecircncia tolos e assim por diante O
que explica nossos anseios pela verdade e por realizaccedilatildeo pessoal Por que o
prazer como o conhecemos agora raramente nos satisfaz por completo Por que
em geral sempre queremos mais - mais dinheiro mais amor mais ecircxtase Como
explicar a recusa humana em agir de um modo amoral Por fim sugestiona que
uma cosmovisatildeo deve ser satisfatoacuteria subjetivamente
Concluindo Sire opta pela reconsideraccedilatildeo e releitura do Teiacutesmo Cristatildeo
sendo de grande relevacircncia e presente em todas as estruturas do pensamento
humano Para Ele o Teiacutesmo Cristatildeo permanece em todos os niacuteveis da sociedade
e em cada disciplina acadecircmica - nas ciecircncias e nas humanidades na tecnologia
e no mundo dos negoacutecios ndash aqueles que consideram seu teiacutesmo com cabal
seriedade e honestidade intelectual
Sire termina sua obra literaacuteria esclarecendo o desafio que haacute para a
teologia argumenta haacute muito mais a ser dito sobre as dimensotildees pessoais e
teoloacutegicas dessa forma de se olhar a vida Aceitar o cristianismo cristatildeo apenas
como um construto intelectual na verdade natildeo eacute aceitaacute-lo plenamente Existe
uma dimensatildeo profundamente pessoal envolvida em compreender e viver dentro
dessa cosmovisatildeo pois ela inclui o reconhecimento de nossa proacutepria
dependecircncia de Deus como suas criaturas nossa rebeliatildeo contra ele e nossa
confianccedila nele pela restauraccedilatildeo da amizade com sua pessoa E isso significa
aceitar a Cristo tanto como nosso libertador da escravidatildeo como Senhor para
nosso futuro
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REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4
ed Satildeo Paulo Hagnos 2009
Autor ndash Me Marcelo Alves Dantas
Docente FATEJ FADISA Bacharelando em Direito - UNIESPFAPAN Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo - UMESP Mestre em Teologia do Novo Test - FTBSP Docecircncia do Ensino Superior - UNOPAR Bacharel em Teologia - UMESP E-mail marcelodantasteologiagmailcom
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PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO
RESUMO
O presente artigo reflete a perspectiva do ateiacutesmo cristatildeo Atraveacutes do
diaacutelogo com o pensamento do filoacutesofo Andreacute Comte-Sponville tratamos de
responder duas perguntas sobre o assunto A primeira pergunta consiste em
saber se eacute possiacutevel ser um ateu cristatildeo a segunda se haacute uma moralidade
para esse seguimento Nossa busca estaacute relacionada com o espiacuterito do
ateiacutesmo e uma moral destituiacuteda da religiatildeo ocidental mas que sustente a
humanidade por meio daquilo que temos em comum O artigo propotildee apoacutes
explanaccedilatildeo uma possibilidade via o ateiacutesmo cristatildeo de outra religiatildeo ndash que
natildeo a sustentada pelo cristianismo ndash que abarque o amor como uma accedilatildeo
humana possiacutevel
Palavras-chave Ateiacutesmo cristatildeo ndash Comte-Sponville ndash Moral
Abstract This article reflects the perspective of Christian moral Through
dialogue with the thinking of philosopher Andreacute Comte-Sponville we try to answer
two questions on the subject The first question is whether it is possible to be a
Christian atheism the second if there is a morality for this follow-up Our search is
related to the spirit of atheism and a morality devoid of Western religion but that
supports humanity through what we have in common The article proposes after
explanation a possibility via Christian atheism of another religion ndash not that
sustained by Christianity ndash that embraces love as a possible human action
Keyword Christian Atheism ndash Comte-Sponville ndash Moral
autor Prof Me Rafael de Campo
elfaracamposhotmailcom
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INTRODUCcedilAtildeO
Parece contraditoacuterio o tiacutetulo dessa reflexatildeo mas como veremos na
exposiccedilatildeo algumas contradiccedilotildees satildeo possiacuteveis ou aceitas no campo das ideias
Mais do que possiacutevel as contradiccedilotildees alimentam a vida principalmente na esfera
da religiatildeo A possibilidade de haver numa mesma sentenccedila as palavras
―ateiacutesmo e ―cristatildeo eacute tatildeo igual haacute possibilidade de pensarmos o ateiacutesmo como
budista maometano judaico etc
O ateiacutesmo cristatildeo como sugerido ndash contraditoacuterio ndash pode ser considerado
um oximoro por excelecircncia e deseje brincar seriamente com opostos que se
excluem Esse paradoxismo eacute sugestivo de opiniotildees contraacuterias ou seja unir dois
polos que natildeo confluem por causa de seus sentidos diferentes e que vatildeo contra a
opiniatildeo (gr doxa) um do outro Com maior clareza ateiacutesmo e cristianismo
enquanto termos antiteacuteticos se referem a universos excludentes e dizem respeito
a doutrinas que natildeo podem confluir simultaneamente Satildeo duas grandes
dicotomias que se negam gerando aqui uma siacutentese
Ainda essa contraposiccedilatildeo entre ateiacutesmo e cristianismo representa o
pensamento por diacuteades ou seja os dois termos satildeo antiteacuteticos e entendidos
como natildeo complementares Cada um representa e interpreta um universo
particular em um mundo composto em que os entes divergem e conflitam entre
si Enfim dessa contraposiccedilatildeo ocorre uma siacutentese dialeacutetica (afirmaccedilatildeo + negaccedilatildeo
= negaccedilatildeo da negaccedilatildeo) onde ateiacutesmo e cristianismo geraria o ―ateiacutesmo cristatildeo52
Assim a tentativa de combinar as ideias do cristianismo (em suma a moral
extraiacuteda do homem Jesus dito o Cristo) com a moral ateia natildeo eacute uma realidade
tatildeo divulgada e difundida nos meios e ciacuterculos ndash sejam eles acadecircmicos ou mais
populares Um dos filoacutesofos da atualidade que trata e assume o ateiacutesmo cristatildeo
(ou ateiacutesmo fiel) eacute Andreacute Comte-Sponville
A partir de suas inferecircncias iremos dialogar numa busca por compreender
o que se denominou por ateiacutesmo cristatildeo ou seja a base para um ateu fiel Temos
por objetivo pensar duas perguntas eacute possiacutevel algueacutem se dizer ateu cristatildeo Que
tipo de moralidade um ateu fiel segui A primeira pergunta sugere examinar e
expor quais as bases daquilo que Comte-Sponville chama de ateiacutesmo cristatildeo
52
Um livro sugerido para entender o ateiacutesmo e o cristianismo como partes contrapostas na histoacuteria desde a antiguidade ateacute atualmente Cf MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
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A segunda pergunta gira em torno da questatildeo moral ligada as duas redes
de conhecimento a religiatildeo cristatilde ocidental (o cristianismo) e o ateiacutesmo
Desde jaacute eacute necessaacuterio informar que esse ensaio natildeo se propotildee refletir as
―provas acerca da existecircncia ou da natildeo existecircncia de qualquer divindade
Portanto nossa exposiccedilatildeo estaacute baseada no diaacutelogo com essa ―nova
espiritualidade ndash sendo possiacutevel assim chamar
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO
O Espiacuterito do Ateiacutesmo eacute o livro do filoacutesofo francecircs materialista racionalista
e humanista Andreacute Comte-Sponville lanccedilado originalmente em francecircs com o
tiacutetulo L‟ESPRIT DE L‟ATHEacuteISME por Albin Michel Paris 2006 Seu conteuacutedo
estaacute divido em trecircs capiacutetulos e subdivisotildees preacircmbulo e conclusatildeo Nele Comte-
Sponville relata sua experiecircncia com essa nova espiritualidade e a oferece como
uma opccedilatildeo tanto aos ateus quanto ao religioso O livro eacute escrito basicamente
para motivar uma espiritualidade que vai para aleacutem da religiatildeo Por assim dizer o
livro foi escrito em prol da ―toleracircncia pela laicidade pela liberdade de crenccedila e
de descrenccedila O espiacuterito natildeo pertence a ningueacutem A liberdade tambeacutem natildeo
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 9) Assim como tambeacutem contra a intoleracircncia o
dogmatismo o obscurantismo o integrismo e o fanatismo contra a supersticcedilatildeo o
niilismo e a apatia
Em busca do essencial ou daquilo que eacute mais baacutesico ao ser humano
Comte-Sponville idealiza uma espiritualidade que acopla em si trecircs perguntas
cada uma exposta nos trecircs capiacutetulos do livro
O primeiro capiacutetulo Pode-se viver sem religiatildeo (que eacute o guia para nossa
reflexatildeo nesse ensaio) iraacute introduzir argumentos do autor contra a religiatildeo e
erigiraacute a base de uma nova espiritualidade alicerccedilada sobre os conceitos de
comunhatildeo fidelidade e amor Em contraste com a feacute a esperanccedila e o amor de I
Coriacutentios 13 Sponville refaz a loacutegica das virtudes teologais atentando para o
proacuteprio texto biacuteblico onde se diz que a feacute passaraacute a esperanccedila passaraacute e o
amorcaridade permaneceraacute Talvez esse seja o ponto alto de sua reflexatildeo agrave
espiritualidade que articula no livro feacute e esperanccedila como virtudes provisoacuterias ou
seja jaacute passaram Vivemos pois na era do Reino do amor O ateu fiel afirmaraacute
que jaacute estamos no amor pois o Reino eacute aqui e agora
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O propoacutesito de Sponville natildeo eacute a exegese histoacuterico-criacutetica mas encontrar
―um ponto de tangecircncia ou de intersecccedilatildeo que o faccedila compreender e entrar em
acordo com o religioso que fora na juventude e com o ateu que eacute e lecirc
habitualmente Santo Agostinho Satildeo Tomaacutes de Aquino Espinosa Montaigne
Schopenhauer Pascal e outros O ateu de espiritualidade deseja entender o amor
como sendo mais elevado e mais precioso do que a feacute e a esperanccedila para
compreender que a vida eacute superior a qualquer religiatildeo que a comunhatildeo nada tem
a ver com igrejas e catedrais e que a fidelidade supera a feacute assim como supera o
proacuteprio ateiacutesmo
O segundo capiacutetulo do livro Deus existe trata de colocar em evidecircncia as
provas ndash na verdade a fraqueza delas ndash argumentando a ausecircncia frente a uma
pergunta tatildeo complexa Juntamente Sponville iraacute expor a fraqueza das
experiecircncias ndash uma vez que as pessoas dizem sentir e experimentar o ser divino
em seu cotidiano Ainda argumenta contra a incompreensibilidade da crenccedila em
Deus pois crer em Deus eacute querer explicar o que natildeo compreendemos por aquilo
que compreendemos menos ainda a saber Deus O autor conclui esse capiacutetulo
colocando sobre a mesa o assunto tatildeo caro ao cristianismo e para as religiotildees
monoteiacutestas que eacute a questatildeo do mal ndash ou a teodiceia ndash e tambeacutem a proposta do
direito que muitos tecircm de natildeo crer na divindade como oferecido pela religiatildeo
cristatilde
O capiacutetulo final relata a proposta pessoal (como a declaraccedilatildeo de uma
experiecircncia) que para Sponville eacute a mais importante pois eacute sobre uma
espiritualidade sem Deus Que espiritualidade para os ateus Sua resposta eacute de
cara que essa espiritualidade natildeo envolve religiatildeo eou ateiacutesmo mas sim uma
vida espiritual Isso uma vez que aquele que natildeo acredita em Deus tem um
espiacuterito e pode utiliza-lo Ele descreve sobre seu contato ―miacutestico com uma
espiritualidade mais abrangente que envolve tanto o conhecimento quanto a
experiecircncia natural e apresenta essa experiecircncia miacutestica a partir do que chamou
de ―suspensotildees ou parecircnteses que o fizeram estar num ―estado modificado de
consciecircncia Esse capiacutetulo eacute escrito como liccedilotildees que o autor experimentou
daquilo que vivenciou estando nesse estado modificado de consciecircncia em raras
experiecircncias
O livro tem como objetivo apresentar uma nova espiritualidade aquela em
que o Deus transcendente e suas instruccedilotildees natildeo se encontram (pelo menos como
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acreditam os cristatildeos) Salienta uma reflexatildeo de interconexatildeo entre o cristianismo
(a religiatildeo por excelecircncia do ocidente) e o seu Cristo tendo na mesma esteira o
ateiacutesmo e tambeacutem algumas praacuteticas da espiritualidade oriental a filosofia e
alguns de seus representantes
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO
Buscar o alicerce que sustenta uma espiritualidade que natildeo se finca em
uma tradiccedilatildeo religiosa especiacutefica e tampouco em um livro-texto sagrado como
base de devoccedilatildeo e rito eacute praticamente uma busca por entender o que se quer
dizer com uma espiritualidade sem base fixa ou seja sem um centro de poder
que legalize e legitime as atitudes morais que deveriam ser cumpridas e exercidas
por um devoto Sem uma fonte de revelaccedilatildeo que afirme o que se deve crer e
fazerobedecer fica complicado discernir as praacuteticas os ritos as devocionais que
sustentem a crenccedila de um religioso devoto do tipo ocidental Entretanto como jaacute
se afirmou acima se todos temos ―espiacuterito eacute possiacutevel raciocinar uma
espiritualidade que caiba dentro da vida essa particular a cada um
Para uma anaacutelise mais didaacutetica iremos questionar separadamente o que
estamos chamando de ateiacutesmo cristatildeo Eacute na realidade a busca por uma
articulaccedilatildeo entre uma cultura ateia e uma cultura cristatilde Por cultura em ambas as
frentes no sentido estrito denomina-se ―o conjunto de conhecimento que tanto o
ateiacutesmo quanto o cristianismo ―transmite e valoriza (Cf COMTE-SPONVILLE
2011b p 135-136) A dificuldade se instala na prerrogativa de que o ateiacutesmo e o
cristianismo natildeo satildeo coisasobjetos iguais o ateiacutesmo ndash principalmente o que
queremos aqui evidenciar ndash eacute reclamado uma moral e natildeo uma religiatildeo como eacute
dito do movimento que evidencia e tem como centro a pessoa de Jesus
Utilizando as recentes pesquisas no campo da histoacuteria da evoluccedilatildeo
humana tanto a moral quanto a religiatildeo fazem parte das ―ordens imaginadas que
as pessoas (os Homo sapiens) criaram no processo de cooperaccedilatildeo muacutetua na
histoacuteria da humanidade Dessa forma uma religiatildeo qualquer eacute tida como religiatildeo
pelo fato de definir-se como um ―sistema de normas e valores humanos que se
baseia na crenccedila em uma ordem sobre-humana (HARARI 2017 p 218) A
principal caracterizaccedilatildeo de uma religiatildeo supotildee que a mesma tenha em
funcionamento padrotildees morais e de comportamento que seja universal e esteja
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ligada com a difusatildeo de sua crenccedila Isso significa que hoje para se definir como
religiatildeo eacute preciso que natildeo seja como as ―religiotildees antigas ndash que eram locais e
exclusivas ou seja povos que criam em deidades proacuteximas agrave terra de moradia
que ocupavam e natildeo tinham nenhum interesse em conversatildeo universal de
qualquer outra tribo morando distante deles (HARARI 2017)
Se religiatildeo e moral satildeo de ordem imaginada53 ligadas intersubjetivamente
e tecidas por uma trama ndash algo que se refere a uma rede de comunicaccedilotildees que
liga e conecta a consciecircncia subjetiva de milhares e milhotildees de indiviacuteduos ndash
entatildeo para se pensar o ateiacutesmo cristatildeo eacute preciso ultrapassar o pensamento da
ordem imaginada vigente e criar uma nova ordem imaginada alternativa Isso
seria a intersecccedilatildeo a quebra do muro que mantecircm dentro de certos limites a
religiatildeo vigente para entatildeo como afirma Sponville acerca do ateiacutesmo cristatildeo
forjar ―para mim uma espeacutecie de Cristo interior manso e limpo de coraccedilatildeolsquo sim
mas puramente humano que me acompanha e me guia (COMTE-SPONVILLE
2016 p 66)
A proposta de romper com os limites estabelecidos para forjar uma nova
espiritualidade natildeo configura seja para Comte-Sponville ou para algum outro ateu
fiel a formaccedilatildeo basilar de uma nova ordem religiosa Natildeo eacute essa a proposta de O
Espiacuterito do Ateiacutesmo Isso porque o projeto eacute muito mais pessoal e individual do
que uma proposiccedilatildeo que tenha caraacuteter de alcance universal O que ele pensa eacute
uma nova espiritualidade e essa sim de caraacuteter laica (gr laikoacutes ―do povo) e
totalmente desvencilhada da religiatildeo cristatilde ndash mas natildeo desfocada de sua
personagem principal No entanto essa nova espiritualidade busca por definiccedilotildees
e vai ao encontro de uma moral cabiacutevel a experiecircncia real o que pode configurar
nas pretensotildees de alguns uma nova ideologia
Ao que nos parece Comte-Sponville recorre ao misteacuterio do universo da
humanidade e de todas as forccedilas naturais que por si soacute ultrapassam nossas
concepccedilotildees de realidade e revelam nossa insignificacircncia como caccediladores desse
misteacuterio O tom criacutetico de Sponville eacute contra a natildeo criticidade Como filoacutesofo a
busca pelo misteacuterio deve convergir em resultados empiacutericos (de accedilotildees ao bem
53
Para Harari ordens imaginadas satildeo redes de cooperaccedilatildeo que regem e organizam nossa vida partilhadas universalmente entre milhotildees e milhotildees de pessoas e que existe apenas em nossa imaginaccedilatildeo Exemplos que ele relata como ordens imaginadas o dinheiro os impeacuterios e as religiotildees universais satildeo as bases que assentaram o mundo unificado (globalizado) de hoje
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comum) para que seja possiacutevel a afirmaccedilatildeo criacutetica Em um segundo plano sabe-
se que o misteacuterio se perfaz solitaacuterio e intransponiacutevel agrave busca racional
21 - O que ldquoacreditardquo o ateiacutesmo cristatildeo
Para Conte-Sponville hoje o ocidente jaacute natildeo eacute tatildeo cristatildeo como se pensa e
tem se mostrado (Cf COMTE-SPONVILLE 2016) A religiatildeo cristatilde perde
anualmente sua autonomia como religiatildeo universal e principalmente ela natildeo
evoca mais aos natildeo cristatildeos (e ateacute mesmo aos seus fieacuteis) o status de ―uacutenica A
proacutepria oponibilidade deu lugar a uma frente que preza antes pela simpatia do que
pela rechaccedila Obviamente seu discurso natildeo mudou Seus liacutederes tecircm mudado as
estrateacutegias tentando unificar um tipo de relaccedilatildeocomunhatildeo plural entre as
religiotildees universais Mostra-se ndash seja nos catolicismos seja nos protestantismos
ou evangelicalismos ndash em busca de uma moral contextualizada que natildeo incorra
retrograda e ateacute mesmo primitiva mas ao mesmo tempo haacute o esforccedilo pela
conservaccedilatildeo de seus dogmas e de sua feacute em um uacutenico Deus
O inverso de querer manter-se impetrado em uma moral regida por dogmas
transcendentesabsolutos imprime a pergunta ―Por que haacute alguma coisa em vez
de nada (COMTE-SPONVILLE 2011a p 23) Para essa pergunta natildeo existe
uma resposta empiacuterica e de loacutegica e de qualquer forma nunca saberemos se de
fato haacute uma resposta O cristatildeo supotildee haver algo em oposiccedilatildeo ao nada Jaacute o
ateu contra o discurso de um criador do mundo e do universo e natildeo favoraacutevel ao
discurso de que a vida soacute tem sentido ao crer em uma divindade apostaraacute no
nada ―O ateu natildeo tem uma ideia suficientemente elevada do mundo da
humanidade e de si mesmo para julgar verossiacutemil que um deus tenha podido cria-
los (COMTE-SPONVILLE 2011b p 64)
Uma vez que pensar Deus eacute pensa-lo existente de alguma maneira a
questatildeo Deus existe radicalmente se torna nula ndash jaacute que natildeo se pode provar
aquilo que por pensamento jaacute existe na imaginaccedilatildeo O cristianismo por toda a
histoacuteria elaborou inuacutemeras provas para se chegar agravequilo que jaacute crecirc que Deus
existe Fez isso porque sabia que toda afirmaccedilatildeo positiva traz consigo a
possibilidade de sua afirmaccedilatildeo negativa e se houve quem acreditasse
positivamente na existecircncia de Deus houve tambeacutem quem natildeo acreditasse
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Nesse vieacutes o ateiacutesmo natildeo eacute um objeto sem crenccedila O ateiacutesmo tambeacutem crecirc
em algo mas sua crenccedila eacute sempre negativa pois ―se alimenta do vazio de seu
objeto (COMTE-SPONVILLE 2011a p 89) Aqui eacute preciso explicar o ateiacutesmo
positivo e o ateiacutesmo negativo o primeiro acredita que Deus natildeo existe e o
segundo natildeo acredita em Deus o segundo nega Deus e o primeiro fala da
ausecircncia dele podendo assemelhar-se ao agnosticismo (Cf BAGGINI 2016)
Assim o ateiacutesmo fiel que Sponville apresenta (ateiacutesmo negativo pois nega
a existecircncia de Deus) se assenta sobre trecircs pilares elementares em oposiccedilatildeo agraves
concepccedilotildees da crenccedila religiosa cristatilde a comunhatildeo a fidelidade e o amor ndash sobre
o terceiro pilar falaremos mais abaixo ndash em oposiccedilatildeo entre a crenccedila e a feacute o que
reformula a realidadeidealidade para o amor
Partindo da definiccedilatildeo de religiatildeo (latim religio verbo religare) que Sponville
busca compreender o que de fato ―liga as pessoas umas agraves outras o que as liga
a ponto de ser um corpo social Sua proposta eacute natildeo esvaziar o conceito de
religiatildeo atribuindo a ele o significado de liame ou seja que todo liame eacute religioso
tem um sentido religioso Isto aponta para o fato de que toda experiecircncia humana
parte dessa suposiccedilatildeo a saber que a religiatildeo eacute quem vincula as pessoas
horizontal e verticalmente isto por causa do Deus cristatildeo ndash o sentido maacuteximo da
religiatildeo cristatilde ocidental
A partir da fenomenologia a experiecircncia humana eacute vista de outra
perspectiva Sponville iraacute afirmar que o que ligou os povos primitivos e o que liga
as sociedades modernas natildeo eacute Deus ―eacute o fato de que eles comungam a mesma
feacute (COMTE-SPONVILLE 2016 p 23) No entanto para partilhar a mesma feacute ou
sentimento religioso eacute preciso tambeacutem entender aquilo que Durkheim propocircs ou
seja
[] as tendecircncias sociais cujas origens estavam na natureza humana De fato todas as pessoas tecircm o que se poderia chamar de uma afinidade natural por seus iguais que se manifestou desde que vaacuterios homens passaram a viver juntos isto eacute desde os primeiros dias da humanidade O que os uniu natildeo era como se afirma com frequecircncia relaccedilotildees de sangue mas semelhanccedilas de liacutengua haacutebitos e costumes [] A afinidade entre iguais eacute assim a forma mais antiga de inclinaccedilatildeo social [] Encontrou contudo um aliado poderoso nos sentimentos religiosos (DURKHEIM 2016 pp 54-55)
O que Durkheim chama de afinidade entre iguais Comte-Sponville chama
de comunhatildeo isto eacute ―compartilhar sem dividir (COMTE-SPONVILLE 2016 p
23) Assim o que nos amarra seja em uma cultura ou civilizaccedilatildeo qualquer meio
de envolvimento pessoal eacute o sentimento de pertenccedila que temos em relaccedilatildeo
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agravequilo que nos agrega uma feacute um texto uma personalidade deuses etc em
comum Eacute assim que Sponville afirma que uma sociedade pode viver sem crenccedila
mas natildeo sem comunhatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 20-27)
Buscando em Ciacutecero outro sentido para religiatildeo (religio vem de relegere ndash
―recolher reler) sua segunda afirmativa sustenta que uma sociedade pode viver
sem feacute mas natildeo sem fidelidade (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 27-32) Isto
implica dizer que religiatildeo eacute aquilo que recolhe e relecirc os textos os mitos as leis ou
qualquer escrito apontado como sagrado O que Sponville chama de fidelidade se
atrela ao que ele reconhece por comunhatildeo natildeo pode haver comunhatildeo partilha
por igual sem que haja primeiramente um recolher do ensino ou a releitura de
uma tradiccedilatildeo para que seja afirmada dela sua fidelidade
Por isso a importacircncia da tradiccedilatildeo cristatilde a releitura hodierna dessa
tradiccedilatildeo transmitida dos costumes do conjunto de valores morais e espirituais
etc possibilita guardar aquilo que resta do passado do que necessitamos para
termos uma histoacuteria onde nos apoiar e (nos) fiarmos nossa humanidade A
fidelidade eacute portanto ―o que resta da feacute quando a perdemos (COMTE-
SPONVILLE 2016 p 29) Diferentemente da feacute a fidelidade eacute o apego o
comprometimento e o reconhecimento dos valores da histoacuteria da comunidade
Nessa loacutegica aqueles que natildeo tecircm feacute ou natildeo reconhecem que os valores
morais advecircm do Deus cristatildeo na foacutermula feacute + fidelidade = piedade reconhecem
entretanto ―a grandeza humana desses valores sua importacircncia sua
necessidade a fragilidade sua urgecircncia [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 30)
A foacutermula seria uma fidelidade destituiacuteda de feacute = impiedade ou seja a ausecircncia
da feacute em nada muda a responsabilidade humana em relaccedilatildeo a tudo o que foi
construiacutedo na histoacuteria Ao contraacuterio de muitas acusaccedilotildees contra o ateiacutesmo a
impiedade neste caso natildeo desembocaria no niilismo o niilismo eacute quando existe
a ausecircncia da fidelidade e da feacute sobrando um grande nada (COMTE-
SPONVILLE 2016)
O ateiacutesmo cristatildeo parece-nos como exposto amplia a visatildeo acerca do
mundo em que natildeo buscam construir ou levantar um impeacuterio religioso como se
apresentam as religiotildees monoteiacutestas e suas derivaccedilotildees A espiritualidade ateia de
fidelidade e comunhatildeo invoca muito mais a uma holiacutestica onde a duacutevida
relacionada ao misteacuterio da vida e do existir leva ao querer ndash o querer explorar a
potencialidade dos misteacuterios existenciais sem pretensotildees de esgotamento Dito
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de outra forma o ateiacutesmo cristatildeo acredita que a complexidade da vida como um
todo eacute um oceano de novos conhecimentos que na medida em que se
experimenta e adquire novas realidades as novas oportunidades e fronteiras satildeo
abertas ao ser humano
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ldquomorte do Deusrdquo via teologia
cristatilde
―Qualquer perspectiva que se apresente como ―ateiacutesmo cristatildeo jaacute eacute por si
soacute estranha [] apontam os teoacutelogos acerca do ―movimento teoloacutegico mais
radical do seacuteculo XX ou seja o movimento ―teologia da morte de Deus (MILLER
amp GRENZ 2011 p 97) No entanto os teoacutelogos cristatildeos de tradiccedilatildeo natildeo
imaginavam ndash e natildeo imaginam ateacute hoje ndash o quatildeo possiacutevel foi (e eacute) de dentro da
proacutepria tradiccedilatildeo o rompimento com o tradicionalismo do conceito de Deus e
fomentar uma nova teologia radical
O ateiacutesmo cristatildeo configura-se do ponto de vista da teologia como o
movimento da morte de Deus gerado no seio da teologia secular e com a
pretensatildeo de expulsar o Deus absoluto para fora do mundo dos homens Com os
tumultos da deacutecada de 60 passados a teologia da morte de Deus significou
muitas coisas desde a sentenccedila de uma derradeira queda da cultura cristatilde e a
objetificaccedilatildeo da figura do Deus da tradiccedilatildeo cristatilde na cultura Ocidental ateacute mesmo
da impossibilidade de experimentar o mundo como um mundo de Deus ndash sua
criaccedilatildeo da perda de Deus desde sua encarnaccedilatildeo na pessoa do homem Jesus o
processo da kenosis (esvaziamento) ateacute a suspensatildeo de toda transcendecircncia
divina para uma imanecircncia liberta da ideia metafiacutesica ndash o que configura uma troca
Jesus o homem sustecircm o lugar de Deus
Dito de forma sinteacutetica e simploriamente resumida a teologia da morte de
Deus e seus representantes tinham como prioridade parece-nos principalmente
tendo em vista todo ocorrido do seacuteculo XX responsabilizar o homem por cada
dor sofrimento e tambeacutem gesto de amor que transcorre sua mundanidade
―Deus morrer eacute para os teoacutelogos dessa visatildeo uma forma de natildeo isentar a todos
das barbaridades que ocasionaram agrave humanidade
Claramente influenciada pela filosofia ateiacutesta nietzschiana (mas natildeo
somente) a teologia da morte de Deus traz luz via os aforismos do filoacutesofo na
conduccedilatildeo contraacuteria a autoridade e a tradiccedilatildeo de Deus com uma nova retoacuterica de
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insurreiccedilatildeo natildeo mais eacute Deus quem se assenta no trono do Universo e tudo
governa mas o proacuteprio homem eacute quem toma as reacutedeas da histoacuteria e tudo iraacute
guiar Teologicamente Deus estava morto no sentido de sua irrelevacircncia como
ideia tradicional advinda dos seacuteculos anteriores em uma cultura que natildeo o deseja
mais
Dois teoacutelogos provenientes da tradiccedilatildeo cristatilde se destacaram como
propagadores dessa teologia Willian Hamilton e Thomas Altizer Ambos se
complementam em suas anaacutelises referentes agrave morte de Deus pois reconhecem
agraves profundas mudanccedilas acontecidas na cultura e na sociedade principalmente o
―evento histoacuterico-cultural da morte de Deus [] (GIBELLINI 2002 p 144)
O que para noacutes eacute importante destacar da teologia de Hamilton eacute a
alteraccedilatildeo que ele propotildee da feacute em amor da teologia em eacutetica da
responsabilidade ―que se orienta para a figura de Jesus que indica ―um lugar
onde ficar (GIBELLINI 2002 p 144) Haacute certo foco na exemplaridade e na
figura de Jesus A teologia de Altizer radicalmente focada na encarnaccedilatildeo de
Jesus o verbo que se fez carnelsquo como doutrina central infere que o Deus
transcendente morre em sua transcendecircncia por esvaziar-se se tornando carne
(lhe conferindo uma transcendecircncia vazia) ndash o que concretiza a passagem da
realidade transcendente para a realidade imanente Essa inversatildeo ocasionada na
figura de Jesus torna-se um evento histoacuterico que se move para dentro da histoacuteria
como num processo progressivo acontecendo ateacute hoje Como uma nova teologia
que pressupotildee a morte de Deus na cultura juntamente com seu esvaziamento
tornou-se um dado fenomenoloacutegico que exige atualmente reformas na maneira
de pensar a teologia que a Igreja sempre compreendeu trazendo essa novidade
para o tempo moderno (GIBELLINI 2002)
Sendo assim a teologia da morte de Deus natildeo prescreve a impossibilidade
de se crer em Deus pois para aqueles que creem sempre seraacute possiacutevel crecirc-lo A
questatildeo em torno do assunto se daacute em que a laicizaccedilatildeo e a secularizaccedilatildeo ndash
advindos dos projetos humaniacutesticos desde a Renascenccedila o Iluminismo seacuteculo
XVIII ateacute XX ndash supotildee uma ―descristianizaccedilatildeo da cultura tornando a crenccedila uma
manifestaccedilatildeo privada Isto eacute ―como dizem os socioacutelogos continuamos podendo
individualmente acreditar em Deus natildeo podemos mais socialmente comungar
nele (COMTE-SPONVILLE 2005 p 36)
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A preocupaccedilatildeo do ateu fiel eacute que com a morte de Deus no acircmbito social
as igrejas se esvaziando e os supermercados se entupindo de consumidores as
pessoas tomem consciecircncia a ponto de responder a velha pergunta ―o que devo
fazer Se a cultura estaacute sendo descristianizada portanto a religiatildeo e todo seu
credo perdendo sua forccedila moralizante mais do que tudo ―a questatildeo moral retorna
ao primeiro plano (COMTE-SPONVILLE 2005 p 41)
23 - Uma resposta possiacutevel
A pergunta ―Eacute possiacutevel algueacutem dizer-se ateu cristatildeordquo tem como resposta
a partir do caminho exposto por Comte-Sponville uma confirmaccedilatildeo positiva A
justificativa se encontra no valor (gr axios) que damos a histoacuteria humana aos
valores que ela produziu e permite que progressivamente seja atualizado e
transmitido agraves geraccedilotildees Principalmente porque esse valor dado agrave histoacuteria
humana eacute a resposta configura-se saber o que eacute o homem para que este seja
denominado homem sua essecircncia (humanismo teoacuterico) ou sua histoacuteria O anti-
humanismo teoacuterico que Sponville apoia responde que
[] eacute a histoacuteria ao mesmo tempo natural (homonizaccedilatildeo) e cultural (humanizaccedilatildeo) em outras palavras que o homem natildeo eacute primeiramente princiacutepio mas sim resultado ou o que daacute na mesma que ele soacute eacute humano na medida em que se torna humano [] O anti-humanismo teoacuterico natildeo eacute um imoralismo pensar o homem em sua verdade (em sua histoacuteria) eacute pensar a moral em sua urgecircncia (COMTE-SPONVILLE 2008 p 268-269)
O ateiacutesmo cristatildeo acredita que uma resposta possiacutevel agrave histoacuteria visando
um futuro melhor a toda humanidade eacute uma resposta possiacutevel na histoacuteria Ou
seja fundamenta-se na fidelidade e na comunhatildeo que perpassa nosso
compromisso e responsabilidade O passado natildeo eacute uma taacutebula rasa uma folha
em branco ndash um tempo memorial vazio de sentido e de materialidade em que
seria preciso hoje inventarmos novos valores Reconhecer o passado toda sua
memoacuteria e narrativa eacute a oportunidade individual e coletiva de ―inventar ou de
reinventar uma nova fidelidade aos valores que recebemos e que temos o
encargo de transmitir Eacute como uma diacutevida em relaccedilatildeo ao passado que soacute
poderiacuteamos saldar investindo no futuro [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 34)
Logo somos humanos porque assim nos tornamos somos histoacuteria porque assim
nos construiacutemos humanidade histoacuterica
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A preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo seja ela de paz ou de guerras eacute o uacutenico
testamento que temos para reescrevermos um novo futuro Os valores que foram
transmitidos do nosso passado tais como a liberdade a justiccedila a igualdade a
fraternidade por exemplo valem porque de fato haacute um valor Natildeo precisamos
alterar o fato de valerem agrave dignidade humana mas necessitamos fidelizar esses
valores para que possamos comungar e interagir humanamente tendo como
base aquilo que jaacute tecircm valor
Marcel Conche afirma em seu livro que de todas as culturas haacute uma
moralmente superior ―[] a greco-cristatilde eacute superior a qualquer outra porque foi no
solo greco-cristatildeo que se reconheceram e afirmaram pela primeira vez a
igualdade de direito de todos os homens e os direitos universais do homem
Sustenta implicitamente que um Estado que enxerga respeita e pratica como
primazia os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e agrave sua
personalidade de certa forma encontra nisso um ―ideal de universalidade
utilizando esse ideal como crivo para perceber e distinguir em todos os outros
meios (Estados) os que natildeo compartilham desses direitos (CONCHE 2006 p
XIII)
O cristianismo legou valor imenso agrave poacutes-modernidade Uma vez que a
pluralidade e os ecumenismos inter-religiosos crescem evidencia-se no Ocidente
a afirmativa de que natildeo mais haacute uma supremacia cristatilde Assim sendo eacute preciso
repensar e reinventar fidelidade a valores que a tradiccedilatildeo cristatilde produziu em
milecircnios de histoacuteria Por ser considerado a religiatildeo do amor (COMTE-
SPONVILLE 2011b) o cristianismo precisa ser peneirado para que aquilo que eacute
amaacutevel permaneccedila o que eacute suspeito seja desconsiderado por completo
3 QUE MORALIDADE
Para respondermos a essa pergunta eacute necessaacuterio investigarmos o objeto
do ateiacutesmo cristatildeo ou seja Jesus prescrevendo qual a importacircncia dessa
personagem dos Evangelhos biacuteblico e porque ele Antes eacute preciso reafirma que o
ateiacutesmo eacute uma moral e portanto o olhar do ateiacutesmo cristatildeo para Jesus restringe-
se a um olhar moral em busca daquilo que em Jesus pode ser abrilhantado mais
do que ofuscado
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Antes ainda eacute preciso distinguir como os conceitos de moral e eacutetica se
conciliam para entatildeo justificarmos o porquecirc do ateiacutesmo cristatildeo sugerir alsquo moral
aliada alsquo eacutetica e natildeo umalsquo eacutetica que prescreva balizas exteriores e umalsquo moral
que se valha de um ser transcendente e de suas exigecircncias
Todos jaacute ouvimos que a moral eacute reconhecida como a doutrina do dever e
tambeacutem estamos informados de que a eacutetica eacute a doutrina da sabedoria A moral
dirige-se agrave virtude que tem como finalidade a santidade jaacute a eacutetica tende para a
felicidade e tem como apogeu a sabedoria A moral lida com os deveres a eacutetica
com o prazer Sponville versa que ambas as normatividades satildeo ―diferentes em
seus princiacutepios e em ―suas finalidades mas que ―se unem no que concerne as
relaccedilotildees interpessoais em suas aplicaccedilotildees Assim
[] o que chamamos de moral e eacutetica satildeo na verdade duas vias de acesso que conduzem a esse mesmo objetivo vias diferentes decerto mas convergentes jaacute que conduzem pela obediecircncia (no caso da moral) ou pela razatildeo (no caso da eacutetica) a uma salvaccedilatildeo comum ou em todo caso a uma vida mais feliz e mais humana (COMTE-SPONVILLE 2008 p 256)
Ao buscar a eacutetica dentre as eacuteticas e a moral dentre as morais o ateiacutesmo
cristatildeo estaacute apenas tentando evidenciar aquilo que Conche torna explicito ou
seja que a minha moral natildeo pode estar fundamentada em minha religiatildeo ou em
minha filosofia pois ela seraacute contestada por outras religiotildees e outras inuacutemeras
filosofias e a todo arcabouccedilo moral que elas contecircm A evidecircncia estaacute em que
seja uma moral ou uma eacutetica particular de um grupo religioso ou de certo filoacutesofo
essa seraacute sempre contestada em detrimento de outra e vice-versa (Cf CONCHE
2006)
Podemos entender sucintamente a eacutetica como uma consciecircncia vasta
espaccedilosa que estaacute agrave procura de responder a pergunta ―como viver e portanto
eacute necessaacuterio incluir na resposta dessa pergunta todos os deveres cabiacuteveis a um
estilo de vida que tambeacutem busca a resposta acerca do ―que devo fazer Quer
dizer o que faccedilo (moral) natildeo responde como eu vivo (eacutetica) mas como eu vivo
ou penso em viver definiraacute aquilo que faccedilo ou como pretendo agir Por esse
prisma a eacutetica aparece como fundamento da moral em que a moral ―eacute apenas
um desejo que se toma por um absoluto que se toma como um fundamento
proacuteprio (COMTE-SPONVILLE 2008)
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Assim a eacutetica eacute um trabalho um processo um caminhar eacute o caminho pensado de viver na medida em que tende para a vida boa como diziam os gregos ou para a menos ruim possiacutevel e eacute essa a uacutenica sabedoria verdadeira (COMTE-SPONVILLE 2011b p 220)
Sendo a eacutetica como um espaccedilo amplo e abrangente feita de desejos
pessoais pensados e hierarquizados pelo conhecimento e pelas opccedilotildees ndash
portanto valores relativos pois sempre particulares (seja individual ou de um
grupo) ndash tende a transformar-se em um discurso normativo poreacutem natildeo
imperativo sempre respondendo aos opostos bomlsquo e ruimlsquo ndash imanente agrave
humanidade A moral posse da eacutetica revela-se como um discurso normativo e
imperativo resultado da oposiccedilatildeo dos valores absolutos ou transcendentes de
Bemlsquo e do Mallsquo (Cf COMTE-SPONVILLE 2008 p 262)
A moral o conjunto dos nossos deveres se transforma em accedilotildees ndash essas
que dizem respeito a um modo de ser e estar sendo no mundo de forma
consciente no tempo presente Mas vale lembrar que o valor moral natildeo estaacute
propriamente nas accedilotildees e no fim desejado por tal agir O valor de um dever eacute
intriacutenseco ao proacuteprio dever isto eacute qualquer ato em cumprimento do dever soacute tem
valor se o mesmo for desinteressado independente do resultado da accedilatildeo Por
isso a moral verdadeira natildeo age ―de acordo com o dever mas sim ―por dever
seria uma accedilatildeo em prol e por aquilo que nos eacute comum e de valor (humanidade) e
tambeacutem em benefiacutecio do que eacute diferente de nossa humanidade (outras espeacutecies
e a natureza por exemplo)
Comte-Sponville (2008 pp 398-399) nos lembra de que Kant jaacute dizia que a
moral ―natildeo tem menor necessidade da religiatildeo pois ―ela basta a si mesmo ndash por
isso o direito de a moral ser laica Ela diz respeito a homens e mulheres muito
mais que agraves instituiccedilotildees o que denota que toda liberdade e autonomia que dela
proveacutem a noacutes eacute relativa natildeo alterando seu aspecto ―absoluto praacutetico ao nosso
sentimento Esse sentimento que temos em relaccedilatildeo a moral sentimento de
grandeza e submissatildeo e a necessidade que temos de agir conforme sua
legislaccedilatildeo eacute porque ―toda moral eacute histoacuterica ndash daiacute o valor do passado e da
tradiccedilatildeo
A liberdade e autonomia diante de uma lei moral tem a ver com a nossa
vontade pois apenas o conhecimento da lei natildeo basta para a accedilatildeo moral
Precisamos deseja-la e quere-la em noacutes Uma vez que sou autocircnomo e livre para
viver diante de uma legislaccedilatildeo proacutepria jaacute natildeo dou valor agrave lei moral pelo que
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conheccedilo dela historicamente vivo moralmente e ajo conforme sou porque ela estaacute
vinculada aos meus desejos de vecirc-la universalmente em accedilatildeo O que estamos
tentando explicar eacute que agir conforme os deveres natildeo substitui a finalidade de
onde queremos chegar ou melhor na eacutetica do amor De acordo com o dever eacute
nos dito que devemos amar mas necessitamos de uma eacutetica do amor
simplesmente porque sempre agimos contraacuterio a essa consciecircncia de dever
A busca por uma eacutetica individual mas universalizante que seja primeira e
baliza aos nossos deveres ndash porque eacute pura consciecircncia ampla e abrangente ndash soacute
eacute possiacutevel quando agimos moralmente natildeo por amor agrave lei mas porque amamos o
amor que rege a lei Aqui jaacute deduzo que a eacutetica eacute uma eacutetica do amor isto eacute que
guia todos os nossos deveres mesmo que por amor precise confronta-los Uma
eacutetica do amor sempre iraacute questionar se nossos deveres compactuam com nossa
consciecircncia Esse jogo complexo eacute antigo mas sempre necessaacuterio
Trata-se de passar da moral agrave eacutetica do dever ao amor e eacute essa passagem cuja jubilosa espontaneidade cada um de noacutes experimenta um tanto mais um tanto menos assim como experimentamos tambeacutem nossas fadigas que o digam sua fragilidade e sua perpeacutetua incompletude (COMTE-SPONVILLE 2008 p 278)
Mas natildeo sejamos ingecircnuos Sponville nos alerta para o fato de que o amor
sempre faltaraacute a todos e por isso a necessidade da moral para exigir que
atuemos como se amassemos Somente assim poderemos experimentar os polos
de forma versaacutetil mas consciente
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-
Sponville
Resume-se na afirmativa ―Jesus natildeo era cristatildeo (COMTE-SPONVILLE
2011b p 134) era apenas um judeu piedoso Sponville redescobre no Cristo dos
Evangelhos via filosofia uma ponte aos temas em comum temas que os grandes
filoacutesofos se debruccedilaram tais como a sabedoria do amor e da amizade que foram
assuntos cariacutessimos a filoacutesofos como Spinoza e Epicuro Essa identificaccedilatildeo com o
―conteuacutedo humano impresso nas letras e no ―espiacuterito dos Evangelhos eacute o que foi
a sua redenccedilatildeo para conciliar a filosofia com
[] a feacute de minha infacircncia ou melhor com a moral que lhe era solidaacuteria reconciliou-me comigo mesmo portanto com a crianccedila que havia sido que era ainda e sobretudo isso me levou de volta a Cristo ao menos a
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uma certa imagem que me fiz dele a de um homem livre e doce que preferia o amor ao poder e que por isso morreu de um modo atroz ignominioso numa cruz Eacute o contraacuterio do Deus todo-poderoso do Deus vingador jaacute natildeo eacute em absoluto um Deus e eacute o uacutenico que me emociona (COMTE-SPONVILLE 1997 pp 142-143)
Essa moral que Sponville redescobriu claramente foge do conceito de
Deus-transcendente idealizado pelo cristianismo Encontra em Jesus o dos
Evangelhos uma ideia mais elevada ndash porque humana ndash para forjar uma
espiritualidade baseada na compreensatildeo de sua mensagem de amor A
interpretaccedilatildeo do Cristo evangeacutelico para que possa fazer parte daquilo que temos
chamado de ateiacutesmo cristatildeo eacute refinado a um olhar liberto da religiatildeo ou das
supersticcedilotildees da mesma
Sponville acredita de Jesus em sua mensagem aquilo que chama nossa
atenccedilatildeo para o essencial que o Reino de Deus jaacute havia comeccedilado e estava no
meio de noacutes eraeacute tatildeo presente que poderia ser assimilado no aqui e no agora
Tal afirmaccedilatildeo seria um chamado universal ao Reino do Amor
[] esse eacute o Cristo a quem amo aquele que criei pouco a pouco para mim aquele que me acompanha o uacutenico a me esclarecer [] Eacute pois o Cristo de todo o mundo ndash o Preseacutepio o Calvaacuterio ndash o dos mitos e das lendas o uacutenico que conhecemos no fundo o uacutenico que importa mas liberto da religiatildeo mas natildeo prometendo nada mais do que tudo ele tambeacutem ndash como os gregos como os verdadeiros mestres ndash e natildeo outro reino aleacutem deste mesmo onde jaacute estamos (COMTE-SPONVILLE 1997 p 143)
Para tanto o que o ateiacutesmo cristatildeo propotildee agravequeles que assim desejam eacute
um Cristo inventado mas que natildeo deixa de ser percebido e visto e encontrado
nas letras dos Evangelhos Seria o Cristo heterodoxo que contraria tanto os
padrotildees sociais vigentes quanto as doutrinasideologias tradicionalmente
assimiladas e admitidas Ele seria um anticonformista porque hereacutetico se
apresentaria aos olhos daqueles que seguem acriticamente o padratildeo
normatizado Seria o homem a divulgar a grande revelaccedilatildeo a todos os ouvintes no
Evangelho de Lucas
Tendo-lhe os fariseus perguntado quando viria o Reino de Deus ele lhes respondeu O Reino de Deus natildeo vem como um fato observaacutevel Natildeo se diraacute Aqui estaacutelsquo ou Laacute estaacutelsquo Pois o Reino de Deus estaacute em voacuteslsquo (entos humocircn) ou entre voacuteslsquo ou no meio de voacuteslsquo [] ou talvez melhor ainda e como dizia o Evangelho de Tomeacute o Reino de Deus estaacute ao mesmo tempo ―em voacutes e fora de voacutes (COMTE-SPONVILLE 1997 p 144)
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Isto faz surgir para Comte-Sponville a pergunta ―Se o Reino estaacute em noacutes
e se estamos no Reino para que serve a feacute e a esperanccedila seguida de
resposta ―Natildeo se deve crer em mais nada deve-se conhecer tudo Natildeo se deve
ter esperanccedila em mais nada deve-se amar tudo (COMTE-SPONVILLE 1997 p
144)
Eacute uma negaccedilatildeo por completa da feacute e da esperanccedila cristatilde uma vez que em
Jesus natildeo houve feacute e nem esperanccedila houve a praacutetica do amor que jaacute estava nele
e fora dele Imitar a Cristo nesse caso eacute compreender que as atitudes de Jesus
estavam esvaziadas de feacute e esperanccedila ndash havia sim manifestaccedilatildeo perfeita do
amor Ser fiel a Jesus seria portanto ―imitar sua visatildeo e sua compreensatildeo na
medida em que sejamos capazes [] eacute em todo caso imitar seu amor
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 63) Isso porque se natildeo haacute o que crer e nem
existe o que esperar ―natildeo haacute outra salvaccedilatildeo senatildeo viver natildeo haacute outra salvaccedilatildeo
senatildeo amar o Reino eacute aqui na terra a eternidade eacute agora (COMTE-SPONVILLE
1997 pp 144- 145)
Como jaacute dito supra noacutes natildeo amamos como deveriacuteamos porque o amor nos
falta quase sempre E tambeacutem natildeo somos Jesus Cristo A sugestatildeo de Sponville
eacute ―[] mas podemos ndash qualquer que seja aliaacutes sua realidade histoacuterica ndash nos
aproximar do modelo que ele propotildee (COMTE-SPONVILLE 2008 p 277) A
proposta parece ser maior do que pensamos porque eacute maior do que podemos ela
excede em princiacutepio nossa capacidade de apenas amar os amigos os proacuteximos
a noacutes e aquilo que nos falta (gr philia erocircs) A mensagem evangeacutelica nos pede
para amar o proacuteximo o inimigo o indiferente isto eacute aquele que natildeo oferece
razatildeo e nenhum atrativo para que nos dediquemos e lhe demos a preferecircncia
Como amar os que nos perseguem Os que fazem mal a noacutes Aqueles
que natildeo nos alegram e nos prejudicam Somos capazes de tal amor A esse
amor conservou-se o nome de amor universal ―Agapeacute eacute o amor divino se Deus
existe e mais ainda talvez se Deus natildeo existe (COMTE-SPONVILLE 1996 p
291) Esse amor que nos falta eacute tatildeo parte de noacutes pelo simples fato de a noacutes faltar
e mesmo que ele venha a noacutes em forma de pranto ndash o choro pelo injusticcedilado pelo
abatido pela falta de alegria e riso pela falta de beleza etc ndash aiacute estaacute o porquecirc
devemos buscaacute-lo como a virtude excelente agravequela que pelos passos vagarosos
que damos em prol da justiccedila igualdade e liberdade pelos direitos humanos
apareceraacute (em medida) como o sol em pleno vigor
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Esse legado do amor de Jesus o modelo de judeu fiel de Cristo
heterodoxo que ressoou a toda tradiccedilatildeo cristatilde e filosoacutefica eacute o motivo pelo qual
Sponville alicerccedilou sua filosofia e ateiacutesmo
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor
Reler o cristianismo eacute revecirc-lo em aprimoramento Se por religiatildeo o ateiacutesmo
cristatildeo redefiniu em fidelidade e comunhatildeolsquo ao inveacutes de esperanccedila e feacutelsquo assim
ao propor outra religiatildeo o amor seria o que uniria a todos e tambeacutem o que nos
tornaria fieacuteis agravequilo que importa e o que importa eacute que somos humanidade Uma
eacutetica do amor portanto uma sabedoria que vise enxergar os dias atuais exige a
releitura do conceito de humanidade tanto quanto de amor requerendo o apoio
daquilo que recebemos do passado
Outra religiatildeo do amor se colocaria de forma mais especiacutefica para que natildeo
seja confundida como uma nova espiritualidade A espiritualidade eacute uma maneira
(e haacute outras) de se viver a religiatildeo Espiritualidade eacute a ―vida do espiacuterito isto eacute a
vida do conhecimento e da accedilatildeo Ela natildeo faz parte exclusiva das Igrejas ou de
quaisquer Instituiccedilotildees que queiram fixaacute-la uacutenica ―a espiritualidade eacute uma
dimensatildeo da condiccedilatildeo humana (COMTE-SPONVILLE 2011b p 208) Essa nova
espiritualidade ou novo caminho seria a chave interpretativa para essa nova
Religiatildeo do Amor que como posto natildeo se pretende religiatildeo como as religiotildees
monoteiacutestas
A antiga religiatildeo do amor diz que ―Deus eacute amor e que o amor eacute Deus
confundindo a eacutetica com a religiatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2005 p 214) A
nova Religiatildeo do Amor por natildeo crer em Deus e entender o amor como
possibilidade unicamente da condiccedilatildeo humana diraacute que eacute preciso amar (de forma
limitada fraca e mortal) mediante a condiccedilatildeo que nos foi ensinada ndash pois nunca eacute
tarde para aprender sobre o amor e a amar O amor por ser accedilatildeo humana eacute
como a moral relativa em que ―cada um de noacutes soacute a encontra em si na medida
em que a recebeu (COMTE-SPONVILLE 2016 p 31)
[] o conjunto do que um indiviacuteduo se impotildee ou proiacutebe a si mesmo natildeo para antes de mais nada aumentar sua felicidade ou seu bem-estar proacuteprios o que natildeo passaria de egoiacutesmo mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro mas para natildeo ser um canalha mas para permanecer fiel a certa ideia de humanidade e de si (COMTE-SPONVILLE 2011a p 20)
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Uma vez que o amor tambeacutem eacute parte de uma eacutetica ideal ele se torna
superior e mais elevado que a feacute que a esperanccedila e a proacutepria moral A procura
sincera de um ateu fiel diante dessa verdade seraacute encontrar uma conexatildeo e um
ponto em comum com a antiga religiatildeo do amor no esforccedilo por compreender o
que as aproxima mais do que as afasta ndash para poder tomar parte juntamente na
grande arte do viver e construccedilatildeo da vida comunitaacuteria
Crentes e natildeo crentes estamos separados aqui apenas pelo que ignoramos Isso natildeo anula nossas discordacircncias mas relativiza seu alcance Seria loucura dar mais importacircncia ao que ignoramos ao que nos separa do que ao que sabemos tatildeo bem por experiecircncia e de coraccedilatildeo e que nos aproxima o que constitui o valor de uma vida humana natildeo eacute a feacute natildeo eacute a esperanccedila eacute a quantidade de amor de compaixatildeo e de justiccedila de que somos capazes (COMTE-SPONVILLE 2016 p 59)
Eacute por essa aproximaccedilatildeo pela via do amor que somos capazes a grande
virtude que se poderaacute democratizar os espaccedilos mundanos como espaccedilos de
fidelidade pois o amor une O amor seria nessa perspectiva o proacuteprio espaccedilo
de fidelidade e comunhatildeo que geraria a alegria tambeacutem o espaccedilo da verdade
alcanccedilaacutevel pois o amor seria universal e tambeacutem o espaccedilo de sabedoria pois o
amor seria o uacutenico caminho a ser seguido e priorizado (COMTE-SPONVILLE
2016)
Entendido de outra maneira o amor seria a lente para o novo olhar na
direccedilatildeo de tudo aquilo que jaz velho e imperceptiacutevel a nossa consciecircncia
Somente dessa forma diante da renovaccedilatildeo da consciecircncia e do olhar
passariacuteamos a uma nova percepccedilatildeo de tudo o que nos rodeia Isso requereria um
esvaziamento de toda nossa indiferenccedila quanto ao mundo agraves coisas e ao proacuteprio
ser humano Eacute como se voltaacutessemos a ver tudo como sendo ―bom sem a
ingenuidade e a ironia que a isso cabe Existir no mundo passaria a ser uma
existecircncia consciente do absurdo e tambeacutem consciente do quanto somos
capazes de em meio ao absurdo amarmos
Essa eacute a religiatildeo que segundo Sponville deveria ser elevada a religiatildeo do
amor No amor jaacute haacute toda espiritualidade de que nossa interioridade necessita
para saber-se e se reconhecer no mundo Isso posto o amor como espiritualidade
praacutetica natildeo vazia de sentido nos abre para a vida em comum e para uma
transcendecircncia do dia-a-dia ndash essa que eacute imanente e aberta a todo conhecimento
Tambeacutem uma abertura para a verticalidade do olhar para o alto que procura
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conscientizar-se acerca dos horizontes do mundo aquilaacute fora daquilo que nos
transcende porque nos transpassa
A religiatildeo do amor que produz nova espiritualidade e vice-versa portanto
estaacute sempre em busca de algo fora de si mesma A mateacuteria prima dessa religiatildeo eacute
o outro o mundo e seus arredores ou seja eacute o locallsquo onde o eulsquo se conecta com
o todo que flui e reflui reconstruindo novos laccedilos novos fundamentos (poreacutem
natildeo verdades incontestes) novas oportunidades dimensotildees e aprofundamentos
do conhecimento fundando uma razatildeo que eacute possiacutevel ao homem onde nosso
uacutenico dever eacute ser humano nossa uacutenica virtude eacute ser humano pois ningueacutem
poderaacute ser em meunosso lugar (COMTE-SPONVILLE 2011a)
Na religiatildeo do amor toda riqueza eacute encontrada fora de si mesmo como na
paraacutebola do tesouro e da peacuterola de grande valor
O Reino dos Ceacuteus eacute semelhante ao tesouro escondido no campo um homem o acha e torna a esconder e na sua alegria vai vende tudo o que possui e compra aquele campo O Reino do Ceacuteus eacute ainda semelhante ao negociante que anda em busca de peacuterolas finas Ao achar uma peacuterola de grande valor vai vende tudo o que possui e a compra (BIacuteBLIA Mateus 13 44-46 2011 p 1729)
Assim porque nos desfazemos de tudo o que temos para conseguir
adquirir o tesouro ou a peacuterola de maacuteximo valor da mesma forma podemos supor
que o amor eacute tudo o que queremos e depois saber que o amor eacute tudo o que
precisamos para sermos felizes
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Um olhar pessoal ao ateiacutesmo cristatildeo
A maioria dos cristatildeos ocidentais diraacute da impossibilidade de conceber o
ateiacutesmo cristatildeo A mesma impossibilidade que admitem haver no raciociacutenio de
uma espiritualidade ateia pode tambeacutem se encaixar a feacute cristatilde O fato de que
para pensar o Deus cristatildeo teria que ser necessaacuterio afirmar a possibilidade de
pensar a pura ideia de um uacutenico Deus e isso natildeo eacute possiacutevel revela o quatildeo
instaacutevel eacute a proacutepria feacute cristatilde ndash que sabe que natildeo se pode pensar Deus mas pensa
que eacute preciso pensa-lo e entatildeo formula as instabilidades de sua proacutepria feacute Isso eacute
o que chamo de contradiccedilotildees necessaacuterias pois satildeo por elas que a feacute continua a
ser pensada de tempos em tempos Satildeo essas contradiccedilotildees que tambeacutem
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asseguram novas possibilidades de entendimento acerca de conceitos caros a
histoacuteria do pensamento
Mesmo a feacute cristatilde milenar assim como qualquer outra feacute elas satildeo fontes
de ameaccedila agrave espiritualidade de qualquer pessoa Em todas elas existe
instabilidades contraditoacuterias desde sua essecircncia como um explosivo corrosivo A
pretensatildeo do ateiacutesmo cristatildeo a meu ver eacute expor tais instabilidades e afirmar a
contradiccedilatildeo das crenccedilas ndash mesmo aquela que o proacuteprio ateu propotildee Ter noccedilatildeo
disso eacute conhecer a diferenccedila entre ―feacute e ―saber pois o que confunde essas
categorias afirma Sponville ―eacute um imbecil e torna-se um ignorante da ignoracircncia
insuperaacutevel a existecircncia de Deus (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 p 72-73)
Dito isto qualquer religiatildeo de feacute ou mesmo o ateiacutesmo cristatildeo todos devem
ter como posicionamento a esfera da opiniatildeo sabendo que qualquer relaccedilatildeo de
toleracircncia e amor dependem de uma consciecircncia que se sabe insuficiente Se
entendermos o amor como um valor precioso agrave humanidade sem implicaccedilotildees
transcendentes chegaremos agrave conclusatildeo de que somos noacutes na medida em que
aprendermos a amar que transcenderemos ndash o que natildeo implica chamarmos a
noacutes de deuses
A regra da vida ou a norma do bem-viver pelo que tentamos expor supra
de Sponville eacute amar e amar como Jesus amou Que seja entatildeo atraveacutes da moral
essa ilusatildeo necessaacuteria para que possamos vagarosamente caminhar a um agir
por amor conscientes que podemos estar agindo por dever O ideal seria natildeo
necessitarmos de lei alguma por que amamos
Assim entendidos que a religiatildeo ―eacute um grande drama da relaccedilatildeo do
homem com os deuses (HARARI 2017 p 221) a espiritualidade que Sponville
apresenta estaacute fundamentada na busca humana a fim de encarar o grande
drama e desespero do homem consigo mesmo Muitos mestre da espiritualidade
podem ajudar nessa busca dramaacutetica da humanidade O ateiacutesmo cristatildeo
apresenta um em especial ndash especial pelo tipo de amor que apresentou e que
revolucionou as relaccedilotildees humanas Jesus o homem pois um Deuslsquo que natildeo
tenha se diminuiacutedo para se igualar aos seus nunca poderaacute dizer que lhes trouxe
libertaccedilatildeo
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAGGINI Julian Ateiacutesmo Uma breve introduccedilatildeo Satildeo Paulo LampPM Editores 2016 BIacuteBLIA de Jerusaleacutem Nova ediccedilatildeo revisada e ampliada Satildeo Paulo Editora Paulus 2011 COMTE-SPONVILLE Andreacute Pequeno tratado das grandes virtudes Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1996 COMTE-SPONVILLE Andreacute Bom dia anguacutestia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1997 COMTE-SPONVILLE Andreacute O capitalismo eacute moral Sobre algumas coisas ridiacuteculas e as tiranias de nosso tempo Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2005 COMTE-SPONVILLE Andreacute Valor e verdade Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2008 COMTE-SPONVILLE Andreacute Apresentaccedilatildeo da filosofia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011a COMTE-SPONVILLE Andreacute Dicionaacuterio filosoacutefico 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011b COMTE-SPONVILLE Andreacute O espiacuterito do ateiacutesmo introduccedilatildeo a uma espiritualidade sem Deus 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2016 CONCHE Marcel O fundamento da moral Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2006 DURKHEIM David Eacutemile Eacutetica e sociologia da moral Satildeo Paulo Martin Claret 2016 GIBELLINI Rosino A teologia do seacuteculo XX 2ordfed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 HARARI Yuval Noah Sapiens ndash uma breve histoacuteria da humanidade 28ordf ed Porto Alegre RS LampPM 2017 MILLER ED L amp GRENZ Stanley J Teologias contemporacircneas Satildeo Paulo Vida Nova 2011 MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
Autor ndash Me Rafael de Campos
Professor de Filosofia e Sociologia no Ensino Meacutedio Professor de Teologia e Religiatildeo em Seminaacuterio Teoloacutegico Especializando em Ciecircncia Poliacutetica pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar)
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Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciado em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP) E-mail elfaracamposhotmailcom
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ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO
CORPOacuteREA EM PAULO
RESUMO
Este presente artigo tem como objetivo demonstrar o elemento inovador
que o discurso da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em Paulo traz a partir do texto de
1Coriacutentios 1535-49 onde o apoacutestolo desenvolve e argumenta seu pensamento
escatoloacutegico acerca desta temaacutetica Para trilhar esse caminho este artigo propotildee
explanar alguns pontos metodoloacutegicos relevantes para o exerciacutecio exegeacutetico
desta narrativa paulina sob o respaldo dos referenciais teoacutericos ―A ressurreiccedilatildeo
do Filho de Deus e ―Paulo Novas Perspectivas de Wright A fim de desenvolver
esse pensamento e considerar os argumentos dentro dessa nova visatildeo teoloacutegica
da temaacutetica
Palavras-Chave Discurso Paulo Ressurreiccedilatildeo Corpoacutereo 1Coriacutentios 15
ABSTRACT
This article aims to demonstrate the innovative element that the discourse
of bodily resurrection in Paul brings from the text of 1 Corinthians 1535-49 where
the apostle develops and argues his eschatological thinking on this theme To
follow this path this article proposes to explain some methodological points
relevant to the exegetical exercise of this Pauline narrative supported by the
theoretical references ―The Resurrection of the Son of God and ―Paul New
perspectives by Wright In order to develop this thinking and consider the
arguments within this new theological view of the theme
Key-Words Discourse Paul Resurrection Corporeal 1Corinthians 15
autora Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Angelaaleixo72yahoocom
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INTRODUCcedilAtildeO
Considerada como doutrina central da teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea tem sua histoacuteria narrada em diferentes porccedilotildees biacuteblicas do Novo
Testamento Nos evangelhos canocircnicos Jesus anuncia sua morte e ressurreiccedilatildeo
sobre a afirmaccedilatildeo de que este eacute o plano de Deus Pai para com a humanidade
Em especial podemos ver entretecidas na teologia cristatilde mais antiga as cartas
paulinas que registram a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus Entendemos que estas
foram escritas por volta de duas deacutecadas apoacutes a morte de Cristo denotando assim
neste periacuteodo a firme crenccedila dos cristatildeos neste evento escatoloacutegico
Sobre a crenccedila de que a ressurreiccedilatildeo em princiacutepio tinha acontecido Paulo
exorta e instrui os seguidores de Jesus a reordenar suas vidas suas narrativas
seus siacutembolos e sua praacutexis para estarem em conformidade com o segmento
desta doutrina escatoloacutegica na poacutes-morte Neste sentido podemos dizer que os
ensinamentos de Paulo se tornaram um elemento chave da tradiccedilatildeo e da teologia
cristatilde Mais do que isso nosso pressuposto eacute de que a teologia paulina nos
fornece um desenvolvimento narrativo sobre a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea
Contudo num segundo olhar a esse discurso temaacutetico podemos levantar
um questionamento Que novidade este tema tatildeo debatido pode nos apresentar
Este ensaio exegeacutetico procuraraacute mostrar que a novidade norteadora desse
discurso paulino se concentra no uacutenico eixo narrativo a da tipologia corpoacuterea que
eacute alcanccedilado na poacutes-morte com a ressurreiccedilatildeo do corpo Ou seja a aceitaccedilatildeo na
crenccedila de que haveraacute no futuro escatoloacutegico um corpo glorioso e totalmente outro
Atraveacutes de uma nova abordagem ele desenvolve seu discurso temaacutetico a partir da
narrativa de 1Coriacutentios (153549)
Para tanto Paulo parte da descriccedilatildeo dos diferentes tipos de carnes de
animais de aves de peixes do sol da lua e das estrelas num evolutivo
pensamento Tendo como cerne discursivo o enunciado de que entre os corpos
tambeacutem haacute diferentes tipologias pois sua afirmativa eacute de que assim como existe o
corpo natural tambeacutem existe o corpo espiritual Desta forma neste texto Paulo
relata analogicamente o primeiro Adatildeo (corpo natural) em relaccedilatildeo ao segundo
Adatildeo Cristo (corpo espiritual) demonstrando que nele estaacute impliacutecito a memoacuteria
narrativa de Gn 1-3 cuja ecircnfase estaacute na criaccedilatildeo
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Assim este ensaio exegeacutetico de 1Cor (15 35-49) pretende analisar o
discurso paulino acerca da ressurreiccedilatildeo do corpo e verificar como ele discorreu
essa narrativa a conflitante comunidade de Corinto A fim de desenvolvermos este
ensaio utilizaremos alguns passos do meacutetodo histoacuterico-criacutetico como orientaccedilatildeo
todavia sem nos fixarmos nesta uacutenica metodologia54 Seguiremos com a anaacutelise
das caracteriacutesticas formais da periacutecope (delimitaccedilatildeo conteuacutedo literaacuterio e gecircnero
textual) e a finalizaccedilatildeo metodoloacutegica seraacute com um breve comentaacuterio quanto
articulaccedilatildeo do discurso paulino em todo capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO
35 Mas diraacute algueacutem Como ressuscitam os mortos E com que espeacutecie de
corpo vecircm 36 Insensato Tu o que semeias natildeo eacute vivificado se primeiro natildeo
morrer 37 E o que semeias natildeo semeia o corpo que tornaraacute mas (semeia) um
gratildeo nu como de trigo ou de outros gratildeos 38 Poreacutem Deus concede por si
mesmo o corpo conforme desejar e a cada uma das sementes (Ele) concede o
corpo proacuteprio dela 39 Nem toda carne (eacute) a mesma carne mas uma eacute a carne
dos homens outra eacute a carne de gados outra a carne de peixes e outras de aves
40 E (haacute) corpos celestes e corpos terrestres mas uma (eacute) a gloacuteria dos celestes
e outra (eacute) a gloacuteria dos terrestres 41 Uma eacute a gloacuteria do sol outra eacute a gloacuteria da
lua outra a gloacuteria das estrelas pois uma estrela difere em gloacuteria de outra estrela
42 Assim tambeacutem eacute a ressurreiccedilatildeo dos mortos O eacute semeado em corruptiacutebilidade
e ressuscitado em incorruptibilidade 43 Eacute semeado em desonra ressuscitado em
gloacuteria eacute semeado em fraqueza e ressuscitado em poder 44 Eacute semeado corpo
natural eacute ressuscitado corpo espiritual pois existe o corpo natural e existe o
corpo espiritual 45 Como tambeacutem estaacute escrito O primeiro homem Adatildeo tornou-
se alma vivente o uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante 46 Entretanto natildeo eacute
primeiro o espiritual mas o natural depois disso o espiritual 47 O primeiro
homem eacute proveniente de dentro da terra terreno o segundo homem eacute
proveniente de dentro do ceacuteu celestial 48 Tal como o terrestre (feito) do poacute
tambeacutem satildeo os terrenos e tal como (aquele) que eacute celestial tambeacutem satildeo os
54
A metodologia empregada seraacute a junccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico com a metodologia de ZABATIERO Julio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
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celestiais 49 E assim como trouxemos a imagem do terrestre traremos tambeacutem
a imagem do celeste55
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS
A anaacutelise das caracteriacutesticas formais de um texto eacute uma das bases para a
anaacutelise de conteuacutedos Trata-se de uma etapa fundamental para reunirmos
informaccedilotildees a respeito de suas caracteriacutesticas literaacuterias Assim para esta anaacutelise
desenvolveremos os seguintes passos delimitaccedilatildeo coesatildeo contexto literaacuterio
estruturaccedilatildeo da periacutecope gecircnero textual
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope
A delimitaccedilatildeo de um texto eacute fundamental para estabelecermos os limites
iniciais e finais a fim de reconhecermos a mensagem do texto de fazermos o
recorte textual correto Para isso esta anaacutelise levaraacute em consideraccedilatildeo a narrativa
de 1Coriacutentios (1535-49) como uma uacutenica periacutecope cuja segmentaccedilatildeo56 estaacute em
(35-38 39-44 45-49)
Num primeiro olhar da narrativa estes trecircs segmentos contidos nesta
periacutecope pode parecer desconexos quanto ao contexto integral Contudo ao
analisarmos o texto percebemos que eles se alternam entre si Esta eacute a proposta
da Biacuteblia de Jerusaleacutem (BJ) que demonstra em sua composiccedilatildeo uma estrutura na
qual cada estrofe salienta os temas tratados Assim entendemos que a junccedilatildeo
entre estes temas conjunccedilotildees e adveacuterbios contidos no texto satildeo as marcas
linguiacutesticas que melhor nos auxilia quanto agrave observaccedilatildeo de mudanccedilas nestas
narrativas
Observando o contexto literaacuterio anterior (vv29-34) notamos a mudanccedila de
assunto e de linguagem em relaccedilatildeo agrave narrativa dos versos (35-49) Isso porque a
linguagem desta periacutecope apresenta uma espeacutecie de parecircnteses ou seja uma
breve treacutegua apoacutes uma densa e complexa argumentaccedilatildeo sobre a ressurreiccedilatildeo
55
Um proacuteximo item metodoloacutegico nesta pesquisa seria a criacutetica textual Contudo ao averiguarmos este ponto constatamos que haacute vaacuterias variantes que natildeo apresentam nenhuma alteraccedilatildeo significativa na narrativa Por isso optamos em trabalhar por Nestle Alan descartando assim o exerciacutecio analiacutetico da mesma 56
―Segmentaccedilatildeo eacute um procedimento idecircntico ao da delimitaccedilatildeo mas restrito aos limites da proacutepria periacutecope utilizada aqui como passo metodoloacutegico por ZABATIERO J In Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007 p37
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um estilo entrecortado frases curtas raacutepidas mudanccedilas de tema Entendemos
que o assunto tratado aqui por Paulo exibe um foco mais antropoloacutegico De Cristo
ele passa a falar de si e dos perigos que constantemente enfrenta ao disseminar
sua teologia (v30)
Ele comeccedila seu discurso com duas perguntas sobre o batismo pelos
mortos (v29) Ambas principiadas pela conjunccedilatildeo ―se Ἐπεὶ como reflexatildeo da
questatildeo Segue falando de uma luta com feras em Egravefeso (v32) e concluiacute com
uma advertecircncia a comunidade O de natildeo se enganarem quanto agrave verdadeira
teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo dos mortos (vv33-4) evidenciado pelo verbo ―tornai
genomai tendo como fio condutor desta periacutecope o elo entre a vida presente e a
futura
A delimitaccedilatildeo desta periacutecope eacute uma questatildeo que varia entre os
pesquisadores Vejamos a posiccedilatildeo de alguns deles quanto a isso
Ao pesquisar esta questatildeo percebemos que grande parte dos
pesquisadores corroboram com a delimitaccedilatildeo semelhante agrave de Vouga que trata
do tema ―do corpo espiritual dos ressuscitados numa uacutenica narrativa sem
subdivisotildees (vv35-4957) Jaacute um grupo menor de pesquisadores nos apresenta
uma estrutura similar entre eles mas com alguns pontos divergentes Vejamos
algumas destas estruturas
De acordo com Konings a delimitaccedilatildeo deste texto segue a seguinte
estrutura ―Na respostas as perguntas (v35) Paulo recorre a algumas
comparaccedilotildees exemplificativas (vv36-41) manteacutem o tema da semeadura (vv42-
4) e discorre sobre os dois corpos (vv 45-958) Fitzmyer vai agrave outra vertente e
delimita o texto da seguinte forma ―A fim de dar respostas (v35) Paulo faz
analogias de sementes (vv36-41) e depois faz as aplicaccedilotildees destes
ensinamentos (vv 42-959)
Jaacute Wright ao delimitar esta narrativa a divide em dois blocos ―o primeiro
nos (vv 35-41) onde Paulo discorre sobre as diferenciaccedilotildees dos corpos
(terrestres e celestes) o segundo nos (vv42-9) elabora um contraste explicativo
57
VOUGA F MARGUERRAT Daniel (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 p 238 58
KONINGS J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 pp 368-9 59
JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa)
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sobre as duas espeacutecies de corpos60 culminando nas respostas as duas
perguntas lanccediladas no iniacutecio da narrativa (v35)
A narrativa de 35-49 compotildee a periacutecope central desta pesquisa e sua
anaacutelise seguiraacute a estrutura dos segmentos mencionados acima
Primeiro segmento de 35-8 No verso 35 o foco do discurso muda Apoacutes
ter discutido com a comunidade sobre a ressurreiccedilatildeo como fato Paulo agora se
volta agrave questatildeo da modalidade Iniciando o discurso pela conjunccedilatildeo ―mas Ἀλλὰ
Paulo agora pergunta pelo ―como e pela ―mecacircnica do processo da
ressurreiccedilatildeo cuja centralidade estaacute na questatildeo do corpo Paulo demonstra reagir
com dureza a estas questotildees (v36) e argumenta utilizando a analogia do gratildeo de
trigo (vv36-8)
Segundo segmento de 39-44 A partir do verso 39 o Apoacutestolo manteacutem a
temaacutetica mas dirige agora a atenccedilatildeo para criaccedilatildeo ou seja da semente das
plantas se volta para a carne Iniciando a narrativa com o adveacuterbio ―nem (οὐ) ele
passa a discursar sobre as diferentes espeacutecies criadas por Deus como os animais
domeacutesticos os paacutessaros e os peixes
Discorre tambeacutem sobre os ―corpos terrestres caracterizado pela palavra
grega σὰρξ sarx (vv39-43) e continua a narrativa em termos antropoloacutegicos
(v44) Evidencia os diferentes tipos de carne no intuito de ilustrar a diferenccedila do
corpo da ressurreiccedilatildeo na poacutes-morte Pois para Paulo a ressurreiccedilatildeo acarretaraacute
em uma metamorfose do corpo humano
Terceiro segmento de 45-9 Nestes versos Paulo atinge seu aacutepice
discursivo acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Utilizando o adveacuterbio Πῶρ (como) ele
agora discorre sobre a tipologia do primeiro homem Adatildeo e do uacuteltimo Cristo para
tipificar a transformaccedilatildeo do corpo natural em um corpo espiritual como esperanccedila
escatoloacutegica Nesta narrativa Paulo conclui o desenvolvimento de seu discurso
apocaliacuteptico sobre ressurreiccedilatildeo do corpo a Corinto Assim com essa mesma
temaacutetica encerra-se a periacutecope no v49
O contexto literaacuterio posterior (vv50-8) tambeacutem assume uma mudanccedila de
assunto e linguagem em relaccedilatildeo agrave (vv35-59) Na forma de uma declaraccedilatildeo
enfaacutetica Τοῦηο ―Eis que Paulo agora tenta direcionar a atenccedilatildeo da comunidade
para o que se segue (v50) Confidecircncia aos coriacutentios sua convicccedilatildeo de que nem
60
WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013 pp 481-500
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todos morreratildeo antes do fim dos tempos E o que caracterizaraacute este momento
seraacute a parousia (retorno) de Cristo (v51)
O Apoacutestolo atribui a caracteriacutestica de ―rapidez a este processo de
transformaccedilatildeo do corpo ressurreto (vv52-3) Destaca que a ecircnfase central deste
paraacutegrafo estaacute na transformaccedilatildeo necessaacuteria para aqueles atualmente vivos para
que possam fazer parte do reino Segue dizendo nos versos (54-5) que a forccedila
central desta metamorfose estaacute no fato de que ―como os mortos seratildeo
ressuscitados ―incorruptiacuteveis (vv52-4) assim ―noacutes os vivos seremos
―transformados (allagesometha61) E utiliza a conjunccedilatildeo ―assim Ὥζηε ao
concluir este discurso tendo como linguagem a forma de um hino de louvor triunfal
sobre a morte (v58)
Notamos portanto que o texto de 1Coriacutentios (1535-49) estaacute bem
delimitado e literariamente conectado com as periacutecopes ao seu redor embora
seja uma uacutenica unidade de sentido Essa perspectiva literaacuteria nos auxiliaraacute a
compreender a relevacircncia dessas palavras agrave comunidade de Corinto
13 - Coesatildeo do Texto
Esta unidade de sentido delimitada na narrativa (1535-49) apresenta
repeticcedilotildees de vaacuterios termos e sinocircnimos que mantecircm coesa a periacutecope
O verso (35) inicia com a ocorrecircncia de trecircs expressotildees importantes a
ἐγείπονηαι satildeo ressuscitados o νεκποί satildeo mortos e o ποίῳ swmati com que
espeacutecie de corpo Isso se deve aos conteuacutedos decorrentes do texto salientadas
pelas expressotildees semear e ressuscitar As palavras ζπείπειρ semeias e
ἀποθάνῃ morrer descritas no verso 36 indicam natildeo significados diferentes mas
o mesmo sentido de morte Tendo como objeto comum entre elas a palavra ζῶmicroα
corpo no verso 37
Na narrativa de 38-40 as palavras ζὰπξ carne e ζῶmicroα corpo se alternam
entre si indicando tambeacutem o mesmo significado corposubstacircncia As expressotildees
ἀνάζηαζιρ ressurreiccedilatildeo e νεκπῶν mortos no verso 42 apresentam os dois
estaacutegios do corpo E nos versos 43-4 o fio condutor desta periacutecope eacute ressaltado
pelas palavras ζπείπεηαι semeado e ἐγείπεηαι ressuscitado
61
IDEM pp500-1
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A narrativa de 45-9 ressalta atraveacutes de algumas expressotildees a mesma
temaacutetica do segmento anterior (vv38-44) os dois estaacutegios corpoacutereos As
expressotildees τςσὴν alma e πνεῦmicroα espiacuterito no verso 45 τςσικόν natural e
πνεςmicroαηικόν espiritual no verso 46 e σοφκόρ terreno e οὐπανοῦ ceacuteu no verso
(47) autenticam no texto os dois estaacutegios do corpo o atual e futuro Assim
podemos dizer que de modo geral os verbos ἀποθάνῃ morrer ζπείπειρ
semear e ἐγείπεηαι ressuscitar juntamente com o substantivo ζῶmicroα corpo
perpassam toda a periacutecope O restante do texto eacute decorrente da accedilatildeo da fala ou
estaacute ligada a ela
Assim observamos que haacute coesatildeo nesta periacutecope E que seu fio condutor
estaacute na dinacircmica do semear e ressuscitar do corpo na moldura especifica de cada
estaacutegio atual e futuro da poacutes-morte Trata-se portanto de uma unidade de
sentido delimitada e coesa
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO
O contexto literaacuterio de um texto busca mostrar a forma de escrita das
cartas de Paulo bem como identificar suas composiccedilotildees e a correlaccedilatildeo interna
entre o pensamento e os escritos paulinos a fim de observar a estrutura e a
dinacircmica do texto
A carta de 1Coriacutentios segue um formato mais ou menos padratildeo ou seja
detectaacutevel na maioria das cartas do Novo Testamento Algumas cartas satildeo tatildeo
longas que podem ser consideradas como carta ensaio A carta de 1Coriacutentios 15
eacute considerada pela maioria dos pesquisadores de conteuacutedo extensa podendo ser
escritas de vaacuterias maneiras
Neste sentido Brown diz que embora natildeo demonstre a divisatildeo necessaacuteria
dos pensamentos dos escritores de modo geral ―pode-se distingui-la em quatro
partes 1) Foacutermula introdutoacuteria 2) Accedilatildeo de graccedilas 3) Corpo ou mensagem 4)
Foacutermula conclusiva62 Este estilo divisoacuterio nas cartas eram comuns no Novo
Testamento o que favorecia a leitura e interpretaccedilatildeo da mesma
Em relaccedilatildeo ao puacuteblico na qual elas se destinavam Brown diz que de toda a
coleccedilatildeo de cartas do Apoacutestolo Paulo ―somente algumas das cartas do Novo
Testamento satildeo endereccediladas a comunidades numa cidade ou cidades
62
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 pp552-3
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especiacuteficas as outras poreacutem podem ter em mente cristatildeo com uma heranccedila
particular ()63 Em contra partida Vouga entende que as cartas do Apoacutestolo
Paulo satildeo ―destinadas as respectivas comunidades previamente conhecidas por
ele a fim de responder questotildees precisas e de reagir a problemas particulares
surgidos64
Nesta questatildeo concordamos com Vouga pois Paulo contava
constantemente com o auxiacutelio de cooperadores locais para escrever suas cartas
Esta afirmaccedilatildeo eacute evidenciada na narrativa de 1Coriacutentios (11-2) ―Paulo chamado
a ser Apoacutestolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus e Soacutestenes o irmatildeo a
igreja de Deus que estaacute em Corinto aos que foram santificados no Cristo Jesus
chamados a ser santos com todos os que invocam em todo lugar o nome de
nosso Senhor Jesus Cristo Senhor deles e nossordquo Assim eram os cooperadores
que forneciam as informaccedilotildees acerca dos conflitos existentes em Corinto O que
auxiliava Paulo quanto agrave direccedilatildeo do conteuacutedo especiacutefico a ser escrito a
comunidade
Neste sentido Berger diz que ―muitas vezes trata-se de um relacionamento
em triacircngulo eu-tu-ele ou eu-voacutes-ele65 Ou seja a dinacircmica desta relaccedilatildeo
triangular permitia um contato constante entre Paulo o cooperador e a
comunidade nas questotildees a serem resolvidas Assim estas informaccedilotildees serviam
como ponto de partida para elaboraccedilatildeo das cartas paulinas
Podemos dizer que na carta de 1Coriacutentios 15 o primeiro objetivo praacutetico
natildeo se exprime por meios de imperativos ou exortaccedilotildees mas sim por meios de
explicaccedilotildees e afirmaccedilotildees acerca da ressurreiccedilatildeo dos mortos Contudo este
objetivo se encontra impliacutecito na comunicaccedilatildeo de seu discurso neste capiacutetulo E
embora toda a narrativa deste capiacutetulo nos apresente o tema da ressurreiccedilatildeo satildeo
nos versos (35-49) que o Apoacutestolo especifica esta temaacutetica ao falar do corpo
ressurreto dos mortos na poacutes-morte
Um aspecto perceptiacutevel nesta exposiccedilatildeo discursiva eacute que Paulo se dirige a
toda a Corinto e natildeo somente ao grupo de ceacuteticos que questionavam a
ressurreiccedilatildeo do corpo De acordo com DETTWILER amp KAESTLI ainda que ―Paulo
saiba que na comunidade ―alguns negam a ressurreiccedilatildeo dos mortos (v12) ele
63
IDEM p550 64
VOUGA p233 65
BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 p253
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natildeo se dirige a eles mas a ―voacutes da comunidade a fim de dissuadi-la de partilhar a
posiccedilatildeo negativa da maioria66
Ao usar o termo ―voacutes o Apoacutestolo abrange a todos seu discurso retoacuterico
deixando assim impliacutecito a ambiguidade peculiar das cartas paulinas Ou seja
nesta narrativa central ele previne toda comunidade contra essa e outras
correntes filosoacuteficas contraacuterias ao cristianismo ao mesmo tempo em que refuta
indiretamente o grupo ceacutetico existente em Corinto
Em relaccedilatildeo agrave literatura das cartas de Paulo podemos dizer que em geral
elas apresentam um contexto de ―comunicaccedilatildeo estabelecido pelo Apoacutestolo que eacute
com efeito paradoxal ()67 Na periacutecope (vv35-49) encontramos este contexto
de comunicaccedilatildeo por parte do Apoacutestolo Nele Paulo utiliza natildeo soacute o paradoxo
mas tambeacutem outras formas literaacuterias para autenticar seu discurso Vejamos agora
algumas destas formas
O texto inicia com duas perguntas cruciais que conduz toda a narrativa
Nos versos 36-41 Paulo extraiu vaacuterias analogias sobre a diversidade de sementes
e organismos a fim de responder a primeira pergunta ―Como (Πῶρ) ressuscitam
os mortos (v 35a) Colzemann diz que Paulo ―em estilo de diatribe68 solta o
novo tema apresentado pelo Como69
A palavra ἄθπυν (insensato) que precede esta pergunta denota um estilo
de discussatildeo na narrativa E ao discutir esta questatildeo Paulo ressalta a oposiccedilatildeo
ou seja a objeccedilatildeo que tinha sido realmente levantada por um grupo de ―ceacuteticos
existentes em Corinto Segundo Colzemann ―o texto nos apresenta uma resposta
tripla (1) vv 36-8 (2) vv 39-44 (3) vv 45-970 reforccedilando a proposta de nossa
estrutura de segmentos Observamos portanto que nestas narrativas a teologia
paulina da ressurreiccedilatildeo natildeo admitia a existecircncia sem um corpo Seja ela no
tempo presente com caraacuteter apocaliacuteptico ou no tempo futuro com caraacuteter
escatoloacutegico
66
DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor 67
VOUGA p233 68
De acordo com Fitzmayer 2008 p 591 diatribe eacute uma forma dialoacutegica de argumentaccedilatildeo desenvolvida por certos professores como Bion Borys Thenite (ca 325-255 aC) Teles (fl 235 cabc) Dio Crisoacutestomo de Prusa (ad 40-112 []) Musonius Rufus (ca DC 30-102) e de Epicteto Hieraacutepolis (ad-55-135) Eacute utilizada nas escolas ciacutenicas e estoacuteicas da filosofia Foi um discurso pedagoacutegico realizado em debate animado e estilo de conversaccedilatildeo familiar com um interlocutor real ou imaginaacuterio que foi salpicado com apoacutestrofo proveacuterbios perguntas retoacutericas paradoxos paroacutedias antiacuteteses e fala fictiacutecia 69
COLZEMANN 1Corinthians Printed in the United States of American 1975 p280 70
IDEM 280 (traduccedilatildeo nossa)
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Paulo a partir de agora conduz seu discurso em duas perspectivas De
aplicar as implicaccedilotildees destas instruccedilotildees para a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea dos cristatildeos
falecidos e de procurar dar uma resposta apocaliacuteptica a segunda pergunta
definida por ποίῳ δὲ ζώmicroαηι ἔπσονηαι ―Com que espeacutecie de corpo vecircm
(v35b) De acordo com Fitzmyer
―Sua resposta definitiva eacute dada no versiacuteculo 44a desta periacutecope um corpo espiritual eacute elevado e em v 44b ele argumenta a minori ad maius Eacute no entanto apresentado de uma forma mais completa quando ele menciona mais trecircs qualidades desse corpo impereciacuteveis vestida de esplendor e poderosos Assim numa seacuterie de diacutesticos paralelos (vs42b-44a) quatro qualidades do corpo ressuscitado satildeo apresentados em oposiccedilatildeo a quatro qualidades do corpo humano terrestre Quatro antiacuteteses satildeo expressas pelos verbos passivos divinos speiretai-egeiretai Considerando que o atual corpo humano eacute pereciacutevel sem honra fraco e animado (psychikon) o corpo humano da ressurreiccedilatildeo seraacute incorruptiacutevel radiante poderoso e espiritual (pneumatikon)
71
Estas palavras de Fitzmyer vecircm corroborar nossa anaacutelise Na frase
―semeado em corruptibilidade desonra fraqueza e ressuscitado em
incorruptibilidade gloacuteria poder (vv42b-4a) a forma literaacuteria diacutestica paralela
construiacuteda por Paulo ressalta seu pensamento jaacute dito sobre a morte e
ressurreiccedilatildeo do corpo
Em forma de antiacutetese ele discorre sobre as qualidades e defeitos dos
corpos terrestres τςσικόν (natural) e ressuscitados πνεςmicroαηικόν (espiritual) cuja
acentuaccedilatildeo estaacute nos verbos ζπείπεηαι (semeado) e ἐγείπεηαι (ressuscitado) E
concluiacute seu discurso nos versos (44b-9) descrevendo uma comparaccedilatildeo de
criaccedilatildeo o ―primeiro homem Adatildeo com o ―uacuteltimo Adatildeo Cristo introduzindo nele
o aspecto escatoloacutegico
Assim entendemos que a periacutecope (vv35-49) agrega diferentes formas
literaacuterias Todavia esta composiccedilatildeo de formas variadas eacute compreensiacutevel uma vez
que Paulo escrevia as cartas com o auxiacutelio e talvez ateacute com opiniotildees de seus
cooperadores que conheciam bem a comunidade Esta variedade literaacuteria
enriquece e potencializa o tema tratado por Paulo neste caso a ressurreiccedilatildeo do
corpo na poacutes-morte Vejamos agora como Paulo estrutura este discurso
apocaliacuteptico e escatoloacutegico da ressurreiccedilatildeo
71
JOSEPH p591 (traduccedilatildeo nossa) Grifo do autor
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3 ESTRUTURACcedilAtildeO DE 1CORIacuteNTIOS 1535-49
Este discurso tem sido estruturado de diversas formas pelos exegetas
Mas ao atentar para o texto podemos detectar uma estrutura mnemocircnica da
narrativa isto eacute uma forma repetitiva de expor algo As repeticcedilotildees por sua vez
consistem em desenvolver e explanar a teologia paulina acerca da ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea agrave comunidade de Corinto Portanto a opccedilatildeo deste ensaio exegeacutetico eacute de
estruturar o texto a partir dele mesmo observando a relaccedilatildeo interna entre frases e
segmentos Sendo assim vejamos como eacute descrita esta estrutura textual
A 1ordm Segmento (35-8)
a Apresenta questotildees sobre o ―como (v35a) e a mecacircnica ―espeacutecie de
(v35b)
b Oponecircncia aos ceacuteticos e afirmaccedilatildeo sobre o semearmorrer (v36)
c Explicaccedilatildeo acerca do processo de semeadura (v37)
d A concessatildeo divina dos tipos de corpos (v38)
B 2ordm Segmento (39-44)
a Menccedilatildeo da tipologia das carnes (v39)
b Comparaccedilatildeo entre os corpos terrestrescelestes (v40)
c Diferenciaccedilatildeo da gloacuteria entre os luminares (v41)
d Conclusatildeo da analogia e da tipologia de corpos (v42a)
e Semeado em corruptibilidade
Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
f Semeado em desonra
Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
g Semeado em fraqueza
Ressuscitado em poder (v43b)
h Semeado corpo natural
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Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
i Pois existe o corpo natural
E o corpo espiritual (v44b)
C 3ordm Segmento (45-9)
a Argumentaccedilatildeo teoloacutegica com base nas Escrituras (v45a)
b O primeiro homem Adatildeo tornou-se alma vivente (v45b)
c O uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante (v45c)
d A ordem existencial dos corpos (v46)
e O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a)
f O segundo homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
g Tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a)
h Tal como celestial satildeo os celestes (v48b)
i Conclusatildeo Assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a)
j Traremos tambeacutem a imagem do celeste (v49b)
O primeiro segmento dos versos (35-8) foi estruturado com uma subdivisatildeo
a fim de analisarmos com mais nitidez a articulaccedilatildeo paulina neste discurso Desta
forma temos
A primeira divisatildeo nos apresenta dados gerais da carta (v35) Nesta
narrativa observamos que ela estaacute direcionada a comunidade ou mais
precisamente aos ceacuteticos de Corinto Seu conteuacutedo discorre sobre os dois tipos
de corpos (celestesterrestres) cuja conclusatildeo (v49) responde as duas questotildees
cruciais apresentadas no iniacutecio da narrativa Assim eacute pertinente afirmar que
introduccedilatildeo e conclusatildeo estatildeo relacionadas no texto
A segunda divisatildeo se inicia com a construccedilatildeo discursiva do pensamento
paulino sobre estas questotildees (vv36-8) De forma linear Paulo comeccedila afirmando
a necessidade de semearmorrer (v36) segue explicando o processo de
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semeadura (v37) e termina este segmento argumentando que a origem dos tipos
de corpos eacute de concessatildeo divina (v38)
O segundo segmento dos versos (39-44) traz uma estrutura longa e de
dupla composiccedilatildeo
Na primeira composiccedilatildeo Paulo continua na forma linear Ele expotildee a
tipologia das carnescorpos existentes (v39) e segue o discurso numa linha
comparativa entre os dois tipos de corpos terrestrescelestes (v40) Abrange seu
pensamento ao falar e exemplificar sobre as diferenccedilas de gloacuteria entre os
luminares (v41) e termina esta composiccedilatildeo tipoloacutegica retomando a questatildeo da
analogia de corpos (v42 a) Nesta estrutura de versos podemos visualizar a
forma loacutegica e clara paulina de difundir sua teologia a comunidade sobre os dois
tipos de corpos
Na segunda composiccedilatildeo Paulo apresenta um jogo mnemocircnico ou seja
ele enfatiza as repeticcedilotildees a fim de autenticar a dinacircmica da morte e da
ressurreiccedilatildeo Alternando-as na narrativa atraveacutes dos verbos semeado ζπείπεηαι
e resuscitado ἐγείπεηαι (vv42b-44a) Nesta dinacircmica estes dois verbos satildeo
seguidos de substantivos que paralelamente destacam as oposiccedilotildees tambeacutem de
forma alternada Vejamos agora esta estrutura de outra forma para que possamos
visualizar com mais clareza os paralelos entre os verbos e seus respectivos
substantivos
Semeado em corruptibilidade Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
Semeado em desonra Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
Semeado em fraqueza Ressuscitado em poder (v43b)
Semeado corpo natural Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
Pois existe o corpo natural e o corpo espiritual (v44b)
O terceiro segmento dos versos (45-9) continua nesta estrutura mnemocircnica
paralela Entretanto o destaque desta dinacircmica narrativa abrange duas vertentes
teoloacutegicas que tem como base as Escrituras (v45a)
A primeira vertente estaacute ligada agrave ordem existencial do corpo da
ressurreiccedilatildeo caracterizado em sua narrativa pela palavra grega ππῶηορ primeiro
e ἔζσαηορ uacuteltimo Esta classificaccedilatildeo ordinaacuteria elaborada por Paulo expressa
paralelamente a relaccedilatildeo entre o primeiro homem Adatildeo alma vivente (45b) e o
133
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uacuteltimo Adatildeo espiacuterito vivificante (v45c) Ele continua este discurso explanando
esta questatildeo ordinaacuteria da existecircncia dos corpos (v46) destacando agora sua
origem O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a) e o segundo
homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
Jaacute a segunda vertente estaacute ligada a tipologia dos dois corpos
caracterizados pelas palavras gregas σοφκόρ terrestre e ἐποςπάνιορ celeste No
intuito de culminar seu discurso a comunidade Paulo entatildeo faz uso das
expressotildees comparativas tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a) e tal como
celestial satildeo os celestes (v48b) para autenticar essa diferenccedila Desta forma
utilizando estas expressotildees comparativas ele concluiacute seu raciociacutenio teoloacutegico
dizendo assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a) traremos tambeacutem
a imagem do celeste (v49b)
Portanto podemos dizer que tanto a introduccedilatildeo como a conclusatildeo se
repetem no termo desta carta cuja literatura estiliacutestica apresenta formas diacutesticas
paralelas repeticcedilotildees oposiccedilotildees discussotildees antiacuteteses e escatologia formando
assim a moldura do nosso texto
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO
As cartas do Novo Testamento de modo especial as paulinas
destinavam-se agrave leitura em voz alta com o alvo de convencer
―Consequentemente tal como discursos elas podem ser consideradas retoacutericas
no que diz respeito agrave autoridade do escritor agrave qualidade do escrito e ao efeito
desejado sobre o puacuteblico72 Ao escrever para os coriacutentios Paulo assevera que se
sua carta natildeo for recebida iraacute e falaraacute pessoalmente com a comunidade
(2Cor131-5) De acordo com Brown
Argumentaccedilatildeo demonstrativa ou epidiacutetica como os discursos feitos em celebraccedilotildees puacuteblicas destinam-se a agradar ou inspirar as pessoas reafirmando crenccedilas e valores comuns e angariando o apoio para as empreitadas do momento Paulo muitas vezes escreve para encorajar seus convertidos louvando-lhes a feacute e a observacircncia A guisa de aplicaccedilatildeo C B Puskas Jr (The Letters of Paul an introduction [As Cartas de Paulo uma introduccedilatildeo] Collegeville Liturical 1993 pp 37-38 59-61 76-77) classifica Gaacutelatas 1Coriacutentios e Romanos como retoacutericas
72
BROWN p552
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judicial deliberativa demonstrativa respectivamente e oferece paralelos greco-romanos para cada um
73
Contudo aconselha-se prudecircncia nas tentativas de detectar modelos
retoacutericos sofisticados Neste sentido uma hipoacutetese pode ser considerada a de
que as diferentes formas de argumentaccedilatildeo podem ter sido simplesmente
respostas inconscientes ao que devia ser feito
―argumentativa ou exortativa (semelhante agrave retoacuterica forense e deliberativa) algumas passagens dos escritos de Paulo podem ser influenciados pela rib ou riv (um ato lituacutergico contratual no qual Deus leva seu povo ao tribunal Is 313-5 Mq 61ss) e natildeo (apenas) pela retoacuterica greco-romana O reconhecimento de exageraccedilotildees emotivas de arroubos de eloquecircncia de argumentaccedilatildeo bem ordenada etc eacute significativo para determinaccedilatildeo daquilo que realmente eacute dito Tal reconhecimento poreacutem pode ser obtido sem o conhecimento das regras formais da retoacuterica antiga Assim nem sempre fica claro ateacute que ponto as discussotildees a respeito da classificaccedilatildeo retoacuterica exata satildeo importantes para a interpretaccedilatildeo
74
Na narrativa (vv35-49) Paulo utiliza duas perguntas retoacutericas para discorrer
o assunto Esta forma literaacuteria eacute frequentemente usada por ele em suas cartas por
levantar pontosquestotildees a serem explanadas e argumentadas Podendo ateacute
expressar ―suas exasperaccedilotildees com a situaccedilatildeo a qual ele se refere como em
1Coriacutentios (15 29 30 32 3575)
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15
Observando a carta de 1Coriacutentios podemos dizer que o capiacutetulo 15 natildeo
consiste num tratamento isolado do assunto e natildeo eacute simplesmente o uacuteltimo
toacutepico de uma longa lista Pelo contraacuterio as referecircncias regulares agrave ressurreiccedilatildeo e
ideias cognatas ao longo da carta sugerem com veemecircncia que ―Paulo
considerava esse toacutepico uma das chaves para tudo o mais que queria dizer e
deliberadamente guardou o assunto para o final natildeo porque fosse o fim nesse
sentido mas porque a ressurreiccedilatildeo era o tema unificador desta carta particular76
Entretanto para que seu trabalho de discussatildeo seja eficaz ―Paulo elabora
em 1Coriacutentios 15 uma profunda reflexatildeo centrada na indissoluacutevel conexatildeo entre a
73
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 p552-3 74
IDEM p553 75
JOSEPH p66 (traduccedilatildeo nossa) 76
IDEM p398
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ressurreiccedilatildeo passada de Cristo dado elementar da feacute cristatilde e a ressurreiccedilatildeo dos
que estatildeo em Cristo77 Nesta interpretaccedilatildeo Paulo discorre sobre o Cristo que
ressuscitou dos mortos tornando-se a primiacutecia dos que morreram
Com efeito visto que a morte vem por meio de um homem eacute tambeacutem por
meio de um homem que vem a ressurreiccedilatildeo dos mortos Ou seja como todos
morrem em Adatildeo em Cristo todos receberatildeo a vida mas cada um em sua ordem
Primeiro o Cristo depois aqueles que pertencem de Cristo
Em seguida Paulo diz que viraacute o fim Quando ele entregar a realeza a
Deus Pai depois de ter destruiacutedo toda dominaccedilatildeo toda autoridade e todo poder
1Coriacutentios (1520-478) Ele declara nos versos (23b-28) que a vida de todos os
crentes caminham em direccedilatildeo agrave consumaccedilatildeo da morte e da vida na poacutes-morte79
Contudo em seu discurso apocaliacuteptico ele compartilha com Corinto o que chama
de um ―misteacuterio microςζηήπιον mysterion (v51) ressaltando que embora o fim seja
iminente nem todos morreratildeo antes da parousia de Cristo
No intuito de avanccedilar seus interesses frente agrave comunidade Paulo entatildeo se
transforma num dispositivo retoacuterico cujo levantamento de questotildees incluiu toda
Corinto Ele utiliza-se de consultas a seu interlocutor para refletir sobre dois
pontos importantes de sua teologia A continuidade entre a vida presente e a
futura em Cristo e a mudanccedila que teraacute lugar entre o presente e o futuro pois
estas duas questotildees estatildeo interligadas E a forma como ele o faz eacute muito peculiar
De posse dos questionamentos que permeavam a comunidade sobre a
ressurreiccedilatildeo dos mortos e a fim de evitar conflitos diretos com os mesmos Paulo
em sua narrativa (vv35-49) personifica o inquisidor Essa personificaccedilatildeo permite
a comunidade uma identificaccedilatildeo com as perguntas levantadas ao mesmo tempo
em que daacute a ela alguma liberdade para ser abrasiva com o inquisidor fictiacutecio sem
necessariamente vecirc-lo como tal que dirigi um ataque contra eles
Em outras palavras a comunidade pode identificar-se livremente com as
perguntas e Paulo ao atacar o interlocutor atraveacutes dos questionamentos
manteacutem-se distante do calor do ataque Uma estrateacutegia que aparentemente deu
certo
77
DETTWILER A KAESTLI JD MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Ediccedilotildees Loyola Satildeo Paulo 2011 p 93 78
IDEM p93 79
Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa)
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A primeira pergunta da pessoa fictiacutecia ―Como ressuscitam os mortos
(v35a) pode ser de interesse para Corinto mas nunca eacute respondida por si soacute
Isso porque uma vez que Paulo conjurou essa pessoa fictiacutecia em seu discurso ele
eacute livre para administraacute-lo como quiser Ou seja pode dizer o que quiser ou
simplesmente ignorar o que ele diz ―O que importa para Paulo eacute a atenccedilatildeo dos
ouvintes que mediante este procedimento discursivo eacute garantido80 A segunda
pergunta ―com que espeacutecie de corpo vem (v35b) faz referecircncia ao corpo
tornando-se assim a partir de agora o foco das reflexotildees de Paulo neste capiacutetulo
15 de 1Coriacutentios
Seguindo a narrativa (v36) o Apoacutestolo repreende a pergunta chamando a
pessoa fictiacutecia de ―insensato Inicialmente natildeo fica claro para o leitorreceptor
desta carta se a pessoa fictiacutecia eacute caracterizada insensata pela primeira ou
segunda pergunta Contudo essa ambiguidade eacute esclarecida quando Paulo
abandona a primeira pergunta e centra-se na elaboraccedilatildeo de seu argumento na
segunda pergunta as diferenccedilas de corpos Sem duacutevidas este passa a ser um
ponto importante no discurso da ressurreiccedilatildeo paulina a ser elaborada
A fim de discorrer seu discurso com clareza Paulo se utiliza das analogias
mais baacutesicas e dos fenocircmenos observaacuteveis disponiacuteveis para a experiecircncia de
cada ser humano Por isso ele elabora um raciociacutenio que envolve de forma geral
a natureza cuja classificaccedilatildeo seraacute abordada em dois pontos principais
O primeiro ponto eacute o entendimento de que o que se planta eacute e natildeo eacute o que
cresce Exemplificando esta afirmaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que se plantarmos uma
semente de nabo podemos natildeo ter um rabanete Embora o que se colhe eacute
realmente muito diferente da semente plantada o pensamento ainda eacute o rabanete
Em outras palavras Paulo estaacute dizendo que o corpo natural hoje seraacute o corpo
espiritual da ressurreiccedilatildeo poreacutem diferente pois transformaccedilatildeo que ocorreraacute nele
o faraacute totalmente outro
Nesta linha condutora de raciociacutenio Paulo afirma que assim eacute com a
ressurreiccedilatildeo dos mortos (v42) reprisando a imagem de semeadura relatada nos
(vv36-7) Desta forma o Apoacutestolo ressalta as distinccedilotildees entre o que se semeia e
o que eacute colhido ou seja natildeo nega o que haacute (sementecorpo) mas ao mesmo
tempo sua retoacuterica demonstra uma continuidade fundamental e metamorfoseada
na ressurreiccedilatildeo
80
IDEM p987
137
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Ainda utilizando a natureza para confirmar sua teologia discursiva em
Corinto Paulo agora lanccedila matildeo de outros elementos naturais Ele agora engloba
os astros em sua argumentaccedilatildeo afirmando que o mesmo acontece com a gloacuteria
da lua do sol e das estrelas Poreacutem destaca que ateacute entre elas existe diferenccedila
de gloacuteria Ou seja ele demonstra mais uma vez atraveacutes das analogias a
distinccedilatildeo existente na diversidade dos astros para simbolizar a distinccedilatildeo existente
na diversidade dos corpos
O segundo ponto eacute a afirmaccedilatildeo de que ―junto a esta clareza e
confiabilidade tambeacutem haacute misteacuterio e mudanccedila81 Partindo do pressuposto de que
se haacute corpo natural tambeacutem haacute corpo espiritual o Apoacutestolo aplica exemplos que
lhe permitem falar juntamente destes trecircs elementos continuidade diversidade e
transformaccedilatildeo
Por isso descreve os diferentes tipos de corpos e de carnes delegando
esses tipos a pessoas animais domeacutesticos e aves Desta forma ele culmina seu
discurso agrave comunidade autenticando estes elementos quanto aos corpos
terrestres e celestes contudo a transformaccedilatildeo eacute realccedilada por ele em seu
discurso
Para Paulo a continuidade entre o agora e ainda natildeo expressa a dinacircmica
do corpo ou seja os corpos que estatildeo plantados na terra satildeo os mesmos que
seratildeo levantados no ceacuteu Assim ele os leva agrave imagem do homem da terra e
certamente a imagem do homem do ceacuteu em seu discurso Um dado interessante
nesta perspectiva paulina eacute que tanto a ―continuidade como a descontinuidade
satildeo normalmente utilizadas por Paulo em outros lugares como categorias
frequentes de tempo agora e ainda natildeo82 Mas no capiacutetulo de 1Coriacutentios 15 o
uso eacute pela ordem primeiro e uacuteltimo e semeado e ressuscitado ou seja ambas
accedilotildees representam a vida presente de crer e sua vida futura de ser
A fim de concluir este discurso Paulo esclarece que a carne e o sangue
isto eacute os seres humanos que vivem neste mundo natildeo poderatildeo ter acesso ao
reino de Cristo sem esta radical transformaccedilatildeo (vv51-7) Ele destaca esta
importante reivindicaccedilatildeo mas todos seremos transformados no verso (51) e
enfaticamente a reafirma no verso (52) Assim todos os crentes devem ser
81
IDEM p987 82
IDEM pp987-8
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transformados pois natildeo haacute nenhum ser que possa adentrar a vida pronunciada
por Paulo na poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo sem esta metamorfose corpoacuterea
Paulo finda este capiacutetulo com uma oraccedilatildeo de graccedilas a Deus que nos daacute a
vitoacuteria sobre a morte E o relato em seu discurso do toque da trombeta (v52) por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo nos remete a um eco da citaccedilatildeo do capiacutetulo
25 de Isaiacuteas (v8) e de 1Coriacutentios 15(v54) O particiacutepio presente τῷ διδόντι (a
didonti) ―aponta para a accedilatildeo atual e contiacutenua de Deus em trazer e dar aos crentes
a vitoacuteria83
A afirmaccedilatildeo de Paulo eacute de que o processo que estaacute em curso com a morte
de Cristo culminaraacute com a redenccedilatildeo de toda a criaccedilatildeo os crentes Entretanto
como parte desta nova criaccedilatildeo os crentes jaacute desfrutam dos benefiacutecios da
atividade redentora e criadora de Deus
Portanto neste capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios Paulo articula o tema da
ressurreiccedilatildeo corpoacuterea de forma analoacutegica e metafoacuterica com intuito de enredar a
comunidade em seu raciociacutenio loacutegico atraveacutes de elementos da natureza Para
conduzir com clareza o entendimento comunitaacuterio sobre sua afirmaccedilatildeo teoloacutegica e
escatoloacutegica de que ―na ressurreiccedilatildeo dos mortos o corpo que temos hoje seraacute
transformado num totalmente outro
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS
Em suma podemos dizer que em nosso texto (vv35-49) Paulo descreve a
ressurreiccedilatildeo dos mortos em dois estaacutegios ―(primeiro o Messias depois seu povo
quando ele voltar) Quanto ao modo da descontinuidade (concentrado na
distinccedilatildeo entre corrupccedilatildeo e incorrupccedilatildeo e nos dois tipos de humanidade com o
Espiacuterito como o agente da humanidade)84
Neste sentido podemos entender que sua teologia nos convida a enveredar
por uma nova e desafiadora perspectiva acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Pois
nela Paulo demonstra sua crenccedila de que o corpo de Jesus foi transformado num
ato de nova criaccedilatildeo mediante o qual ele natildeo eacute mais corruptiacutevel Onde mediante
Cristo seus adeptos consequentemente teratildeo tambeacutem um corpo incorruptiacutevel na
poacutes-morte
83
IDEM p989 84
WRIGHT p505
139
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Assim este artigo procurou averiguar e demonstrar atraveacutes deste ensaio
exegeacutetico o pensamento paulino acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em 1Corintios
15 Onde atraveacutes de uma narrativa analoacutegica Paulo discorreu sobre as tipologias
das carnes para explicar os dois tipos de corpos natural e espiritual Estendendo
esta tipologia para a poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo
Vale ressaltar que essa temaacutetica apocaliacuteptica e escatoloacutegica paulina para
muitos traduz um verdadeiro labirinto cujas informaccedilotildees lhes parecem
fragmentadas Gerando assim certo grau de dificuldade e levado muitos a
pesquisarem outras perspectivas deste complexo assunto Daiacute as diversas
pesquisas que embora nos pareccedilam saturadas ainda proporcionam um vasto
campo a ser desbravado pela ciecircncia
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALAND Nestle Novum Testamentum Graece 27ordf ediccedilatildeo Stuttgart Deutsche Bibelgesellschaft 2001 BERGER Klaus As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 BROWN Raymond A Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 COLZEMANN Hans 1Corinthians Printed in the United States of American Fortress Press 1975 DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor FITZMYER J A First Corinthians A new translation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa) JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa) KONINGS J J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 VOUGA F MARGUERRAT D (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013
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ZABATIERO Juacutelio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
Autora ndash Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Licenciando em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciada em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP)
E-mailAngelaaleixo72yahoocom
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CORPO EDITORIAL
Direccedilatildeo Cientifica Intelectual Reitora Dra Arleide Braga
Doutora pela PUC | SP
Poacutes Doutora em Direito Constitucional pela Universitaacute degli Studi di Messina ndash Itaacutelia
Doutora em Ciecircncias Juriacutedicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino ndash UMSA ndash Bs
As | ARG
Mestrada em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos | SP ndash UNIMES
Poacutes Graduaccedilatildeo em Direito Previdenciaacuterio e Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho | RJ
Graduaccedilatildeo em Letras (Licenciatura) pelo Centro Universitaacuterio de Santo Andreacute | SP
Presidente da Comissatildeo de Direito Previdenciaacuterio da OAB ndash Santo Andreacute | SP ndash Triecircnio 20162018
Diretora Estrateacutegica Dra Karina Costa Braga
Mestranda em Direito - PUC | SP
Diretora Institucional da Faculdade de Tecnologia Jardim ndash FATEJ e da Faculdade de Direito Santo
Andreacute ndash FADISA em Santo Andreacute | SP
Diretora e Procuradora Dra Karen Costa Braga
Mestre em Direito - PUC | SP
Procuradora Institucional Coordenadora Administrativa do Departamento de Poacutes-Graduaccedilatildeo da
Faculdade de Tecnologia Jardim e da Faculdade de Direito Santo Andreacute ndash FADISA em Santo Andreacute |
SP
Editor Responsaacutevel
Me Marcelo Alves Dantas
PEIODICIDADE DA PUBLICACcedilAtildeO
Semestral
CAPA
Marcos Camilo Santana
IDIOMAS Aceitos artigos escritos em portuguecircs espanhol e inglecircs
AUTOR CORPORATIVO
FATEJ - Faculdade de Tecnologia Jardim
FADISA - Faculdade de Direito Santo Andreacute
Campus I - R Almirante Protoacutegenes 44 - B Jardim - Santo Andreacute - SP CEP 09090-760
(11) 4436-6489 | (11) 4992-3822
(11) 95238-4306 | (11) 99891-4846
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SUMAacuteRIO
ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM 6
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA 7
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA 9
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 17
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 19
ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA 20
INTRODUCcedilAtildeO 20
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL 21
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO 24
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 32
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 32
A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO 34
INTRODUCcedilAtildeO 35
1 JOAtildeO CALVINO 35
2 A REFORMA EM GENEBRA 37
21 - Aspectos Poliacuteticos 37
22 - Aspectos Econocircmicos 41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 46
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 46
A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A
RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA 48
INTRODUCcedilAtildeO 49
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO 49
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento 49
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento 52
121 Emanuel Imanuel (menino) 53
122 Melquisedeque 54
123 Filho de Davi 55
2 MESSIANISMO E MESSIAS 56
21 - Messias e Davi 56
22 Jesus - O Messias 59
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA 62
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 66
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 67
RESENHA - ―O UNIVERSO AO LADO - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O
ESTUDANTE DE TEOLOGIA 69
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BIOGRAFIA 70
INTRODUCcedilAtildeO 71
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO 72
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO
CRISTAtildeO 75
2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO 78
3 NATURALISMO 79
4 NIILISMO 81
5 EXISTENCIALISMO 82
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL 85
7 A NOVA ERA 88
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO 90
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92
REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA 94
PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO 95
UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO 95
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO 97
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO 99
21 - O que ―acredita o ateiacutesmo cristatildeo 101
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ―morte do Deus via teologia cristatilde 104
23 - Uma resposta possiacutevel 106
3 QUE MORALIDADE 107
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-Sponville 110
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor 113
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 117
ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO CORPOacuteREA
EM PAULO 118
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO 121
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS 122
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope 122
13 - Coesatildeo do Texto 125
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO 126
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO 133
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15 134
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 139
6
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ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM
Eacute preciso sentir a necessidade da experiecircncia da observaccedilatildeo ou
seja a necessidade de sair de noacutes proacuteprios para aceder agrave escola das
coisas se as queremos conhecer e compreender
Eacutemile Durkheim
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apontar alguns aspectos da Sociologia
da Religiatildeo de Eacutemile Durkheim Um dos principais nomes da chamada ―sociologia
claacutessica Durkheim foi um dos pioneiros no estudo socioloacutegico da religiatildeo
considerando as praacuteticas e instituiccedilotildees religiosas como um dos principais fatos
sociais que norteiam a vida em sociedade aleacutem de ter um importante papel na
formaccedilatildeo das consciecircncias individuais em uma coletividade Embora a
contemporaneidade seja marcada por um individualismo hedonista possivelmente
ineacutedito na histoacuteria da humanidade e pela hegemonia no campo da academia de um
poacutes-modernismo identitaacuterio avesso agrave ideia de coletividades mais tradicionais
abrangentes e universais as perspectivas que Durkheim propocircs nas primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX ainda podem ser uacuteteis para analisar a relaccedilatildeo das diversas
instituiccedilotildees e praacuteticas religiosas com a sociedade principalmente no Brasil onde as
igrejas evangeacutelicas comeccedilam a ter uma forte influecircncia moral no paiacutes
Palavras Chaves ndash Sociologia Religiatildeo Instituiccedilotildees Moral
ABSTRACT
This article aims to point out some aspects of the Sociology of Religion by
Eacutemile Durkheim One of the main names of the so-called ―classical sociology
Durkheim was one of the pioneers in the sociological study of religion considering
religious practices and institutions as one of the main social facts that guide life in
society as well as playing an important role in the formation of women individual
consciences in a collectivity Although contemporaneity is marked by a hedonistic
individualism possibly unheard of in human history and by the hegemony in the field
autor Prof Dr Mauricio Tintori Piqueira
tintoriledyahoocombr
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of academia of an identity postmodernism averse to the idea of more traditional
comprehensive and universal collectivities the perspectives that Durkheim proposed
in the early decades The twentieth century can still be useful for analyzing the
relationship of various religious institutions and practices with society especially in
Brazil where evangelical churches are beginning to have a strong moral influence in
the country
Keywords - Sociology Religion Institutions Moral
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA
O socioacutelogo francecircs Eacutemile Durkheim (1858-1917) compotildee ao lado dos
alematildees Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920) os autores claacutessicos da
Sociologia Entretanto cabe destacar que Durkheim foi o responsaacutevel por introduzir
a disciplina nas universidades francesas ao fundar a caacutetedra de Sociologia na
Universidade de Bordeacuteus em 1887 dando a ela um caraacuteter acadecircmico-cientiacutefico
Filho de uma famiacutelia de rabinos e portanto de origem judaica formou-se em
Filosofia na Escola Normal Superior de Paris em 1882 Jaacute nessa eacutepoca interessava-
se por Sociologia ateacute entatildeo uma disciplina do conhecimento relacionada agrave filosofia
positivista de Augusto Comte (1798-1857) que entre outras caracteriacutesticas
propunha um estudo cientiacutefico da sociedade atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos mesmos
meacutetodos de pesquisa e anaacutelise utilizados pelas Ciecircncias Exatas e Bioloacutegicas com o
intuito de identificar as ―leis gerais que norteariam a vida social
O meacutetodo socioloacutegico de Durkheim conhecido como Funcionalismo propotildee a
anaacutelise da sociedade de forma similar a de um organismo vivo Em outras palavras
a sociedade seria formada por diversos oacutergatildeos interdependentes entre si de cujo
bom funcionamento dependeria a sobrevivecircncia do corpo social Dessa forma o
socioacutelogo francecircs considera necessaacuteria a preservaccedilatildeo da coesatildeo social ou seja o
consenso entre os diversos grupos que compotildee a sociedade em torno de um ideal
que nas sociedades modernas seria o progresso cientiacutefico e industrial
proporcionado atraveacutes da hegemonia do pensamento loacutegico-racional Neste aspecto
Durkheim eacute um herdeiro da filosofia iluminista do seacuteculo XVIII e de sua inabalaacutevel feacute
na ciecircncia como caminho de superaccedilatildeo das miseacuterias humanas crenccedila que
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atualmente eacute alvo de criacuteticas no mundo acadecircmico devido ao constante uso da
proacutepria ciecircncia para fins beacutelicos voltados para a destruiccedilatildeo em massa
Outro aspecto importante da sociologia funcionalista de Durkheim eacute o
conceito de fato social considerado pelo socioacutelogo francecircs como o objeto de estudo
da Sociologia Segundo o autor fatos sociais correspondem a ―maneiras de agir
pensar e sentir exteriores ao indiviacuteduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude
do qual se lhe impotildeem () (DURKHEIM 1978 p88) Em outras palavras os fatos
sociais satildeo as estruturas cuja existecircncia independe da vontade do individuo
exercendo nele uma influecircncia coercitiva na maioria das vezes indireta que o induz
a adotar determinados padrotildees de comportamento com o intuito de portar-se
adequadamente na coletividade Assim o fato social tem uma enorme influecircncia na
formaccedilatildeo da consciecircncia individual e embora Durkheim reconheccedila que cada
indiviacuteduo pode escolher os comportamentos e atitudes que adota em sua vida
cotidiana estes satildeo moldados a partir do que estaacute posto concretamente na
sociedade e as consequecircncias de seguir ou natildeo determinados padrotildees satildeo
decorrentes das relaccedilotildees sociais
Ao comentar a obra de Eacutemile Durkheim o socioacutelogo Joseacute Arthur Giannoti
(1978 pp VII e VIII) destacou que para a Sociologia tornar-se uma ciecircncia era
necessaacuterio ―utilizar uma metodologia cientiacutefica investigando leis natildeo generalidades
abstratas e sim expressotildees precisas de relaccedilotildees descobertas entre os diversos
grupos sociais Entretanto eacute importante ressaltar que Durkheim considerava que o
fato social natildeo eacute apenas algo relacionado agrave vida material pois compreende que a
sociedade eacute ―um conjunto e ideais constantemente alimentados pelos homens que
fazem parte dela (GIANNOTI 1978 p VIII) Assim natildeo eacute por acaso que outro
conceito importante da teoria funcionalista eacute o de ―consciecircncia coletiva Ainda
segundo Giannoti (idem ibidem) o conceito de consciecircncia coletiva na obra de
Durkheim pode ser compreendida
() o sistema de representaccedilotildees coletivas em uma determinada sociedade Representaccedilotildees coletivas seriam por exemplo a linguagem ou um grupo de praacuteticas de trabalho encontradas em certa sociedade Tais representaccedilotildees coletivas constituiriam fatos de natureza especiacutefica e diferentes dos fenocircmenos psicoloacutegicos individuais () As representaccedilotildees coletivas desdobram-se nos aspectos intelectual e emocional e eacute possiacutevel determinaacute-las de maneira direta e natildeo apenas atraveacutes dos pensamentos e emoccedilotildees individuais O meacutetodo para conhecimento direto das representaccedilotildees coletivas utilizaria o exame das expressotildees permanentes dessas
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representaccedilotildees como por exemplo os sistemas juriacutedico e as obras de arte ()
Cabe ressaltar que se partirmos da metodologia funcionalista proposta por
Durkheim a religiatildeo pode ser considerada tanto um fato social pois corresponde agraves
formas de agir e pensar exteriores ao indiviacuteduo (isto eacute existe independente da sua
vontade) e tem um forte poder coercitivo sobre o indiviacuteduos que integram um
determinado grupo social como tambeacutem um componente da consciecircncia coletiva
pois ela eacute composta por um sistema de representaccedilotildees coletivas compartilhados
pelos indiviacuteduos que integram uma coletividade Natildeo por caso a religiatildeo foi um dos
principais objetos de estudo de Durkheim sendo considerado por muitos socioacutelogos
como o pioneiro nos estudos socioloacutegicos sobre a religiatildeo aacuterea conhecida como
Sociologia da Religiatildeo Neste artigo seraacute abordado importantes aspectos destes
estudos e sua importacircncia para a compreensatildeo natildeo apenas da Teologia mas
tambeacutem do papel da religiatildeo na sociedade contemporacircnea
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA
As principais consideraccedilotildees de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a sociedade estatildeo na obra As Formas Elementares da Vida Religiosa
publicada originalmente em 1912 Na introduccedilatildeo o autor justifica a escolha de
analisar praacuteticas religiosas animistas de tribos aboriacutegenes da Austraacutelia para a partir
desta identificar os aspectos gerais e universais das religiotildees como um todo e mais
precisamente ter subsiacutedios metodoloacutegicos para compreender o papel da Religiatildeo na
sociedade contemporacircnea Segundo Durkheim (1978 p205)
A Sociologia coloca-se problemas diferentes da Histoacuteria ou d Etnografia Ela natildeo procura conhecer as formas caducas da civilizaccedilatildeo com o uacutenico fim de conhececirc-las e reconstituiacute-las Mas com toda ciecircncia positiva antes de tudo El tem por objeto explicar uma realidade atual proacutexima de noacutes e capaz por conseguinte de afetar nossas ideacuteias e nossos atos esta realidade eacute o homem e mais especialmente o homem de hoje pois natildeo existe outro que estejamos mais interessados em conhecer bem Portanto natildeo estudaremos a religiatildeo mais antiga objeto de nossa pesquisa pelo uacutenico prazer de relatar coisas bizarras e singularidades Se noacutes a tomamos como objeto de nossa investigaccedilatildeo eacute porque ela nos pareceu mais apta do que qualquer outra para fazer compreender a natureza religiosa do homem isto eacute para nos revelar um aspecto essencial e permanente da humanidade
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Mais adiante Durkheim ressalta que um dos papeacuteis importantes da religiatildeo
na sociedade eacute buscar atender a alguma necessidade real do ser humano sendo
um erro considerar suas expressotildees ilusoacuterias ou falsas
Natildeo precisamos examinar aqui se existem realmente investigadores () que fizeram da Histoacuteria e da Etnografia religiosa uma maacutequina de guerra contra a Religiatildeo De qualquer maneira natildeo poderia ser este o ponto de vista de um socioacutelogo Com efeito eacute um postulado essencial da Sociologia que uma instituiccedilatildeo humana natildeo poderia repousar sobre o erro e sobre a mentira sem o que ela natildeo poderia durar Se ela natildeo estivesse fundada na natureza das coisas ela teria encontrado resistecircncia nas coisas contra a qual natildeo poderia triunfar Portanto quando abordamos o estudo das religiotildees primitivas o fazemos com a seguranccedila do que elas se apoiam no real e o exprimem () (DURKHEIM 1978 p206)
Neste ponto o socioacutelogo francecircs discorre a importacircncia de analisar as
diversas formas religiosas como um sistema de representaccedilotildees coletivas Desta
forma Durkheim ressalta que
() no fundo natildeo existem religiotildees falsas Agrave sua maneira todas satildeo verdadeiras todas respondem mesmo que de diferentes formas a condiccedilotildees dadas da existecircncia humana Sem duacutevida eacute possiacutevel dispocirc-las segundo uma ordem hieraacuterquica Umas podem ser ditas superiores agraves outras no sentido em que ela potildeem em jogo funccedilotildees mentais mais elevadas satildeo mais ricas em ideacuteias e sentimentos nelas figuram mais conceitos menos sensaccedilotildees e imagens sua sistematizaccedilatildeo mais engenhosa Mas por mais reais que sejam esta maior complexidade e esta mais alta idealidade elas natildeo satildeo suficientes para classificar as religiotildees correspondentes em gecircneros separados Todas satildeo igualmente religiotildees assim como todos os seres vivos satildeo igualmente vivos desde os mais humildes plastiacutedios ateacute o homem Portanto se nos dirigimos agraves religiotildees primitivas natildeo eacute com a segunda intenccedilatildeo de depreciar a religiatildeo em geral pois aquelas religiotildees natildeo satildeo menos respeitaacuteveis que as outras Elas respondem agraves mesmas necessidades desempenham o mesmo papel dependem das mesmas causas portanto elas podem servir para manifestar igualmente bem a natureza da vida religiosa () (DURKHEIM 1978 p206)
Em outras palavras apesar de reconhecer a existecircncia de religiotildees cujas
representaccedilotildees satildeo mais complexas do que outras possibilitando uma
hierarquizaccedilatildeo neste aspecto Durkheim enfatiza que haacute aspectos gerais presentes
em todas as religiotildees permitindo ao socioacutelogo ou ao pesquisador da Sociologia da
Religiatildeo identificar e analisar estes em sistemas simboacutelicos mais simples como foi o
caso do objeto de estudo de As Formas Elementares da Vida Religiosa no caso a
religiatildeo animista dos aboriacutegenes australianos como jaacute destacamos anteriormente
Nesta perspectiva o autor sugere tambeacutem uma abordagem histoacuterica das religiotildees
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com o objetivo de compreender o seu desenvolvimento no decorrer da Histoacuteria cuja
concepccedilatildeo eacute evolucionista fiel agrave perspectiva positivista marcada pelo evolucionismo
progressista Nas palavras de Durkheim (1978 p207)
() todas as vezes que se empreende explicar uma coisa humana tomada em um momento determinado no tempo ndash quer se trate de uma crenccedila religiosa de uma regra moral quer de um preceito juriacutedico de uma teacutecnica esteacutetica de um regime econocircmico ndash eacute preciso comeccedilar por retroceder ateacute a sua forma mais primitiva e mais simples procurar dar conta dos caracteres pelos quais ela se define neste periacuteodo de sua existecircncia depois mostrar como ela se desenvolveu e se complicou pouco a pouco como ela se tornou o que eacute no momento considerado Ora concebe-se facilmente de que importacircncia eacute para esta seacuterie de explicaccedilotildees progressistas a determinaccedilatildeo do ponto de partida ao qual estatildeo subordinadas Era um princiacutepio cartesiano que na cadeia das verdades cientiacuteficas o primeiro elo desempenha um papel preponderante Certamente natildeo poderia ser o caso de colocar na base da ciecircncia das religiotildees uma noccedilatildeo elaborada agrave maneira cartesiana isto eacute um conceito loacutegico um puro possiacutevel construiacutedo apenas pelas forccedilas do espiacuterito O que precisamos encontrar eacute uma realidade concreta que unicamente a observaccedilatildeo histoacuterica pode nos revelar ()
Mas quais seriam os aspectos gerais comum a todas as religiotildees que
permitem classificar-las no mesmo gecircnero de representaccedilotildees coletivas Durkheim
elenca da seguinte maneira algumas hipoacuteteses visando responder a tal
problematizaccedilatildeo
() todas as religiotildees satildeo comparaacuteveis porque elas satildeo todas espeacutecies do mesmo gecircnero existem necessariamente elementos essenciais que lhes satildeo comuns () Na base de todos os sistemas de crenccedilas e de todos os cultos deve necessariamente haver um certo nuacutemero de representaccedilotildees fundamentais e de atitudes rituais que malgrado a diversidade das formas que umas e outras puderam revestir em todas as partes tecircm a mesma significaccedilatildeo objetiva e em todas as partes preenchem as mesmas funccedilotildees Satildeo estes elementos permanentes que constituem o que haacute de eterno e de humano na religiatildeo eles satildeo todo o conteuacutedo objetivo da ideacuteia que se exprime quando se fala da religiatildeo em geral () (DURKHEIM 1978 pp207-208)
Entretanto tais aspectos satildeo mais perceptiacuteveis em representaccedilotildees coletivas
menos complexas e menos desenvolvidas Na perspectiva do socioacutelogo francecircs
Nas sociedades inferiores () o menor desenvolvimento das individualidades a extensatildeo mais fraca do grupo a homogeneidade das circunstacircncias exteriores tudo contribui para reduzir ao miacutenimo as diferenccedilas e variaccedilotildees O grupo realiza de maneira regular uma uniformidade intelectual e moral de que soacute encontramos raros exemplos nas sociedades mais adiantadas Tudo eacute comum a todos
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Os movimentos satildeo estereotipados todo mundo executa os mesmos atos nas mesmas circunstacircncias e esta conformidade da conduta natildeo faz senatildeo traduzir aquela do pensamento Todas as consciecircncias estando encadeadas nas mesmas correntes o tipo individual quase se confunde com o tipo geneacuterico Ao mesmo tempo em que tudo eacute uniforme tudo eacute simples Nada eacute mais rude do que estes mitos compostos de um uacutenico e mesmo tema que se repete sem fim do que estes ritos que satildeo feitos de um pequeno nuacutemero de gestos recomeccedilados agrave saciedade A imaginaccedilatildeo popular e sacerdotal ainda natildeo teve nem o tempo nem os meios de refinar e de transformar a mateacuteria-prima das ideacuteias e das praacuteticas religiosas portanto se esta mateacuteria se mostra a nu e se oferece por si mesma agrave observaccedilatildeo bastando um esforccedilo miacutenimo para descobri-la O acessoacuterio o secundaacuterio os desenvolvimentos de luxo ainda natildeo vieram esconder o principal Tudo estaacute reduzido ao indispensaacutevel agravequilo sem o que natildeo poderia haver religiatildeo Mas o indispensaacutevel eacute tambeacutem o essencial isto eacute o que antes de tudo importa conhecer (DURKHEIM 1978 p208)
Portanto eacute nas representaccedilotildees coletivas mais simples que se torna possiacutevel
para o socioacutelogo identificar e analisar os aspectos gerais da Religiatildeo presentes
tanto nas religiotildees animistaspagatildes quanto na religiosidade monoteiacutesta (seja cristatilde
judaica ou islacircmica) A evoluccedilatildeo histoacuterica das praacuteticas e sistemas religiosos tornam
tanto os ritos como os dogmas mais elaborados ao mesmo tempo em que
aparecem diversas contradiccedilotildees no interior da coletividade que compotildee determinado
sistema de crenccedilas religiosas Desta forma
() Na medida em que ele [o pensamento religioso] progride na Histoacuteria as causas que o chamaram agrave existecircncia permanecendo sempre ativas natildeo satildeo mais percebidas senatildeo atraveacutes de um vasto sistema de interpretaccedilotildees que as deformam As mitologias populares e as teologias sutis fizeram seu trabalho elas sobrepuseram aos sentimentos primitivos sentimentos muito diferentes que dependendo dos primeiros dos quais eles satildeo a forma elaborada entretanto natildeo deixam transparecer sua natureza verdadeira senatildeo muito imperfeitamente A distacircncia psicoloacutegica entre causa e o efeito entre a causa aparente e a causa efetiva tornou-se mais consideraacutevel e mais difiacutecil para o espiacuterito percorrecirc-la () Nas religiotildees primitivas o fato religioso traz ainda visiacutevel o cunho de suas origens ter-nos-ia sido bem mais aacuterduo inferi-lo considerando apenas as religiotildees mais desenvolvidas (DURKHEIM 1978 pp209-210)
A partir de tal metodologia Eacutemile Durkheim esboccedilou um conceito de religiatildeo
proacuteprio das Ciecircncias Sociais que em linhas gerais foi definido pelo socioacutelogo francecircs
da seguinte maneira
() A religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social As representaccedilotildees religiosas satildeo representaccedilotildees coletivas que exprimem realidades coletivas os ritos satildeo maneiras de agir que nascem no seio dos
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grupos reunidos e que satildeo destinados a suscitar a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos Mas entatildeo se as categorias satildeo de origem religiosa elas devem participar da natureza comum a todos os fatos religiosos elas tambeacutem devem ser coisas sociais produtos do pensamento coletivo Pelo menos - pois no estado atual de nossos conhecimentos nesta mateacuteria devemos nos guardar de toda tese radica e exclusiva ndash eacute legiacutetimo supor que elas satildeo ricas em elementos sociais (DURKHEIM 1978 p212)
Ora se a religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social como destaca
Durkheim ela tambeacutem eacute um mecanismo necessaacuterio para o estabelecimento de uma
identidade coletiva na qual os indiviacuteduos se percebem como participantes de um
grupo social que compartilha os mesmos valores morais e crenccedilas em um
determinado espaccedilo geograacutefico situado em um contexto (tempo histoacuterico) Assim
natildeo eacute o tempo individual relativo a cada ser vivo mas sim
() o tempo tal como eacute objetivamente pensado por todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo Apenas isto jaacute eacute suficiente para fazer entrever que uma tal organizaccedilatildeo deve ser coletiva E com efeito a observaccedilatildeo estabelece que estes pontos de apoio indispensaacuteveis em relaccedilatildeo aos quais todas as coisas satildeo classificadas temporalmente satildeo emprestados agrave vida social As divisotildees em dias semanas meses anos etc correspondem agrave periodicidade dos ritos das festas das cerimocircnias puacuteblicas Um calendaacuterio exprime o ritmo da atividade coletiva ao mesmo tempo que tem por funccedilatildeo assegurar sua regularidade O mesmo acontece com o espaccedilo () A representaccedilatildeo espacial consiste essencialmente numa primeira coordenaccedilatildeo introduzida entre os dados da experiecircncia sensiacutevel Mas esta coordenaccedilatildeo seria impossiacutevel se as partes do espaccedilo fossem qualitativamente equivalentes se elas realmente fossem substituiacuteveis umas agraves outras Para dispor espacialmente as coisas eacute preciso poder situar-las diferentemente () da mesma maneira que para dispor temporalmente os estados de consciecircncia eacute preciso poder localizaacute-los em datas determinadas O que representa dizer que o espaccedilo natildeo poderia ser ele mesmo se assim como o tempo ele natildeo fosse dividido e diferenciado () Todas estas distinccedilotildees evidentemente provecircm do fato de que valores afetivos diferentes foram atribuiacutedos agraves regiotildees E com todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo representam o espaccedilo de uma mesma maneira eacute preciso evidentemente que estes valores afetivos e as distinccedilotildees que dele dependem lhes sejam igualmente comuns o que implica quase necessariamente que elas satildeo de origem social (DURKHEIM 1978 pp212-213)
Em suma as representaccedilotildees coletivas presentes no que Durkheim denomina
de ―fato religioso tem com base valores afetivos compartilhados socialmente em um
determinado contexto temporal (histoacuterico) e espacial (geograacutefico) Natildeo por acaso as
religiotildees na Antiguidade estavam identificadas diretamente com as suas respectivas
civilizaccedilotildees (exemplo o Deus de Israel as divindades egiacutepcias como Hoacuterus e Isiacutes
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Baal da Feniacutecia entre outros) ao mesmo tempo em que aquelas que constituiacuteram
impeacuterios como o caso do Impeacuterio de Alexandre o Grande e o Impeacuterio Romano
construiacuteram panteotildees em suas respectivas capitais com o intuito de guardar as
divindades de todos os povos conquistados e subjugados por suas legiotildees
simbolizando natildeo apenas uma espeacutecie de ecumenismo mas tambeacutem a suposta
superioridade helecircnica e romana sobre os demais povos Por outro lado foi o
caraacuteter ecumecircnico e ―universal do Impeacuterio Romano aleacutem de suas estradas e rotas
de navegaccedilatildeo pelo mar Mediterracircneo que permitiu ao cristianismo se tornar uma
crenccedila que abrangeu todas as proviacutencias do Impeacuterio da Gratilde-Bretanha e Peniacutensula
Ibeacuterica ateacute as fronteiras com a Peacutersia
Outro aspecto importante da anaacutelise de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo eacute sua
diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico Se este corresponde agrave anaacutelise
dos fenocircmenos naturais humanos a partir da observaccedilatildeo e anaacutelise loacutegica e racional
a religiatildeo principalmente atraveacutes da Feacute tem a funccedilatildeo de auxiliar o crente ou o fiel a
viver um cotidiano cheio de obstaacuteculos e percalccedilos Segundo Durkheim (1978
p222)
() Os crentes os homens que vivendo da vida religiosa tecircm a sensaccedilatildeo direta daquilo que a constitui () sentem com efeito que a verdadeira funccedilatildeo da religiatildeo natildeo eacute fazer-nos pensar enriquecer nosso conhecimento acrescentar agraves representaccedilotildees que devemos agrave ciecircncia representaccedilotildees de uma outra origem e de um outro caraacuteter mas a de fazer-nos agir auxiliar-nos a viver O fiel que se comunicou com seu deus natildeo eacute apenas um homem que vecirc novas verdades que o descrente ignora ele eacute um homem que pode mais Ele sente em si mais forccedila seja pra suportar as dificuldades da existecircncia seja para vencecirc-las Ele estaacute como que elevado acima das miseacuterias humanas porquecirc estaacute elevado acima de sua condiccedilatildeo de homem acredita-se salvo do mal sob qualquer forma aliaacutes que ele conceba o mal O primeiro artigo de toda feacute eacute a crenccedila na salvaccedilatildeo pela feacute Uma ideacuteia com efeito natildeo eacute senatildeo um elemento de noacutes mesmos como poderia ela conferir-nos poderes superiores agravequeles que temos por nossa natureza Por mais que ela seja rica em virtudes afetivas natildeo poderia nada acrescentar agrave nossa vitalidade natural pois ela soacute pode liberar as forccedilas emotivas que estatildeo em noacutes natildeo criaacute-las ou aumentaacute-las Do fato de que noacutes nos representamos um objeto como digno de ser amado e procurado natildeo se segue que nos sintamos mais fortes mas eacute preciso que deste objeto emanem energias superiores agravequelas de que dispomos e aleacutem do mais que tenhamos algum meio de fazecirc-las penetrar em noacutes e de misturaacute-las agrave nossa vida interior Ora para isto natildeo eacute suficiente que noacutes a pensemos mas eacute indispensaacutevel que nos coloquemos em sua esfera de accedilatildeo que nos voltemos para lado pelo qual podemos sentir melhor sua influecircncia Numa palavra eacute preciso que ajamos e repitamos os atos que satildeo assim necessaacuterios todas as vezes em que isso eacute uacutetil para renovar seus efeitos()
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A feacute seria o combustiacutevel do fiel responsaacutevel por fortalecer periodicamente a
sua crenccedila Daiacute a importacircncia do culto o ponto localizado no tempo-espaccedilo no qual
o indiviacuteduo compartilha com outros a sua feacute constituindo assim um grupo social cuja
identidade estaacute na religiosidade Atraveacutes do culto a feacute eacute exteriorizada de forma
coletiva por mais que ela seja muitas vezes considerada um sentimento individual
Segundo Durkheim (pp222-223)
De fato quem quer que realmente praticou uma religiatildeo bem sabe que eacute o culto que suscita estas impressotildees de alegria de paz interior de serenidade de entusiasmo que satildeo para o fiel a prova experimental de suas crenccedilas O culto natildeo eacute simplesmente um sistema de signos pelos quais a feacute se traduz para o exterior ele eacute a coleccedilatildeo dos meios pelos quais ela se cria e recria periodicamente Que ele consista em manobras materiais ou em operaccedilotildees mentais eacute sempre ele que eacute eficaz
Atraveacutes do culto a coletividade impotildee a sua forccedila sobre o indiviacuteduo pois sua
feacute tem como alicerce paracircmetros externos estabelecidos pela sociedade ou
civilizaccedilatildeo agrave qual pertence Desta forma
() Quem faz o homem eacute este conjunto de bens intelectuais que constitui a civilizaccedilatildeo e a civilizaccedilatildeo eacute obra da sociedade E assim se explica o papel preponderante do culto em todas as religiotildees quaisquer que sejam Pois a sociedade soacute pode exercer influecircncia se ela for um ato e ela soacute pode ser um ato se os indiviacuteduos que a compotildeem estiverem reunidos e agirem em comum Eacute pela accedilatildeo comum que ela toma consciecircncia de si e se potildee antes de tudo ela eacute uma cooperaccedilatildeo ativa Mesmo as ideacuteias e os sentimentos coletivos apenas satildeo possiacuteveis graccedilas a movimentos exteriores que os simbolizam assim como estabelecemos Portanto a accedilatildeo domina a vida religiosa apenas porque a sociedade eacute sua fonte (DURKHEIM 1978 p223)
Para Durkheim a religiatildeo e suas praacuteticas tecircm tanta importacircncia para a
sociedade pois esta constitui agrave sua base A partir dos princiacutepios morais
estabelecidos atraveacutes dos dogmas religiosos que as civilizaccedilotildees e sociedades mais
antigas estabeleceram as demais instituiccedilotildees que exercem o controle social algo
essencial para a manutenccedilatildeo da coesatildeo entre os diversos grupos sociais e o pleno
funcionamento do organismo social
() Portanto pode-se dizer resumindo que quase todas as grandes instituiccedilotildees sociais nasceram da religiatildeo Ora para que os principais aspectos da vida coletiva tenham comeccedilado por aspectos variados da vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressatildeo abreviada da vida coletiva inteira Se a religiatildeo engendrou tudo o que haacute de essencial na sociedade eacute porque a ideacuteia da sociedade eacute a alma da religiatildeo (DURKHEIM 1978 p224)
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A ideia de que a sociedade eacute a alma da religiatildeo estaacute interligada a percepccedilatildeo
de que a religiatildeo foi responsaacutevel por estabelecer as primeiras bases da eacutetica e da
moral na maior parte das civilizaccedilotildees humanas Assim eacute possiacutevel concluir que
As forccedilas religiosas satildeo pois forccedilas humanas forccedilas morais Sem duacutevida porque os sentimentos coletivos natildeo podem tomar consciecircncia de si mesmos senatildeo fixando-se sobre objetos exteriores tais forccedilas natildeo puderam se constituir sem tomar agraves coisas alguns dos seus caracteres adquiriram assim um tipo de natureza fiacutesica a este tiacutetulo elas vieram misturar-se agrave vida do mundo material e eacute por elas que se acreditou poder explicar o que nele se passa Mas quando satildeo consideradas somente por este lado e nesta atribuiccedilatildeo vecirc-se apenas o que elas tecircm de mais superficial Na realidade eacute a consciecircncia que satildeo emprestados os elementos essenciais dos quais elas satildeo feitas Ordinariamente parece que elas natildeo teriam um caraacuteter humano senatildeo quando satildeo pensadas sob forma humana no entanto mesmo as mais impessoais e mais anocircnimas natildeo passam de sentimentos objetivados Soacute vendo as religiotildees sob este acircngulo eacute possiacutevel perceber sua verdadeira significaccedilatildeo Prendendo-se agraves aparecircncias os ritos frequentemente parecem o efeito de operaccedilotildees puramente manuais satildeo unccedilotildees lavagens refeiccedilotildees Para consagrar uma coisa se a coloca em contato com uma fonte de energia religiosa () Assim compreendida a teacutecnica religiosa parece um tipo de mecacircnica miacutestica Mas estas manobras materiais satildeo o invoacutelucro exterior sob o qual se dissimulam operaccedilotildees mentais Finalmente trata-se natildeo de exercer um tipo de coaccedilatildeo fiacutesica sobre forccedilas cegas e aliaacutes imaginaacuterias mas de atingir consciecircncias de tonificaacute-las disciplinaacute-las () Eacute sobre a vida moral que elas tecircm por principal funccedilatildeo agir Compreende-se assim que o que foi feito em nome da religiatildeo natildeo poderia ter sido feito em vatildeo pois foi necessariamente a sociedade dos homens a humanidade que recolheu os seus frutos (DURKHEIM 1978 p224)
Se por um lado alguns intelectuais poderiam contestar as conclusotildees de
Durkheim sobre a religiatildeo principalmente no que se refere ao estabelecimento e
coacutedigos morais inspirados em uma realidade social perfeita cuja concretude soacute
existiria no plano imaginaacuterio o socioacutelogo francecircs contra-argumenta ao ressaltar que
as aspiraccedilotildees humanas imaginaacuterias originam-se a partir das necessidades
humanas existentes na realidade concreta da vida em sociedade
Mas diz-se qual eacute exatamente a sociedade da qual se tirou o substrato da vida religiosa Eacute a sociedade real tal como ela existe e funciona sob nossos olhos com a organizaccedilatildeo moral juriacutedica que ela laboriosamente modelou no decorrer da histoacuteria Mas ela estaacute repleta de taras e de imperfeiccedilotildees Aqui o mal rodeia o bem a injusticcedila frequentemente reina como soberana a verdade eacute em cada instante obscurecida pelo erro Como um ser tatildeo grosseiramente constituiacutedo poderia inspirar os sentimentos de amor o entusiasmo ardente o espiacuterito de abnegaccedilatildeo que todas as religiotildees reclamam de seus fieacuteis Estes seres perfeitos que satildeo os deuses natildeo podem ter emprestado suas feiccedilotildees a uma realidade tatildeo mediacuteocre algumas
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vezes tatildeo baixa Trata-se ao contraacuterio da sociedade perfeita onde a justiccedila e a verdade seriam soberanas de onde o mal sob todas as suas formas estaria extirpado Natildeo se contesta que ela esteja em estreita relaccedilatildeo com o sentimento religioso pois diz-se as religiotildees tendem a realizaacute-la Apenas esta sociedade natildeo eacute um dado empiacuterico definido e observaacutevel ela eacute uma quimera um sonho no qual os homens acalentaram suas miseacuterias mas que eles jamais viveram na realidade Ela eacute uma simples ideia que vem traduzir na consciecircncia nossas aspiraccedilotildees mais ou menos obscuras para o bem o belo o ideal Ora estas aspiraccedilotildees tecircm em noacutes suas raiacutezes vecircm das proacuteprias profundezas de nosso ser portanto natildeo existe nada fora de noacutes que possa explicaacute-las Aliaacutes jaacute satildeo religiosas por si mesmas portanto a sociedade ideal supotildee a religiatildeo longe de poder explicaacute-la (DURKHEIM 1978 p225)
Cabe destacar portanto que para Eacutemile Durkheim a religiatildeo estaacute longe de
ser uma ilusatildeo habilmente manipulada pelos detentores do poder visando alienar a
sociedade (ou mais precisamente as classes sociais menos favorecidas) de seus
problemas decorrentes de uma sociedade marcada pela injusticcedila e sofrimento mas
uma representaccedilatildeo da proacutepria realidade pois em sua simbologia ela reproduz os
dramas existenciais muitas vezes decorrentes da carecircncia dos recursos necessaacuterios
para suprir as suas proacuteprias necessidades Por esta razatildeo
() eacute simplificar arbitrariamente as coisas ver a religiatildeo soacute por seu lado idealista ela eacute realista agrave sua maneira Natildeo existe fealdade fiacutesica ou moral natildeo existem viacutecios nem males que natildeo tenham sido divinizados Houve deuses do roubo e da astuacutecia da luxuacuteria e da guerra da doenccedila e da morte O proacuteprio cristianismo por mais alta que seja a ideia que ele se faz da divindade foi obrigado a dar ao espiacuterito do mal um lugar em sua mitologia Satatilde eacute uma peccedila essencial do sistema cristatildeo ora se ele eacute um ser impuro natildeo eacute um ser profano O antideus eacute um deus inferior e subordinado eacute verdade mas dotado de poderes extensos ele eacute mesmo objeto de ritos pelo menos negativos Portanto longe de a religiatildeo ignorar a sociedade real e dela fazer abstraccedilatildeo ela eacute sua imagem reflete todos os seus aspectos mesmo os mais vulgares e os mais repugnantes Tudo se reencontra nela e se frequentemente se vecirc o bem subjugar o mal a vida a morte as potecircncias da luz as potecircncias das trevas eacute porque diferentemente na realidade Pois se a relaccedilatildeo entre as forccedilas contraacuterias fosse inversa a vida seria impossiacutevel ora de fato ela se manteacutem e mesmo tende a se desenvolver (DURKHEIM 1978 p225)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Por fim cabe uma reflexatildeo sobre a validade das consideraccedilotildees
metodoloacutegicas e analiacuteticas propostas por Eacutemile Durkheim sobre a Sociologia da
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Religiatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX Em um artigo publicado em 2012 Ana Keila Mosca
Pinezi e Eacuterica Ferreira da Cunha Jorge inicialmente problematizaram de forma criacutetica
a teoria durkheimiana ao questionarem a validade de seus conceitos
Algumas correntes questionam a validade e utilizaccedilatildeo do pensamento durkheimiano nas anaacutelises contemporacircneas sobre religiatildeo por este universo de estudos ter sido completamente reconfigurado Um dos argumentos seria que as abordagens claacutessicas da sociologia da religiatildeo de Durkheim natildeo se ajustam agrave realidade atual um momento dominado pelo individualismo crescente como valor nas sociedades poacutes-industriais contemporacircneas Seraacute que o socioacutelogo francecircs imaginou que as sociedades ocidentais caminhariam para este processo de individualismo Eacute possiacutevel que os estudos atuais levem em consideraccedilatildeo as propostas de representaccedilotildees coletivas apontadas em suas claacutessicas antinomias (PINEZI JORGE 2012 p84)
Apesar das autoras considerarem que boa parte das categorias socioloacutegicas
propostas por Durkheim natildeo podem ser mais utilizadas ―puramente devendo ser
adaptadas de forma criacutetica para a anaacutelise de objetos de pesquisas contemporacircneos
concluiacuteram tal problematizaccedilatildeo da seguinte forma
() a atualidade e a relevacircncia da teoria durkheimiana retomada criticada reelaborada mas fundamental para que se prossiga na tarefa tatildeo aacuterdua quanto antes de pensar os arranjos e rearranjos do movimento do coletivo em relaccedilatildeo agrave busca do sobrenatural e da explicaccedilatildeo do consolo em relaccedilatildeo aos fatos da vida (PINEZI JORGE 2012 p98)
Partindo de tal perspectiva eacute possiacutevel observar a atualidade do referencial
metodoloacutegico de pesquisa e anaacutelise propostos por Eacutemile Durkheim para o estudo
socioloacutegico da religiatildeo As diversas denominaccedilotildees religiosas e seus sistemas
simboacutelicos expressos em seus cultos e nos seus coacutedigos de conduta moral satildeo
compartilhados por parcelas consideraacutevel da sociedade constituindo importantes
grupos sociais que atuam em um contexto marcado natildeo apenas pelo individualismo
exacerbado mas tambeacutem pela formaccedilatildeo de coletividades diversas que
compartilham diferentes (e muitas vezes antagocircnicos) princiacutepios e visotildees de
mundo Desta forma cabe ao cientista social partir para o desafio de identificar os
aspectos gerais e particulares das diversas formas de religiosidade praticadas na
sociedade com a perspectiva de contribuir natildeo apenas para a construccedilatildeo de um
conhecimento cientiacutefico sobre elas mas tambeacutem de construir um acervo intelectual
capaz de contribuir para a construccedilatildeo de um paiacutes realmente tolerante e democraacutetico
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no qual as mais diferenciadas expressotildees religiosas e ateacute aqueles que se mostram
descrentes possam conviver pacificamente respeitando as suas crenccedilas e opiniotildees
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
COSTA Cristina Sociologia ndash Introduccedilatildeo agrave ciecircncia da sociedade Satildeo Paulo
Editora Moderna 2010
DURKHEIM Eacutemile Os Pensadores Satildeo Paulo Abril Cultural 1978
_______________ As regras do meacutetodo socioloacutegico Satildeo Paulo Nacional
1987
_______________ As formas elementares da vida religiosa o sistema
totecircmico da Austraacutelia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
PINEZI Ana Keila Mosca JORGE Eacuterica Ferreira da Cunha Revisitando
dicotomias claacutessicas em As Formas da Vida Religiosa sagrado X profano
religiatildeo X magia Estudos de Religiatildeo v26 n 42 ndash Ediccedilatildeo Especial pp 83-
98 Disponiacutevel em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=6342741
acessado em 26 de dezembro de 2019
QUINTANEIRO Tania BARBOSA Maria Liacuteia de Oliveira OLIVEIRA Maacutercia
Guardecircnia de Um toque de claacutessicos ndash Marx Durkheim Weber 2ed Belo
Horizonte Editora UFMG 2009
SILVA Mauricio Cocircrrea de et al Metodologia Cientiacutefica para as Ciecircncias
Sociais Aplicadas anaacutelises criacuteticas sobre meacutetodos e tipologias de pesquisas e
destaque de contribuiccedilotildees de Marx Weber e Durkheim Revista Cientiacutefica
Hermes n13 pp159-179 2015 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2829321 acessado em
acessado em 26 de dezembro de 2019
Autor ndash Dr Mauriacutecio Tintori Piqueira
Docente FATEJ FADISA Doutor em Ciecircncias Sociais e Mestre em
Histoacuteria pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica
de Satildeo Paulo (PUC-SP)
Gestor Institucional-Acadecircmico da Faculdade
de Tecnologia JardimFaculdade de Direito de
Santo Andreacute
tintoriledyahoocombr
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ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA
ldquoAge sempre de tal modo que o teu
comportamento possa vir a ser princiacutepio
de uma de uma lei universalrdquo
Immanuel Kant
RESUMO
Nesse artigo procurar defender a possibilidade de se elaborar um conceito de
justiccedila que decorra de moral a partir dos princiacutepios cristatildeos do amor ao proacuteximo
que a nosso ver eacute alicerce da visatildeo de mundo ocidental Para tanto fazemos uma
anaacutelise das modernas noccedilotildees de Direito e das nuances do ideal de igualdade que
funda as noccedilotildees de justiccedila frente ao pensamento de Immanuel Kant
Palavras-chave Justiccedila Direito Religiatildeo Cristianismo
ABSTRACT
In this article we seek to defend the possibility of elaborating a moral concept
of justice based on the Christian principles of love of neighbor which in our view is
the foundation of the Western worldview To do so we analyze the modern notions of
law and the nuances of the ideal of equality which underlies the notions of justice in
front of the thought of Immanuel Kant
Keywords Justice Law Religion Christianity
INTRODUCcedilAtildeO
Ao nos depararmos com a obra de Herbert Hart o vemos apontando a justiccedila
como um segmento especiacutefico da moral que passa pelo sentido de condenaccedilatildeo
coletiva de determinada conduta natildeo se considerando simplesmente o valor
autor Piterson Balmat Gonccedilalves
piterson_avyahoocombr
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individual da accedilatildeo assim justiccedila seria a parte da moral que eacute pensada
coletivamente1 Rawls de maneira semelhante define justiccedila como a primeira
virtude das instituiccedilotildees sociais2
Na mesma esteira Teacutercio Sampaio Ferraz Juacutenior nos mostra que ―a justiccedila eacute
o princiacutepio e problema moral do direito3 Assim afirma porque identifica a justiccedila
como sendo ―o sentido unificador do universo moral de qualquer homem sem o
qual a vida se torna insuportaacutevel4 Em suma a justiccedila seria o elemento moral que
doa sentido (comunicativo) agraves regras de convivecircncia5
Dessa maneira a justiccedila seria o elemento externo ao Direito derivado da
moral capaz de lhe dar sentido Para este fim ele aponta que longe de se tratar de
uma questatildeo de crenccedila aquilo que acreditamos ser virtuoso (e a partir dele justo ndash
porque eacute certo todos agirem assim que eacute justo todos agirem assim) deriva daquilo
que compreendemos ser racional no sentido de ―relacionar ―ligar coisaslsquo entre si
motivo pelo qual justiccedila representa ―equiliacutebrio entre dois pontos6 Assim aponta a
igualdade como o princiacutepio universal daquilo que representa justiccedila
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL
Seria assim a noccedilatildeo de equiliacutebrioigualdade o elo moral de todas as
condutas humanas que reivindicam a participaccedilatildeo do Direito Eacute o criteacuterio moral de
justiccedila que estabiliza as relaccedilotildees e sem ele natildeo eacute possiacutevel viver
Nesse sentido a sua caracteriacutestica essencial seria constituiacuteda da noccedilatildeo de
equiliacutebrio dentro da qual o homem passa a existir A este equiliacutebrio gerado deve ser
dado o nome de justiccedila por ser o princiacutepio que dirige as relaccedilotildees do homem e que
serve de base para o processo de reconhecimento daquilo a que chamamos Direito
1 Nesse sentido ―a equidade (ou imparcialidade) coincide com a moral em geral as referecircncias a ela
satildeo pertinentes sobretudo em duas situaccedilotildees da vida social Uma se daacute quando natildeo estamos considerando a conduta de um uacutenico indiviacuteduo mas a forma como se tratam classes de indiviacuteduos quando haacute algum encargo ou benefiacutecio a ser distribuiacutedo entre elas (hellip) A segunda situaccedilatildeo ocorre quando algum prejuiacutezo foi causado e se reivindica a indenizaccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do dano Hart Herbert O conceito de Direito pp 205-206 A justiccedila portanto pensa aleacutem do elemento interno da accedilatildeo moral a sua motivaccedilatildeo mas busca se colocar no elemento exterior agrave sua praacutetica qual seja na realizaccedilatildeo de um desejo de igualdade Apesar das criacuteticas que poderemos realizar agrave colocaccedilatildeo geneacuterica da igualdade para aplicaccedilatildeo da justiccedila (jaacute que vinganccedila eacute distinta da distribuiccedilatildeo por exemplo) a distinccedilatildeo da justiccedila da moral comum como fruto do desejo de igualdade nos parece ser correto e dele natildeo deixaremos de nos valer 2 Rawls John uma teoria da justiccedila citado por Ricoeur Paul O Justo 1 p 30
3 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito p 332
4 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 328
5 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
6 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
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Justiccedila eacute assim um ideal pertencimento comum entre os homens pelo qual
se prega ou fomenta a igualdade entre os seus membros
Entretanto apesar da correccedilatildeo do pensamento dos aludidos autores se
observarmos as noccedilotildees de justiccedila que a Histoacuteria nos daacute perceberemos que elas (i)
tanto satildeo diferentes entre si como (ii) podem natildeo representar de fato um desejo de
igualdade entre os homens
Nesse sentido ainda que se quisesse natildeo se poderia considerar de maneira
igual por exemplo a justiccedila retributivareparatoacuteria que eacute a forma de Direito mais
antiga entre os homens a justiccedila comutativa (justiccedila derivada do acordo contratual
que busca equilibrar os elementos de uma permuta a partir do momento em que a
Economia precisa de uma reflexatildeo imediata do Direito a respeito das relaccedilotildees por
ela estabelecidas) ou mesmo uma justiccedila distributiva (bem mais proacutexima do Direito
estatal moderno e do exerciacutecio poliacutetico das ―democracias poacutes-Revoluccedilatildeo Francesa)
Da mesma forma natildeo se poderia concluir que tais noccedilotildees de justiccedila se baseiam em
um desejo de realizaccedilatildeo da igualdade entre os homens
Se observarmos as diversas noccedilotildees de justiccedila que nos satildeo dadas veremos
que elas na verdade se identificam muito mais com o aspecto institucional do
exerciacutecio do Direito do que se ligam com a busca do bem e a realizaccedilatildeo do
pertencimento tiacutepicos da moral Elas se relacionam primordialmente com intenccedilatildeo
de impeacuterio do Direito que busca mantecirc-lo vaacutelido perante os homens Em uacuteltima
instacircncia natildeo importa se servem para a praacutetica de um padratildeo moral mas antes se
valem para a realizaccedilatildeo de determinados interesses
Isso acontece por exemplo com a justiccedila comutativa onde a bilateralidade
atributiva que conteacutem em si uma forma de igualdade serve na verdade a
determinados interesses econocircmicos que precisam ser assegurados pelo poder
poliacutetico que emana do Direito Eacute assim tambeacutem com a justiccedila retributiva a qual
inspirada no desejo comum de vinganccedila vecirc este desejo monopolizado pelo poder
poliacutetico do Estado que o exerce atraveacutes da institucionalizaccedilatildeo do seu Direito ou
mesmo com a justiccedila distributiva que serve no fundo agrave pacificaccedilatildeo de conflitos
para a manutenccedilatildeo da seguranccedila do modelo institucionalmente imposto
Ocorre poreacutem que se a justiccedila eacute entendida dessa maneira a igualdade que
ela pressupotildee acaba por se resumir ao contraacuterio do que se concluiu inicialmente (eacute
dizer que justiccedila eacute o princiacutepio moral do Direito) a uma forma de dominaccedilatildeo que ao
manipular interesses dissimula interesses que lhe satildeo anteriores Se levado a uacuteltimo
termo trata-se a justiccedila neste exerciacutecio de poder de um jogo de interesses sendo
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que seraacute mais justo o padratildeo que mais souber ocultar os interesses por detraacutes da
pregaccedilatildeo da igualdade e ateacute mesmo souber fingir ser moral para se desviar da
necessidade que ela impotildee a respeito de se fazer o bem
A articulaccedilatildeo moral da maneira que nos eacute ensinada nesse acircmbito eacute quase
inexistente Na verdade se o problema da justiccedila fosse apenas este jogo de
interesses o problema da moral do Direito natildeo existiria vez que acabariacuteamos por
concluir que (i) o mais justo eacute o mais imoral ou mesmo o mais amoral e
consequentemente que (ii) natildeo haacute justiccedila ou natildeo haacute moral (sim pois se apenas
existe o mal natildeo existe o bem moral pelo que o proacuteprio mal natildeo existe) jaacute que seria
apenas dissimulando interesses que se conquistam padrotildees de uma falsa igualdade
Neste cenaacuterio que vai de mal a pior perde-se a esperanccedila na possibilidade de
existir algo aleacutem dos jogos de interesses fundados no egoiacutesmo humano de maneira
que a justiccedila faccedila algum sentido
O problema da igualdade revelado a partir dos interesses ganha entatildeo um
novo niacutevel de reflexatildeo Se a igualdade eacute pensada a partir do seu motivo natildeo basta
apenas que exista estruturalmente a igualdade natildeo basta que seja pensada
―coletivamente Faz-se necessaacuterio que moralmente a igualdade faccedila sentido e que
natildeo se destine a justiccedila a realizar o interesses de alguns
Ora eacute exatamente sobre este ponto que repousa toda a discussatildeo Se o jogo
de interesses representa a perda da possibilidade de igualdade entre os homens
(igualdade esta que como vimos eacute o fundamento da ideia de justiccedila) para que esta
exista a forccedila que motiva a accedilatildeo deve ser portanto desinteressada
A questatildeo eacute existiria alguma forccedila desinteressada no acircmbito da accedilatildeo
humana capaz de fundamentar a igualdade entre os homens sem que isso
represente um jogo de manipulaccedilotildees
Sem duacutevida para que houvesse este tipo de forccedila desinteressada natildeo
poderia ter ela origem nos desejos ordinaacuterios que servem justamente para que o
homem persiga determinados interesses Deveria haver um desejo superior que a
fundamentasse de maneira que natildeo existisse qualquer condiccedilatildeo que lhe tirasse a
necessidade Ao ser necessaacuterio o desejo seria universal vaacutelido para todos os
homens em qualquer tempo e assim poderia criar condiccedilotildees de igualdade para se
existir
Se concebido dessa maneira ndash e parece ser essa a uacutenica forma que se pode
pensar ndash para se formular uma teoria da justiccedila eacute indispensaacutevel a universalidade do
padratildeo moral precedecirc-la de maneira que esta seja atraveacutes da universalidade
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fomentada entre os homens E eacute neste ponto em que os padrotildees de justiccedila que
apontamos se mostram insuficientes para gerar igualdade porque natildeo levam em
conta o elemento da motivaccedilatildeo moral o interesse que inspira essas formas de
igualdade deixam de observar que facilmente a questatildeo da justiccedila se torna o
problema da injusticcedila
A universalidade se faz necessaacuteria na medida em que natildeo havendo um valor
de bem intriacutenseco agraves accedilotildees que se busca compreender natildeo poderaacute haver um bom
desejo podendo qualquer interesse decorrente de qualquer desejo servir de base
para a realizaccedilatildeo da ―igualdade Se isto ocorre o sentido de justiccedila acaba por se
resumir agrave forma de sua igualdade a qual resolve no fim das contas apenas parte
do problema Eacute dizer se a moral encontra seu ponto uacuteltimo na divisatildeo entre os
desejos e a ideia de igualdade que possibilita um conceito de justiccedila depende da
moral apenas quando se encontra um desejo universal eacute que se localiza uma justiccedila
que verdadeiramente serve a todos os homens
Aiacute a primeira grande importacircncia de Kant para o resgate do sentido de justiccedila
encontrar um elemento do desejo humano que parta da sua motivaccedilatildeo subjetiva
capaz de alcanccedilar a universalidade moral possibilitando a realizaccedilatildeo da igualdade
na sua universalidade A segunda contribuiccedilatildeo como veremos a seguir eacute o
elemento praacutetico da proacutepria construccedilatildeo universal que guia o homem para o seu todo
humano como um fim em si mesmo capaz de resgatar o homem da sua apatia e
indeterminaccedilatildeo eacuteticas Ambas em conjunto caminham agrave noccedilatildeo de amor ao
proacuteximo que nos eacute trazida do cristianismo
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO
Para que possamos avanccedilar no entanto seraacute necessaacuterio falar do problema
do formalismo kantiano jaacute que a foacutermula de universalidade que ele nos indica
parece se resumir a um simples absoluto loacutegico com isto queremos que apareccedila a
intenccedilatildeo escatoloacutegica de Kant e surja na dignidade do homem o caminho da vida
em comum
De fato se nos limitarmos agraves linhas baacutesicas da filosofia kantiana
perceberemos que ela nos eacute apresentada como aquela na qual a possibilidade de
accedilatildeo nos horizontes morais segundo juiacutezos que se remetem a maacuteximas evoca o
imperativo categoacuterico como prova da autonomia da vontade no homem Na sua
determinaccedilatildeo criacutetica trata-se de uma vontade que estaacute sujeita agraves leis da proacutepria
razatildeo um fundamento da capacidade de agir que natildeo dialoga imediatamente com
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outra coisa senatildeo com a proacutepria razatildeo que quer que se determina conforme a
razatildeo que legisla
O sistema que ele cria da maneira que o proacuteprio Kant pretendeu eacute uma
tentativa de localizar o a priori dentre os moacutebiles do agir no intuito de dar
continuidade ao seu projeto criacutetico agrave esfera do querer humano Quando ele localiza a
liberdade como condiccedilatildeo do agir a vontade a um determinado fim como meio e
todo caminho que atrapalhe a vontade de atingir diretamente o seu fim como
contingecircncia realiza o seu plano e daacute organicidade aos conhecimentos sobre a
moral
Visto dessa maneira tudo parece indicar que na esfera da moralidade natildeo
haacute outra coisa a se pensar senatildeo a sua construccedilatildeo baseada em um tipo de absoluto
loacutegico Sim pois se as ligaccedilotildees se datildeo por meio de determinados elementos
estruturais fixos o pensamento de Kant sobre a eacutetica natildeo pode ser senatildeo pura
forma
Nesse sentido tomemos de exemplo as palavras de Deleuze que
interpretando o pensamento de Kant nos mostra o instante em que a filosofia moral
de Kant eacute uma edificaccedilatildeo loacutegica e portanto formal
―Vimos que a faculdade de desejar era capaz de uma forma superior quando ela era determinada natildeo por representaccedilotildees de objectos (sensiacuteveis ou intelectuais) natildeo por um sentimento de prazer ou de dor que ligaria representaccedilotildees deste geacutenero agrave vontade mas pela representaccedilatildeo de uma pura forma Esta forma pura eacute a de uma legislaccedilatildeo universal A lei moral natildeo se apresenta como um universal comparativo e psicoloacutegico (por exemplo natildeo faccedilas aos outros etc) A lei moral ordena-nos que pensemos a maacutexima da nossa vontade como ―princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universal Eacute pelo menos conforme agrave moral uma acccedilatildeo cuja maacutexima pode ser pensada sem contradiccedilatildeo como lei universal O universal neste sentido eacute um absoluto loacutegico
7
Pensada assim a filosofia de Kant natildeo serve agrave formaccedilatildeo de uma praacutexis
servindo como uma mera foacutermula metafiacutesica E de fato uma vez que se detenha
nessa criacutetica ver-se-aacute que ela eacute procedente por alguns motivos
Em primeiro lugar haacute um claro formalismo na maneira que satildeo constituiacutedos
os seus escritos que por mais das vezes dentro de um rigoroso encadeamento
loacutegico arriscam-se em tautologias O meacutetodo geral de sua filosofia que tambeacutem eacute
vaacutelido para a sua Eacutetica se articula de maneira que nela se tenha como objetivo
provar que a razatildeo eacute a faculdade de adequar o seu objeto ndash no caso da moral a
7 Deleuze Gilles A filosofia Criacutetica de Kant p 35
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razatildeo praacutetica ndash conforme a um fim Eacute da prova silogiacutestica em que se constituem suas
foacutermulas8
Em um segundo momento vemos um formalismo intriacutenseco agrave sua filosofia
moral no que diz respeito agrave capacidade de legislar Esta inerente agrave razatildeo natildeo se
realiza segundo Kant da mesma maneira para o conhecer e para o querer No caso
do conhecimento haacute uma clara relaccedilatildeo entre um eu-subjetivo e mundo-objetivo que
no seu ponto a priori e universalizaacutevel ―significa a capacidade de perceber9 Isso
cria no fim das contas as condiccedilotildees objetivas de todo conhecimento e universaliza
a razatildeo pura ora se se condiciona o sujeito ao objeto e o objeto ao sujeito fecha-se
um sistema entre eles o qual se considerarmos o seu objeto como um conjunto de
apreensotildees da experiecircncia realiza de fato uma faculdade de conhecer uniforme
No caso do querer no entanto estaacute ausente a apreensatildeo fenomecircnica isto eacute
falta-lhe o mundo-objetivo Como vimos anteriormente para Kant o querer tem entre
a accedilatildeo e a liberdade do sujeito apenas a proacutepria vontade que na sua forma pura
nada mais eacute que o representante da razatildeo dentro do sujeito O plano objetivo
igualmente eacute a representaccedilatildeo da razatildeo pura na ideia de lei moral Nesse sentido
natildeo haacute coisas que estejam postas para serem percebidas em estruturas e
compartimentadas conforme as suas categorias observaacuteveis O subjetivo eacute a razatildeo e
o objetivo tambeacutem o eacute haacute apenas a razatildeo se articulando no sujeito observando o
dever que tem perante a lei moral intermediando a liberdade e os fins da accedilatildeo
humana tornando ela capaz de ser accedilatildeo moral Em outras palavras na criacutetica eacutetica
de Kant tudo se resume agrave razatildeo a razatildeo que quer eacute a razatildeo que legisla Tudo
permanece dentro do sujeito transcendental o subjetivo e o objetivo advecircm da
mesma origem restando a liberdade como afirma Hegel como elemento de
autolimitaccedilatildeo exterior e portanto formal10
8 Nesse sentido o proacuteprio Kant como vimos afirma ―a divisatildeo da Analiacutetica da razatildeo praacutetica pura teraacute
de resultar semelhante agrave de um silogismo ou seja procedendo do universal na premissa maior (do princiacutepio moral) mediante uma subsunccedilatildeo na premissa menor de possiacuteveis accedilotildees (como boas ou maacutes) sob aquela agrave conclusatildeo ou seja agrave determinaccedilatildeo subjetiva da vontade (a um interesse pelo bem praticamente possiacutevel e agrave maacutexima fundada sobre aquele) Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes p 147 Para tanto cumpre salientar que Kant considera que a razatildeo enquanto faculdade superior eacute dizer como universalidade dos seus proacuteprios fins se realiza tanto subjetivamente enquanto se reflete acerca das condiccedilotildees de cada sujeito alcanccedilar o princiacutepio aplicaacutevel como objetivamente onde se eacute capaz de pensar nas condiccedilotildees gerais que concretizam determinado fim como fim universal Este eacute portanto o meacutetodo loacutegico de universalizaccedilatildeo de Kant 9 Cf Cacciola Maria Luacutecia Os pensadores um Curso p 144
10 Nesse sentido vemos a criacutetica realizada por Hegel ―a definiccedilatildeo kantiana geralmente admitida
(Kant Doutrina do Direito) em que o elemento essencial eacute a 1limitaccedilatildeo da minha liberdade (ou do meu livre-arbiacutetrio) para que ela possa estar de acordo com o livre-arbiacutetrio de cada um segundo uma lei gerallsquo apenas constitui uma determinaccedilatildeo negativa (a de limitaccedilatildeo) Por outro lado o positivo que haacute nela a lei da razatildeo universal ou como tal considerada o acordo da vontade particular de cada um com a de cada outro leva agrave bem conhecida identidade formal e ao princiacutepio da contradiccedilatildeo A citada
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Parece contudo que se o pensamento kantiano ficasse limitado agraves
fragilidades do seu formalismo ficaria incompreendido com relaccedilatildeo agrave sua finalidade
Isto parece coincidir com as intenccedilotildees do proacuteprio autor senatildeo acabaria natildeo tendo
feito Eacutetica mas Loacutegica
Assim buscaremos observar a idealidade da razatildeo praacutetica ndash jaacute que concorda
sempre e unicamente consigo mesma sem elementos externos ndash e a relaccedilatildeo que
existe entre humanidade como fim em si mesmo o conceito de autonomia e o reino
dos fins vislumbrado por Kant de maneira que do sentido da sua filosofia moral
decorra uma noccedilatildeo de justiccedila ndash e como ela eacute na verdade uma articulaccedilatildeo da ideia
cristatilde de amor ao proacuteximo
A idealidade da razatildeo praacutetica eacute um elemento imprescindiacutevel para
compreensatildeo da moral Segundo Joaquim Salgado o ideal decorre da
ultrapassagem da noccedilatildeo que eacute um conceito puro que tem origem tatildeo soacute no
entendimento de maneira que ―quando a noccedilatildeo se torna transcendente isto eacute
ultrapassa toda possibilidade da experiecircncia tem-se a ideia ou o conceito da
razatildeo11
Nessa linha ideia eacute o ―esforccedilo metafiacutesico da razatildeo12 a sua pura
transcendentalidade ou encontro das condiccedilotildees da razatildeo que natildeo pode ser provada
no plano exterior mas eacute pressuposto na sua siacutentese total e incondicionada13
Partindo sempre Kant de noccedilotildees ele busca justamente reunir os elementos que
delas derivam para compor as ideias que dirigem a razatildeo pura
Com efeito deve-se notar que apesar de ser incondicionada a ideia tem um
valor em si aleacutem de ser o ponto que legitima o esforccedilo metafiacutesico Isso porque nela
que se encontra o ponto de unidade entre os conceitos comuns (como por exemplo
o de boa vontade) que faraacute com que o valor perseguido pela razatildeo se legitime
tornando-se regra universal Destarte a ideia eacute a totalidade daquilo que se torna
definiccedilatildeo conteacutem a ideia muito divulgada desde Rousseau de que a base primitiva e substancial deve estar natildeo na vontade como existente e racional em si e para si natildeo no espiacuterito como espiacuterito verdadeiro mas na vontade do indiviacuteduo no livre-arbiacutetrio que lhe eacute proacuteprio Uma vez aceito tal princiacutepio o racional soacute pode aparecer para essa liberdade como uma limitaccedilatildeo natildeo Portanto como razatildeo imanente mas como um universal exterior formal Natildeo precisa o pensamento filosoacutefico recorrer a qualquer consideraccedilatildeo especulativa para repelir este ponto de vista desde que ele produziu nas cabeccedilas e na realidade acontecimentos cujo horror soacute tem igual na vulgaridade dos pensamentos que os causaram Hegel G W F Princiacutepios da Filosofia do Direito Trad Orlando Vitorino apud in Novelli Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos p 107 11
Salgado Joaquim Ibidem p 43 12
Salgado Joaquim Ibidem p 52 13
Salgado Joaquim Ibidem p 43
28
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inquestionaacutevel a partir das condiccedilotildees comuns14 A ideia portanto ao fazer o papel
de siacutentese conteacutem em si a finalidade da razatildeo
Diante deste cenaacuterio retornamos ao conceito de humanidade o qual
transformado no ideal de humanidade como um fim e si mesmo conteacutem o ponto
nodal de toda a criacutetica moral Neste sentido retornemos ao iniacutecio deste capiacutetulo e
vejamos como Kant inicia sua Fundamentaccedilatildeo do conceito comum de boa vontade
ateacute chegar agrave lei moral que eacute o ideal que dirige a motivaccedilatildeo agrave sua universalidade A
partir daiacute a lei moral expressa no imperativo categoacuterico encontra sua expressatildeo
praacutetica suprema na ideia de humanidade expressa no imperativo praacutetico ―age de tal
maneira que tomes a humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de
qualquer outro sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como
meio15 momento a partir do qual se passa agrave realizaccedilatildeo da razatildeo em sua idealidade
(isto eacute na pura transcendentalidade)
Kant afirma claramente que humanidade eacute uma ideia que eacute na verdade a
ideia de ―humanidade como um fim em si mesmo16 Para demonstrar a
possibilidade da ideia ele faz quatro afirmaccedilotildees baseadas nos exemplos que usou
para confirmar a validade do imperativo categoacuterico
Na primeira Kant busca apontar os riscos que haacute em tornar a vida humana
um bem disponiacutevel Segundo ele condicionar a vida a determinadas condiccedilotildees eacute
fazecirc-la coisa e assim destruir a sua incondicionalidade Se assim se faz perde-se o
proacuteprio significado do homem ser um e uacutenico com a humanidade que soacute pode ser
um fim para ele jamais um meio Se o homem eacute meio a moral jaacute natildeo tem sentido17
Na segunda Kant quer mostrar como natildeo se valer de si ou de outro como
humanidade em si mesma significa a perda da capacidade de estabelecer um
criteacuterio igualitaacuterio nas relaccedilotildees entre os homens representando no fim das contas a
perda da capacidade de concordacircncia entre os homens18 a qual apenas se tem
quando a moral se funda na responsabilidade de cada accedilatildeo pela proacutepria
humanidade
14
―A razatildeo natildeo se contenta com as condiccedilotildees conhecidas na experiecircncia dada mas progride na seacuterie das condiccedilotildees ateacute o incondicionado que eacute a totalidade das condiccedilotildees ou a ideia a que nenhum objeto dos sentidos corresponde Salgado Joaquim Ibidem p 55 15
Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes pp 243245 16
Kant Immanuel Ibidem p 245 17
Kant Immanuel se ele [homem] destroacutei a si mesmo para fugir de um estado difiacutecil de suportar ele se serve de uma pessoa como um mero meio para conservaccedilatildeo de um estado toleraacutevel ateacute o fim da vida Ibidem p 245 18
Kant Immanuel Ibidem p 247 ―eacute impossiacutevel que aquele que eu quero usar para as minhas intenccedilotildees mediante tal promessa [mentirosa] concorde com a minha maneira de proceder com ele e contenha portanto ele proacuteprio o fim dessa accedilatildeo
29
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Na terceira afirmaccedilatildeo ele diz que natildeo importa apenas que a accedilatildeo natildeo esteja
em conflito com a humanidade mas deve com ela estar de acordo Significa no fim
das contas um dever positivo natildeo negativo que importa na conservaccedilatildeo da
humanidade como fim em si mesmo e a promoccedilatildeo deste fim19
Na quarta e uacuteltima ele insiste no dever positivo mostrando com a
humanidade em si mesmo soacute eacute capaz de significar isso quando a moral se baseia na
busca da felicidade do outro20 busca esta que representa o proacuteprio fim a ser
perseguido com relaccedilatildeo agrave humanidade Dessa maneira ele expressa na
humanidade como um fim em si mesmo o proacuteprio ideal de humanidade e o seu
destino comum que sua foacutermula visa Jaacute eacute possiacutevel entatildeo a felicidade de todos jaacute
que ―os fins do sujeito que eacute fim em si mesmo tecircm de ser tambeacutem tanto quanto
possiacutevel os meus fins se aquela representaccedilatildeo deve produzir em mim todo o seu
efeito21
Assim ficamos tentados a dizer que o ―eu transcendental moral (razatildeo)
subjetivo eacute seguido natildeo de outro ―eu (razatildeo) objetivo Isto tornaria a lei moral uma
questatildeo de escolha ―individual o que natildeo poderia jamais se coadunar com os
objetivos do autor O aspecto praacutetico do imperativo onde a humanidade ocupa o
lugar da lei moral poderia ser mais bem definido como certo ldquonoacutesrdquo transcendental
Evidentemente o termo transcendental de alguma maneira jaacute faz as vezes
do ―noacutes Contudo aqui esta pessoa do plural toma um sentido diferente Queremos
com ela nos referir a uma postura do ―eu que se coloca diante de si um ideal a que
se chama ―humanidade Assim com a filosofia moral kantiana pensamos como
somos capazes de agir o destino do nosso ―eu conforme o destino da
―humanidade Parece ser este tipo de altruiacutesmo que natildeo eacute outro mas noacutes mesmos
objeto de defesa kantiana Em outras palavras Kant prega uma concordacircncia entre
a nossa proacutepria humanidade e a humanidade em geral enquanto o ideal metafiacutesico
de todas as accedilotildees respectivamente princiacutepio do querer e lei moral
Aiacute reside ao que tudo indica a grande contribuiccedilatildeo da filosofia moral de Kant
apesar do formalismo do filoacutesofo Diante as quatro afirmaccedilotildees que servem para
mostrar a validade do imperativo praacutetico (―age de tal maneira que tomes a
humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro sempre ao
19
Cf Kant Immanuel Ibidem p 249 20
Como jaacute explicamos anteriormente querer o bem-estar (felicidade) particular e o bem-estar geral satildeo coisas distintas jaacute que a segunda pode conter a universalidade a primeira jamais Apenas o desejo de bem-estar geral pode concordar com o destino fraterno de todos e somente nele pode estar a propriedade categoacuterica do imperativo e de toda accedilatildeo moral 21
Kant Immanuel Ibidem p 249
30
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mesmo tempo como fim nunca meramente como meio) ele nos fornece um ideal
que carregado de princiacutepios relativos ao querer serve para a concretizaccedilatildeo da vida
em comum e abre a possibilidade de um destino para o homem que natildeo seja
apenas a realizaccedilatildeo de um jogo de interesses
E eacute dessa maneira que Kant chega agrave terceira foacutermula do imperativo
categoacuterico que exibe a ―vontade universalmente legislante22 O acento das
formulaccedilotildees que se iniciou na maacutexima e decorreu agrave possibilidade de fundamentar o
homem como um fim em si mesmo agora toma aparentemente atraveacutes da abertura
que lhe deu o ideal de humanidade a universalidade da vontade como objeto da
moral pensando a responsabilidade que implica a liberdade ao sujeito que eacute capaz
de legislar de acordo com a lei Esta responsabilidade que decorre da natureza
mandamental da lei moral eacute que daacute ao sujeito que legisla de acordo com o desejo
superior a sua autonomia ―legislando universalmente segundo o seu fim natural23
Esse fim natural que se confunde com o fim em si mesmo que Kant expotildee na
segunda formulaccedilatildeo do imperativo categoacuterico eacute um lugar a ser encontrado ―Imagina
que a tua maacutexima tenha o valor de uma lei universal da natureza ndash e examina
entatildeo o que a sua aplicaccedilatildeo acarretaria cita Lebrun24 De fato ―se eu determino a
minha vontade de modo a romper com toda motivaccedilatildeo natural eacute porque estou
cumprindo a funccedilatildeo de legislador a que me destinava a natureza25 A obediecircncia agrave
lei assim aparece
―Agora como o ato conforme por excelecircncia ao sentido de minha
existecircncia E com isso mesmo adquiro uma nova compreensatildeo de por que nunca devo tratar a humanidade racionaacutevel como mero meio cada vez que por egoiacutesmo recuso a dignidade de ser racionaacutevel a outro homem estou negando que o ser racionaacutevel seja nessa sua qualidade legislador universal por natureza ndash e assim que eu queira ou natildeo a expressatildeo ―ser racionaacutevel acaba designando para mim nada mais do que uma particularidade que especifica alguns viventes ndash um fato natural natildeo uma vocaccedilatildeo por natureza
26
Kant nesse sentido procura na moral mais do que localizar o seu ponto a
priori Busca a vocaccedilatildeo a que a liberdade possibilita justamente pela capacidade de
exerciacutecio ideal que a razatildeo praacutetica permite Como vimos de alguma maneira na
anaacutelise do mal radical (A Religiatildeo nos limites da simples Razatildeo) o projeto kantiano eacute
a construccedilatildeo teoloacutegica dos fins dos homens que unidos na sua autonomia ndash eacute dizer
22
Kant Immanuel Ibidem p 253 23
Kant Immanuel Ibidem p 257 24
Lebrun Geacuterard Uma escatologia para a moral apud in Kant Immanuel Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita p 74 25
Lebrun Geacuterard Ibidem p 74 26
Lebrun Geacuterard Ibidem p 75
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porque tecircm a razatildeo como elemento unificador e pressuposto a todos os atos ndash
percebem o sentido da vida em comum pela razatildeo sabem o motivo pelo qual foram
criados
―Natildeo fosse o horizonte da Criaccedilatildeo seria impossiacutevel pensar-se o conjunto dos seres racionaacuteveis como uma totalidade sistemaacutetica a humanidade somente seria imaginaacutevel como uma pluralidade de pontos disseminados ndash da forma que aparece no plano da natureza sensiacutevel
27
A vontade universal portanto eacute mais uma vez concorde agora com uma
vontade superior que eacute a expressatildeo racional de unidade do querer Porque
colocado o desejo superior como pressuposto de todo querer a vontade tem em si o
destino a ser seguido por todos os homens na aptidatildeo a que foram criados Agrave
reuniatildeo de todos os homens sob tal vocaccedilatildeo Kant predica o destino de um reino
dos fins que eacute o destino da liberdade dada pela razatildeo substituindo o discurso
poliacutetico acerca da sociedade por um da escatologia do homem28
―Entendo poreacutem por reino a ligaccedilatildeo sistemaacutetica de diferentes seres racionais mediante leis comuns Ora uma vez que as leis determinam os fins segundo sua validade universal seraacute possiacutevel entatildeo se nos abstrairmos da diferenccedila pessoal dos seres racionais bem como de todo conteuacutedo de seus fins privados pensar um todo de todos os fins (tanto dos seres racionais enquanto fins em si como tambeacutem dos fins proacuteprios que cada um possa pocircr para si mesmo) em conexatildeo sistemaacutetica isto eacute um reino dos fins o que eacute possiacutevel segundo os princiacutepios acima29
Os homens assim na praacutetica moral se tornam seres racionais de um uacutenico
sistema completamente transcendental de maneira que os fins de cada ―eu eacute um
todo moral contendo cada accedilatildeo o esforccedilo para entrada no aludido reino totalizante
Isto eacute possiacutevel apenas porque natildeo haacute neste reino qualquer ser que seja tratado
como meio mas cada um eacute o fim de todos os outros Desse modo eacute que se alcanccedila
o valor intriacutenseco do homem a sua dignidade Como Kant explica
―Ora a moralidade eacute a uacutenica condiccedilatildeo sob a qual um ser racional pode ser
fim em si mesmo porque soacute atraveacutes dela eacute possiacutevel ser um membro legislante no reino dos fins Portanto a moralidade e a humanidade na
27
Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 28
Nesse sentido veja-se novamente Lebrun ―a ideia de ―reino dos fins desordenaraacute de maneira definitiva os dados da antropologia poliacutetica o indiviacuteduo humano (do qual partiam os pensadores poliacuteticos) natildeo seraacute mais por definiccedilatildeo do que um ser ―patoloacutegico abstrato (hellip) e o uacutenico ponto de partida para o discurso escatoloacutegico que entatildeo sucede ao discurso poliacutetico seraacute a pessoa noumenal dedicada por sua essecircncia a uma comunidade o ser puramente racionaacutevel cujo modelo terreno obviamente natildeo eacute mais o indiviacuteduo poreacutem o membro do gecircnero humano Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 (grifo nosso) 29
Kant Immanuel Ibidem p 259
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medida em que ela eacute capaz da mesma eacute a uacutenica coisa que tem dignidade
30
Assim o homem tornado agrave sua racionalidade pura na praacutetica de suas accedilotildees
encontra a dignidade que eacute intriacutenseca agrave humanidade como fim em si mesmo A
dignidade eacute da autonomia e da sistematicidade que deve respeito a esta autonomia
que concorda com a legislaccedilatildeo universal
A escatologia kantiana aponta para a realizaccedilatildeo de uma forma de
comunidade universal cujo fundamento de justiccedila reside justamente no
respeito e no cuidado muacutetuos que eacute no fim das contas bem querer aquele
que estaacute proacuteximo
Todos os princiacutepios decorrentes da boa vontade (―fidelidade agraves promessas
―benevolecircncia por princiacutepio31) buscam cumprir o valor intriacutenseco da humanidade
enquanto se encaminha para o destino comum A justiccedila que lhe decorre eacute pautada
pelo respeito agrave liberdade de cada vontade sem a intenccedilatildeo de deturpar a sua
escolha ndash que deve livremente apenas pela reverecircncia escolher a lei moral ndash da
mesma maneira que todos assim devem realizar A isto se daacute o nome de dignidade
do homem que eacute base de todas as declaraccedilotildees de direitos que se baseiam no
anseio humanitaacuterio de kantiano
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Assim neste ideal de humanidade que sustenta a intenccedilatildeo de linearidade no
homem e o daacute sentido de destino estatildeo incluiacutedos a liberdade e a igualdade Parece
ser este ideal o princiacutepio e o fim de toda a filosofia de Kant Estaacute o desejo superior
de benevolecircncia que eacute princiacutepio e fim em todo querer racional Aliaacutes colocada esta
noccedilatildeo de justiccedila antes mesmo do proacuteprio Direito que depende da moral na busca de
uma possiacutevel universalidade das suas diretrizes eacute do sentido que dela emana que
passa a existir o homem na eacutetica kantiana que justiccedila seja bem querer ao outro
que eacute no fim das contas um representante de todos noacutes
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
CACCIOLA Maria Lucia Os pensadores um Curso Rio de Janeiro Casa da
Palavra 1ordf Ed 2009
30
Kant Immanuel Ibidem p 265 31
Kant Immanuel Ibidem p 267
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DELEUZE Gilles Para ler Kant Trad Sonia Dantas Guimaratildees Rio de
Janeiro Livraria Francisco Alves Ed 1976
HART Herbert O conceito de Direito Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1ordf Ed
2009
KANT Immanuel A religiatildeo nos limites da simples razatildeo trad Artur Mouratildeo
Lisboa Editora 70
_____________ Criacutetica da Razatildeo Praacutetica Trad com introduccedilatildeo e notas de
Valeacuterio Rohden Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2011
_____________ Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes introduccedilatildeo por
Guido Antocircnio de Almeida Satildeo Paulo Barcarolla 2009
____________ Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista
cosmopolita Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 Apresentaccedilatildeo Geacuterard Lebrun
NOVELLI Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant
Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos
RICOEUR Paul O Justo 1 Trad Ivone Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes
2008
SALGADO Joaquim Carlos Salgado A ideia de justiccedila em Kant Seu
fundamento na liberdade e na igualdade Belo Horizonte Del Rey 3ordf Ed 2012
SAMPAIO FERRAZ JR Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito Teacutecnica
Decisatildeo Dominaccedilatildeo 6ordf ed Satildeo Paulo Ed Atlas 2012
Autor ndash Piterson Balmat Gonccedilalves
Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade de Satildeo Paulo Graduado em Direito pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor e Advogado E-mail piterson_avyahoocombr
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A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO
ldquoCalvino e o calvinismo de origem
contribuiacuteram certamente para tornar
muito mais faacuteceis no seio das populaccedilotildees
reformadas o desenvolvimento da vida
econocircmica e o surto do capitalismo
nascenterdquo
Andreacute Bieacuteler32
RESUMO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber a Reforma Protestante do seacuteculo
XVI proporcionou o florescimento do capitalismo Para tanto Weber estudou o
calvinismo o pietismo o metodismo e os batistas Mas seraacute que o calvinismo possui
alguma relaccedilatildeo causal com o capitalismo O objetivo desse ensaio foi demonstrar
como alguns elementos poliacuteticos e econocircmicos na reforma calvinista em Genebra
propiciaram o desenvolvimento do capitalismo Para tanto essa pesquisa serviu-se
do meacutetodo qualitativo com pesquisa bibliograacutefica nas obras de Vicente Themudo
Lessa e Andreacute Bieacuteler O ensaio apontou que embora os objetivos de Joatildeo Calvino
natildeo fossem capitalistas os aspectos poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Calvinista
em Genebra carregaram em si os elementos seminais do capitalismo
Palavras-chave Calvinismo Genebra Reforma Protestante Capitalismo
ABSTRACT
According to German sociologist Max Weber the 16th century Protestant
Reformation provided the flourishing of capitalism Weber studied Calvinism Pietism
Methodism and Baptists But does Calvinism have any causal relationship to
capitalism The purpose of this essay was to demonstrate how some political and
economic elements in the Calvinist reform in Geneva led to the development of
capitalism Therefore this research used the qualitative method with bibliographic
research in the works of Vicente Themudo Lessa and Andreacute Bieacuteler The essay
pointed out that while John Calvins goals were not capitalist the political and
32
Andreacute Bieacuteler (1990 p 661)
autor Prof Dr Ceacutesar Rocha Lima
rochalimauspbr
35
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economic aspects of the Calvinist Reformation in Geneva carried within them the
seminal elements of capitalism
Keywords Calvinism Geneva Protestant Reformation Capitalism INTRODUCcedilAtildeO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber (1864-1920) ―o ascetismo
cristatildeo que de iniacutecio se retirara do mundo para a solidatildeo jaacute tinha regrado o mundo
ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja [] Agora avanccedilava
para o mercado da vida fechando atraacutes de si a porta do mosteiro (2009 p 121)
Para demonstrar a nova forma do ascetismo cristatildeo Weber distinguiu o ethos
protestante como elemento responsaacutevel pela vida disciplinada apego ao trabalho e
valorizaccedilatildeo da poupanccedila Nesse mister ele estudou algumas categorias do
protestantismo claacutessico entre elas o calvinismo o pietismo o metodismo e as
―seitas batistas (sic)
Em se tratando do calvinismo Weber afirmou que a sua doutrina central
(predestinaccedilatildeo) associada ao conceito luterano de trabalho como vocaccedilatildeo Beruf33
resultou no florescimento do capitalismo
Mas haveria ipso facto uma relaccedilatildeo entre o calvinismo e o capitalismo O
ramo calvinista da Reforma Protestante do seacuteculo XVI teria abrigado em si as
sementes do capitalismo
Constitui-se como objetivo deste ensaio destacar os principais aspectos
poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Genebrina do seacuteculo XVI a fim de examinar se
ela carregou as sementes do capitalismo moderno
Contudo vejamos primeiramente como se desenrolou a Reforma Calvinista
em Genebra na pessoa e obra de Joatildeo Calvino
1 JOAtildeO CALVINO
Calvino nasceu na pequena cidade de Noyon na Franccedila em 10 de julho de
1509 ele foi o segundo filho em uma famiacutelia de cinco irmatildeos
Seu pai Geacuterard Cauvin pertenceu agrave classe meacutedia e trabalhava como
secretaacuterio do bispo e procurador da biblioteca da catedral Sua matildee Jeanne
33
De acordo com Weber (2009 p 69) ―jaacute natildeo resta duacutevida de que na palavra alematilde Beruf e talvez mais claramente ainda na palavra inglesa calling estaacute pelo menos impliacutecita uma conotaccedilatildeo religiosa de uma tarefa confiada por Deus
36
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Lefranc proveniente de uma famiacutelia da classe alta faleceu quando Calvino possuiacutea
apenas seis anos
Devido agrave posiccedilatildeo que seu pai ocupava e agrave proximidade com o bispo de
Noyon Calvino e seus irmatildeos foram auxiliados no custeio dos seus estudos
(COSTA 2009 p 28) Com esses recursos Calvino pocircde estudar em Paris no
Collegravege de La Marche em 1523 onde teve seu primeiro contato com o humanismo
neste periacuteodo as discussotildees teoloacutegicas estavam num periacuteodo de efervescecircncia34
No ano seguinte ele estudou Gramaacutetica Filosofia e Teologia no Collegravege de
Montaigu concluindo assim a sua licenciatura em Artes Em seguida foi enviado por
seu pai para estudar advocacia na Universidade de Orleans de cunho humanista
―sob a influecircncia do conceituado jurista Pierre LlsquoEacutetoile designado rei da
jurisprudecircncialsquo e priacutencipe dos juristaslsquo que se tornaria posteriormente presidente
do Tribunal do Parlamento em Paris (COSTA 2009 p 31)
Contudo Calvino resolveu deixar a Universidade de Orleans antes de
terminar os estudos transferindo-se em 1529 para a Universidade de Bourges
Com a morte de seu pai ele retornou a Paris a fim de aperfeiccediloar os seus estudos
na liacutengua grega e hebraica no Coleacutegio Fortet
No ano seguinte Calvino adotou as ideias reformistas dispensando o seu
custeio eclesiaacutestico (CAIRNS 1988 p 252) Em 1534 foi compelido a abandonar a
Franccedila por elaborar juntamente com seu amigo Nicolaacutes Cop reitor da Universidade
de Paris um discurso de posse da reitoria o qual continha em seu bojo ideias
humanistas e reformistas Cop foi para Basileia35 e Calvino para outras cidades na
Franccedila Nesse interim Calvino influenciado pelo humanismo e ideias da reforma
aquiesci ao protestantismo propondo um sistema diferenciado de interpretaccedilatildeo das
Escrituras com ecircnfase na soberania de Deus
Em 1536 Calvino publicou o primeiro livro de As Institutas da Religiatildeo
Cristatilde36 que se tornou sua obra mais conhecida (CALVINO 1985 p 15) A partir de
entatildeo ele continuou preparando ediccedilotildees sucessivas37 de As Institutas que
aumentaram gradualmente ateacute a sua forma final (CALVINO 1989)
34
As ideias reformistas deJohn Wyclif John Huss e Martinho Lutero eram debatidas nos principais ciacuterculos acadecircmicos 35
Um dos cantotildees da Suiacuteccedila que serviu como uma espeacutecie de refuacutegio para os protestantes no periacuteodo de preacute-reforma e reforma 36
Trata-se de um livro dirigido ao monarca Francisco I da Franccedila na tentativa de defender os protestantes que eram retaliados pelos seus novos costumes Calvino solicitou ao monarca uma cabal investigaccedilatildeo pois ateacute o momento estaacute tinha sido feita de forma desordenada quando natildeo todo tumultuada e sem nenhuma sistemaacutetica de direito 37
Nas proacuteximas ediccedilotildees de As Institutas Calvino desenvolveu a doutrina da predestinaccedilatildeo sob o
37
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As Institutas de Religiatildeo Cristatilde foram precedidas de uma epiacutestola dirigida ao
monarca Francisco I rei da Franccedila datada em 23 de agosto de 1535
2 A REFORMA EM GENEBRA
Nesse mesmo ano Calvino decidiu estabelecer seu domiciacutelio em Estrasburgo
lugar onde as ideias e princiacutepios reformistas receberam boa acolhida Este ambiente
tornara-se propiacutecio para as atividades teoloacutegicas e literaacuterias do reformador bastante
oportuno para a produccedilatildeo dos seus trabalhos
Todavia depois de uma breve visita a Ferrara e agrave Franccedila o caminho mais
curto para Estrasburgo estava fechado por confrontos militares e Calvino teve que
se desviar e pernoitar em Genebra
Mal o sabia que isto mudaria totalmente o curso de sua vida Guilherme de
Farel que tentara implantar sem muito sucesso os princiacutepios reformadores na
cidade de Genebra foi informado que Calvino pernoitara ali
Logo em contato com Calvino apresentou vaacuterias razotildees pelas quais
precisava da sua permanecircncia Calvino escutou-lhe atentamente e afirmou que natildeo
poderia aceitar o convite pois buscava em Estrasburgo as condiccedilotildees favoraacuteveis para
os seus estudos
Esgotados os argumentos e sem sucesso Farel fez o seguinte apelo ao
teoacutelogo de forma estridente ―Deus amaldiccediloe teu descanso e a tranquilidade que
buscas para estudar se diante de uma necessidade tatildeo grande te retiras e te negas
a prestar socorro e ajuda (GONZALEZ 1989 p 113)
Diante de tal imprecaccedilatildeo Calvino desistiu dos seus planos em Estrasburgo e
principiou o seu trabalho como reformador em Genebra
Depois de uma breve introduccedilatildeo sobre a vida de Joatildeo Calvino e os caminhos
que o levaram a Genebra vejamos os principais aspectos poliacuteticos e econocircmicos
que culminaram na reforma calvinista na Genebra do seacuteculo XVI
21 - Aspectos Poliacuteticos
Genebra antes da chegada de Farel e Calvino era conduzida na forma de
bispado Seu comando estava nas matildeos de trecircs autoridades o Bispo chamado
tambeacutem de ldquopriacutencipe de Genebra teoricamente o soberano da cidade com poderes
para cunhar moedas fixar impostos comandar a cidade em tempo de guerra julgar
binocircmio depravaccedilatildeo humana poacutes eacuteden e soberania divina
38
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as apelaccedilotildees e perdoar crimes o Magistrado incumbido da defesa da cidade da
guarda e execuccedilatildeo dos prisioneiros e por fim o Conselho de Genebra composto
de conselheiros de entre os moradores da cidade que julgava as questotildees criminais
concernentes aos leigos (as infraccedilotildees dos sacerdotes era da competecircncia do
bispado) cuidava do abastecimento da cidade das financcedilas e mantinha a boa
ordem por meio da poliacutecia Este era o sistema adotado pela maioria das cidades
europeias catoacutelicas (LESSA 2010 pos 1851)
Diante da grande autoridade do bispado eram frequentes os conflitos em
busca dos direitos entre o bispado o conselho e o povo Contudo em 1536 quando
Genebra abraccedilou oficialmente a reforma38 o bispado perdeu seu poder e os
conselheiros assumiram as funccedilotildees desse Desta forma a Igreja deixou de exercer
a sua primazia sobre o Estado e tornou-se lhe subordinada
Em 1537 a pedido de Farel Calvino iniciou seus trabalhos em Genebra
Ambos redigiram uma Confissatildeo de Feacute39 de vinte e um artigos Essa confissatildeo
serviria de regulamento para a Igreja em Genebra e foi aprovada pelo Conselho em
novembro daquele ano
Uma vez que a Igreja estava subordinada ao Estado e o Conselho era o seu
representante legal coube-lhe o direito de investigar e punir todas as infraccedilotildees das
leis cristatildes Aos pastores fora designado o direito de produzir todos os regulamentos
que julgassem necessaacuterios de assinalar aos magistrados os delitos e incentivar as
puniccedilotildees (LESSA 2010 pos 2217)
Se no sistema anterior a Igreja Romana se envolvia nos assuntos estatais
agora o Estado eacute quem deveria resolver as questotildees eclesiaacutesticas Nesse novo
sistema considerando que o Conselho se pautava por um ethos protestante a
reforma natildeo implicou na eliminaccedilatildeo do controle da Igreja na vida cotidiana mas
antes substituiu o controle vigente por uma nova forma
38
No dia 21 de maio de 1536 na Catedral de Satildeo Pedro reuniu-se o Conselho e foi lida uma moccedilatildeo em que se decidia por unanimidade a aceitaccedilatildeo da religiatildeo reformada e a supressatildeo das missas e do modelo de culto proposto por Roma Logo foi colocada a porta da Catedral uma placa com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoEm memoacuteria da graccedila que Deus nos fez de haver sacudido o jugo do anticristo abolido a supersticcedilatildeo e recobrado a nossa liberdaderdquo (LESSA 2010 pos 2027) 39
Assim como no periacuteodo do Imperador Constantino (transiccedilatildeo do paganismo para o cristianismo) houve uma grande produccedilatildeo de Credos Apostoacutelico Niceno-constantinopolitano Atanasiano tambeacutem na Reforma (transiccedilatildeo do catolicismo para o protestantismo) houve por parte dos reformadores e seus seguidores uma enorme produccedilatildeo de Confissotildees de Feacute (Escocesa Augsburgo Helveacutetia Dort e Westminster) Esses siacutembolos foram ―de grande valia para a educaccedilatildeo dos crentes partindo sempre do princiacutepio da necessidade da feacute expliacutecita de que todos os cristatildeos devem conhecer sua feacute sabendo no que creem e por que creem (COSTA 2002 p 13)
39
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Nesse mister Weber fez a seguinte afirmaccedilatildeo
[] a regra do calvinismo tal como foi imposta no seacuteculo XVI em Genebra e na Escoacutecia entre o seacuteculo XVI e XVII em grande parte da Holanda no seacuteculo XVII na Nova Inglaterra e por algum tempo na proacutepria Inglaterra se tornaria a forma mais intoleraacutevel de controle eclesiaacutestico do indiviacuteduo que jaacute pocircde existir (2009 p 40)
O controle que a Igreja Romana possuiacutea sobre o indiviacuteduo se tornara frouxo
mas a reforma calvinista (genebrina) levou esse controle ao extremo Em Genebra
isto se deu com os regulamentos ndash ou Articuli de regimine Ecclesiae ndash que logo
provocaram muitos conflitos porquanto entendiam alguns cidadatildeos que os pastores
nada tinham que ver com as suas vidas particulares
Rompendo com o bispo eles achavam que no gozo de sua independecircncia
poliacutetica poderiam tambeacutem desfrutar plenamente a liberdade religiosa
O povo genebrino protestou e Calvino percebeu que natildeo seria tatildeo simples a
implantaccedilatildeo da reforma naquele paiacutes Por meio de um desabafo ele registrou esse
conflito numa correspondecircncia ao seu amigo Bullinger
Estamos expostos as mais seacuterias dificuldades [] porquanto o povo sacudindo o jugo dos sacerdotes entende que se libertou de toda a autoridade do mundo Muitos cidadatildeos exclamam O conhecimento dos evangelhos nos eacute suficiente sabemos como os devemos ler e nada tendes a ver com nossos atos (GUIZOT 1868 pp 219 220)
Este conflito entre Calvino e Farel de um lado e o povo buscando uma maior
liberdade do outro levou a um enrijecimento40 das partes Eacute claro que natildeo se deve
atribuir a Calvino a paternidade de todos os regulamentos severos de Genebra
havia em outros cantotildees leis austeras naqueles dias41
Assim os homens que se opunham aos reformadores constituiacuteam uma
facccedilatildeo poliacutetica e religiosa Eram denominados libertinos devido as suas ideologias
de liberdade e uma vez livres do bispo natildeo queriam se sujeitar agraves novas leis
votadas
40
Com os novos regulamentos as leis de Genebra se tornaram mais austeras e nem os proacuteprios conselheiros e homens de destaque escapavam das suas penas ―Certo individuo acusado de perjuacuterio foi iccedilado a uma escada por algumas horas tendo a matildeo direita ligada ao alto Um aduacuteltero e sua cuacutemplice foram condenados a passear juntos na cidade um jogador obstinado foi exibido tendo as cartas penduradas ao pescoccedilo uma cabeleireira que havia penteado imodestamente uma jovem esposa foi condenada a dois dias de prisatildeo tambeacutem eram punidos os pais que privavam seus filhos da escola (LESSA 2010 pos 2258) 41
Em Zurique exigia-se a assistecircncia de todas as pessoas ao culto puacuteblico em determinadas horas ―Sob pena de multa era proibido jurar jogar dados e cartas o adulteacuterio era punido com prisatildeo ou exiacutelio Em Basileacuteia era obrigatoacuteria a assistecircncia aos cultos puacuteblicos Nos distritos pertencentes ao governo de Berna as danccedilas eram proibidas [] (LESSA 2010 pos 2247)
40
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Os libertinos tanto da facccedilatildeo poliacutetica como religiosa fizeram liga para se
oporem agraves tendecircncias dos pastores de Genebra Philiberto Berthelier Perrin e
Troillet eram os principais entre os do partido poliacutetico Quintin e Poquet eram chefes
dos Libertinos espirituais (LESSA 2010 pos 2284)
Nas eleiccedilotildees de fevereiro de 1538 os Libertinos obtiveram a maioria no
Conselho o qual logo determinou que o puacutelpito natildeo fizesse alusatildeo aos negoacutecios da
repuacuteblica Em oposiccedilatildeo num domingo de paacutescoa Farel e Calvino pregando
respectivamente nas Igrejas de Satildeo Gervaacutesio e Satildeo Pedro vendo muitos membros
do partido Libertino nos dois templos recusaram-se a celebrar a Santa Ceia
No dia seguinte reuniu-se o Conselho e decretou o banimento dos
reformadores em trecircs dias Desta forma saiacuteram de Genebra Farel e Calvino sendo
que este foi para Estrasburgo e aquele para Neuchacirctel
O banimento suacutebito de Farel e Calvino de Genebra chamou a atenccedilatildeo de
Roma para uma excelente oportunidade que se lhe abria e o cardeal Sadoleto
serviu-se da ocasiatildeo para uma reinserccedilatildeo da Igreja Romana nos negoacutecios religiosos
durante a ausecircncia do reformador (LESSA 2010 pos 3128)
Apoacutes trecircs anos do banimento continuava a reinar o espiacuterito de turbulecircncia e
insubordinaccedilatildeo agraves leis Em setembro de 1540 alguns membros do Conselho
comeccedilaram a formular planos para a revogaccedilatildeo do banimento de Calvino Em maio
1ordm de maio de 1541 o Conselho de Genebra revogou o decreto de 23 de abril de
1538 que bania da cidade Farel e Calvino e solicitou o empenho de Basileacutea Zurich
e da proacutepria Estrasburgo para que o reformador lhes fosse restituiacutedo coisa
conseguida natildeo sem dificuldade Jaacute no caso de Farel Neuchacirctel natildeo consentira em
se separar dele
No dia 13 de setembro de 1541 Calvino retorna a Genebra sendo que dez
dias depois apresentou ao Conselho um projeto contendo cento e sessenta e oito
artigos discutindo e emendando-o ateacute a sua votaccedilatildeo definitiva no dia 2 de janeiro de
154242
Esse projeto foi chamado de Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e tratava-se de um
novo modelo de sistema de governo onde haveria uma maior separaccedilatildeo entre os
assuntos da Igreja e do Estado Agora os pastores mestres diaacuteconos e consistoacuterio43
cuidariam dos assuntos eclesiais e o Conselho dos assuntos estatais
42
Segundo alguns historiadores nesta data instalou-se legalmente a ―Repuacuteblica Calvinista (LESSA 2010 pos 2935) 43
O Consistoacuterio compreendia os pastores e doze leigos nomeados pelo Conselho de Estado Estes leigos eram eleitos pelo periacuteodo de um ano podendo ser reconduzidos os que dessem bom
41
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Este sistema de governo eclesiaacutestico veio a ser adotado nas igrejas
reformadas da Suiacuteccedila da Franccedila da Holanda e da Escoacutecia
Todavia a poliacutetica de controle sobre os indiviacuteduos nas questotildees eclesiaacutesticas
atingiu seu cliacutemax no retorno de Calvino E o caso da execuccedilatildeo do ―herege Miguel
Serveto44 nas palavras do historiador Gonzalez se tornou ―siacutembolo do dogmatismo
riacutegido que reinava na Genebra de Calvino (1989 p 116) foi o ―golpe de
misericoacuterdia no partido dos Libertinos que saiu em defesa de Serveto
Esse sistema riacutegido de controle social proposto na reforma genebrina foi
chamado por Weber de ascetismo extramundano Conforme o autor
A coisa mais importante poreacutem foi o fato de que o homem que par excellence vivia a vida racional no sentido religioso era e continuou sendo monge Assim quando mais o ascetismo estivesse agarrado ao indiviacuteduo servia simplesmente para afastaacute-lo da vida cotidiana jaacute que a tarefa mais santa era definitivamente a de ultrapassar toda a moralidade mundana (2009 p 98)
22 - Aspectos Econocircmicos
Genebra pouco antes da chegada de Calvino possuiacutea entre 10000 a 12000
habitantes Era uma cidade conhecida pelas suas ruas limpas banheiros puacuteblicos e
pelas suas famosas feiras Contudo a sua economia estava em decliacutenio
A partir da segunda metade do seacuteculo XV enfraqueceu-se rapidamente a
atividade comercial Uma das principais razotildees foi a proibiccedilatildeo por parte do rei da
Franccedila Luiz XI de seus suacuteditos frequentarem as feiras de Genebra ndash o intuito era
aumentar o prestiacutegio e importacircncia das feiras de Lyon
Desta forma a cidade entrou num periacuteodo duro de retraccedilatildeo econocircmica
seguido de uma grande pobreza Sua economia estava apoiada na induacutestria de
tecidos (uma das mais lucrativas nos seacuteculos XV e XVI) na fabricaccedilatildeo de peccedilas
indumentaacuterias (chapelarias alfaiatarias sapatarias) e na praacutetica ourives (produccedilatildeo
de baixelas de prata objetos lituacutergicos e joias de toda espeacutecie)
testemunho de sua aptidatildeo O principal papel do Consistoacuterio era o de velar pelas Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e pela manutenccedilatildeo da disciplina O poder ―espiritual do Consistoacuterio demonstrava-se no direito a excomunhatildeo privando o culpado da participaccedilatildeo da Santa Ceia (LESSA 2010 pos 4177) 44
Serveto era meacutedico (descobridor do sistema pulmonar respiratoacuterio) teoacutelogo e filoacutesofo Em sua obra Restituitio questionou o dogma da trindade e afirmou ser este um desvio da igreja no Conciacutelio de Niceacuteia (325 dC) Serveto fora condenado pelo tribunal eclesiaacutestico da Igreja Romana em Viena E veio a Genebra a fim de difundir sua teologia (entre os libertinos) entendendo que Genebra por ter aderido agrave reforma lhe daria maior liberdade na sua teologia Contudo quando Serveto foi assistir um sermatildeo de Calvino (natildeo se sabe se por livre vontade ou por forccedila de lei) ele foi identificado julgado pelo tribunal eclesiaacutestico e uma vez que o mesmo natildeo se retratou de suas ―heresias foi condenado a fogueira em 1553 (DIDE sd p 180)
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Por ocasiatildeo da Reforma a economia genebrina sofreu grandes
transformaccedilotildees Os ourives por proibiccedilatildeo deixaram a fabricaccedilatildeo de objetos
lituacutergicos e por influecircncia dos refugiados abraccedilaram a arte da relojoaria (BIELER
1990 p 217)
As artes graacuteficas tiveram um grande desenvolvimento em funccedilatildeo da
publicaccedilatildeo de material protestante livros catecismos manuais para catecismo
regulamentos e leis Jean Geacuterard se instalou na cidade em 1536 e executou vaacuterias
impressotildees das obras de Calvino Jean Crespin Conrad Badius Robert Eacutetienne e
outros menos conhecidos todos refugiados introduziram em Genebra o que a
tipologia parisiense produzia de melhor
Outros ofiacutecios foram impulsionados pelos refugiados Um refugiado em Lyon
colocou seus preacutestimos agrave disposiccedilatildeo da Magistratura para estabelecer em Genebra
manufaturas de tecidos em seda
O nuacutemero de meacutedicos aumentou de 3 para 15 e quase que organizaram o
ensino da medicina na Academia de Genebra Os boticaacuterios passaram a reter a
riqueza e a alta posiccedilatildeo social que tinham anteriormente ao decliacutenio isto devido ao
comeacutercio droguista e de especiarias Contavam-se 96 boticaacuterios residindo em
Genebra de 1536 a 1569 para uma demanda de cerca de 15000 habitantes O
Estado interviu sobre as praacuteticas meacutedicas e sancionou no dia 11 de maio de 1569
as ordenanccedilas sobre a medicina farmaacutecia e cirurgia
O exerciacutecio da magia e do curandeirismo foi proibido por lei os meacutedicos eram
obrigados a visitarem gratuitamente os doentes pobres da zona em que residiam e
as boticas eram regularmente visitadas e fiscalizadas Os honoraacuterios meacutedicos foram
estabelecidos e apoacutes enormes devastaccedilotildees da peste de 1570 o Conselho fixou por
seis sous a visita realizada por cada cliacutenico
Haacute a inferecircncia de que a criaccedilatildeo do Banco de Genebra45 teria produzido um
maior impacto na economia bem como a sua poliacutetica na cobranccedila dos juros A
cobranccedila de juros em Genebra foi praticada desde haacute muito tempo antes da
Reforma
Contudo a Igreja Romana em seus cacircnones sempre se opocircs fortemente a
este tipo de cobranccedila O Conciacutelio de Latratildeo (1179 dC) ameaccedilou de excomunhatildeo os
45
Haacute controveacutersias quanto a criaccedilatildeo do Banco de Genebra Andreacute Bieacuteler pastor e doutor em Ciecircncias Econocircmicas afirma que em 1568 houve a tentativa frustrada de criaccedilatildeo de um Banco em Genebra para-se preservar o valor do dinheiro tomado de empreacutestimo de Basileacuteia em vista da guerra (BIELER 1990 p 239) Jaacute o teoacutelogo e historiador da Reforma Ernest Troeltsch (1958 p 132) entende que na eacutepoca de Calvino houve o estabelecimento do Banco de Genebra
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usuraacuterios manifestos (que praticavam usura) e lhes recusou um sepultamento
cristatildeo
Em 1272 Gregoacuterio X ordenou aos soberanos expulsarem em trecircs meses
todos os usuraacuterios estrangeiros em seus Estados Em 1312 Clemente V condenou
os estatutos municipais que autorizam o empreacutestimo a juros E o Conciacutelio de Viena46
(1331 dC) autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguirem os cristatildeos que
praticassem usura
Por sua vez Calvino fez uma distinccedilatildeo entre banqueiros e usuraacuterios e
defendeu a legalizaccedilatildeo da taxa de juros Neste ponto ele natildeo soacute rompeu com a
teologia da Igreja Romana mas tambeacutem se distanciou de Lutero47 (WEBER 2000
p55)
Calvino foi o primeiro teoacutelogo a admitir esse tipo de empreacutestimo exonerando-o
do oproacutebrio moral (BIEacuteLER 1990 p 239) Contudo pressentindo a gama de males
sociais que o liberalismo econocircmico poderia trazer o reformador propocircs uma
regulamentaccedilatildeo da taxa de juros Fixando em 5 aa em 19 de fevereiro de 1544 e
depois em 666 aa para os anos seguintes Esta barreira deveria inibir de
imediato o empreacutestimo a juros em Genebra e o surgimento de usuraacuterios e agiotas
profissionais aos quais o reformador era estritamente oposto
Esta nova matiz econocircmica de Calvino provocou uma seacuterie de criacuteticas para
os economistas estabelece-se aqui um ponto de virada para o capitalismo liberal
Weber identifica este ethos capitalista do protestantismo com o seguinte conceito de
capitalismo puro
Lembra-te de que o dinheiro eacute de natureza proliacutefica procriativa O dinheiro pode gerar dinheiro e seu produto pode gerar mais e assim por diante Cinco xelins em giro satildeo seis novamente empregados satildeo sete e trecircs pence e assim por diante ateacute atingir cem libras Quanto mais houver dele mais ele produz em cada turno de modo que o lucro aumenta cada vez mais rapidamente (2000 p 29)
O combate agrave pobreza foi outra accedilatildeo que produziu seus efeitos na economia
genebrina Para tanto foram criados dispositivos legais (poliacuteticas puacuteblicas) para o
46
O Conciacutelio de Viena de 1331 autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguir os cristatildeos que praticassem a usura (cobranccedila de juros) A igreja condenava o usuraacuterio porque ele ganhava sobre um tempo que natildeo lhe pertencia o fruto de seu dinheiro natildeo vinha de um trabalho suado pois o seu ganho pressupotildee uma hipoteca sobre um tempo que soacute a Deus pertence 47
Lutero julgou que cobrar juros estaacute em oposiccedilatildeo aos mandamentos divinos Juros altos que conforme Lutero comeccedilam com 5 ao ano prejudicam o devedor da mesma forma como o furto e o roubo Ele foi realista o suficiente para reconhecer que a cobranccedila de juros eacute necessaacuteria na economia mas disse ao mesmo tempo ―Ai dos que cobram juros
44
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combate agrave pobreza Eles se apoiavam em conceitos teoloacutegicos para fundamentar a
perpeacutetua desigualdade econocircmica48 social
No periacuteodo que esteve em Estrasburgo Calvino defrontou-se com problemas
sociais agudos com uma comunidade de refugiados desprovida de recurso Em
Genebra nas ordenanccedilas ele instituiu a Diaconia como oacutergatildeo de ajuda assistencial
Contudo natildeo bastava simplesmente propiciar aos pobres ajuda material dever-se-ia
dar aos necessitados os meios por si mesmos para saiacuterem de sua condiccedilatildeo
Mestres eram incumbidos da instruccedilatildeo das crianccedilas os enfermos e invaacutelidos
deveriam ser reeducados profissionalmente e a cada domingo eles eram
examinados para avaliar em que condiccedilotildees de trabalho se encontravam
Aos refugiados esforccedilavam-se por todos os meios por oferecer-lhes trabalho
remunerado Aqueles que natildeo achavam emprego em sua profissatildeo destinavam-se
provisoriamente agrave obra de construccedilatildeo das fortificaccedilotildees
Calvino tambeacutem combateu veementemente o oacutecio e a vadiagem De acordo
com suas convicccedilotildees teoloacutegicas o ser humano encontra no trabalho a plena
realizaccedilatildeo da vontade divina De forma que a ociosidade eacute um tipo de alienaccedilatildeo
contraacuteria agrave natureza humana Significa a recusa pelo homem de sua vocaccedilatildeo divina
sua ruptura com Deus uma ofensa a Deus O trabalho traz a becircnccedilatildeo divina
enquanto o oacutecio a sua maldiccedilatildeo
Em Genebra o reformador empenhou-se para coligir a seguinte lei de
repulsatildeo a ociosidade49
Os vagabundos decretado que se faccedila proclamaccedilatildeo puacuteblica de que todos os vagabundos estrangeiros que natildeo tenham meios de ganhar a vida sejam obrigados a deixar a cidade em trecircs dias e os outros todos da cidade devem trabalhar cada um em sua profissatildeo sob pena de serem postos em prisatildeo (BIEacuteLER 1990 p 222)
Este dispositivo legal trouxe a Genebra um impulso capitalista por meio da
nova visatildeo do trabalho De acordo com Calvino natildeo haveria trabalho insignificante
na sociedade ―Se seguirmos fielmente o nosso chamado divino receberemos o
48
Calvino possuiacutea o conceito teoloacutegico de que se Deus o quisesse teria uma abundacircncia de posses e de dinheiro e de tudo que eacute desejaacutevel de sorte que haveria igual medida entre todos Deus poreacutem soubera porque assim se fez que haja pobreza e riqueza e mesmo que ateacute o fim do mundo assim haveraacute de ser Caberia aos pobres crer no sustento divino e serem instrumentos de provaccedilatildeo aos ricos Caberia tambeacutem aos ricos administrar corretamente os bens que lhes foram confiados estando entre estes os pobres 49
Nesta mesma eacutepoca o rei Francisco I declarou guerra aos vagabundos ociosos e outros pedintes que enchiam as ruas e as praccedilas Ao inveacutes de prover-lhes ajuda material e meios de encontrar emprego foram reduzidos a trabalhos forccedilados trabalharam agrilhoados dois a dois sobre a ameaccedila do chicote ou da prisatildeo em obras de utilidade puacuteblica remoccedilatildeo de lama e imundiacutecies limpeza de valados reparo em muralhas de fortificaccedilotildees
45
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consolo de saber que natildeo haacute trabalho insignificante ou nojento que natildeo seja
verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus (COSTA 2006 p
284)
O trabalho quando exercido em sua plenitude redundaria ―na gloacuteria de
Deus independente da funccedilatildeo do trabalhador Weber numa anaacutelise do
protestantismo aponta para este fenocircmeno com a seguinte afirmaccedilatildeo
[] o homem deve para estar seguro de seu estado de graccedila ―trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado Natildeo eacute pois o oacutecio e o prazer mas apenas a atividade que serve para aumentar a gloacuteria de Deus de acordo com a inequiacutevoca manifestaccedilatildeo da Sua vontade (1990 p112)
Desta forma a assimilaccedilatildeo desse conceito teoloacutegico e a sua aplicaccedilatildeo na
principal fonte de produccedilatildeo de riquezas ndash o trabalho tornou-se alavanca para o
desenvolvimento do capitalismo em sua forma seminal em Genebra bem como os
paiacuteses que adotaram a poliacutetica e feacute calvinista
Ao chegar em Genebra Calvino propocircs ao Conselho um plano que incluiacutea a
criaccedilatildeo de uma escola para todas as crianccedilas da cidade Dessa proposta surgiu o
Collegravege de la Rive (1537) e ao exemplo deste coleacutegio com o retorno de Calvino
apoacutes seu banimento foram organizados outros quatro em outras quatro regiotildees da
cidade
Os alunos do Collegravege de la Rive foram divididos em quatro seccedilotildees de acordo
com as suas residecircncias nos quatro departamentos da cidade e foram classificados
em sete graus desde os iniciantes ateacute aos da graduaccedilatildeo
Mais tarde em 1559 foi inaugurada a Academia de Genebra sendo o seu
primeiro reitor Theodoro de Beza A escola jaacute estava em funcionamento antes
mesmo das construccedilotildees e funcionou a princiacutepio de forma precaacuteria
O ensino na instituiccedilatildeo foi dividido em duas partes Shola Privata ou coleacutegio
ndash onde em cada ano no final de abril o aluno apresentava um ensaio em francecircs e
se aprovado deveria traduzi-lo para o latim (LEWIS 1996 p 42) e Shola Publica
uma continuaccedilatildeo do coleacutegio que fornecia estudos em niacutevel superior onde a ecircnfase
recaiacutea no estudo das Artes e da Teologia
A Academia iniciou suas atividades com 600 alunos no primeiro ano
aumentando no segundo ano para 900 em funccedilatildeo de alunos estrangeiros vindos da
Franccedila Holanda Alemanha Itaacutelia e de outras cidades da Suiacuteccedila
Quando Calvino faleceu estavam matriculados cerca de 1500 alunos e em
poucos anos a Academia se tornou em Universidade Desta forma os genebrinos
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puderam oferecer aos seus filhos educaccedilatildeo com qualidade o que sem duacutevida veio
a contribuir para o desenvolvimento da proacutepria cidade
Weber aponta para uma relaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo acadecircmica e o acuacutemulo de
riquezas fazendo a comparaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo de catoacutelicos e protestantes na
Bavaacuteria e na Hungria E conclui que a escolha das profissotildees por catoacutelicos e
protestantes foi pautada pelo ethos religioso da famiacutelia Sendo que enquanto os
catoacutelicos demonstraram maior predileccedilatildeo pelo artesanato os protestantes possuiacuteam
predileccedilatildeo pelas faacutebricas (2000 p 21 22)
Certamente a poliacutetica educacional calvinista constituiu-se numa das
sementes para o desenvolvimento do capitalismo genebrino que se expandiu para
outros paiacuteses
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Observamos na reforma protestante de Genebra uma espeacutecie de laboratoacuterio
em plano piloto daquilo que o protestantismo causaria na Europa no seacuteculo XVI e
XVII Os itens mencionados por Weber como sementes do capitalismo moderno
podem ser encontrados na Genebra protestante O sistema de governo riacutegido a
criaccedilatildeo de um Banco Estatal legalizaccedilatildeo e controle da taxa de juros uma visatildeo
religiosa do trabalho a assistecircncia social e o investimento na educaccedilatildeo favoreceram
grandemente o desenvolvimento dessa cidade
Todos esses itens somados ao ascetismo protestante culminaram no acuacutemulo
de riquezas Foi a partir desta experiecircncia sustenta Troeltsch (1958 p 134135)
que o capitalismo se infiltrou na moral de todos os paiacuteses que vieram abraccedilar o
calvinismo
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BIELER Andreacute O pensamento econocircmico e social de Calvino 2a Ed Satildeo
Paulo Editora Cultura Cristatilde 1990
CAIRNS Earle Edwin O cristianismo atraveacutes dos seacuteculos Satildeo Paulo
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CALVINO Joatildeo As Institutas ou tratado da religiatildeo cristatilde 2a Ed Satildeo
Paulo Casa Editora Presbiteriana 1985
As Institutas ou tratado da religiatildeo cristatilde Satildeo Paulo Casa Editora
Presbiteriana 1989
COSTA Hermisten Maia Pereira Eu creio no Pai no Filho e no Espiacuterito
Santo Satildeo Paulo Parakletos 2002
_________________ Calvino de A a Z Satildeo Paulo Editora Vida Nova 2006
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_________________ Joatildeo Calvino 500 anos - introduccedilatildeo ao seu pensamento
e obra Satildeo Paulo Editora Cultura Cristatilde 2009
DIDE Augusto Miguel Servet y Calvino Valencia F Sempere sd
GONZALEZ Justo L A era dos reformadores Satildeo Paulo Ediccedilotildees Vida
Nova 1989
GUIZOT M Saint Louis and Calvin London Macmillan amp Co Publishers
1868
LESSA Vicente Themudo Joatildeo Calvino sua vida e sua obra Brasiacutelia
Editora Monergismo (Kindle) 2010
LEWIS Gillian The Geneva Academy In PETTEGREE Andrew (Ed)
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TROELTSCH Ernest Protestantism and Progress 2a Ed Boston Beacon
Press 1958
WEBER Max A eacutetica protestante e o espiacuterito do capitalismo 6a ediccedilatildeo
Satildeo Paulo - SP Editora Martin Claret 2009
Autor ndash Dr Ceacutesar Rocha Lima
Docente FATEJ FADISA Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu Doutor em Ciecircncias Humanas FFLCH-USP ndash Universidade de Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncias pela UNIFESP Universidade Presbiteriana Licenciatura em Ciecircncias Sociais ndash Universidade Metodista de Satildeo Paulo Bacharelado em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pesquisador Grupos GAIA ndash USP (Grupo de Antropologia e Interdisciplinaridade Ambiental e Agraacuteria) Pesquisador NEP ndash Mackenzie (Nuacutecleo de Estudos do Protestantismo) Estuda o Islamismo no Brasil rochalimauspbr
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A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA
ldquoO amor eacute filho da pobreza e da riqueza da pobreza porque
constantemente pede e da riqueza porque constantemente se daacuterdquo
Platatildeo
RESUMO
Este artigo propotildee uma breve reflexatildeo sobre os conceitos de pobre e Messias
no Antigo Testamento e a relaccedilatildeo que existe entre ambos Dialogamos sobre trecircs
tipos de pobre que se concentram na classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres
escasseados os quais satildeo considerados juriacutedica e economicamente fracos
Mostramos o rei Davi como um messias em seu tempo e logo apoacutes mostramos
Jesus Cristo como o cumprimento cabal da figura messiacircnica Jesus Cristo o
Messias Tambeacutem analisamos de forma sucinta a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e
igreja e qual a posiccedilatildeo dessas em relaccedilatildeo ao pobre e marginalizado Alguns
referenciais que nos auxiliam nessa pesquisa satildeo Milton Schwantes Joseacute Luiacutes
Sicre entre outros
Palavras chave Pobre Messias Jesus Esperanccedila Igreja
ABSTRACT
This article proposes a brief reflection on the concepts of poor and Messiah in
the Old Testament and the relationship that exists between them We talk about
three types of poor that focus on the class of workers and scarce free citizens who
are considered legally and economically weak We show King David as a messiah in
his day and soon after we show Jesus Christ as the full fulfillment of the messianic
figure Jesus Christ the Messiah We also succinctly analyze the relationship
between the poor society and the church and their position on the poor and
marginalized Some references that help us in this research are Milton Schwantes
Joseacute Luiacutes Sicre among others
Keywords Poor Messiah Jesus Hope Church
autor Ebson de Sousa
ebsonsousayahoocombr
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INTRODUCcedilAtildeO
Neste artigo nos propomos a analisar os conceitos de pobre e Messias no
tempo veterotestamentaacuterio e tambeacutem Davi como um tipo de Messias e Jesus
como o Messias mostrando seus significados em sua etimologia e seus
desdobramentos
Ainda analisaremos a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e observar
como os pobres e marginalizados se tornaram um grande desafio para a
sociedade principalmente para a igreja como uma organizaccedilatildeo que tecircm sido
indiferente em relaccedilatildeo a essa classe desfavorecida Tal realidade desafia a igreja
a se posicionar e ser o verdadeiro veiacuteculo do Evangelho de Jesus Cristo
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO
O objetivo deste artigo eacute esclarecer de uma forma simples e objetiva o
conceito de pobre e messias no periacuteodo veterotestamentario qual o significado
desses termos e seus desdobramentos
Destaca-se tambeacutem uma pessoa de estimada relevacircncia nos tempos do
Antigo Testamento o rei Davi Pois a pessoa do rei Davi tem em sua
personalidade cuja relevacircncia aponta para o aacutepice da figura messiacircnica sendo
uma pessoa que representou esperanccedila messiacircnica aos menos favorecidos de
seu tempo
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento
A palavra ldquopobrerdquo pode ser usada como adjetivo e substantivo como adjetivo
ela tem a funccedilatildeo de qualificar caracterizar ou classificar o substantivo quando
localizada ao lado deste o pobre eacute visto como aquela pessoa que natildeo tem o que
eacute necessaacuterio agrave vida ou seja eacute aquela pessoa que seus bens satildeo inferiores agraves
suas necessidades (FABRIS 1991)
Haacute trecircs classes de pobres que podemos mencionar as quais as narrativas
biacuteblicas identificam como grupos de pessoas que satildeo juriacutedica e economicamente
fracos os quais satildeo trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados abandonados
e marginalizados puacuteblicos e por fim os escravizados (SANTOS 2009)
Queremos aqui destacar apenas trecircs tipos de pobres que se concentram na
classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados dentre vaacuterios existentes
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nos textos biacuteblicos do cacircnon sagrado os quais satildeo dal (lD) ebyon (wOyba) e
bdquoani (עני)
Dal (lD) se refere aquele pobre que tem falta de bens materiais e de poder
social essa pessoa eacute considerada como das classes mais pobres de Israel (cf Rs
2414 2512) Observamos isso quando Gideatildeo tentou recusar a escolha divina
para que ele fosse libertar Israel (Jz 615) Portanto dal nos traz a ideia de
humildade mas voltado para o sentido de privaccedilatildeo consequente agrave condiccedilatildeo de
pobreza em excesso ao seu estado de miseacuteria (HARRIS 1998)
Vejamos algumas passagens biacuteblicas onde a palavra dal aparece
lD II ndash uma formaccedilatildeo verbal de qll ndash encontra-se 48 vezes no AT a construccedilatildeo feminina לה II 4 vezes (2Rs 2414 2512 Jr 407 ד5216) e o verbo mediae geminatae דלל I ocorre 7 vezes (Jz 66 Is 174 196 3814 Sl 798 1166 1427) Com maior frequecircncia ל דocorre em Proveacuterbios 15 vezes (Pv 1015 1431 19417 2113 2291622 (duas vezes) 28381115 29714) Nos ditos profeacuteticos ל eacute encontrado 11 vezes (Am 27 41 511 86 Is ד102 114 1430 254 266 Sf 312 54 [+ 2 vezes דלל Is 174 196]) nos Salmos 6 vezes (Sl 412 7213 823s 1137 1Sm 28 [+ 4 vezes דלל Sl 798 1166 1427 Is 3814]) no livro de Joacute 6 vezes (Joacute 516 201019 3116 341928) nos textos legais ל דaparece 4 vezes (Ecircx 233 3015 Lv 1421 1915) (SCHWANTES 2013 p 2425)
Seu estado de pauperismo era tatildeo claro que dessas pessoas natildeo se exigia
ofertas caras para o templo ofertas essas que todo israelita deveria levar cada
qual a sua (Lv 1421) (SIQUEIRA 2005)
Observa-se que a palavra dal estaacute ligada a raiz hebraica dalal e traz o
sentido de uma pessoa que para a sociedade em que ela ―esta inserida eacute um ser
despreziacutevel insignificante um ser fraco o qual sua existecircncia eacute totalmente
despercebida e parte desse grupo eacute o proletariado rural (GELIN 1973)
Ebyon ( ןאביו ) fala daquele que se tornou destituiacutedo eacute aquela pessoa que
perdeu seus bens por algum motivo ou seus bens foram tomados de si
(SIQUEIRA 2005)
Nota-se que esse tipo de pobre tambeacutem pode ser considerado como o
―desejoso pois mesmo sendo considerado um pobre destituiacutedo percebe-se nele
uma espera uma suacuteplica ou seja uma pessoa que implora a caridade publica
para que as pessoas de melhores condiccedilotildees de vida olhem para eles e os
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ajudem para que assim possam ter o miacutenimo para sobreviver (Ecircx 23611)
(GELIN 1973)
Observemos algumas passagens biacuteblicas onde aparece a palavra ebyon
O substantivo e adjetivo אביון ocorrem 61 vezes respectivamente 62 vezes no Antigo testamento com maior frequecircncia apresenta-se o Salteacuterio com 23 vezes (respectivamente 24 vezes) Sl 919 126 3510 3714 4018 493 6934 706 7241213 (2 vezes) 7421 824 861 10741 109162231 11219 1137 12315 14013 [+ 412] a esta lista pertencem tambeacutem 1Sm 28 (= Sl 1137) Jr 2013 Ainda sob influencia clara dos salmos estatildeo passagens como Is 1430 254s (2919) Joacute 515 Na literatura profeacutetica אביון ocorre 17 vezes das quais algumas passagens vem determinadas pelo contexto de salmos (Am 26 41 512 846 Is [1430 254 2919] 327 Jr 234 528 [2013] 2216 Ez 1649 1812 2229 (Dt-) Is4117) em textos legais o verbete aparece 9 vezes (Ecircx 23611 Dt 1547 (2 vezes) 9 11 (2 vezes) 2414 no livro de Joacute 6 vezes (515 24414 2916 3025 3119) nos Proveacuterbios 4 vezes (1431 3014 31920) e 1 vez em Ester (922) (SCHWANTES 2013 p 33)
Fabris tem ebyon como ―mendigo um pedinte aquela pessoa que estende
a matildeo para pedir demostrando sua necessidade seu estado de miserabilidade
(FABRIS 1991)
bdquoani (עני) seu significado estaacute mais voltado para o tipo de pobre que sofre de
alguma incapacidade fiacutesica ou afliccedilatildeo segundo Siqueira (2005) esta afliccedilatildeo eacute
gerada pelo seu estado de miseacuteria e dependecircncia bdquoani em alguns casos pode ter
algum tipo de relaccedilatildeo com dal ou ebyon poreacutem essa palavra remete a um tipo
diferente de pobre porque ela nos daacute a ideia de algum tipo de disfunccedilatildeo fiacutesica ou
afliccedilatildeo (HARRIS 1998)
bdquoanah II eacute a raiz da palavra bdquoani a qual nos traz o significado de ―estar
encurvado inclinado abaixado e importunado Humilhados como tambeacutem assim
satildeo conhecidos sua limitaccedilatildeo fiacutesica estaacute relacionada com seu estado de
capacidade de vigor de valores que foram reduzidos devido as situaccedilotildees as
quais os envolveram situaccedilotildees essas que poderiam ser passageiras ou
permanentes tais como pobreza econocircmica doenccedila eou prisatildeo (GELIN 1973)
Segundo Fabris (1991 p 13) estes problemas estatildeo relacionados agraves
condiccedilotildees econocircmicas e culturais as quais oprimem e submetem pessoas ao
trabalho forccedilado sob maus tratos
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Consideremos algumas passagens biacuteblicas onde podemos observar a
presenccedila da palavra bdquoani
Acima de todos os conceitos para a designaccedilatildeo de pobre no AT a formaccedilatildeo a partir do qatil עני e a formaccedilatildeo a partir do qatal ענן ocorrem com maior frequecircncia 92 vezes no hebraico e 1 vez no aramaico biacuteblico (54 עני vezes 19 ענייםx no qal 1 ענו vez no qal vezes no qal) A metade de todas as referencias 19 ענויםencontram-se nos Salmos עני encurvado oprimido (Sl 102 [2 vezes] 146 1828 2225 2516 347 3510 [2 vezes] 3714 4018 6811 6930 706 7212 7421 823 861 8616 1021 1091622 14013 acrescentando-se ainda 2Sm 2228 [=Sl 1828] Hc 314 [ Sl 2222] עניים (Sl 913 [Kittel = K] 1012[K] נויםע (7419 7224 126 (Sl 919 [K] 1017 2227 259 [2 vezes] 343 3711 6933 7610 1476 1494) Igualmente sob a influencia dos Salmos encontram-se claramente Nm 123 Is 1432 266 2919 4117 4913 622 Sf 23 Zc 99 ( Pv 334) (SCHWANTES 2013 p 3839)
Segundo Harris (1998 p1653) esta questatildeo de privaccedilotildees materiais e as
dificuldades estatildeo relacionadas agrave opressatildeo social Haacute uma relaccedilatildeo muito forte
entre a afliccedilatildeo fiacutesica e a espiritual (Sl 2424) e haacute casos em que a afliccedilatildeo interior
eacute provocada pela exterior gerando um pedido de socorro a Deus
Assim observamos de forma simples e objetiva o conceito de pobre no
Antigo Testamento mais especificamente sobre trecircs tipos de pobres que se
concentram na classe de trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados os quais
satildeo dal ebyon e bdquoani A seguir falaremos sobre o conceito de Messias (maxiah -
o qual eacute a fonte geradora de esperanccedila para as classes desfavorecidas os (משיח
pobres
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento
O nome messias (maxiahungido - משיח) substantivo hebraico tem sua
origem na raiz mxh que tem por significado ungir untar Esse termo maxiah foi
usado pelos textos biacuteblicos canocircnicos de duas formas como verbo na forma
passiva e como substantivo (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como verbo foi usado na forma passiva tal como em 2 Samuel 121
―Montes de Gilboa natildeo caia sobre voacutes nem orvalho nem chuva nem haja aiacute
campos que produzam ofertas pois neles foi profanado o escudo dos valentes o
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escudo de Saul que jamais seraacute ungido com oacuteleo isso denota uma accedilatildeo uma
atitude (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como substantivo teve um significado profundamente teoloacutegico no
Antigo Testamento O verbo na forma passiva maxiah passou a ser substantivo
apoacutes a morte do rei Davi Com isso a palavra maxiah messias passou a ser um
tiacutetulo como em 1 Samuel 166 ―Sucedeu que entrando eles viu a Eliabe e disse
consigo Certamente estaacute perante o Senhor o seu ungido Esse tiacutetulo agora
reconhece condiccedilatildeo do rei e o autentica como eleito de Deus para mediar Sua
becircnccedilatildeo em prol do povo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Harris (1998 p885) essa palavra maxiah ocorre cerca de 40
vezes no Antigo Testamento e foi utilizada como substantivo como citamos
acima mas tambeacutem como adjetivo com a funccedilatildeo de classificar caracterizar ou
qualificar o substantivo Os textos em que mais aparece estatildeo em 1 e 2 Samuel e
Salmos
Existem alguns nomes que indicam como o messias era caracterizado no
tempo veterotestamentario Queremos citar aqui apenas trecircs deles os quais satildeo
Emanuel ou Imanuel (Menino) Melquisedeque e Filho de Davi
121 Emanuel Imanuel (menino)
Deus pronunciou em suas primeiras promessas aos hebreus algo que
nenhum outro deus do Oriente Meacutedio havia pronunciado aos que criam neles Em
Gn 177 Deus afirmou a Abraatildeo que estaria com ele e com sua descendecircncia
perpetuamente Em momentos de dificuldade (Gn 2815) Deus reafirma sua
presenccedila proteccedilatildeo e sua benccedilatildeo sobre a vida de Jacoacute ateacute que se cumpra na
vida dele aquilo que Deus havia lhe prometido A Moiseacutes em Ecircxodo 312 Deus
reafirma sua presenccedila com ele e lhe faz uma promessa concretizada
demonstrando de forma clara que natildeo o desampararia mas sempre estaria com
ele (SIQUEIRA 2005)
Com a realizaccedilatildeo das promessas proferidas de Deus ao povo fez com que a
confianccedila do povo aumentasse como nos mostra o Salmo 136 que diz que cada
ato criacionista ou salviacutefico de Deus eacute porque Sua misericoacuterdia dura para sempre
Demonstrando assim Sua presenccedila e Seu cuidado de forma real entre Seu povo
E eacute a partir desse sentimento de feacute que o profeta Isaiacuteas insatisfeito com as
atitudes dos reis da linhagem de Davi atitudes pecaminosas que se sucediam a
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cada dia que ele profetizou a chegada de um menino chamado lsquoImanu‟el (lrm נו עמ
ל Imanu‟el significa Conosco estaacute Deus este nome eacute a junccedilatildeo da preposiccedilatildeo‟ (א
‟im o pronome nu e o substantivo ‟el (SIQUEIRA 2005)
Precisamos observar o contexto em que esta palavra estava inserida para
melhor compreensatildeo da mesma Israel e a Siacuteria anelaram fazer uma alianccedila com
Judaacute a fim de se oporem a Assiacuteria Poreacutem Judaacute hesitou e Israel e a Siacuteria
resolveram castiga-la e ao ouvir isto Acaz rei de Judaacute se amedrontou Com isso
Isaiacuteas lhe avisou que natildeo devia temer pois logo seus inimigos seriam derrotados
e lhe disse que pedisse um sinal de Deus mas logo o rei Acaz recusou por causa
da sua incredulidade (DOUGLAS 2006)
Segundo Siqueira (2005 p102) Isaiacuteas profetizou o nascimento do menino
‟Imanu‟el devido agrave incredulidade do rei Acaz em relaccedilatildeo ao sinal de Deus (Is 710-
17) que traria salvaccedilatildeo ao povo inseguro e aflito que vivia em Jerusaleacutem
portanto a chegada do menino lsquoImanu‟el era um juiacutezo sobre os reis que natildeo
creram e foram infieacuteis a Deus
Em Isaiacuteas 715-16 fala que a infacircncia do ―Menino-Deus era o tempo de
medida ateacute que os reis que amedrontaram Acaz fossem destruiacutedos poreacutem Acaz
recusou o sinal do ‟Imanu‟el e se voltou ao rei da Assiacuteria essa atitude de Acaz e
seus sucessores causaram a ruiacutena de Judaacute poreacutem a promessa do ‟Imanu‟el
estava de peacute por aqueles fieacuteis a Deus o remanescente pois em ‟Imanu‟el estaacute agrave
esperanccedila e salvaccedilatildeo (DOUGLAS 2006)
122 Melquisedeque
Melquisedeque nome que aparece no texto biacuteblico no livro de Genesis
1418-20 nos traz o significado meu rei eacute sedeq pois sedeq significa justiccedila
Esse nome demonstra claramente o desejo do povo de um rei justo que
praticasse a justiccedila em seu governo Justiccedila no contexto biacuteblico significa salvar e
libertar as pessoas de qualquer tipo de opressatildeo que elas sofrem ou podem
sofrer (SIQUEIRA 2005)
Melquisedeque era sacerdote do Deus Altiacutessimo rei de Saleacutem
Melquisedeque levou patildeo e vinho a Abraatildeo quando voltava da batalha de
Quedorlaomer e recebeu os diacutezimos que Abraatildeo lhe ofereceu (SANTOS 2011)
Segundo Santos (2011 p319) no Salmo 1104 Jesus eacute narrado como
sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque Jaacute em Hebreus capiacutetulos
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5 6 e 7 vai fazer-se uma relaccedilatildeo entre Melquisedeque e Jesus mostrando que
Jesus eacute a figura perfeita do sacerdoacutecio de Melquisedeque o qual foi apenas a
sombra desse sacerdoacutecio perfeito de Jesus Essa relaccedilatildeo demonstra quatro
singularidades ―1 Natildeo segundo a ordem leviacutetica 2 Tem superioridade sobre
Abraatildeo 3 Natildeo se conhecendo seu principio e seu fim 4 E natildeo soacute eacute sacerdote
mas tambeacutem rei de paz e justiccedila
Segundo Douglas (2006 p856) no Salmo 1104 um rei da linhagem de Davi
eacute declarado por juramento divino como sacerdote para sempre segundo a ordem
de Melquisedeque Jesus e seus coetacircneos reconheceram esse rei como sendo o
Messias Daviacutedico (Mc 1235s) ―Se Jesus eacute o Messias Daviacutedico entatildeo ele eacute o
sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque
123 Filho de Davi
Como diz Siqueira (2005 p103104) ―A expressatildeo filho de Davi eacute um entre
tantos tiacutetulos messiacircnicos atribuiacutedos a Jesus (Mt 927 1223 1522) e podemos
observar por dois pontos de vista diferentes a razatildeo e a origem desta epiacutegrafe
A primeira se daacute no conhecimento que o povo judeu tinha em relaccedilatildeo agraves
promessas de Deus escritas no Antigo Testamento onde diz Davi e sua
posteridade teriam um governo perpeacutetuo Em 587 aC houve o fim da monarquia
poreacutem parte do povo continuou crendo nas promessas de Deus de que algueacutem
da linhagem de Davi viria restaurar o reino de Israel atraveacutes da forccedila do exeacutercito
e da forccedila poliacutetica ou seja um Filho de Davi poliacutetico e guerreiro (SIQUEIRA
2005)
A segunda forma de se observar o tiacutetulo Filho de Davi eacute observando o povo
que conheceu ouviu e andou com Jesus Pois atraveacutes das atitudes e palavras de
Jesus esse povo tambeacutem reconhecia em Jesus o Filho de Davi natildeo como um
guerreiro e politico mas sim como um pastor aquele que socorre levando paz e
vida para as pessoas (Jo 1011) E este grupo afirmava que sua origem natildeo era
de Beleacutem (SIQUEIRA 2005)
Pudemos observar as origens e conceito do termo pobre e messias no
primeiro testamento e seus desdobramentos Observamos tambeacutem algumas
caracterizaccedilotildees do Messias no Antigo Testamento agora veremos como surge
esse messianismo a figura principal do Messias no primeiro testamento e Jesus
Cristo como o verdadeiro Messias
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2 MESSIANISMO E MESSIAS
O messianismo pode ser entendido de duas formas Haacute aqueles veem o
messianismo como o fundamento e a esperanccedila do Antigo Testamento o qual o
personagem central dessa esperanccedila eacute um personagem futuro que traraacute a
redenccedilatildeo Poreacutem existem aqueles que acreditam que esse fundamento de um
mundo melhor em todos os aspectos natildeo eacute futuro e sim no presente (SICRE
2000)
De forma geral o movimento messiacircnico eacute definido como um movimento
Em que um nuacutemero maior ou menor de pessoas em estado de grande exaltaccedilatildeo emotiva provocada pelas tensotildees sociais se reuacutenem no culto a um indiviacuteduo considerado portador de poderes sobrenaturais e se mantem reunidos na esperanccedila miacutestica de que seratildeo salvas de uma cataacutestrofe universal e (ou) ingressaratildeo ainda em vida num mundo paradisiacuteaco a terra sem males o reino dos ceacuteus a cidade ideal (QUEIROZ 1966 p 287)
Segundo Sicre (2000 p16-18) Flusser um judeu diz que o Messias eacute um
descendente de Davi carismaacutetico que quebraria o jugo que estava sobre os
judeus e reinaria sobre o reino de Israel Jaacute para Mowinckel cristatildeo protestante o
Messias eacute um personagem escatoloacutegico Todavia quando o Messias aparece nos
textos sejam canocircnicos ou extra canocircnicos normalmente ele aparece como um
rei da linhagem de Davi unindo as duas caracteriacutesticas poliacutetica e religiosa Sicre
afirma que a ideia messiacircnica estaacute ligada ao rei e Davi eacute o personagem principal
dentre os reis de Israel
21 - Messias e Davi
Na histoacuteria de Israel e Judaacute o rei eacute a figura mais importante da eacutepoca da
monarquia inclusive mais importante do que o sumo sacerdote (SICRE 2000)
Segundo esse mesmo autor (2000 p49) a unccedilatildeo privada de Davi em 1Sm
161-13 o fez destacar dos demais pois o texto diz que o ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo se
apoderou de Davi Isso demonstra que Davi jaacute natildeo era mais uma pessoa simples
como as outras mas sim o ldquoUngidordquo do Senhor designado para ser rei em Israel
Schwantes diz sobre o Salmo 2 mas em relaccedilatildeo ao Ungido que este tem
um relacionamento muito estreito com Javeacute ao ponto de Javeacute o chamar de ldquofilhordquo
(v7) Fato eacute que essa filiaccedilatildeo fiacutesica divina faz parte das tradiccedilotildees do Antigo
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Oriente poreacutem essa filiaccedilatildeo estaacute ligada a entronizaccedilatildeo do rei quando o mesmo
toma posse e assume sua posiccedilatildeo de rei ele eacute adotado como filho de Deus em
sua titulaccedilatildeo (SCHWANTES 1982)
Segundo Sicre (2000 p55 e 56) no Egito e na Mesopotacircmia natildeo se ungiam
os reis contudo houve-se falar que no Egito ungia-se somente algum funcionaacuterio
ou outros reis que seriam subordinados a Faraoacute e essa unccedilatildeo natildeo tinha um
sentido religioso servia apenas como designaccedilatildeo Provavelmente essas praacuteticas
influiacuteram em Canaatilde e passou aos israelitas Pois passou a ser um ato religioso
acredita-se que no azeite consiste um poder sagrado ou do azeite flui esse poder
Entatildeo quando algueacutem era ungido esse poder e santidade recaiacutea sobre a pessoa
tornando-a algueacutem ―especial protegida por Javeacute intocaacutevel sagrada e habilitada
para desempenhar atos religiosos
Segundo Douglas
[] Fundamentalmente a unccedilatildeo era um ato de Deus (1Sm 101) ndash que explica o respeito em que era mantida ndash enquanto a palavra ―ungido era usada ateacute mesmo metaforicamente para significar a doaccedilatildeo do favor divino (Sl 235 9210) ou a nomeaccedilatildeo para algum lugar ou funccedilatildeo especial do propoacutesito de Deus (Sl 10515 Is 451) Aleacutem disso a unccedilatildeo simbolizava equipamento para o serviccedilo e eacute associada ao derramamento do espiacuterito de Deus (1Sm 101 9 1613 Is 611 Zc 41-14) [] (DOUGLAS 2006 p 1362)
Mas quem foi Davi
Davi foi lamentavelmente humano e maravilhosamente santo atrevidamente corajoso e degradantemente carnal magnificamente reacutegio e mundanamente deploraacutevel Suas grandes vitoacuterias concederam-lhe as alturas enquanto seus pecados o lanccedilaram nas profundezas Foi um homem complexo ainda que simplesmente um homem Foi um homem entre os homens mas tambeacutem um homem segundo o coraccedilatildeo de Deus Foi culpado de derramamento de sangue na guerra mas familiarizado com as becircnccedilatildeos da adoraccedilatildeo (TASSEL 1987 p56)
Segundo Tassel (1987 p7-11) houve uma guerra civil que perdurou por
meacutedia de sete anos guerra essa que se deu entre Is-Bosete e Davi poreacutem essa
guerra foi estimulada por Abner quando esse retomou o controle do governo de
Israel o qual estava na matildeo dos filisteus Com esses acontecimentos Davi
esperou o momento certo para agir durante esses sete anos de guerra Davi
esperou no Senhor em Hebrom pois Davi jaacute era rei em Judaacute (2Sm 24) ―Assim
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pois todos os anciatildeos de Israel vieram ter com o rei em Hebrom e o rei Davi fez
com eles alianccedila em Hebrom perante o SENHOR Ungiram Davi rei sobre Israel
Esta alianccedila possivelmente teria sido algum tipo de documento legal o qual Davi
se comprometera a realizar em seu reinado sobre Israel de acordo com a lei
mosaica em contrapartida o povo seria leal a Davi A expressatildeo ldquoperante o
Senhorrdquo nos daacute a entender que tanto o povo quanto Davi desejavam fazer a
vontade de Deus Apoacutes sua coroaccedilatildeo Davi estabeleceu a capital de Judaacute em
Jerusaleacutem (2Sm 56ss 1Cr 114ss) Jerusaleacutem estava estabelecida dentro dos
limites do Reino Sul e Reino Norte ou seja Jerusaleacutem era o lugar perfeito dentro
do ponto de vista estrateacutegico militar Pois se localizava em posiccedilatildeo alta e rochosa
com trecircs barrancos ao seu redor era uma fortaleza natural com uma localizaccedilatildeo
praticamente inconquistaacutevel Davi foi uma das maiores mentes militares de todas
as eacutepocas ―Ia Davi crescendo em poder cada vez mais porque o Senhor Deus
dos Exeacutercitos era com ele (2Sm 510)
Davi foi um homem de conquistas A Siacuteria Edom e Moabe tornaram-se tributaacuterias do seu reino As conquistas de Davi estenderam os limites de Israel vinte vezes mais Estabeleceu um impeacuterio que rivalizou com os da Babilocircnia e Assiacuteria em seu poder militar Davi foi um soberano e salmista da mais alta categoria Davi foi um homem culto O novo rei de Israel estabeleceu as tradiccedilotildees do seu povo de acordo com a lei de Moiseacutes O longo reinado de Davi deu-lhe oportunidade de estabelecer importantes precedentes consistentes com a lei cerimonial leviacuteticos dados por Deus Davi foi um homem do comeacutercio ―Hiratildeo rei de Tiro enviou mensageiros a Davi e madeira de cedro e carpinteiros e pedreiros que edificaram uma casa a Davi (2Sm 511) Tiro era o ponto central do comeacutercio feniacutecio na costa mediterracircnea Davi trocou seu trigo e azeite por toda espeacutecie de produtos necessaacuterios O soberano-pastor sabia como prover as necessidades do seu rebanho (TASSEL 1987 p 1112)
Em relaccedilatildeo a Alianccedila Daviacutedica podemos observar cinco grandes promessas
feitas ao rei Davi Primeiro Deus prometeu a Davi uma descendecircncia (2Sm 716)
Segundo Deus prometeu a Davi poder (2Sm 713) Terceiro Deus prometeu um
lugar para que seu povo habite e natildeo seja mais afligido (2Sm 710) Quarto Deus
prometeu que seu trono seria para sempre (2Sm 716) Quinto esta quinta
promessa se referia mais a Salomatildeo e sua posteridade onde para eles de fato
serem bem-sucedidos deveriam observar as leis e preceitos de Javeacute (2Sm 714-
15) Esta periacutecope de 2 Samuel 78-17 veremos o resultado do amor lealdade
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fidelidade e perfeiccedilatildeo do coraccedilatildeo de Davi para com Deus poreacutem essa perfeiccedilatildeo
natildeo estaacute isenta de erros pois Davi era humano (TASSEL 1987)
Conforme Fitzmyer a dinastia continuou
depois que Salomatildeo sucedeu a Davi e construiu o Templo em Jerusaleacutem com Roboatildeo como rei em Judaacute (922-915 aC) e depois da revolta quando Jeroboatildeo torna-se rei em Israel (922-921 aC) A dinastia continuou a florescer em Judaacute (cf 1Cr 31 5 10-16) atraveacutes dos reis Abias Asa Josafaacute Jeoratildeo (Joratildeo) OcozIAS Jeoaacutes (Joaacutes) Amasias Uzias (Azarias) Joatatildeo Acaz (Jeoacaz I) Ezequias Manasseacutes Amon Josias Jeoacaz II (Salum) Jeoaiquim (Eliaquim) Joiaquin (Jeconias) e Sedecias (Matanias [597-585 aC]) ateacute o tempo do cativeiro babilocircnico quando a monarquia chegou ao fim [] Depois do cativeiro babilocircnico a dinastia restaurada continuou em Salatiel e Zorobabel (1Cr 31719) (FITZMYER 2015 p 55)
Salomatildeo reconheceu o cumprimento da Alianccedila Daviacutedica em si proacuteprio
conforme 1Rs 815-20 poreacutem o cumprimento final dessa Alianccedila seraacute em Jesus
Cristo conforme Rm 134 que diz ―v3 Com respeito ao seu Filho o qual
segundo a carne veio da descendecircncia de Davi v4 E foi designado Filho de
Deus com poder segundo o espiacuterito de santidade pela ressurreiccedilatildeo dos mortos a
saber Jesus Cristo nosso Senhor (TASSEL 1987)
A promessa original de que a semente da mulher finalmente derrotaria a
serpente (Gn 315) foi mais tarde definida para Abraatildeo (Gn 123) elaborada por
Balaatildeo (Nm 249) especificada por Jacoacute (Gn 4910) personalizada em Davi e
cumprida em Jesus Cristo (TASSEL 1987)
[] O livro do Cronista tem a atenccedilatildeo de dirigir o olhar de seus leitores para aquele que o profeta Ezequiel chamava de bdquouacutenico pastor‟ bdquoDavi meu servo‟ (Ez 3423) o bdquoverdadeiro justo‟ de Jeremias (Jr 235) bdquoo menino‟ de Isaiacuteas (Is 96) bdquoo que deve ser o chefe supremo de Israel‟ (Mq 52) isto eacute em direccedilatildeo a Cristo apogeu e termo final de Israel que com sua vida e sua morte lanccedilaria as bases de uma Teocracia que nenhum adversaacuterio poderaacute aniquilar de novo (SICRE 2000 p 99100)
22 Jesus - O Messias
Na biacuteblia o nome natildeo eacute um rotulo de uma pessoa natildeo eacute uma etiqueta que
os pais colocam em uma crianccedila mas sim o nome expressa seu caraacuteter parte
essencial dela O nome na biacuteblia eacute tatildeo importante que em Ec 610 o que natildeo tem
nome eacute inexistente em Joacute 308 os que natildeo tem nome satildeo despreziacuteveis A
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conversa entre Deus e Moiseacutes eacute um exemplo claro disso (Ecircx 313-14) quando
Moiseacutes indaga acerca do nome de Deus o qual ele seria seu representante Deus
o responde Eu Sou o que Sou ou seja Eu Sou Aquele que faz acontecer
revelando assim parte essencial do caraacuteter Por isso para o povo biacuteblico o nome
estaacute intrinsicamente ligado agrave pessoa e ao que ela faz Pois em cada accedilatildeo de
Deus dentro da histoacuteria de seu povo (hebreus) eles se referiam a Deus com um
nome diferente nome esse que se referia ao ato salviacutefico de Deus para
determinada situaccedilatildeo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Santos
Jesus (Salvador) ndash eacute a forma grega do nome Josueacute o filho de Num Assim em Atos 745 Em Colossenses 411 o apoacutestolo Paulo refere-se a ―Jesus conhecido por Justo Este Jesus um cristatildeo foi um dos cooperadores do apoacutestolo em Roma e prestou-lhe solidariedade no momento das suas provaccedilotildees Jesus Cristo (Iesoucircs Christoacutes = Josueacute Jesus Ungido Messias formulaccedilatildeo grega para o hebraico Yehoxuah ―Javeacute salvaraacute seu povo dos seus pecados [Mt 121]) [] (SANTOS 2011 p249)
Segundo Siqueira (2005 p 111) Jesus era conhecido como Salvador por
dois motivos ―1 O Seu nome natildeo foi uma designaccedilatildeo arbitraacuteria de seus pais
pelo contraacuterio 2 O nome de Jesus representa a realidade mais profunda de Sua
vida e obra Os quais seus proacuteprios disciacutepulos reconheceram isso dizendo ―Eacute
que vos nasceu hoje na cidade de Davi o Salvador que eacute Cristo o Senhor (Lc
211) ―e diziam agrave mulher Jaacute natildeo eacute pela tua palavra que noacutes cremos pois agora
noacutes mesmos temos ouvido e sabemos que este eacute verdadeiramente o Salvador do
mundo
No livro de Marcos 215-17 narra um fato que desafia a uma mudanccedila a
estrutura social judaica daquela eacutepoca ― Natildeo necessitam de meacutedicos os satildeos
mas sim os enfermos eu natildeo vim chamar os justos mas pecadores (cf Mt 910-
13 Lc 529-32) Os ―pecadores daquela eacutepoca eram as pessoas consideradas
imorais pela nata da sociedade (aduacutelteros mentirosos prostitutas cegos coxos
surdos publicanos entre outros) pessoas indignas de terem qualquer tipo de
relaccedilatildeo com eles principalmente no que tange a mesa lugar de partilha e
comunhatildeo lugar que tambeacutem se demonstrava estrato social Segundo esse
pensamento social da eacutepoca qualquer pessoa que se assentasse com um desses
pecadores se tornava pecador tambeacutem ou seja essas pessoas contaminavam
qualquer outra que estivesse com elas Poreacutem Jesus Cristo ao se assentar com
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os ―pecadores subverte o sistema legal de pureza e atende a necessidade dos
marginalizados pela sociedade Em Mc 21-12 nos mostra que Jesus tambeacutem
cura e perdoa os pecados (v5 ―E Jesus vendo-lhes a feacute disse ao paraliacutetico Filho
perdoado satildeo os teus pecados) havia em Jerusaleacutem todo um sistema sacrificial
em relaccedilatildeo ao pecado o sistema de expiaccedilatildeo era exercido pelo sumo sacerdote
poreacutem Jesus mesmo sem ter alguma autoridade terrena para mudar os haacutebitos
religiosos vigentes Ele demonstra ter uma autoridade superior para realizar tais
atos (MORIN 2016)
Como diz Eacutemile Day
Haacute diversos usos caracteriacutesticos de ―Cristo em Lucas-Atos Primeiro encontramos a frase ―o Cristo de Deus (Lc 920 2335 cf ―o Cristo do Senhor em 226 e ―Ungido do Senhor em At 426) A prova de Jesus como o Messias encontra-se em alguns exemplos da pregaccedilatildeo cristatilde primitiva (p ex At 542 173 18528) Segundo no importante manifesto em Lc 418-19 (cf Lc 722 e 4Q521) eacute o messianismo profeacutetico que estaacute presente baseado em Is 611-2 texto sitado na descriccedilatildeo fragmentaacuteria do proclamador angeacutelico em 11QMelqu A conclusatildeo desse capitulo (440) sugere que o ministeacuterio de cura jaacute iniciado demonstrava o messiado de Jesus (DAY 2005 p 497-498)
Jesus sempre valorizou muito mais a vida do que oblaccedilotildees sacrifiacutecios e
tradiccedilotildees que satildeo usadas para fazer diferenccedila entre as pessoas separando o
santo do pecador o bom do mau o melhor do pior Pois suas pregaccedilotildees eram de
fato uma oposiccedilatildeo contra esse tipo de comiseraccedilatildeo que vecirc a vontade de Deus
somente em beneficio proacuteprio (SANTOS 2011)
Em resumo a missatildeo de Jesus aconteceu no Impeacuterio Romano No mediterracircneo oriental o poder romano partilhado pelas elites locais fez da crueldade e da extorsatildeo parte da vida diaacuteria Para a natildeo elite do povo de Israel o colapso do sistema patronal da elite israelita apareceu como verdadeira traiccedilatildeo e deslealdade por parte das melhores famiacutelias aristocraacuteticas e cujo interesse a economia politica e a religiatildeo politica funcionavam O resgate dessa situaccedilatildeo somente ocorreria como Deus de Israel tomando o controle do paiacutes e restaurando a proteccedilatildeo divina da perfiacutedia politica que preenchia a terra A proclamaccedilatildeo de Jesus a respeito do reino de Deus era na verdade seu evangelho social (MALINA 2004 p 43)
Tudo aquilo que leva o povo ao sofrimento eacute considerado satacircnico Pois na
mensagem nos ensinamentos de Jesus Cristo seu principal tema era o ―reinado
de Deus e a salvaccedilatildeo Pois Jesus Cristo veio para resgatar e demonstrar o
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sedaqah (justiccedila) em sua plenitude Jesus Cristo veio instaurar um novo tempo
resignificando o sofrimento atraveacutes das bem-aventuranccedilas (Lc 620-23 Mt 51-12)
demonstrando assim ser o Immanuel ou seja ―Deus conosco (SANTOS 2011)
O evangelho de Jesus Cristo o Messias tambeacutem tinha o propoacutesito de gerar
uma comunidade que continuasse a propagar o reino que por Ele foi iniciado E
isso soacute podia ser feito mediante a unccedilatildeo e presenccedila do Espiacuterito do Senhor (Lc
418) Os propoacutesitos de Deus soacute podem ser realizados mediante essa unccedilatildeo do
Messias os qual visa em prioridade levar a Boa Nova aos pobres Essa Boa Nova
aos pobres estaacute relacionada agrave libertaccedilatildeo da opressatildeo romana e uma vida eterna
um lugar no ceacuteu ou seja uma resposta imediata e uma eterna o hoje e o
amanhatilde Como a paraacutebola do rico e o Lazaro benccedilatildeo eterna ao pobre e a
acusaccedilatildeo contra os ricos do presente (LOCKMANN 2011)
Pixley diz que
O reino de Deus se caracteriza pela vida uma vida tatildeo abundante que os leprosos satildeo limpos e mortos ressuscitam Isto jaacute estava acontecendo na obra de Jesus entre os pobres e marginalizados da Galileacuteia Entre os pobres esta vida abundante para os que haviam padecido carecircncias eacute recebida com alegria e Boa Nova (PIXLEY 1986 apud LOCKMANN 2011)
Observamos nessa parte que o messianismo surge com o sentido de
esperanccedila seja futura ou presente esperanccedila sobre as dificuldades diversas da
vida Davi foi um tipo de Messias em seu tempo pois ele gerava essa esperanccedila
e expectativa nas pessoas Jesus Cristo poreacutem foi o antiacutetipo do Messias sua vida
e suas obras foram voltadas totalmente para a classe dos desfavorecidos
trazendo esperanccedila aos seus coraccedilotildees tanto para uma vida futura como para a
vida presente e por fim com sua morte e ressurreiccedilatildeo concretizou essa
esperanccedila Veremos agora a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e como se
daacute o diaacutelogo entre eles
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA
Quando falamos sobre pobres e excluiacutedos normalmente nos reportamos agraves
pessoas que estatildeo fora do sistema que rege uma sociedade o sistema soacutecio-
politico-econocircmico e religioso Temos que nos atentar para essas questotildees pois
como cristatildeos temos que ter uma visatildeo mais ampla sobre esse assunto para que
assim possamos cumprir os desiacutegnios de Cristo valorizar os desvalorizados
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(FELLER 1995) ―Eacute pobre portanto quem carece dos meios de vida Quem natildeo
tem os meios materiais para viver nem para se desenvolver com dignidade no
plano social poliacutetico e cultural (ALDUNATE 1991 p 16)
Esse grupo de pessoas na sociedade soacute consegue ser vistos a partir do
momento que eles proacuteprios se sentem incomodados e indignados com a situaccedilatildeo
que vivem formam seus grupos e tomam iniciativas que seratildeo visualizadas nos
conflitos sociais Pois eacute a partir desses conflitos que surgem e desenvolvem
meios de condiccedilotildees para combater a exclusatildeo social
[] satildeo os excluiacutedos os que mais sofrem por causa dos erros da modernidade brasileira e suas consequecircncias evidentes o ecircxodo rural e a explosatildeo urbana a violecircncia no campo e na cidade a concentraccedilatildeo da terra e do capital a especulaccedilatildeo financeira e imobiliaacuteria a inflaccedilatildeo a divida externa a reduccedilatildeo na produccedilatildeo de alimentos para o mercado interno o corporativismo dos poliacuteticos e empresaacuterios a instabilidade social a miseacuteria e a fome o desemprego a insalubridade publica o abandono do ensino baacutesico o desdeacutem ao pensamento nacional alternativo o embrutecimento intelectual a deseducaccedilatildeo do povo o disfarccedilamento da realidade a desmoralizaccedilatildeo eacutetica a destruiccedilatildeo do sentimento de nacionalidade a desarticulaccedilatildeo cultural as soluccedilotildees egoiacutestas e imediatistas o individualismo ganancioso
enfim o processo de apartaccedilatildeo crescente (FELLER 1995 p15)
Podemos perceber que a pobreza eacute gerada na sociedade por causa da
ganancia de pessoas que detecircm um determinado poder social politico ou
religioso e que acabam lesando o direito dos pobres a uma vida digna a pobreza
logo eacute uma carecircncia injusta e indevida resultado do abuso dos gananciosos
(ALDUNATE 1991)
Exatamente essas pessoas ―dominadoras a elite da sociedade natildeo medem
esforccedilos para manter o sistema funcionando sempre em seu proacuteprio beneficio e
deixando assim pobres na situaccedilatildeo onde eles se encontram sem dar a eles
esperanccedila de vida de melhoria Esses dominadores que satildeo uma porcentagem
bem pequena na sociedade trabalham dentro de uma estrutura social de
exploraccedilatildeo os quais utilizam princiacutepios convencionais ndash poliacuteticos econocircmicos
sociais culturais e religiosos ndash sempre com a finalidade de manter os pobres
sobre o seu domiacutenio em suas matildeos (SANTA ANA 1985)
Infelizmente a religiatildeo acaba legitimando esse tipo de situaccedilatildeo em prol de
benefiacutecios proacuteprios para manter suas proacuteprias posiccedilotildees Assim educando os
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pobres a concordar que as condiccedilotildees de vida em que eles vivem eacute a vontade de
Deus para eles mudando assim essa esperanccedila de uma vida melhor aqui para
uma vida melhor somente depois da morte Com isso a igreja faz uso da feacute para
legitimar uma desigualdade a qual o proacuteprio Deus condena (SANTA ANA 1985)
Segundo Santa Ana (1985 p48-49) o sistema educacional ajuda nessa
perpetuaccedilatildeo da pobreza A partir do momento que o sistema educacional
socializa as pessoas atraveacutes do conformismo faz com que os ricos tenham total
acesso ao processo educacional assim perpetuando-se no poder Fazendo com
que os pobres nunca tenham uma oportunidade como a deles Isso tambeacutem
atinge as estruturas familiares que se enveredam pelo mesmo caminho
preparando seus membros a fortalecerem esse processo de dominaccedilatildeo em que o
poder e a riqueza dominam fazendo ateacute o sistema politico trabalharem a seu
favor ou seja os vassalos trabalham e seus senhores colhem os frutos
Estamos definindo a pobreza como a incapacidade de realizaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas exigidas para manter adequadamente a vida livre de doenccedilas miseacuteria fome dor sofrimento desespero e medo de um lado e a incapacidade de defesa em face da injusticcedila estrutural de outro Em qualquer dos casos essas condiccedilotildees podem ser resumidas como opressatildeo A luta contra a pobreza consiste pois em atividades em que se envolvem os oprimidos e os que lutam em seu favor na busca de uma ―vida melhor Natildeo se procura apenas a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas mas tambeacutem a existecircncia vivida com dignidade baseada no exerciacutecio da justiccedila da participaccedilatildeo e da liberdade (SANTA ANA 1985 p98)
Em grande parte das sociedades humanas existem pessoas grupos
governos igrejas entre outras instituiccedilotildees que se dedicam de forma incansaacutevel
para diminuir ou ateacute extinguir a pobreza na sociedade pois Deus natildeo criou o ser
humano para ser oprimido Podemos observar em Gn 1210-15 que esse tipo de
opressatildeo emerge no encontro de culturas poderosas com outras culturas que natildeo
tem esse mesmo poder dessa forma os mais fortes sempre dominam os mais
fracos (SANTA ANA 1985)
Em contrapartida a histoacuteria nos mostra que nem todos os opressores e
oprimidos aceitaram a opressatildeo assim tatildeo faacutecil Pessoas escolheram morrer ateacute
mesmo juntamente com sua famiacutelia ao inveacutes de se submeterem a opressatildeo
escravizadora esses satildeo os negros americanos que lutaram contra a
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segregaccedilatildeo e a escravidatildeo Essa opressatildeo natildeo eacute extinta tatildeo facilmente
infelizmente (SANTA ANA 1985)
―Do ponto de vista cristatildeo o processo de libertaccedilatildeo dura agrave vida toda O
objetivo uacuteltimo da luta contra a pobreza eacute criar a sociedade humana sem
opressores nem oprimidos onde todos se esforccedilam para ser verdadeiramente
humanos (SANTA ANA 1985 p106)
As Escrituras Sagradas fala sobre os direitos que os oprimidos tecircm os quais
se negam a dignidade de vida Podemos observar a preocupaccedilatildeo que a
legislaccedilatildeo os profetas os saacutebios e Jesus tecircm em relaccedilatildeo aos pobres e oprimidos
da sociedade A forma que Deus os protege e a forma de como Jesus Cristo se
identifica com eles de modo profundo que toda e qualquer opressatildeo ou violecircncia
praticada contra eles eacute da mesma intensidade contra Deus (ALDUNATE 1991)
Eacute quase um refratildeo que percorre toda a Biacuteblia natildeo oprimir o pobre natildeo explorar o oacuterfatildeo natildeo se aproveitar da viuacuteva natildeo discriminar o imigrado ou o forasteiro natildeo excluir o escravo Quem satildeo todos estes Satildeo aqueles que natildeo encontram lugar na sociedade organizada ou que por sua situaccedilatildeo social natildeo tecircm a quem recorrer e por isso satildeo entregues agrave proacutepria sorte ou satildeo feitos vitimas dos gananciosos [] O pobre pode ser saacutebio mas porque eacute pobre ―sua sabedoria eacute desprezada (Ec 916) e assim se destroacutei a cidade (ALDUNATE 1991 p97)
A igreja tecircm a missatildeo de defender a vida frente aos diversos problemas
sociais eacuteticos e espirituais em que vivemos nosso maior exemplo disso foi Jesus
Jesus questionou bastante fortemente os privileacutegios e as hierarquias que a sociedade judaica estabelecia tanto no domiacutenio social quanto no domiacutenio religioso Pela sua solidariedade com os pecadores com os pequenos com os sem-lei com os impuros ele contestou fortemente as estruturas de uma sociedade que ousava se apoiar em Deus para justificar a separaccedilatildeo entre aqueles que ensinam e os que escutam entre os que decidem e os que obedecem entre os que devem ser honrados e os que devem ser condenados O contexto modificou-se mas natildeo mudou muito a realidade das coisas A sociedade sempre teve e ainda tem seus marginalizados e seus desclassificados aos quais ela daacute apenas o direito do silecircncio O direito de natildeo serem como os outros [] A proacutepria igreja ainda natildeo conseguiu abandonar privileacutegios e hierarquias que foi interpelada a abolir Continua sustentando relaccedilotildees de autoridade e obediecircncia Continua ignorando aqueles que natildeo entram no quadro de sua moral ou de sua teologia oficial Existem ainda pecadores e estrangeiros sem o direito agrave mesa comum Pois eacute preciso respeitar as precedecircncias e as conveniecircncias Ainda natildeo aprendemos a nos colocar agrave mesa para comer com os pecadores E precisamos aceitar que simpatia
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e generosidade natildeo bastam para uma transformaccedilatildeo da histoacuteria Suprimir privileacutegios eacute a primeira decisatildeo para um combate E aceitar o risco da solidariedade e comprometer-se na luta contra toda opressatildeo Comeccedilar desde agora a viver na Igreja uma mudanccedila real com o maacuteximo de lucidez politica e uma coragem profeacutetica enraizada nas palavras do Cristo (MORIN 2016 p79-80)
A esperanccedila messiacircnica surge no primeiro testamento seu aacutepice se deu na
pessoa do rei Davi pois ele gerava essa esperanccedila nos coraccedilotildees das pessoas
isso porque ele natildeo olhava somente para as suas vontades mas tambeacutem as dos
desfavorecidos da sua eacutepoca Mas em Jesus eacute cumprida a promessa do
verdadeiro Messias de Deus o qual teve a coragem de lutar e doar a sua vida em
favor dos pobres e marginalizados concretizando assim uma esperanccedila que
jamais morreraacute A igreja cristatilde precisa seguir cabalmente esse exemplo de Davi e
por fim de Jesus Cristo e se doar em favor daqueles que satildeo considerados a
escoacuteria da sociedade
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Vivemos em tempos em que a sociedade valoriza muito mais aqueles que
tecircm do que aqueles satildeo Essa eacute a Era da coisificaccedilatildeo ou seja vocecirc vale aquilo
que vocecirc possui As pessoas que vivem a mercecirc desse sistema capitalista para
serem aceitas na sociedade ou em determinados grupos tem que demonstrar
aquilo que possui para serem aceitas as quais se tornam escravas do
consumismo e satildeo engolidas por esse sistema
Sistema esse que eacute regido por uma pequena porcentagem da sociedade
mas que dominam as pessoas que possuem menos poder que elas no que tange
a questatildeo politica econocircmica e social Essas pessoas fazem esse sistema
capitalista sempre girar em torno delas satildeo pessoas egoiacutestas gananciosas E os
mais prejudicados com isso satildeo as pessoas que satildeo dominadas por esse tipo de
governo os pobres e marginalizados
Nos uacuteltimos tempos as comunidades tecircm se preocupado com a situaccedilatildeo dos
pobres Mas natildeo basta somente se preocupar as comunidades precisam se
posicionar e praticar o evangelho de Cristo que entendemos ser o evangelho da
inclusatildeo Temos que aprender a tratar esse problema social que infelizmente
existe em nosso meio
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Fazer a vontade de Deus estaacute sempre relacionado ao nosso proacuteximo Como
seres humanos todos os pobres e marginalizados tem o direito de uma vida digna
ou seja ter pelo menos o baacutesico que um ser humano precisa para viver
Por isso estender a matildeo ao necessitado torna-se um grande desafio para a
sociedade e principalmente para a igreja
Com esse artigo procuramos trazer as nossas mentes para fazer-nos
relembrar acerca dos mandamentos divinos que eacute amar a Deus sobre todas as
coisas e ao proacuteximo como a si mesmo Mostrando que o pobre e marginalizado
tambeacutem tem o direito de igualdade em relaccedilatildeo agrave sociedade de ter pelo menos o
baacutesico para sua sobrevivecircncia A pobreza soacute existe porque o ser humano se
esqueceu de Deus e a partir daiacute soacute pensa em si proacuteprio em sempre ter vantagem
e domiacutenio sobre o outro
Infelizmente a igreja tambeacutem se esqueceu de seu papel aqui na Terra que eacute
de anunciar as Boas Novas de Cristo trazendo paz e esperanccedila a todos mas
principalmente aqueles a qual a sociedade despreza e marginaliza aqueles que
foram desamparados e natildeo tem nem o baacutesico para viver a fim de que tenham
uma vida digna como filho de Deus
Isso se torna um desafio para a sociedade e principalmente para a igreja a
qual eacute uma instituiccedilatildeo que deveria ou deve representar o reino de Deus desafio
esse de abrir um diaacutelogo e conscientizaccedilatildeo dos cristatildeos por partes de seus lideres
para que a igreja se torne um lugar de acolhida para essas pessoas que natildeo tem
para onde ir
Precisamos valorizar essas pessoas pois quem cuida delas realmente esta
dando continuidade a obra de Cristo pois essa foi agrave obra que Cristo fez dar a vida
em favor dos desfavorecidos
―Quando entre ti houver algum pobre de teus irmatildeos em alguma das tuas cidades na tua terra que o SENHOR teu Deus te daacute natildeo endureceraacutes o teu coraccedilatildeo nem fecharaacutes as matildeos a teu irmatildeo pobre antes lhe abriraacutes de todo a matildeo e lhe emprestaraacutes o que lhe falta quanto baste para a sua necessidade (Dt 157-8)
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RESENHA - ldquoO UNIVERSO AO LADOrdquo - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O ESTUDANTE DE TEOLOGIA
ldquoA tendecircncia da moderna teologia (se eacute que podemos
chama-la de teologia) eacute sempre rumo agrave deificaccedilatildeo
da criatura ao inveacutes da glorificaccedilatildeo do Criadorrdquo
Arthur Walkington Pink
RESUMO
O objetivo desta resenha eacute oferecer ao corpo discente do curso de teologia
da FATEJFADISA uma leitura auxiliar no desenvolvimento da compreensatildeo dos
cenaacuterios e cosmovisotildees que alimentam a hipermodernidade Haacute livros que fazem
a diferenccedila no quesito introduccedilatildeo aacute teologia e sem duacutevida alguma este eacute um
deles
Universo ao lado eacute um livro de suma importacircncia sendo aqui utilizada a
ediccedilatildeo de 2009 sendo ―O Livro - Universo ao Lado foi publicado pela primeira
vez em 1976 (na liacutengua inglesa) de modo que a antiguidade do livro chama a
atenccedilatildeo porquanto fazendo uma breve pesquisa e lecionando nestes uacuteltimos dez
anos em cursos de teologias tenho contemplando a comprometedora realidade
de que muitos dos discentes nunca tiveram acesso ou se dedicaram a leitura da
temaacutetica apresentado neste livro
Assim esta resenha foi feita para despertar no estudante de teologia o
interesse relevante pela literatura que jaacute haacute alguns anos vem contribuindo para
elucidar a questatildeo das cosmovisotildees da qual depende a produccedilatildeo de uma
teologia com excelecircncia reflexiva sendo necessaacuteria uma filosofia acadecircmica em
cuja essencialidade se acesse informaccedilotildees mais amplas as quais satildeo
imprescindiacuteveis como ponto de partida do saber teoloacutegico contemporacircneo
Boa leitura
autor Prof Me Marcelo Alves Dantas
marcelodantasteologiagmailcom
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Revista Cientiacutefica Gamaliel - ISSN 2674-9149ndash Fatej Fadisa | Vol1 | Nordm 2 | JaneiroJulho ndash Ano 2020 |
James W Sire
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4 ed
Satildeo Paulo Hagnos 2009
BIOGRAFIA
Em 6 de fevereiro de 2018 faleceu James W Sire aos 84 anos50 Autor ―O
Universo ao Lado considerado um claacutessico cristatildeo sobre cosmovisotildees Sire
dedicou grande parte de seus estudos ao assunto James W Sire51 (17 de outubro de 1933 - 6 de fevereiro de 2018) foi um
autor palestrante e editor cristatildeo americano da InterVarsity Press Nascido em
uma fazenda na orla do Nebraska Sandhills Sire era oficial do Exeacutercito professor
universitaacuterio de literatura filosofia e teologia inglesa editor-chefe da InterVarsity
Press (editora de livros cristatildeos) palestrante de mais de duzentos universidades
nos EUA Canadaacute Europa Oriental e Ocidental e Aacutesia e autor de vinte livros
sobre literatura filosofia e feacute cristatilde Seu livro The Universe Next Door publicado
em 1976 e agora em sua quinta ediccedilatildeo jaacute vendeu mais de 400000 coacutepias e foi
traduzido para 19 idiomas estrangeiros Ele possuiacutea um bacharelado em quiacutemica
e inglecircs pela Universidade de Nebraska um mestrado pela Washington State
College (hoje Universidade) e um doutorado pela Universidade do Missouri Sua
publicaccedilatildeo mais recente foi Rim of the Sandhills um livro de memoacuterias da vida no
rancho traccedila sua chegada precoce agrave feacute e seu desenvolvimento gradual de uma
apologeacutetica madura pela feacute cristatilde Entre as deacutecadas de 1960 e 1980 James Sire foi editor-chefe da
InterVarsity Press uma editora voltada ao puacuteblico acadecircmico e cristatildeos
pensantes Liderou um movimento de consolidaccedilatildeo intelectual cristatildeo numa
cultura evangeacutelica cada vez mais fundamentalista e anti-intelectual Trouxe ao
conhecimento puacuteblico como editor pensadores como Francis Schaeffer Os
Guinness C Stephen Evans Rebecca Manley Pippert Mark Noll e muitos outros
pensadores cristatildeos Ele mesmo colaborou com 20 tiacutetulos a maioria tratando
sobre apologeacutetica cristatilde Seu livro mais conhecido mais vendido e traduzido para
50
httpswwwultimatocombrconteudoo-intelectual-como-vocacao-james-sire-1933-2018 - Acesso 15122019 51
https translate google com br translate hl = pt B R amp s l = e n amp u = h t t p s e n w i k i p e d i a org wiki J a m e s _ W _ S i r e amp p r e v = s e a r c h ndash Acesso 15122019
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20 idiomas O Universo ao Lado (1976) foi uma marco na tentativa em divulgar a
apologeacutetica cristatilde em formato de cosmovisotildees E deu certo mais de 350 mil
coacutepias somente nos EUA
INTRODUCcedilAtildeO
James Sire tem como um de seus objetivos refletir sobre a batalha para
descobrir nossa proacutepria feacute nossa proacutepria cosmovisatildeo nossas crenccedilas sobre a
realidade Seus principais intentos satildeo
a) Esboccedilar as cosmovisotildees que estatildeo por traacutes do modo pelo qual noacutes no
mundo ocidental pensamos sobre noacutes mesmos outras pessoas o mundo
natural e Deus ou a realidade final
b) Traccedilar historicamente como essas cosmovisotildees se desenvolveram desde o
decliacutenio da cosmovisatildeo teiacutesta transitando por sua vez para o deiacutesmo o
naturalismo o niilismo o existencialismo o misticismo oriental e a nova
consciecircncia da Nova Era
c) Mostrar como o poacutes-modernismo provocou uma reviravolta nessas
cosmovisotildees
d) Encorajar-nos a pensar em termos de cosmovisotildees isto eacute com
consciecircncia natildeo apenas do nosso modo de pensar mas tambeacutem do modo
de pensar das outras pessoas para que possamos primeiro entender os
outros e entatildeo estabelecer uma comunicaccedilatildeo eficaz em nossa sociedade
pluralista
Dr James W Sire eacute editor e palestrante muito requisitado em coleacutegios e
Universidades dos Estados Unidos e Europa Autor de vaacuterios livros
1 How to Read Slowly Reading for Comprehension Como ler
devagar Leitura para compreensatildeo 1978
2 Scripture Twist twenty Ways Cults Misunderstand the Bible
Torccedilatildeo das Escrituras 20 maneiras pelos quais os cultos
interpretam mal a Biacuteblia 1980
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3 Discipleship of the Mind Learning to Love God In the Ways We
Think Discipulado da mente aprendendo a amar a Deus da
maneira que pensamos 1990
4 Why Should Anyone Believe Anything at All Por que algueacutem
deveria acreditar em tudo1994
5 Habits of the Mind Intellectual Life as a Christian Calling Haacutebitos
da Mente vida intelectual como uma vocaccedilatildeo crista 2001
6 Naming the Elephant Worldview as a Concept Nomeando o
elefante cosmovisatildeo como conceito 2004
7 Por que bons argumentos frequentemente falham (IVP 2006)
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO
Sire parte do pressuposto que jaacute n o final do seacuteculo XIX Stephen Crane
havia aprendido a condiccedilatildeo com que noacutes no iniacutecio do seacuteculo XXI passariacuteamos a
encarar o universo
Considera-se como um fato importante nos dias de Hoje o movimento
religioso do Islatilde que defende a cosmovisatildeo cujos pressupostos vecircm afetando o
Ocidente que natildeo foi abordada em nenhumas das ediccedilotildees anteriores Desde 11
de setembro de 2001 o Islatilde tornou-se o principal fator da vida natildeo apenas no
Oriente Meacutedio Aacutefrica e Aacutesia mas tambeacutem na Europa e Ameacuterica do Norte A
cosmovisatildeo islacircmica (ou talvez cosmovisotildees) exerce sua influecircncia sobre as
vidas das pessoas em todo o mundo Aleacutem disso o termo cosmovisatildeo aparece
comumente nos jornais quando jornalistas tentam compreender e explicar o que
estaacute incentivando os chocantes eventos dos uacuteltimos anos
Segundo Sire os leitores de qualquer uma das ediccedilotildees anteriores notaratildeo
que a nova definiccedilatildeo faz trecircs coisas
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a) Primeiro ela muda o foco de uma cosmovisatildeo como um conjunto de
pressuposiccedilotildees para um compromisso uma orientaccedilatildeo fundamental
do coraccedilatildeo concedendo uma ecircnfase maior agraves raiacutezes preacute-teoacutericas do
intelecto
b) Segundo expande a forma pela qual as cosmovisotildees satildeo expressas
adicionando ao conjunto de pressuposiccedilotildees uma noccedilatildeo de histoacuteria
c) Terceiro torna mais expliacutecito que a raiz mais profunda de uma
cosmovisatildeo eacute seu comprometimento e compreensatildeo da realidade
real
O objetivo do livro eacute de forma resumida apresentar algumas das
cosmovisotildees que mais influenciam o pensamento humano Apesar de alguns
nomes de filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles Sartre Camus e Nietzsche
aparecerem nas paginas do livro este natildeo se constitui ser um trabalho acadecircmico
de filosofia E embora nos remeta ao tempo e aos conceitos tornados famosos
pelo apostolo Paulo por Agostinho Tomaacutes de Aquino e Calvino mesmo assim
este natildeo eacute um trabalho acadecircmico de teologia Em especial eacute um livro de
cosmovisotildees ndash de modo mais baacutesico e fundamental do que os estudos formais
em filosofia ou teologia Ou de outro modo eacute um livro de universos adaptados
pelas palavras e conceitos que trabalham em conjunto para propiciar um quadro
mais ou menos coerente de referecircncia para todo pensamento e accedilatildeo
Em se tratando de cosmovisotildees Sire a define da seguinte maneira
Eacute um conjunto de pressuposiccedilotildees (hipoacuteteses que podem ser verdadeiras parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente consistente ou inconsistentemente) sobre a formaccedilatildeo baacutesica de nosso mundo
O autor propotildee responder atraveacutes de 7 perguntas baacutesicas para cada
cosmovisatildeo pontos fundamentais da vida e do universo poreacutem natildeo percorre
exatamente as 7 perguntas em todas as cosmovisotildees no entanto como algumas
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cosmovisotildees se aproximam em suas hipoacuteteses essenciais parece ter
considerado que uma responde a outra
As sete perguntas baacutesicas satildeo
1 Qual a realidade primordial ndash o que eacute realmente verdadeiro A
isso se responde Deus os deuses ou o cosmo material
2 Qual a natureza da realidade externa isto eacute do mundo ao nosso
redor Aqui nossas respostas sinalizam se vemos o mundo como
criado ou autocircnomo como catoacutelico ou ordenado como mateacuteria ou
espiacuterito se nossa ecircnfase eacute subjetiva e de relacionamento pessoal
com o mundo ou se sua objetividade o separa de noacutes
3 O que eacute o ser humano - A essa pergunta podemos responder
Uma maquina altamente complexa um deus adormecido uma
pessoa feita agrave imagem e semelhanccedila de Deus um ―gorila nu
4 O que acontece quando uma pessoa morre - Aqui podemos
replicar com extinccedilatildeo pessoal ou transformaccedilatildeo em estado
elevado ou reencarnaccedilatildeo ou partida para uma existecircncia obscura
―no outro lado
5 Por que eacute possiacutevel conhecer alguma coisa - Respostas simples
incluem a ideacuteia de que fomos criados agrave imagem de um Deus todo-
conhecedor ou essa consciecircncia e racionalidade desenvolveram-se
sob contingecircncias de sobrevivecircncia atraveacutes de um longo processo
evolutivo
6 Como sabemos o que eacute certo ou errado - Mais uma vez a
resposta ou fomos criados agrave imagem de um Deus cujo caraacuteter eacute
bom ou o certo e o errado satildeo determinados somente pela escolha
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humana ou pelo que nos faz sentir bem ou as naccedilotildees
simplesmente se desenvolveram sob um iacutempeto orientado agrave
sobrevivecircncia fiacutesica ou cultural
7 Qual o significado da histoacuteria humana - A isso podemos
responder compreender os propoacutesitos de deus ou deuses preparar
um paraiacuteso na terra preparar um povo para uma vida em
comunidade com um deus amoroso e santo e assim por diante
Dentro de vaacuterias cosmovisotildees baacutesicas outras questotildees satildeo levantadas
Por exemplo Quem estaacute no comando deste mundo ndash Deus os seres humanos ou
ningueacutem Somos seres determinados ou livres Somos os uacutenicos fabricantes de
valores Deus eacute realmente bom Deus eacute pessoal ou impessoal Deus existe
afinal
O livro apresenta uma siacutentese de cada uma das cosmovisotildees abaixo
relacionadas
Teiacutesmo Deiacutesmo Naturalismo Niilismo Existencialismo Monismo
panteiacutesta oriental Nova era Poacutes-modernismo
SEGUE-SE UM ESBOCcedilO DE CADA UMA DAS COSMOVISOtildeES CITADAS
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO CRISTAtildeO
No teiacutesmo cristatildeo a proposiccedilatildeo principal relaciona-se agrave natureza de Deus
Deus eacute infinito e pessoal (triuno) transcendente e imanente onisciente soberano
e bom
Deus criou o cosmo ex nihilo para operar com a uniformidade de causa e
efeito num sistema aberto Obs ex nihilo (fora do nada natildeo fora de si mesmo ou
de algum caos preexistente) porque se o cosmo fosse realmente ―preexistente
seria tatildeo eterno quanto Deus O universo eacute ordenado e Deus natildeo o apresenta a
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noacutes em confusatildeo mas em claridade A natureza do universo de Deus e a
natureza do caraacuteter de Deus estatildeo assim intimamente relacionadas
Outra noccedilatildeo importante eacute que o sistema estaacute aberto e isso significa que
natildeo estaacute programado Deus estaacute constantemente envolvido no padratildeo de
desdobramento de contiacutenua atividade do universo E assim somos como seres
humanos O curso de atividade do mundo estaacute aberto ao reordenamento efetuado
tanto por Deus como pelos os seres humanos Assim o encontramos
dramaticamente reordenado na Queda Se o curso dos acontecimentos fosse
determinado nossas decisotildees natildeo teriam significado Assim o teiacutesmo declara que
o universo eacute ordenado mas natildeo determinado
Os seres humanos satildeo criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus e assim
possuem personalidade autotranscendecircncia inteligecircncia moralidade senso
gregaacuterio e criatividade
No Teiacutesmo cristatildeo Deus completa nosso uacuteltimo desejo fazendo-o de vaacuterias
maneiras
a) Sendo o perfeito complemento para nossa proacutepria natureza
satisfazendo nosso desejo por um relacionamento interpessoal
b) Sendo e sua onisciecircncia o fim da busca por conhecimento Sendo
em sua santidade o fundamento justo para a nossa busca por
justiccedila
c) Sendo em seu infinito amor a causa de nossa esperanccedila por
salvaccedilatildeo
d) Sendo em sua infinita criatividade a fonte de nossa imaginaccedilatildeo
criativa e a beleza final que buscamos refletir quando noacutes mesmos
criamos
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Os seres humanos podem conhecer tanto o mundo agrave sua volta quanto o
proacuteprio Deus porque Deus os proveu com essa capacidade e assumiu um papel
ativo na comunicaccedilatildeo com eles A base do conhecimento humano eacute o caraacuteter de
Deus como criador
Os seres humanos foram criados bons mas pela queda a imagem de
Deus foi desfigurada embora natildeo completamente arruinada a ponto de natildeo ser
possiacutevel de restauraccedilatildeo pela obra de Cristo Deus redimiu a humanidade e
comeccedilou o processo de restauraccedilatildeo das pessoas para a bondade embora
qualquer pessoa possa escolher rejeitar essa redenccedilatildeo
O Teiacutesmo argumenta contra a tentativa do ser humano de procurar se
organizar como seres autocircnomos aacuterbitros de sua proacutepria maneira de viver como
se fossem independentes de Deus Todavia isso eacute o que eles precisamente natildeo
possuem pois devem tudo tanto sua origem como sua existecircncia contiacutenua ndash a
Deus
Para cada pessoa a morte eacute ou o portatildeo para a vida com Deus e seu povo
ou o portatildeo para a separaccedilatildeo eterna da uacutenica coisa que completaria em ultima
instacircncia as aspiraccedilotildees humanas
A eacutetica eacute transcendente e estaacute baseada no caraacuteter de Deus como bom
(santo e amoroso)
A histoacuteria eacute linear uma sequecircncia significativa de eventos que convergem
para o cumprimento dos propoacutesitos de Deus para a humanidade
O teiacutesmo no entanto ensina que natildeo somente haacute um universo moral
como tambeacutem haacute um padratildeo absoluto pelo qual todos os julgamentos morais satildeo
feitos O proacuteprio Deus - seu caraacuteter de bondade (santidade e amor) - eacute esse
padratildeo
Aleacutem disso os cristatildeos e judeus defendem que Deus te revelado o seu
padratildeo em vaacuterias leis e princiacutepios expressos no texto biacuteblico Os Dez
Mandamentos o sermatildeo do monte o ensino eacutetico do apoacutestolo Paulo - por meio
dessas e muitas outras maneiras Deus tem revelado o seu caraacuteter Haacute portanto
um padratildeo de certo e errado e todos os que desejam conhececirc-lo o conseguem
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2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO
O Deiacutesmo se desenvolveu segundo alguns como uma tentativa de buscar
unidade fora do caos teoloacutegico e das discussotildees filosoacuteficas que no seacuteculo XVII
estavam atolados em interminaacuteveis disputas
Apoacutes deacutecadas de extenuantes discussotildees eclesiaacutesticos luteranos
puritanos e anglicanos poderiam muito bem ter olhado novamente para os pontos
de concordacircncia De certa forma o deiacutesmo eacute a resposta para isso apesar de o
rumo que tal concordacircncia tomou tenha levado o deiacutesmo aleacutem dos limites do
cristianismo tradicional
Um dos fatores primordiais constante no livro sendo fator importante para
o pensamento teoloacutegico foi o desenvolvimento do deiacutesmo enquanto uma
mudanccedila na localizaccedilatildeo da autoridade pelo conhecimento sobre o divino que
passou da revelaccedilatildeo especial encontrada na Escritura para a presenccedila da razatildeo
a luz de Deus na mente humana ou para a intuiccedilatildeo a luz interior
Nas palavras de Bacon o conhecimento tornou-se poder poder para
manipular e trazer a criaccedilatildeo mais plenamente sob o domiacutenio do homem Essa
visatildeo eacute ecoada na linguagem moderna de J Bronowski Eu defino ciecircncia como
a organizaccedilatildeo de nosso conhecimento de modo a aumentar o seu domiacutenio sobre
o potencial latente na natureza
O deiacutesmo nega que Deus pode ser conhecido pela revelaccedilatildeo por atos
especiais da auto expressatildeo por exemplo na Escritura ou na encarnaccedilatildeo
Havendo excluiacutedo Aristoacuteteles como uma autoridade em assuntos relativos agrave
ciecircncia o deiacutesmo agora exclui a Escritura como autoridade em teologia
permitindo apenas a aplicaccedilatildeo da razatildeo humana
Sire entretanto buscando a coerecircncia da informaccedilatildeo discute que nem
todos os deiacutestas sustentaram a mesma maneira de pensar a respeito da questatildeo
o que de certa forma nos coloca a reflexatildeo criacutetica do autor como uma proposta
de equiliacutebrio em relaccedilatildeo ao estudo do pensamento deiacutesta bem como do
comportamento frente a questatildeo por parte de seus simpatizantes Para Sire
alguns defenderam uma seacuterie de noccedilotildees inter-relacionadas poreacutem nem todos
apoiaram as doutrinas em comum John Locke por exemplo natildeo rejeitou a ideia
da revelaccedilatildeo poreacutem insistiu em que a razatildeo humana deveria ser usada para
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julgaacute-la Certos deiacutestas como Voltair eram hostis ao cristianismo alguns como
Locke natildeo Uns acreditavam na imortalidade da alma outros natildeo
Ainda alguns criam que Deus abandonou a sua criaccedilatildeo para funcionar por
conta proacutepria outros poreacutem acreditavam na providecircncia Por fim havia os que
acreditavam em um Deus pessoal outros natildeo Por tanto os deiacutestas eram muito
menos unidos em relaccedilatildeo a questotildees baacutesicas do que os teiacutestas
No entanto o deiacutesmo natildeo provou ser uma cosmovisatildeo estaacutevel
Historicamente ele exerceu breve domiacutenio sobre o mundo intelectual da Franccedila e
Inglaterra do fim do seacuteculo XVII ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII Precedido
pelo teiacutesmo foi seguido pelo naturalismo
3 NATURALISMO
Uma siacutentese que ajuda na compreensatildeo em termos intelectuais pode ser
notada na seguinte propositura
a) No teiacutesmo Deus eacute o Criador pessoal e infinito sustentador do
cosmo
b) No deiacutesmo Deus eacute reduzido ele comeccedila a perder a sua
personalidade embora permaneccedila como Criador e (por implicaccedilatildeo)
sustentador do cosmo
c) No naturalismo Deus eacute ainda mais reduzido perdendo a sua proacutepria
existecircncia
Os personagens envolvidos nessa mudanccedila do teiacutesmo para o naturalismo
formam uma legiatildeo em especial no periacuteodo entre 1600 e 1750
A primeira proposiccedilatildeo definidora de naturalismo eacute a de que a mateacuteria existe
eternamente e eacute tudo o que haacute Deus natildeo existe
No naturalismo a natureza do cosmo eacute que eacute primaacuteria pois agora com
um Criador eterno fora de cena o proacuteprio cosmo se torna eterno - sempre laacute
poreacutem natildeo necessariamente em sua forma atual na verdade certamente natildeo em
sua presente forma
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O Naturalismo defende que o cosmo existe como uma uniformidade de
causa e efeito em um sistema fechado Os seres humanos satildeo maacutequinas
complexas a personalidade eacute uma inter-relaccedilatildeo de propriedades quiacutemicas e
fiacutesicas ainda natildeo totalmente compreendidas Para os Naturalistas a morte eacute a
extinccedilatildeo da personalidade e da individualidade homens e mulheres satildeo
constituiacutedos de mateacuteria e nada mais A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos
ligada por causa e efeito poreacutem sem uma proposta abrangente
No Naturalismo primeiramente a palavra histoacuteria como utilizada nessa
proposiccedilatildeo inclui tanto a histoacuteria natural quanto a humana pois os naturalistas
veem a ambas como uma continuidade A origem da famiacutelia humana estaacute na
natureza Surgimos dela e mais provavelmente retornaremos a ela (natildeo apenas
individualmente mas como espeacutecie)
A noccedilatildeo de um Planejador dotado de propoacutesito natildeo eacute permitida pelos
naturalistas
Ainda em relaccedilatildeo agrave eacutetica concordam os naturalistas que a mesma estaacute
relacionada apenas os seres humanos Para o teiacutesta Deus eacute o alicerce de todos
os valores enquanto que para os naturalistas os valores satildeo construiacutedos pelos
seres humanos
Duas formas de naturalismo merecem uma atenccedilatildeo especial A primeira eacute
o humanismo secular um termo que passou a ser usado e abusado tanto por
adeptos quanto por criacuteticos Por essa razatildeo algum esclarecimento quanto aos
termos se faz aqui necessaacuterio Primeiro o humanismo secular em geral eacute uma
forma de humanismo poreacutem natildeo eacute a uacutenica O humanismo em si eacute a postura
global de que os seres humanos possuem um valor especial seus anseios
pensamentos e aspiraccedilotildees satildeo significantes Igualmente existe uma ecircnfase no
valor da pessoa como indiviacuteduo
O humanismo secular eacute uma forma do humanismo que eacute totalmente
estruturada dentro da cosmovisatildeo naturalista Eacute justo afirmar creio eu que a
maioria que se sente confortaacutevel dentro do roacutetulo humanista secular encontraraacute
suas visotildees retratadas nas seis proposiccedilotildees anteriores Em outras palavras os
humanistas seculares satildeo simplesmente naturalistas embora nem todos os
naturalistas sejam humanistas seculares
A partir da uacuteltima parte do seacuteculo XIX umas das formas de naturalismo
com maior relevacircncia histoacuterica tem sido o marxismo Poreacutem Sira reconhece que e
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difiacutecil expressar com brevidade uma definiccedilatildeo sobre o marxismo devido agrave
existecircncia de diferentes tipos de marxistas
Sire conclui acerca do naturalismo que ao contraacuterio do deiacutesmo este tem
apresentado um grande poder de permanecircncia Concebido no seacuteculo XVIII ele se
desenvolveu no seacuteculo XIX chegando agrave maturidade no seacuteculo XX
Naturalismo eacute visto como o grande vilatildeo da vanguarda poacutes-moderna
Todavia ateacute o momento nenhuma cosmovisatildeo rival tem sido capaz de fazer-lhe
frente em que pese ser justo afirmar que o seacuteculo XX forneceu algumas opccedilotildees
poderosas e o teiacutesmo esteja experimentando um tipo de renascimento em todos
os niacuteveis da sociedade
Sire compreende que o que torna o naturalismo tatildeo persistente satildeo dois
motivos baacutesicos Primeiro porque daacute a impressatildeo de ser honesto e objetivo A
pessoa eacute solicitada a aceitar apenas o que parece estar fundamentado em fatos e
nos resultados seguros da investigaccedilatildeo cientiacutefica ou da erudiccedilatildeo e segundo
porque para um grande contingente de pessoas o naturalismo parece coerente
Entretanto Sire arrazoa que contudo muito antes do teacutermino do seacuteculo
XX rachaduras comeccedilaram a surgir na estrutura Os criacuteticos teiacutestas sempre
encontraram falhas nela jamais abandonando as suas convicccedilotildees de que um
Deus infinito e pessoal estaacute por detraacutes do universo
4 NIILISMO
Sire inicia argumentando que o Niilismo eacute mais um sentimento que
propriamente uma filosofia todavia sendo mais preciso o niilismo de forma
alguma eacute uma filosofia mas uma negaccedilatildeo dela da possibilidade de
conhecimento e de tudo aquilo que possui valor Uma vez que em sua
epistemologia ao avanccedilar para a absoluta negaccedilatildeo de tudo o niilismo nega ateacute
mesmo a realidade de sua proacutepria existecircncia
Porquanto o niilismo eacute a negaccedilatildeo de todas as coisas - conhecimento
eacutetica beleza realidade No niilismo nenhuma afirmaccedilatildeo possui validade nada
tem significado Antes tudo eacute gratuito dispensaacutevel isto eacute apenas existe
Sire cita o romance coacutesmico de ficccedilatildeo cientiacutefica de Douglas Adams
retratando a situaccedilatildeo dos que buscam na ciecircncia da computaccedilatildeo uma resposta
ao significado do homem
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Outros autores tais como Samuel Beckett Franz Kafka Eugene Ionesco
Joseph Heller Kurt Vonnegut Jr fazem parte das indicaccedilotildees de leitura sobre
Niilismo
O Niilismo tem suas implicaccedilotildees Sire argumenta acerca do ponto de vista
daquele que crecirc numa Revelaccedilatildeo (Teiacutesmo) uma vez que em um universo na
perspectiva Niilista onde Deus estaacute morto as pessoas satildeo culpadas de violar a
lei moral apenas satildeo culpadas da culpa e isso eacute muito seacuterio pois nada pode ser
feito a respeito Se algueacutem pecou pode haver expiaccedilatildeo Se algueacutem infligiu agrave lei o
legislador pode perdoar o infrator Mas se algueacutem apenas for culpado da culpa
natildeo haacute como solucionar esse problema extremamente pessoal
Assim os fios do niilismo epistemoloacutegico metafiacutesico e eacuteticos se entrelaccedilam
para formar uma corda longa e forte o suficiente para envolver toda uma cultura
O nome dessa corda eacute perda de significado
Segundo Sire o Niilismo eacute uma consequecircncia do Naturalismo Se
considerarmos seriamente as implicaccedilotildees da morte de Deus o desaparecimento
do transcendente o hermetismo do universo acabamos exatamente como
Niilistas convivendo com a perda de significado Questiona-se contudo por que
nem todos os Naturalistas satildeo Niilistas para Sire a resposta estaacute em que nem
todos levam a seacuterio o seu Naturalismo
Entretanto deve-se ficar claro que toda vez que os niilistas pensam e
confiam em seu pensamento eles estatildeo sendo inconsistentes pois tecircm negado
que aquele pensamento possui valor ou que pode levar ao conhecimento Poreacutem
no acircmago da afirmaccedilatildeo de um niilista repousa uma autocontradiccedilatildeo
5 EXISTENCIALISMO
O existencialismo especialmente em sua forma secular natildeo apenas leva a
seacuterio o niilismo mas eacute uma resposta a ele Sire especiacutefica que eacute importante
reconhecer que o existencialismo assume duas formas baacutesicas dependendo de
sua relaccedilatildeo com as cosmovisotildees anteriores porque o existencialismo natildeo eacute uma
cosmovisatildeo totalmente amadurecida
O existencialismo ateiacutesta eacute um parasita do naturalismo enquanto o
existencialismo teiacutesta eacute um parasita do teiacutesmo Ateacute certo ponto todas as
cosmovisotildees possuem sutis variaccedilotildees e o existencialismo natildeo constitui uma
exceccedilatildeo
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O existencialismo ateiacutesta principia com a aceitaccedilatildeo de todas as
proposiccedilotildees do naturalismo a seguir mencionadas A mateacuteria existe para sempre
Deus natildeo existe O cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito em
um sistema fechado A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos conectados por
causa e efeito mas sem um propoacutesito abrangente A eacutetica eacute relacionada apenas a
seres humanos
Na perspectiva do Existencialismo existem duas dimensotildees onde a
epistemologia estabelece suas bases a saber - O Mundo Objetivo e o Mundo
Subjetivo
O primeiro tipo de ser eacute o mundo objetivo - o mundo das coisas materiais
da lei inexoraacutevel da causa e efeito do tempo cronoloacutegico do fluxo do
mecanismo O maquinaacuterio do universo - eleacutetrons giratoacuterios galaacutexias em espiral
corpos que caem gases que se elevam e aacuteguas que fluem ndash cada qual
realizando sua funccedilatildeo eternamente inconscientes para sempre apenas
existente Aqui afirmam os existencialistas a ciecircncia e a loacutegica mostram sua
utilidade As pessoas conhecem o mundo objetivo e exterior pela virtude de uma
observaccedilatildeo atenta registrando levantando hipoacuteteses e verificando- as por meio
de experimentos sempre refinando teorias e comprovando conjecturas sobre o
mundo em que vivemos
O segundo tipo de ser eacute o mundo subjetivo mdash o mundo da mente da
consciecircncia da percepccedilatildeo da liberdade da estabilidade Aqui a percepccedilatildeo
interior da mente eacute uma consciecircncia presente um agora constante
O tempo natildeo tem significado algum pois para si mesmo o assunto estaacute
sempre presente nunca passado ou futuro A ciecircncia e a loacutegica natildeo penetram
esse domiacutenio nada tem a dizer sobre subjetividade pois ela eacute a compreensatildeo do
eu pelo natildeo eu subjetividade eacute fazer do natildeo eu parte de si mesmo O sujeito
absorve o conhecimento natildeo como a garrafa armazena o liacutequido mas como um
organismo ingere o seu alimento O conhecimento se transforma no conhecedor
Para os seres humanos ldquoa existecircncia precede a essecircnciardquo as pessoas
fazem de si mesmas o que satildeo Essa frase proveniente de Sartre eacute a mais
famosa definiccedilatildeo do acircmago do existencialismo
Sire enfatiza que o existencialismo enfatiza a desuniatildeo entre o mundo
Objetivo e o Mundo Subjetivo demonstrando que entre esses dois mundos existencialismo opta vigorosamente em favor do mundo subjetivo o que Sartre
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denomina como um conjunto de valores distintos do reino material Segundo
Sire o mundo objetivo eacute regido por leis os corpos caem se natildeo forem apoiados
O mundo subjetivo natildeo conhece nenhuma regra O que eacute presente a ele o que
estaacute aqui e agora eacute
O mundo objetivo eacute o mundo de experimentos isolados e controlados eacute o
mundo da fiacutesica o mundo subjetivo eacute o mundo do conhecimento valores
decisotildees e atos de propoacutesitos os quais esses experimentos satildeo na verdade designados a servir eacute o mundo da ciberneacutetica de nosso proacuteprio comportamento
orientado a um objetivo
Assim na premissa dos Existencialistas todos somos livres interiormente
e portanto podemos criar o nosso proacuteprio valor pela afirmaccedilatildeo de nosso meacuterito
Natildeo somos restringidos pelo mundo objetivo dos tique-taques de reloacutegios de
quedas daacutegua e de eleacutetrons giratoacuterios O valor eacute interno e o interior pertence a
cada pessoa
O Existencialista entretanto possui uma singular diferenccedila na sua
epistemologia em relaccedilatildeo ao Niilista Aqui estaacute como um existencialista vai aleacutem
do niilismo Nada possui valor no mundo objetivo no qual nos tornamos
conscientes mas enquanto somos conscientes criamos valor A pessoa que vive
uma autecircntica existecircncia eacute aquela que se manteacutem cocircnscia da condiccedilatildeo absurda
do cosmo mas que se rebela contra essa condiccedilatildeo criando significado
O homem subterracircneo de Fyodor Dostoievski eacute um paradigma do
rebelde sem uma causa aparentemente razoaacutevel
Umas das questotildees baacutesicas do existencialismo eacute que em lugar de mudar
suas pressuposiccedilotildees naturaliacutesticas compatibilizando-as com os dados biacuteblicos
eles concluiacuteram que a Biacuteblia era historicamente indigna de confianccedila Isso poderia
ter resultado em um abandono da feacute cristatilde em sua totalidade Entretanto Sire
argumenta que muitos teoacutelogos passaram a interpretar as Escrituras aacute luz do
pensamento criacutetico existencialista dentre os mais conhecidos estatildeo (Karl Barth
Reinhold Niebuhr Rudolf Bultmann e outros de seus colegas)
Sire destaca na questatildeo do existencialismo eacute importante discernir sobre as
duas formas interessantes nas quais se apresenta e que deve ser objeto de
estudo e reflexatildeo pois formam um par de cosmovisotildees que sustentam um
relacionamento fraternal poreacutem satildeo filhos de pais diferentes O existencialismo
teiacutesta surgiu com Kierkegaard como uma resposta ao teiacutesmo morto e a uma
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ortodoxia morta e com Karl Barth como uma resposta agrave reduccedilatildeo do cristianismo
a uma mera moralidade Isso deu lugar ao subjetivismo elevou a religiatildeo da
histoacuteria e concentrou sua atenccedilatildeo no significado interior O existencialismo ateiacutesta
veio agrave tona com Jean Paul Sartre e Albert Carnus como uma reaccedilatildeo ao niilismo e
a reduccedilatildeo das pessoas a insignificantes engrenagens dentro do maquinaacuterio
coacutesmico Isso levou a uma volta subjetivista elevou a filosofia da objetividade e
citou significado a partir da afirmaccedilatildeo humana
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL
A mudanccedila ao pensamento oriental desde os anos sessenta eacute por tanto
primariamente uma fuga do pensamento ocidental Sire considera que por cerca
de um seacuteculo o pensamento oriental vem fluindo para o Ocidente
As escrituras hinduiacutestas e budistas foram traduzidas e circulam agora em
ediccedilotildees de bolso de baixo custo Jaacute no ano de 1893 no primeiro Parlamento de
Religiotildees Mundiais realizado em Chicago Swami Vivekananda comeccedilou a
introduzir os ensinamentos de seu guru pessoal Sri Ramakrishna Paramahansa
D T Suzuki do Japatildeo introduziu o Zen nas publicaccedilotildees ocidentais
E Alan Watts um ocidental absorveu o Zen e retornou ao Ocidente para
propagar tais ensinos entre seus colegas ocidentais Na deacutecada de 1960 estudos
orientais jaacute tinham penetrado nas escolas de ensino meacutedio Gurus indianos
cruzaram repetidas vezes os Estados Unidos e Europa por muitas deacutecadas O
conhecimento oriental passa a ser de faacutecil obtenccedilatildeo sendo que mais e mais sua
visatildeo de realidade torna-se uma opccedilatildeo de vida no Ocidente
Sire procura elucidar a maneira Oriental de ser perceber e interpretar o
mundo partindo do monismo panteiacutesta sendo essa eacute a cosmovisatildeo raiz que
forma a base do sistema hindu
O monismo panteiacutesta eacute diferenciado das demais cosmovisotildees relacionadas
com o Oriente por seu monismo a noccedilatildeo de que apenas um elemento impessoal
constitui a realidade Hare Krishna natildeo se enquadra nessa cosmovisatildeo pois
embora compartilhe muitas caracteriacutesticas do monismo panteiacutesta oriental declara
que a realidade em uacuteltima anaacutelise eacute pessoal (e portanto compartilha uma
similaridade com o teiacutesmo totalmente ausente em Advaita Vedanta)
Na cosmovisatildeo do monismo panteiacutesta oriental Atma eacute Brahma isto eacute a
alma de cada um e de todo ser humano eacute a alma do cosmo Deus em termos
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panteiacutestas Deus eacute a realidade uacutenica infinita impessoal e suprema ou seja Deus
eacute o cosmo
Deus estaacute em tudo o que existe nada existe que natildeo seja Deus Se
qualquer coisa que natildeo seja Deus aparente existir isso eacute maya ou seja ilusatildeo e
natildeo existe realmente Em outras palavras tudo o tudo o que existe como um
objeto distinto e separado - essa cadeira natildeo aquela outra essa rocha natildeo
aquela aacutervore eu natildeo vocecirc - eacute uma ilusatildeo Natildeo eacute a nossa distinccedilatildeo que nos
concede realidade mas a nossa unicidade o fato de sermos Brahma e Brahma eacute
u m Sim Brahma eacute o um
Sire lembra que noacutes ocidentais natildeo estamos acostumados a esse tipo de
sistema Distinguir isso eacute pensar Essa noccedilatildeo no monismo panteiacutesta eacute
diametralmente contraacuteria ao teiacutesmo No teiacutesmo a personalidade eacute a caracteriacutestica
principal sobre Deus como tambeacutem sobre as pessoas Significa que um indiviacuteduo
possui complexidade no acircmago de seu ser A personalidade demanda
autoconsciecircncia e autodeterminaccedilatildeo e ambos envolvem dualidade - o pensador e
a coisa pensada No teiacutesmo tanto Deus quanto a humanidade satildeo complexos
No panteiacutesmo a caracteriacutestica principal sobre Deus eacute a Unidade abstrata
absoluta indiferenciada e natildeo dual unidade Isso coloca Deus aleacutem da
personalidade
Sire considera que um dos pilares da cosmovisatildeo Oriental estaacute em
perceber a unidade com o cosmo eacute ir aleacutem do bem e do mal o cosmo eacute perfeito a
todo o momento Trata-se de um assunto dos mais sensiacuteveis Constitui um dos
pontos mais delicados no panteiacutesmo oriental porque as pessoas se recusam a
negar a moralidade Elas continuam a agir como se algumas accedilotildees fossem
certas e outras erradas Aleacutem disso o conceito de carma eacute quase universal no
pensamento oriental
Na cosmovisatildeo Oriental Carma eacute a compressatildeo de que o presente destino
de algueacutem prazer ou dor ser rei escravo ou um mosquito eacute fruto de accedilotildees
passadas em especial em um a existecircncia anterior Isso estaacute portanto
conectado agrave noccedilatildeo de reencarnaccedilatildeo que proveacutem do princiacutepio geral de que nada
que eacute real (ou seja nenhuma alma) jamais perde a consciecircncia da existecircncia
Pode demorar seacuteculos e mais seacuteculos para encontrar seu caminho de volta ao
Um poreacutem nenhuma alma deixaraacute de ser Toda alma eacute eterna pois toda alma eacute
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essencialmente Alma e portanto para sempre o um Carma eacute a versatildeo oriental d
o ditado vocecirc colhe o que semeia
Sire explica poreacutem que o carma implica em uma estrita necessidade Se
vocecirc pecou natildeo haacute Deus para cancelar sua diacutevida e perdoar A confissatildeo para
nada se aproveita O pecado deve ser resolvido e o seraacute Eacute claro que a pessoa
pode escolher seus atos futuros e portanto o carma natildeo implica em
determinismo ou fatalismo
Para deixar mais claro Sire elucida que haacute duas coisas que devem ser
observadas sobre esse sistema Primeira o fundamento para se praticar o bem
natildeo eacute para que o bem seja realizado ou de modo a beneficiar outra pessoa O
carma demanda que cada alma sofra por seus pecados passados natildeo
havendo assim valor em aliviar o sofrimento A alma que for auxiliada teraacute que
sofrer mais tarde Por tanto natildeo existe o amor aacutegape o amor doador nem
qualquer outro tipo de amor deve beneficiar o receptor A pessoa deve praticar
boas obras a fim de obter unidade com o um Fazer o bem eacute primeira e
principalmente um modo de vida de autoajuda
Segunda todas as accedilotildees simplesmente fazem parte de todo um mundo de
ilusatildeo
A cosmovisatildeo monoteiacutesta panteiacutesta oriental tem a morte como o fim da
existecircncia pessoal individual mas natildeo altera nada de essencial na natureza do
indiviacuteduo
A morte humana sinaliza o fim de uma encarnaccedilatildeo individual de Atma
Igualmente sinaliza o fim de uma pessoa Mas a alma Atma eacute indestrutiacutevel No
entanto observe nenhum ser humano no sentido de indiviacuteduo ou pessoa
sobrevive agrave morte Atma sobrevive mas Atma eacute impessoal Quando Atma eacute
reencarnado torna-se outra pessoa Entatildeo o hinduiacutesmo ensina a imortalidade da
alma Sim mas natildeo uma imortalidade pessoal e individual
O monismo hindu defende que a realidade final eacute Brahma o uacutenico
O monismo zen-budista sustenta que a realidade final eacute o vazio
A distinccedilatildeo tambeacutem leva a uma diferente compreensatildeo dos seres
humanos
Para um hindu a pessoa individual eacute uma alma (Atma) e portanto eacute
dotada de realidade substancial (espiritual natildeo material) porque eacute uma emanaccedilatildeo
de Brahma (a proacutepria realidade) Na morte a alma individual perde sua residecircncia
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corpoacuterea mas eacute reencarnada em outro indiviacuteduo - um tipo de transmigraccedilatildeo da
alma
Para um budista uma pessoa individual eacute uma natildeo alma Natildeo haacute natureza
que possa ser nomeada no acircmago de cada pessoa Na verdade cada pessoa eacute
uma soma de pessoas anteriores
Sire ainda apresenta distinccedilotildees importantes da cosmovisatildeo oriental sendo
importante a leitura do livro para compreensatildeo de detalhes tais como maneiras e
modelos de meditaccedilatildeo presentes na cultura oriental e suas diferenccedilas e
similaridades diferenccedilas nas praacuteticas religiosas conceito em relaccedilatildeo ao corpo
alma espiacuterito moral eacutetica etc
7 A NOVA ERA
No fim de 1987 a revista Time uma vez mais deu atenccedilatildeo ao movimento
da Nova Era com sua capa exibindo Shirley MacLaine e uma histoacuteria abordando
curandeiros da feacute canalizadores viajantes do tempo e cristais em abundacircncia
A partir de entatildeo MacLain e parece assumir a posiccedilatildeo de maior expoente da
Nova Era
A cosmovisatildeo da Nova Era eacute altamente sincreacutetica e ecleacutetica tomando
emprestado de todas as principais cosmovisotildees A Nova Era deposita grande
valor na pessoa como indiviacuteduo
Para Sire longe de estar totalmente formada a cosmovisatildeo da Nova Era
ainda conteacutem muitas arestas por aparar tensotildees internas e ateacute mesmo
contradiccedilotildees evidentes Trata-se de uma cosmovisatildeo cuja essecircncia de sua
filosofia estaacute em considerar o cristianismo como algo jaacute superado de modo que
uma nova civilizaccedilatildeo humana estaacute surgindo tendo a tecnologia a ciecircncia
filosofia psicologia e demais disciplinas todas convergentes para uma nova
realidade da existecircncia humana A Era de Peixes terminou e deu lugar a Era de
Aquaacuterio
No acircmbito religioso misturam princiacutepios filosoacuteficos e miacutesticos Os adeptos
da Nova Era se utilizam de vaacuterios instrumentos simbologias e filosofias para fins
de esclarecimento e compreensatildeo das mudanccedilas e sentido dos acontecimentos
da Nova Era tais como piracircmides filosofias orientais energias coacutesmicas cristais
energeacuteticos amuletos pensamentos positivos esoterismo (cabala horoacutescopo
mantra mapa astral Yoga relaxamento ecologia aura em harmonia com o
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corpo Yin Yang) estes servem de orientaccedilatildeo didaacutetica para a nova consciecircncia
Assim a consciecircncia coacutesmica - enxergar o mundo atraveacutes de um sistema
diferente de siacutembolos
A maioria dos proponentes da Nova Era e da nova consciecircncia possui um
saudaacutevel respeito pela ciecircncia Ken Wilber Aldous Huxley Laurence LeShan e
William Irwin Thompson satildeo os melhores exemplos E m suma o universo visiacutevel
estaacute sujeito agrave uniformidade de causa e efeito poreacutem o sistema estaacute aberto para
ser reordenado pelo eu (em especial quando percebe sua unidade com o um)
que por fim o controla e por seres da mente expandida os quais o eu pode
recrutar como agentes de mudanccedila
Sire argumenta que a mente expandida eacute um tipo de universo ao lado
alternadamente chamado de consciecircncia expandida ou consciecircncia alternativa
(MacLaine) uma realidade separada (Castaneda) realidade clarividente
(LeShan) outros espaccedilos (Lilly) supermente (Rosenfeld) vazioface original
(Wilber) ou mente universal (Klimo) Essa mente expandida natildeo obedece agraves leis
do universo visiacutevel A consciecircncia do eu pode viajar centenas de quilocircmetros pela
superfiacutecie da terra e fazecirc-lo n um piscar de olhos
Contudo Sire destaca que a essecircncia da experiecircncia da Nova Era eacute a
consciecircncia coacutesmica na qual categorias comuns de espaccedilo tempo e moralidade
tendem a desaparecer Sendo que a caracteriacutestica primaacuteria da consciecircncia
coacutesmica eacute uma consciecircncia do cosmo ou seja da vida e da ordem do universo
Em conjunto com essa consciecircncia do cosmo ocorre uma iluminaccedilatildeo intelectual
que por si soacute transportaria o indiviacuteduo para um novo plano de existecircncia mdash o
tornaria um membro de uma nova espeacutecie
Um ponto central na consciecircncia coacutesmica eacute a experiecircncia unitaacuteria primeiro
a experiecircncia de perceber a totalidade do cosmo segundo a experiecircncia de se
tornar um com todo o cosmo e finalmente a experiecircncia de ir aleacutem daquela
unidade com o cosmo para reconhecer que o eu eacute o gerador de toda a realidade e
que nesse sentido tanto eacute o cosmo como o seu criador
A morte fiacutesica natildeo eacute o fim do eu sob a experiecircncia da consciecircncia coacutesmica
o temor da morte eacute removido Para os adeptos da Nova Era a base definitiva para
a crenccedila de que a morte eacute apenas uma transiccedilatildeo para outra forma de vida eacute no
entanto a noccedilatildeo de que a consciecircncia eacute mais do que a manifestaccedilatildeo fiacutesica de
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uma pessoa Se algueacutem eacute o todo ou o criador de tudo e se isso eacute conhecido
intuitivamente entatildeo a pessoa certamente natildeo precisa temer a morte
Trecircs atitudes distintas satildeo consideradas para a questatildeo metafiacutesica da
natureza da realidade sob o quadro geral da Nova Era (1) a versatildeo oculta na
qual os seres e coisas percebidos em estados alterados de consciecircncia existem agrave
parte do ser que eacute consciente (2) a versatildeo psicodeacutelica na qual essas coisas e
seres satildeo projeccedilotildees do eu consciente e (3) a versatildeo relativista conceituai na qual
a consciecircncia coacutesmica eacute a atividade consciente de uma mente utilizando um dos
muitos modelos incomuns para a realidade nenhum dos quais eacute mais
verdadeiro do que qualquer outro
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO
Nas consideraccedilotildees finais Sire apresenta o quadro criacutetico do saber
filosoacutefico que mexe e convulsiona todas as cosmovisotildees expostas em seu livro
tendo como ponto de partida o reconhecimento da morte de Deus como o comeccedilo
da sabedoria poacutes-moderna
Nossa era que mais e mais estaacute sendo chamada de poacutes-moderna
encontra-se agrave deriva em um mar de perspectivas pluralistas de possibilidades
filosoacuteficas em excesso poreacutem sem qualquer noccedilatildeo dominante que indique para
onde ir ou como chegar laacute Um futuro de anarquia cultural se avizinha como
inevitaacutevel
Lyotard definiu poacutes-moderno como uma incredulidade direcionada agraves
metanarrativas Um dos vetores da poacutes-modernidade eacute que com o advento do
poacutes-modernismo nenhuma histoacuteria pode ter mais credibilidade que a outra Todas
elas satildeo igualmente vaacutelidas sendo assim validadas pela comunidade que vive
por elas
Por isto para Sire a primeira questatildeo que o poacutes-modernismo suscita natildeo eacute
o que estaacute laacute ou como sabemos o que laacute estaacute mas como a linguagem funciona
para construir significado Em outras palavras haacute uma mudanccedila nas primeiras
coisas de ser para saber para construir significado
A sociedade entatildeo move-se da hierarquia medieval para o Iluminismo da
democracia universal para o poacutes-moderno privilegiando os valores autodefinidos
de indiviacuteduos e comunidades
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A noccedilatildeo da autonomia da razatildeo humana liberou a mente humana da
autoridade dos antigos O progresso cientiacutefico e tecnoloacutegico ocorreu natildeo das
noccedilotildees reveladas nas Escrituras mas da pressuposiccedilatildeo de que a razatildeo humana
poderia de fato encontrar o seu caminho rumo agrave verdade Tal conhecimento
constituiacutea poder poder instrumental poder sobre a natureza poder para
satisfazer nossos desejos Na ciecircncia os resultados foram extraordinaacuterios Na
filosofia entrementes o movimento do ser para conhecer da primazia de Deus
que cria e revela para a primazia do eu que conhece por si soacute mostrou-se fatal
Isso estabeleceu a agenda para a filosofia moderna de Locke a Kant como
igualmente alimentou a repercussatildeo da filosofia poacutes-moderna de Nietzsche a
Derrida com o otimismo humanista mesclado ao desespero O proacuteprio
conhecimento encontra-se sob fogo cruzado em especial a noccedilatildeo de que haacute
quaisquer verdades de correspondecircncia O relativismo conceitual discutido no
capiacutetulo anterior serve agora natildeo apenas agrave experiecircncia religiosa mas a todos os
aspectos da realidade
Uma das frases que traduz o ceticismo poacutes-moderno eacute ―A verdade sobre a
proacutepria realidade estaacute para sempre oculta de noacutes Tudo o que podemos jazer eacute
contar histoacuterias
Sire argumenta que todas as narrativas mascaram um jogo pelo poder
Qualquer narrativa utilizada como metanarrativa torna-se opressiva
Conhecimento eacute poder Francis Bacon fez essa afirmaccedilatildeo em um momento
particularmente profeacutetico O moderno conhecimento cientiacutefico tem demonstrado
seu poder por trecircs seacuteculos Com o advento do poacutes-modernismo entretanto a
situaccedilatildeo inverteu-se Natildeo existe conhecimento objetivo puro nenhuma verdade
de correspondecircncia Em lugar disso existem apenas histoacuterias que quando cridas
concedem ao narrador poder sobre os seus ouvintes
Natildeo haacute eu substancial Os seres humanos fazem de si mesmos o que satildeo
pelas linguagens construiacutedas sobre eles mesmos O conceito base eacute de que natildeo
haacute nada no acircmago de nosso ser exceto o que noacutes mesmos colocamos laacute
nenhuma norma que natildeo tenhamos criado no decurso de criaccedilatildeo de uma praacutetica
nenhum padratildeo que natildeo seja um apelo a tal norma nenhuma argumentaccedilatildeo
rigorosa que natildeo seja obediente agraves nossas proacuteprias convenccedilotildees
Considera-se assim que na Idade Meacutedia a teologia era a rainha das
ciecircncias No iluminismo a filosofia e em especial a ciecircncia tornaram-se a
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vanguarda da mudanccedila cultural intelectual Jaacute na era poacutes-moderna a teoria
literaacuteria passa a exercer esse papel na linha de frente
Contudo embora Sire tenha compreensatildeo dos aspectos positivos da poacutes-
modernidade tambeacutem analisa e criacutetica a poacutes-modernista aceita o seu otimismo
naturalista em geral poreacutem reconhece a excessiva confianccedila que tem sido
depositada na razatildeo humana e no meacutetodo cientiacutefico Argui o reconhecimento poacutes-
moderno de que a linguagem estaacute intimamente associada com o poder
entretanto o poacutes-modernista que colocar a sua fala como superior estaraacute caindo
em contradiccedilatildeo
Sire conclui refletindo que de qualquer forma o desafio da morte de Deus
da morte da razatildeo da morte da verdade e a morte do eu - todos dominantes no
poacutes-modernismo atual - provavelmente estaratildeo convivendo conosco por muito
tempo
Para Sire o poacutes-modernismo natildeo eacute uma cosmovisatildeo madura mas eacute uma
perspectiva tatildeo penetrante que tem influenciado inuacutemeras cosmovisotildees mais
notadamente o naturalismo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Sire termina o seu livro fazendo consideraccedilotildees e resumindo as SETE
COSMOVISOtildeES baacutesicas seis se natildeo contarmos o niilismo ou oito se contarmos
as duas formas de existencialismo em separado ou ainda dez se
acrescentarmos o animismo e a perspectiva poacutes-moderna ambos mencionados
com brevidade
O fato eacute que embora a princiacutepio as cosmovisotildees pareccedilam proliferar elas
satildeo constituiacutedas de respostas a questotildees para as quais haacute apenas um limitado
nuacutemero de respostas
Em meio as vaacuterias propostas de cosmovisotildees Sire vecirc o ser humano sendo
obrigado a fazer a sua escolha porquanto todos estatildeo em busca do sentido da
vida Diante disso questiona o que pode nos auxiliar a escolher entre uma
cosmovisatildeo que presume a existecircncia de um Deus pessoal e transcendente e
outra que natildeo o faz Contudo devemos ter a consciecircncia de que qualquer
cosmovisatildeo que adotarmos seraacute limitada Nossa finitude como seres humanos o
que quer que a nossa humanidade venha a ser manter-nos-aacute longe da precisatildeo
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total quanto agrave maneira que compreendemos e expressamos nossa cosmovisatildeo e
tambeacutem da totalidade e exaustatildeo
Sire argui ao finalizar seu livro que na busca por uma cosmovisatildeo deve
ser levado em conta algumas questotildees fundamentais da existecircncia humana
porquanto uma cosmovisatildeo apropriada deve explicar o que ela proclama explicar
Assim Sire indica algumas das perguntas cruciais que devem ser feitas a
uma cosmovisatildeo satildeo Como ela explica o fato de os seres humanos pensarem
mas pensar hesitantemente amar mas tambeacutem odiar serem criativos poreacutem
igualmente destrutivos saacutebios mas com frequecircncia tolos e assim por diante O
que explica nossos anseios pela verdade e por realizaccedilatildeo pessoal Por que o
prazer como o conhecemos agora raramente nos satisfaz por completo Por que
em geral sempre queremos mais - mais dinheiro mais amor mais ecircxtase Como
explicar a recusa humana em agir de um modo amoral Por fim sugestiona que
uma cosmovisatildeo deve ser satisfatoacuteria subjetivamente
Concluindo Sire opta pela reconsideraccedilatildeo e releitura do Teiacutesmo Cristatildeo
sendo de grande relevacircncia e presente em todas as estruturas do pensamento
humano Para Ele o Teiacutesmo Cristatildeo permanece em todos os niacuteveis da sociedade
e em cada disciplina acadecircmica - nas ciecircncias e nas humanidades na tecnologia
e no mundo dos negoacutecios ndash aqueles que consideram seu teiacutesmo com cabal
seriedade e honestidade intelectual
Sire termina sua obra literaacuteria esclarecendo o desafio que haacute para a
teologia argumenta haacute muito mais a ser dito sobre as dimensotildees pessoais e
teoloacutegicas dessa forma de se olhar a vida Aceitar o cristianismo cristatildeo apenas
como um construto intelectual na verdade natildeo eacute aceitaacute-lo plenamente Existe
uma dimensatildeo profundamente pessoal envolvida em compreender e viver dentro
dessa cosmovisatildeo pois ela inclui o reconhecimento de nossa proacutepria
dependecircncia de Deus como suas criaturas nossa rebeliatildeo contra ele e nossa
confianccedila nele pela restauraccedilatildeo da amizade com sua pessoa E isso significa
aceitar a Cristo tanto como nosso libertador da escravidatildeo como Senhor para
nosso futuro
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REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4
ed Satildeo Paulo Hagnos 2009
Autor ndash Me Marcelo Alves Dantas
Docente FATEJ FADISA Bacharelando em Direito - UNIESPFAPAN Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo - UMESP Mestre em Teologia do Novo Test - FTBSP Docecircncia do Ensino Superior - UNOPAR Bacharel em Teologia - UMESP E-mail marcelodantasteologiagmailcom
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PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO
RESUMO
O presente artigo reflete a perspectiva do ateiacutesmo cristatildeo Atraveacutes do
diaacutelogo com o pensamento do filoacutesofo Andreacute Comte-Sponville tratamos de
responder duas perguntas sobre o assunto A primeira pergunta consiste em
saber se eacute possiacutevel ser um ateu cristatildeo a segunda se haacute uma moralidade
para esse seguimento Nossa busca estaacute relacionada com o espiacuterito do
ateiacutesmo e uma moral destituiacuteda da religiatildeo ocidental mas que sustente a
humanidade por meio daquilo que temos em comum O artigo propotildee apoacutes
explanaccedilatildeo uma possibilidade via o ateiacutesmo cristatildeo de outra religiatildeo ndash que
natildeo a sustentada pelo cristianismo ndash que abarque o amor como uma accedilatildeo
humana possiacutevel
Palavras-chave Ateiacutesmo cristatildeo ndash Comte-Sponville ndash Moral
Abstract This article reflects the perspective of Christian moral Through
dialogue with the thinking of philosopher Andreacute Comte-Sponville we try to answer
two questions on the subject The first question is whether it is possible to be a
Christian atheism the second if there is a morality for this follow-up Our search is
related to the spirit of atheism and a morality devoid of Western religion but that
supports humanity through what we have in common The article proposes after
explanation a possibility via Christian atheism of another religion ndash not that
sustained by Christianity ndash that embraces love as a possible human action
Keyword Christian Atheism ndash Comte-Sponville ndash Moral
autor Prof Me Rafael de Campo
elfaracamposhotmailcom
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INTRODUCcedilAtildeO
Parece contraditoacuterio o tiacutetulo dessa reflexatildeo mas como veremos na
exposiccedilatildeo algumas contradiccedilotildees satildeo possiacuteveis ou aceitas no campo das ideias
Mais do que possiacutevel as contradiccedilotildees alimentam a vida principalmente na esfera
da religiatildeo A possibilidade de haver numa mesma sentenccedila as palavras
―ateiacutesmo e ―cristatildeo eacute tatildeo igual haacute possibilidade de pensarmos o ateiacutesmo como
budista maometano judaico etc
O ateiacutesmo cristatildeo como sugerido ndash contraditoacuterio ndash pode ser considerado
um oximoro por excelecircncia e deseje brincar seriamente com opostos que se
excluem Esse paradoxismo eacute sugestivo de opiniotildees contraacuterias ou seja unir dois
polos que natildeo confluem por causa de seus sentidos diferentes e que vatildeo contra a
opiniatildeo (gr doxa) um do outro Com maior clareza ateiacutesmo e cristianismo
enquanto termos antiteacuteticos se referem a universos excludentes e dizem respeito
a doutrinas que natildeo podem confluir simultaneamente Satildeo duas grandes
dicotomias que se negam gerando aqui uma siacutentese
Ainda essa contraposiccedilatildeo entre ateiacutesmo e cristianismo representa o
pensamento por diacuteades ou seja os dois termos satildeo antiteacuteticos e entendidos
como natildeo complementares Cada um representa e interpreta um universo
particular em um mundo composto em que os entes divergem e conflitam entre
si Enfim dessa contraposiccedilatildeo ocorre uma siacutentese dialeacutetica (afirmaccedilatildeo + negaccedilatildeo
= negaccedilatildeo da negaccedilatildeo) onde ateiacutesmo e cristianismo geraria o ―ateiacutesmo cristatildeo52
Assim a tentativa de combinar as ideias do cristianismo (em suma a moral
extraiacuteda do homem Jesus dito o Cristo) com a moral ateia natildeo eacute uma realidade
tatildeo divulgada e difundida nos meios e ciacuterculos ndash sejam eles acadecircmicos ou mais
populares Um dos filoacutesofos da atualidade que trata e assume o ateiacutesmo cristatildeo
(ou ateiacutesmo fiel) eacute Andreacute Comte-Sponville
A partir de suas inferecircncias iremos dialogar numa busca por compreender
o que se denominou por ateiacutesmo cristatildeo ou seja a base para um ateu fiel Temos
por objetivo pensar duas perguntas eacute possiacutevel algueacutem se dizer ateu cristatildeo Que
tipo de moralidade um ateu fiel segui A primeira pergunta sugere examinar e
expor quais as bases daquilo que Comte-Sponville chama de ateiacutesmo cristatildeo
52
Um livro sugerido para entender o ateiacutesmo e o cristianismo como partes contrapostas na histoacuteria desde a antiguidade ateacute atualmente Cf MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
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A segunda pergunta gira em torno da questatildeo moral ligada as duas redes
de conhecimento a religiatildeo cristatilde ocidental (o cristianismo) e o ateiacutesmo
Desde jaacute eacute necessaacuterio informar que esse ensaio natildeo se propotildee refletir as
―provas acerca da existecircncia ou da natildeo existecircncia de qualquer divindade
Portanto nossa exposiccedilatildeo estaacute baseada no diaacutelogo com essa ―nova
espiritualidade ndash sendo possiacutevel assim chamar
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO
O Espiacuterito do Ateiacutesmo eacute o livro do filoacutesofo francecircs materialista racionalista
e humanista Andreacute Comte-Sponville lanccedilado originalmente em francecircs com o
tiacutetulo L‟ESPRIT DE L‟ATHEacuteISME por Albin Michel Paris 2006 Seu conteuacutedo
estaacute divido em trecircs capiacutetulos e subdivisotildees preacircmbulo e conclusatildeo Nele Comte-
Sponville relata sua experiecircncia com essa nova espiritualidade e a oferece como
uma opccedilatildeo tanto aos ateus quanto ao religioso O livro eacute escrito basicamente
para motivar uma espiritualidade que vai para aleacutem da religiatildeo Por assim dizer o
livro foi escrito em prol da ―toleracircncia pela laicidade pela liberdade de crenccedila e
de descrenccedila O espiacuterito natildeo pertence a ningueacutem A liberdade tambeacutem natildeo
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 9) Assim como tambeacutem contra a intoleracircncia o
dogmatismo o obscurantismo o integrismo e o fanatismo contra a supersticcedilatildeo o
niilismo e a apatia
Em busca do essencial ou daquilo que eacute mais baacutesico ao ser humano
Comte-Sponville idealiza uma espiritualidade que acopla em si trecircs perguntas
cada uma exposta nos trecircs capiacutetulos do livro
O primeiro capiacutetulo Pode-se viver sem religiatildeo (que eacute o guia para nossa
reflexatildeo nesse ensaio) iraacute introduzir argumentos do autor contra a religiatildeo e
erigiraacute a base de uma nova espiritualidade alicerccedilada sobre os conceitos de
comunhatildeo fidelidade e amor Em contraste com a feacute a esperanccedila e o amor de I
Coriacutentios 13 Sponville refaz a loacutegica das virtudes teologais atentando para o
proacuteprio texto biacuteblico onde se diz que a feacute passaraacute a esperanccedila passaraacute e o
amorcaridade permaneceraacute Talvez esse seja o ponto alto de sua reflexatildeo agrave
espiritualidade que articula no livro feacute e esperanccedila como virtudes provisoacuterias ou
seja jaacute passaram Vivemos pois na era do Reino do amor O ateu fiel afirmaraacute
que jaacute estamos no amor pois o Reino eacute aqui e agora
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O propoacutesito de Sponville natildeo eacute a exegese histoacuterico-criacutetica mas encontrar
―um ponto de tangecircncia ou de intersecccedilatildeo que o faccedila compreender e entrar em
acordo com o religioso que fora na juventude e com o ateu que eacute e lecirc
habitualmente Santo Agostinho Satildeo Tomaacutes de Aquino Espinosa Montaigne
Schopenhauer Pascal e outros O ateu de espiritualidade deseja entender o amor
como sendo mais elevado e mais precioso do que a feacute e a esperanccedila para
compreender que a vida eacute superior a qualquer religiatildeo que a comunhatildeo nada tem
a ver com igrejas e catedrais e que a fidelidade supera a feacute assim como supera o
proacuteprio ateiacutesmo
O segundo capiacutetulo do livro Deus existe trata de colocar em evidecircncia as
provas ndash na verdade a fraqueza delas ndash argumentando a ausecircncia frente a uma
pergunta tatildeo complexa Juntamente Sponville iraacute expor a fraqueza das
experiecircncias ndash uma vez que as pessoas dizem sentir e experimentar o ser divino
em seu cotidiano Ainda argumenta contra a incompreensibilidade da crenccedila em
Deus pois crer em Deus eacute querer explicar o que natildeo compreendemos por aquilo
que compreendemos menos ainda a saber Deus O autor conclui esse capiacutetulo
colocando sobre a mesa o assunto tatildeo caro ao cristianismo e para as religiotildees
monoteiacutestas que eacute a questatildeo do mal ndash ou a teodiceia ndash e tambeacutem a proposta do
direito que muitos tecircm de natildeo crer na divindade como oferecido pela religiatildeo
cristatilde
O capiacutetulo final relata a proposta pessoal (como a declaraccedilatildeo de uma
experiecircncia) que para Sponville eacute a mais importante pois eacute sobre uma
espiritualidade sem Deus Que espiritualidade para os ateus Sua resposta eacute de
cara que essa espiritualidade natildeo envolve religiatildeo eou ateiacutesmo mas sim uma
vida espiritual Isso uma vez que aquele que natildeo acredita em Deus tem um
espiacuterito e pode utiliza-lo Ele descreve sobre seu contato ―miacutestico com uma
espiritualidade mais abrangente que envolve tanto o conhecimento quanto a
experiecircncia natural e apresenta essa experiecircncia miacutestica a partir do que chamou
de ―suspensotildees ou parecircnteses que o fizeram estar num ―estado modificado de
consciecircncia Esse capiacutetulo eacute escrito como liccedilotildees que o autor experimentou
daquilo que vivenciou estando nesse estado modificado de consciecircncia em raras
experiecircncias
O livro tem como objetivo apresentar uma nova espiritualidade aquela em
que o Deus transcendente e suas instruccedilotildees natildeo se encontram (pelo menos como
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acreditam os cristatildeos) Salienta uma reflexatildeo de interconexatildeo entre o cristianismo
(a religiatildeo por excelecircncia do ocidente) e o seu Cristo tendo na mesma esteira o
ateiacutesmo e tambeacutem algumas praacuteticas da espiritualidade oriental a filosofia e
alguns de seus representantes
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO
Buscar o alicerce que sustenta uma espiritualidade que natildeo se finca em
uma tradiccedilatildeo religiosa especiacutefica e tampouco em um livro-texto sagrado como
base de devoccedilatildeo e rito eacute praticamente uma busca por entender o que se quer
dizer com uma espiritualidade sem base fixa ou seja sem um centro de poder
que legalize e legitime as atitudes morais que deveriam ser cumpridas e exercidas
por um devoto Sem uma fonte de revelaccedilatildeo que afirme o que se deve crer e
fazerobedecer fica complicado discernir as praacuteticas os ritos as devocionais que
sustentem a crenccedila de um religioso devoto do tipo ocidental Entretanto como jaacute
se afirmou acima se todos temos ―espiacuterito eacute possiacutevel raciocinar uma
espiritualidade que caiba dentro da vida essa particular a cada um
Para uma anaacutelise mais didaacutetica iremos questionar separadamente o que
estamos chamando de ateiacutesmo cristatildeo Eacute na realidade a busca por uma
articulaccedilatildeo entre uma cultura ateia e uma cultura cristatilde Por cultura em ambas as
frentes no sentido estrito denomina-se ―o conjunto de conhecimento que tanto o
ateiacutesmo quanto o cristianismo ―transmite e valoriza (Cf COMTE-SPONVILLE
2011b p 135-136) A dificuldade se instala na prerrogativa de que o ateiacutesmo e o
cristianismo natildeo satildeo coisasobjetos iguais o ateiacutesmo ndash principalmente o que
queremos aqui evidenciar ndash eacute reclamado uma moral e natildeo uma religiatildeo como eacute
dito do movimento que evidencia e tem como centro a pessoa de Jesus
Utilizando as recentes pesquisas no campo da histoacuteria da evoluccedilatildeo
humana tanto a moral quanto a religiatildeo fazem parte das ―ordens imaginadas que
as pessoas (os Homo sapiens) criaram no processo de cooperaccedilatildeo muacutetua na
histoacuteria da humanidade Dessa forma uma religiatildeo qualquer eacute tida como religiatildeo
pelo fato de definir-se como um ―sistema de normas e valores humanos que se
baseia na crenccedila em uma ordem sobre-humana (HARARI 2017 p 218) A
principal caracterizaccedilatildeo de uma religiatildeo supotildee que a mesma tenha em
funcionamento padrotildees morais e de comportamento que seja universal e esteja
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ligada com a difusatildeo de sua crenccedila Isso significa que hoje para se definir como
religiatildeo eacute preciso que natildeo seja como as ―religiotildees antigas ndash que eram locais e
exclusivas ou seja povos que criam em deidades proacuteximas agrave terra de moradia
que ocupavam e natildeo tinham nenhum interesse em conversatildeo universal de
qualquer outra tribo morando distante deles (HARARI 2017)
Se religiatildeo e moral satildeo de ordem imaginada53 ligadas intersubjetivamente
e tecidas por uma trama ndash algo que se refere a uma rede de comunicaccedilotildees que
liga e conecta a consciecircncia subjetiva de milhares e milhotildees de indiviacuteduos ndash
entatildeo para se pensar o ateiacutesmo cristatildeo eacute preciso ultrapassar o pensamento da
ordem imaginada vigente e criar uma nova ordem imaginada alternativa Isso
seria a intersecccedilatildeo a quebra do muro que mantecircm dentro de certos limites a
religiatildeo vigente para entatildeo como afirma Sponville acerca do ateiacutesmo cristatildeo
forjar ―para mim uma espeacutecie de Cristo interior manso e limpo de coraccedilatildeolsquo sim
mas puramente humano que me acompanha e me guia (COMTE-SPONVILLE
2016 p 66)
A proposta de romper com os limites estabelecidos para forjar uma nova
espiritualidade natildeo configura seja para Comte-Sponville ou para algum outro ateu
fiel a formaccedilatildeo basilar de uma nova ordem religiosa Natildeo eacute essa a proposta de O
Espiacuterito do Ateiacutesmo Isso porque o projeto eacute muito mais pessoal e individual do
que uma proposiccedilatildeo que tenha caraacuteter de alcance universal O que ele pensa eacute
uma nova espiritualidade e essa sim de caraacuteter laica (gr laikoacutes ―do povo) e
totalmente desvencilhada da religiatildeo cristatilde ndash mas natildeo desfocada de sua
personagem principal No entanto essa nova espiritualidade busca por definiccedilotildees
e vai ao encontro de uma moral cabiacutevel a experiecircncia real o que pode configurar
nas pretensotildees de alguns uma nova ideologia
Ao que nos parece Comte-Sponville recorre ao misteacuterio do universo da
humanidade e de todas as forccedilas naturais que por si soacute ultrapassam nossas
concepccedilotildees de realidade e revelam nossa insignificacircncia como caccediladores desse
misteacuterio O tom criacutetico de Sponville eacute contra a natildeo criticidade Como filoacutesofo a
busca pelo misteacuterio deve convergir em resultados empiacutericos (de accedilotildees ao bem
53
Para Harari ordens imaginadas satildeo redes de cooperaccedilatildeo que regem e organizam nossa vida partilhadas universalmente entre milhotildees e milhotildees de pessoas e que existe apenas em nossa imaginaccedilatildeo Exemplos que ele relata como ordens imaginadas o dinheiro os impeacuterios e as religiotildees universais satildeo as bases que assentaram o mundo unificado (globalizado) de hoje
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comum) para que seja possiacutevel a afirmaccedilatildeo criacutetica Em um segundo plano sabe-
se que o misteacuterio se perfaz solitaacuterio e intransponiacutevel agrave busca racional
21 - O que ldquoacreditardquo o ateiacutesmo cristatildeo
Para Conte-Sponville hoje o ocidente jaacute natildeo eacute tatildeo cristatildeo como se pensa e
tem se mostrado (Cf COMTE-SPONVILLE 2016) A religiatildeo cristatilde perde
anualmente sua autonomia como religiatildeo universal e principalmente ela natildeo
evoca mais aos natildeo cristatildeos (e ateacute mesmo aos seus fieacuteis) o status de ―uacutenica A
proacutepria oponibilidade deu lugar a uma frente que preza antes pela simpatia do que
pela rechaccedila Obviamente seu discurso natildeo mudou Seus liacutederes tecircm mudado as
estrateacutegias tentando unificar um tipo de relaccedilatildeocomunhatildeo plural entre as
religiotildees universais Mostra-se ndash seja nos catolicismos seja nos protestantismos
ou evangelicalismos ndash em busca de uma moral contextualizada que natildeo incorra
retrograda e ateacute mesmo primitiva mas ao mesmo tempo haacute o esforccedilo pela
conservaccedilatildeo de seus dogmas e de sua feacute em um uacutenico Deus
O inverso de querer manter-se impetrado em uma moral regida por dogmas
transcendentesabsolutos imprime a pergunta ―Por que haacute alguma coisa em vez
de nada (COMTE-SPONVILLE 2011a p 23) Para essa pergunta natildeo existe
uma resposta empiacuterica e de loacutegica e de qualquer forma nunca saberemos se de
fato haacute uma resposta O cristatildeo supotildee haver algo em oposiccedilatildeo ao nada Jaacute o
ateu contra o discurso de um criador do mundo e do universo e natildeo favoraacutevel ao
discurso de que a vida soacute tem sentido ao crer em uma divindade apostaraacute no
nada ―O ateu natildeo tem uma ideia suficientemente elevada do mundo da
humanidade e de si mesmo para julgar verossiacutemil que um deus tenha podido cria-
los (COMTE-SPONVILLE 2011b p 64)
Uma vez que pensar Deus eacute pensa-lo existente de alguma maneira a
questatildeo Deus existe radicalmente se torna nula ndash jaacute que natildeo se pode provar
aquilo que por pensamento jaacute existe na imaginaccedilatildeo O cristianismo por toda a
histoacuteria elaborou inuacutemeras provas para se chegar agravequilo que jaacute crecirc que Deus
existe Fez isso porque sabia que toda afirmaccedilatildeo positiva traz consigo a
possibilidade de sua afirmaccedilatildeo negativa e se houve quem acreditasse
positivamente na existecircncia de Deus houve tambeacutem quem natildeo acreditasse
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Nesse vieacutes o ateiacutesmo natildeo eacute um objeto sem crenccedila O ateiacutesmo tambeacutem crecirc
em algo mas sua crenccedila eacute sempre negativa pois ―se alimenta do vazio de seu
objeto (COMTE-SPONVILLE 2011a p 89) Aqui eacute preciso explicar o ateiacutesmo
positivo e o ateiacutesmo negativo o primeiro acredita que Deus natildeo existe e o
segundo natildeo acredita em Deus o segundo nega Deus e o primeiro fala da
ausecircncia dele podendo assemelhar-se ao agnosticismo (Cf BAGGINI 2016)
Assim o ateiacutesmo fiel que Sponville apresenta (ateiacutesmo negativo pois nega
a existecircncia de Deus) se assenta sobre trecircs pilares elementares em oposiccedilatildeo agraves
concepccedilotildees da crenccedila religiosa cristatilde a comunhatildeo a fidelidade e o amor ndash sobre
o terceiro pilar falaremos mais abaixo ndash em oposiccedilatildeo entre a crenccedila e a feacute o que
reformula a realidadeidealidade para o amor
Partindo da definiccedilatildeo de religiatildeo (latim religio verbo religare) que Sponville
busca compreender o que de fato ―liga as pessoas umas agraves outras o que as liga
a ponto de ser um corpo social Sua proposta eacute natildeo esvaziar o conceito de
religiatildeo atribuindo a ele o significado de liame ou seja que todo liame eacute religioso
tem um sentido religioso Isto aponta para o fato de que toda experiecircncia humana
parte dessa suposiccedilatildeo a saber que a religiatildeo eacute quem vincula as pessoas
horizontal e verticalmente isto por causa do Deus cristatildeo ndash o sentido maacuteximo da
religiatildeo cristatilde ocidental
A partir da fenomenologia a experiecircncia humana eacute vista de outra
perspectiva Sponville iraacute afirmar que o que ligou os povos primitivos e o que liga
as sociedades modernas natildeo eacute Deus ―eacute o fato de que eles comungam a mesma
feacute (COMTE-SPONVILLE 2016 p 23) No entanto para partilhar a mesma feacute ou
sentimento religioso eacute preciso tambeacutem entender aquilo que Durkheim propocircs ou
seja
[] as tendecircncias sociais cujas origens estavam na natureza humana De fato todas as pessoas tecircm o que se poderia chamar de uma afinidade natural por seus iguais que se manifestou desde que vaacuterios homens passaram a viver juntos isto eacute desde os primeiros dias da humanidade O que os uniu natildeo era como se afirma com frequecircncia relaccedilotildees de sangue mas semelhanccedilas de liacutengua haacutebitos e costumes [] A afinidade entre iguais eacute assim a forma mais antiga de inclinaccedilatildeo social [] Encontrou contudo um aliado poderoso nos sentimentos religiosos (DURKHEIM 2016 pp 54-55)
O que Durkheim chama de afinidade entre iguais Comte-Sponville chama
de comunhatildeo isto eacute ―compartilhar sem dividir (COMTE-SPONVILLE 2016 p
23) Assim o que nos amarra seja em uma cultura ou civilizaccedilatildeo qualquer meio
de envolvimento pessoal eacute o sentimento de pertenccedila que temos em relaccedilatildeo
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agravequilo que nos agrega uma feacute um texto uma personalidade deuses etc em
comum Eacute assim que Sponville afirma que uma sociedade pode viver sem crenccedila
mas natildeo sem comunhatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 20-27)
Buscando em Ciacutecero outro sentido para religiatildeo (religio vem de relegere ndash
―recolher reler) sua segunda afirmativa sustenta que uma sociedade pode viver
sem feacute mas natildeo sem fidelidade (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 27-32) Isto
implica dizer que religiatildeo eacute aquilo que recolhe e relecirc os textos os mitos as leis ou
qualquer escrito apontado como sagrado O que Sponville chama de fidelidade se
atrela ao que ele reconhece por comunhatildeo natildeo pode haver comunhatildeo partilha
por igual sem que haja primeiramente um recolher do ensino ou a releitura de
uma tradiccedilatildeo para que seja afirmada dela sua fidelidade
Por isso a importacircncia da tradiccedilatildeo cristatilde a releitura hodierna dessa
tradiccedilatildeo transmitida dos costumes do conjunto de valores morais e espirituais
etc possibilita guardar aquilo que resta do passado do que necessitamos para
termos uma histoacuteria onde nos apoiar e (nos) fiarmos nossa humanidade A
fidelidade eacute portanto ―o que resta da feacute quando a perdemos (COMTE-
SPONVILLE 2016 p 29) Diferentemente da feacute a fidelidade eacute o apego o
comprometimento e o reconhecimento dos valores da histoacuteria da comunidade
Nessa loacutegica aqueles que natildeo tecircm feacute ou natildeo reconhecem que os valores
morais advecircm do Deus cristatildeo na foacutermula feacute + fidelidade = piedade reconhecem
entretanto ―a grandeza humana desses valores sua importacircncia sua
necessidade a fragilidade sua urgecircncia [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 30)
A foacutermula seria uma fidelidade destituiacuteda de feacute = impiedade ou seja a ausecircncia
da feacute em nada muda a responsabilidade humana em relaccedilatildeo a tudo o que foi
construiacutedo na histoacuteria Ao contraacuterio de muitas acusaccedilotildees contra o ateiacutesmo a
impiedade neste caso natildeo desembocaria no niilismo o niilismo eacute quando existe
a ausecircncia da fidelidade e da feacute sobrando um grande nada (COMTE-
SPONVILLE 2016)
O ateiacutesmo cristatildeo parece-nos como exposto amplia a visatildeo acerca do
mundo em que natildeo buscam construir ou levantar um impeacuterio religioso como se
apresentam as religiotildees monoteiacutestas e suas derivaccedilotildees A espiritualidade ateia de
fidelidade e comunhatildeo invoca muito mais a uma holiacutestica onde a duacutevida
relacionada ao misteacuterio da vida e do existir leva ao querer ndash o querer explorar a
potencialidade dos misteacuterios existenciais sem pretensotildees de esgotamento Dito
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de outra forma o ateiacutesmo cristatildeo acredita que a complexidade da vida como um
todo eacute um oceano de novos conhecimentos que na medida em que se
experimenta e adquire novas realidades as novas oportunidades e fronteiras satildeo
abertas ao ser humano
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ldquomorte do Deusrdquo via teologia
cristatilde
―Qualquer perspectiva que se apresente como ―ateiacutesmo cristatildeo jaacute eacute por si
soacute estranha [] apontam os teoacutelogos acerca do ―movimento teoloacutegico mais
radical do seacuteculo XX ou seja o movimento ―teologia da morte de Deus (MILLER
amp GRENZ 2011 p 97) No entanto os teoacutelogos cristatildeos de tradiccedilatildeo natildeo
imaginavam ndash e natildeo imaginam ateacute hoje ndash o quatildeo possiacutevel foi (e eacute) de dentro da
proacutepria tradiccedilatildeo o rompimento com o tradicionalismo do conceito de Deus e
fomentar uma nova teologia radical
O ateiacutesmo cristatildeo configura-se do ponto de vista da teologia como o
movimento da morte de Deus gerado no seio da teologia secular e com a
pretensatildeo de expulsar o Deus absoluto para fora do mundo dos homens Com os
tumultos da deacutecada de 60 passados a teologia da morte de Deus significou
muitas coisas desde a sentenccedila de uma derradeira queda da cultura cristatilde e a
objetificaccedilatildeo da figura do Deus da tradiccedilatildeo cristatilde na cultura Ocidental ateacute mesmo
da impossibilidade de experimentar o mundo como um mundo de Deus ndash sua
criaccedilatildeo da perda de Deus desde sua encarnaccedilatildeo na pessoa do homem Jesus o
processo da kenosis (esvaziamento) ateacute a suspensatildeo de toda transcendecircncia
divina para uma imanecircncia liberta da ideia metafiacutesica ndash o que configura uma troca
Jesus o homem sustecircm o lugar de Deus
Dito de forma sinteacutetica e simploriamente resumida a teologia da morte de
Deus e seus representantes tinham como prioridade parece-nos principalmente
tendo em vista todo ocorrido do seacuteculo XX responsabilizar o homem por cada
dor sofrimento e tambeacutem gesto de amor que transcorre sua mundanidade
―Deus morrer eacute para os teoacutelogos dessa visatildeo uma forma de natildeo isentar a todos
das barbaridades que ocasionaram agrave humanidade
Claramente influenciada pela filosofia ateiacutesta nietzschiana (mas natildeo
somente) a teologia da morte de Deus traz luz via os aforismos do filoacutesofo na
conduccedilatildeo contraacuteria a autoridade e a tradiccedilatildeo de Deus com uma nova retoacuterica de
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insurreiccedilatildeo natildeo mais eacute Deus quem se assenta no trono do Universo e tudo
governa mas o proacuteprio homem eacute quem toma as reacutedeas da histoacuteria e tudo iraacute
guiar Teologicamente Deus estava morto no sentido de sua irrelevacircncia como
ideia tradicional advinda dos seacuteculos anteriores em uma cultura que natildeo o deseja
mais
Dois teoacutelogos provenientes da tradiccedilatildeo cristatilde se destacaram como
propagadores dessa teologia Willian Hamilton e Thomas Altizer Ambos se
complementam em suas anaacutelises referentes agrave morte de Deus pois reconhecem
agraves profundas mudanccedilas acontecidas na cultura e na sociedade principalmente o
―evento histoacuterico-cultural da morte de Deus [] (GIBELLINI 2002 p 144)
O que para noacutes eacute importante destacar da teologia de Hamilton eacute a
alteraccedilatildeo que ele propotildee da feacute em amor da teologia em eacutetica da
responsabilidade ―que se orienta para a figura de Jesus que indica ―um lugar
onde ficar (GIBELLINI 2002 p 144) Haacute certo foco na exemplaridade e na
figura de Jesus A teologia de Altizer radicalmente focada na encarnaccedilatildeo de
Jesus o verbo que se fez carnelsquo como doutrina central infere que o Deus
transcendente morre em sua transcendecircncia por esvaziar-se se tornando carne
(lhe conferindo uma transcendecircncia vazia) ndash o que concretiza a passagem da
realidade transcendente para a realidade imanente Essa inversatildeo ocasionada na
figura de Jesus torna-se um evento histoacuterico que se move para dentro da histoacuteria
como num processo progressivo acontecendo ateacute hoje Como uma nova teologia
que pressupotildee a morte de Deus na cultura juntamente com seu esvaziamento
tornou-se um dado fenomenoloacutegico que exige atualmente reformas na maneira
de pensar a teologia que a Igreja sempre compreendeu trazendo essa novidade
para o tempo moderno (GIBELLINI 2002)
Sendo assim a teologia da morte de Deus natildeo prescreve a impossibilidade
de se crer em Deus pois para aqueles que creem sempre seraacute possiacutevel crecirc-lo A
questatildeo em torno do assunto se daacute em que a laicizaccedilatildeo e a secularizaccedilatildeo ndash
advindos dos projetos humaniacutesticos desde a Renascenccedila o Iluminismo seacuteculo
XVIII ateacute XX ndash supotildee uma ―descristianizaccedilatildeo da cultura tornando a crenccedila uma
manifestaccedilatildeo privada Isto eacute ―como dizem os socioacutelogos continuamos podendo
individualmente acreditar em Deus natildeo podemos mais socialmente comungar
nele (COMTE-SPONVILLE 2005 p 36)
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A preocupaccedilatildeo do ateu fiel eacute que com a morte de Deus no acircmbito social
as igrejas se esvaziando e os supermercados se entupindo de consumidores as
pessoas tomem consciecircncia a ponto de responder a velha pergunta ―o que devo
fazer Se a cultura estaacute sendo descristianizada portanto a religiatildeo e todo seu
credo perdendo sua forccedila moralizante mais do que tudo ―a questatildeo moral retorna
ao primeiro plano (COMTE-SPONVILLE 2005 p 41)
23 - Uma resposta possiacutevel
A pergunta ―Eacute possiacutevel algueacutem dizer-se ateu cristatildeordquo tem como resposta
a partir do caminho exposto por Comte-Sponville uma confirmaccedilatildeo positiva A
justificativa se encontra no valor (gr axios) que damos a histoacuteria humana aos
valores que ela produziu e permite que progressivamente seja atualizado e
transmitido agraves geraccedilotildees Principalmente porque esse valor dado agrave histoacuteria
humana eacute a resposta configura-se saber o que eacute o homem para que este seja
denominado homem sua essecircncia (humanismo teoacuterico) ou sua histoacuteria O anti-
humanismo teoacuterico que Sponville apoia responde que
[] eacute a histoacuteria ao mesmo tempo natural (homonizaccedilatildeo) e cultural (humanizaccedilatildeo) em outras palavras que o homem natildeo eacute primeiramente princiacutepio mas sim resultado ou o que daacute na mesma que ele soacute eacute humano na medida em que se torna humano [] O anti-humanismo teoacuterico natildeo eacute um imoralismo pensar o homem em sua verdade (em sua histoacuteria) eacute pensar a moral em sua urgecircncia (COMTE-SPONVILLE 2008 p 268-269)
O ateiacutesmo cristatildeo acredita que uma resposta possiacutevel agrave histoacuteria visando
um futuro melhor a toda humanidade eacute uma resposta possiacutevel na histoacuteria Ou
seja fundamenta-se na fidelidade e na comunhatildeo que perpassa nosso
compromisso e responsabilidade O passado natildeo eacute uma taacutebula rasa uma folha
em branco ndash um tempo memorial vazio de sentido e de materialidade em que
seria preciso hoje inventarmos novos valores Reconhecer o passado toda sua
memoacuteria e narrativa eacute a oportunidade individual e coletiva de ―inventar ou de
reinventar uma nova fidelidade aos valores que recebemos e que temos o
encargo de transmitir Eacute como uma diacutevida em relaccedilatildeo ao passado que soacute
poderiacuteamos saldar investindo no futuro [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 34)
Logo somos humanos porque assim nos tornamos somos histoacuteria porque assim
nos construiacutemos humanidade histoacuterica
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A preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo seja ela de paz ou de guerras eacute o uacutenico
testamento que temos para reescrevermos um novo futuro Os valores que foram
transmitidos do nosso passado tais como a liberdade a justiccedila a igualdade a
fraternidade por exemplo valem porque de fato haacute um valor Natildeo precisamos
alterar o fato de valerem agrave dignidade humana mas necessitamos fidelizar esses
valores para que possamos comungar e interagir humanamente tendo como
base aquilo que jaacute tecircm valor
Marcel Conche afirma em seu livro que de todas as culturas haacute uma
moralmente superior ―[] a greco-cristatilde eacute superior a qualquer outra porque foi no
solo greco-cristatildeo que se reconheceram e afirmaram pela primeira vez a
igualdade de direito de todos os homens e os direitos universais do homem
Sustenta implicitamente que um Estado que enxerga respeita e pratica como
primazia os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e agrave sua
personalidade de certa forma encontra nisso um ―ideal de universalidade
utilizando esse ideal como crivo para perceber e distinguir em todos os outros
meios (Estados) os que natildeo compartilham desses direitos (CONCHE 2006 p
XIII)
O cristianismo legou valor imenso agrave poacutes-modernidade Uma vez que a
pluralidade e os ecumenismos inter-religiosos crescem evidencia-se no Ocidente
a afirmativa de que natildeo mais haacute uma supremacia cristatilde Assim sendo eacute preciso
repensar e reinventar fidelidade a valores que a tradiccedilatildeo cristatilde produziu em
milecircnios de histoacuteria Por ser considerado a religiatildeo do amor (COMTE-
SPONVILLE 2011b) o cristianismo precisa ser peneirado para que aquilo que eacute
amaacutevel permaneccedila o que eacute suspeito seja desconsiderado por completo
3 QUE MORALIDADE
Para respondermos a essa pergunta eacute necessaacuterio investigarmos o objeto
do ateiacutesmo cristatildeo ou seja Jesus prescrevendo qual a importacircncia dessa
personagem dos Evangelhos biacuteblico e porque ele Antes eacute preciso reafirma que o
ateiacutesmo eacute uma moral e portanto o olhar do ateiacutesmo cristatildeo para Jesus restringe-
se a um olhar moral em busca daquilo que em Jesus pode ser abrilhantado mais
do que ofuscado
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Antes ainda eacute preciso distinguir como os conceitos de moral e eacutetica se
conciliam para entatildeo justificarmos o porquecirc do ateiacutesmo cristatildeo sugerir alsquo moral
aliada alsquo eacutetica e natildeo umalsquo eacutetica que prescreva balizas exteriores e umalsquo moral
que se valha de um ser transcendente e de suas exigecircncias
Todos jaacute ouvimos que a moral eacute reconhecida como a doutrina do dever e
tambeacutem estamos informados de que a eacutetica eacute a doutrina da sabedoria A moral
dirige-se agrave virtude que tem como finalidade a santidade jaacute a eacutetica tende para a
felicidade e tem como apogeu a sabedoria A moral lida com os deveres a eacutetica
com o prazer Sponville versa que ambas as normatividades satildeo ―diferentes em
seus princiacutepios e em ―suas finalidades mas que ―se unem no que concerne as
relaccedilotildees interpessoais em suas aplicaccedilotildees Assim
[] o que chamamos de moral e eacutetica satildeo na verdade duas vias de acesso que conduzem a esse mesmo objetivo vias diferentes decerto mas convergentes jaacute que conduzem pela obediecircncia (no caso da moral) ou pela razatildeo (no caso da eacutetica) a uma salvaccedilatildeo comum ou em todo caso a uma vida mais feliz e mais humana (COMTE-SPONVILLE 2008 p 256)
Ao buscar a eacutetica dentre as eacuteticas e a moral dentre as morais o ateiacutesmo
cristatildeo estaacute apenas tentando evidenciar aquilo que Conche torna explicito ou
seja que a minha moral natildeo pode estar fundamentada em minha religiatildeo ou em
minha filosofia pois ela seraacute contestada por outras religiotildees e outras inuacutemeras
filosofias e a todo arcabouccedilo moral que elas contecircm A evidecircncia estaacute em que
seja uma moral ou uma eacutetica particular de um grupo religioso ou de certo filoacutesofo
essa seraacute sempre contestada em detrimento de outra e vice-versa (Cf CONCHE
2006)
Podemos entender sucintamente a eacutetica como uma consciecircncia vasta
espaccedilosa que estaacute agrave procura de responder a pergunta ―como viver e portanto
eacute necessaacuterio incluir na resposta dessa pergunta todos os deveres cabiacuteveis a um
estilo de vida que tambeacutem busca a resposta acerca do ―que devo fazer Quer
dizer o que faccedilo (moral) natildeo responde como eu vivo (eacutetica) mas como eu vivo
ou penso em viver definiraacute aquilo que faccedilo ou como pretendo agir Por esse
prisma a eacutetica aparece como fundamento da moral em que a moral ―eacute apenas
um desejo que se toma por um absoluto que se toma como um fundamento
proacuteprio (COMTE-SPONVILLE 2008)
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Assim a eacutetica eacute um trabalho um processo um caminhar eacute o caminho pensado de viver na medida em que tende para a vida boa como diziam os gregos ou para a menos ruim possiacutevel e eacute essa a uacutenica sabedoria verdadeira (COMTE-SPONVILLE 2011b p 220)
Sendo a eacutetica como um espaccedilo amplo e abrangente feita de desejos
pessoais pensados e hierarquizados pelo conhecimento e pelas opccedilotildees ndash
portanto valores relativos pois sempre particulares (seja individual ou de um
grupo) ndash tende a transformar-se em um discurso normativo poreacutem natildeo
imperativo sempre respondendo aos opostos bomlsquo e ruimlsquo ndash imanente agrave
humanidade A moral posse da eacutetica revela-se como um discurso normativo e
imperativo resultado da oposiccedilatildeo dos valores absolutos ou transcendentes de
Bemlsquo e do Mallsquo (Cf COMTE-SPONVILLE 2008 p 262)
A moral o conjunto dos nossos deveres se transforma em accedilotildees ndash essas
que dizem respeito a um modo de ser e estar sendo no mundo de forma
consciente no tempo presente Mas vale lembrar que o valor moral natildeo estaacute
propriamente nas accedilotildees e no fim desejado por tal agir O valor de um dever eacute
intriacutenseco ao proacuteprio dever isto eacute qualquer ato em cumprimento do dever soacute tem
valor se o mesmo for desinteressado independente do resultado da accedilatildeo Por
isso a moral verdadeira natildeo age ―de acordo com o dever mas sim ―por dever
seria uma accedilatildeo em prol e por aquilo que nos eacute comum e de valor (humanidade) e
tambeacutem em benefiacutecio do que eacute diferente de nossa humanidade (outras espeacutecies
e a natureza por exemplo)
Comte-Sponville (2008 pp 398-399) nos lembra de que Kant jaacute dizia que a
moral ―natildeo tem menor necessidade da religiatildeo pois ―ela basta a si mesmo ndash por
isso o direito de a moral ser laica Ela diz respeito a homens e mulheres muito
mais que agraves instituiccedilotildees o que denota que toda liberdade e autonomia que dela
proveacutem a noacutes eacute relativa natildeo alterando seu aspecto ―absoluto praacutetico ao nosso
sentimento Esse sentimento que temos em relaccedilatildeo a moral sentimento de
grandeza e submissatildeo e a necessidade que temos de agir conforme sua
legislaccedilatildeo eacute porque ―toda moral eacute histoacuterica ndash daiacute o valor do passado e da
tradiccedilatildeo
A liberdade e autonomia diante de uma lei moral tem a ver com a nossa
vontade pois apenas o conhecimento da lei natildeo basta para a accedilatildeo moral
Precisamos deseja-la e quere-la em noacutes Uma vez que sou autocircnomo e livre para
viver diante de uma legislaccedilatildeo proacutepria jaacute natildeo dou valor agrave lei moral pelo que
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conheccedilo dela historicamente vivo moralmente e ajo conforme sou porque ela estaacute
vinculada aos meus desejos de vecirc-la universalmente em accedilatildeo O que estamos
tentando explicar eacute que agir conforme os deveres natildeo substitui a finalidade de
onde queremos chegar ou melhor na eacutetica do amor De acordo com o dever eacute
nos dito que devemos amar mas necessitamos de uma eacutetica do amor
simplesmente porque sempre agimos contraacuterio a essa consciecircncia de dever
A busca por uma eacutetica individual mas universalizante que seja primeira e
baliza aos nossos deveres ndash porque eacute pura consciecircncia ampla e abrangente ndash soacute
eacute possiacutevel quando agimos moralmente natildeo por amor agrave lei mas porque amamos o
amor que rege a lei Aqui jaacute deduzo que a eacutetica eacute uma eacutetica do amor isto eacute que
guia todos os nossos deveres mesmo que por amor precise confronta-los Uma
eacutetica do amor sempre iraacute questionar se nossos deveres compactuam com nossa
consciecircncia Esse jogo complexo eacute antigo mas sempre necessaacuterio
Trata-se de passar da moral agrave eacutetica do dever ao amor e eacute essa passagem cuja jubilosa espontaneidade cada um de noacutes experimenta um tanto mais um tanto menos assim como experimentamos tambeacutem nossas fadigas que o digam sua fragilidade e sua perpeacutetua incompletude (COMTE-SPONVILLE 2008 p 278)
Mas natildeo sejamos ingecircnuos Sponville nos alerta para o fato de que o amor
sempre faltaraacute a todos e por isso a necessidade da moral para exigir que
atuemos como se amassemos Somente assim poderemos experimentar os polos
de forma versaacutetil mas consciente
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-
Sponville
Resume-se na afirmativa ―Jesus natildeo era cristatildeo (COMTE-SPONVILLE
2011b p 134) era apenas um judeu piedoso Sponville redescobre no Cristo dos
Evangelhos via filosofia uma ponte aos temas em comum temas que os grandes
filoacutesofos se debruccedilaram tais como a sabedoria do amor e da amizade que foram
assuntos cariacutessimos a filoacutesofos como Spinoza e Epicuro Essa identificaccedilatildeo com o
―conteuacutedo humano impresso nas letras e no ―espiacuterito dos Evangelhos eacute o que foi
a sua redenccedilatildeo para conciliar a filosofia com
[] a feacute de minha infacircncia ou melhor com a moral que lhe era solidaacuteria reconciliou-me comigo mesmo portanto com a crianccedila que havia sido que era ainda e sobretudo isso me levou de volta a Cristo ao menos a
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uma certa imagem que me fiz dele a de um homem livre e doce que preferia o amor ao poder e que por isso morreu de um modo atroz ignominioso numa cruz Eacute o contraacuterio do Deus todo-poderoso do Deus vingador jaacute natildeo eacute em absoluto um Deus e eacute o uacutenico que me emociona (COMTE-SPONVILLE 1997 pp 142-143)
Essa moral que Sponville redescobriu claramente foge do conceito de
Deus-transcendente idealizado pelo cristianismo Encontra em Jesus o dos
Evangelhos uma ideia mais elevada ndash porque humana ndash para forjar uma
espiritualidade baseada na compreensatildeo de sua mensagem de amor A
interpretaccedilatildeo do Cristo evangeacutelico para que possa fazer parte daquilo que temos
chamado de ateiacutesmo cristatildeo eacute refinado a um olhar liberto da religiatildeo ou das
supersticcedilotildees da mesma
Sponville acredita de Jesus em sua mensagem aquilo que chama nossa
atenccedilatildeo para o essencial que o Reino de Deus jaacute havia comeccedilado e estava no
meio de noacutes eraeacute tatildeo presente que poderia ser assimilado no aqui e no agora
Tal afirmaccedilatildeo seria um chamado universal ao Reino do Amor
[] esse eacute o Cristo a quem amo aquele que criei pouco a pouco para mim aquele que me acompanha o uacutenico a me esclarecer [] Eacute pois o Cristo de todo o mundo ndash o Preseacutepio o Calvaacuterio ndash o dos mitos e das lendas o uacutenico que conhecemos no fundo o uacutenico que importa mas liberto da religiatildeo mas natildeo prometendo nada mais do que tudo ele tambeacutem ndash como os gregos como os verdadeiros mestres ndash e natildeo outro reino aleacutem deste mesmo onde jaacute estamos (COMTE-SPONVILLE 1997 p 143)
Para tanto o que o ateiacutesmo cristatildeo propotildee agravequeles que assim desejam eacute
um Cristo inventado mas que natildeo deixa de ser percebido e visto e encontrado
nas letras dos Evangelhos Seria o Cristo heterodoxo que contraria tanto os
padrotildees sociais vigentes quanto as doutrinasideologias tradicionalmente
assimiladas e admitidas Ele seria um anticonformista porque hereacutetico se
apresentaria aos olhos daqueles que seguem acriticamente o padratildeo
normatizado Seria o homem a divulgar a grande revelaccedilatildeo a todos os ouvintes no
Evangelho de Lucas
Tendo-lhe os fariseus perguntado quando viria o Reino de Deus ele lhes respondeu O Reino de Deus natildeo vem como um fato observaacutevel Natildeo se diraacute Aqui estaacutelsquo ou Laacute estaacutelsquo Pois o Reino de Deus estaacute em voacuteslsquo (entos humocircn) ou entre voacuteslsquo ou no meio de voacuteslsquo [] ou talvez melhor ainda e como dizia o Evangelho de Tomeacute o Reino de Deus estaacute ao mesmo tempo ―em voacutes e fora de voacutes (COMTE-SPONVILLE 1997 p 144)
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Isto faz surgir para Comte-Sponville a pergunta ―Se o Reino estaacute em noacutes
e se estamos no Reino para que serve a feacute e a esperanccedila seguida de
resposta ―Natildeo se deve crer em mais nada deve-se conhecer tudo Natildeo se deve
ter esperanccedila em mais nada deve-se amar tudo (COMTE-SPONVILLE 1997 p
144)
Eacute uma negaccedilatildeo por completa da feacute e da esperanccedila cristatilde uma vez que em
Jesus natildeo houve feacute e nem esperanccedila houve a praacutetica do amor que jaacute estava nele
e fora dele Imitar a Cristo nesse caso eacute compreender que as atitudes de Jesus
estavam esvaziadas de feacute e esperanccedila ndash havia sim manifestaccedilatildeo perfeita do
amor Ser fiel a Jesus seria portanto ―imitar sua visatildeo e sua compreensatildeo na
medida em que sejamos capazes [] eacute em todo caso imitar seu amor
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 63) Isso porque se natildeo haacute o que crer e nem
existe o que esperar ―natildeo haacute outra salvaccedilatildeo senatildeo viver natildeo haacute outra salvaccedilatildeo
senatildeo amar o Reino eacute aqui na terra a eternidade eacute agora (COMTE-SPONVILLE
1997 pp 144- 145)
Como jaacute dito supra noacutes natildeo amamos como deveriacuteamos porque o amor nos
falta quase sempre E tambeacutem natildeo somos Jesus Cristo A sugestatildeo de Sponville
eacute ―[] mas podemos ndash qualquer que seja aliaacutes sua realidade histoacuterica ndash nos
aproximar do modelo que ele propotildee (COMTE-SPONVILLE 2008 p 277) A
proposta parece ser maior do que pensamos porque eacute maior do que podemos ela
excede em princiacutepio nossa capacidade de apenas amar os amigos os proacuteximos
a noacutes e aquilo que nos falta (gr philia erocircs) A mensagem evangeacutelica nos pede
para amar o proacuteximo o inimigo o indiferente isto eacute aquele que natildeo oferece
razatildeo e nenhum atrativo para que nos dediquemos e lhe demos a preferecircncia
Como amar os que nos perseguem Os que fazem mal a noacutes Aqueles
que natildeo nos alegram e nos prejudicam Somos capazes de tal amor A esse
amor conservou-se o nome de amor universal ―Agapeacute eacute o amor divino se Deus
existe e mais ainda talvez se Deus natildeo existe (COMTE-SPONVILLE 1996 p
291) Esse amor que nos falta eacute tatildeo parte de noacutes pelo simples fato de a noacutes faltar
e mesmo que ele venha a noacutes em forma de pranto ndash o choro pelo injusticcedilado pelo
abatido pela falta de alegria e riso pela falta de beleza etc ndash aiacute estaacute o porquecirc
devemos buscaacute-lo como a virtude excelente agravequela que pelos passos vagarosos
que damos em prol da justiccedila igualdade e liberdade pelos direitos humanos
apareceraacute (em medida) como o sol em pleno vigor
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Esse legado do amor de Jesus o modelo de judeu fiel de Cristo
heterodoxo que ressoou a toda tradiccedilatildeo cristatilde e filosoacutefica eacute o motivo pelo qual
Sponville alicerccedilou sua filosofia e ateiacutesmo
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor
Reler o cristianismo eacute revecirc-lo em aprimoramento Se por religiatildeo o ateiacutesmo
cristatildeo redefiniu em fidelidade e comunhatildeolsquo ao inveacutes de esperanccedila e feacutelsquo assim
ao propor outra religiatildeo o amor seria o que uniria a todos e tambeacutem o que nos
tornaria fieacuteis agravequilo que importa e o que importa eacute que somos humanidade Uma
eacutetica do amor portanto uma sabedoria que vise enxergar os dias atuais exige a
releitura do conceito de humanidade tanto quanto de amor requerendo o apoio
daquilo que recebemos do passado
Outra religiatildeo do amor se colocaria de forma mais especiacutefica para que natildeo
seja confundida como uma nova espiritualidade A espiritualidade eacute uma maneira
(e haacute outras) de se viver a religiatildeo Espiritualidade eacute a ―vida do espiacuterito isto eacute a
vida do conhecimento e da accedilatildeo Ela natildeo faz parte exclusiva das Igrejas ou de
quaisquer Instituiccedilotildees que queiram fixaacute-la uacutenica ―a espiritualidade eacute uma
dimensatildeo da condiccedilatildeo humana (COMTE-SPONVILLE 2011b p 208) Essa nova
espiritualidade ou novo caminho seria a chave interpretativa para essa nova
Religiatildeo do Amor que como posto natildeo se pretende religiatildeo como as religiotildees
monoteiacutestas
A antiga religiatildeo do amor diz que ―Deus eacute amor e que o amor eacute Deus
confundindo a eacutetica com a religiatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2005 p 214) A
nova Religiatildeo do Amor por natildeo crer em Deus e entender o amor como
possibilidade unicamente da condiccedilatildeo humana diraacute que eacute preciso amar (de forma
limitada fraca e mortal) mediante a condiccedilatildeo que nos foi ensinada ndash pois nunca eacute
tarde para aprender sobre o amor e a amar O amor por ser accedilatildeo humana eacute
como a moral relativa em que ―cada um de noacutes soacute a encontra em si na medida
em que a recebeu (COMTE-SPONVILLE 2016 p 31)
[] o conjunto do que um indiviacuteduo se impotildee ou proiacutebe a si mesmo natildeo para antes de mais nada aumentar sua felicidade ou seu bem-estar proacuteprios o que natildeo passaria de egoiacutesmo mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro mas para natildeo ser um canalha mas para permanecer fiel a certa ideia de humanidade e de si (COMTE-SPONVILLE 2011a p 20)
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Uma vez que o amor tambeacutem eacute parte de uma eacutetica ideal ele se torna
superior e mais elevado que a feacute que a esperanccedila e a proacutepria moral A procura
sincera de um ateu fiel diante dessa verdade seraacute encontrar uma conexatildeo e um
ponto em comum com a antiga religiatildeo do amor no esforccedilo por compreender o
que as aproxima mais do que as afasta ndash para poder tomar parte juntamente na
grande arte do viver e construccedilatildeo da vida comunitaacuteria
Crentes e natildeo crentes estamos separados aqui apenas pelo que ignoramos Isso natildeo anula nossas discordacircncias mas relativiza seu alcance Seria loucura dar mais importacircncia ao que ignoramos ao que nos separa do que ao que sabemos tatildeo bem por experiecircncia e de coraccedilatildeo e que nos aproxima o que constitui o valor de uma vida humana natildeo eacute a feacute natildeo eacute a esperanccedila eacute a quantidade de amor de compaixatildeo e de justiccedila de que somos capazes (COMTE-SPONVILLE 2016 p 59)
Eacute por essa aproximaccedilatildeo pela via do amor que somos capazes a grande
virtude que se poderaacute democratizar os espaccedilos mundanos como espaccedilos de
fidelidade pois o amor une O amor seria nessa perspectiva o proacuteprio espaccedilo
de fidelidade e comunhatildeo que geraria a alegria tambeacutem o espaccedilo da verdade
alcanccedilaacutevel pois o amor seria universal e tambeacutem o espaccedilo de sabedoria pois o
amor seria o uacutenico caminho a ser seguido e priorizado (COMTE-SPONVILLE
2016)
Entendido de outra maneira o amor seria a lente para o novo olhar na
direccedilatildeo de tudo aquilo que jaz velho e imperceptiacutevel a nossa consciecircncia
Somente dessa forma diante da renovaccedilatildeo da consciecircncia e do olhar
passariacuteamos a uma nova percepccedilatildeo de tudo o que nos rodeia Isso requereria um
esvaziamento de toda nossa indiferenccedila quanto ao mundo agraves coisas e ao proacuteprio
ser humano Eacute como se voltaacutessemos a ver tudo como sendo ―bom sem a
ingenuidade e a ironia que a isso cabe Existir no mundo passaria a ser uma
existecircncia consciente do absurdo e tambeacutem consciente do quanto somos
capazes de em meio ao absurdo amarmos
Essa eacute a religiatildeo que segundo Sponville deveria ser elevada a religiatildeo do
amor No amor jaacute haacute toda espiritualidade de que nossa interioridade necessita
para saber-se e se reconhecer no mundo Isso posto o amor como espiritualidade
praacutetica natildeo vazia de sentido nos abre para a vida em comum e para uma
transcendecircncia do dia-a-dia ndash essa que eacute imanente e aberta a todo conhecimento
Tambeacutem uma abertura para a verticalidade do olhar para o alto que procura
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conscientizar-se acerca dos horizontes do mundo aquilaacute fora daquilo que nos
transcende porque nos transpassa
A religiatildeo do amor que produz nova espiritualidade e vice-versa portanto
estaacute sempre em busca de algo fora de si mesma A mateacuteria prima dessa religiatildeo eacute
o outro o mundo e seus arredores ou seja eacute o locallsquo onde o eulsquo se conecta com
o todo que flui e reflui reconstruindo novos laccedilos novos fundamentos (poreacutem
natildeo verdades incontestes) novas oportunidades dimensotildees e aprofundamentos
do conhecimento fundando uma razatildeo que eacute possiacutevel ao homem onde nosso
uacutenico dever eacute ser humano nossa uacutenica virtude eacute ser humano pois ningueacutem
poderaacute ser em meunosso lugar (COMTE-SPONVILLE 2011a)
Na religiatildeo do amor toda riqueza eacute encontrada fora de si mesmo como na
paraacutebola do tesouro e da peacuterola de grande valor
O Reino dos Ceacuteus eacute semelhante ao tesouro escondido no campo um homem o acha e torna a esconder e na sua alegria vai vende tudo o que possui e compra aquele campo O Reino do Ceacuteus eacute ainda semelhante ao negociante que anda em busca de peacuterolas finas Ao achar uma peacuterola de grande valor vai vende tudo o que possui e a compra (BIacuteBLIA Mateus 13 44-46 2011 p 1729)
Assim porque nos desfazemos de tudo o que temos para conseguir
adquirir o tesouro ou a peacuterola de maacuteximo valor da mesma forma podemos supor
que o amor eacute tudo o que queremos e depois saber que o amor eacute tudo o que
precisamos para sermos felizes
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Um olhar pessoal ao ateiacutesmo cristatildeo
A maioria dos cristatildeos ocidentais diraacute da impossibilidade de conceber o
ateiacutesmo cristatildeo A mesma impossibilidade que admitem haver no raciociacutenio de
uma espiritualidade ateia pode tambeacutem se encaixar a feacute cristatilde O fato de que
para pensar o Deus cristatildeo teria que ser necessaacuterio afirmar a possibilidade de
pensar a pura ideia de um uacutenico Deus e isso natildeo eacute possiacutevel revela o quatildeo
instaacutevel eacute a proacutepria feacute cristatilde ndash que sabe que natildeo se pode pensar Deus mas pensa
que eacute preciso pensa-lo e entatildeo formula as instabilidades de sua proacutepria feacute Isso eacute
o que chamo de contradiccedilotildees necessaacuterias pois satildeo por elas que a feacute continua a
ser pensada de tempos em tempos Satildeo essas contradiccedilotildees que tambeacutem
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asseguram novas possibilidades de entendimento acerca de conceitos caros a
histoacuteria do pensamento
Mesmo a feacute cristatilde milenar assim como qualquer outra feacute elas satildeo fontes
de ameaccedila agrave espiritualidade de qualquer pessoa Em todas elas existe
instabilidades contraditoacuterias desde sua essecircncia como um explosivo corrosivo A
pretensatildeo do ateiacutesmo cristatildeo a meu ver eacute expor tais instabilidades e afirmar a
contradiccedilatildeo das crenccedilas ndash mesmo aquela que o proacuteprio ateu propotildee Ter noccedilatildeo
disso eacute conhecer a diferenccedila entre ―feacute e ―saber pois o que confunde essas
categorias afirma Sponville ―eacute um imbecil e torna-se um ignorante da ignoracircncia
insuperaacutevel a existecircncia de Deus (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 p 72-73)
Dito isto qualquer religiatildeo de feacute ou mesmo o ateiacutesmo cristatildeo todos devem
ter como posicionamento a esfera da opiniatildeo sabendo que qualquer relaccedilatildeo de
toleracircncia e amor dependem de uma consciecircncia que se sabe insuficiente Se
entendermos o amor como um valor precioso agrave humanidade sem implicaccedilotildees
transcendentes chegaremos agrave conclusatildeo de que somos noacutes na medida em que
aprendermos a amar que transcenderemos ndash o que natildeo implica chamarmos a
noacutes de deuses
A regra da vida ou a norma do bem-viver pelo que tentamos expor supra
de Sponville eacute amar e amar como Jesus amou Que seja entatildeo atraveacutes da moral
essa ilusatildeo necessaacuteria para que possamos vagarosamente caminhar a um agir
por amor conscientes que podemos estar agindo por dever O ideal seria natildeo
necessitarmos de lei alguma por que amamos
Assim entendidos que a religiatildeo ―eacute um grande drama da relaccedilatildeo do
homem com os deuses (HARARI 2017 p 221) a espiritualidade que Sponville
apresenta estaacute fundamentada na busca humana a fim de encarar o grande
drama e desespero do homem consigo mesmo Muitos mestre da espiritualidade
podem ajudar nessa busca dramaacutetica da humanidade O ateiacutesmo cristatildeo
apresenta um em especial ndash especial pelo tipo de amor que apresentou e que
revolucionou as relaccedilotildees humanas Jesus o homem pois um Deuslsquo que natildeo
tenha se diminuiacutedo para se igualar aos seus nunca poderaacute dizer que lhes trouxe
libertaccedilatildeo
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAGGINI Julian Ateiacutesmo Uma breve introduccedilatildeo Satildeo Paulo LampPM Editores 2016 BIacuteBLIA de Jerusaleacutem Nova ediccedilatildeo revisada e ampliada Satildeo Paulo Editora Paulus 2011 COMTE-SPONVILLE Andreacute Pequeno tratado das grandes virtudes Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1996 COMTE-SPONVILLE Andreacute Bom dia anguacutestia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1997 COMTE-SPONVILLE Andreacute O capitalismo eacute moral Sobre algumas coisas ridiacuteculas e as tiranias de nosso tempo Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2005 COMTE-SPONVILLE Andreacute Valor e verdade Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2008 COMTE-SPONVILLE Andreacute Apresentaccedilatildeo da filosofia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011a COMTE-SPONVILLE Andreacute Dicionaacuterio filosoacutefico 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011b COMTE-SPONVILLE Andreacute O espiacuterito do ateiacutesmo introduccedilatildeo a uma espiritualidade sem Deus 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2016 CONCHE Marcel O fundamento da moral Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2006 DURKHEIM David Eacutemile Eacutetica e sociologia da moral Satildeo Paulo Martin Claret 2016 GIBELLINI Rosino A teologia do seacuteculo XX 2ordfed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 HARARI Yuval Noah Sapiens ndash uma breve histoacuteria da humanidade 28ordf ed Porto Alegre RS LampPM 2017 MILLER ED L amp GRENZ Stanley J Teologias contemporacircneas Satildeo Paulo Vida Nova 2011 MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
Autor ndash Me Rafael de Campos
Professor de Filosofia e Sociologia no Ensino Meacutedio Professor de Teologia e Religiatildeo em Seminaacuterio Teoloacutegico Especializando em Ciecircncia Poliacutetica pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar)
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Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciado em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP) E-mail elfaracamposhotmailcom
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ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO
CORPOacuteREA EM PAULO
RESUMO
Este presente artigo tem como objetivo demonstrar o elemento inovador
que o discurso da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em Paulo traz a partir do texto de
1Coriacutentios 1535-49 onde o apoacutestolo desenvolve e argumenta seu pensamento
escatoloacutegico acerca desta temaacutetica Para trilhar esse caminho este artigo propotildee
explanar alguns pontos metodoloacutegicos relevantes para o exerciacutecio exegeacutetico
desta narrativa paulina sob o respaldo dos referenciais teoacutericos ―A ressurreiccedilatildeo
do Filho de Deus e ―Paulo Novas Perspectivas de Wright A fim de desenvolver
esse pensamento e considerar os argumentos dentro dessa nova visatildeo teoloacutegica
da temaacutetica
Palavras-Chave Discurso Paulo Ressurreiccedilatildeo Corpoacutereo 1Coriacutentios 15
ABSTRACT
This article aims to demonstrate the innovative element that the discourse
of bodily resurrection in Paul brings from the text of 1 Corinthians 1535-49 where
the apostle develops and argues his eschatological thinking on this theme To
follow this path this article proposes to explain some methodological points
relevant to the exegetical exercise of this Pauline narrative supported by the
theoretical references ―The Resurrection of the Son of God and ―Paul New
perspectives by Wright In order to develop this thinking and consider the
arguments within this new theological view of the theme
Key-Words Discourse Paul Resurrection Corporeal 1Corinthians 15
autora Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Angelaaleixo72yahoocom
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INTRODUCcedilAtildeO
Considerada como doutrina central da teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea tem sua histoacuteria narrada em diferentes porccedilotildees biacuteblicas do Novo
Testamento Nos evangelhos canocircnicos Jesus anuncia sua morte e ressurreiccedilatildeo
sobre a afirmaccedilatildeo de que este eacute o plano de Deus Pai para com a humanidade
Em especial podemos ver entretecidas na teologia cristatilde mais antiga as cartas
paulinas que registram a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus Entendemos que estas
foram escritas por volta de duas deacutecadas apoacutes a morte de Cristo denotando assim
neste periacuteodo a firme crenccedila dos cristatildeos neste evento escatoloacutegico
Sobre a crenccedila de que a ressurreiccedilatildeo em princiacutepio tinha acontecido Paulo
exorta e instrui os seguidores de Jesus a reordenar suas vidas suas narrativas
seus siacutembolos e sua praacutexis para estarem em conformidade com o segmento
desta doutrina escatoloacutegica na poacutes-morte Neste sentido podemos dizer que os
ensinamentos de Paulo se tornaram um elemento chave da tradiccedilatildeo e da teologia
cristatilde Mais do que isso nosso pressuposto eacute de que a teologia paulina nos
fornece um desenvolvimento narrativo sobre a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea
Contudo num segundo olhar a esse discurso temaacutetico podemos levantar
um questionamento Que novidade este tema tatildeo debatido pode nos apresentar
Este ensaio exegeacutetico procuraraacute mostrar que a novidade norteadora desse
discurso paulino se concentra no uacutenico eixo narrativo a da tipologia corpoacuterea que
eacute alcanccedilado na poacutes-morte com a ressurreiccedilatildeo do corpo Ou seja a aceitaccedilatildeo na
crenccedila de que haveraacute no futuro escatoloacutegico um corpo glorioso e totalmente outro
Atraveacutes de uma nova abordagem ele desenvolve seu discurso temaacutetico a partir da
narrativa de 1Coriacutentios (153549)
Para tanto Paulo parte da descriccedilatildeo dos diferentes tipos de carnes de
animais de aves de peixes do sol da lua e das estrelas num evolutivo
pensamento Tendo como cerne discursivo o enunciado de que entre os corpos
tambeacutem haacute diferentes tipologias pois sua afirmativa eacute de que assim como existe o
corpo natural tambeacutem existe o corpo espiritual Desta forma neste texto Paulo
relata analogicamente o primeiro Adatildeo (corpo natural) em relaccedilatildeo ao segundo
Adatildeo Cristo (corpo espiritual) demonstrando que nele estaacute impliacutecito a memoacuteria
narrativa de Gn 1-3 cuja ecircnfase estaacute na criaccedilatildeo
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Assim este ensaio exegeacutetico de 1Cor (15 35-49) pretende analisar o
discurso paulino acerca da ressurreiccedilatildeo do corpo e verificar como ele discorreu
essa narrativa a conflitante comunidade de Corinto A fim de desenvolvermos este
ensaio utilizaremos alguns passos do meacutetodo histoacuterico-criacutetico como orientaccedilatildeo
todavia sem nos fixarmos nesta uacutenica metodologia54 Seguiremos com a anaacutelise
das caracteriacutesticas formais da periacutecope (delimitaccedilatildeo conteuacutedo literaacuterio e gecircnero
textual) e a finalizaccedilatildeo metodoloacutegica seraacute com um breve comentaacuterio quanto
articulaccedilatildeo do discurso paulino em todo capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO
35 Mas diraacute algueacutem Como ressuscitam os mortos E com que espeacutecie de
corpo vecircm 36 Insensato Tu o que semeias natildeo eacute vivificado se primeiro natildeo
morrer 37 E o que semeias natildeo semeia o corpo que tornaraacute mas (semeia) um
gratildeo nu como de trigo ou de outros gratildeos 38 Poreacutem Deus concede por si
mesmo o corpo conforme desejar e a cada uma das sementes (Ele) concede o
corpo proacuteprio dela 39 Nem toda carne (eacute) a mesma carne mas uma eacute a carne
dos homens outra eacute a carne de gados outra a carne de peixes e outras de aves
40 E (haacute) corpos celestes e corpos terrestres mas uma (eacute) a gloacuteria dos celestes
e outra (eacute) a gloacuteria dos terrestres 41 Uma eacute a gloacuteria do sol outra eacute a gloacuteria da
lua outra a gloacuteria das estrelas pois uma estrela difere em gloacuteria de outra estrela
42 Assim tambeacutem eacute a ressurreiccedilatildeo dos mortos O eacute semeado em corruptiacutebilidade
e ressuscitado em incorruptibilidade 43 Eacute semeado em desonra ressuscitado em
gloacuteria eacute semeado em fraqueza e ressuscitado em poder 44 Eacute semeado corpo
natural eacute ressuscitado corpo espiritual pois existe o corpo natural e existe o
corpo espiritual 45 Como tambeacutem estaacute escrito O primeiro homem Adatildeo tornou-
se alma vivente o uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante 46 Entretanto natildeo eacute
primeiro o espiritual mas o natural depois disso o espiritual 47 O primeiro
homem eacute proveniente de dentro da terra terreno o segundo homem eacute
proveniente de dentro do ceacuteu celestial 48 Tal como o terrestre (feito) do poacute
tambeacutem satildeo os terrenos e tal como (aquele) que eacute celestial tambeacutem satildeo os
54
A metodologia empregada seraacute a junccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico com a metodologia de ZABATIERO Julio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
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celestiais 49 E assim como trouxemos a imagem do terrestre traremos tambeacutem
a imagem do celeste55
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS
A anaacutelise das caracteriacutesticas formais de um texto eacute uma das bases para a
anaacutelise de conteuacutedos Trata-se de uma etapa fundamental para reunirmos
informaccedilotildees a respeito de suas caracteriacutesticas literaacuterias Assim para esta anaacutelise
desenvolveremos os seguintes passos delimitaccedilatildeo coesatildeo contexto literaacuterio
estruturaccedilatildeo da periacutecope gecircnero textual
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope
A delimitaccedilatildeo de um texto eacute fundamental para estabelecermos os limites
iniciais e finais a fim de reconhecermos a mensagem do texto de fazermos o
recorte textual correto Para isso esta anaacutelise levaraacute em consideraccedilatildeo a narrativa
de 1Coriacutentios (1535-49) como uma uacutenica periacutecope cuja segmentaccedilatildeo56 estaacute em
(35-38 39-44 45-49)
Num primeiro olhar da narrativa estes trecircs segmentos contidos nesta
periacutecope pode parecer desconexos quanto ao contexto integral Contudo ao
analisarmos o texto percebemos que eles se alternam entre si Esta eacute a proposta
da Biacuteblia de Jerusaleacutem (BJ) que demonstra em sua composiccedilatildeo uma estrutura na
qual cada estrofe salienta os temas tratados Assim entendemos que a junccedilatildeo
entre estes temas conjunccedilotildees e adveacuterbios contidos no texto satildeo as marcas
linguiacutesticas que melhor nos auxilia quanto agrave observaccedilatildeo de mudanccedilas nestas
narrativas
Observando o contexto literaacuterio anterior (vv29-34) notamos a mudanccedila de
assunto e de linguagem em relaccedilatildeo agrave narrativa dos versos (35-49) Isso porque a
linguagem desta periacutecope apresenta uma espeacutecie de parecircnteses ou seja uma
breve treacutegua apoacutes uma densa e complexa argumentaccedilatildeo sobre a ressurreiccedilatildeo
55
Um proacuteximo item metodoloacutegico nesta pesquisa seria a criacutetica textual Contudo ao averiguarmos este ponto constatamos que haacute vaacuterias variantes que natildeo apresentam nenhuma alteraccedilatildeo significativa na narrativa Por isso optamos em trabalhar por Nestle Alan descartando assim o exerciacutecio analiacutetico da mesma 56
―Segmentaccedilatildeo eacute um procedimento idecircntico ao da delimitaccedilatildeo mas restrito aos limites da proacutepria periacutecope utilizada aqui como passo metodoloacutegico por ZABATIERO J In Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007 p37
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um estilo entrecortado frases curtas raacutepidas mudanccedilas de tema Entendemos
que o assunto tratado aqui por Paulo exibe um foco mais antropoloacutegico De Cristo
ele passa a falar de si e dos perigos que constantemente enfrenta ao disseminar
sua teologia (v30)
Ele comeccedila seu discurso com duas perguntas sobre o batismo pelos
mortos (v29) Ambas principiadas pela conjunccedilatildeo ―se Ἐπεὶ como reflexatildeo da
questatildeo Segue falando de uma luta com feras em Egravefeso (v32) e concluiacute com
uma advertecircncia a comunidade O de natildeo se enganarem quanto agrave verdadeira
teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo dos mortos (vv33-4) evidenciado pelo verbo ―tornai
genomai tendo como fio condutor desta periacutecope o elo entre a vida presente e a
futura
A delimitaccedilatildeo desta periacutecope eacute uma questatildeo que varia entre os
pesquisadores Vejamos a posiccedilatildeo de alguns deles quanto a isso
Ao pesquisar esta questatildeo percebemos que grande parte dos
pesquisadores corroboram com a delimitaccedilatildeo semelhante agrave de Vouga que trata
do tema ―do corpo espiritual dos ressuscitados numa uacutenica narrativa sem
subdivisotildees (vv35-4957) Jaacute um grupo menor de pesquisadores nos apresenta
uma estrutura similar entre eles mas com alguns pontos divergentes Vejamos
algumas destas estruturas
De acordo com Konings a delimitaccedilatildeo deste texto segue a seguinte
estrutura ―Na respostas as perguntas (v35) Paulo recorre a algumas
comparaccedilotildees exemplificativas (vv36-41) manteacutem o tema da semeadura (vv42-
4) e discorre sobre os dois corpos (vv 45-958) Fitzmyer vai agrave outra vertente e
delimita o texto da seguinte forma ―A fim de dar respostas (v35) Paulo faz
analogias de sementes (vv36-41) e depois faz as aplicaccedilotildees destes
ensinamentos (vv 42-959)
Jaacute Wright ao delimitar esta narrativa a divide em dois blocos ―o primeiro
nos (vv 35-41) onde Paulo discorre sobre as diferenciaccedilotildees dos corpos
(terrestres e celestes) o segundo nos (vv42-9) elabora um contraste explicativo
57
VOUGA F MARGUERRAT Daniel (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 p 238 58
KONINGS J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 pp 368-9 59
JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa)
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sobre as duas espeacutecies de corpos60 culminando nas respostas as duas
perguntas lanccediladas no iniacutecio da narrativa (v35)
A narrativa de 35-49 compotildee a periacutecope central desta pesquisa e sua
anaacutelise seguiraacute a estrutura dos segmentos mencionados acima
Primeiro segmento de 35-8 No verso 35 o foco do discurso muda Apoacutes
ter discutido com a comunidade sobre a ressurreiccedilatildeo como fato Paulo agora se
volta agrave questatildeo da modalidade Iniciando o discurso pela conjunccedilatildeo ―mas Ἀλλὰ
Paulo agora pergunta pelo ―como e pela ―mecacircnica do processo da
ressurreiccedilatildeo cuja centralidade estaacute na questatildeo do corpo Paulo demonstra reagir
com dureza a estas questotildees (v36) e argumenta utilizando a analogia do gratildeo de
trigo (vv36-8)
Segundo segmento de 39-44 A partir do verso 39 o Apoacutestolo manteacutem a
temaacutetica mas dirige agora a atenccedilatildeo para criaccedilatildeo ou seja da semente das
plantas se volta para a carne Iniciando a narrativa com o adveacuterbio ―nem (οὐ) ele
passa a discursar sobre as diferentes espeacutecies criadas por Deus como os animais
domeacutesticos os paacutessaros e os peixes
Discorre tambeacutem sobre os ―corpos terrestres caracterizado pela palavra
grega σὰρξ sarx (vv39-43) e continua a narrativa em termos antropoloacutegicos
(v44) Evidencia os diferentes tipos de carne no intuito de ilustrar a diferenccedila do
corpo da ressurreiccedilatildeo na poacutes-morte Pois para Paulo a ressurreiccedilatildeo acarretaraacute
em uma metamorfose do corpo humano
Terceiro segmento de 45-9 Nestes versos Paulo atinge seu aacutepice
discursivo acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Utilizando o adveacuterbio Πῶρ (como) ele
agora discorre sobre a tipologia do primeiro homem Adatildeo e do uacuteltimo Cristo para
tipificar a transformaccedilatildeo do corpo natural em um corpo espiritual como esperanccedila
escatoloacutegica Nesta narrativa Paulo conclui o desenvolvimento de seu discurso
apocaliacuteptico sobre ressurreiccedilatildeo do corpo a Corinto Assim com essa mesma
temaacutetica encerra-se a periacutecope no v49
O contexto literaacuterio posterior (vv50-8) tambeacutem assume uma mudanccedila de
assunto e linguagem em relaccedilatildeo agrave (vv35-59) Na forma de uma declaraccedilatildeo
enfaacutetica Τοῦηο ―Eis que Paulo agora tenta direcionar a atenccedilatildeo da comunidade
para o que se segue (v50) Confidecircncia aos coriacutentios sua convicccedilatildeo de que nem
60
WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013 pp 481-500
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todos morreratildeo antes do fim dos tempos E o que caracterizaraacute este momento
seraacute a parousia (retorno) de Cristo (v51)
O Apoacutestolo atribui a caracteriacutestica de ―rapidez a este processo de
transformaccedilatildeo do corpo ressurreto (vv52-3) Destaca que a ecircnfase central deste
paraacutegrafo estaacute na transformaccedilatildeo necessaacuteria para aqueles atualmente vivos para
que possam fazer parte do reino Segue dizendo nos versos (54-5) que a forccedila
central desta metamorfose estaacute no fato de que ―como os mortos seratildeo
ressuscitados ―incorruptiacuteveis (vv52-4) assim ―noacutes os vivos seremos
―transformados (allagesometha61) E utiliza a conjunccedilatildeo ―assim Ὥζηε ao
concluir este discurso tendo como linguagem a forma de um hino de louvor triunfal
sobre a morte (v58)
Notamos portanto que o texto de 1Coriacutentios (1535-49) estaacute bem
delimitado e literariamente conectado com as periacutecopes ao seu redor embora
seja uma uacutenica unidade de sentido Essa perspectiva literaacuteria nos auxiliaraacute a
compreender a relevacircncia dessas palavras agrave comunidade de Corinto
13 - Coesatildeo do Texto
Esta unidade de sentido delimitada na narrativa (1535-49) apresenta
repeticcedilotildees de vaacuterios termos e sinocircnimos que mantecircm coesa a periacutecope
O verso (35) inicia com a ocorrecircncia de trecircs expressotildees importantes a
ἐγείπονηαι satildeo ressuscitados o νεκποί satildeo mortos e o ποίῳ swmati com que
espeacutecie de corpo Isso se deve aos conteuacutedos decorrentes do texto salientadas
pelas expressotildees semear e ressuscitar As palavras ζπείπειρ semeias e
ἀποθάνῃ morrer descritas no verso 36 indicam natildeo significados diferentes mas
o mesmo sentido de morte Tendo como objeto comum entre elas a palavra ζῶmicroα
corpo no verso 37
Na narrativa de 38-40 as palavras ζὰπξ carne e ζῶmicroα corpo se alternam
entre si indicando tambeacutem o mesmo significado corposubstacircncia As expressotildees
ἀνάζηαζιρ ressurreiccedilatildeo e νεκπῶν mortos no verso 42 apresentam os dois
estaacutegios do corpo E nos versos 43-4 o fio condutor desta periacutecope eacute ressaltado
pelas palavras ζπείπεηαι semeado e ἐγείπεηαι ressuscitado
61
IDEM pp500-1
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A narrativa de 45-9 ressalta atraveacutes de algumas expressotildees a mesma
temaacutetica do segmento anterior (vv38-44) os dois estaacutegios corpoacutereos As
expressotildees τςσὴν alma e πνεῦmicroα espiacuterito no verso 45 τςσικόν natural e
πνεςmicroαηικόν espiritual no verso 46 e σοφκόρ terreno e οὐπανοῦ ceacuteu no verso
(47) autenticam no texto os dois estaacutegios do corpo o atual e futuro Assim
podemos dizer que de modo geral os verbos ἀποθάνῃ morrer ζπείπειρ
semear e ἐγείπεηαι ressuscitar juntamente com o substantivo ζῶmicroα corpo
perpassam toda a periacutecope O restante do texto eacute decorrente da accedilatildeo da fala ou
estaacute ligada a ela
Assim observamos que haacute coesatildeo nesta periacutecope E que seu fio condutor
estaacute na dinacircmica do semear e ressuscitar do corpo na moldura especifica de cada
estaacutegio atual e futuro da poacutes-morte Trata-se portanto de uma unidade de
sentido delimitada e coesa
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO
O contexto literaacuterio de um texto busca mostrar a forma de escrita das
cartas de Paulo bem como identificar suas composiccedilotildees e a correlaccedilatildeo interna
entre o pensamento e os escritos paulinos a fim de observar a estrutura e a
dinacircmica do texto
A carta de 1Coriacutentios segue um formato mais ou menos padratildeo ou seja
detectaacutevel na maioria das cartas do Novo Testamento Algumas cartas satildeo tatildeo
longas que podem ser consideradas como carta ensaio A carta de 1Coriacutentios 15
eacute considerada pela maioria dos pesquisadores de conteuacutedo extensa podendo ser
escritas de vaacuterias maneiras
Neste sentido Brown diz que embora natildeo demonstre a divisatildeo necessaacuteria
dos pensamentos dos escritores de modo geral ―pode-se distingui-la em quatro
partes 1) Foacutermula introdutoacuteria 2) Accedilatildeo de graccedilas 3) Corpo ou mensagem 4)
Foacutermula conclusiva62 Este estilo divisoacuterio nas cartas eram comuns no Novo
Testamento o que favorecia a leitura e interpretaccedilatildeo da mesma
Em relaccedilatildeo ao puacuteblico na qual elas se destinavam Brown diz que de toda a
coleccedilatildeo de cartas do Apoacutestolo Paulo ―somente algumas das cartas do Novo
Testamento satildeo endereccediladas a comunidades numa cidade ou cidades
62
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 pp552-3
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especiacuteficas as outras poreacutem podem ter em mente cristatildeo com uma heranccedila
particular ()63 Em contra partida Vouga entende que as cartas do Apoacutestolo
Paulo satildeo ―destinadas as respectivas comunidades previamente conhecidas por
ele a fim de responder questotildees precisas e de reagir a problemas particulares
surgidos64
Nesta questatildeo concordamos com Vouga pois Paulo contava
constantemente com o auxiacutelio de cooperadores locais para escrever suas cartas
Esta afirmaccedilatildeo eacute evidenciada na narrativa de 1Coriacutentios (11-2) ―Paulo chamado
a ser Apoacutestolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus e Soacutestenes o irmatildeo a
igreja de Deus que estaacute em Corinto aos que foram santificados no Cristo Jesus
chamados a ser santos com todos os que invocam em todo lugar o nome de
nosso Senhor Jesus Cristo Senhor deles e nossordquo Assim eram os cooperadores
que forneciam as informaccedilotildees acerca dos conflitos existentes em Corinto O que
auxiliava Paulo quanto agrave direccedilatildeo do conteuacutedo especiacutefico a ser escrito a
comunidade
Neste sentido Berger diz que ―muitas vezes trata-se de um relacionamento
em triacircngulo eu-tu-ele ou eu-voacutes-ele65 Ou seja a dinacircmica desta relaccedilatildeo
triangular permitia um contato constante entre Paulo o cooperador e a
comunidade nas questotildees a serem resolvidas Assim estas informaccedilotildees serviam
como ponto de partida para elaboraccedilatildeo das cartas paulinas
Podemos dizer que na carta de 1Coriacutentios 15 o primeiro objetivo praacutetico
natildeo se exprime por meios de imperativos ou exortaccedilotildees mas sim por meios de
explicaccedilotildees e afirmaccedilotildees acerca da ressurreiccedilatildeo dos mortos Contudo este
objetivo se encontra impliacutecito na comunicaccedilatildeo de seu discurso neste capiacutetulo E
embora toda a narrativa deste capiacutetulo nos apresente o tema da ressurreiccedilatildeo satildeo
nos versos (35-49) que o Apoacutestolo especifica esta temaacutetica ao falar do corpo
ressurreto dos mortos na poacutes-morte
Um aspecto perceptiacutevel nesta exposiccedilatildeo discursiva eacute que Paulo se dirige a
toda a Corinto e natildeo somente ao grupo de ceacuteticos que questionavam a
ressurreiccedilatildeo do corpo De acordo com DETTWILER amp KAESTLI ainda que ―Paulo
saiba que na comunidade ―alguns negam a ressurreiccedilatildeo dos mortos (v12) ele
63
IDEM p550 64
VOUGA p233 65
BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 p253
128
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natildeo se dirige a eles mas a ―voacutes da comunidade a fim de dissuadi-la de partilhar a
posiccedilatildeo negativa da maioria66
Ao usar o termo ―voacutes o Apoacutestolo abrange a todos seu discurso retoacuterico
deixando assim impliacutecito a ambiguidade peculiar das cartas paulinas Ou seja
nesta narrativa central ele previne toda comunidade contra essa e outras
correntes filosoacuteficas contraacuterias ao cristianismo ao mesmo tempo em que refuta
indiretamente o grupo ceacutetico existente em Corinto
Em relaccedilatildeo agrave literatura das cartas de Paulo podemos dizer que em geral
elas apresentam um contexto de ―comunicaccedilatildeo estabelecido pelo Apoacutestolo que eacute
com efeito paradoxal ()67 Na periacutecope (vv35-49) encontramos este contexto
de comunicaccedilatildeo por parte do Apoacutestolo Nele Paulo utiliza natildeo soacute o paradoxo
mas tambeacutem outras formas literaacuterias para autenticar seu discurso Vejamos agora
algumas destas formas
O texto inicia com duas perguntas cruciais que conduz toda a narrativa
Nos versos 36-41 Paulo extraiu vaacuterias analogias sobre a diversidade de sementes
e organismos a fim de responder a primeira pergunta ―Como (Πῶρ) ressuscitam
os mortos (v 35a) Colzemann diz que Paulo ―em estilo de diatribe68 solta o
novo tema apresentado pelo Como69
A palavra ἄθπυν (insensato) que precede esta pergunta denota um estilo
de discussatildeo na narrativa E ao discutir esta questatildeo Paulo ressalta a oposiccedilatildeo
ou seja a objeccedilatildeo que tinha sido realmente levantada por um grupo de ―ceacuteticos
existentes em Corinto Segundo Colzemann ―o texto nos apresenta uma resposta
tripla (1) vv 36-8 (2) vv 39-44 (3) vv 45-970 reforccedilando a proposta de nossa
estrutura de segmentos Observamos portanto que nestas narrativas a teologia
paulina da ressurreiccedilatildeo natildeo admitia a existecircncia sem um corpo Seja ela no
tempo presente com caraacuteter apocaliacuteptico ou no tempo futuro com caraacuteter
escatoloacutegico
66
DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor 67
VOUGA p233 68
De acordo com Fitzmayer 2008 p 591 diatribe eacute uma forma dialoacutegica de argumentaccedilatildeo desenvolvida por certos professores como Bion Borys Thenite (ca 325-255 aC) Teles (fl 235 cabc) Dio Crisoacutestomo de Prusa (ad 40-112 []) Musonius Rufus (ca DC 30-102) e de Epicteto Hieraacutepolis (ad-55-135) Eacute utilizada nas escolas ciacutenicas e estoacuteicas da filosofia Foi um discurso pedagoacutegico realizado em debate animado e estilo de conversaccedilatildeo familiar com um interlocutor real ou imaginaacuterio que foi salpicado com apoacutestrofo proveacuterbios perguntas retoacutericas paradoxos paroacutedias antiacuteteses e fala fictiacutecia 69
COLZEMANN 1Corinthians Printed in the United States of American 1975 p280 70
IDEM 280 (traduccedilatildeo nossa)
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Paulo a partir de agora conduz seu discurso em duas perspectivas De
aplicar as implicaccedilotildees destas instruccedilotildees para a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea dos cristatildeos
falecidos e de procurar dar uma resposta apocaliacuteptica a segunda pergunta
definida por ποίῳ δὲ ζώmicroαηι ἔπσονηαι ―Com que espeacutecie de corpo vecircm
(v35b) De acordo com Fitzmyer
―Sua resposta definitiva eacute dada no versiacuteculo 44a desta periacutecope um corpo espiritual eacute elevado e em v 44b ele argumenta a minori ad maius Eacute no entanto apresentado de uma forma mais completa quando ele menciona mais trecircs qualidades desse corpo impereciacuteveis vestida de esplendor e poderosos Assim numa seacuterie de diacutesticos paralelos (vs42b-44a) quatro qualidades do corpo ressuscitado satildeo apresentados em oposiccedilatildeo a quatro qualidades do corpo humano terrestre Quatro antiacuteteses satildeo expressas pelos verbos passivos divinos speiretai-egeiretai Considerando que o atual corpo humano eacute pereciacutevel sem honra fraco e animado (psychikon) o corpo humano da ressurreiccedilatildeo seraacute incorruptiacutevel radiante poderoso e espiritual (pneumatikon)
71
Estas palavras de Fitzmyer vecircm corroborar nossa anaacutelise Na frase
―semeado em corruptibilidade desonra fraqueza e ressuscitado em
incorruptibilidade gloacuteria poder (vv42b-4a) a forma literaacuteria diacutestica paralela
construiacuteda por Paulo ressalta seu pensamento jaacute dito sobre a morte e
ressurreiccedilatildeo do corpo
Em forma de antiacutetese ele discorre sobre as qualidades e defeitos dos
corpos terrestres τςσικόν (natural) e ressuscitados πνεςmicroαηικόν (espiritual) cuja
acentuaccedilatildeo estaacute nos verbos ζπείπεηαι (semeado) e ἐγείπεηαι (ressuscitado) E
concluiacute seu discurso nos versos (44b-9) descrevendo uma comparaccedilatildeo de
criaccedilatildeo o ―primeiro homem Adatildeo com o ―uacuteltimo Adatildeo Cristo introduzindo nele
o aspecto escatoloacutegico
Assim entendemos que a periacutecope (vv35-49) agrega diferentes formas
literaacuterias Todavia esta composiccedilatildeo de formas variadas eacute compreensiacutevel uma vez
que Paulo escrevia as cartas com o auxiacutelio e talvez ateacute com opiniotildees de seus
cooperadores que conheciam bem a comunidade Esta variedade literaacuteria
enriquece e potencializa o tema tratado por Paulo neste caso a ressurreiccedilatildeo do
corpo na poacutes-morte Vejamos agora como Paulo estrutura este discurso
apocaliacuteptico e escatoloacutegico da ressurreiccedilatildeo
71
JOSEPH p591 (traduccedilatildeo nossa) Grifo do autor
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3 ESTRUTURACcedilAtildeO DE 1CORIacuteNTIOS 1535-49
Este discurso tem sido estruturado de diversas formas pelos exegetas
Mas ao atentar para o texto podemos detectar uma estrutura mnemocircnica da
narrativa isto eacute uma forma repetitiva de expor algo As repeticcedilotildees por sua vez
consistem em desenvolver e explanar a teologia paulina acerca da ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea agrave comunidade de Corinto Portanto a opccedilatildeo deste ensaio exegeacutetico eacute de
estruturar o texto a partir dele mesmo observando a relaccedilatildeo interna entre frases e
segmentos Sendo assim vejamos como eacute descrita esta estrutura textual
A 1ordm Segmento (35-8)
a Apresenta questotildees sobre o ―como (v35a) e a mecacircnica ―espeacutecie de
(v35b)
b Oponecircncia aos ceacuteticos e afirmaccedilatildeo sobre o semearmorrer (v36)
c Explicaccedilatildeo acerca do processo de semeadura (v37)
d A concessatildeo divina dos tipos de corpos (v38)
B 2ordm Segmento (39-44)
a Menccedilatildeo da tipologia das carnes (v39)
b Comparaccedilatildeo entre os corpos terrestrescelestes (v40)
c Diferenciaccedilatildeo da gloacuteria entre os luminares (v41)
d Conclusatildeo da analogia e da tipologia de corpos (v42a)
e Semeado em corruptibilidade
Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
f Semeado em desonra
Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
g Semeado em fraqueza
Ressuscitado em poder (v43b)
h Semeado corpo natural
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Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
i Pois existe o corpo natural
E o corpo espiritual (v44b)
C 3ordm Segmento (45-9)
a Argumentaccedilatildeo teoloacutegica com base nas Escrituras (v45a)
b O primeiro homem Adatildeo tornou-se alma vivente (v45b)
c O uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante (v45c)
d A ordem existencial dos corpos (v46)
e O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a)
f O segundo homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
g Tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a)
h Tal como celestial satildeo os celestes (v48b)
i Conclusatildeo Assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a)
j Traremos tambeacutem a imagem do celeste (v49b)
O primeiro segmento dos versos (35-8) foi estruturado com uma subdivisatildeo
a fim de analisarmos com mais nitidez a articulaccedilatildeo paulina neste discurso Desta
forma temos
A primeira divisatildeo nos apresenta dados gerais da carta (v35) Nesta
narrativa observamos que ela estaacute direcionada a comunidade ou mais
precisamente aos ceacuteticos de Corinto Seu conteuacutedo discorre sobre os dois tipos
de corpos (celestesterrestres) cuja conclusatildeo (v49) responde as duas questotildees
cruciais apresentadas no iniacutecio da narrativa Assim eacute pertinente afirmar que
introduccedilatildeo e conclusatildeo estatildeo relacionadas no texto
A segunda divisatildeo se inicia com a construccedilatildeo discursiva do pensamento
paulino sobre estas questotildees (vv36-8) De forma linear Paulo comeccedila afirmando
a necessidade de semearmorrer (v36) segue explicando o processo de
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semeadura (v37) e termina este segmento argumentando que a origem dos tipos
de corpos eacute de concessatildeo divina (v38)
O segundo segmento dos versos (39-44) traz uma estrutura longa e de
dupla composiccedilatildeo
Na primeira composiccedilatildeo Paulo continua na forma linear Ele expotildee a
tipologia das carnescorpos existentes (v39) e segue o discurso numa linha
comparativa entre os dois tipos de corpos terrestrescelestes (v40) Abrange seu
pensamento ao falar e exemplificar sobre as diferenccedilas de gloacuteria entre os
luminares (v41) e termina esta composiccedilatildeo tipoloacutegica retomando a questatildeo da
analogia de corpos (v42 a) Nesta estrutura de versos podemos visualizar a
forma loacutegica e clara paulina de difundir sua teologia a comunidade sobre os dois
tipos de corpos
Na segunda composiccedilatildeo Paulo apresenta um jogo mnemocircnico ou seja
ele enfatiza as repeticcedilotildees a fim de autenticar a dinacircmica da morte e da
ressurreiccedilatildeo Alternando-as na narrativa atraveacutes dos verbos semeado ζπείπεηαι
e resuscitado ἐγείπεηαι (vv42b-44a) Nesta dinacircmica estes dois verbos satildeo
seguidos de substantivos que paralelamente destacam as oposiccedilotildees tambeacutem de
forma alternada Vejamos agora esta estrutura de outra forma para que possamos
visualizar com mais clareza os paralelos entre os verbos e seus respectivos
substantivos
Semeado em corruptibilidade Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
Semeado em desonra Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
Semeado em fraqueza Ressuscitado em poder (v43b)
Semeado corpo natural Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
Pois existe o corpo natural e o corpo espiritual (v44b)
O terceiro segmento dos versos (45-9) continua nesta estrutura mnemocircnica
paralela Entretanto o destaque desta dinacircmica narrativa abrange duas vertentes
teoloacutegicas que tem como base as Escrituras (v45a)
A primeira vertente estaacute ligada agrave ordem existencial do corpo da
ressurreiccedilatildeo caracterizado em sua narrativa pela palavra grega ππῶηορ primeiro
e ἔζσαηορ uacuteltimo Esta classificaccedilatildeo ordinaacuteria elaborada por Paulo expressa
paralelamente a relaccedilatildeo entre o primeiro homem Adatildeo alma vivente (45b) e o
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uacuteltimo Adatildeo espiacuterito vivificante (v45c) Ele continua este discurso explanando
esta questatildeo ordinaacuteria da existecircncia dos corpos (v46) destacando agora sua
origem O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a) e o segundo
homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
Jaacute a segunda vertente estaacute ligada a tipologia dos dois corpos
caracterizados pelas palavras gregas σοφκόρ terrestre e ἐποςπάνιορ celeste No
intuito de culminar seu discurso a comunidade Paulo entatildeo faz uso das
expressotildees comparativas tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a) e tal como
celestial satildeo os celestes (v48b) para autenticar essa diferenccedila Desta forma
utilizando estas expressotildees comparativas ele concluiacute seu raciociacutenio teoloacutegico
dizendo assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a) traremos tambeacutem
a imagem do celeste (v49b)
Portanto podemos dizer que tanto a introduccedilatildeo como a conclusatildeo se
repetem no termo desta carta cuja literatura estiliacutestica apresenta formas diacutesticas
paralelas repeticcedilotildees oposiccedilotildees discussotildees antiacuteteses e escatologia formando
assim a moldura do nosso texto
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO
As cartas do Novo Testamento de modo especial as paulinas
destinavam-se agrave leitura em voz alta com o alvo de convencer
―Consequentemente tal como discursos elas podem ser consideradas retoacutericas
no que diz respeito agrave autoridade do escritor agrave qualidade do escrito e ao efeito
desejado sobre o puacuteblico72 Ao escrever para os coriacutentios Paulo assevera que se
sua carta natildeo for recebida iraacute e falaraacute pessoalmente com a comunidade
(2Cor131-5) De acordo com Brown
Argumentaccedilatildeo demonstrativa ou epidiacutetica como os discursos feitos em celebraccedilotildees puacuteblicas destinam-se a agradar ou inspirar as pessoas reafirmando crenccedilas e valores comuns e angariando o apoio para as empreitadas do momento Paulo muitas vezes escreve para encorajar seus convertidos louvando-lhes a feacute e a observacircncia A guisa de aplicaccedilatildeo C B Puskas Jr (The Letters of Paul an introduction [As Cartas de Paulo uma introduccedilatildeo] Collegeville Liturical 1993 pp 37-38 59-61 76-77) classifica Gaacutelatas 1Coriacutentios e Romanos como retoacutericas
72
BROWN p552
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judicial deliberativa demonstrativa respectivamente e oferece paralelos greco-romanos para cada um
73
Contudo aconselha-se prudecircncia nas tentativas de detectar modelos
retoacutericos sofisticados Neste sentido uma hipoacutetese pode ser considerada a de
que as diferentes formas de argumentaccedilatildeo podem ter sido simplesmente
respostas inconscientes ao que devia ser feito
―argumentativa ou exortativa (semelhante agrave retoacuterica forense e deliberativa) algumas passagens dos escritos de Paulo podem ser influenciados pela rib ou riv (um ato lituacutergico contratual no qual Deus leva seu povo ao tribunal Is 313-5 Mq 61ss) e natildeo (apenas) pela retoacuterica greco-romana O reconhecimento de exageraccedilotildees emotivas de arroubos de eloquecircncia de argumentaccedilatildeo bem ordenada etc eacute significativo para determinaccedilatildeo daquilo que realmente eacute dito Tal reconhecimento poreacutem pode ser obtido sem o conhecimento das regras formais da retoacuterica antiga Assim nem sempre fica claro ateacute que ponto as discussotildees a respeito da classificaccedilatildeo retoacuterica exata satildeo importantes para a interpretaccedilatildeo
74
Na narrativa (vv35-49) Paulo utiliza duas perguntas retoacutericas para discorrer
o assunto Esta forma literaacuteria eacute frequentemente usada por ele em suas cartas por
levantar pontosquestotildees a serem explanadas e argumentadas Podendo ateacute
expressar ―suas exasperaccedilotildees com a situaccedilatildeo a qual ele se refere como em
1Coriacutentios (15 29 30 32 3575)
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15
Observando a carta de 1Coriacutentios podemos dizer que o capiacutetulo 15 natildeo
consiste num tratamento isolado do assunto e natildeo eacute simplesmente o uacuteltimo
toacutepico de uma longa lista Pelo contraacuterio as referecircncias regulares agrave ressurreiccedilatildeo e
ideias cognatas ao longo da carta sugerem com veemecircncia que ―Paulo
considerava esse toacutepico uma das chaves para tudo o mais que queria dizer e
deliberadamente guardou o assunto para o final natildeo porque fosse o fim nesse
sentido mas porque a ressurreiccedilatildeo era o tema unificador desta carta particular76
Entretanto para que seu trabalho de discussatildeo seja eficaz ―Paulo elabora
em 1Coriacutentios 15 uma profunda reflexatildeo centrada na indissoluacutevel conexatildeo entre a
73
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 p552-3 74
IDEM p553 75
JOSEPH p66 (traduccedilatildeo nossa) 76
IDEM p398
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ressurreiccedilatildeo passada de Cristo dado elementar da feacute cristatilde e a ressurreiccedilatildeo dos
que estatildeo em Cristo77 Nesta interpretaccedilatildeo Paulo discorre sobre o Cristo que
ressuscitou dos mortos tornando-se a primiacutecia dos que morreram
Com efeito visto que a morte vem por meio de um homem eacute tambeacutem por
meio de um homem que vem a ressurreiccedilatildeo dos mortos Ou seja como todos
morrem em Adatildeo em Cristo todos receberatildeo a vida mas cada um em sua ordem
Primeiro o Cristo depois aqueles que pertencem de Cristo
Em seguida Paulo diz que viraacute o fim Quando ele entregar a realeza a
Deus Pai depois de ter destruiacutedo toda dominaccedilatildeo toda autoridade e todo poder
1Coriacutentios (1520-478) Ele declara nos versos (23b-28) que a vida de todos os
crentes caminham em direccedilatildeo agrave consumaccedilatildeo da morte e da vida na poacutes-morte79
Contudo em seu discurso apocaliacuteptico ele compartilha com Corinto o que chama
de um ―misteacuterio microςζηήπιον mysterion (v51) ressaltando que embora o fim seja
iminente nem todos morreratildeo antes da parousia de Cristo
No intuito de avanccedilar seus interesses frente agrave comunidade Paulo entatildeo se
transforma num dispositivo retoacuterico cujo levantamento de questotildees incluiu toda
Corinto Ele utiliza-se de consultas a seu interlocutor para refletir sobre dois
pontos importantes de sua teologia A continuidade entre a vida presente e a
futura em Cristo e a mudanccedila que teraacute lugar entre o presente e o futuro pois
estas duas questotildees estatildeo interligadas E a forma como ele o faz eacute muito peculiar
De posse dos questionamentos que permeavam a comunidade sobre a
ressurreiccedilatildeo dos mortos e a fim de evitar conflitos diretos com os mesmos Paulo
em sua narrativa (vv35-49) personifica o inquisidor Essa personificaccedilatildeo permite
a comunidade uma identificaccedilatildeo com as perguntas levantadas ao mesmo tempo
em que daacute a ela alguma liberdade para ser abrasiva com o inquisidor fictiacutecio sem
necessariamente vecirc-lo como tal que dirigi um ataque contra eles
Em outras palavras a comunidade pode identificar-se livremente com as
perguntas e Paulo ao atacar o interlocutor atraveacutes dos questionamentos
manteacutem-se distante do calor do ataque Uma estrateacutegia que aparentemente deu
certo
77
DETTWILER A KAESTLI JD MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Ediccedilotildees Loyola Satildeo Paulo 2011 p 93 78
IDEM p93 79
Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa)
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A primeira pergunta da pessoa fictiacutecia ―Como ressuscitam os mortos
(v35a) pode ser de interesse para Corinto mas nunca eacute respondida por si soacute
Isso porque uma vez que Paulo conjurou essa pessoa fictiacutecia em seu discurso ele
eacute livre para administraacute-lo como quiser Ou seja pode dizer o que quiser ou
simplesmente ignorar o que ele diz ―O que importa para Paulo eacute a atenccedilatildeo dos
ouvintes que mediante este procedimento discursivo eacute garantido80 A segunda
pergunta ―com que espeacutecie de corpo vem (v35b) faz referecircncia ao corpo
tornando-se assim a partir de agora o foco das reflexotildees de Paulo neste capiacutetulo
15 de 1Coriacutentios
Seguindo a narrativa (v36) o Apoacutestolo repreende a pergunta chamando a
pessoa fictiacutecia de ―insensato Inicialmente natildeo fica claro para o leitorreceptor
desta carta se a pessoa fictiacutecia eacute caracterizada insensata pela primeira ou
segunda pergunta Contudo essa ambiguidade eacute esclarecida quando Paulo
abandona a primeira pergunta e centra-se na elaboraccedilatildeo de seu argumento na
segunda pergunta as diferenccedilas de corpos Sem duacutevidas este passa a ser um
ponto importante no discurso da ressurreiccedilatildeo paulina a ser elaborada
A fim de discorrer seu discurso com clareza Paulo se utiliza das analogias
mais baacutesicas e dos fenocircmenos observaacuteveis disponiacuteveis para a experiecircncia de
cada ser humano Por isso ele elabora um raciociacutenio que envolve de forma geral
a natureza cuja classificaccedilatildeo seraacute abordada em dois pontos principais
O primeiro ponto eacute o entendimento de que o que se planta eacute e natildeo eacute o que
cresce Exemplificando esta afirmaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que se plantarmos uma
semente de nabo podemos natildeo ter um rabanete Embora o que se colhe eacute
realmente muito diferente da semente plantada o pensamento ainda eacute o rabanete
Em outras palavras Paulo estaacute dizendo que o corpo natural hoje seraacute o corpo
espiritual da ressurreiccedilatildeo poreacutem diferente pois transformaccedilatildeo que ocorreraacute nele
o faraacute totalmente outro
Nesta linha condutora de raciociacutenio Paulo afirma que assim eacute com a
ressurreiccedilatildeo dos mortos (v42) reprisando a imagem de semeadura relatada nos
(vv36-7) Desta forma o Apoacutestolo ressalta as distinccedilotildees entre o que se semeia e
o que eacute colhido ou seja natildeo nega o que haacute (sementecorpo) mas ao mesmo
tempo sua retoacuterica demonstra uma continuidade fundamental e metamorfoseada
na ressurreiccedilatildeo
80
IDEM p987
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Ainda utilizando a natureza para confirmar sua teologia discursiva em
Corinto Paulo agora lanccedila matildeo de outros elementos naturais Ele agora engloba
os astros em sua argumentaccedilatildeo afirmando que o mesmo acontece com a gloacuteria
da lua do sol e das estrelas Poreacutem destaca que ateacute entre elas existe diferenccedila
de gloacuteria Ou seja ele demonstra mais uma vez atraveacutes das analogias a
distinccedilatildeo existente na diversidade dos astros para simbolizar a distinccedilatildeo existente
na diversidade dos corpos
O segundo ponto eacute a afirmaccedilatildeo de que ―junto a esta clareza e
confiabilidade tambeacutem haacute misteacuterio e mudanccedila81 Partindo do pressuposto de que
se haacute corpo natural tambeacutem haacute corpo espiritual o Apoacutestolo aplica exemplos que
lhe permitem falar juntamente destes trecircs elementos continuidade diversidade e
transformaccedilatildeo
Por isso descreve os diferentes tipos de corpos e de carnes delegando
esses tipos a pessoas animais domeacutesticos e aves Desta forma ele culmina seu
discurso agrave comunidade autenticando estes elementos quanto aos corpos
terrestres e celestes contudo a transformaccedilatildeo eacute realccedilada por ele em seu
discurso
Para Paulo a continuidade entre o agora e ainda natildeo expressa a dinacircmica
do corpo ou seja os corpos que estatildeo plantados na terra satildeo os mesmos que
seratildeo levantados no ceacuteu Assim ele os leva agrave imagem do homem da terra e
certamente a imagem do homem do ceacuteu em seu discurso Um dado interessante
nesta perspectiva paulina eacute que tanto a ―continuidade como a descontinuidade
satildeo normalmente utilizadas por Paulo em outros lugares como categorias
frequentes de tempo agora e ainda natildeo82 Mas no capiacutetulo de 1Coriacutentios 15 o
uso eacute pela ordem primeiro e uacuteltimo e semeado e ressuscitado ou seja ambas
accedilotildees representam a vida presente de crer e sua vida futura de ser
A fim de concluir este discurso Paulo esclarece que a carne e o sangue
isto eacute os seres humanos que vivem neste mundo natildeo poderatildeo ter acesso ao
reino de Cristo sem esta radical transformaccedilatildeo (vv51-7) Ele destaca esta
importante reivindicaccedilatildeo mas todos seremos transformados no verso (51) e
enfaticamente a reafirma no verso (52) Assim todos os crentes devem ser
81
IDEM p987 82
IDEM pp987-8
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transformados pois natildeo haacute nenhum ser que possa adentrar a vida pronunciada
por Paulo na poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo sem esta metamorfose corpoacuterea
Paulo finda este capiacutetulo com uma oraccedilatildeo de graccedilas a Deus que nos daacute a
vitoacuteria sobre a morte E o relato em seu discurso do toque da trombeta (v52) por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo nos remete a um eco da citaccedilatildeo do capiacutetulo
25 de Isaiacuteas (v8) e de 1Coriacutentios 15(v54) O particiacutepio presente τῷ διδόντι (a
didonti) ―aponta para a accedilatildeo atual e contiacutenua de Deus em trazer e dar aos crentes
a vitoacuteria83
A afirmaccedilatildeo de Paulo eacute de que o processo que estaacute em curso com a morte
de Cristo culminaraacute com a redenccedilatildeo de toda a criaccedilatildeo os crentes Entretanto
como parte desta nova criaccedilatildeo os crentes jaacute desfrutam dos benefiacutecios da
atividade redentora e criadora de Deus
Portanto neste capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios Paulo articula o tema da
ressurreiccedilatildeo corpoacuterea de forma analoacutegica e metafoacuterica com intuito de enredar a
comunidade em seu raciociacutenio loacutegico atraveacutes de elementos da natureza Para
conduzir com clareza o entendimento comunitaacuterio sobre sua afirmaccedilatildeo teoloacutegica e
escatoloacutegica de que ―na ressurreiccedilatildeo dos mortos o corpo que temos hoje seraacute
transformado num totalmente outro
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS
Em suma podemos dizer que em nosso texto (vv35-49) Paulo descreve a
ressurreiccedilatildeo dos mortos em dois estaacutegios ―(primeiro o Messias depois seu povo
quando ele voltar) Quanto ao modo da descontinuidade (concentrado na
distinccedilatildeo entre corrupccedilatildeo e incorrupccedilatildeo e nos dois tipos de humanidade com o
Espiacuterito como o agente da humanidade)84
Neste sentido podemos entender que sua teologia nos convida a enveredar
por uma nova e desafiadora perspectiva acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Pois
nela Paulo demonstra sua crenccedila de que o corpo de Jesus foi transformado num
ato de nova criaccedilatildeo mediante o qual ele natildeo eacute mais corruptiacutevel Onde mediante
Cristo seus adeptos consequentemente teratildeo tambeacutem um corpo incorruptiacutevel na
poacutes-morte
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IDEM p989 84
WRIGHT p505
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Assim este artigo procurou averiguar e demonstrar atraveacutes deste ensaio
exegeacutetico o pensamento paulino acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em 1Corintios
15 Onde atraveacutes de uma narrativa analoacutegica Paulo discorreu sobre as tipologias
das carnes para explicar os dois tipos de corpos natural e espiritual Estendendo
esta tipologia para a poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo
Vale ressaltar que essa temaacutetica apocaliacuteptica e escatoloacutegica paulina para
muitos traduz um verdadeiro labirinto cujas informaccedilotildees lhes parecem
fragmentadas Gerando assim certo grau de dificuldade e levado muitos a
pesquisarem outras perspectivas deste complexo assunto Daiacute as diversas
pesquisas que embora nos pareccedilam saturadas ainda proporcionam um vasto
campo a ser desbravado pela ciecircncia
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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ZABATIERO Juacutelio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
Autora ndash Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Licenciando em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciada em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP)
E-mailAngelaaleixo72yahoocom
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SUMAacuteRIO
ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM 6
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA 7
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA 9
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 17
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 19
ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA 20
INTRODUCcedilAtildeO 20
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL 21
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO 24
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 32
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 32
A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO 34
INTRODUCcedilAtildeO 35
1 JOAtildeO CALVINO 35
2 A REFORMA EM GENEBRA 37
21 - Aspectos Poliacuteticos 37
22 - Aspectos Econocircmicos 41
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 46
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 46
A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A
RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA 48
INTRODUCcedilAtildeO 49
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO 49
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento 49
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento 52
121 Emanuel Imanuel (menino) 53
122 Melquisedeque 54
123 Filho de Davi 55
2 MESSIANISMO E MESSIAS 56
21 - Messias e Davi 56
22 Jesus - O Messias 59
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA 62
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 66
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 67
RESENHA - ―O UNIVERSO AO LADO - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O
ESTUDANTE DE TEOLOGIA 69
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BIOGRAFIA 70
INTRODUCcedilAtildeO 71
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO 72
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO
CRISTAtildeO 75
2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO 78
3 NATURALISMO 79
4 NIILISMO 81
5 EXISTENCIALISMO 82
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL 85
7 A NOVA ERA 88
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO 90
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92
REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA 94
PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO 95
UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO 95
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO 97
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO 99
21 - O que ―acredita o ateiacutesmo cristatildeo 101
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ―morte do Deus via teologia cristatilde 104
23 - Uma resposta possiacutevel 106
3 QUE MORALIDADE 107
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-Sponville 110
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor 113
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 117
ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO CORPOacuteREA
EM PAULO 118
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO 121
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS 122
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope 122
13 - Coesatildeo do Texto 125
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO 126
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO 133
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15 134
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 139
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ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM
Eacute preciso sentir a necessidade da experiecircncia da observaccedilatildeo ou
seja a necessidade de sair de noacutes proacuteprios para aceder agrave escola das
coisas se as queremos conhecer e compreender
Eacutemile Durkheim
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apontar alguns aspectos da Sociologia
da Religiatildeo de Eacutemile Durkheim Um dos principais nomes da chamada ―sociologia
claacutessica Durkheim foi um dos pioneiros no estudo socioloacutegico da religiatildeo
considerando as praacuteticas e instituiccedilotildees religiosas como um dos principais fatos
sociais que norteiam a vida em sociedade aleacutem de ter um importante papel na
formaccedilatildeo das consciecircncias individuais em uma coletividade Embora a
contemporaneidade seja marcada por um individualismo hedonista possivelmente
ineacutedito na histoacuteria da humanidade e pela hegemonia no campo da academia de um
poacutes-modernismo identitaacuterio avesso agrave ideia de coletividades mais tradicionais
abrangentes e universais as perspectivas que Durkheim propocircs nas primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX ainda podem ser uacuteteis para analisar a relaccedilatildeo das diversas
instituiccedilotildees e praacuteticas religiosas com a sociedade principalmente no Brasil onde as
igrejas evangeacutelicas comeccedilam a ter uma forte influecircncia moral no paiacutes
Palavras Chaves ndash Sociologia Religiatildeo Instituiccedilotildees Moral
ABSTRACT
This article aims to point out some aspects of the Sociology of Religion by
Eacutemile Durkheim One of the main names of the so-called ―classical sociology
Durkheim was one of the pioneers in the sociological study of religion considering
religious practices and institutions as one of the main social facts that guide life in
society as well as playing an important role in the formation of women individual
consciences in a collectivity Although contemporaneity is marked by a hedonistic
individualism possibly unheard of in human history and by the hegemony in the field
autor Prof Dr Mauricio Tintori Piqueira
tintoriledyahoocombr
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of academia of an identity postmodernism averse to the idea of more traditional
comprehensive and universal collectivities the perspectives that Durkheim proposed
in the early decades The twentieth century can still be useful for analyzing the
relationship of various religious institutions and practices with society especially in
Brazil where evangelical churches are beginning to have a strong moral influence in
the country
Keywords - Sociology Religion Institutions Moral
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA
O socioacutelogo francecircs Eacutemile Durkheim (1858-1917) compotildee ao lado dos
alematildees Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920) os autores claacutessicos da
Sociologia Entretanto cabe destacar que Durkheim foi o responsaacutevel por introduzir
a disciplina nas universidades francesas ao fundar a caacutetedra de Sociologia na
Universidade de Bordeacuteus em 1887 dando a ela um caraacuteter acadecircmico-cientiacutefico
Filho de uma famiacutelia de rabinos e portanto de origem judaica formou-se em
Filosofia na Escola Normal Superior de Paris em 1882 Jaacute nessa eacutepoca interessava-
se por Sociologia ateacute entatildeo uma disciplina do conhecimento relacionada agrave filosofia
positivista de Augusto Comte (1798-1857) que entre outras caracteriacutesticas
propunha um estudo cientiacutefico da sociedade atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos mesmos
meacutetodos de pesquisa e anaacutelise utilizados pelas Ciecircncias Exatas e Bioloacutegicas com o
intuito de identificar as ―leis gerais que norteariam a vida social
O meacutetodo socioloacutegico de Durkheim conhecido como Funcionalismo propotildee a
anaacutelise da sociedade de forma similar a de um organismo vivo Em outras palavras
a sociedade seria formada por diversos oacutergatildeos interdependentes entre si de cujo
bom funcionamento dependeria a sobrevivecircncia do corpo social Dessa forma o
socioacutelogo francecircs considera necessaacuteria a preservaccedilatildeo da coesatildeo social ou seja o
consenso entre os diversos grupos que compotildee a sociedade em torno de um ideal
que nas sociedades modernas seria o progresso cientiacutefico e industrial
proporcionado atraveacutes da hegemonia do pensamento loacutegico-racional Neste aspecto
Durkheim eacute um herdeiro da filosofia iluminista do seacuteculo XVIII e de sua inabalaacutevel feacute
na ciecircncia como caminho de superaccedilatildeo das miseacuterias humanas crenccedila que
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atualmente eacute alvo de criacuteticas no mundo acadecircmico devido ao constante uso da
proacutepria ciecircncia para fins beacutelicos voltados para a destruiccedilatildeo em massa
Outro aspecto importante da sociologia funcionalista de Durkheim eacute o
conceito de fato social considerado pelo socioacutelogo francecircs como o objeto de estudo
da Sociologia Segundo o autor fatos sociais correspondem a ―maneiras de agir
pensar e sentir exteriores ao indiviacuteduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude
do qual se lhe impotildeem () (DURKHEIM 1978 p88) Em outras palavras os fatos
sociais satildeo as estruturas cuja existecircncia independe da vontade do individuo
exercendo nele uma influecircncia coercitiva na maioria das vezes indireta que o induz
a adotar determinados padrotildees de comportamento com o intuito de portar-se
adequadamente na coletividade Assim o fato social tem uma enorme influecircncia na
formaccedilatildeo da consciecircncia individual e embora Durkheim reconheccedila que cada
indiviacuteduo pode escolher os comportamentos e atitudes que adota em sua vida
cotidiana estes satildeo moldados a partir do que estaacute posto concretamente na
sociedade e as consequecircncias de seguir ou natildeo determinados padrotildees satildeo
decorrentes das relaccedilotildees sociais
Ao comentar a obra de Eacutemile Durkheim o socioacutelogo Joseacute Arthur Giannoti
(1978 pp VII e VIII) destacou que para a Sociologia tornar-se uma ciecircncia era
necessaacuterio ―utilizar uma metodologia cientiacutefica investigando leis natildeo generalidades
abstratas e sim expressotildees precisas de relaccedilotildees descobertas entre os diversos
grupos sociais Entretanto eacute importante ressaltar que Durkheim considerava que o
fato social natildeo eacute apenas algo relacionado agrave vida material pois compreende que a
sociedade eacute ―um conjunto e ideais constantemente alimentados pelos homens que
fazem parte dela (GIANNOTI 1978 p VIII) Assim natildeo eacute por acaso que outro
conceito importante da teoria funcionalista eacute o de ―consciecircncia coletiva Ainda
segundo Giannoti (idem ibidem) o conceito de consciecircncia coletiva na obra de
Durkheim pode ser compreendida
() o sistema de representaccedilotildees coletivas em uma determinada sociedade Representaccedilotildees coletivas seriam por exemplo a linguagem ou um grupo de praacuteticas de trabalho encontradas em certa sociedade Tais representaccedilotildees coletivas constituiriam fatos de natureza especiacutefica e diferentes dos fenocircmenos psicoloacutegicos individuais () As representaccedilotildees coletivas desdobram-se nos aspectos intelectual e emocional e eacute possiacutevel determinaacute-las de maneira direta e natildeo apenas atraveacutes dos pensamentos e emoccedilotildees individuais O meacutetodo para conhecimento direto das representaccedilotildees coletivas utilizaria o exame das expressotildees permanentes dessas
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representaccedilotildees como por exemplo os sistemas juriacutedico e as obras de arte ()
Cabe ressaltar que se partirmos da metodologia funcionalista proposta por
Durkheim a religiatildeo pode ser considerada tanto um fato social pois corresponde agraves
formas de agir e pensar exteriores ao indiviacuteduo (isto eacute existe independente da sua
vontade) e tem um forte poder coercitivo sobre o indiviacuteduos que integram um
determinado grupo social como tambeacutem um componente da consciecircncia coletiva
pois ela eacute composta por um sistema de representaccedilotildees coletivas compartilhados
pelos indiviacuteduos que integram uma coletividade Natildeo por caso a religiatildeo foi um dos
principais objetos de estudo de Durkheim sendo considerado por muitos socioacutelogos
como o pioneiro nos estudos socioloacutegicos sobre a religiatildeo aacuterea conhecida como
Sociologia da Religiatildeo Neste artigo seraacute abordado importantes aspectos destes
estudos e sua importacircncia para a compreensatildeo natildeo apenas da Teologia mas
tambeacutem do papel da religiatildeo na sociedade contemporacircnea
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA
As principais consideraccedilotildees de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a sociedade estatildeo na obra As Formas Elementares da Vida Religiosa
publicada originalmente em 1912 Na introduccedilatildeo o autor justifica a escolha de
analisar praacuteticas religiosas animistas de tribos aboriacutegenes da Austraacutelia para a partir
desta identificar os aspectos gerais e universais das religiotildees como um todo e mais
precisamente ter subsiacutedios metodoloacutegicos para compreender o papel da Religiatildeo na
sociedade contemporacircnea Segundo Durkheim (1978 p205)
A Sociologia coloca-se problemas diferentes da Histoacuteria ou d Etnografia Ela natildeo procura conhecer as formas caducas da civilizaccedilatildeo com o uacutenico fim de conhececirc-las e reconstituiacute-las Mas com toda ciecircncia positiva antes de tudo El tem por objeto explicar uma realidade atual proacutexima de noacutes e capaz por conseguinte de afetar nossas ideacuteias e nossos atos esta realidade eacute o homem e mais especialmente o homem de hoje pois natildeo existe outro que estejamos mais interessados em conhecer bem Portanto natildeo estudaremos a religiatildeo mais antiga objeto de nossa pesquisa pelo uacutenico prazer de relatar coisas bizarras e singularidades Se noacutes a tomamos como objeto de nossa investigaccedilatildeo eacute porque ela nos pareceu mais apta do que qualquer outra para fazer compreender a natureza religiosa do homem isto eacute para nos revelar um aspecto essencial e permanente da humanidade
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Mais adiante Durkheim ressalta que um dos papeacuteis importantes da religiatildeo
na sociedade eacute buscar atender a alguma necessidade real do ser humano sendo
um erro considerar suas expressotildees ilusoacuterias ou falsas
Natildeo precisamos examinar aqui se existem realmente investigadores () que fizeram da Histoacuteria e da Etnografia religiosa uma maacutequina de guerra contra a Religiatildeo De qualquer maneira natildeo poderia ser este o ponto de vista de um socioacutelogo Com efeito eacute um postulado essencial da Sociologia que uma instituiccedilatildeo humana natildeo poderia repousar sobre o erro e sobre a mentira sem o que ela natildeo poderia durar Se ela natildeo estivesse fundada na natureza das coisas ela teria encontrado resistecircncia nas coisas contra a qual natildeo poderia triunfar Portanto quando abordamos o estudo das religiotildees primitivas o fazemos com a seguranccedila do que elas se apoiam no real e o exprimem () (DURKHEIM 1978 p206)
Neste ponto o socioacutelogo francecircs discorre a importacircncia de analisar as
diversas formas religiosas como um sistema de representaccedilotildees coletivas Desta
forma Durkheim ressalta que
() no fundo natildeo existem religiotildees falsas Agrave sua maneira todas satildeo verdadeiras todas respondem mesmo que de diferentes formas a condiccedilotildees dadas da existecircncia humana Sem duacutevida eacute possiacutevel dispocirc-las segundo uma ordem hieraacuterquica Umas podem ser ditas superiores agraves outras no sentido em que ela potildeem em jogo funccedilotildees mentais mais elevadas satildeo mais ricas em ideacuteias e sentimentos nelas figuram mais conceitos menos sensaccedilotildees e imagens sua sistematizaccedilatildeo mais engenhosa Mas por mais reais que sejam esta maior complexidade e esta mais alta idealidade elas natildeo satildeo suficientes para classificar as religiotildees correspondentes em gecircneros separados Todas satildeo igualmente religiotildees assim como todos os seres vivos satildeo igualmente vivos desde os mais humildes plastiacutedios ateacute o homem Portanto se nos dirigimos agraves religiotildees primitivas natildeo eacute com a segunda intenccedilatildeo de depreciar a religiatildeo em geral pois aquelas religiotildees natildeo satildeo menos respeitaacuteveis que as outras Elas respondem agraves mesmas necessidades desempenham o mesmo papel dependem das mesmas causas portanto elas podem servir para manifestar igualmente bem a natureza da vida religiosa () (DURKHEIM 1978 p206)
Em outras palavras apesar de reconhecer a existecircncia de religiotildees cujas
representaccedilotildees satildeo mais complexas do que outras possibilitando uma
hierarquizaccedilatildeo neste aspecto Durkheim enfatiza que haacute aspectos gerais presentes
em todas as religiotildees permitindo ao socioacutelogo ou ao pesquisador da Sociologia da
Religiatildeo identificar e analisar estes em sistemas simboacutelicos mais simples como foi o
caso do objeto de estudo de As Formas Elementares da Vida Religiosa no caso a
religiatildeo animista dos aboriacutegenes australianos como jaacute destacamos anteriormente
Nesta perspectiva o autor sugere tambeacutem uma abordagem histoacuterica das religiotildees
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com o objetivo de compreender o seu desenvolvimento no decorrer da Histoacuteria cuja
concepccedilatildeo eacute evolucionista fiel agrave perspectiva positivista marcada pelo evolucionismo
progressista Nas palavras de Durkheim (1978 p207)
() todas as vezes que se empreende explicar uma coisa humana tomada em um momento determinado no tempo ndash quer se trate de uma crenccedila religiosa de uma regra moral quer de um preceito juriacutedico de uma teacutecnica esteacutetica de um regime econocircmico ndash eacute preciso comeccedilar por retroceder ateacute a sua forma mais primitiva e mais simples procurar dar conta dos caracteres pelos quais ela se define neste periacuteodo de sua existecircncia depois mostrar como ela se desenvolveu e se complicou pouco a pouco como ela se tornou o que eacute no momento considerado Ora concebe-se facilmente de que importacircncia eacute para esta seacuterie de explicaccedilotildees progressistas a determinaccedilatildeo do ponto de partida ao qual estatildeo subordinadas Era um princiacutepio cartesiano que na cadeia das verdades cientiacuteficas o primeiro elo desempenha um papel preponderante Certamente natildeo poderia ser o caso de colocar na base da ciecircncia das religiotildees uma noccedilatildeo elaborada agrave maneira cartesiana isto eacute um conceito loacutegico um puro possiacutevel construiacutedo apenas pelas forccedilas do espiacuterito O que precisamos encontrar eacute uma realidade concreta que unicamente a observaccedilatildeo histoacuterica pode nos revelar ()
Mas quais seriam os aspectos gerais comum a todas as religiotildees que
permitem classificar-las no mesmo gecircnero de representaccedilotildees coletivas Durkheim
elenca da seguinte maneira algumas hipoacuteteses visando responder a tal
problematizaccedilatildeo
() todas as religiotildees satildeo comparaacuteveis porque elas satildeo todas espeacutecies do mesmo gecircnero existem necessariamente elementos essenciais que lhes satildeo comuns () Na base de todos os sistemas de crenccedilas e de todos os cultos deve necessariamente haver um certo nuacutemero de representaccedilotildees fundamentais e de atitudes rituais que malgrado a diversidade das formas que umas e outras puderam revestir em todas as partes tecircm a mesma significaccedilatildeo objetiva e em todas as partes preenchem as mesmas funccedilotildees Satildeo estes elementos permanentes que constituem o que haacute de eterno e de humano na religiatildeo eles satildeo todo o conteuacutedo objetivo da ideacuteia que se exprime quando se fala da religiatildeo em geral () (DURKHEIM 1978 pp207-208)
Entretanto tais aspectos satildeo mais perceptiacuteveis em representaccedilotildees coletivas
menos complexas e menos desenvolvidas Na perspectiva do socioacutelogo francecircs
Nas sociedades inferiores () o menor desenvolvimento das individualidades a extensatildeo mais fraca do grupo a homogeneidade das circunstacircncias exteriores tudo contribui para reduzir ao miacutenimo as diferenccedilas e variaccedilotildees O grupo realiza de maneira regular uma uniformidade intelectual e moral de que soacute encontramos raros exemplos nas sociedades mais adiantadas Tudo eacute comum a todos
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Os movimentos satildeo estereotipados todo mundo executa os mesmos atos nas mesmas circunstacircncias e esta conformidade da conduta natildeo faz senatildeo traduzir aquela do pensamento Todas as consciecircncias estando encadeadas nas mesmas correntes o tipo individual quase se confunde com o tipo geneacuterico Ao mesmo tempo em que tudo eacute uniforme tudo eacute simples Nada eacute mais rude do que estes mitos compostos de um uacutenico e mesmo tema que se repete sem fim do que estes ritos que satildeo feitos de um pequeno nuacutemero de gestos recomeccedilados agrave saciedade A imaginaccedilatildeo popular e sacerdotal ainda natildeo teve nem o tempo nem os meios de refinar e de transformar a mateacuteria-prima das ideacuteias e das praacuteticas religiosas portanto se esta mateacuteria se mostra a nu e se oferece por si mesma agrave observaccedilatildeo bastando um esforccedilo miacutenimo para descobri-la O acessoacuterio o secundaacuterio os desenvolvimentos de luxo ainda natildeo vieram esconder o principal Tudo estaacute reduzido ao indispensaacutevel agravequilo sem o que natildeo poderia haver religiatildeo Mas o indispensaacutevel eacute tambeacutem o essencial isto eacute o que antes de tudo importa conhecer (DURKHEIM 1978 p208)
Portanto eacute nas representaccedilotildees coletivas mais simples que se torna possiacutevel
para o socioacutelogo identificar e analisar os aspectos gerais da Religiatildeo presentes
tanto nas religiotildees animistaspagatildes quanto na religiosidade monoteiacutesta (seja cristatilde
judaica ou islacircmica) A evoluccedilatildeo histoacuterica das praacuteticas e sistemas religiosos tornam
tanto os ritos como os dogmas mais elaborados ao mesmo tempo em que
aparecem diversas contradiccedilotildees no interior da coletividade que compotildee determinado
sistema de crenccedilas religiosas Desta forma
() Na medida em que ele [o pensamento religioso] progride na Histoacuteria as causas que o chamaram agrave existecircncia permanecendo sempre ativas natildeo satildeo mais percebidas senatildeo atraveacutes de um vasto sistema de interpretaccedilotildees que as deformam As mitologias populares e as teologias sutis fizeram seu trabalho elas sobrepuseram aos sentimentos primitivos sentimentos muito diferentes que dependendo dos primeiros dos quais eles satildeo a forma elaborada entretanto natildeo deixam transparecer sua natureza verdadeira senatildeo muito imperfeitamente A distacircncia psicoloacutegica entre causa e o efeito entre a causa aparente e a causa efetiva tornou-se mais consideraacutevel e mais difiacutecil para o espiacuterito percorrecirc-la () Nas religiotildees primitivas o fato religioso traz ainda visiacutevel o cunho de suas origens ter-nos-ia sido bem mais aacuterduo inferi-lo considerando apenas as religiotildees mais desenvolvidas (DURKHEIM 1978 pp209-210)
A partir de tal metodologia Eacutemile Durkheim esboccedilou um conceito de religiatildeo
proacuteprio das Ciecircncias Sociais que em linhas gerais foi definido pelo socioacutelogo francecircs
da seguinte maneira
() A religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social As representaccedilotildees religiosas satildeo representaccedilotildees coletivas que exprimem realidades coletivas os ritos satildeo maneiras de agir que nascem no seio dos
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grupos reunidos e que satildeo destinados a suscitar a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos Mas entatildeo se as categorias satildeo de origem religiosa elas devem participar da natureza comum a todos os fatos religiosos elas tambeacutem devem ser coisas sociais produtos do pensamento coletivo Pelo menos - pois no estado atual de nossos conhecimentos nesta mateacuteria devemos nos guardar de toda tese radica e exclusiva ndash eacute legiacutetimo supor que elas satildeo ricas em elementos sociais (DURKHEIM 1978 p212)
Ora se a religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social como destaca
Durkheim ela tambeacutem eacute um mecanismo necessaacuterio para o estabelecimento de uma
identidade coletiva na qual os indiviacuteduos se percebem como participantes de um
grupo social que compartilha os mesmos valores morais e crenccedilas em um
determinado espaccedilo geograacutefico situado em um contexto (tempo histoacuterico) Assim
natildeo eacute o tempo individual relativo a cada ser vivo mas sim
() o tempo tal como eacute objetivamente pensado por todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo Apenas isto jaacute eacute suficiente para fazer entrever que uma tal organizaccedilatildeo deve ser coletiva E com efeito a observaccedilatildeo estabelece que estes pontos de apoio indispensaacuteveis em relaccedilatildeo aos quais todas as coisas satildeo classificadas temporalmente satildeo emprestados agrave vida social As divisotildees em dias semanas meses anos etc correspondem agrave periodicidade dos ritos das festas das cerimocircnias puacuteblicas Um calendaacuterio exprime o ritmo da atividade coletiva ao mesmo tempo que tem por funccedilatildeo assegurar sua regularidade O mesmo acontece com o espaccedilo () A representaccedilatildeo espacial consiste essencialmente numa primeira coordenaccedilatildeo introduzida entre os dados da experiecircncia sensiacutevel Mas esta coordenaccedilatildeo seria impossiacutevel se as partes do espaccedilo fossem qualitativamente equivalentes se elas realmente fossem substituiacuteveis umas agraves outras Para dispor espacialmente as coisas eacute preciso poder situar-las diferentemente () da mesma maneira que para dispor temporalmente os estados de consciecircncia eacute preciso poder localizaacute-los em datas determinadas O que representa dizer que o espaccedilo natildeo poderia ser ele mesmo se assim como o tempo ele natildeo fosse dividido e diferenciado () Todas estas distinccedilotildees evidentemente provecircm do fato de que valores afetivos diferentes foram atribuiacutedos agraves regiotildees E com todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo representam o espaccedilo de uma mesma maneira eacute preciso evidentemente que estes valores afetivos e as distinccedilotildees que dele dependem lhes sejam igualmente comuns o que implica quase necessariamente que elas satildeo de origem social (DURKHEIM 1978 pp212-213)
Em suma as representaccedilotildees coletivas presentes no que Durkheim denomina
de ―fato religioso tem com base valores afetivos compartilhados socialmente em um
determinado contexto temporal (histoacuterico) e espacial (geograacutefico) Natildeo por acaso as
religiotildees na Antiguidade estavam identificadas diretamente com as suas respectivas
civilizaccedilotildees (exemplo o Deus de Israel as divindades egiacutepcias como Hoacuterus e Isiacutes
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Baal da Feniacutecia entre outros) ao mesmo tempo em que aquelas que constituiacuteram
impeacuterios como o caso do Impeacuterio de Alexandre o Grande e o Impeacuterio Romano
construiacuteram panteotildees em suas respectivas capitais com o intuito de guardar as
divindades de todos os povos conquistados e subjugados por suas legiotildees
simbolizando natildeo apenas uma espeacutecie de ecumenismo mas tambeacutem a suposta
superioridade helecircnica e romana sobre os demais povos Por outro lado foi o
caraacuteter ecumecircnico e ―universal do Impeacuterio Romano aleacutem de suas estradas e rotas
de navegaccedilatildeo pelo mar Mediterracircneo que permitiu ao cristianismo se tornar uma
crenccedila que abrangeu todas as proviacutencias do Impeacuterio da Gratilde-Bretanha e Peniacutensula
Ibeacuterica ateacute as fronteiras com a Peacutersia
Outro aspecto importante da anaacutelise de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo eacute sua
diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico Se este corresponde agrave anaacutelise
dos fenocircmenos naturais humanos a partir da observaccedilatildeo e anaacutelise loacutegica e racional
a religiatildeo principalmente atraveacutes da Feacute tem a funccedilatildeo de auxiliar o crente ou o fiel a
viver um cotidiano cheio de obstaacuteculos e percalccedilos Segundo Durkheim (1978
p222)
() Os crentes os homens que vivendo da vida religiosa tecircm a sensaccedilatildeo direta daquilo que a constitui () sentem com efeito que a verdadeira funccedilatildeo da religiatildeo natildeo eacute fazer-nos pensar enriquecer nosso conhecimento acrescentar agraves representaccedilotildees que devemos agrave ciecircncia representaccedilotildees de uma outra origem e de um outro caraacuteter mas a de fazer-nos agir auxiliar-nos a viver O fiel que se comunicou com seu deus natildeo eacute apenas um homem que vecirc novas verdades que o descrente ignora ele eacute um homem que pode mais Ele sente em si mais forccedila seja pra suportar as dificuldades da existecircncia seja para vencecirc-las Ele estaacute como que elevado acima das miseacuterias humanas porquecirc estaacute elevado acima de sua condiccedilatildeo de homem acredita-se salvo do mal sob qualquer forma aliaacutes que ele conceba o mal O primeiro artigo de toda feacute eacute a crenccedila na salvaccedilatildeo pela feacute Uma ideacuteia com efeito natildeo eacute senatildeo um elemento de noacutes mesmos como poderia ela conferir-nos poderes superiores agravequeles que temos por nossa natureza Por mais que ela seja rica em virtudes afetivas natildeo poderia nada acrescentar agrave nossa vitalidade natural pois ela soacute pode liberar as forccedilas emotivas que estatildeo em noacutes natildeo criaacute-las ou aumentaacute-las Do fato de que noacutes nos representamos um objeto como digno de ser amado e procurado natildeo se segue que nos sintamos mais fortes mas eacute preciso que deste objeto emanem energias superiores agravequelas de que dispomos e aleacutem do mais que tenhamos algum meio de fazecirc-las penetrar em noacutes e de misturaacute-las agrave nossa vida interior Ora para isto natildeo eacute suficiente que noacutes a pensemos mas eacute indispensaacutevel que nos coloquemos em sua esfera de accedilatildeo que nos voltemos para lado pelo qual podemos sentir melhor sua influecircncia Numa palavra eacute preciso que ajamos e repitamos os atos que satildeo assim necessaacuterios todas as vezes em que isso eacute uacutetil para renovar seus efeitos()
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A feacute seria o combustiacutevel do fiel responsaacutevel por fortalecer periodicamente a
sua crenccedila Daiacute a importacircncia do culto o ponto localizado no tempo-espaccedilo no qual
o indiviacuteduo compartilha com outros a sua feacute constituindo assim um grupo social cuja
identidade estaacute na religiosidade Atraveacutes do culto a feacute eacute exteriorizada de forma
coletiva por mais que ela seja muitas vezes considerada um sentimento individual
Segundo Durkheim (pp222-223)
De fato quem quer que realmente praticou uma religiatildeo bem sabe que eacute o culto que suscita estas impressotildees de alegria de paz interior de serenidade de entusiasmo que satildeo para o fiel a prova experimental de suas crenccedilas O culto natildeo eacute simplesmente um sistema de signos pelos quais a feacute se traduz para o exterior ele eacute a coleccedilatildeo dos meios pelos quais ela se cria e recria periodicamente Que ele consista em manobras materiais ou em operaccedilotildees mentais eacute sempre ele que eacute eficaz
Atraveacutes do culto a coletividade impotildee a sua forccedila sobre o indiviacuteduo pois sua
feacute tem como alicerce paracircmetros externos estabelecidos pela sociedade ou
civilizaccedilatildeo agrave qual pertence Desta forma
() Quem faz o homem eacute este conjunto de bens intelectuais que constitui a civilizaccedilatildeo e a civilizaccedilatildeo eacute obra da sociedade E assim se explica o papel preponderante do culto em todas as religiotildees quaisquer que sejam Pois a sociedade soacute pode exercer influecircncia se ela for um ato e ela soacute pode ser um ato se os indiviacuteduos que a compotildeem estiverem reunidos e agirem em comum Eacute pela accedilatildeo comum que ela toma consciecircncia de si e se potildee antes de tudo ela eacute uma cooperaccedilatildeo ativa Mesmo as ideacuteias e os sentimentos coletivos apenas satildeo possiacuteveis graccedilas a movimentos exteriores que os simbolizam assim como estabelecemos Portanto a accedilatildeo domina a vida religiosa apenas porque a sociedade eacute sua fonte (DURKHEIM 1978 p223)
Para Durkheim a religiatildeo e suas praacuteticas tecircm tanta importacircncia para a
sociedade pois esta constitui agrave sua base A partir dos princiacutepios morais
estabelecidos atraveacutes dos dogmas religiosos que as civilizaccedilotildees e sociedades mais
antigas estabeleceram as demais instituiccedilotildees que exercem o controle social algo
essencial para a manutenccedilatildeo da coesatildeo entre os diversos grupos sociais e o pleno
funcionamento do organismo social
() Portanto pode-se dizer resumindo que quase todas as grandes instituiccedilotildees sociais nasceram da religiatildeo Ora para que os principais aspectos da vida coletiva tenham comeccedilado por aspectos variados da vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressatildeo abreviada da vida coletiva inteira Se a religiatildeo engendrou tudo o que haacute de essencial na sociedade eacute porque a ideacuteia da sociedade eacute a alma da religiatildeo (DURKHEIM 1978 p224)
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A ideia de que a sociedade eacute a alma da religiatildeo estaacute interligada a percepccedilatildeo
de que a religiatildeo foi responsaacutevel por estabelecer as primeiras bases da eacutetica e da
moral na maior parte das civilizaccedilotildees humanas Assim eacute possiacutevel concluir que
As forccedilas religiosas satildeo pois forccedilas humanas forccedilas morais Sem duacutevida porque os sentimentos coletivos natildeo podem tomar consciecircncia de si mesmos senatildeo fixando-se sobre objetos exteriores tais forccedilas natildeo puderam se constituir sem tomar agraves coisas alguns dos seus caracteres adquiriram assim um tipo de natureza fiacutesica a este tiacutetulo elas vieram misturar-se agrave vida do mundo material e eacute por elas que se acreditou poder explicar o que nele se passa Mas quando satildeo consideradas somente por este lado e nesta atribuiccedilatildeo vecirc-se apenas o que elas tecircm de mais superficial Na realidade eacute a consciecircncia que satildeo emprestados os elementos essenciais dos quais elas satildeo feitas Ordinariamente parece que elas natildeo teriam um caraacuteter humano senatildeo quando satildeo pensadas sob forma humana no entanto mesmo as mais impessoais e mais anocircnimas natildeo passam de sentimentos objetivados Soacute vendo as religiotildees sob este acircngulo eacute possiacutevel perceber sua verdadeira significaccedilatildeo Prendendo-se agraves aparecircncias os ritos frequentemente parecem o efeito de operaccedilotildees puramente manuais satildeo unccedilotildees lavagens refeiccedilotildees Para consagrar uma coisa se a coloca em contato com uma fonte de energia religiosa () Assim compreendida a teacutecnica religiosa parece um tipo de mecacircnica miacutestica Mas estas manobras materiais satildeo o invoacutelucro exterior sob o qual se dissimulam operaccedilotildees mentais Finalmente trata-se natildeo de exercer um tipo de coaccedilatildeo fiacutesica sobre forccedilas cegas e aliaacutes imaginaacuterias mas de atingir consciecircncias de tonificaacute-las disciplinaacute-las () Eacute sobre a vida moral que elas tecircm por principal funccedilatildeo agir Compreende-se assim que o que foi feito em nome da religiatildeo natildeo poderia ter sido feito em vatildeo pois foi necessariamente a sociedade dos homens a humanidade que recolheu os seus frutos (DURKHEIM 1978 p224)
Se por um lado alguns intelectuais poderiam contestar as conclusotildees de
Durkheim sobre a religiatildeo principalmente no que se refere ao estabelecimento e
coacutedigos morais inspirados em uma realidade social perfeita cuja concretude soacute
existiria no plano imaginaacuterio o socioacutelogo francecircs contra-argumenta ao ressaltar que
as aspiraccedilotildees humanas imaginaacuterias originam-se a partir das necessidades
humanas existentes na realidade concreta da vida em sociedade
Mas diz-se qual eacute exatamente a sociedade da qual se tirou o substrato da vida religiosa Eacute a sociedade real tal como ela existe e funciona sob nossos olhos com a organizaccedilatildeo moral juriacutedica que ela laboriosamente modelou no decorrer da histoacuteria Mas ela estaacute repleta de taras e de imperfeiccedilotildees Aqui o mal rodeia o bem a injusticcedila frequentemente reina como soberana a verdade eacute em cada instante obscurecida pelo erro Como um ser tatildeo grosseiramente constituiacutedo poderia inspirar os sentimentos de amor o entusiasmo ardente o espiacuterito de abnegaccedilatildeo que todas as religiotildees reclamam de seus fieacuteis Estes seres perfeitos que satildeo os deuses natildeo podem ter emprestado suas feiccedilotildees a uma realidade tatildeo mediacuteocre algumas
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vezes tatildeo baixa Trata-se ao contraacuterio da sociedade perfeita onde a justiccedila e a verdade seriam soberanas de onde o mal sob todas as suas formas estaria extirpado Natildeo se contesta que ela esteja em estreita relaccedilatildeo com o sentimento religioso pois diz-se as religiotildees tendem a realizaacute-la Apenas esta sociedade natildeo eacute um dado empiacuterico definido e observaacutevel ela eacute uma quimera um sonho no qual os homens acalentaram suas miseacuterias mas que eles jamais viveram na realidade Ela eacute uma simples ideia que vem traduzir na consciecircncia nossas aspiraccedilotildees mais ou menos obscuras para o bem o belo o ideal Ora estas aspiraccedilotildees tecircm em noacutes suas raiacutezes vecircm das proacuteprias profundezas de nosso ser portanto natildeo existe nada fora de noacutes que possa explicaacute-las Aliaacutes jaacute satildeo religiosas por si mesmas portanto a sociedade ideal supotildee a religiatildeo longe de poder explicaacute-la (DURKHEIM 1978 p225)
Cabe destacar portanto que para Eacutemile Durkheim a religiatildeo estaacute longe de
ser uma ilusatildeo habilmente manipulada pelos detentores do poder visando alienar a
sociedade (ou mais precisamente as classes sociais menos favorecidas) de seus
problemas decorrentes de uma sociedade marcada pela injusticcedila e sofrimento mas
uma representaccedilatildeo da proacutepria realidade pois em sua simbologia ela reproduz os
dramas existenciais muitas vezes decorrentes da carecircncia dos recursos necessaacuterios
para suprir as suas proacuteprias necessidades Por esta razatildeo
() eacute simplificar arbitrariamente as coisas ver a religiatildeo soacute por seu lado idealista ela eacute realista agrave sua maneira Natildeo existe fealdade fiacutesica ou moral natildeo existem viacutecios nem males que natildeo tenham sido divinizados Houve deuses do roubo e da astuacutecia da luxuacuteria e da guerra da doenccedila e da morte O proacuteprio cristianismo por mais alta que seja a ideia que ele se faz da divindade foi obrigado a dar ao espiacuterito do mal um lugar em sua mitologia Satatilde eacute uma peccedila essencial do sistema cristatildeo ora se ele eacute um ser impuro natildeo eacute um ser profano O antideus eacute um deus inferior e subordinado eacute verdade mas dotado de poderes extensos ele eacute mesmo objeto de ritos pelo menos negativos Portanto longe de a religiatildeo ignorar a sociedade real e dela fazer abstraccedilatildeo ela eacute sua imagem reflete todos os seus aspectos mesmo os mais vulgares e os mais repugnantes Tudo se reencontra nela e se frequentemente se vecirc o bem subjugar o mal a vida a morte as potecircncias da luz as potecircncias das trevas eacute porque diferentemente na realidade Pois se a relaccedilatildeo entre as forccedilas contraacuterias fosse inversa a vida seria impossiacutevel ora de fato ela se manteacutem e mesmo tende a se desenvolver (DURKHEIM 1978 p225)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Por fim cabe uma reflexatildeo sobre a validade das consideraccedilotildees
metodoloacutegicas e analiacuteticas propostas por Eacutemile Durkheim sobre a Sociologia da
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Religiatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX Em um artigo publicado em 2012 Ana Keila Mosca
Pinezi e Eacuterica Ferreira da Cunha Jorge inicialmente problematizaram de forma criacutetica
a teoria durkheimiana ao questionarem a validade de seus conceitos
Algumas correntes questionam a validade e utilizaccedilatildeo do pensamento durkheimiano nas anaacutelises contemporacircneas sobre religiatildeo por este universo de estudos ter sido completamente reconfigurado Um dos argumentos seria que as abordagens claacutessicas da sociologia da religiatildeo de Durkheim natildeo se ajustam agrave realidade atual um momento dominado pelo individualismo crescente como valor nas sociedades poacutes-industriais contemporacircneas Seraacute que o socioacutelogo francecircs imaginou que as sociedades ocidentais caminhariam para este processo de individualismo Eacute possiacutevel que os estudos atuais levem em consideraccedilatildeo as propostas de representaccedilotildees coletivas apontadas em suas claacutessicas antinomias (PINEZI JORGE 2012 p84)
Apesar das autoras considerarem que boa parte das categorias socioloacutegicas
propostas por Durkheim natildeo podem ser mais utilizadas ―puramente devendo ser
adaptadas de forma criacutetica para a anaacutelise de objetos de pesquisas contemporacircneos
concluiacuteram tal problematizaccedilatildeo da seguinte forma
() a atualidade e a relevacircncia da teoria durkheimiana retomada criticada reelaborada mas fundamental para que se prossiga na tarefa tatildeo aacuterdua quanto antes de pensar os arranjos e rearranjos do movimento do coletivo em relaccedilatildeo agrave busca do sobrenatural e da explicaccedilatildeo do consolo em relaccedilatildeo aos fatos da vida (PINEZI JORGE 2012 p98)
Partindo de tal perspectiva eacute possiacutevel observar a atualidade do referencial
metodoloacutegico de pesquisa e anaacutelise propostos por Eacutemile Durkheim para o estudo
socioloacutegico da religiatildeo As diversas denominaccedilotildees religiosas e seus sistemas
simboacutelicos expressos em seus cultos e nos seus coacutedigos de conduta moral satildeo
compartilhados por parcelas consideraacutevel da sociedade constituindo importantes
grupos sociais que atuam em um contexto marcado natildeo apenas pelo individualismo
exacerbado mas tambeacutem pela formaccedilatildeo de coletividades diversas que
compartilham diferentes (e muitas vezes antagocircnicos) princiacutepios e visotildees de
mundo Desta forma cabe ao cientista social partir para o desafio de identificar os
aspectos gerais e particulares das diversas formas de religiosidade praticadas na
sociedade com a perspectiva de contribuir natildeo apenas para a construccedilatildeo de um
conhecimento cientiacutefico sobre elas mas tambeacutem de construir um acervo intelectual
capaz de contribuir para a construccedilatildeo de um paiacutes realmente tolerante e democraacutetico
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no qual as mais diferenciadas expressotildees religiosas e ateacute aqueles que se mostram
descrentes possam conviver pacificamente respeitando as suas crenccedilas e opiniotildees
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
COSTA Cristina Sociologia ndash Introduccedilatildeo agrave ciecircncia da sociedade Satildeo Paulo
Editora Moderna 2010
DURKHEIM Eacutemile Os Pensadores Satildeo Paulo Abril Cultural 1978
_______________ As regras do meacutetodo socioloacutegico Satildeo Paulo Nacional
1987
_______________ As formas elementares da vida religiosa o sistema
totecircmico da Austraacutelia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
PINEZI Ana Keila Mosca JORGE Eacuterica Ferreira da Cunha Revisitando
dicotomias claacutessicas em As Formas da Vida Religiosa sagrado X profano
religiatildeo X magia Estudos de Religiatildeo v26 n 42 ndash Ediccedilatildeo Especial pp 83-
98 Disponiacutevel em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=6342741
acessado em 26 de dezembro de 2019
QUINTANEIRO Tania BARBOSA Maria Liacuteia de Oliveira OLIVEIRA Maacutercia
Guardecircnia de Um toque de claacutessicos ndash Marx Durkheim Weber 2ed Belo
Horizonte Editora UFMG 2009
SILVA Mauricio Cocircrrea de et al Metodologia Cientiacutefica para as Ciecircncias
Sociais Aplicadas anaacutelises criacuteticas sobre meacutetodos e tipologias de pesquisas e
destaque de contribuiccedilotildees de Marx Weber e Durkheim Revista Cientiacutefica
Hermes n13 pp159-179 2015 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2829321 acessado em
acessado em 26 de dezembro de 2019
Autor ndash Dr Mauriacutecio Tintori Piqueira
Docente FATEJ FADISA Doutor em Ciecircncias Sociais e Mestre em
Histoacuteria pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica
de Satildeo Paulo (PUC-SP)
Gestor Institucional-Acadecircmico da Faculdade
de Tecnologia JardimFaculdade de Direito de
Santo Andreacute
tintoriledyahoocombr
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ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA
ldquoAge sempre de tal modo que o teu
comportamento possa vir a ser princiacutepio
de uma de uma lei universalrdquo
Immanuel Kant
RESUMO
Nesse artigo procurar defender a possibilidade de se elaborar um conceito de
justiccedila que decorra de moral a partir dos princiacutepios cristatildeos do amor ao proacuteximo
que a nosso ver eacute alicerce da visatildeo de mundo ocidental Para tanto fazemos uma
anaacutelise das modernas noccedilotildees de Direito e das nuances do ideal de igualdade que
funda as noccedilotildees de justiccedila frente ao pensamento de Immanuel Kant
Palavras-chave Justiccedila Direito Religiatildeo Cristianismo
ABSTRACT
In this article we seek to defend the possibility of elaborating a moral concept
of justice based on the Christian principles of love of neighbor which in our view is
the foundation of the Western worldview To do so we analyze the modern notions of
law and the nuances of the ideal of equality which underlies the notions of justice in
front of the thought of Immanuel Kant
Keywords Justice Law Religion Christianity
INTRODUCcedilAtildeO
Ao nos depararmos com a obra de Herbert Hart o vemos apontando a justiccedila
como um segmento especiacutefico da moral que passa pelo sentido de condenaccedilatildeo
coletiva de determinada conduta natildeo se considerando simplesmente o valor
autor Piterson Balmat Gonccedilalves
piterson_avyahoocombr
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individual da accedilatildeo assim justiccedila seria a parte da moral que eacute pensada
coletivamente1 Rawls de maneira semelhante define justiccedila como a primeira
virtude das instituiccedilotildees sociais2
Na mesma esteira Teacutercio Sampaio Ferraz Juacutenior nos mostra que ―a justiccedila eacute
o princiacutepio e problema moral do direito3 Assim afirma porque identifica a justiccedila
como sendo ―o sentido unificador do universo moral de qualquer homem sem o
qual a vida se torna insuportaacutevel4 Em suma a justiccedila seria o elemento moral que
doa sentido (comunicativo) agraves regras de convivecircncia5
Dessa maneira a justiccedila seria o elemento externo ao Direito derivado da
moral capaz de lhe dar sentido Para este fim ele aponta que longe de se tratar de
uma questatildeo de crenccedila aquilo que acreditamos ser virtuoso (e a partir dele justo ndash
porque eacute certo todos agirem assim que eacute justo todos agirem assim) deriva daquilo
que compreendemos ser racional no sentido de ―relacionar ―ligar coisaslsquo entre si
motivo pelo qual justiccedila representa ―equiliacutebrio entre dois pontos6 Assim aponta a
igualdade como o princiacutepio universal daquilo que representa justiccedila
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL
Seria assim a noccedilatildeo de equiliacutebrioigualdade o elo moral de todas as
condutas humanas que reivindicam a participaccedilatildeo do Direito Eacute o criteacuterio moral de
justiccedila que estabiliza as relaccedilotildees e sem ele natildeo eacute possiacutevel viver
Nesse sentido a sua caracteriacutestica essencial seria constituiacuteda da noccedilatildeo de
equiliacutebrio dentro da qual o homem passa a existir A este equiliacutebrio gerado deve ser
dado o nome de justiccedila por ser o princiacutepio que dirige as relaccedilotildees do homem e que
serve de base para o processo de reconhecimento daquilo a que chamamos Direito
1 Nesse sentido ―a equidade (ou imparcialidade) coincide com a moral em geral as referecircncias a ela
satildeo pertinentes sobretudo em duas situaccedilotildees da vida social Uma se daacute quando natildeo estamos considerando a conduta de um uacutenico indiviacuteduo mas a forma como se tratam classes de indiviacuteduos quando haacute algum encargo ou benefiacutecio a ser distribuiacutedo entre elas (hellip) A segunda situaccedilatildeo ocorre quando algum prejuiacutezo foi causado e se reivindica a indenizaccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do dano Hart Herbert O conceito de Direito pp 205-206 A justiccedila portanto pensa aleacutem do elemento interno da accedilatildeo moral a sua motivaccedilatildeo mas busca se colocar no elemento exterior agrave sua praacutetica qual seja na realizaccedilatildeo de um desejo de igualdade Apesar das criacuteticas que poderemos realizar agrave colocaccedilatildeo geneacuterica da igualdade para aplicaccedilatildeo da justiccedila (jaacute que vinganccedila eacute distinta da distribuiccedilatildeo por exemplo) a distinccedilatildeo da justiccedila da moral comum como fruto do desejo de igualdade nos parece ser correto e dele natildeo deixaremos de nos valer 2 Rawls John uma teoria da justiccedila citado por Ricoeur Paul O Justo 1 p 30
3 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito p 332
4 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 328
5 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
6 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
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Justiccedila eacute assim um ideal pertencimento comum entre os homens pelo qual
se prega ou fomenta a igualdade entre os seus membros
Entretanto apesar da correccedilatildeo do pensamento dos aludidos autores se
observarmos as noccedilotildees de justiccedila que a Histoacuteria nos daacute perceberemos que elas (i)
tanto satildeo diferentes entre si como (ii) podem natildeo representar de fato um desejo de
igualdade entre os homens
Nesse sentido ainda que se quisesse natildeo se poderia considerar de maneira
igual por exemplo a justiccedila retributivareparatoacuteria que eacute a forma de Direito mais
antiga entre os homens a justiccedila comutativa (justiccedila derivada do acordo contratual
que busca equilibrar os elementos de uma permuta a partir do momento em que a
Economia precisa de uma reflexatildeo imediata do Direito a respeito das relaccedilotildees por
ela estabelecidas) ou mesmo uma justiccedila distributiva (bem mais proacutexima do Direito
estatal moderno e do exerciacutecio poliacutetico das ―democracias poacutes-Revoluccedilatildeo Francesa)
Da mesma forma natildeo se poderia concluir que tais noccedilotildees de justiccedila se baseiam em
um desejo de realizaccedilatildeo da igualdade entre os homens
Se observarmos as diversas noccedilotildees de justiccedila que nos satildeo dadas veremos
que elas na verdade se identificam muito mais com o aspecto institucional do
exerciacutecio do Direito do que se ligam com a busca do bem e a realizaccedilatildeo do
pertencimento tiacutepicos da moral Elas se relacionam primordialmente com intenccedilatildeo
de impeacuterio do Direito que busca mantecirc-lo vaacutelido perante os homens Em uacuteltima
instacircncia natildeo importa se servem para a praacutetica de um padratildeo moral mas antes se
valem para a realizaccedilatildeo de determinados interesses
Isso acontece por exemplo com a justiccedila comutativa onde a bilateralidade
atributiva que conteacutem em si uma forma de igualdade serve na verdade a
determinados interesses econocircmicos que precisam ser assegurados pelo poder
poliacutetico que emana do Direito Eacute assim tambeacutem com a justiccedila retributiva a qual
inspirada no desejo comum de vinganccedila vecirc este desejo monopolizado pelo poder
poliacutetico do Estado que o exerce atraveacutes da institucionalizaccedilatildeo do seu Direito ou
mesmo com a justiccedila distributiva que serve no fundo agrave pacificaccedilatildeo de conflitos
para a manutenccedilatildeo da seguranccedila do modelo institucionalmente imposto
Ocorre poreacutem que se a justiccedila eacute entendida dessa maneira a igualdade que
ela pressupotildee acaba por se resumir ao contraacuterio do que se concluiu inicialmente (eacute
dizer que justiccedila eacute o princiacutepio moral do Direito) a uma forma de dominaccedilatildeo que ao
manipular interesses dissimula interesses que lhe satildeo anteriores Se levado a uacuteltimo
termo trata-se a justiccedila neste exerciacutecio de poder de um jogo de interesses sendo
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que seraacute mais justo o padratildeo que mais souber ocultar os interesses por detraacutes da
pregaccedilatildeo da igualdade e ateacute mesmo souber fingir ser moral para se desviar da
necessidade que ela impotildee a respeito de se fazer o bem
A articulaccedilatildeo moral da maneira que nos eacute ensinada nesse acircmbito eacute quase
inexistente Na verdade se o problema da justiccedila fosse apenas este jogo de
interesses o problema da moral do Direito natildeo existiria vez que acabariacuteamos por
concluir que (i) o mais justo eacute o mais imoral ou mesmo o mais amoral e
consequentemente que (ii) natildeo haacute justiccedila ou natildeo haacute moral (sim pois se apenas
existe o mal natildeo existe o bem moral pelo que o proacuteprio mal natildeo existe) jaacute que seria
apenas dissimulando interesses que se conquistam padrotildees de uma falsa igualdade
Neste cenaacuterio que vai de mal a pior perde-se a esperanccedila na possibilidade de
existir algo aleacutem dos jogos de interesses fundados no egoiacutesmo humano de maneira
que a justiccedila faccedila algum sentido
O problema da igualdade revelado a partir dos interesses ganha entatildeo um
novo niacutevel de reflexatildeo Se a igualdade eacute pensada a partir do seu motivo natildeo basta
apenas que exista estruturalmente a igualdade natildeo basta que seja pensada
―coletivamente Faz-se necessaacuterio que moralmente a igualdade faccedila sentido e que
natildeo se destine a justiccedila a realizar o interesses de alguns
Ora eacute exatamente sobre este ponto que repousa toda a discussatildeo Se o jogo
de interesses representa a perda da possibilidade de igualdade entre os homens
(igualdade esta que como vimos eacute o fundamento da ideia de justiccedila) para que esta
exista a forccedila que motiva a accedilatildeo deve ser portanto desinteressada
A questatildeo eacute existiria alguma forccedila desinteressada no acircmbito da accedilatildeo
humana capaz de fundamentar a igualdade entre os homens sem que isso
represente um jogo de manipulaccedilotildees
Sem duacutevida para que houvesse este tipo de forccedila desinteressada natildeo
poderia ter ela origem nos desejos ordinaacuterios que servem justamente para que o
homem persiga determinados interesses Deveria haver um desejo superior que a
fundamentasse de maneira que natildeo existisse qualquer condiccedilatildeo que lhe tirasse a
necessidade Ao ser necessaacuterio o desejo seria universal vaacutelido para todos os
homens em qualquer tempo e assim poderia criar condiccedilotildees de igualdade para se
existir
Se concebido dessa maneira ndash e parece ser essa a uacutenica forma que se pode
pensar ndash para se formular uma teoria da justiccedila eacute indispensaacutevel a universalidade do
padratildeo moral precedecirc-la de maneira que esta seja atraveacutes da universalidade
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fomentada entre os homens E eacute neste ponto em que os padrotildees de justiccedila que
apontamos se mostram insuficientes para gerar igualdade porque natildeo levam em
conta o elemento da motivaccedilatildeo moral o interesse que inspira essas formas de
igualdade deixam de observar que facilmente a questatildeo da justiccedila se torna o
problema da injusticcedila
A universalidade se faz necessaacuteria na medida em que natildeo havendo um valor
de bem intriacutenseco agraves accedilotildees que se busca compreender natildeo poderaacute haver um bom
desejo podendo qualquer interesse decorrente de qualquer desejo servir de base
para a realizaccedilatildeo da ―igualdade Se isto ocorre o sentido de justiccedila acaba por se
resumir agrave forma de sua igualdade a qual resolve no fim das contas apenas parte
do problema Eacute dizer se a moral encontra seu ponto uacuteltimo na divisatildeo entre os
desejos e a ideia de igualdade que possibilita um conceito de justiccedila depende da
moral apenas quando se encontra um desejo universal eacute que se localiza uma justiccedila
que verdadeiramente serve a todos os homens
Aiacute a primeira grande importacircncia de Kant para o resgate do sentido de justiccedila
encontrar um elemento do desejo humano que parta da sua motivaccedilatildeo subjetiva
capaz de alcanccedilar a universalidade moral possibilitando a realizaccedilatildeo da igualdade
na sua universalidade A segunda contribuiccedilatildeo como veremos a seguir eacute o
elemento praacutetico da proacutepria construccedilatildeo universal que guia o homem para o seu todo
humano como um fim em si mesmo capaz de resgatar o homem da sua apatia e
indeterminaccedilatildeo eacuteticas Ambas em conjunto caminham agrave noccedilatildeo de amor ao
proacuteximo que nos eacute trazida do cristianismo
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO
Para que possamos avanccedilar no entanto seraacute necessaacuterio falar do problema
do formalismo kantiano jaacute que a foacutermula de universalidade que ele nos indica
parece se resumir a um simples absoluto loacutegico com isto queremos que apareccedila a
intenccedilatildeo escatoloacutegica de Kant e surja na dignidade do homem o caminho da vida
em comum
De fato se nos limitarmos agraves linhas baacutesicas da filosofia kantiana
perceberemos que ela nos eacute apresentada como aquela na qual a possibilidade de
accedilatildeo nos horizontes morais segundo juiacutezos que se remetem a maacuteximas evoca o
imperativo categoacuterico como prova da autonomia da vontade no homem Na sua
determinaccedilatildeo criacutetica trata-se de uma vontade que estaacute sujeita agraves leis da proacutepria
razatildeo um fundamento da capacidade de agir que natildeo dialoga imediatamente com
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outra coisa senatildeo com a proacutepria razatildeo que quer que se determina conforme a
razatildeo que legisla
O sistema que ele cria da maneira que o proacuteprio Kant pretendeu eacute uma
tentativa de localizar o a priori dentre os moacutebiles do agir no intuito de dar
continuidade ao seu projeto criacutetico agrave esfera do querer humano Quando ele localiza a
liberdade como condiccedilatildeo do agir a vontade a um determinado fim como meio e
todo caminho que atrapalhe a vontade de atingir diretamente o seu fim como
contingecircncia realiza o seu plano e daacute organicidade aos conhecimentos sobre a
moral
Visto dessa maneira tudo parece indicar que na esfera da moralidade natildeo
haacute outra coisa a se pensar senatildeo a sua construccedilatildeo baseada em um tipo de absoluto
loacutegico Sim pois se as ligaccedilotildees se datildeo por meio de determinados elementos
estruturais fixos o pensamento de Kant sobre a eacutetica natildeo pode ser senatildeo pura
forma
Nesse sentido tomemos de exemplo as palavras de Deleuze que
interpretando o pensamento de Kant nos mostra o instante em que a filosofia moral
de Kant eacute uma edificaccedilatildeo loacutegica e portanto formal
―Vimos que a faculdade de desejar era capaz de uma forma superior quando ela era determinada natildeo por representaccedilotildees de objectos (sensiacuteveis ou intelectuais) natildeo por um sentimento de prazer ou de dor que ligaria representaccedilotildees deste geacutenero agrave vontade mas pela representaccedilatildeo de uma pura forma Esta forma pura eacute a de uma legislaccedilatildeo universal A lei moral natildeo se apresenta como um universal comparativo e psicoloacutegico (por exemplo natildeo faccedilas aos outros etc) A lei moral ordena-nos que pensemos a maacutexima da nossa vontade como ―princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universal Eacute pelo menos conforme agrave moral uma acccedilatildeo cuja maacutexima pode ser pensada sem contradiccedilatildeo como lei universal O universal neste sentido eacute um absoluto loacutegico
7
Pensada assim a filosofia de Kant natildeo serve agrave formaccedilatildeo de uma praacutexis
servindo como uma mera foacutermula metafiacutesica E de fato uma vez que se detenha
nessa criacutetica ver-se-aacute que ela eacute procedente por alguns motivos
Em primeiro lugar haacute um claro formalismo na maneira que satildeo constituiacutedos
os seus escritos que por mais das vezes dentro de um rigoroso encadeamento
loacutegico arriscam-se em tautologias O meacutetodo geral de sua filosofia que tambeacutem eacute
vaacutelido para a sua Eacutetica se articula de maneira que nela se tenha como objetivo
provar que a razatildeo eacute a faculdade de adequar o seu objeto ndash no caso da moral a
7 Deleuze Gilles A filosofia Criacutetica de Kant p 35
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razatildeo praacutetica ndash conforme a um fim Eacute da prova silogiacutestica em que se constituem suas
foacutermulas8
Em um segundo momento vemos um formalismo intriacutenseco agrave sua filosofia
moral no que diz respeito agrave capacidade de legislar Esta inerente agrave razatildeo natildeo se
realiza segundo Kant da mesma maneira para o conhecer e para o querer No caso
do conhecimento haacute uma clara relaccedilatildeo entre um eu-subjetivo e mundo-objetivo que
no seu ponto a priori e universalizaacutevel ―significa a capacidade de perceber9 Isso
cria no fim das contas as condiccedilotildees objetivas de todo conhecimento e universaliza
a razatildeo pura ora se se condiciona o sujeito ao objeto e o objeto ao sujeito fecha-se
um sistema entre eles o qual se considerarmos o seu objeto como um conjunto de
apreensotildees da experiecircncia realiza de fato uma faculdade de conhecer uniforme
No caso do querer no entanto estaacute ausente a apreensatildeo fenomecircnica isto eacute
falta-lhe o mundo-objetivo Como vimos anteriormente para Kant o querer tem entre
a accedilatildeo e a liberdade do sujeito apenas a proacutepria vontade que na sua forma pura
nada mais eacute que o representante da razatildeo dentro do sujeito O plano objetivo
igualmente eacute a representaccedilatildeo da razatildeo pura na ideia de lei moral Nesse sentido
natildeo haacute coisas que estejam postas para serem percebidas em estruturas e
compartimentadas conforme as suas categorias observaacuteveis O subjetivo eacute a razatildeo e
o objetivo tambeacutem o eacute haacute apenas a razatildeo se articulando no sujeito observando o
dever que tem perante a lei moral intermediando a liberdade e os fins da accedilatildeo
humana tornando ela capaz de ser accedilatildeo moral Em outras palavras na criacutetica eacutetica
de Kant tudo se resume agrave razatildeo a razatildeo que quer eacute a razatildeo que legisla Tudo
permanece dentro do sujeito transcendental o subjetivo e o objetivo advecircm da
mesma origem restando a liberdade como afirma Hegel como elemento de
autolimitaccedilatildeo exterior e portanto formal10
8 Nesse sentido o proacuteprio Kant como vimos afirma ―a divisatildeo da Analiacutetica da razatildeo praacutetica pura teraacute
de resultar semelhante agrave de um silogismo ou seja procedendo do universal na premissa maior (do princiacutepio moral) mediante uma subsunccedilatildeo na premissa menor de possiacuteveis accedilotildees (como boas ou maacutes) sob aquela agrave conclusatildeo ou seja agrave determinaccedilatildeo subjetiva da vontade (a um interesse pelo bem praticamente possiacutevel e agrave maacutexima fundada sobre aquele) Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes p 147 Para tanto cumpre salientar que Kant considera que a razatildeo enquanto faculdade superior eacute dizer como universalidade dos seus proacuteprios fins se realiza tanto subjetivamente enquanto se reflete acerca das condiccedilotildees de cada sujeito alcanccedilar o princiacutepio aplicaacutevel como objetivamente onde se eacute capaz de pensar nas condiccedilotildees gerais que concretizam determinado fim como fim universal Este eacute portanto o meacutetodo loacutegico de universalizaccedilatildeo de Kant 9 Cf Cacciola Maria Luacutecia Os pensadores um Curso p 144
10 Nesse sentido vemos a criacutetica realizada por Hegel ―a definiccedilatildeo kantiana geralmente admitida
(Kant Doutrina do Direito) em que o elemento essencial eacute a 1limitaccedilatildeo da minha liberdade (ou do meu livre-arbiacutetrio) para que ela possa estar de acordo com o livre-arbiacutetrio de cada um segundo uma lei gerallsquo apenas constitui uma determinaccedilatildeo negativa (a de limitaccedilatildeo) Por outro lado o positivo que haacute nela a lei da razatildeo universal ou como tal considerada o acordo da vontade particular de cada um com a de cada outro leva agrave bem conhecida identidade formal e ao princiacutepio da contradiccedilatildeo A citada
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Parece contudo que se o pensamento kantiano ficasse limitado agraves
fragilidades do seu formalismo ficaria incompreendido com relaccedilatildeo agrave sua finalidade
Isto parece coincidir com as intenccedilotildees do proacuteprio autor senatildeo acabaria natildeo tendo
feito Eacutetica mas Loacutegica
Assim buscaremos observar a idealidade da razatildeo praacutetica ndash jaacute que concorda
sempre e unicamente consigo mesma sem elementos externos ndash e a relaccedilatildeo que
existe entre humanidade como fim em si mesmo o conceito de autonomia e o reino
dos fins vislumbrado por Kant de maneira que do sentido da sua filosofia moral
decorra uma noccedilatildeo de justiccedila ndash e como ela eacute na verdade uma articulaccedilatildeo da ideia
cristatilde de amor ao proacuteximo
A idealidade da razatildeo praacutetica eacute um elemento imprescindiacutevel para
compreensatildeo da moral Segundo Joaquim Salgado o ideal decorre da
ultrapassagem da noccedilatildeo que eacute um conceito puro que tem origem tatildeo soacute no
entendimento de maneira que ―quando a noccedilatildeo se torna transcendente isto eacute
ultrapassa toda possibilidade da experiecircncia tem-se a ideia ou o conceito da
razatildeo11
Nessa linha ideia eacute o ―esforccedilo metafiacutesico da razatildeo12 a sua pura
transcendentalidade ou encontro das condiccedilotildees da razatildeo que natildeo pode ser provada
no plano exterior mas eacute pressuposto na sua siacutentese total e incondicionada13
Partindo sempre Kant de noccedilotildees ele busca justamente reunir os elementos que
delas derivam para compor as ideias que dirigem a razatildeo pura
Com efeito deve-se notar que apesar de ser incondicionada a ideia tem um
valor em si aleacutem de ser o ponto que legitima o esforccedilo metafiacutesico Isso porque nela
que se encontra o ponto de unidade entre os conceitos comuns (como por exemplo
o de boa vontade) que faraacute com que o valor perseguido pela razatildeo se legitime
tornando-se regra universal Destarte a ideia eacute a totalidade daquilo que se torna
definiccedilatildeo conteacutem a ideia muito divulgada desde Rousseau de que a base primitiva e substancial deve estar natildeo na vontade como existente e racional em si e para si natildeo no espiacuterito como espiacuterito verdadeiro mas na vontade do indiviacuteduo no livre-arbiacutetrio que lhe eacute proacuteprio Uma vez aceito tal princiacutepio o racional soacute pode aparecer para essa liberdade como uma limitaccedilatildeo natildeo Portanto como razatildeo imanente mas como um universal exterior formal Natildeo precisa o pensamento filosoacutefico recorrer a qualquer consideraccedilatildeo especulativa para repelir este ponto de vista desde que ele produziu nas cabeccedilas e na realidade acontecimentos cujo horror soacute tem igual na vulgaridade dos pensamentos que os causaram Hegel G W F Princiacutepios da Filosofia do Direito Trad Orlando Vitorino apud in Novelli Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos p 107 11
Salgado Joaquim Ibidem p 43 12
Salgado Joaquim Ibidem p 52 13
Salgado Joaquim Ibidem p 43
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inquestionaacutevel a partir das condiccedilotildees comuns14 A ideia portanto ao fazer o papel
de siacutentese conteacutem em si a finalidade da razatildeo
Diante deste cenaacuterio retornamos ao conceito de humanidade o qual
transformado no ideal de humanidade como um fim e si mesmo conteacutem o ponto
nodal de toda a criacutetica moral Neste sentido retornemos ao iniacutecio deste capiacutetulo e
vejamos como Kant inicia sua Fundamentaccedilatildeo do conceito comum de boa vontade
ateacute chegar agrave lei moral que eacute o ideal que dirige a motivaccedilatildeo agrave sua universalidade A
partir daiacute a lei moral expressa no imperativo categoacuterico encontra sua expressatildeo
praacutetica suprema na ideia de humanidade expressa no imperativo praacutetico ―age de tal
maneira que tomes a humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de
qualquer outro sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como
meio15 momento a partir do qual se passa agrave realizaccedilatildeo da razatildeo em sua idealidade
(isto eacute na pura transcendentalidade)
Kant afirma claramente que humanidade eacute uma ideia que eacute na verdade a
ideia de ―humanidade como um fim em si mesmo16 Para demonstrar a
possibilidade da ideia ele faz quatro afirmaccedilotildees baseadas nos exemplos que usou
para confirmar a validade do imperativo categoacuterico
Na primeira Kant busca apontar os riscos que haacute em tornar a vida humana
um bem disponiacutevel Segundo ele condicionar a vida a determinadas condiccedilotildees eacute
fazecirc-la coisa e assim destruir a sua incondicionalidade Se assim se faz perde-se o
proacuteprio significado do homem ser um e uacutenico com a humanidade que soacute pode ser
um fim para ele jamais um meio Se o homem eacute meio a moral jaacute natildeo tem sentido17
Na segunda Kant quer mostrar como natildeo se valer de si ou de outro como
humanidade em si mesma significa a perda da capacidade de estabelecer um
criteacuterio igualitaacuterio nas relaccedilotildees entre os homens representando no fim das contas a
perda da capacidade de concordacircncia entre os homens18 a qual apenas se tem
quando a moral se funda na responsabilidade de cada accedilatildeo pela proacutepria
humanidade
14
―A razatildeo natildeo se contenta com as condiccedilotildees conhecidas na experiecircncia dada mas progride na seacuterie das condiccedilotildees ateacute o incondicionado que eacute a totalidade das condiccedilotildees ou a ideia a que nenhum objeto dos sentidos corresponde Salgado Joaquim Ibidem p 55 15
Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes pp 243245 16
Kant Immanuel Ibidem p 245 17
Kant Immanuel se ele [homem] destroacutei a si mesmo para fugir de um estado difiacutecil de suportar ele se serve de uma pessoa como um mero meio para conservaccedilatildeo de um estado toleraacutevel ateacute o fim da vida Ibidem p 245 18
Kant Immanuel Ibidem p 247 ―eacute impossiacutevel que aquele que eu quero usar para as minhas intenccedilotildees mediante tal promessa [mentirosa] concorde com a minha maneira de proceder com ele e contenha portanto ele proacuteprio o fim dessa accedilatildeo
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Na terceira afirmaccedilatildeo ele diz que natildeo importa apenas que a accedilatildeo natildeo esteja
em conflito com a humanidade mas deve com ela estar de acordo Significa no fim
das contas um dever positivo natildeo negativo que importa na conservaccedilatildeo da
humanidade como fim em si mesmo e a promoccedilatildeo deste fim19
Na quarta e uacuteltima ele insiste no dever positivo mostrando com a
humanidade em si mesmo soacute eacute capaz de significar isso quando a moral se baseia na
busca da felicidade do outro20 busca esta que representa o proacuteprio fim a ser
perseguido com relaccedilatildeo agrave humanidade Dessa maneira ele expressa na
humanidade como um fim em si mesmo o proacuteprio ideal de humanidade e o seu
destino comum que sua foacutermula visa Jaacute eacute possiacutevel entatildeo a felicidade de todos jaacute
que ―os fins do sujeito que eacute fim em si mesmo tecircm de ser tambeacutem tanto quanto
possiacutevel os meus fins se aquela representaccedilatildeo deve produzir em mim todo o seu
efeito21
Assim ficamos tentados a dizer que o ―eu transcendental moral (razatildeo)
subjetivo eacute seguido natildeo de outro ―eu (razatildeo) objetivo Isto tornaria a lei moral uma
questatildeo de escolha ―individual o que natildeo poderia jamais se coadunar com os
objetivos do autor O aspecto praacutetico do imperativo onde a humanidade ocupa o
lugar da lei moral poderia ser mais bem definido como certo ldquonoacutesrdquo transcendental
Evidentemente o termo transcendental de alguma maneira jaacute faz as vezes
do ―noacutes Contudo aqui esta pessoa do plural toma um sentido diferente Queremos
com ela nos referir a uma postura do ―eu que se coloca diante de si um ideal a que
se chama ―humanidade Assim com a filosofia moral kantiana pensamos como
somos capazes de agir o destino do nosso ―eu conforme o destino da
―humanidade Parece ser este tipo de altruiacutesmo que natildeo eacute outro mas noacutes mesmos
objeto de defesa kantiana Em outras palavras Kant prega uma concordacircncia entre
a nossa proacutepria humanidade e a humanidade em geral enquanto o ideal metafiacutesico
de todas as accedilotildees respectivamente princiacutepio do querer e lei moral
Aiacute reside ao que tudo indica a grande contribuiccedilatildeo da filosofia moral de Kant
apesar do formalismo do filoacutesofo Diante as quatro afirmaccedilotildees que servem para
mostrar a validade do imperativo praacutetico (―age de tal maneira que tomes a
humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro sempre ao
19
Cf Kant Immanuel Ibidem p 249 20
Como jaacute explicamos anteriormente querer o bem-estar (felicidade) particular e o bem-estar geral satildeo coisas distintas jaacute que a segunda pode conter a universalidade a primeira jamais Apenas o desejo de bem-estar geral pode concordar com o destino fraterno de todos e somente nele pode estar a propriedade categoacuterica do imperativo e de toda accedilatildeo moral 21
Kant Immanuel Ibidem p 249
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mesmo tempo como fim nunca meramente como meio) ele nos fornece um ideal
que carregado de princiacutepios relativos ao querer serve para a concretizaccedilatildeo da vida
em comum e abre a possibilidade de um destino para o homem que natildeo seja
apenas a realizaccedilatildeo de um jogo de interesses
E eacute dessa maneira que Kant chega agrave terceira foacutermula do imperativo
categoacuterico que exibe a ―vontade universalmente legislante22 O acento das
formulaccedilotildees que se iniciou na maacutexima e decorreu agrave possibilidade de fundamentar o
homem como um fim em si mesmo agora toma aparentemente atraveacutes da abertura
que lhe deu o ideal de humanidade a universalidade da vontade como objeto da
moral pensando a responsabilidade que implica a liberdade ao sujeito que eacute capaz
de legislar de acordo com a lei Esta responsabilidade que decorre da natureza
mandamental da lei moral eacute que daacute ao sujeito que legisla de acordo com o desejo
superior a sua autonomia ―legislando universalmente segundo o seu fim natural23
Esse fim natural que se confunde com o fim em si mesmo que Kant expotildee na
segunda formulaccedilatildeo do imperativo categoacuterico eacute um lugar a ser encontrado ―Imagina
que a tua maacutexima tenha o valor de uma lei universal da natureza ndash e examina
entatildeo o que a sua aplicaccedilatildeo acarretaria cita Lebrun24 De fato ―se eu determino a
minha vontade de modo a romper com toda motivaccedilatildeo natural eacute porque estou
cumprindo a funccedilatildeo de legislador a que me destinava a natureza25 A obediecircncia agrave
lei assim aparece
―Agora como o ato conforme por excelecircncia ao sentido de minha
existecircncia E com isso mesmo adquiro uma nova compreensatildeo de por que nunca devo tratar a humanidade racionaacutevel como mero meio cada vez que por egoiacutesmo recuso a dignidade de ser racionaacutevel a outro homem estou negando que o ser racionaacutevel seja nessa sua qualidade legislador universal por natureza ndash e assim que eu queira ou natildeo a expressatildeo ―ser racionaacutevel acaba designando para mim nada mais do que uma particularidade que especifica alguns viventes ndash um fato natural natildeo uma vocaccedilatildeo por natureza
26
Kant nesse sentido procura na moral mais do que localizar o seu ponto a
priori Busca a vocaccedilatildeo a que a liberdade possibilita justamente pela capacidade de
exerciacutecio ideal que a razatildeo praacutetica permite Como vimos de alguma maneira na
anaacutelise do mal radical (A Religiatildeo nos limites da simples Razatildeo) o projeto kantiano eacute
a construccedilatildeo teoloacutegica dos fins dos homens que unidos na sua autonomia ndash eacute dizer
22
Kant Immanuel Ibidem p 253 23
Kant Immanuel Ibidem p 257 24
Lebrun Geacuterard Uma escatologia para a moral apud in Kant Immanuel Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita p 74 25
Lebrun Geacuterard Ibidem p 74 26
Lebrun Geacuterard Ibidem p 75
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porque tecircm a razatildeo como elemento unificador e pressuposto a todos os atos ndash
percebem o sentido da vida em comum pela razatildeo sabem o motivo pelo qual foram
criados
―Natildeo fosse o horizonte da Criaccedilatildeo seria impossiacutevel pensar-se o conjunto dos seres racionaacuteveis como uma totalidade sistemaacutetica a humanidade somente seria imaginaacutevel como uma pluralidade de pontos disseminados ndash da forma que aparece no plano da natureza sensiacutevel
27
A vontade universal portanto eacute mais uma vez concorde agora com uma
vontade superior que eacute a expressatildeo racional de unidade do querer Porque
colocado o desejo superior como pressuposto de todo querer a vontade tem em si o
destino a ser seguido por todos os homens na aptidatildeo a que foram criados Agrave
reuniatildeo de todos os homens sob tal vocaccedilatildeo Kant predica o destino de um reino
dos fins que eacute o destino da liberdade dada pela razatildeo substituindo o discurso
poliacutetico acerca da sociedade por um da escatologia do homem28
―Entendo poreacutem por reino a ligaccedilatildeo sistemaacutetica de diferentes seres racionais mediante leis comuns Ora uma vez que as leis determinam os fins segundo sua validade universal seraacute possiacutevel entatildeo se nos abstrairmos da diferenccedila pessoal dos seres racionais bem como de todo conteuacutedo de seus fins privados pensar um todo de todos os fins (tanto dos seres racionais enquanto fins em si como tambeacutem dos fins proacuteprios que cada um possa pocircr para si mesmo) em conexatildeo sistemaacutetica isto eacute um reino dos fins o que eacute possiacutevel segundo os princiacutepios acima29
Os homens assim na praacutetica moral se tornam seres racionais de um uacutenico
sistema completamente transcendental de maneira que os fins de cada ―eu eacute um
todo moral contendo cada accedilatildeo o esforccedilo para entrada no aludido reino totalizante
Isto eacute possiacutevel apenas porque natildeo haacute neste reino qualquer ser que seja tratado
como meio mas cada um eacute o fim de todos os outros Desse modo eacute que se alcanccedila
o valor intriacutenseco do homem a sua dignidade Como Kant explica
―Ora a moralidade eacute a uacutenica condiccedilatildeo sob a qual um ser racional pode ser
fim em si mesmo porque soacute atraveacutes dela eacute possiacutevel ser um membro legislante no reino dos fins Portanto a moralidade e a humanidade na
27
Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 28
Nesse sentido veja-se novamente Lebrun ―a ideia de ―reino dos fins desordenaraacute de maneira definitiva os dados da antropologia poliacutetica o indiviacuteduo humano (do qual partiam os pensadores poliacuteticos) natildeo seraacute mais por definiccedilatildeo do que um ser ―patoloacutegico abstrato (hellip) e o uacutenico ponto de partida para o discurso escatoloacutegico que entatildeo sucede ao discurso poliacutetico seraacute a pessoa noumenal dedicada por sua essecircncia a uma comunidade o ser puramente racionaacutevel cujo modelo terreno obviamente natildeo eacute mais o indiviacuteduo poreacutem o membro do gecircnero humano Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 (grifo nosso) 29
Kant Immanuel Ibidem p 259
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medida em que ela eacute capaz da mesma eacute a uacutenica coisa que tem dignidade
30
Assim o homem tornado agrave sua racionalidade pura na praacutetica de suas accedilotildees
encontra a dignidade que eacute intriacutenseca agrave humanidade como fim em si mesmo A
dignidade eacute da autonomia e da sistematicidade que deve respeito a esta autonomia
que concorda com a legislaccedilatildeo universal
A escatologia kantiana aponta para a realizaccedilatildeo de uma forma de
comunidade universal cujo fundamento de justiccedila reside justamente no
respeito e no cuidado muacutetuos que eacute no fim das contas bem querer aquele
que estaacute proacuteximo
Todos os princiacutepios decorrentes da boa vontade (―fidelidade agraves promessas
―benevolecircncia por princiacutepio31) buscam cumprir o valor intriacutenseco da humanidade
enquanto se encaminha para o destino comum A justiccedila que lhe decorre eacute pautada
pelo respeito agrave liberdade de cada vontade sem a intenccedilatildeo de deturpar a sua
escolha ndash que deve livremente apenas pela reverecircncia escolher a lei moral ndash da
mesma maneira que todos assim devem realizar A isto se daacute o nome de dignidade
do homem que eacute base de todas as declaraccedilotildees de direitos que se baseiam no
anseio humanitaacuterio de kantiano
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Assim neste ideal de humanidade que sustenta a intenccedilatildeo de linearidade no
homem e o daacute sentido de destino estatildeo incluiacutedos a liberdade e a igualdade Parece
ser este ideal o princiacutepio e o fim de toda a filosofia de Kant Estaacute o desejo superior
de benevolecircncia que eacute princiacutepio e fim em todo querer racional Aliaacutes colocada esta
noccedilatildeo de justiccedila antes mesmo do proacuteprio Direito que depende da moral na busca de
uma possiacutevel universalidade das suas diretrizes eacute do sentido que dela emana que
passa a existir o homem na eacutetica kantiana que justiccedila seja bem querer ao outro
que eacute no fim das contas um representante de todos noacutes
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
CACCIOLA Maria Lucia Os pensadores um Curso Rio de Janeiro Casa da
Palavra 1ordf Ed 2009
30
Kant Immanuel Ibidem p 265 31
Kant Immanuel Ibidem p 267
33
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DELEUZE Gilles Para ler Kant Trad Sonia Dantas Guimaratildees Rio de
Janeiro Livraria Francisco Alves Ed 1976
HART Herbert O conceito de Direito Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1ordf Ed
2009
KANT Immanuel A religiatildeo nos limites da simples razatildeo trad Artur Mouratildeo
Lisboa Editora 70
_____________ Criacutetica da Razatildeo Praacutetica Trad com introduccedilatildeo e notas de
Valeacuterio Rohden Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2011
_____________ Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes introduccedilatildeo por
Guido Antocircnio de Almeida Satildeo Paulo Barcarolla 2009
____________ Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista
cosmopolita Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 Apresentaccedilatildeo Geacuterard Lebrun
NOVELLI Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant
Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos
RICOEUR Paul O Justo 1 Trad Ivone Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes
2008
SALGADO Joaquim Carlos Salgado A ideia de justiccedila em Kant Seu
fundamento na liberdade e na igualdade Belo Horizonte Del Rey 3ordf Ed 2012
SAMPAIO FERRAZ JR Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito Teacutecnica
Decisatildeo Dominaccedilatildeo 6ordf ed Satildeo Paulo Ed Atlas 2012
Autor ndash Piterson Balmat Gonccedilalves
Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade de Satildeo Paulo Graduado em Direito pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor e Advogado E-mail piterson_avyahoocombr
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A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO
ldquoCalvino e o calvinismo de origem
contribuiacuteram certamente para tornar
muito mais faacuteceis no seio das populaccedilotildees
reformadas o desenvolvimento da vida
econocircmica e o surto do capitalismo
nascenterdquo
Andreacute Bieacuteler32
RESUMO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber a Reforma Protestante do seacuteculo
XVI proporcionou o florescimento do capitalismo Para tanto Weber estudou o
calvinismo o pietismo o metodismo e os batistas Mas seraacute que o calvinismo possui
alguma relaccedilatildeo causal com o capitalismo O objetivo desse ensaio foi demonstrar
como alguns elementos poliacuteticos e econocircmicos na reforma calvinista em Genebra
propiciaram o desenvolvimento do capitalismo Para tanto essa pesquisa serviu-se
do meacutetodo qualitativo com pesquisa bibliograacutefica nas obras de Vicente Themudo
Lessa e Andreacute Bieacuteler O ensaio apontou que embora os objetivos de Joatildeo Calvino
natildeo fossem capitalistas os aspectos poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Calvinista
em Genebra carregaram em si os elementos seminais do capitalismo
Palavras-chave Calvinismo Genebra Reforma Protestante Capitalismo
ABSTRACT
According to German sociologist Max Weber the 16th century Protestant
Reformation provided the flourishing of capitalism Weber studied Calvinism Pietism
Methodism and Baptists But does Calvinism have any causal relationship to
capitalism The purpose of this essay was to demonstrate how some political and
economic elements in the Calvinist reform in Geneva led to the development of
capitalism Therefore this research used the qualitative method with bibliographic
research in the works of Vicente Themudo Lessa and Andreacute Bieacuteler The essay
pointed out that while John Calvins goals were not capitalist the political and
32
Andreacute Bieacuteler (1990 p 661)
autor Prof Dr Ceacutesar Rocha Lima
rochalimauspbr
35
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economic aspects of the Calvinist Reformation in Geneva carried within them the
seminal elements of capitalism
Keywords Calvinism Geneva Protestant Reformation Capitalism INTRODUCcedilAtildeO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber (1864-1920) ―o ascetismo
cristatildeo que de iniacutecio se retirara do mundo para a solidatildeo jaacute tinha regrado o mundo
ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja [] Agora avanccedilava
para o mercado da vida fechando atraacutes de si a porta do mosteiro (2009 p 121)
Para demonstrar a nova forma do ascetismo cristatildeo Weber distinguiu o ethos
protestante como elemento responsaacutevel pela vida disciplinada apego ao trabalho e
valorizaccedilatildeo da poupanccedila Nesse mister ele estudou algumas categorias do
protestantismo claacutessico entre elas o calvinismo o pietismo o metodismo e as
―seitas batistas (sic)
Em se tratando do calvinismo Weber afirmou que a sua doutrina central
(predestinaccedilatildeo) associada ao conceito luterano de trabalho como vocaccedilatildeo Beruf33
resultou no florescimento do capitalismo
Mas haveria ipso facto uma relaccedilatildeo entre o calvinismo e o capitalismo O
ramo calvinista da Reforma Protestante do seacuteculo XVI teria abrigado em si as
sementes do capitalismo
Constitui-se como objetivo deste ensaio destacar os principais aspectos
poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Genebrina do seacuteculo XVI a fim de examinar se
ela carregou as sementes do capitalismo moderno
Contudo vejamos primeiramente como se desenrolou a Reforma Calvinista
em Genebra na pessoa e obra de Joatildeo Calvino
1 JOAtildeO CALVINO
Calvino nasceu na pequena cidade de Noyon na Franccedila em 10 de julho de
1509 ele foi o segundo filho em uma famiacutelia de cinco irmatildeos
Seu pai Geacuterard Cauvin pertenceu agrave classe meacutedia e trabalhava como
secretaacuterio do bispo e procurador da biblioteca da catedral Sua matildee Jeanne
33
De acordo com Weber (2009 p 69) ―jaacute natildeo resta duacutevida de que na palavra alematilde Beruf e talvez mais claramente ainda na palavra inglesa calling estaacute pelo menos impliacutecita uma conotaccedilatildeo religiosa de uma tarefa confiada por Deus
36
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Lefranc proveniente de uma famiacutelia da classe alta faleceu quando Calvino possuiacutea
apenas seis anos
Devido agrave posiccedilatildeo que seu pai ocupava e agrave proximidade com o bispo de
Noyon Calvino e seus irmatildeos foram auxiliados no custeio dos seus estudos
(COSTA 2009 p 28) Com esses recursos Calvino pocircde estudar em Paris no
Collegravege de La Marche em 1523 onde teve seu primeiro contato com o humanismo
neste periacuteodo as discussotildees teoloacutegicas estavam num periacuteodo de efervescecircncia34
No ano seguinte ele estudou Gramaacutetica Filosofia e Teologia no Collegravege de
Montaigu concluindo assim a sua licenciatura em Artes Em seguida foi enviado por
seu pai para estudar advocacia na Universidade de Orleans de cunho humanista
―sob a influecircncia do conceituado jurista Pierre LlsquoEacutetoile designado rei da
jurisprudecircncialsquo e priacutencipe dos juristaslsquo que se tornaria posteriormente presidente
do Tribunal do Parlamento em Paris (COSTA 2009 p 31)
Contudo Calvino resolveu deixar a Universidade de Orleans antes de
terminar os estudos transferindo-se em 1529 para a Universidade de Bourges
Com a morte de seu pai ele retornou a Paris a fim de aperfeiccediloar os seus estudos
na liacutengua grega e hebraica no Coleacutegio Fortet
No ano seguinte Calvino adotou as ideias reformistas dispensando o seu
custeio eclesiaacutestico (CAIRNS 1988 p 252) Em 1534 foi compelido a abandonar a
Franccedila por elaborar juntamente com seu amigo Nicolaacutes Cop reitor da Universidade
de Paris um discurso de posse da reitoria o qual continha em seu bojo ideias
humanistas e reformistas Cop foi para Basileia35 e Calvino para outras cidades na
Franccedila Nesse interim Calvino influenciado pelo humanismo e ideias da reforma
aquiesci ao protestantismo propondo um sistema diferenciado de interpretaccedilatildeo das
Escrituras com ecircnfase na soberania de Deus
Em 1536 Calvino publicou o primeiro livro de As Institutas da Religiatildeo
Cristatilde36 que se tornou sua obra mais conhecida (CALVINO 1985 p 15) A partir de
entatildeo ele continuou preparando ediccedilotildees sucessivas37 de As Institutas que
aumentaram gradualmente ateacute a sua forma final (CALVINO 1989)
34
As ideias reformistas deJohn Wyclif John Huss e Martinho Lutero eram debatidas nos principais ciacuterculos acadecircmicos 35
Um dos cantotildees da Suiacuteccedila que serviu como uma espeacutecie de refuacutegio para os protestantes no periacuteodo de preacute-reforma e reforma 36
Trata-se de um livro dirigido ao monarca Francisco I da Franccedila na tentativa de defender os protestantes que eram retaliados pelos seus novos costumes Calvino solicitou ao monarca uma cabal investigaccedilatildeo pois ateacute o momento estaacute tinha sido feita de forma desordenada quando natildeo todo tumultuada e sem nenhuma sistemaacutetica de direito 37
Nas proacuteximas ediccedilotildees de As Institutas Calvino desenvolveu a doutrina da predestinaccedilatildeo sob o
37
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As Institutas de Religiatildeo Cristatilde foram precedidas de uma epiacutestola dirigida ao
monarca Francisco I rei da Franccedila datada em 23 de agosto de 1535
2 A REFORMA EM GENEBRA
Nesse mesmo ano Calvino decidiu estabelecer seu domiciacutelio em Estrasburgo
lugar onde as ideias e princiacutepios reformistas receberam boa acolhida Este ambiente
tornara-se propiacutecio para as atividades teoloacutegicas e literaacuterias do reformador bastante
oportuno para a produccedilatildeo dos seus trabalhos
Todavia depois de uma breve visita a Ferrara e agrave Franccedila o caminho mais
curto para Estrasburgo estava fechado por confrontos militares e Calvino teve que
se desviar e pernoitar em Genebra
Mal o sabia que isto mudaria totalmente o curso de sua vida Guilherme de
Farel que tentara implantar sem muito sucesso os princiacutepios reformadores na
cidade de Genebra foi informado que Calvino pernoitara ali
Logo em contato com Calvino apresentou vaacuterias razotildees pelas quais
precisava da sua permanecircncia Calvino escutou-lhe atentamente e afirmou que natildeo
poderia aceitar o convite pois buscava em Estrasburgo as condiccedilotildees favoraacuteveis para
os seus estudos
Esgotados os argumentos e sem sucesso Farel fez o seguinte apelo ao
teoacutelogo de forma estridente ―Deus amaldiccediloe teu descanso e a tranquilidade que
buscas para estudar se diante de uma necessidade tatildeo grande te retiras e te negas
a prestar socorro e ajuda (GONZALEZ 1989 p 113)
Diante de tal imprecaccedilatildeo Calvino desistiu dos seus planos em Estrasburgo e
principiou o seu trabalho como reformador em Genebra
Depois de uma breve introduccedilatildeo sobre a vida de Joatildeo Calvino e os caminhos
que o levaram a Genebra vejamos os principais aspectos poliacuteticos e econocircmicos
que culminaram na reforma calvinista na Genebra do seacuteculo XVI
21 - Aspectos Poliacuteticos
Genebra antes da chegada de Farel e Calvino era conduzida na forma de
bispado Seu comando estava nas matildeos de trecircs autoridades o Bispo chamado
tambeacutem de ldquopriacutencipe de Genebra teoricamente o soberano da cidade com poderes
para cunhar moedas fixar impostos comandar a cidade em tempo de guerra julgar
binocircmio depravaccedilatildeo humana poacutes eacuteden e soberania divina
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as apelaccedilotildees e perdoar crimes o Magistrado incumbido da defesa da cidade da
guarda e execuccedilatildeo dos prisioneiros e por fim o Conselho de Genebra composto
de conselheiros de entre os moradores da cidade que julgava as questotildees criminais
concernentes aos leigos (as infraccedilotildees dos sacerdotes era da competecircncia do
bispado) cuidava do abastecimento da cidade das financcedilas e mantinha a boa
ordem por meio da poliacutecia Este era o sistema adotado pela maioria das cidades
europeias catoacutelicas (LESSA 2010 pos 1851)
Diante da grande autoridade do bispado eram frequentes os conflitos em
busca dos direitos entre o bispado o conselho e o povo Contudo em 1536 quando
Genebra abraccedilou oficialmente a reforma38 o bispado perdeu seu poder e os
conselheiros assumiram as funccedilotildees desse Desta forma a Igreja deixou de exercer
a sua primazia sobre o Estado e tornou-se lhe subordinada
Em 1537 a pedido de Farel Calvino iniciou seus trabalhos em Genebra
Ambos redigiram uma Confissatildeo de Feacute39 de vinte e um artigos Essa confissatildeo
serviria de regulamento para a Igreja em Genebra e foi aprovada pelo Conselho em
novembro daquele ano
Uma vez que a Igreja estava subordinada ao Estado e o Conselho era o seu
representante legal coube-lhe o direito de investigar e punir todas as infraccedilotildees das
leis cristatildes Aos pastores fora designado o direito de produzir todos os regulamentos
que julgassem necessaacuterios de assinalar aos magistrados os delitos e incentivar as
puniccedilotildees (LESSA 2010 pos 2217)
Se no sistema anterior a Igreja Romana se envolvia nos assuntos estatais
agora o Estado eacute quem deveria resolver as questotildees eclesiaacutesticas Nesse novo
sistema considerando que o Conselho se pautava por um ethos protestante a
reforma natildeo implicou na eliminaccedilatildeo do controle da Igreja na vida cotidiana mas
antes substituiu o controle vigente por uma nova forma
38
No dia 21 de maio de 1536 na Catedral de Satildeo Pedro reuniu-se o Conselho e foi lida uma moccedilatildeo em que se decidia por unanimidade a aceitaccedilatildeo da religiatildeo reformada e a supressatildeo das missas e do modelo de culto proposto por Roma Logo foi colocada a porta da Catedral uma placa com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoEm memoacuteria da graccedila que Deus nos fez de haver sacudido o jugo do anticristo abolido a supersticcedilatildeo e recobrado a nossa liberdaderdquo (LESSA 2010 pos 2027) 39
Assim como no periacuteodo do Imperador Constantino (transiccedilatildeo do paganismo para o cristianismo) houve uma grande produccedilatildeo de Credos Apostoacutelico Niceno-constantinopolitano Atanasiano tambeacutem na Reforma (transiccedilatildeo do catolicismo para o protestantismo) houve por parte dos reformadores e seus seguidores uma enorme produccedilatildeo de Confissotildees de Feacute (Escocesa Augsburgo Helveacutetia Dort e Westminster) Esses siacutembolos foram ―de grande valia para a educaccedilatildeo dos crentes partindo sempre do princiacutepio da necessidade da feacute expliacutecita de que todos os cristatildeos devem conhecer sua feacute sabendo no que creem e por que creem (COSTA 2002 p 13)
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Nesse mister Weber fez a seguinte afirmaccedilatildeo
[] a regra do calvinismo tal como foi imposta no seacuteculo XVI em Genebra e na Escoacutecia entre o seacuteculo XVI e XVII em grande parte da Holanda no seacuteculo XVII na Nova Inglaterra e por algum tempo na proacutepria Inglaterra se tornaria a forma mais intoleraacutevel de controle eclesiaacutestico do indiviacuteduo que jaacute pocircde existir (2009 p 40)
O controle que a Igreja Romana possuiacutea sobre o indiviacuteduo se tornara frouxo
mas a reforma calvinista (genebrina) levou esse controle ao extremo Em Genebra
isto se deu com os regulamentos ndash ou Articuli de regimine Ecclesiae ndash que logo
provocaram muitos conflitos porquanto entendiam alguns cidadatildeos que os pastores
nada tinham que ver com as suas vidas particulares
Rompendo com o bispo eles achavam que no gozo de sua independecircncia
poliacutetica poderiam tambeacutem desfrutar plenamente a liberdade religiosa
O povo genebrino protestou e Calvino percebeu que natildeo seria tatildeo simples a
implantaccedilatildeo da reforma naquele paiacutes Por meio de um desabafo ele registrou esse
conflito numa correspondecircncia ao seu amigo Bullinger
Estamos expostos as mais seacuterias dificuldades [] porquanto o povo sacudindo o jugo dos sacerdotes entende que se libertou de toda a autoridade do mundo Muitos cidadatildeos exclamam O conhecimento dos evangelhos nos eacute suficiente sabemos como os devemos ler e nada tendes a ver com nossos atos (GUIZOT 1868 pp 219 220)
Este conflito entre Calvino e Farel de um lado e o povo buscando uma maior
liberdade do outro levou a um enrijecimento40 das partes Eacute claro que natildeo se deve
atribuir a Calvino a paternidade de todos os regulamentos severos de Genebra
havia em outros cantotildees leis austeras naqueles dias41
Assim os homens que se opunham aos reformadores constituiacuteam uma
facccedilatildeo poliacutetica e religiosa Eram denominados libertinos devido as suas ideologias
de liberdade e uma vez livres do bispo natildeo queriam se sujeitar agraves novas leis
votadas
40
Com os novos regulamentos as leis de Genebra se tornaram mais austeras e nem os proacuteprios conselheiros e homens de destaque escapavam das suas penas ―Certo individuo acusado de perjuacuterio foi iccedilado a uma escada por algumas horas tendo a matildeo direita ligada ao alto Um aduacuteltero e sua cuacutemplice foram condenados a passear juntos na cidade um jogador obstinado foi exibido tendo as cartas penduradas ao pescoccedilo uma cabeleireira que havia penteado imodestamente uma jovem esposa foi condenada a dois dias de prisatildeo tambeacutem eram punidos os pais que privavam seus filhos da escola (LESSA 2010 pos 2258) 41
Em Zurique exigia-se a assistecircncia de todas as pessoas ao culto puacuteblico em determinadas horas ―Sob pena de multa era proibido jurar jogar dados e cartas o adulteacuterio era punido com prisatildeo ou exiacutelio Em Basileacuteia era obrigatoacuteria a assistecircncia aos cultos puacuteblicos Nos distritos pertencentes ao governo de Berna as danccedilas eram proibidas [] (LESSA 2010 pos 2247)
40
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Os libertinos tanto da facccedilatildeo poliacutetica como religiosa fizeram liga para se
oporem agraves tendecircncias dos pastores de Genebra Philiberto Berthelier Perrin e
Troillet eram os principais entre os do partido poliacutetico Quintin e Poquet eram chefes
dos Libertinos espirituais (LESSA 2010 pos 2284)
Nas eleiccedilotildees de fevereiro de 1538 os Libertinos obtiveram a maioria no
Conselho o qual logo determinou que o puacutelpito natildeo fizesse alusatildeo aos negoacutecios da
repuacuteblica Em oposiccedilatildeo num domingo de paacutescoa Farel e Calvino pregando
respectivamente nas Igrejas de Satildeo Gervaacutesio e Satildeo Pedro vendo muitos membros
do partido Libertino nos dois templos recusaram-se a celebrar a Santa Ceia
No dia seguinte reuniu-se o Conselho e decretou o banimento dos
reformadores em trecircs dias Desta forma saiacuteram de Genebra Farel e Calvino sendo
que este foi para Estrasburgo e aquele para Neuchacirctel
O banimento suacutebito de Farel e Calvino de Genebra chamou a atenccedilatildeo de
Roma para uma excelente oportunidade que se lhe abria e o cardeal Sadoleto
serviu-se da ocasiatildeo para uma reinserccedilatildeo da Igreja Romana nos negoacutecios religiosos
durante a ausecircncia do reformador (LESSA 2010 pos 3128)
Apoacutes trecircs anos do banimento continuava a reinar o espiacuterito de turbulecircncia e
insubordinaccedilatildeo agraves leis Em setembro de 1540 alguns membros do Conselho
comeccedilaram a formular planos para a revogaccedilatildeo do banimento de Calvino Em maio
1ordm de maio de 1541 o Conselho de Genebra revogou o decreto de 23 de abril de
1538 que bania da cidade Farel e Calvino e solicitou o empenho de Basileacutea Zurich
e da proacutepria Estrasburgo para que o reformador lhes fosse restituiacutedo coisa
conseguida natildeo sem dificuldade Jaacute no caso de Farel Neuchacirctel natildeo consentira em
se separar dele
No dia 13 de setembro de 1541 Calvino retorna a Genebra sendo que dez
dias depois apresentou ao Conselho um projeto contendo cento e sessenta e oito
artigos discutindo e emendando-o ateacute a sua votaccedilatildeo definitiva no dia 2 de janeiro de
154242
Esse projeto foi chamado de Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e tratava-se de um
novo modelo de sistema de governo onde haveria uma maior separaccedilatildeo entre os
assuntos da Igreja e do Estado Agora os pastores mestres diaacuteconos e consistoacuterio43
cuidariam dos assuntos eclesiais e o Conselho dos assuntos estatais
42
Segundo alguns historiadores nesta data instalou-se legalmente a ―Repuacuteblica Calvinista (LESSA 2010 pos 2935) 43
O Consistoacuterio compreendia os pastores e doze leigos nomeados pelo Conselho de Estado Estes leigos eram eleitos pelo periacuteodo de um ano podendo ser reconduzidos os que dessem bom
41
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Este sistema de governo eclesiaacutestico veio a ser adotado nas igrejas
reformadas da Suiacuteccedila da Franccedila da Holanda e da Escoacutecia
Todavia a poliacutetica de controle sobre os indiviacuteduos nas questotildees eclesiaacutesticas
atingiu seu cliacutemax no retorno de Calvino E o caso da execuccedilatildeo do ―herege Miguel
Serveto44 nas palavras do historiador Gonzalez se tornou ―siacutembolo do dogmatismo
riacutegido que reinava na Genebra de Calvino (1989 p 116) foi o ―golpe de
misericoacuterdia no partido dos Libertinos que saiu em defesa de Serveto
Esse sistema riacutegido de controle social proposto na reforma genebrina foi
chamado por Weber de ascetismo extramundano Conforme o autor
A coisa mais importante poreacutem foi o fato de que o homem que par excellence vivia a vida racional no sentido religioso era e continuou sendo monge Assim quando mais o ascetismo estivesse agarrado ao indiviacuteduo servia simplesmente para afastaacute-lo da vida cotidiana jaacute que a tarefa mais santa era definitivamente a de ultrapassar toda a moralidade mundana (2009 p 98)
22 - Aspectos Econocircmicos
Genebra pouco antes da chegada de Calvino possuiacutea entre 10000 a 12000
habitantes Era uma cidade conhecida pelas suas ruas limpas banheiros puacuteblicos e
pelas suas famosas feiras Contudo a sua economia estava em decliacutenio
A partir da segunda metade do seacuteculo XV enfraqueceu-se rapidamente a
atividade comercial Uma das principais razotildees foi a proibiccedilatildeo por parte do rei da
Franccedila Luiz XI de seus suacuteditos frequentarem as feiras de Genebra ndash o intuito era
aumentar o prestiacutegio e importacircncia das feiras de Lyon
Desta forma a cidade entrou num periacuteodo duro de retraccedilatildeo econocircmica
seguido de uma grande pobreza Sua economia estava apoiada na induacutestria de
tecidos (uma das mais lucrativas nos seacuteculos XV e XVI) na fabricaccedilatildeo de peccedilas
indumentaacuterias (chapelarias alfaiatarias sapatarias) e na praacutetica ourives (produccedilatildeo
de baixelas de prata objetos lituacutergicos e joias de toda espeacutecie)
testemunho de sua aptidatildeo O principal papel do Consistoacuterio era o de velar pelas Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e pela manutenccedilatildeo da disciplina O poder ―espiritual do Consistoacuterio demonstrava-se no direito a excomunhatildeo privando o culpado da participaccedilatildeo da Santa Ceia (LESSA 2010 pos 4177) 44
Serveto era meacutedico (descobridor do sistema pulmonar respiratoacuterio) teoacutelogo e filoacutesofo Em sua obra Restituitio questionou o dogma da trindade e afirmou ser este um desvio da igreja no Conciacutelio de Niceacuteia (325 dC) Serveto fora condenado pelo tribunal eclesiaacutestico da Igreja Romana em Viena E veio a Genebra a fim de difundir sua teologia (entre os libertinos) entendendo que Genebra por ter aderido agrave reforma lhe daria maior liberdade na sua teologia Contudo quando Serveto foi assistir um sermatildeo de Calvino (natildeo se sabe se por livre vontade ou por forccedila de lei) ele foi identificado julgado pelo tribunal eclesiaacutestico e uma vez que o mesmo natildeo se retratou de suas ―heresias foi condenado a fogueira em 1553 (DIDE sd p 180)
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Por ocasiatildeo da Reforma a economia genebrina sofreu grandes
transformaccedilotildees Os ourives por proibiccedilatildeo deixaram a fabricaccedilatildeo de objetos
lituacutergicos e por influecircncia dos refugiados abraccedilaram a arte da relojoaria (BIELER
1990 p 217)
As artes graacuteficas tiveram um grande desenvolvimento em funccedilatildeo da
publicaccedilatildeo de material protestante livros catecismos manuais para catecismo
regulamentos e leis Jean Geacuterard se instalou na cidade em 1536 e executou vaacuterias
impressotildees das obras de Calvino Jean Crespin Conrad Badius Robert Eacutetienne e
outros menos conhecidos todos refugiados introduziram em Genebra o que a
tipologia parisiense produzia de melhor
Outros ofiacutecios foram impulsionados pelos refugiados Um refugiado em Lyon
colocou seus preacutestimos agrave disposiccedilatildeo da Magistratura para estabelecer em Genebra
manufaturas de tecidos em seda
O nuacutemero de meacutedicos aumentou de 3 para 15 e quase que organizaram o
ensino da medicina na Academia de Genebra Os boticaacuterios passaram a reter a
riqueza e a alta posiccedilatildeo social que tinham anteriormente ao decliacutenio isto devido ao
comeacutercio droguista e de especiarias Contavam-se 96 boticaacuterios residindo em
Genebra de 1536 a 1569 para uma demanda de cerca de 15000 habitantes O
Estado interviu sobre as praacuteticas meacutedicas e sancionou no dia 11 de maio de 1569
as ordenanccedilas sobre a medicina farmaacutecia e cirurgia
O exerciacutecio da magia e do curandeirismo foi proibido por lei os meacutedicos eram
obrigados a visitarem gratuitamente os doentes pobres da zona em que residiam e
as boticas eram regularmente visitadas e fiscalizadas Os honoraacuterios meacutedicos foram
estabelecidos e apoacutes enormes devastaccedilotildees da peste de 1570 o Conselho fixou por
seis sous a visita realizada por cada cliacutenico
Haacute a inferecircncia de que a criaccedilatildeo do Banco de Genebra45 teria produzido um
maior impacto na economia bem como a sua poliacutetica na cobranccedila dos juros A
cobranccedila de juros em Genebra foi praticada desde haacute muito tempo antes da
Reforma
Contudo a Igreja Romana em seus cacircnones sempre se opocircs fortemente a
este tipo de cobranccedila O Conciacutelio de Latratildeo (1179 dC) ameaccedilou de excomunhatildeo os
45
Haacute controveacutersias quanto a criaccedilatildeo do Banco de Genebra Andreacute Bieacuteler pastor e doutor em Ciecircncias Econocircmicas afirma que em 1568 houve a tentativa frustrada de criaccedilatildeo de um Banco em Genebra para-se preservar o valor do dinheiro tomado de empreacutestimo de Basileacuteia em vista da guerra (BIELER 1990 p 239) Jaacute o teoacutelogo e historiador da Reforma Ernest Troeltsch (1958 p 132) entende que na eacutepoca de Calvino houve o estabelecimento do Banco de Genebra
43
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usuraacuterios manifestos (que praticavam usura) e lhes recusou um sepultamento
cristatildeo
Em 1272 Gregoacuterio X ordenou aos soberanos expulsarem em trecircs meses
todos os usuraacuterios estrangeiros em seus Estados Em 1312 Clemente V condenou
os estatutos municipais que autorizam o empreacutestimo a juros E o Conciacutelio de Viena46
(1331 dC) autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguirem os cristatildeos que
praticassem usura
Por sua vez Calvino fez uma distinccedilatildeo entre banqueiros e usuraacuterios e
defendeu a legalizaccedilatildeo da taxa de juros Neste ponto ele natildeo soacute rompeu com a
teologia da Igreja Romana mas tambeacutem se distanciou de Lutero47 (WEBER 2000
p55)
Calvino foi o primeiro teoacutelogo a admitir esse tipo de empreacutestimo exonerando-o
do oproacutebrio moral (BIEacuteLER 1990 p 239) Contudo pressentindo a gama de males
sociais que o liberalismo econocircmico poderia trazer o reformador propocircs uma
regulamentaccedilatildeo da taxa de juros Fixando em 5 aa em 19 de fevereiro de 1544 e
depois em 666 aa para os anos seguintes Esta barreira deveria inibir de
imediato o empreacutestimo a juros em Genebra e o surgimento de usuraacuterios e agiotas
profissionais aos quais o reformador era estritamente oposto
Esta nova matiz econocircmica de Calvino provocou uma seacuterie de criacuteticas para
os economistas estabelece-se aqui um ponto de virada para o capitalismo liberal
Weber identifica este ethos capitalista do protestantismo com o seguinte conceito de
capitalismo puro
Lembra-te de que o dinheiro eacute de natureza proliacutefica procriativa O dinheiro pode gerar dinheiro e seu produto pode gerar mais e assim por diante Cinco xelins em giro satildeo seis novamente empregados satildeo sete e trecircs pence e assim por diante ateacute atingir cem libras Quanto mais houver dele mais ele produz em cada turno de modo que o lucro aumenta cada vez mais rapidamente (2000 p 29)
O combate agrave pobreza foi outra accedilatildeo que produziu seus efeitos na economia
genebrina Para tanto foram criados dispositivos legais (poliacuteticas puacuteblicas) para o
46
O Conciacutelio de Viena de 1331 autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguir os cristatildeos que praticassem a usura (cobranccedila de juros) A igreja condenava o usuraacuterio porque ele ganhava sobre um tempo que natildeo lhe pertencia o fruto de seu dinheiro natildeo vinha de um trabalho suado pois o seu ganho pressupotildee uma hipoteca sobre um tempo que soacute a Deus pertence 47
Lutero julgou que cobrar juros estaacute em oposiccedilatildeo aos mandamentos divinos Juros altos que conforme Lutero comeccedilam com 5 ao ano prejudicam o devedor da mesma forma como o furto e o roubo Ele foi realista o suficiente para reconhecer que a cobranccedila de juros eacute necessaacuteria na economia mas disse ao mesmo tempo ―Ai dos que cobram juros
44
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combate agrave pobreza Eles se apoiavam em conceitos teoloacutegicos para fundamentar a
perpeacutetua desigualdade econocircmica48 social
No periacuteodo que esteve em Estrasburgo Calvino defrontou-se com problemas
sociais agudos com uma comunidade de refugiados desprovida de recurso Em
Genebra nas ordenanccedilas ele instituiu a Diaconia como oacutergatildeo de ajuda assistencial
Contudo natildeo bastava simplesmente propiciar aos pobres ajuda material dever-se-ia
dar aos necessitados os meios por si mesmos para saiacuterem de sua condiccedilatildeo
Mestres eram incumbidos da instruccedilatildeo das crianccedilas os enfermos e invaacutelidos
deveriam ser reeducados profissionalmente e a cada domingo eles eram
examinados para avaliar em que condiccedilotildees de trabalho se encontravam
Aos refugiados esforccedilavam-se por todos os meios por oferecer-lhes trabalho
remunerado Aqueles que natildeo achavam emprego em sua profissatildeo destinavam-se
provisoriamente agrave obra de construccedilatildeo das fortificaccedilotildees
Calvino tambeacutem combateu veementemente o oacutecio e a vadiagem De acordo
com suas convicccedilotildees teoloacutegicas o ser humano encontra no trabalho a plena
realizaccedilatildeo da vontade divina De forma que a ociosidade eacute um tipo de alienaccedilatildeo
contraacuteria agrave natureza humana Significa a recusa pelo homem de sua vocaccedilatildeo divina
sua ruptura com Deus uma ofensa a Deus O trabalho traz a becircnccedilatildeo divina
enquanto o oacutecio a sua maldiccedilatildeo
Em Genebra o reformador empenhou-se para coligir a seguinte lei de
repulsatildeo a ociosidade49
Os vagabundos decretado que se faccedila proclamaccedilatildeo puacuteblica de que todos os vagabundos estrangeiros que natildeo tenham meios de ganhar a vida sejam obrigados a deixar a cidade em trecircs dias e os outros todos da cidade devem trabalhar cada um em sua profissatildeo sob pena de serem postos em prisatildeo (BIEacuteLER 1990 p 222)
Este dispositivo legal trouxe a Genebra um impulso capitalista por meio da
nova visatildeo do trabalho De acordo com Calvino natildeo haveria trabalho insignificante
na sociedade ―Se seguirmos fielmente o nosso chamado divino receberemos o
48
Calvino possuiacutea o conceito teoloacutegico de que se Deus o quisesse teria uma abundacircncia de posses e de dinheiro e de tudo que eacute desejaacutevel de sorte que haveria igual medida entre todos Deus poreacutem soubera porque assim se fez que haja pobreza e riqueza e mesmo que ateacute o fim do mundo assim haveraacute de ser Caberia aos pobres crer no sustento divino e serem instrumentos de provaccedilatildeo aos ricos Caberia tambeacutem aos ricos administrar corretamente os bens que lhes foram confiados estando entre estes os pobres 49
Nesta mesma eacutepoca o rei Francisco I declarou guerra aos vagabundos ociosos e outros pedintes que enchiam as ruas e as praccedilas Ao inveacutes de prover-lhes ajuda material e meios de encontrar emprego foram reduzidos a trabalhos forccedilados trabalharam agrilhoados dois a dois sobre a ameaccedila do chicote ou da prisatildeo em obras de utilidade puacuteblica remoccedilatildeo de lama e imundiacutecies limpeza de valados reparo em muralhas de fortificaccedilotildees
45
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consolo de saber que natildeo haacute trabalho insignificante ou nojento que natildeo seja
verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus (COSTA 2006 p
284)
O trabalho quando exercido em sua plenitude redundaria ―na gloacuteria de
Deus independente da funccedilatildeo do trabalhador Weber numa anaacutelise do
protestantismo aponta para este fenocircmeno com a seguinte afirmaccedilatildeo
[] o homem deve para estar seguro de seu estado de graccedila ―trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado Natildeo eacute pois o oacutecio e o prazer mas apenas a atividade que serve para aumentar a gloacuteria de Deus de acordo com a inequiacutevoca manifestaccedilatildeo da Sua vontade (1990 p112)
Desta forma a assimilaccedilatildeo desse conceito teoloacutegico e a sua aplicaccedilatildeo na
principal fonte de produccedilatildeo de riquezas ndash o trabalho tornou-se alavanca para o
desenvolvimento do capitalismo em sua forma seminal em Genebra bem como os
paiacuteses que adotaram a poliacutetica e feacute calvinista
Ao chegar em Genebra Calvino propocircs ao Conselho um plano que incluiacutea a
criaccedilatildeo de uma escola para todas as crianccedilas da cidade Dessa proposta surgiu o
Collegravege de la Rive (1537) e ao exemplo deste coleacutegio com o retorno de Calvino
apoacutes seu banimento foram organizados outros quatro em outras quatro regiotildees da
cidade
Os alunos do Collegravege de la Rive foram divididos em quatro seccedilotildees de acordo
com as suas residecircncias nos quatro departamentos da cidade e foram classificados
em sete graus desde os iniciantes ateacute aos da graduaccedilatildeo
Mais tarde em 1559 foi inaugurada a Academia de Genebra sendo o seu
primeiro reitor Theodoro de Beza A escola jaacute estava em funcionamento antes
mesmo das construccedilotildees e funcionou a princiacutepio de forma precaacuteria
O ensino na instituiccedilatildeo foi dividido em duas partes Shola Privata ou coleacutegio
ndash onde em cada ano no final de abril o aluno apresentava um ensaio em francecircs e
se aprovado deveria traduzi-lo para o latim (LEWIS 1996 p 42) e Shola Publica
uma continuaccedilatildeo do coleacutegio que fornecia estudos em niacutevel superior onde a ecircnfase
recaiacutea no estudo das Artes e da Teologia
A Academia iniciou suas atividades com 600 alunos no primeiro ano
aumentando no segundo ano para 900 em funccedilatildeo de alunos estrangeiros vindos da
Franccedila Holanda Alemanha Itaacutelia e de outras cidades da Suiacuteccedila
Quando Calvino faleceu estavam matriculados cerca de 1500 alunos e em
poucos anos a Academia se tornou em Universidade Desta forma os genebrinos
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puderam oferecer aos seus filhos educaccedilatildeo com qualidade o que sem duacutevida veio
a contribuir para o desenvolvimento da proacutepria cidade
Weber aponta para uma relaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo acadecircmica e o acuacutemulo de
riquezas fazendo a comparaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo de catoacutelicos e protestantes na
Bavaacuteria e na Hungria E conclui que a escolha das profissotildees por catoacutelicos e
protestantes foi pautada pelo ethos religioso da famiacutelia Sendo que enquanto os
catoacutelicos demonstraram maior predileccedilatildeo pelo artesanato os protestantes possuiacuteam
predileccedilatildeo pelas faacutebricas (2000 p 21 22)
Certamente a poliacutetica educacional calvinista constituiu-se numa das
sementes para o desenvolvimento do capitalismo genebrino que se expandiu para
outros paiacuteses
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Observamos na reforma protestante de Genebra uma espeacutecie de laboratoacuterio
em plano piloto daquilo que o protestantismo causaria na Europa no seacuteculo XVI e
XVII Os itens mencionados por Weber como sementes do capitalismo moderno
podem ser encontrados na Genebra protestante O sistema de governo riacutegido a
criaccedilatildeo de um Banco Estatal legalizaccedilatildeo e controle da taxa de juros uma visatildeo
religiosa do trabalho a assistecircncia social e o investimento na educaccedilatildeo favoreceram
grandemente o desenvolvimento dessa cidade
Todos esses itens somados ao ascetismo protestante culminaram no acuacutemulo
de riquezas Foi a partir desta experiecircncia sustenta Troeltsch (1958 p 134135)
que o capitalismo se infiltrou na moral de todos os paiacuteses que vieram abraccedilar o
calvinismo
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Satildeo Paulo - SP Editora Martin Claret 2009
Autor ndash Dr Ceacutesar Rocha Lima
Docente FATEJ FADISA Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu Doutor em Ciecircncias Humanas FFLCH-USP ndash Universidade de Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncias pela UNIFESP Universidade Presbiteriana Licenciatura em Ciecircncias Sociais ndash Universidade Metodista de Satildeo Paulo Bacharelado em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pesquisador Grupos GAIA ndash USP (Grupo de Antropologia e Interdisciplinaridade Ambiental e Agraacuteria) Pesquisador NEP ndash Mackenzie (Nuacutecleo de Estudos do Protestantismo) Estuda o Islamismo no Brasil rochalimauspbr
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A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA
ldquoO amor eacute filho da pobreza e da riqueza da pobreza porque
constantemente pede e da riqueza porque constantemente se daacuterdquo
Platatildeo
RESUMO
Este artigo propotildee uma breve reflexatildeo sobre os conceitos de pobre e Messias
no Antigo Testamento e a relaccedilatildeo que existe entre ambos Dialogamos sobre trecircs
tipos de pobre que se concentram na classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres
escasseados os quais satildeo considerados juriacutedica e economicamente fracos
Mostramos o rei Davi como um messias em seu tempo e logo apoacutes mostramos
Jesus Cristo como o cumprimento cabal da figura messiacircnica Jesus Cristo o
Messias Tambeacutem analisamos de forma sucinta a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e
igreja e qual a posiccedilatildeo dessas em relaccedilatildeo ao pobre e marginalizado Alguns
referenciais que nos auxiliam nessa pesquisa satildeo Milton Schwantes Joseacute Luiacutes
Sicre entre outros
Palavras chave Pobre Messias Jesus Esperanccedila Igreja
ABSTRACT
This article proposes a brief reflection on the concepts of poor and Messiah in
the Old Testament and the relationship that exists between them We talk about
three types of poor that focus on the class of workers and scarce free citizens who
are considered legally and economically weak We show King David as a messiah in
his day and soon after we show Jesus Christ as the full fulfillment of the messianic
figure Jesus Christ the Messiah We also succinctly analyze the relationship
between the poor society and the church and their position on the poor and
marginalized Some references that help us in this research are Milton Schwantes
Joseacute Luiacutes Sicre among others
Keywords Poor Messiah Jesus Hope Church
autor Ebson de Sousa
ebsonsousayahoocombr
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INTRODUCcedilAtildeO
Neste artigo nos propomos a analisar os conceitos de pobre e Messias no
tempo veterotestamentaacuterio e tambeacutem Davi como um tipo de Messias e Jesus
como o Messias mostrando seus significados em sua etimologia e seus
desdobramentos
Ainda analisaremos a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e observar
como os pobres e marginalizados se tornaram um grande desafio para a
sociedade principalmente para a igreja como uma organizaccedilatildeo que tecircm sido
indiferente em relaccedilatildeo a essa classe desfavorecida Tal realidade desafia a igreja
a se posicionar e ser o verdadeiro veiacuteculo do Evangelho de Jesus Cristo
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO
O objetivo deste artigo eacute esclarecer de uma forma simples e objetiva o
conceito de pobre e messias no periacuteodo veterotestamentario qual o significado
desses termos e seus desdobramentos
Destaca-se tambeacutem uma pessoa de estimada relevacircncia nos tempos do
Antigo Testamento o rei Davi Pois a pessoa do rei Davi tem em sua
personalidade cuja relevacircncia aponta para o aacutepice da figura messiacircnica sendo
uma pessoa que representou esperanccedila messiacircnica aos menos favorecidos de
seu tempo
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento
A palavra ldquopobrerdquo pode ser usada como adjetivo e substantivo como adjetivo
ela tem a funccedilatildeo de qualificar caracterizar ou classificar o substantivo quando
localizada ao lado deste o pobre eacute visto como aquela pessoa que natildeo tem o que
eacute necessaacuterio agrave vida ou seja eacute aquela pessoa que seus bens satildeo inferiores agraves
suas necessidades (FABRIS 1991)
Haacute trecircs classes de pobres que podemos mencionar as quais as narrativas
biacuteblicas identificam como grupos de pessoas que satildeo juriacutedica e economicamente
fracos os quais satildeo trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados abandonados
e marginalizados puacuteblicos e por fim os escravizados (SANTOS 2009)
Queremos aqui destacar apenas trecircs tipos de pobres que se concentram na
classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados dentre vaacuterios existentes
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nos textos biacuteblicos do cacircnon sagrado os quais satildeo dal (lD) ebyon (wOyba) e
bdquoani (עני)
Dal (lD) se refere aquele pobre que tem falta de bens materiais e de poder
social essa pessoa eacute considerada como das classes mais pobres de Israel (cf Rs
2414 2512) Observamos isso quando Gideatildeo tentou recusar a escolha divina
para que ele fosse libertar Israel (Jz 615) Portanto dal nos traz a ideia de
humildade mas voltado para o sentido de privaccedilatildeo consequente agrave condiccedilatildeo de
pobreza em excesso ao seu estado de miseacuteria (HARRIS 1998)
Vejamos algumas passagens biacuteblicas onde a palavra dal aparece
lD II ndash uma formaccedilatildeo verbal de qll ndash encontra-se 48 vezes no AT a construccedilatildeo feminina לה II 4 vezes (2Rs 2414 2512 Jr 407 ד5216) e o verbo mediae geminatae דלל I ocorre 7 vezes (Jz 66 Is 174 196 3814 Sl 798 1166 1427) Com maior frequecircncia ל דocorre em Proveacuterbios 15 vezes (Pv 1015 1431 19417 2113 2291622 (duas vezes) 28381115 29714) Nos ditos profeacuteticos ל eacute encontrado 11 vezes (Am 27 41 511 86 Is ד102 114 1430 254 266 Sf 312 54 [+ 2 vezes דלל Is 174 196]) nos Salmos 6 vezes (Sl 412 7213 823s 1137 1Sm 28 [+ 4 vezes דלל Sl 798 1166 1427 Is 3814]) no livro de Joacute 6 vezes (Joacute 516 201019 3116 341928) nos textos legais ל דaparece 4 vezes (Ecircx 233 3015 Lv 1421 1915) (SCHWANTES 2013 p 2425)
Seu estado de pauperismo era tatildeo claro que dessas pessoas natildeo se exigia
ofertas caras para o templo ofertas essas que todo israelita deveria levar cada
qual a sua (Lv 1421) (SIQUEIRA 2005)
Observa-se que a palavra dal estaacute ligada a raiz hebraica dalal e traz o
sentido de uma pessoa que para a sociedade em que ela ―esta inserida eacute um ser
despreziacutevel insignificante um ser fraco o qual sua existecircncia eacute totalmente
despercebida e parte desse grupo eacute o proletariado rural (GELIN 1973)
Ebyon ( ןאביו ) fala daquele que se tornou destituiacutedo eacute aquela pessoa que
perdeu seus bens por algum motivo ou seus bens foram tomados de si
(SIQUEIRA 2005)
Nota-se que esse tipo de pobre tambeacutem pode ser considerado como o
―desejoso pois mesmo sendo considerado um pobre destituiacutedo percebe-se nele
uma espera uma suacuteplica ou seja uma pessoa que implora a caridade publica
para que as pessoas de melhores condiccedilotildees de vida olhem para eles e os
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ajudem para que assim possam ter o miacutenimo para sobreviver (Ecircx 23611)
(GELIN 1973)
Observemos algumas passagens biacuteblicas onde aparece a palavra ebyon
O substantivo e adjetivo אביון ocorrem 61 vezes respectivamente 62 vezes no Antigo testamento com maior frequecircncia apresenta-se o Salteacuterio com 23 vezes (respectivamente 24 vezes) Sl 919 126 3510 3714 4018 493 6934 706 7241213 (2 vezes) 7421 824 861 10741 109162231 11219 1137 12315 14013 [+ 412] a esta lista pertencem tambeacutem 1Sm 28 (= Sl 1137) Jr 2013 Ainda sob influencia clara dos salmos estatildeo passagens como Is 1430 254s (2919) Joacute 515 Na literatura profeacutetica אביון ocorre 17 vezes das quais algumas passagens vem determinadas pelo contexto de salmos (Am 26 41 512 846 Is [1430 254 2919] 327 Jr 234 528 [2013] 2216 Ez 1649 1812 2229 (Dt-) Is4117) em textos legais o verbete aparece 9 vezes (Ecircx 23611 Dt 1547 (2 vezes) 9 11 (2 vezes) 2414 no livro de Joacute 6 vezes (515 24414 2916 3025 3119) nos Proveacuterbios 4 vezes (1431 3014 31920) e 1 vez em Ester (922) (SCHWANTES 2013 p 33)
Fabris tem ebyon como ―mendigo um pedinte aquela pessoa que estende
a matildeo para pedir demostrando sua necessidade seu estado de miserabilidade
(FABRIS 1991)
bdquoani (עני) seu significado estaacute mais voltado para o tipo de pobre que sofre de
alguma incapacidade fiacutesica ou afliccedilatildeo segundo Siqueira (2005) esta afliccedilatildeo eacute
gerada pelo seu estado de miseacuteria e dependecircncia bdquoani em alguns casos pode ter
algum tipo de relaccedilatildeo com dal ou ebyon poreacutem essa palavra remete a um tipo
diferente de pobre porque ela nos daacute a ideia de algum tipo de disfunccedilatildeo fiacutesica ou
afliccedilatildeo (HARRIS 1998)
bdquoanah II eacute a raiz da palavra bdquoani a qual nos traz o significado de ―estar
encurvado inclinado abaixado e importunado Humilhados como tambeacutem assim
satildeo conhecidos sua limitaccedilatildeo fiacutesica estaacute relacionada com seu estado de
capacidade de vigor de valores que foram reduzidos devido as situaccedilotildees as
quais os envolveram situaccedilotildees essas que poderiam ser passageiras ou
permanentes tais como pobreza econocircmica doenccedila eou prisatildeo (GELIN 1973)
Segundo Fabris (1991 p 13) estes problemas estatildeo relacionados agraves
condiccedilotildees econocircmicas e culturais as quais oprimem e submetem pessoas ao
trabalho forccedilado sob maus tratos
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Consideremos algumas passagens biacuteblicas onde podemos observar a
presenccedila da palavra bdquoani
Acima de todos os conceitos para a designaccedilatildeo de pobre no AT a formaccedilatildeo a partir do qatil עני e a formaccedilatildeo a partir do qatal ענן ocorrem com maior frequecircncia 92 vezes no hebraico e 1 vez no aramaico biacuteblico (54 עני vezes 19 ענייםx no qal 1 ענו vez no qal vezes no qal) A metade de todas as referencias 19 ענויםencontram-se nos Salmos עני encurvado oprimido (Sl 102 [2 vezes] 146 1828 2225 2516 347 3510 [2 vezes] 3714 4018 6811 6930 706 7212 7421 823 861 8616 1021 1091622 14013 acrescentando-se ainda 2Sm 2228 [=Sl 1828] Hc 314 [ Sl 2222] עניים (Sl 913 [Kittel = K] 1012[K] נויםע (7419 7224 126 (Sl 919 [K] 1017 2227 259 [2 vezes] 343 3711 6933 7610 1476 1494) Igualmente sob a influencia dos Salmos encontram-se claramente Nm 123 Is 1432 266 2919 4117 4913 622 Sf 23 Zc 99 ( Pv 334) (SCHWANTES 2013 p 3839)
Segundo Harris (1998 p1653) esta questatildeo de privaccedilotildees materiais e as
dificuldades estatildeo relacionadas agrave opressatildeo social Haacute uma relaccedilatildeo muito forte
entre a afliccedilatildeo fiacutesica e a espiritual (Sl 2424) e haacute casos em que a afliccedilatildeo interior
eacute provocada pela exterior gerando um pedido de socorro a Deus
Assim observamos de forma simples e objetiva o conceito de pobre no
Antigo Testamento mais especificamente sobre trecircs tipos de pobres que se
concentram na classe de trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados os quais
satildeo dal ebyon e bdquoani A seguir falaremos sobre o conceito de Messias (maxiah -
o qual eacute a fonte geradora de esperanccedila para as classes desfavorecidas os (משיח
pobres
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento
O nome messias (maxiahungido - משיח) substantivo hebraico tem sua
origem na raiz mxh que tem por significado ungir untar Esse termo maxiah foi
usado pelos textos biacuteblicos canocircnicos de duas formas como verbo na forma
passiva e como substantivo (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como verbo foi usado na forma passiva tal como em 2 Samuel 121
―Montes de Gilboa natildeo caia sobre voacutes nem orvalho nem chuva nem haja aiacute
campos que produzam ofertas pois neles foi profanado o escudo dos valentes o
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escudo de Saul que jamais seraacute ungido com oacuteleo isso denota uma accedilatildeo uma
atitude (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como substantivo teve um significado profundamente teoloacutegico no
Antigo Testamento O verbo na forma passiva maxiah passou a ser substantivo
apoacutes a morte do rei Davi Com isso a palavra maxiah messias passou a ser um
tiacutetulo como em 1 Samuel 166 ―Sucedeu que entrando eles viu a Eliabe e disse
consigo Certamente estaacute perante o Senhor o seu ungido Esse tiacutetulo agora
reconhece condiccedilatildeo do rei e o autentica como eleito de Deus para mediar Sua
becircnccedilatildeo em prol do povo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Harris (1998 p885) essa palavra maxiah ocorre cerca de 40
vezes no Antigo Testamento e foi utilizada como substantivo como citamos
acima mas tambeacutem como adjetivo com a funccedilatildeo de classificar caracterizar ou
qualificar o substantivo Os textos em que mais aparece estatildeo em 1 e 2 Samuel e
Salmos
Existem alguns nomes que indicam como o messias era caracterizado no
tempo veterotestamentario Queremos citar aqui apenas trecircs deles os quais satildeo
Emanuel ou Imanuel (Menino) Melquisedeque e Filho de Davi
121 Emanuel Imanuel (menino)
Deus pronunciou em suas primeiras promessas aos hebreus algo que
nenhum outro deus do Oriente Meacutedio havia pronunciado aos que criam neles Em
Gn 177 Deus afirmou a Abraatildeo que estaria com ele e com sua descendecircncia
perpetuamente Em momentos de dificuldade (Gn 2815) Deus reafirma sua
presenccedila proteccedilatildeo e sua benccedilatildeo sobre a vida de Jacoacute ateacute que se cumpra na
vida dele aquilo que Deus havia lhe prometido A Moiseacutes em Ecircxodo 312 Deus
reafirma sua presenccedila com ele e lhe faz uma promessa concretizada
demonstrando de forma clara que natildeo o desampararia mas sempre estaria com
ele (SIQUEIRA 2005)
Com a realizaccedilatildeo das promessas proferidas de Deus ao povo fez com que a
confianccedila do povo aumentasse como nos mostra o Salmo 136 que diz que cada
ato criacionista ou salviacutefico de Deus eacute porque Sua misericoacuterdia dura para sempre
Demonstrando assim Sua presenccedila e Seu cuidado de forma real entre Seu povo
E eacute a partir desse sentimento de feacute que o profeta Isaiacuteas insatisfeito com as
atitudes dos reis da linhagem de Davi atitudes pecaminosas que se sucediam a
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cada dia que ele profetizou a chegada de um menino chamado lsquoImanu‟el (lrm נו עמ
ל Imanu‟el significa Conosco estaacute Deus este nome eacute a junccedilatildeo da preposiccedilatildeo‟ (א
‟im o pronome nu e o substantivo ‟el (SIQUEIRA 2005)
Precisamos observar o contexto em que esta palavra estava inserida para
melhor compreensatildeo da mesma Israel e a Siacuteria anelaram fazer uma alianccedila com
Judaacute a fim de se oporem a Assiacuteria Poreacutem Judaacute hesitou e Israel e a Siacuteria
resolveram castiga-la e ao ouvir isto Acaz rei de Judaacute se amedrontou Com isso
Isaiacuteas lhe avisou que natildeo devia temer pois logo seus inimigos seriam derrotados
e lhe disse que pedisse um sinal de Deus mas logo o rei Acaz recusou por causa
da sua incredulidade (DOUGLAS 2006)
Segundo Siqueira (2005 p102) Isaiacuteas profetizou o nascimento do menino
‟Imanu‟el devido agrave incredulidade do rei Acaz em relaccedilatildeo ao sinal de Deus (Is 710-
17) que traria salvaccedilatildeo ao povo inseguro e aflito que vivia em Jerusaleacutem
portanto a chegada do menino lsquoImanu‟el era um juiacutezo sobre os reis que natildeo
creram e foram infieacuteis a Deus
Em Isaiacuteas 715-16 fala que a infacircncia do ―Menino-Deus era o tempo de
medida ateacute que os reis que amedrontaram Acaz fossem destruiacutedos poreacutem Acaz
recusou o sinal do ‟Imanu‟el e se voltou ao rei da Assiacuteria essa atitude de Acaz e
seus sucessores causaram a ruiacutena de Judaacute poreacutem a promessa do ‟Imanu‟el
estava de peacute por aqueles fieacuteis a Deus o remanescente pois em ‟Imanu‟el estaacute agrave
esperanccedila e salvaccedilatildeo (DOUGLAS 2006)
122 Melquisedeque
Melquisedeque nome que aparece no texto biacuteblico no livro de Genesis
1418-20 nos traz o significado meu rei eacute sedeq pois sedeq significa justiccedila
Esse nome demonstra claramente o desejo do povo de um rei justo que
praticasse a justiccedila em seu governo Justiccedila no contexto biacuteblico significa salvar e
libertar as pessoas de qualquer tipo de opressatildeo que elas sofrem ou podem
sofrer (SIQUEIRA 2005)
Melquisedeque era sacerdote do Deus Altiacutessimo rei de Saleacutem
Melquisedeque levou patildeo e vinho a Abraatildeo quando voltava da batalha de
Quedorlaomer e recebeu os diacutezimos que Abraatildeo lhe ofereceu (SANTOS 2011)
Segundo Santos (2011 p319) no Salmo 1104 Jesus eacute narrado como
sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque Jaacute em Hebreus capiacutetulos
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5 6 e 7 vai fazer-se uma relaccedilatildeo entre Melquisedeque e Jesus mostrando que
Jesus eacute a figura perfeita do sacerdoacutecio de Melquisedeque o qual foi apenas a
sombra desse sacerdoacutecio perfeito de Jesus Essa relaccedilatildeo demonstra quatro
singularidades ―1 Natildeo segundo a ordem leviacutetica 2 Tem superioridade sobre
Abraatildeo 3 Natildeo se conhecendo seu principio e seu fim 4 E natildeo soacute eacute sacerdote
mas tambeacutem rei de paz e justiccedila
Segundo Douglas (2006 p856) no Salmo 1104 um rei da linhagem de Davi
eacute declarado por juramento divino como sacerdote para sempre segundo a ordem
de Melquisedeque Jesus e seus coetacircneos reconheceram esse rei como sendo o
Messias Daviacutedico (Mc 1235s) ―Se Jesus eacute o Messias Daviacutedico entatildeo ele eacute o
sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque
123 Filho de Davi
Como diz Siqueira (2005 p103104) ―A expressatildeo filho de Davi eacute um entre
tantos tiacutetulos messiacircnicos atribuiacutedos a Jesus (Mt 927 1223 1522) e podemos
observar por dois pontos de vista diferentes a razatildeo e a origem desta epiacutegrafe
A primeira se daacute no conhecimento que o povo judeu tinha em relaccedilatildeo agraves
promessas de Deus escritas no Antigo Testamento onde diz Davi e sua
posteridade teriam um governo perpeacutetuo Em 587 aC houve o fim da monarquia
poreacutem parte do povo continuou crendo nas promessas de Deus de que algueacutem
da linhagem de Davi viria restaurar o reino de Israel atraveacutes da forccedila do exeacutercito
e da forccedila poliacutetica ou seja um Filho de Davi poliacutetico e guerreiro (SIQUEIRA
2005)
A segunda forma de se observar o tiacutetulo Filho de Davi eacute observando o povo
que conheceu ouviu e andou com Jesus Pois atraveacutes das atitudes e palavras de
Jesus esse povo tambeacutem reconhecia em Jesus o Filho de Davi natildeo como um
guerreiro e politico mas sim como um pastor aquele que socorre levando paz e
vida para as pessoas (Jo 1011) E este grupo afirmava que sua origem natildeo era
de Beleacutem (SIQUEIRA 2005)
Pudemos observar as origens e conceito do termo pobre e messias no
primeiro testamento e seus desdobramentos Observamos tambeacutem algumas
caracterizaccedilotildees do Messias no Antigo Testamento agora veremos como surge
esse messianismo a figura principal do Messias no primeiro testamento e Jesus
Cristo como o verdadeiro Messias
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2 MESSIANISMO E MESSIAS
O messianismo pode ser entendido de duas formas Haacute aqueles veem o
messianismo como o fundamento e a esperanccedila do Antigo Testamento o qual o
personagem central dessa esperanccedila eacute um personagem futuro que traraacute a
redenccedilatildeo Poreacutem existem aqueles que acreditam que esse fundamento de um
mundo melhor em todos os aspectos natildeo eacute futuro e sim no presente (SICRE
2000)
De forma geral o movimento messiacircnico eacute definido como um movimento
Em que um nuacutemero maior ou menor de pessoas em estado de grande exaltaccedilatildeo emotiva provocada pelas tensotildees sociais se reuacutenem no culto a um indiviacuteduo considerado portador de poderes sobrenaturais e se mantem reunidos na esperanccedila miacutestica de que seratildeo salvas de uma cataacutestrofe universal e (ou) ingressaratildeo ainda em vida num mundo paradisiacuteaco a terra sem males o reino dos ceacuteus a cidade ideal (QUEIROZ 1966 p 287)
Segundo Sicre (2000 p16-18) Flusser um judeu diz que o Messias eacute um
descendente de Davi carismaacutetico que quebraria o jugo que estava sobre os
judeus e reinaria sobre o reino de Israel Jaacute para Mowinckel cristatildeo protestante o
Messias eacute um personagem escatoloacutegico Todavia quando o Messias aparece nos
textos sejam canocircnicos ou extra canocircnicos normalmente ele aparece como um
rei da linhagem de Davi unindo as duas caracteriacutesticas poliacutetica e religiosa Sicre
afirma que a ideia messiacircnica estaacute ligada ao rei e Davi eacute o personagem principal
dentre os reis de Israel
21 - Messias e Davi
Na histoacuteria de Israel e Judaacute o rei eacute a figura mais importante da eacutepoca da
monarquia inclusive mais importante do que o sumo sacerdote (SICRE 2000)
Segundo esse mesmo autor (2000 p49) a unccedilatildeo privada de Davi em 1Sm
161-13 o fez destacar dos demais pois o texto diz que o ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo se
apoderou de Davi Isso demonstra que Davi jaacute natildeo era mais uma pessoa simples
como as outras mas sim o ldquoUngidordquo do Senhor designado para ser rei em Israel
Schwantes diz sobre o Salmo 2 mas em relaccedilatildeo ao Ungido que este tem
um relacionamento muito estreito com Javeacute ao ponto de Javeacute o chamar de ldquofilhordquo
(v7) Fato eacute que essa filiaccedilatildeo fiacutesica divina faz parte das tradiccedilotildees do Antigo
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Oriente poreacutem essa filiaccedilatildeo estaacute ligada a entronizaccedilatildeo do rei quando o mesmo
toma posse e assume sua posiccedilatildeo de rei ele eacute adotado como filho de Deus em
sua titulaccedilatildeo (SCHWANTES 1982)
Segundo Sicre (2000 p55 e 56) no Egito e na Mesopotacircmia natildeo se ungiam
os reis contudo houve-se falar que no Egito ungia-se somente algum funcionaacuterio
ou outros reis que seriam subordinados a Faraoacute e essa unccedilatildeo natildeo tinha um
sentido religioso servia apenas como designaccedilatildeo Provavelmente essas praacuteticas
influiacuteram em Canaatilde e passou aos israelitas Pois passou a ser um ato religioso
acredita-se que no azeite consiste um poder sagrado ou do azeite flui esse poder
Entatildeo quando algueacutem era ungido esse poder e santidade recaiacutea sobre a pessoa
tornando-a algueacutem ―especial protegida por Javeacute intocaacutevel sagrada e habilitada
para desempenhar atos religiosos
Segundo Douglas
[] Fundamentalmente a unccedilatildeo era um ato de Deus (1Sm 101) ndash que explica o respeito em que era mantida ndash enquanto a palavra ―ungido era usada ateacute mesmo metaforicamente para significar a doaccedilatildeo do favor divino (Sl 235 9210) ou a nomeaccedilatildeo para algum lugar ou funccedilatildeo especial do propoacutesito de Deus (Sl 10515 Is 451) Aleacutem disso a unccedilatildeo simbolizava equipamento para o serviccedilo e eacute associada ao derramamento do espiacuterito de Deus (1Sm 101 9 1613 Is 611 Zc 41-14) [] (DOUGLAS 2006 p 1362)
Mas quem foi Davi
Davi foi lamentavelmente humano e maravilhosamente santo atrevidamente corajoso e degradantemente carnal magnificamente reacutegio e mundanamente deploraacutevel Suas grandes vitoacuterias concederam-lhe as alturas enquanto seus pecados o lanccedilaram nas profundezas Foi um homem complexo ainda que simplesmente um homem Foi um homem entre os homens mas tambeacutem um homem segundo o coraccedilatildeo de Deus Foi culpado de derramamento de sangue na guerra mas familiarizado com as becircnccedilatildeos da adoraccedilatildeo (TASSEL 1987 p56)
Segundo Tassel (1987 p7-11) houve uma guerra civil que perdurou por
meacutedia de sete anos guerra essa que se deu entre Is-Bosete e Davi poreacutem essa
guerra foi estimulada por Abner quando esse retomou o controle do governo de
Israel o qual estava na matildeo dos filisteus Com esses acontecimentos Davi
esperou o momento certo para agir durante esses sete anos de guerra Davi
esperou no Senhor em Hebrom pois Davi jaacute era rei em Judaacute (2Sm 24) ―Assim
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pois todos os anciatildeos de Israel vieram ter com o rei em Hebrom e o rei Davi fez
com eles alianccedila em Hebrom perante o SENHOR Ungiram Davi rei sobre Israel
Esta alianccedila possivelmente teria sido algum tipo de documento legal o qual Davi
se comprometera a realizar em seu reinado sobre Israel de acordo com a lei
mosaica em contrapartida o povo seria leal a Davi A expressatildeo ldquoperante o
Senhorrdquo nos daacute a entender que tanto o povo quanto Davi desejavam fazer a
vontade de Deus Apoacutes sua coroaccedilatildeo Davi estabeleceu a capital de Judaacute em
Jerusaleacutem (2Sm 56ss 1Cr 114ss) Jerusaleacutem estava estabelecida dentro dos
limites do Reino Sul e Reino Norte ou seja Jerusaleacutem era o lugar perfeito dentro
do ponto de vista estrateacutegico militar Pois se localizava em posiccedilatildeo alta e rochosa
com trecircs barrancos ao seu redor era uma fortaleza natural com uma localizaccedilatildeo
praticamente inconquistaacutevel Davi foi uma das maiores mentes militares de todas
as eacutepocas ―Ia Davi crescendo em poder cada vez mais porque o Senhor Deus
dos Exeacutercitos era com ele (2Sm 510)
Davi foi um homem de conquistas A Siacuteria Edom e Moabe tornaram-se tributaacuterias do seu reino As conquistas de Davi estenderam os limites de Israel vinte vezes mais Estabeleceu um impeacuterio que rivalizou com os da Babilocircnia e Assiacuteria em seu poder militar Davi foi um soberano e salmista da mais alta categoria Davi foi um homem culto O novo rei de Israel estabeleceu as tradiccedilotildees do seu povo de acordo com a lei de Moiseacutes O longo reinado de Davi deu-lhe oportunidade de estabelecer importantes precedentes consistentes com a lei cerimonial leviacuteticos dados por Deus Davi foi um homem do comeacutercio ―Hiratildeo rei de Tiro enviou mensageiros a Davi e madeira de cedro e carpinteiros e pedreiros que edificaram uma casa a Davi (2Sm 511) Tiro era o ponto central do comeacutercio feniacutecio na costa mediterracircnea Davi trocou seu trigo e azeite por toda espeacutecie de produtos necessaacuterios O soberano-pastor sabia como prover as necessidades do seu rebanho (TASSEL 1987 p 1112)
Em relaccedilatildeo a Alianccedila Daviacutedica podemos observar cinco grandes promessas
feitas ao rei Davi Primeiro Deus prometeu a Davi uma descendecircncia (2Sm 716)
Segundo Deus prometeu a Davi poder (2Sm 713) Terceiro Deus prometeu um
lugar para que seu povo habite e natildeo seja mais afligido (2Sm 710) Quarto Deus
prometeu que seu trono seria para sempre (2Sm 716) Quinto esta quinta
promessa se referia mais a Salomatildeo e sua posteridade onde para eles de fato
serem bem-sucedidos deveriam observar as leis e preceitos de Javeacute (2Sm 714-
15) Esta periacutecope de 2 Samuel 78-17 veremos o resultado do amor lealdade
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fidelidade e perfeiccedilatildeo do coraccedilatildeo de Davi para com Deus poreacutem essa perfeiccedilatildeo
natildeo estaacute isenta de erros pois Davi era humano (TASSEL 1987)
Conforme Fitzmyer a dinastia continuou
depois que Salomatildeo sucedeu a Davi e construiu o Templo em Jerusaleacutem com Roboatildeo como rei em Judaacute (922-915 aC) e depois da revolta quando Jeroboatildeo torna-se rei em Israel (922-921 aC) A dinastia continuou a florescer em Judaacute (cf 1Cr 31 5 10-16) atraveacutes dos reis Abias Asa Josafaacute Jeoratildeo (Joratildeo) OcozIAS Jeoaacutes (Joaacutes) Amasias Uzias (Azarias) Joatatildeo Acaz (Jeoacaz I) Ezequias Manasseacutes Amon Josias Jeoacaz II (Salum) Jeoaiquim (Eliaquim) Joiaquin (Jeconias) e Sedecias (Matanias [597-585 aC]) ateacute o tempo do cativeiro babilocircnico quando a monarquia chegou ao fim [] Depois do cativeiro babilocircnico a dinastia restaurada continuou em Salatiel e Zorobabel (1Cr 31719) (FITZMYER 2015 p 55)
Salomatildeo reconheceu o cumprimento da Alianccedila Daviacutedica em si proacuteprio
conforme 1Rs 815-20 poreacutem o cumprimento final dessa Alianccedila seraacute em Jesus
Cristo conforme Rm 134 que diz ―v3 Com respeito ao seu Filho o qual
segundo a carne veio da descendecircncia de Davi v4 E foi designado Filho de
Deus com poder segundo o espiacuterito de santidade pela ressurreiccedilatildeo dos mortos a
saber Jesus Cristo nosso Senhor (TASSEL 1987)
A promessa original de que a semente da mulher finalmente derrotaria a
serpente (Gn 315) foi mais tarde definida para Abraatildeo (Gn 123) elaborada por
Balaatildeo (Nm 249) especificada por Jacoacute (Gn 4910) personalizada em Davi e
cumprida em Jesus Cristo (TASSEL 1987)
[] O livro do Cronista tem a atenccedilatildeo de dirigir o olhar de seus leitores para aquele que o profeta Ezequiel chamava de bdquouacutenico pastor‟ bdquoDavi meu servo‟ (Ez 3423) o bdquoverdadeiro justo‟ de Jeremias (Jr 235) bdquoo menino‟ de Isaiacuteas (Is 96) bdquoo que deve ser o chefe supremo de Israel‟ (Mq 52) isto eacute em direccedilatildeo a Cristo apogeu e termo final de Israel que com sua vida e sua morte lanccedilaria as bases de uma Teocracia que nenhum adversaacuterio poderaacute aniquilar de novo (SICRE 2000 p 99100)
22 Jesus - O Messias
Na biacuteblia o nome natildeo eacute um rotulo de uma pessoa natildeo eacute uma etiqueta que
os pais colocam em uma crianccedila mas sim o nome expressa seu caraacuteter parte
essencial dela O nome na biacuteblia eacute tatildeo importante que em Ec 610 o que natildeo tem
nome eacute inexistente em Joacute 308 os que natildeo tem nome satildeo despreziacuteveis A
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conversa entre Deus e Moiseacutes eacute um exemplo claro disso (Ecircx 313-14) quando
Moiseacutes indaga acerca do nome de Deus o qual ele seria seu representante Deus
o responde Eu Sou o que Sou ou seja Eu Sou Aquele que faz acontecer
revelando assim parte essencial do caraacuteter Por isso para o povo biacuteblico o nome
estaacute intrinsicamente ligado agrave pessoa e ao que ela faz Pois em cada accedilatildeo de
Deus dentro da histoacuteria de seu povo (hebreus) eles se referiam a Deus com um
nome diferente nome esse que se referia ao ato salviacutefico de Deus para
determinada situaccedilatildeo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Santos
Jesus (Salvador) ndash eacute a forma grega do nome Josueacute o filho de Num Assim em Atos 745 Em Colossenses 411 o apoacutestolo Paulo refere-se a ―Jesus conhecido por Justo Este Jesus um cristatildeo foi um dos cooperadores do apoacutestolo em Roma e prestou-lhe solidariedade no momento das suas provaccedilotildees Jesus Cristo (Iesoucircs Christoacutes = Josueacute Jesus Ungido Messias formulaccedilatildeo grega para o hebraico Yehoxuah ―Javeacute salvaraacute seu povo dos seus pecados [Mt 121]) [] (SANTOS 2011 p249)
Segundo Siqueira (2005 p 111) Jesus era conhecido como Salvador por
dois motivos ―1 O Seu nome natildeo foi uma designaccedilatildeo arbitraacuteria de seus pais
pelo contraacuterio 2 O nome de Jesus representa a realidade mais profunda de Sua
vida e obra Os quais seus proacuteprios disciacutepulos reconheceram isso dizendo ―Eacute
que vos nasceu hoje na cidade de Davi o Salvador que eacute Cristo o Senhor (Lc
211) ―e diziam agrave mulher Jaacute natildeo eacute pela tua palavra que noacutes cremos pois agora
noacutes mesmos temos ouvido e sabemos que este eacute verdadeiramente o Salvador do
mundo
No livro de Marcos 215-17 narra um fato que desafia a uma mudanccedila a
estrutura social judaica daquela eacutepoca ― Natildeo necessitam de meacutedicos os satildeos
mas sim os enfermos eu natildeo vim chamar os justos mas pecadores (cf Mt 910-
13 Lc 529-32) Os ―pecadores daquela eacutepoca eram as pessoas consideradas
imorais pela nata da sociedade (aduacutelteros mentirosos prostitutas cegos coxos
surdos publicanos entre outros) pessoas indignas de terem qualquer tipo de
relaccedilatildeo com eles principalmente no que tange a mesa lugar de partilha e
comunhatildeo lugar que tambeacutem se demonstrava estrato social Segundo esse
pensamento social da eacutepoca qualquer pessoa que se assentasse com um desses
pecadores se tornava pecador tambeacutem ou seja essas pessoas contaminavam
qualquer outra que estivesse com elas Poreacutem Jesus Cristo ao se assentar com
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os ―pecadores subverte o sistema legal de pureza e atende a necessidade dos
marginalizados pela sociedade Em Mc 21-12 nos mostra que Jesus tambeacutem
cura e perdoa os pecados (v5 ―E Jesus vendo-lhes a feacute disse ao paraliacutetico Filho
perdoado satildeo os teus pecados) havia em Jerusaleacutem todo um sistema sacrificial
em relaccedilatildeo ao pecado o sistema de expiaccedilatildeo era exercido pelo sumo sacerdote
poreacutem Jesus mesmo sem ter alguma autoridade terrena para mudar os haacutebitos
religiosos vigentes Ele demonstra ter uma autoridade superior para realizar tais
atos (MORIN 2016)
Como diz Eacutemile Day
Haacute diversos usos caracteriacutesticos de ―Cristo em Lucas-Atos Primeiro encontramos a frase ―o Cristo de Deus (Lc 920 2335 cf ―o Cristo do Senhor em 226 e ―Ungido do Senhor em At 426) A prova de Jesus como o Messias encontra-se em alguns exemplos da pregaccedilatildeo cristatilde primitiva (p ex At 542 173 18528) Segundo no importante manifesto em Lc 418-19 (cf Lc 722 e 4Q521) eacute o messianismo profeacutetico que estaacute presente baseado em Is 611-2 texto sitado na descriccedilatildeo fragmentaacuteria do proclamador angeacutelico em 11QMelqu A conclusatildeo desse capitulo (440) sugere que o ministeacuterio de cura jaacute iniciado demonstrava o messiado de Jesus (DAY 2005 p 497-498)
Jesus sempre valorizou muito mais a vida do que oblaccedilotildees sacrifiacutecios e
tradiccedilotildees que satildeo usadas para fazer diferenccedila entre as pessoas separando o
santo do pecador o bom do mau o melhor do pior Pois suas pregaccedilotildees eram de
fato uma oposiccedilatildeo contra esse tipo de comiseraccedilatildeo que vecirc a vontade de Deus
somente em beneficio proacuteprio (SANTOS 2011)
Em resumo a missatildeo de Jesus aconteceu no Impeacuterio Romano No mediterracircneo oriental o poder romano partilhado pelas elites locais fez da crueldade e da extorsatildeo parte da vida diaacuteria Para a natildeo elite do povo de Israel o colapso do sistema patronal da elite israelita apareceu como verdadeira traiccedilatildeo e deslealdade por parte das melhores famiacutelias aristocraacuteticas e cujo interesse a economia politica e a religiatildeo politica funcionavam O resgate dessa situaccedilatildeo somente ocorreria como Deus de Israel tomando o controle do paiacutes e restaurando a proteccedilatildeo divina da perfiacutedia politica que preenchia a terra A proclamaccedilatildeo de Jesus a respeito do reino de Deus era na verdade seu evangelho social (MALINA 2004 p 43)
Tudo aquilo que leva o povo ao sofrimento eacute considerado satacircnico Pois na
mensagem nos ensinamentos de Jesus Cristo seu principal tema era o ―reinado
de Deus e a salvaccedilatildeo Pois Jesus Cristo veio para resgatar e demonstrar o
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sedaqah (justiccedila) em sua plenitude Jesus Cristo veio instaurar um novo tempo
resignificando o sofrimento atraveacutes das bem-aventuranccedilas (Lc 620-23 Mt 51-12)
demonstrando assim ser o Immanuel ou seja ―Deus conosco (SANTOS 2011)
O evangelho de Jesus Cristo o Messias tambeacutem tinha o propoacutesito de gerar
uma comunidade que continuasse a propagar o reino que por Ele foi iniciado E
isso soacute podia ser feito mediante a unccedilatildeo e presenccedila do Espiacuterito do Senhor (Lc
418) Os propoacutesitos de Deus soacute podem ser realizados mediante essa unccedilatildeo do
Messias os qual visa em prioridade levar a Boa Nova aos pobres Essa Boa Nova
aos pobres estaacute relacionada agrave libertaccedilatildeo da opressatildeo romana e uma vida eterna
um lugar no ceacuteu ou seja uma resposta imediata e uma eterna o hoje e o
amanhatilde Como a paraacutebola do rico e o Lazaro benccedilatildeo eterna ao pobre e a
acusaccedilatildeo contra os ricos do presente (LOCKMANN 2011)
Pixley diz que
O reino de Deus se caracteriza pela vida uma vida tatildeo abundante que os leprosos satildeo limpos e mortos ressuscitam Isto jaacute estava acontecendo na obra de Jesus entre os pobres e marginalizados da Galileacuteia Entre os pobres esta vida abundante para os que haviam padecido carecircncias eacute recebida com alegria e Boa Nova (PIXLEY 1986 apud LOCKMANN 2011)
Observamos nessa parte que o messianismo surge com o sentido de
esperanccedila seja futura ou presente esperanccedila sobre as dificuldades diversas da
vida Davi foi um tipo de Messias em seu tempo pois ele gerava essa esperanccedila
e expectativa nas pessoas Jesus Cristo poreacutem foi o antiacutetipo do Messias sua vida
e suas obras foram voltadas totalmente para a classe dos desfavorecidos
trazendo esperanccedila aos seus coraccedilotildees tanto para uma vida futura como para a
vida presente e por fim com sua morte e ressurreiccedilatildeo concretizou essa
esperanccedila Veremos agora a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e como se
daacute o diaacutelogo entre eles
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA
Quando falamos sobre pobres e excluiacutedos normalmente nos reportamos agraves
pessoas que estatildeo fora do sistema que rege uma sociedade o sistema soacutecio-
politico-econocircmico e religioso Temos que nos atentar para essas questotildees pois
como cristatildeos temos que ter uma visatildeo mais ampla sobre esse assunto para que
assim possamos cumprir os desiacutegnios de Cristo valorizar os desvalorizados
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(FELLER 1995) ―Eacute pobre portanto quem carece dos meios de vida Quem natildeo
tem os meios materiais para viver nem para se desenvolver com dignidade no
plano social poliacutetico e cultural (ALDUNATE 1991 p 16)
Esse grupo de pessoas na sociedade soacute consegue ser vistos a partir do
momento que eles proacuteprios se sentem incomodados e indignados com a situaccedilatildeo
que vivem formam seus grupos e tomam iniciativas que seratildeo visualizadas nos
conflitos sociais Pois eacute a partir desses conflitos que surgem e desenvolvem
meios de condiccedilotildees para combater a exclusatildeo social
[] satildeo os excluiacutedos os que mais sofrem por causa dos erros da modernidade brasileira e suas consequecircncias evidentes o ecircxodo rural e a explosatildeo urbana a violecircncia no campo e na cidade a concentraccedilatildeo da terra e do capital a especulaccedilatildeo financeira e imobiliaacuteria a inflaccedilatildeo a divida externa a reduccedilatildeo na produccedilatildeo de alimentos para o mercado interno o corporativismo dos poliacuteticos e empresaacuterios a instabilidade social a miseacuteria e a fome o desemprego a insalubridade publica o abandono do ensino baacutesico o desdeacutem ao pensamento nacional alternativo o embrutecimento intelectual a deseducaccedilatildeo do povo o disfarccedilamento da realidade a desmoralizaccedilatildeo eacutetica a destruiccedilatildeo do sentimento de nacionalidade a desarticulaccedilatildeo cultural as soluccedilotildees egoiacutestas e imediatistas o individualismo ganancioso
enfim o processo de apartaccedilatildeo crescente (FELLER 1995 p15)
Podemos perceber que a pobreza eacute gerada na sociedade por causa da
ganancia de pessoas que detecircm um determinado poder social politico ou
religioso e que acabam lesando o direito dos pobres a uma vida digna a pobreza
logo eacute uma carecircncia injusta e indevida resultado do abuso dos gananciosos
(ALDUNATE 1991)
Exatamente essas pessoas ―dominadoras a elite da sociedade natildeo medem
esforccedilos para manter o sistema funcionando sempre em seu proacuteprio beneficio e
deixando assim pobres na situaccedilatildeo onde eles se encontram sem dar a eles
esperanccedila de vida de melhoria Esses dominadores que satildeo uma porcentagem
bem pequena na sociedade trabalham dentro de uma estrutura social de
exploraccedilatildeo os quais utilizam princiacutepios convencionais ndash poliacuteticos econocircmicos
sociais culturais e religiosos ndash sempre com a finalidade de manter os pobres
sobre o seu domiacutenio em suas matildeos (SANTA ANA 1985)
Infelizmente a religiatildeo acaba legitimando esse tipo de situaccedilatildeo em prol de
benefiacutecios proacuteprios para manter suas proacuteprias posiccedilotildees Assim educando os
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pobres a concordar que as condiccedilotildees de vida em que eles vivem eacute a vontade de
Deus para eles mudando assim essa esperanccedila de uma vida melhor aqui para
uma vida melhor somente depois da morte Com isso a igreja faz uso da feacute para
legitimar uma desigualdade a qual o proacuteprio Deus condena (SANTA ANA 1985)
Segundo Santa Ana (1985 p48-49) o sistema educacional ajuda nessa
perpetuaccedilatildeo da pobreza A partir do momento que o sistema educacional
socializa as pessoas atraveacutes do conformismo faz com que os ricos tenham total
acesso ao processo educacional assim perpetuando-se no poder Fazendo com
que os pobres nunca tenham uma oportunidade como a deles Isso tambeacutem
atinge as estruturas familiares que se enveredam pelo mesmo caminho
preparando seus membros a fortalecerem esse processo de dominaccedilatildeo em que o
poder e a riqueza dominam fazendo ateacute o sistema politico trabalharem a seu
favor ou seja os vassalos trabalham e seus senhores colhem os frutos
Estamos definindo a pobreza como a incapacidade de realizaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas exigidas para manter adequadamente a vida livre de doenccedilas miseacuteria fome dor sofrimento desespero e medo de um lado e a incapacidade de defesa em face da injusticcedila estrutural de outro Em qualquer dos casos essas condiccedilotildees podem ser resumidas como opressatildeo A luta contra a pobreza consiste pois em atividades em que se envolvem os oprimidos e os que lutam em seu favor na busca de uma ―vida melhor Natildeo se procura apenas a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas mas tambeacutem a existecircncia vivida com dignidade baseada no exerciacutecio da justiccedila da participaccedilatildeo e da liberdade (SANTA ANA 1985 p98)
Em grande parte das sociedades humanas existem pessoas grupos
governos igrejas entre outras instituiccedilotildees que se dedicam de forma incansaacutevel
para diminuir ou ateacute extinguir a pobreza na sociedade pois Deus natildeo criou o ser
humano para ser oprimido Podemos observar em Gn 1210-15 que esse tipo de
opressatildeo emerge no encontro de culturas poderosas com outras culturas que natildeo
tem esse mesmo poder dessa forma os mais fortes sempre dominam os mais
fracos (SANTA ANA 1985)
Em contrapartida a histoacuteria nos mostra que nem todos os opressores e
oprimidos aceitaram a opressatildeo assim tatildeo faacutecil Pessoas escolheram morrer ateacute
mesmo juntamente com sua famiacutelia ao inveacutes de se submeterem a opressatildeo
escravizadora esses satildeo os negros americanos que lutaram contra a
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segregaccedilatildeo e a escravidatildeo Essa opressatildeo natildeo eacute extinta tatildeo facilmente
infelizmente (SANTA ANA 1985)
―Do ponto de vista cristatildeo o processo de libertaccedilatildeo dura agrave vida toda O
objetivo uacuteltimo da luta contra a pobreza eacute criar a sociedade humana sem
opressores nem oprimidos onde todos se esforccedilam para ser verdadeiramente
humanos (SANTA ANA 1985 p106)
As Escrituras Sagradas fala sobre os direitos que os oprimidos tecircm os quais
se negam a dignidade de vida Podemos observar a preocupaccedilatildeo que a
legislaccedilatildeo os profetas os saacutebios e Jesus tecircm em relaccedilatildeo aos pobres e oprimidos
da sociedade A forma que Deus os protege e a forma de como Jesus Cristo se
identifica com eles de modo profundo que toda e qualquer opressatildeo ou violecircncia
praticada contra eles eacute da mesma intensidade contra Deus (ALDUNATE 1991)
Eacute quase um refratildeo que percorre toda a Biacuteblia natildeo oprimir o pobre natildeo explorar o oacuterfatildeo natildeo se aproveitar da viuacuteva natildeo discriminar o imigrado ou o forasteiro natildeo excluir o escravo Quem satildeo todos estes Satildeo aqueles que natildeo encontram lugar na sociedade organizada ou que por sua situaccedilatildeo social natildeo tecircm a quem recorrer e por isso satildeo entregues agrave proacutepria sorte ou satildeo feitos vitimas dos gananciosos [] O pobre pode ser saacutebio mas porque eacute pobre ―sua sabedoria eacute desprezada (Ec 916) e assim se destroacutei a cidade (ALDUNATE 1991 p97)
A igreja tecircm a missatildeo de defender a vida frente aos diversos problemas
sociais eacuteticos e espirituais em que vivemos nosso maior exemplo disso foi Jesus
Jesus questionou bastante fortemente os privileacutegios e as hierarquias que a sociedade judaica estabelecia tanto no domiacutenio social quanto no domiacutenio religioso Pela sua solidariedade com os pecadores com os pequenos com os sem-lei com os impuros ele contestou fortemente as estruturas de uma sociedade que ousava se apoiar em Deus para justificar a separaccedilatildeo entre aqueles que ensinam e os que escutam entre os que decidem e os que obedecem entre os que devem ser honrados e os que devem ser condenados O contexto modificou-se mas natildeo mudou muito a realidade das coisas A sociedade sempre teve e ainda tem seus marginalizados e seus desclassificados aos quais ela daacute apenas o direito do silecircncio O direito de natildeo serem como os outros [] A proacutepria igreja ainda natildeo conseguiu abandonar privileacutegios e hierarquias que foi interpelada a abolir Continua sustentando relaccedilotildees de autoridade e obediecircncia Continua ignorando aqueles que natildeo entram no quadro de sua moral ou de sua teologia oficial Existem ainda pecadores e estrangeiros sem o direito agrave mesa comum Pois eacute preciso respeitar as precedecircncias e as conveniecircncias Ainda natildeo aprendemos a nos colocar agrave mesa para comer com os pecadores E precisamos aceitar que simpatia
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e generosidade natildeo bastam para uma transformaccedilatildeo da histoacuteria Suprimir privileacutegios eacute a primeira decisatildeo para um combate E aceitar o risco da solidariedade e comprometer-se na luta contra toda opressatildeo Comeccedilar desde agora a viver na Igreja uma mudanccedila real com o maacuteximo de lucidez politica e uma coragem profeacutetica enraizada nas palavras do Cristo (MORIN 2016 p79-80)
A esperanccedila messiacircnica surge no primeiro testamento seu aacutepice se deu na
pessoa do rei Davi pois ele gerava essa esperanccedila nos coraccedilotildees das pessoas
isso porque ele natildeo olhava somente para as suas vontades mas tambeacutem as dos
desfavorecidos da sua eacutepoca Mas em Jesus eacute cumprida a promessa do
verdadeiro Messias de Deus o qual teve a coragem de lutar e doar a sua vida em
favor dos pobres e marginalizados concretizando assim uma esperanccedila que
jamais morreraacute A igreja cristatilde precisa seguir cabalmente esse exemplo de Davi e
por fim de Jesus Cristo e se doar em favor daqueles que satildeo considerados a
escoacuteria da sociedade
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Vivemos em tempos em que a sociedade valoriza muito mais aqueles que
tecircm do que aqueles satildeo Essa eacute a Era da coisificaccedilatildeo ou seja vocecirc vale aquilo
que vocecirc possui As pessoas que vivem a mercecirc desse sistema capitalista para
serem aceitas na sociedade ou em determinados grupos tem que demonstrar
aquilo que possui para serem aceitas as quais se tornam escravas do
consumismo e satildeo engolidas por esse sistema
Sistema esse que eacute regido por uma pequena porcentagem da sociedade
mas que dominam as pessoas que possuem menos poder que elas no que tange
a questatildeo politica econocircmica e social Essas pessoas fazem esse sistema
capitalista sempre girar em torno delas satildeo pessoas egoiacutestas gananciosas E os
mais prejudicados com isso satildeo as pessoas que satildeo dominadas por esse tipo de
governo os pobres e marginalizados
Nos uacuteltimos tempos as comunidades tecircm se preocupado com a situaccedilatildeo dos
pobres Mas natildeo basta somente se preocupar as comunidades precisam se
posicionar e praticar o evangelho de Cristo que entendemos ser o evangelho da
inclusatildeo Temos que aprender a tratar esse problema social que infelizmente
existe em nosso meio
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Fazer a vontade de Deus estaacute sempre relacionado ao nosso proacuteximo Como
seres humanos todos os pobres e marginalizados tem o direito de uma vida digna
ou seja ter pelo menos o baacutesico que um ser humano precisa para viver
Por isso estender a matildeo ao necessitado torna-se um grande desafio para a
sociedade e principalmente para a igreja
Com esse artigo procuramos trazer as nossas mentes para fazer-nos
relembrar acerca dos mandamentos divinos que eacute amar a Deus sobre todas as
coisas e ao proacuteximo como a si mesmo Mostrando que o pobre e marginalizado
tambeacutem tem o direito de igualdade em relaccedilatildeo agrave sociedade de ter pelo menos o
baacutesico para sua sobrevivecircncia A pobreza soacute existe porque o ser humano se
esqueceu de Deus e a partir daiacute soacute pensa em si proacuteprio em sempre ter vantagem
e domiacutenio sobre o outro
Infelizmente a igreja tambeacutem se esqueceu de seu papel aqui na Terra que eacute
de anunciar as Boas Novas de Cristo trazendo paz e esperanccedila a todos mas
principalmente aqueles a qual a sociedade despreza e marginaliza aqueles que
foram desamparados e natildeo tem nem o baacutesico para viver a fim de que tenham
uma vida digna como filho de Deus
Isso se torna um desafio para a sociedade e principalmente para a igreja a
qual eacute uma instituiccedilatildeo que deveria ou deve representar o reino de Deus desafio
esse de abrir um diaacutelogo e conscientizaccedilatildeo dos cristatildeos por partes de seus lideres
para que a igreja se torne um lugar de acolhida para essas pessoas que natildeo tem
para onde ir
Precisamos valorizar essas pessoas pois quem cuida delas realmente esta
dando continuidade a obra de Cristo pois essa foi agrave obra que Cristo fez dar a vida
em favor dos desfavorecidos
―Quando entre ti houver algum pobre de teus irmatildeos em alguma das tuas cidades na tua terra que o SENHOR teu Deus te daacute natildeo endureceraacutes o teu coraccedilatildeo nem fecharaacutes as matildeos a teu irmatildeo pobre antes lhe abriraacutes de todo a matildeo e lhe emprestaraacutes o que lhe falta quanto baste para a sua necessidade (Dt 157-8)
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Autor ndash Ebson de Sousa
Bacharel em Teologia ndash UMESP E-mail ebsonsousayahoocombr
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RESENHA - ldquoO UNIVERSO AO LADOrdquo - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O ESTUDANTE DE TEOLOGIA
ldquoA tendecircncia da moderna teologia (se eacute que podemos
chama-la de teologia) eacute sempre rumo agrave deificaccedilatildeo
da criatura ao inveacutes da glorificaccedilatildeo do Criadorrdquo
Arthur Walkington Pink
RESUMO
O objetivo desta resenha eacute oferecer ao corpo discente do curso de teologia
da FATEJFADISA uma leitura auxiliar no desenvolvimento da compreensatildeo dos
cenaacuterios e cosmovisotildees que alimentam a hipermodernidade Haacute livros que fazem
a diferenccedila no quesito introduccedilatildeo aacute teologia e sem duacutevida alguma este eacute um
deles
Universo ao lado eacute um livro de suma importacircncia sendo aqui utilizada a
ediccedilatildeo de 2009 sendo ―O Livro - Universo ao Lado foi publicado pela primeira
vez em 1976 (na liacutengua inglesa) de modo que a antiguidade do livro chama a
atenccedilatildeo porquanto fazendo uma breve pesquisa e lecionando nestes uacuteltimos dez
anos em cursos de teologias tenho contemplando a comprometedora realidade
de que muitos dos discentes nunca tiveram acesso ou se dedicaram a leitura da
temaacutetica apresentado neste livro
Assim esta resenha foi feita para despertar no estudante de teologia o
interesse relevante pela literatura que jaacute haacute alguns anos vem contribuindo para
elucidar a questatildeo das cosmovisotildees da qual depende a produccedilatildeo de uma
teologia com excelecircncia reflexiva sendo necessaacuteria uma filosofia acadecircmica em
cuja essencialidade se acesse informaccedilotildees mais amplas as quais satildeo
imprescindiacuteveis como ponto de partida do saber teoloacutegico contemporacircneo
Boa leitura
autor Prof Me Marcelo Alves Dantas
marcelodantasteologiagmailcom
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James W Sire
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4 ed
Satildeo Paulo Hagnos 2009
BIOGRAFIA
Em 6 de fevereiro de 2018 faleceu James W Sire aos 84 anos50 Autor ―O
Universo ao Lado considerado um claacutessico cristatildeo sobre cosmovisotildees Sire
dedicou grande parte de seus estudos ao assunto James W Sire51 (17 de outubro de 1933 - 6 de fevereiro de 2018) foi um
autor palestrante e editor cristatildeo americano da InterVarsity Press Nascido em
uma fazenda na orla do Nebraska Sandhills Sire era oficial do Exeacutercito professor
universitaacuterio de literatura filosofia e teologia inglesa editor-chefe da InterVarsity
Press (editora de livros cristatildeos) palestrante de mais de duzentos universidades
nos EUA Canadaacute Europa Oriental e Ocidental e Aacutesia e autor de vinte livros
sobre literatura filosofia e feacute cristatilde Seu livro The Universe Next Door publicado
em 1976 e agora em sua quinta ediccedilatildeo jaacute vendeu mais de 400000 coacutepias e foi
traduzido para 19 idiomas estrangeiros Ele possuiacutea um bacharelado em quiacutemica
e inglecircs pela Universidade de Nebraska um mestrado pela Washington State
College (hoje Universidade) e um doutorado pela Universidade do Missouri Sua
publicaccedilatildeo mais recente foi Rim of the Sandhills um livro de memoacuterias da vida no
rancho traccedila sua chegada precoce agrave feacute e seu desenvolvimento gradual de uma
apologeacutetica madura pela feacute cristatilde Entre as deacutecadas de 1960 e 1980 James Sire foi editor-chefe da
InterVarsity Press uma editora voltada ao puacuteblico acadecircmico e cristatildeos
pensantes Liderou um movimento de consolidaccedilatildeo intelectual cristatildeo numa
cultura evangeacutelica cada vez mais fundamentalista e anti-intelectual Trouxe ao
conhecimento puacuteblico como editor pensadores como Francis Schaeffer Os
Guinness C Stephen Evans Rebecca Manley Pippert Mark Noll e muitos outros
pensadores cristatildeos Ele mesmo colaborou com 20 tiacutetulos a maioria tratando
sobre apologeacutetica cristatilde Seu livro mais conhecido mais vendido e traduzido para
50
httpswwwultimatocombrconteudoo-intelectual-como-vocacao-james-sire-1933-2018 - Acesso 15122019 51
https translate google com br translate hl = pt B R amp s l = e n amp u = h t t p s e n w i k i p e d i a org wiki J a m e s _ W _ S i r e amp p r e v = s e a r c h ndash Acesso 15122019
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20 idiomas O Universo ao Lado (1976) foi uma marco na tentativa em divulgar a
apologeacutetica cristatilde em formato de cosmovisotildees E deu certo mais de 350 mil
coacutepias somente nos EUA
INTRODUCcedilAtildeO
James Sire tem como um de seus objetivos refletir sobre a batalha para
descobrir nossa proacutepria feacute nossa proacutepria cosmovisatildeo nossas crenccedilas sobre a
realidade Seus principais intentos satildeo
a) Esboccedilar as cosmovisotildees que estatildeo por traacutes do modo pelo qual noacutes no
mundo ocidental pensamos sobre noacutes mesmos outras pessoas o mundo
natural e Deus ou a realidade final
b) Traccedilar historicamente como essas cosmovisotildees se desenvolveram desde o
decliacutenio da cosmovisatildeo teiacutesta transitando por sua vez para o deiacutesmo o
naturalismo o niilismo o existencialismo o misticismo oriental e a nova
consciecircncia da Nova Era
c) Mostrar como o poacutes-modernismo provocou uma reviravolta nessas
cosmovisotildees
d) Encorajar-nos a pensar em termos de cosmovisotildees isto eacute com
consciecircncia natildeo apenas do nosso modo de pensar mas tambeacutem do modo
de pensar das outras pessoas para que possamos primeiro entender os
outros e entatildeo estabelecer uma comunicaccedilatildeo eficaz em nossa sociedade
pluralista
Dr James W Sire eacute editor e palestrante muito requisitado em coleacutegios e
Universidades dos Estados Unidos e Europa Autor de vaacuterios livros
1 How to Read Slowly Reading for Comprehension Como ler
devagar Leitura para compreensatildeo 1978
2 Scripture Twist twenty Ways Cults Misunderstand the Bible
Torccedilatildeo das Escrituras 20 maneiras pelos quais os cultos
interpretam mal a Biacuteblia 1980
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3 Discipleship of the Mind Learning to Love God In the Ways We
Think Discipulado da mente aprendendo a amar a Deus da
maneira que pensamos 1990
4 Why Should Anyone Believe Anything at All Por que algueacutem
deveria acreditar em tudo1994
5 Habits of the Mind Intellectual Life as a Christian Calling Haacutebitos
da Mente vida intelectual como uma vocaccedilatildeo crista 2001
6 Naming the Elephant Worldview as a Concept Nomeando o
elefante cosmovisatildeo como conceito 2004
7 Por que bons argumentos frequentemente falham (IVP 2006)
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO
Sire parte do pressuposto que jaacute n o final do seacuteculo XIX Stephen Crane
havia aprendido a condiccedilatildeo com que noacutes no iniacutecio do seacuteculo XXI passariacuteamos a
encarar o universo
Considera-se como um fato importante nos dias de Hoje o movimento
religioso do Islatilde que defende a cosmovisatildeo cujos pressupostos vecircm afetando o
Ocidente que natildeo foi abordada em nenhumas das ediccedilotildees anteriores Desde 11
de setembro de 2001 o Islatilde tornou-se o principal fator da vida natildeo apenas no
Oriente Meacutedio Aacutefrica e Aacutesia mas tambeacutem na Europa e Ameacuterica do Norte A
cosmovisatildeo islacircmica (ou talvez cosmovisotildees) exerce sua influecircncia sobre as
vidas das pessoas em todo o mundo Aleacutem disso o termo cosmovisatildeo aparece
comumente nos jornais quando jornalistas tentam compreender e explicar o que
estaacute incentivando os chocantes eventos dos uacuteltimos anos
Segundo Sire os leitores de qualquer uma das ediccedilotildees anteriores notaratildeo
que a nova definiccedilatildeo faz trecircs coisas
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a) Primeiro ela muda o foco de uma cosmovisatildeo como um conjunto de
pressuposiccedilotildees para um compromisso uma orientaccedilatildeo fundamental
do coraccedilatildeo concedendo uma ecircnfase maior agraves raiacutezes preacute-teoacutericas do
intelecto
b) Segundo expande a forma pela qual as cosmovisotildees satildeo expressas
adicionando ao conjunto de pressuposiccedilotildees uma noccedilatildeo de histoacuteria
c) Terceiro torna mais expliacutecito que a raiz mais profunda de uma
cosmovisatildeo eacute seu comprometimento e compreensatildeo da realidade
real
O objetivo do livro eacute de forma resumida apresentar algumas das
cosmovisotildees que mais influenciam o pensamento humano Apesar de alguns
nomes de filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles Sartre Camus e Nietzsche
aparecerem nas paginas do livro este natildeo se constitui ser um trabalho acadecircmico
de filosofia E embora nos remeta ao tempo e aos conceitos tornados famosos
pelo apostolo Paulo por Agostinho Tomaacutes de Aquino e Calvino mesmo assim
este natildeo eacute um trabalho acadecircmico de teologia Em especial eacute um livro de
cosmovisotildees ndash de modo mais baacutesico e fundamental do que os estudos formais
em filosofia ou teologia Ou de outro modo eacute um livro de universos adaptados
pelas palavras e conceitos que trabalham em conjunto para propiciar um quadro
mais ou menos coerente de referecircncia para todo pensamento e accedilatildeo
Em se tratando de cosmovisotildees Sire a define da seguinte maneira
Eacute um conjunto de pressuposiccedilotildees (hipoacuteteses que podem ser verdadeiras parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente consistente ou inconsistentemente) sobre a formaccedilatildeo baacutesica de nosso mundo
O autor propotildee responder atraveacutes de 7 perguntas baacutesicas para cada
cosmovisatildeo pontos fundamentais da vida e do universo poreacutem natildeo percorre
exatamente as 7 perguntas em todas as cosmovisotildees no entanto como algumas
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cosmovisotildees se aproximam em suas hipoacuteteses essenciais parece ter
considerado que uma responde a outra
As sete perguntas baacutesicas satildeo
1 Qual a realidade primordial ndash o que eacute realmente verdadeiro A
isso se responde Deus os deuses ou o cosmo material
2 Qual a natureza da realidade externa isto eacute do mundo ao nosso
redor Aqui nossas respostas sinalizam se vemos o mundo como
criado ou autocircnomo como catoacutelico ou ordenado como mateacuteria ou
espiacuterito se nossa ecircnfase eacute subjetiva e de relacionamento pessoal
com o mundo ou se sua objetividade o separa de noacutes
3 O que eacute o ser humano - A essa pergunta podemos responder
Uma maquina altamente complexa um deus adormecido uma
pessoa feita agrave imagem e semelhanccedila de Deus um ―gorila nu
4 O que acontece quando uma pessoa morre - Aqui podemos
replicar com extinccedilatildeo pessoal ou transformaccedilatildeo em estado
elevado ou reencarnaccedilatildeo ou partida para uma existecircncia obscura
―no outro lado
5 Por que eacute possiacutevel conhecer alguma coisa - Respostas simples
incluem a ideacuteia de que fomos criados agrave imagem de um Deus todo-
conhecedor ou essa consciecircncia e racionalidade desenvolveram-se
sob contingecircncias de sobrevivecircncia atraveacutes de um longo processo
evolutivo
6 Como sabemos o que eacute certo ou errado - Mais uma vez a
resposta ou fomos criados agrave imagem de um Deus cujo caraacuteter eacute
bom ou o certo e o errado satildeo determinados somente pela escolha
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humana ou pelo que nos faz sentir bem ou as naccedilotildees
simplesmente se desenvolveram sob um iacutempeto orientado agrave
sobrevivecircncia fiacutesica ou cultural
7 Qual o significado da histoacuteria humana - A isso podemos
responder compreender os propoacutesitos de deus ou deuses preparar
um paraiacuteso na terra preparar um povo para uma vida em
comunidade com um deus amoroso e santo e assim por diante
Dentro de vaacuterias cosmovisotildees baacutesicas outras questotildees satildeo levantadas
Por exemplo Quem estaacute no comando deste mundo ndash Deus os seres humanos ou
ningueacutem Somos seres determinados ou livres Somos os uacutenicos fabricantes de
valores Deus eacute realmente bom Deus eacute pessoal ou impessoal Deus existe
afinal
O livro apresenta uma siacutentese de cada uma das cosmovisotildees abaixo
relacionadas
Teiacutesmo Deiacutesmo Naturalismo Niilismo Existencialismo Monismo
panteiacutesta oriental Nova era Poacutes-modernismo
SEGUE-SE UM ESBOCcedilO DE CADA UMA DAS COSMOVISOtildeES CITADAS
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO CRISTAtildeO
No teiacutesmo cristatildeo a proposiccedilatildeo principal relaciona-se agrave natureza de Deus
Deus eacute infinito e pessoal (triuno) transcendente e imanente onisciente soberano
e bom
Deus criou o cosmo ex nihilo para operar com a uniformidade de causa e
efeito num sistema aberto Obs ex nihilo (fora do nada natildeo fora de si mesmo ou
de algum caos preexistente) porque se o cosmo fosse realmente ―preexistente
seria tatildeo eterno quanto Deus O universo eacute ordenado e Deus natildeo o apresenta a
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noacutes em confusatildeo mas em claridade A natureza do universo de Deus e a
natureza do caraacuteter de Deus estatildeo assim intimamente relacionadas
Outra noccedilatildeo importante eacute que o sistema estaacute aberto e isso significa que
natildeo estaacute programado Deus estaacute constantemente envolvido no padratildeo de
desdobramento de contiacutenua atividade do universo E assim somos como seres
humanos O curso de atividade do mundo estaacute aberto ao reordenamento efetuado
tanto por Deus como pelos os seres humanos Assim o encontramos
dramaticamente reordenado na Queda Se o curso dos acontecimentos fosse
determinado nossas decisotildees natildeo teriam significado Assim o teiacutesmo declara que
o universo eacute ordenado mas natildeo determinado
Os seres humanos satildeo criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus e assim
possuem personalidade autotranscendecircncia inteligecircncia moralidade senso
gregaacuterio e criatividade
No Teiacutesmo cristatildeo Deus completa nosso uacuteltimo desejo fazendo-o de vaacuterias
maneiras
a) Sendo o perfeito complemento para nossa proacutepria natureza
satisfazendo nosso desejo por um relacionamento interpessoal
b) Sendo e sua onisciecircncia o fim da busca por conhecimento Sendo
em sua santidade o fundamento justo para a nossa busca por
justiccedila
c) Sendo em seu infinito amor a causa de nossa esperanccedila por
salvaccedilatildeo
d) Sendo em sua infinita criatividade a fonte de nossa imaginaccedilatildeo
criativa e a beleza final que buscamos refletir quando noacutes mesmos
criamos
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Os seres humanos podem conhecer tanto o mundo agrave sua volta quanto o
proacuteprio Deus porque Deus os proveu com essa capacidade e assumiu um papel
ativo na comunicaccedilatildeo com eles A base do conhecimento humano eacute o caraacuteter de
Deus como criador
Os seres humanos foram criados bons mas pela queda a imagem de
Deus foi desfigurada embora natildeo completamente arruinada a ponto de natildeo ser
possiacutevel de restauraccedilatildeo pela obra de Cristo Deus redimiu a humanidade e
comeccedilou o processo de restauraccedilatildeo das pessoas para a bondade embora
qualquer pessoa possa escolher rejeitar essa redenccedilatildeo
O Teiacutesmo argumenta contra a tentativa do ser humano de procurar se
organizar como seres autocircnomos aacuterbitros de sua proacutepria maneira de viver como
se fossem independentes de Deus Todavia isso eacute o que eles precisamente natildeo
possuem pois devem tudo tanto sua origem como sua existecircncia contiacutenua ndash a
Deus
Para cada pessoa a morte eacute ou o portatildeo para a vida com Deus e seu povo
ou o portatildeo para a separaccedilatildeo eterna da uacutenica coisa que completaria em ultima
instacircncia as aspiraccedilotildees humanas
A eacutetica eacute transcendente e estaacute baseada no caraacuteter de Deus como bom
(santo e amoroso)
A histoacuteria eacute linear uma sequecircncia significativa de eventos que convergem
para o cumprimento dos propoacutesitos de Deus para a humanidade
O teiacutesmo no entanto ensina que natildeo somente haacute um universo moral
como tambeacutem haacute um padratildeo absoluto pelo qual todos os julgamentos morais satildeo
feitos O proacuteprio Deus - seu caraacuteter de bondade (santidade e amor) - eacute esse
padratildeo
Aleacutem disso os cristatildeos e judeus defendem que Deus te revelado o seu
padratildeo em vaacuterias leis e princiacutepios expressos no texto biacuteblico Os Dez
Mandamentos o sermatildeo do monte o ensino eacutetico do apoacutestolo Paulo - por meio
dessas e muitas outras maneiras Deus tem revelado o seu caraacuteter Haacute portanto
um padratildeo de certo e errado e todos os que desejam conhececirc-lo o conseguem
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2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO
O Deiacutesmo se desenvolveu segundo alguns como uma tentativa de buscar
unidade fora do caos teoloacutegico e das discussotildees filosoacuteficas que no seacuteculo XVII
estavam atolados em interminaacuteveis disputas
Apoacutes deacutecadas de extenuantes discussotildees eclesiaacutesticos luteranos
puritanos e anglicanos poderiam muito bem ter olhado novamente para os pontos
de concordacircncia De certa forma o deiacutesmo eacute a resposta para isso apesar de o
rumo que tal concordacircncia tomou tenha levado o deiacutesmo aleacutem dos limites do
cristianismo tradicional
Um dos fatores primordiais constante no livro sendo fator importante para
o pensamento teoloacutegico foi o desenvolvimento do deiacutesmo enquanto uma
mudanccedila na localizaccedilatildeo da autoridade pelo conhecimento sobre o divino que
passou da revelaccedilatildeo especial encontrada na Escritura para a presenccedila da razatildeo
a luz de Deus na mente humana ou para a intuiccedilatildeo a luz interior
Nas palavras de Bacon o conhecimento tornou-se poder poder para
manipular e trazer a criaccedilatildeo mais plenamente sob o domiacutenio do homem Essa
visatildeo eacute ecoada na linguagem moderna de J Bronowski Eu defino ciecircncia como
a organizaccedilatildeo de nosso conhecimento de modo a aumentar o seu domiacutenio sobre
o potencial latente na natureza
O deiacutesmo nega que Deus pode ser conhecido pela revelaccedilatildeo por atos
especiais da auto expressatildeo por exemplo na Escritura ou na encarnaccedilatildeo
Havendo excluiacutedo Aristoacuteteles como uma autoridade em assuntos relativos agrave
ciecircncia o deiacutesmo agora exclui a Escritura como autoridade em teologia
permitindo apenas a aplicaccedilatildeo da razatildeo humana
Sire entretanto buscando a coerecircncia da informaccedilatildeo discute que nem
todos os deiacutestas sustentaram a mesma maneira de pensar a respeito da questatildeo
o que de certa forma nos coloca a reflexatildeo criacutetica do autor como uma proposta
de equiliacutebrio em relaccedilatildeo ao estudo do pensamento deiacutesta bem como do
comportamento frente a questatildeo por parte de seus simpatizantes Para Sire
alguns defenderam uma seacuterie de noccedilotildees inter-relacionadas poreacutem nem todos
apoiaram as doutrinas em comum John Locke por exemplo natildeo rejeitou a ideia
da revelaccedilatildeo poreacutem insistiu em que a razatildeo humana deveria ser usada para
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julgaacute-la Certos deiacutestas como Voltair eram hostis ao cristianismo alguns como
Locke natildeo Uns acreditavam na imortalidade da alma outros natildeo
Ainda alguns criam que Deus abandonou a sua criaccedilatildeo para funcionar por
conta proacutepria outros poreacutem acreditavam na providecircncia Por fim havia os que
acreditavam em um Deus pessoal outros natildeo Por tanto os deiacutestas eram muito
menos unidos em relaccedilatildeo a questotildees baacutesicas do que os teiacutestas
No entanto o deiacutesmo natildeo provou ser uma cosmovisatildeo estaacutevel
Historicamente ele exerceu breve domiacutenio sobre o mundo intelectual da Franccedila e
Inglaterra do fim do seacuteculo XVII ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII Precedido
pelo teiacutesmo foi seguido pelo naturalismo
3 NATURALISMO
Uma siacutentese que ajuda na compreensatildeo em termos intelectuais pode ser
notada na seguinte propositura
a) No teiacutesmo Deus eacute o Criador pessoal e infinito sustentador do
cosmo
b) No deiacutesmo Deus eacute reduzido ele comeccedila a perder a sua
personalidade embora permaneccedila como Criador e (por implicaccedilatildeo)
sustentador do cosmo
c) No naturalismo Deus eacute ainda mais reduzido perdendo a sua proacutepria
existecircncia
Os personagens envolvidos nessa mudanccedila do teiacutesmo para o naturalismo
formam uma legiatildeo em especial no periacuteodo entre 1600 e 1750
A primeira proposiccedilatildeo definidora de naturalismo eacute a de que a mateacuteria existe
eternamente e eacute tudo o que haacute Deus natildeo existe
No naturalismo a natureza do cosmo eacute que eacute primaacuteria pois agora com
um Criador eterno fora de cena o proacuteprio cosmo se torna eterno - sempre laacute
poreacutem natildeo necessariamente em sua forma atual na verdade certamente natildeo em
sua presente forma
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O Naturalismo defende que o cosmo existe como uma uniformidade de
causa e efeito em um sistema fechado Os seres humanos satildeo maacutequinas
complexas a personalidade eacute uma inter-relaccedilatildeo de propriedades quiacutemicas e
fiacutesicas ainda natildeo totalmente compreendidas Para os Naturalistas a morte eacute a
extinccedilatildeo da personalidade e da individualidade homens e mulheres satildeo
constituiacutedos de mateacuteria e nada mais A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos
ligada por causa e efeito poreacutem sem uma proposta abrangente
No Naturalismo primeiramente a palavra histoacuteria como utilizada nessa
proposiccedilatildeo inclui tanto a histoacuteria natural quanto a humana pois os naturalistas
veem a ambas como uma continuidade A origem da famiacutelia humana estaacute na
natureza Surgimos dela e mais provavelmente retornaremos a ela (natildeo apenas
individualmente mas como espeacutecie)
A noccedilatildeo de um Planejador dotado de propoacutesito natildeo eacute permitida pelos
naturalistas
Ainda em relaccedilatildeo agrave eacutetica concordam os naturalistas que a mesma estaacute
relacionada apenas os seres humanos Para o teiacutesta Deus eacute o alicerce de todos
os valores enquanto que para os naturalistas os valores satildeo construiacutedos pelos
seres humanos
Duas formas de naturalismo merecem uma atenccedilatildeo especial A primeira eacute
o humanismo secular um termo que passou a ser usado e abusado tanto por
adeptos quanto por criacuteticos Por essa razatildeo algum esclarecimento quanto aos
termos se faz aqui necessaacuterio Primeiro o humanismo secular em geral eacute uma
forma de humanismo poreacutem natildeo eacute a uacutenica O humanismo em si eacute a postura
global de que os seres humanos possuem um valor especial seus anseios
pensamentos e aspiraccedilotildees satildeo significantes Igualmente existe uma ecircnfase no
valor da pessoa como indiviacuteduo
O humanismo secular eacute uma forma do humanismo que eacute totalmente
estruturada dentro da cosmovisatildeo naturalista Eacute justo afirmar creio eu que a
maioria que se sente confortaacutevel dentro do roacutetulo humanista secular encontraraacute
suas visotildees retratadas nas seis proposiccedilotildees anteriores Em outras palavras os
humanistas seculares satildeo simplesmente naturalistas embora nem todos os
naturalistas sejam humanistas seculares
A partir da uacuteltima parte do seacuteculo XIX umas das formas de naturalismo
com maior relevacircncia histoacuterica tem sido o marxismo Poreacutem Sira reconhece que e
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difiacutecil expressar com brevidade uma definiccedilatildeo sobre o marxismo devido agrave
existecircncia de diferentes tipos de marxistas
Sire conclui acerca do naturalismo que ao contraacuterio do deiacutesmo este tem
apresentado um grande poder de permanecircncia Concebido no seacuteculo XVIII ele se
desenvolveu no seacuteculo XIX chegando agrave maturidade no seacuteculo XX
Naturalismo eacute visto como o grande vilatildeo da vanguarda poacutes-moderna
Todavia ateacute o momento nenhuma cosmovisatildeo rival tem sido capaz de fazer-lhe
frente em que pese ser justo afirmar que o seacuteculo XX forneceu algumas opccedilotildees
poderosas e o teiacutesmo esteja experimentando um tipo de renascimento em todos
os niacuteveis da sociedade
Sire compreende que o que torna o naturalismo tatildeo persistente satildeo dois
motivos baacutesicos Primeiro porque daacute a impressatildeo de ser honesto e objetivo A
pessoa eacute solicitada a aceitar apenas o que parece estar fundamentado em fatos e
nos resultados seguros da investigaccedilatildeo cientiacutefica ou da erudiccedilatildeo e segundo
porque para um grande contingente de pessoas o naturalismo parece coerente
Entretanto Sire arrazoa que contudo muito antes do teacutermino do seacuteculo
XX rachaduras comeccedilaram a surgir na estrutura Os criacuteticos teiacutestas sempre
encontraram falhas nela jamais abandonando as suas convicccedilotildees de que um
Deus infinito e pessoal estaacute por detraacutes do universo
4 NIILISMO
Sire inicia argumentando que o Niilismo eacute mais um sentimento que
propriamente uma filosofia todavia sendo mais preciso o niilismo de forma
alguma eacute uma filosofia mas uma negaccedilatildeo dela da possibilidade de
conhecimento e de tudo aquilo que possui valor Uma vez que em sua
epistemologia ao avanccedilar para a absoluta negaccedilatildeo de tudo o niilismo nega ateacute
mesmo a realidade de sua proacutepria existecircncia
Porquanto o niilismo eacute a negaccedilatildeo de todas as coisas - conhecimento
eacutetica beleza realidade No niilismo nenhuma afirmaccedilatildeo possui validade nada
tem significado Antes tudo eacute gratuito dispensaacutevel isto eacute apenas existe
Sire cita o romance coacutesmico de ficccedilatildeo cientiacutefica de Douglas Adams
retratando a situaccedilatildeo dos que buscam na ciecircncia da computaccedilatildeo uma resposta
ao significado do homem
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Outros autores tais como Samuel Beckett Franz Kafka Eugene Ionesco
Joseph Heller Kurt Vonnegut Jr fazem parte das indicaccedilotildees de leitura sobre
Niilismo
O Niilismo tem suas implicaccedilotildees Sire argumenta acerca do ponto de vista
daquele que crecirc numa Revelaccedilatildeo (Teiacutesmo) uma vez que em um universo na
perspectiva Niilista onde Deus estaacute morto as pessoas satildeo culpadas de violar a
lei moral apenas satildeo culpadas da culpa e isso eacute muito seacuterio pois nada pode ser
feito a respeito Se algueacutem pecou pode haver expiaccedilatildeo Se algueacutem infligiu agrave lei o
legislador pode perdoar o infrator Mas se algueacutem apenas for culpado da culpa
natildeo haacute como solucionar esse problema extremamente pessoal
Assim os fios do niilismo epistemoloacutegico metafiacutesico e eacuteticos se entrelaccedilam
para formar uma corda longa e forte o suficiente para envolver toda uma cultura
O nome dessa corda eacute perda de significado
Segundo Sire o Niilismo eacute uma consequecircncia do Naturalismo Se
considerarmos seriamente as implicaccedilotildees da morte de Deus o desaparecimento
do transcendente o hermetismo do universo acabamos exatamente como
Niilistas convivendo com a perda de significado Questiona-se contudo por que
nem todos os Naturalistas satildeo Niilistas para Sire a resposta estaacute em que nem
todos levam a seacuterio o seu Naturalismo
Entretanto deve-se ficar claro que toda vez que os niilistas pensam e
confiam em seu pensamento eles estatildeo sendo inconsistentes pois tecircm negado
que aquele pensamento possui valor ou que pode levar ao conhecimento Poreacutem
no acircmago da afirmaccedilatildeo de um niilista repousa uma autocontradiccedilatildeo
5 EXISTENCIALISMO
O existencialismo especialmente em sua forma secular natildeo apenas leva a
seacuterio o niilismo mas eacute uma resposta a ele Sire especiacutefica que eacute importante
reconhecer que o existencialismo assume duas formas baacutesicas dependendo de
sua relaccedilatildeo com as cosmovisotildees anteriores porque o existencialismo natildeo eacute uma
cosmovisatildeo totalmente amadurecida
O existencialismo ateiacutesta eacute um parasita do naturalismo enquanto o
existencialismo teiacutesta eacute um parasita do teiacutesmo Ateacute certo ponto todas as
cosmovisotildees possuem sutis variaccedilotildees e o existencialismo natildeo constitui uma
exceccedilatildeo
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O existencialismo ateiacutesta principia com a aceitaccedilatildeo de todas as
proposiccedilotildees do naturalismo a seguir mencionadas A mateacuteria existe para sempre
Deus natildeo existe O cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito em
um sistema fechado A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos conectados por
causa e efeito mas sem um propoacutesito abrangente A eacutetica eacute relacionada apenas a
seres humanos
Na perspectiva do Existencialismo existem duas dimensotildees onde a
epistemologia estabelece suas bases a saber - O Mundo Objetivo e o Mundo
Subjetivo
O primeiro tipo de ser eacute o mundo objetivo - o mundo das coisas materiais
da lei inexoraacutevel da causa e efeito do tempo cronoloacutegico do fluxo do
mecanismo O maquinaacuterio do universo - eleacutetrons giratoacuterios galaacutexias em espiral
corpos que caem gases que se elevam e aacuteguas que fluem ndash cada qual
realizando sua funccedilatildeo eternamente inconscientes para sempre apenas
existente Aqui afirmam os existencialistas a ciecircncia e a loacutegica mostram sua
utilidade As pessoas conhecem o mundo objetivo e exterior pela virtude de uma
observaccedilatildeo atenta registrando levantando hipoacuteteses e verificando- as por meio
de experimentos sempre refinando teorias e comprovando conjecturas sobre o
mundo em que vivemos
O segundo tipo de ser eacute o mundo subjetivo mdash o mundo da mente da
consciecircncia da percepccedilatildeo da liberdade da estabilidade Aqui a percepccedilatildeo
interior da mente eacute uma consciecircncia presente um agora constante
O tempo natildeo tem significado algum pois para si mesmo o assunto estaacute
sempre presente nunca passado ou futuro A ciecircncia e a loacutegica natildeo penetram
esse domiacutenio nada tem a dizer sobre subjetividade pois ela eacute a compreensatildeo do
eu pelo natildeo eu subjetividade eacute fazer do natildeo eu parte de si mesmo O sujeito
absorve o conhecimento natildeo como a garrafa armazena o liacutequido mas como um
organismo ingere o seu alimento O conhecimento se transforma no conhecedor
Para os seres humanos ldquoa existecircncia precede a essecircnciardquo as pessoas
fazem de si mesmas o que satildeo Essa frase proveniente de Sartre eacute a mais
famosa definiccedilatildeo do acircmago do existencialismo
Sire enfatiza que o existencialismo enfatiza a desuniatildeo entre o mundo
Objetivo e o Mundo Subjetivo demonstrando que entre esses dois mundos existencialismo opta vigorosamente em favor do mundo subjetivo o que Sartre
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denomina como um conjunto de valores distintos do reino material Segundo
Sire o mundo objetivo eacute regido por leis os corpos caem se natildeo forem apoiados
O mundo subjetivo natildeo conhece nenhuma regra O que eacute presente a ele o que
estaacute aqui e agora eacute
O mundo objetivo eacute o mundo de experimentos isolados e controlados eacute o
mundo da fiacutesica o mundo subjetivo eacute o mundo do conhecimento valores
decisotildees e atos de propoacutesitos os quais esses experimentos satildeo na verdade designados a servir eacute o mundo da ciberneacutetica de nosso proacuteprio comportamento
orientado a um objetivo
Assim na premissa dos Existencialistas todos somos livres interiormente
e portanto podemos criar o nosso proacuteprio valor pela afirmaccedilatildeo de nosso meacuterito
Natildeo somos restringidos pelo mundo objetivo dos tique-taques de reloacutegios de
quedas daacutegua e de eleacutetrons giratoacuterios O valor eacute interno e o interior pertence a
cada pessoa
O Existencialista entretanto possui uma singular diferenccedila na sua
epistemologia em relaccedilatildeo ao Niilista Aqui estaacute como um existencialista vai aleacutem
do niilismo Nada possui valor no mundo objetivo no qual nos tornamos
conscientes mas enquanto somos conscientes criamos valor A pessoa que vive
uma autecircntica existecircncia eacute aquela que se manteacutem cocircnscia da condiccedilatildeo absurda
do cosmo mas que se rebela contra essa condiccedilatildeo criando significado
O homem subterracircneo de Fyodor Dostoievski eacute um paradigma do
rebelde sem uma causa aparentemente razoaacutevel
Umas das questotildees baacutesicas do existencialismo eacute que em lugar de mudar
suas pressuposiccedilotildees naturaliacutesticas compatibilizando-as com os dados biacuteblicos
eles concluiacuteram que a Biacuteblia era historicamente indigna de confianccedila Isso poderia
ter resultado em um abandono da feacute cristatilde em sua totalidade Entretanto Sire
argumenta que muitos teoacutelogos passaram a interpretar as Escrituras aacute luz do
pensamento criacutetico existencialista dentre os mais conhecidos estatildeo (Karl Barth
Reinhold Niebuhr Rudolf Bultmann e outros de seus colegas)
Sire destaca na questatildeo do existencialismo eacute importante discernir sobre as
duas formas interessantes nas quais se apresenta e que deve ser objeto de
estudo e reflexatildeo pois formam um par de cosmovisotildees que sustentam um
relacionamento fraternal poreacutem satildeo filhos de pais diferentes O existencialismo
teiacutesta surgiu com Kierkegaard como uma resposta ao teiacutesmo morto e a uma
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ortodoxia morta e com Karl Barth como uma resposta agrave reduccedilatildeo do cristianismo
a uma mera moralidade Isso deu lugar ao subjetivismo elevou a religiatildeo da
histoacuteria e concentrou sua atenccedilatildeo no significado interior O existencialismo ateiacutesta
veio agrave tona com Jean Paul Sartre e Albert Carnus como uma reaccedilatildeo ao niilismo e
a reduccedilatildeo das pessoas a insignificantes engrenagens dentro do maquinaacuterio
coacutesmico Isso levou a uma volta subjetivista elevou a filosofia da objetividade e
citou significado a partir da afirmaccedilatildeo humana
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL
A mudanccedila ao pensamento oriental desde os anos sessenta eacute por tanto
primariamente uma fuga do pensamento ocidental Sire considera que por cerca
de um seacuteculo o pensamento oriental vem fluindo para o Ocidente
As escrituras hinduiacutestas e budistas foram traduzidas e circulam agora em
ediccedilotildees de bolso de baixo custo Jaacute no ano de 1893 no primeiro Parlamento de
Religiotildees Mundiais realizado em Chicago Swami Vivekananda comeccedilou a
introduzir os ensinamentos de seu guru pessoal Sri Ramakrishna Paramahansa
D T Suzuki do Japatildeo introduziu o Zen nas publicaccedilotildees ocidentais
E Alan Watts um ocidental absorveu o Zen e retornou ao Ocidente para
propagar tais ensinos entre seus colegas ocidentais Na deacutecada de 1960 estudos
orientais jaacute tinham penetrado nas escolas de ensino meacutedio Gurus indianos
cruzaram repetidas vezes os Estados Unidos e Europa por muitas deacutecadas O
conhecimento oriental passa a ser de faacutecil obtenccedilatildeo sendo que mais e mais sua
visatildeo de realidade torna-se uma opccedilatildeo de vida no Ocidente
Sire procura elucidar a maneira Oriental de ser perceber e interpretar o
mundo partindo do monismo panteiacutesta sendo essa eacute a cosmovisatildeo raiz que
forma a base do sistema hindu
O monismo panteiacutesta eacute diferenciado das demais cosmovisotildees relacionadas
com o Oriente por seu monismo a noccedilatildeo de que apenas um elemento impessoal
constitui a realidade Hare Krishna natildeo se enquadra nessa cosmovisatildeo pois
embora compartilhe muitas caracteriacutesticas do monismo panteiacutesta oriental declara
que a realidade em uacuteltima anaacutelise eacute pessoal (e portanto compartilha uma
similaridade com o teiacutesmo totalmente ausente em Advaita Vedanta)
Na cosmovisatildeo do monismo panteiacutesta oriental Atma eacute Brahma isto eacute a
alma de cada um e de todo ser humano eacute a alma do cosmo Deus em termos
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panteiacutestas Deus eacute a realidade uacutenica infinita impessoal e suprema ou seja Deus
eacute o cosmo
Deus estaacute em tudo o que existe nada existe que natildeo seja Deus Se
qualquer coisa que natildeo seja Deus aparente existir isso eacute maya ou seja ilusatildeo e
natildeo existe realmente Em outras palavras tudo o tudo o que existe como um
objeto distinto e separado - essa cadeira natildeo aquela outra essa rocha natildeo
aquela aacutervore eu natildeo vocecirc - eacute uma ilusatildeo Natildeo eacute a nossa distinccedilatildeo que nos
concede realidade mas a nossa unicidade o fato de sermos Brahma e Brahma eacute
u m Sim Brahma eacute o um
Sire lembra que noacutes ocidentais natildeo estamos acostumados a esse tipo de
sistema Distinguir isso eacute pensar Essa noccedilatildeo no monismo panteiacutesta eacute
diametralmente contraacuteria ao teiacutesmo No teiacutesmo a personalidade eacute a caracteriacutestica
principal sobre Deus como tambeacutem sobre as pessoas Significa que um indiviacuteduo
possui complexidade no acircmago de seu ser A personalidade demanda
autoconsciecircncia e autodeterminaccedilatildeo e ambos envolvem dualidade - o pensador e
a coisa pensada No teiacutesmo tanto Deus quanto a humanidade satildeo complexos
No panteiacutesmo a caracteriacutestica principal sobre Deus eacute a Unidade abstrata
absoluta indiferenciada e natildeo dual unidade Isso coloca Deus aleacutem da
personalidade
Sire considera que um dos pilares da cosmovisatildeo Oriental estaacute em
perceber a unidade com o cosmo eacute ir aleacutem do bem e do mal o cosmo eacute perfeito a
todo o momento Trata-se de um assunto dos mais sensiacuteveis Constitui um dos
pontos mais delicados no panteiacutesmo oriental porque as pessoas se recusam a
negar a moralidade Elas continuam a agir como se algumas accedilotildees fossem
certas e outras erradas Aleacutem disso o conceito de carma eacute quase universal no
pensamento oriental
Na cosmovisatildeo Oriental Carma eacute a compressatildeo de que o presente destino
de algueacutem prazer ou dor ser rei escravo ou um mosquito eacute fruto de accedilotildees
passadas em especial em um a existecircncia anterior Isso estaacute portanto
conectado agrave noccedilatildeo de reencarnaccedilatildeo que proveacutem do princiacutepio geral de que nada
que eacute real (ou seja nenhuma alma) jamais perde a consciecircncia da existecircncia
Pode demorar seacuteculos e mais seacuteculos para encontrar seu caminho de volta ao
Um poreacutem nenhuma alma deixaraacute de ser Toda alma eacute eterna pois toda alma eacute
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essencialmente Alma e portanto para sempre o um Carma eacute a versatildeo oriental d
o ditado vocecirc colhe o que semeia
Sire explica poreacutem que o carma implica em uma estrita necessidade Se
vocecirc pecou natildeo haacute Deus para cancelar sua diacutevida e perdoar A confissatildeo para
nada se aproveita O pecado deve ser resolvido e o seraacute Eacute claro que a pessoa
pode escolher seus atos futuros e portanto o carma natildeo implica em
determinismo ou fatalismo
Para deixar mais claro Sire elucida que haacute duas coisas que devem ser
observadas sobre esse sistema Primeira o fundamento para se praticar o bem
natildeo eacute para que o bem seja realizado ou de modo a beneficiar outra pessoa O
carma demanda que cada alma sofra por seus pecados passados natildeo
havendo assim valor em aliviar o sofrimento A alma que for auxiliada teraacute que
sofrer mais tarde Por tanto natildeo existe o amor aacutegape o amor doador nem
qualquer outro tipo de amor deve beneficiar o receptor A pessoa deve praticar
boas obras a fim de obter unidade com o um Fazer o bem eacute primeira e
principalmente um modo de vida de autoajuda
Segunda todas as accedilotildees simplesmente fazem parte de todo um mundo de
ilusatildeo
A cosmovisatildeo monoteiacutesta panteiacutesta oriental tem a morte como o fim da
existecircncia pessoal individual mas natildeo altera nada de essencial na natureza do
indiviacuteduo
A morte humana sinaliza o fim de uma encarnaccedilatildeo individual de Atma
Igualmente sinaliza o fim de uma pessoa Mas a alma Atma eacute indestrutiacutevel No
entanto observe nenhum ser humano no sentido de indiviacuteduo ou pessoa
sobrevive agrave morte Atma sobrevive mas Atma eacute impessoal Quando Atma eacute
reencarnado torna-se outra pessoa Entatildeo o hinduiacutesmo ensina a imortalidade da
alma Sim mas natildeo uma imortalidade pessoal e individual
O monismo hindu defende que a realidade final eacute Brahma o uacutenico
O monismo zen-budista sustenta que a realidade final eacute o vazio
A distinccedilatildeo tambeacutem leva a uma diferente compreensatildeo dos seres
humanos
Para um hindu a pessoa individual eacute uma alma (Atma) e portanto eacute
dotada de realidade substancial (espiritual natildeo material) porque eacute uma emanaccedilatildeo
de Brahma (a proacutepria realidade) Na morte a alma individual perde sua residecircncia
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corpoacuterea mas eacute reencarnada em outro indiviacuteduo - um tipo de transmigraccedilatildeo da
alma
Para um budista uma pessoa individual eacute uma natildeo alma Natildeo haacute natureza
que possa ser nomeada no acircmago de cada pessoa Na verdade cada pessoa eacute
uma soma de pessoas anteriores
Sire ainda apresenta distinccedilotildees importantes da cosmovisatildeo oriental sendo
importante a leitura do livro para compreensatildeo de detalhes tais como maneiras e
modelos de meditaccedilatildeo presentes na cultura oriental e suas diferenccedilas e
similaridades diferenccedilas nas praacuteticas religiosas conceito em relaccedilatildeo ao corpo
alma espiacuterito moral eacutetica etc
7 A NOVA ERA
No fim de 1987 a revista Time uma vez mais deu atenccedilatildeo ao movimento
da Nova Era com sua capa exibindo Shirley MacLaine e uma histoacuteria abordando
curandeiros da feacute canalizadores viajantes do tempo e cristais em abundacircncia
A partir de entatildeo MacLain e parece assumir a posiccedilatildeo de maior expoente da
Nova Era
A cosmovisatildeo da Nova Era eacute altamente sincreacutetica e ecleacutetica tomando
emprestado de todas as principais cosmovisotildees A Nova Era deposita grande
valor na pessoa como indiviacuteduo
Para Sire longe de estar totalmente formada a cosmovisatildeo da Nova Era
ainda conteacutem muitas arestas por aparar tensotildees internas e ateacute mesmo
contradiccedilotildees evidentes Trata-se de uma cosmovisatildeo cuja essecircncia de sua
filosofia estaacute em considerar o cristianismo como algo jaacute superado de modo que
uma nova civilizaccedilatildeo humana estaacute surgindo tendo a tecnologia a ciecircncia
filosofia psicologia e demais disciplinas todas convergentes para uma nova
realidade da existecircncia humana A Era de Peixes terminou e deu lugar a Era de
Aquaacuterio
No acircmbito religioso misturam princiacutepios filosoacuteficos e miacutesticos Os adeptos
da Nova Era se utilizam de vaacuterios instrumentos simbologias e filosofias para fins
de esclarecimento e compreensatildeo das mudanccedilas e sentido dos acontecimentos
da Nova Era tais como piracircmides filosofias orientais energias coacutesmicas cristais
energeacuteticos amuletos pensamentos positivos esoterismo (cabala horoacutescopo
mantra mapa astral Yoga relaxamento ecologia aura em harmonia com o
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corpo Yin Yang) estes servem de orientaccedilatildeo didaacutetica para a nova consciecircncia
Assim a consciecircncia coacutesmica - enxergar o mundo atraveacutes de um sistema
diferente de siacutembolos
A maioria dos proponentes da Nova Era e da nova consciecircncia possui um
saudaacutevel respeito pela ciecircncia Ken Wilber Aldous Huxley Laurence LeShan e
William Irwin Thompson satildeo os melhores exemplos E m suma o universo visiacutevel
estaacute sujeito agrave uniformidade de causa e efeito poreacutem o sistema estaacute aberto para
ser reordenado pelo eu (em especial quando percebe sua unidade com o um)
que por fim o controla e por seres da mente expandida os quais o eu pode
recrutar como agentes de mudanccedila
Sire argumenta que a mente expandida eacute um tipo de universo ao lado
alternadamente chamado de consciecircncia expandida ou consciecircncia alternativa
(MacLaine) uma realidade separada (Castaneda) realidade clarividente
(LeShan) outros espaccedilos (Lilly) supermente (Rosenfeld) vazioface original
(Wilber) ou mente universal (Klimo) Essa mente expandida natildeo obedece agraves leis
do universo visiacutevel A consciecircncia do eu pode viajar centenas de quilocircmetros pela
superfiacutecie da terra e fazecirc-lo n um piscar de olhos
Contudo Sire destaca que a essecircncia da experiecircncia da Nova Era eacute a
consciecircncia coacutesmica na qual categorias comuns de espaccedilo tempo e moralidade
tendem a desaparecer Sendo que a caracteriacutestica primaacuteria da consciecircncia
coacutesmica eacute uma consciecircncia do cosmo ou seja da vida e da ordem do universo
Em conjunto com essa consciecircncia do cosmo ocorre uma iluminaccedilatildeo intelectual
que por si soacute transportaria o indiviacuteduo para um novo plano de existecircncia mdash o
tornaria um membro de uma nova espeacutecie
Um ponto central na consciecircncia coacutesmica eacute a experiecircncia unitaacuteria primeiro
a experiecircncia de perceber a totalidade do cosmo segundo a experiecircncia de se
tornar um com todo o cosmo e finalmente a experiecircncia de ir aleacutem daquela
unidade com o cosmo para reconhecer que o eu eacute o gerador de toda a realidade e
que nesse sentido tanto eacute o cosmo como o seu criador
A morte fiacutesica natildeo eacute o fim do eu sob a experiecircncia da consciecircncia coacutesmica
o temor da morte eacute removido Para os adeptos da Nova Era a base definitiva para
a crenccedila de que a morte eacute apenas uma transiccedilatildeo para outra forma de vida eacute no
entanto a noccedilatildeo de que a consciecircncia eacute mais do que a manifestaccedilatildeo fiacutesica de
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uma pessoa Se algueacutem eacute o todo ou o criador de tudo e se isso eacute conhecido
intuitivamente entatildeo a pessoa certamente natildeo precisa temer a morte
Trecircs atitudes distintas satildeo consideradas para a questatildeo metafiacutesica da
natureza da realidade sob o quadro geral da Nova Era (1) a versatildeo oculta na
qual os seres e coisas percebidos em estados alterados de consciecircncia existem agrave
parte do ser que eacute consciente (2) a versatildeo psicodeacutelica na qual essas coisas e
seres satildeo projeccedilotildees do eu consciente e (3) a versatildeo relativista conceituai na qual
a consciecircncia coacutesmica eacute a atividade consciente de uma mente utilizando um dos
muitos modelos incomuns para a realidade nenhum dos quais eacute mais
verdadeiro do que qualquer outro
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO
Nas consideraccedilotildees finais Sire apresenta o quadro criacutetico do saber
filosoacutefico que mexe e convulsiona todas as cosmovisotildees expostas em seu livro
tendo como ponto de partida o reconhecimento da morte de Deus como o comeccedilo
da sabedoria poacutes-moderna
Nossa era que mais e mais estaacute sendo chamada de poacutes-moderna
encontra-se agrave deriva em um mar de perspectivas pluralistas de possibilidades
filosoacuteficas em excesso poreacutem sem qualquer noccedilatildeo dominante que indique para
onde ir ou como chegar laacute Um futuro de anarquia cultural se avizinha como
inevitaacutevel
Lyotard definiu poacutes-moderno como uma incredulidade direcionada agraves
metanarrativas Um dos vetores da poacutes-modernidade eacute que com o advento do
poacutes-modernismo nenhuma histoacuteria pode ter mais credibilidade que a outra Todas
elas satildeo igualmente vaacutelidas sendo assim validadas pela comunidade que vive
por elas
Por isto para Sire a primeira questatildeo que o poacutes-modernismo suscita natildeo eacute
o que estaacute laacute ou como sabemos o que laacute estaacute mas como a linguagem funciona
para construir significado Em outras palavras haacute uma mudanccedila nas primeiras
coisas de ser para saber para construir significado
A sociedade entatildeo move-se da hierarquia medieval para o Iluminismo da
democracia universal para o poacutes-moderno privilegiando os valores autodefinidos
de indiviacuteduos e comunidades
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A noccedilatildeo da autonomia da razatildeo humana liberou a mente humana da
autoridade dos antigos O progresso cientiacutefico e tecnoloacutegico ocorreu natildeo das
noccedilotildees reveladas nas Escrituras mas da pressuposiccedilatildeo de que a razatildeo humana
poderia de fato encontrar o seu caminho rumo agrave verdade Tal conhecimento
constituiacutea poder poder instrumental poder sobre a natureza poder para
satisfazer nossos desejos Na ciecircncia os resultados foram extraordinaacuterios Na
filosofia entrementes o movimento do ser para conhecer da primazia de Deus
que cria e revela para a primazia do eu que conhece por si soacute mostrou-se fatal
Isso estabeleceu a agenda para a filosofia moderna de Locke a Kant como
igualmente alimentou a repercussatildeo da filosofia poacutes-moderna de Nietzsche a
Derrida com o otimismo humanista mesclado ao desespero O proacuteprio
conhecimento encontra-se sob fogo cruzado em especial a noccedilatildeo de que haacute
quaisquer verdades de correspondecircncia O relativismo conceitual discutido no
capiacutetulo anterior serve agora natildeo apenas agrave experiecircncia religiosa mas a todos os
aspectos da realidade
Uma das frases que traduz o ceticismo poacutes-moderno eacute ―A verdade sobre a
proacutepria realidade estaacute para sempre oculta de noacutes Tudo o que podemos jazer eacute
contar histoacuterias
Sire argumenta que todas as narrativas mascaram um jogo pelo poder
Qualquer narrativa utilizada como metanarrativa torna-se opressiva
Conhecimento eacute poder Francis Bacon fez essa afirmaccedilatildeo em um momento
particularmente profeacutetico O moderno conhecimento cientiacutefico tem demonstrado
seu poder por trecircs seacuteculos Com o advento do poacutes-modernismo entretanto a
situaccedilatildeo inverteu-se Natildeo existe conhecimento objetivo puro nenhuma verdade
de correspondecircncia Em lugar disso existem apenas histoacuterias que quando cridas
concedem ao narrador poder sobre os seus ouvintes
Natildeo haacute eu substancial Os seres humanos fazem de si mesmos o que satildeo
pelas linguagens construiacutedas sobre eles mesmos O conceito base eacute de que natildeo
haacute nada no acircmago de nosso ser exceto o que noacutes mesmos colocamos laacute
nenhuma norma que natildeo tenhamos criado no decurso de criaccedilatildeo de uma praacutetica
nenhum padratildeo que natildeo seja um apelo a tal norma nenhuma argumentaccedilatildeo
rigorosa que natildeo seja obediente agraves nossas proacuteprias convenccedilotildees
Considera-se assim que na Idade Meacutedia a teologia era a rainha das
ciecircncias No iluminismo a filosofia e em especial a ciecircncia tornaram-se a
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vanguarda da mudanccedila cultural intelectual Jaacute na era poacutes-moderna a teoria
literaacuteria passa a exercer esse papel na linha de frente
Contudo embora Sire tenha compreensatildeo dos aspectos positivos da poacutes-
modernidade tambeacutem analisa e criacutetica a poacutes-modernista aceita o seu otimismo
naturalista em geral poreacutem reconhece a excessiva confianccedila que tem sido
depositada na razatildeo humana e no meacutetodo cientiacutefico Argui o reconhecimento poacutes-
moderno de que a linguagem estaacute intimamente associada com o poder
entretanto o poacutes-modernista que colocar a sua fala como superior estaraacute caindo
em contradiccedilatildeo
Sire conclui refletindo que de qualquer forma o desafio da morte de Deus
da morte da razatildeo da morte da verdade e a morte do eu - todos dominantes no
poacutes-modernismo atual - provavelmente estaratildeo convivendo conosco por muito
tempo
Para Sire o poacutes-modernismo natildeo eacute uma cosmovisatildeo madura mas eacute uma
perspectiva tatildeo penetrante que tem influenciado inuacutemeras cosmovisotildees mais
notadamente o naturalismo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Sire termina o seu livro fazendo consideraccedilotildees e resumindo as SETE
COSMOVISOtildeES baacutesicas seis se natildeo contarmos o niilismo ou oito se contarmos
as duas formas de existencialismo em separado ou ainda dez se
acrescentarmos o animismo e a perspectiva poacutes-moderna ambos mencionados
com brevidade
O fato eacute que embora a princiacutepio as cosmovisotildees pareccedilam proliferar elas
satildeo constituiacutedas de respostas a questotildees para as quais haacute apenas um limitado
nuacutemero de respostas
Em meio as vaacuterias propostas de cosmovisotildees Sire vecirc o ser humano sendo
obrigado a fazer a sua escolha porquanto todos estatildeo em busca do sentido da
vida Diante disso questiona o que pode nos auxiliar a escolher entre uma
cosmovisatildeo que presume a existecircncia de um Deus pessoal e transcendente e
outra que natildeo o faz Contudo devemos ter a consciecircncia de que qualquer
cosmovisatildeo que adotarmos seraacute limitada Nossa finitude como seres humanos o
que quer que a nossa humanidade venha a ser manter-nos-aacute longe da precisatildeo
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total quanto agrave maneira que compreendemos e expressamos nossa cosmovisatildeo e
tambeacutem da totalidade e exaustatildeo
Sire argui ao finalizar seu livro que na busca por uma cosmovisatildeo deve
ser levado em conta algumas questotildees fundamentais da existecircncia humana
porquanto uma cosmovisatildeo apropriada deve explicar o que ela proclama explicar
Assim Sire indica algumas das perguntas cruciais que devem ser feitas a
uma cosmovisatildeo satildeo Como ela explica o fato de os seres humanos pensarem
mas pensar hesitantemente amar mas tambeacutem odiar serem criativos poreacutem
igualmente destrutivos saacutebios mas com frequecircncia tolos e assim por diante O
que explica nossos anseios pela verdade e por realizaccedilatildeo pessoal Por que o
prazer como o conhecemos agora raramente nos satisfaz por completo Por que
em geral sempre queremos mais - mais dinheiro mais amor mais ecircxtase Como
explicar a recusa humana em agir de um modo amoral Por fim sugestiona que
uma cosmovisatildeo deve ser satisfatoacuteria subjetivamente
Concluindo Sire opta pela reconsideraccedilatildeo e releitura do Teiacutesmo Cristatildeo
sendo de grande relevacircncia e presente em todas as estruturas do pensamento
humano Para Ele o Teiacutesmo Cristatildeo permanece em todos os niacuteveis da sociedade
e em cada disciplina acadecircmica - nas ciecircncias e nas humanidades na tecnologia
e no mundo dos negoacutecios ndash aqueles que consideram seu teiacutesmo com cabal
seriedade e honestidade intelectual
Sire termina sua obra literaacuteria esclarecendo o desafio que haacute para a
teologia argumenta haacute muito mais a ser dito sobre as dimensotildees pessoais e
teoloacutegicas dessa forma de se olhar a vida Aceitar o cristianismo cristatildeo apenas
como um construto intelectual na verdade natildeo eacute aceitaacute-lo plenamente Existe
uma dimensatildeo profundamente pessoal envolvida em compreender e viver dentro
dessa cosmovisatildeo pois ela inclui o reconhecimento de nossa proacutepria
dependecircncia de Deus como suas criaturas nossa rebeliatildeo contra ele e nossa
confianccedila nele pela restauraccedilatildeo da amizade com sua pessoa E isso significa
aceitar a Cristo tanto como nosso libertador da escravidatildeo como Senhor para
nosso futuro
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REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4
ed Satildeo Paulo Hagnos 2009
Autor ndash Me Marcelo Alves Dantas
Docente FATEJ FADISA Bacharelando em Direito - UNIESPFAPAN Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo - UMESP Mestre em Teologia do Novo Test - FTBSP Docecircncia do Ensino Superior - UNOPAR Bacharel em Teologia - UMESP E-mail marcelodantasteologiagmailcom
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PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO
RESUMO
O presente artigo reflete a perspectiva do ateiacutesmo cristatildeo Atraveacutes do
diaacutelogo com o pensamento do filoacutesofo Andreacute Comte-Sponville tratamos de
responder duas perguntas sobre o assunto A primeira pergunta consiste em
saber se eacute possiacutevel ser um ateu cristatildeo a segunda se haacute uma moralidade
para esse seguimento Nossa busca estaacute relacionada com o espiacuterito do
ateiacutesmo e uma moral destituiacuteda da religiatildeo ocidental mas que sustente a
humanidade por meio daquilo que temos em comum O artigo propotildee apoacutes
explanaccedilatildeo uma possibilidade via o ateiacutesmo cristatildeo de outra religiatildeo ndash que
natildeo a sustentada pelo cristianismo ndash que abarque o amor como uma accedilatildeo
humana possiacutevel
Palavras-chave Ateiacutesmo cristatildeo ndash Comte-Sponville ndash Moral
Abstract This article reflects the perspective of Christian moral Through
dialogue with the thinking of philosopher Andreacute Comte-Sponville we try to answer
two questions on the subject The first question is whether it is possible to be a
Christian atheism the second if there is a morality for this follow-up Our search is
related to the spirit of atheism and a morality devoid of Western religion but that
supports humanity through what we have in common The article proposes after
explanation a possibility via Christian atheism of another religion ndash not that
sustained by Christianity ndash that embraces love as a possible human action
Keyword Christian Atheism ndash Comte-Sponville ndash Moral
autor Prof Me Rafael de Campo
elfaracamposhotmailcom
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INTRODUCcedilAtildeO
Parece contraditoacuterio o tiacutetulo dessa reflexatildeo mas como veremos na
exposiccedilatildeo algumas contradiccedilotildees satildeo possiacuteveis ou aceitas no campo das ideias
Mais do que possiacutevel as contradiccedilotildees alimentam a vida principalmente na esfera
da religiatildeo A possibilidade de haver numa mesma sentenccedila as palavras
―ateiacutesmo e ―cristatildeo eacute tatildeo igual haacute possibilidade de pensarmos o ateiacutesmo como
budista maometano judaico etc
O ateiacutesmo cristatildeo como sugerido ndash contraditoacuterio ndash pode ser considerado
um oximoro por excelecircncia e deseje brincar seriamente com opostos que se
excluem Esse paradoxismo eacute sugestivo de opiniotildees contraacuterias ou seja unir dois
polos que natildeo confluem por causa de seus sentidos diferentes e que vatildeo contra a
opiniatildeo (gr doxa) um do outro Com maior clareza ateiacutesmo e cristianismo
enquanto termos antiteacuteticos se referem a universos excludentes e dizem respeito
a doutrinas que natildeo podem confluir simultaneamente Satildeo duas grandes
dicotomias que se negam gerando aqui uma siacutentese
Ainda essa contraposiccedilatildeo entre ateiacutesmo e cristianismo representa o
pensamento por diacuteades ou seja os dois termos satildeo antiteacuteticos e entendidos
como natildeo complementares Cada um representa e interpreta um universo
particular em um mundo composto em que os entes divergem e conflitam entre
si Enfim dessa contraposiccedilatildeo ocorre uma siacutentese dialeacutetica (afirmaccedilatildeo + negaccedilatildeo
= negaccedilatildeo da negaccedilatildeo) onde ateiacutesmo e cristianismo geraria o ―ateiacutesmo cristatildeo52
Assim a tentativa de combinar as ideias do cristianismo (em suma a moral
extraiacuteda do homem Jesus dito o Cristo) com a moral ateia natildeo eacute uma realidade
tatildeo divulgada e difundida nos meios e ciacuterculos ndash sejam eles acadecircmicos ou mais
populares Um dos filoacutesofos da atualidade que trata e assume o ateiacutesmo cristatildeo
(ou ateiacutesmo fiel) eacute Andreacute Comte-Sponville
A partir de suas inferecircncias iremos dialogar numa busca por compreender
o que se denominou por ateiacutesmo cristatildeo ou seja a base para um ateu fiel Temos
por objetivo pensar duas perguntas eacute possiacutevel algueacutem se dizer ateu cristatildeo Que
tipo de moralidade um ateu fiel segui A primeira pergunta sugere examinar e
expor quais as bases daquilo que Comte-Sponville chama de ateiacutesmo cristatildeo
52
Um livro sugerido para entender o ateiacutesmo e o cristianismo como partes contrapostas na histoacuteria desde a antiguidade ateacute atualmente Cf MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
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A segunda pergunta gira em torno da questatildeo moral ligada as duas redes
de conhecimento a religiatildeo cristatilde ocidental (o cristianismo) e o ateiacutesmo
Desde jaacute eacute necessaacuterio informar que esse ensaio natildeo se propotildee refletir as
―provas acerca da existecircncia ou da natildeo existecircncia de qualquer divindade
Portanto nossa exposiccedilatildeo estaacute baseada no diaacutelogo com essa ―nova
espiritualidade ndash sendo possiacutevel assim chamar
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO
O Espiacuterito do Ateiacutesmo eacute o livro do filoacutesofo francecircs materialista racionalista
e humanista Andreacute Comte-Sponville lanccedilado originalmente em francecircs com o
tiacutetulo L‟ESPRIT DE L‟ATHEacuteISME por Albin Michel Paris 2006 Seu conteuacutedo
estaacute divido em trecircs capiacutetulos e subdivisotildees preacircmbulo e conclusatildeo Nele Comte-
Sponville relata sua experiecircncia com essa nova espiritualidade e a oferece como
uma opccedilatildeo tanto aos ateus quanto ao religioso O livro eacute escrito basicamente
para motivar uma espiritualidade que vai para aleacutem da religiatildeo Por assim dizer o
livro foi escrito em prol da ―toleracircncia pela laicidade pela liberdade de crenccedila e
de descrenccedila O espiacuterito natildeo pertence a ningueacutem A liberdade tambeacutem natildeo
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 9) Assim como tambeacutem contra a intoleracircncia o
dogmatismo o obscurantismo o integrismo e o fanatismo contra a supersticcedilatildeo o
niilismo e a apatia
Em busca do essencial ou daquilo que eacute mais baacutesico ao ser humano
Comte-Sponville idealiza uma espiritualidade que acopla em si trecircs perguntas
cada uma exposta nos trecircs capiacutetulos do livro
O primeiro capiacutetulo Pode-se viver sem religiatildeo (que eacute o guia para nossa
reflexatildeo nesse ensaio) iraacute introduzir argumentos do autor contra a religiatildeo e
erigiraacute a base de uma nova espiritualidade alicerccedilada sobre os conceitos de
comunhatildeo fidelidade e amor Em contraste com a feacute a esperanccedila e o amor de I
Coriacutentios 13 Sponville refaz a loacutegica das virtudes teologais atentando para o
proacuteprio texto biacuteblico onde se diz que a feacute passaraacute a esperanccedila passaraacute e o
amorcaridade permaneceraacute Talvez esse seja o ponto alto de sua reflexatildeo agrave
espiritualidade que articula no livro feacute e esperanccedila como virtudes provisoacuterias ou
seja jaacute passaram Vivemos pois na era do Reino do amor O ateu fiel afirmaraacute
que jaacute estamos no amor pois o Reino eacute aqui e agora
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O propoacutesito de Sponville natildeo eacute a exegese histoacuterico-criacutetica mas encontrar
―um ponto de tangecircncia ou de intersecccedilatildeo que o faccedila compreender e entrar em
acordo com o religioso que fora na juventude e com o ateu que eacute e lecirc
habitualmente Santo Agostinho Satildeo Tomaacutes de Aquino Espinosa Montaigne
Schopenhauer Pascal e outros O ateu de espiritualidade deseja entender o amor
como sendo mais elevado e mais precioso do que a feacute e a esperanccedila para
compreender que a vida eacute superior a qualquer religiatildeo que a comunhatildeo nada tem
a ver com igrejas e catedrais e que a fidelidade supera a feacute assim como supera o
proacuteprio ateiacutesmo
O segundo capiacutetulo do livro Deus existe trata de colocar em evidecircncia as
provas ndash na verdade a fraqueza delas ndash argumentando a ausecircncia frente a uma
pergunta tatildeo complexa Juntamente Sponville iraacute expor a fraqueza das
experiecircncias ndash uma vez que as pessoas dizem sentir e experimentar o ser divino
em seu cotidiano Ainda argumenta contra a incompreensibilidade da crenccedila em
Deus pois crer em Deus eacute querer explicar o que natildeo compreendemos por aquilo
que compreendemos menos ainda a saber Deus O autor conclui esse capiacutetulo
colocando sobre a mesa o assunto tatildeo caro ao cristianismo e para as religiotildees
monoteiacutestas que eacute a questatildeo do mal ndash ou a teodiceia ndash e tambeacutem a proposta do
direito que muitos tecircm de natildeo crer na divindade como oferecido pela religiatildeo
cristatilde
O capiacutetulo final relata a proposta pessoal (como a declaraccedilatildeo de uma
experiecircncia) que para Sponville eacute a mais importante pois eacute sobre uma
espiritualidade sem Deus Que espiritualidade para os ateus Sua resposta eacute de
cara que essa espiritualidade natildeo envolve religiatildeo eou ateiacutesmo mas sim uma
vida espiritual Isso uma vez que aquele que natildeo acredita em Deus tem um
espiacuterito e pode utiliza-lo Ele descreve sobre seu contato ―miacutestico com uma
espiritualidade mais abrangente que envolve tanto o conhecimento quanto a
experiecircncia natural e apresenta essa experiecircncia miacutestica a partir do que chamou
de ―suspensotildees ou parecircnteses que o fizeram estar num ―estado modificado de
consciecircncia Esse capiacutetulo eacute escrito como liccedilotildees que o autor experimentou
daquilo que vivenciou estando nesse estado modificado de consciecircncia em raras
experiecircncias
O livro tem como objetivo apresentar uma nova espiritualidade aquela em
que o Deus transcendente e suas instruccedilotildees natildeo se encontram (pelo menos como
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acreditam os cristatildeos) Salienta uma reflexatildeo de interconexatildeo entre o cristianismo
(a religiatildeo por excelecircncia do ocidente) e o seu Cristo tendo na mesma esteira o
ateiacutesmo e tambeacutem algumas praacuteticas da espiritualidade oriental a filosofia e
alguns de seus representantes
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO
Buscar o alicerce que sustenta uma espiritualidade que natildeo se finca em
uma tradiccedilatildeo religiosa especiacutefica e tampouco em um livro-texto sagrado como
base de devoccedilatildeo e rito eacute praticamente uma busca por entender o que se quer
dizer com uma espiritualidade sem base fixa ou seja sem um centro de poder
que legalize e legitime as atitudes morais que deveriam ser cumpridas e exercidas
por um devoto Sem uma fonte de revelaccedilatildeo que afirme o que se deve crer e
fazerobedecer fica complicado discernir as praacuteticas os ritos as devocionais que
sustentem a crenccedila de um religioso devoto do tipo ocidental Entretanto como jaacute
se afirmou acima se todos temos ―espiacuterito eacute possiacutevel raciocinar uma
espiritualidade que caiba dentro da vida essa particular a cada um
Para uma anaacutelise mais didaacutetica iremos questionar separadamente o que
estamos chamando de ateiacutesmo cristatildeo Eacute na realidade a busca por uma
articulaccedilatildeo entre uma cultura ateia e uma cultura cristatilde Por cultura em ambas as
frentes no sentido estrito denomina-se ―o conjunto de conhecimento que tanto o
ateiacutesmo quanto o cristianismo ―transmite e valoriza (Cf COMTE-SPONVILLE
2011b p 135-136) A dificuldade se instala na prerrogativa de que o ateiacutesmo e o
cristianismo natildeo satildeo coisasobjetos iguais o ateiacutesmo ndash principalmente o que
queremos aqui evidenciar ndash eacute reclamado uma moral e natildeo uma religiatildeo como eacute
dito do movimento que evidencia e tem como centro a pessoa de Jesus
Utilizando as recentes pesquisas no campo da histoacuteria da evoluccedilatildeo
humana tanto a moral quanto a religiatildeo fazem parte das ―ordens imaginadas que
as pessoas (os Homo sapiens) criaram no processo de cooperaccedilatildeo muacutetua na
histoacuteria da humanidade Dessa forma uma religiatildeo qualquer eacute tida como religiatildeo
pelo fato de definir-se como um ―sistema de normas e valores humanos que se
baseia na crenccedila em uma ordem sobre-humana (HARARI 2017 p 218) A
principal caracterizaccedilatildeo de uma religiatildeo supotildee que a mesma tenha em
funcionamento padrotildees morais e de comportamento que seja universal e esteja
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ligada com a difusatildeo de sua crenccedila Isso significa que hoje para se definir como
religiatildeo eacute preciso que natildeo seja como as ―religiotildees antigas ndash que eram locais e
exclusivas ou seja povos que criam em deidades proacuteximas agrave terra de moradia
que ocupavam e natildeo tinham nenhum interesse em conversatildeo universal de
qualquer outra tribo morando distante deles (HARARI 2017)
Se religiatildeo e moral satildeo de ordem imaginada53 ligadas intersubjetivamente
e tecidas por uma trama ndash algo que se refere a uma rede de comunicaccedilotildees que
liga e conecta a consciecircncia subjetiva de milhares e milhotildees de indiviacuteduos ndash
entatildeo para se pensar o ateiacutesmo cristatildeo eacute preciso ultrapassar o pensamento da
ordem imaginada vigente e criar uma nova ordem imaginada alternativa Isso
seria a intersecccedilatildeo a quebra do muro que mantecircm dentro de certos limites a
religiatildeo vigente para entatildeo como afirma Sponville acerca do ateiacutesmo cristatildeo
forjar ―para mim uma espeacutecie de Cristo interior manso e limpo de coraccedilatildeolsquo sim
mas puramente humano que me acompanha e me guia (COMTE-SPONVILLE
2016 p 66)
A proposta de romper com os limites estabelecidos para forjar uma nova
espiritualidade natildeo configura seja para Comte-Sponville ou para algum outro ateu
fiel a formaccedilatildeo basilar de uma nova ordem religiosa Natildeo eacute essa a proposta de O
Espiacuterito do Ateiacutesmo Isso porque o projeto eacute muito mais pessoal e individual do
que uma proposiccedilatildeo que tenha caraacuteter de alcance universal O que ele pensa eacute
uma nova espiritualidade e essa sim de caraacuteter laica (gr laikoacutes ―do povo) e
totalmente desvencilhada da religiatildeo cristatilde ndash mas natildeo desfocada de sua
personagem principal No entanto essa nova espiritualidade busca por definiccedilotildees
e vai ao encontro de uma moral cabiacutevel a experiecircncia real o que pode configurar
nas pretensotildees de alguns uma nova ideologia
Ao que nos parece Comte-Sponville recorre ao misteacuterio do universo da
humanidade e de todas as forccedilas naturais que por si soacute ultrapassam nossas
concepccedilotildees de realidade e revelam nossa insignificacircncia como caccediladores desse
misteacuterio O tom criacutetico de Sponville eacute contra a natildeo criticidade Como filoacutesofo a
busca pelo misteacuterio deve convergir em resultados empiacutericos (de accedilotildees ao bem
53
Para Harari ordens imaginadas satildeo redes de cooperaccedilatildeo que regem e organizam nossa vida partilhadas universalmente entre milhotildees e milhotildees de pessoas e que existe apenas em nossa imaginaccedilatildeo Exemplos que ele relata como ordens imaginadas o dinheiro os impeacuterios e as religiotildees universais satildeo as bases que assentaram o mundo unificado (globalizado) de hoje
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comum) para que seja possiacutevel a afirmaccedilatildeo criacutetica Em um segundo plano sabe-
se que o misteacuterio se perfaz solitaacuterio e intransponiacutevel agrave busca racional
21 - O que ldquoacreditardquo o ateiacutesmo cristatildeo
Para Conte-Sponville hoje o ocidente jaacute natildeo eacute tatildeo cristatildeo como se pensa e
tem se mostrado (Cf COMTE-SPONVILLE 2016) A religiatildeo cristatilde perde
anualmente sua autonomia como religiatildeo universal e principalmente ela natildeo
evoca mais aos natildeo cristatildeos (e ateacute mesmo aos seus fieacuteis) o status de ―uacutenica A
proacutepria oponibilidade deu lugar a uma frente que preza antes pela simpatia do que
pela rechaccedila Obviamente seu discurso natildeo mudou Seus liacutederes tecircm mudado as
estrateacutegias tentando unificar um tipo de relaccedilatildeocomunhatildeo plural entre as
religiotildees universais Mostra-se ndash seja nos catolicismos seja nos protestantismos
ou evangelicalismos ndash em busca de uma moral contextualizada que natildeo incorra
retrograda e ateacute mesmo primitiva mas ao mesmo tempo haacute o esforccedilo pela
conservaccedilatildeo de seus dogmas e de sua feacute em um uacutenico Deus
O inverso de querer manter-se impetrado em uma moral regida por dogmas
transcendentesabsolutos imprime a pergunta ―Por que haacute alguma coisa em vez
de nada (COMTE-SPONVILLE 2011a p 23) Para essa pergunta natildeo existe
uma resposta empiacuterica e de loacutegica e de qualquer forma nunca saberemos se de
fato haacute uma resposta O cristatildeo supotildee haver algo em oposiccedilatildeo ao nada Jaacute o
ateu contra o discurso de um criador do mundo e do universo e natildeo favoraacutevel ao
discurso de que a vida soacute tem sentido ao crer em uma divindade apostaraacute no
nada ―O ateu natildeo tem uma ideia suficientemente elevada do mundo da
humanidade e de si mesmo para julgar verossiacutemil que um deus tenha podido cria-
los (COMTE-SPONVILLE 2011b p 64)
Uma vez que pensar Deus eacute pensa-lo existente de alguma maneira a
questatildeo Deus existe radicalmente se torna nula ndash jaacute que natildeo se pode provar
aquilo que por pensamento jaacute existe na imaginaccedilatildeo O cristianismo por toda a
histoacuteria elaborou inuacutemeras provas para se chegar agravequilo que jaacute crecirc que Deus
existe Fez isso porque sabia que toda afirmaccedilatildeo positiva traz consigo a
possibilidade de sua afirmaccedilatildeo negativa e se houve quem acreditasse
positivamente na existecircncia de Deus houve tambeacutem quem natildeo acreditasse
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Nesse vieacutes o ateiacutesmo natildeo eacute um objeto sem crenccedila O ateiacutesmo tambeacutem crecirc
em algo mas sua crenccedila eacute sempre negativa pois ―se alimenta do vazio de seu
objeto (COMTE-SPONVILLE 2011a p 89) Aqui eacute preciso explicar o ateiacutesmo
positivo e o ateiacutesmo negativo o primeiro acredita que Deus natildeo existe e o
segundo natildeo acredita em Deus o segundo nega Deus e o primeiro fala da
ausecircncia dele podendo assemelhar-se ao agnosticismo (Cf BAGGINI 2016)
Assim o ateiacutesmo fiel que Sponville apresenta (ateiacutesmo negativo pois nega
a existecircncia de Deus) se assenta sobre trecircs pilares elementares em oposiccedilatildeo agraves
concepccedilotildees da crenccedila religiosa cristatilde a comunhatildeo a fidelidade e o amor ndash sobre
o terceiro pilar falaremos mais abaixo ndash em oposiccedilatildeo entre a crenccedila e a feacute o que
reformula a realidadeidealidade para o amor
Partindo da definiccedilatildeo de religiatildeo (latim religio verbo religare) que Sponville
busca compreender o que de fato ―liga as pessoas umas agraves outras o que as liga
a ponto de ser um corpo social Sua proposta eacute natildeo esvaziar o conceito de
religiatildeo atribuindo a ele o significado de liame ou seja que todo liame eacute religioso
tem um sentido religioso Isto aponta para o fato de que toda experiecircncia humana
parte dessa suposiccedilatildeo a saber que a religiatildeo eacute quem vincula as pessoas
horizontal e verticalmente isto por causa do Deus cristatildeo ndash o sentido maacuteximo da
religiatildeo cristatilde ocidental
A partir da fenomenologia a experiecircncia humana eacute vista de outra
perspectiva Sponville iraacute afirmar que o que ligou os povos primitivos e o que liga
as sociedades modernas natildeo eacute Deus ―eacute o fato de que eles comungam a mesma
feacute (COMTE-SPONVILLE 2016 p 23) No entanto para partilhar a mesma feacute ou
sentimento religioso eacute preciso tambeacutem entender aquilo que Durkheim propocircs ou
seja
[] as tendecircncias sociais cujas origens estavam na natureza humana De fato todas as pessoas tecircm o que se poderia chamar de uma afinidade natural por seus iguais que se manifestou desde que vaacuterios homens passaram a viver juntos isto eacute desde os primeiros dias da humanidade O que os uniu natildeo era como se afirma com frequecircncia relaccedilotildees de sangue mas semelhanccedilas de liacutengua haacutebitos e costumes [] A afinidade entre iguais eacute assim a forma mais antiga de inclinaccedilatildeo social [] Encontrou contudo um aliado poderoso nos sentimentos religiosos (DURKHEIM 2016 pp 54-55)
O que Durkheim chama de afinidade entre iguais Comte-Sponville chama
de comunhatildeo isto eacute ―compartilhar sem dividir (COMTE-SPONVILLE 2016 p
23) Assim o que nos amarra seja em uma cultura ou civilizaccedilatildeo qualquer meio
de envolvimento pessoal eacute o sentimento de pertenccedila que temos em relaccedilatildeo
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agravequilo que nos agrega uma feacute um texto uma personalidade deuses etc em
comum Eacute assim que Sponville afirma que uma sociedade pode viver sem crenccedila
mas natildeo sem comunhatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 20-27)
Buscando em Ciacutecero outro sentido para religiatildeo (religio vem de relegere ndash
―recolher reler) sua segunda afirmativa sustenta que uma sociedade pode viver
sem feacute mas natildeo sem fidelidade (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 27-32) Isto
implica dizer que religiatildeo eacute aquilo que recolhe e relecirc os textos os mitos as leis ou
qualquer escrito apontado como sagrado O que Sponville chama de fidelidade se
atrela ao que ele reconhece por comunhatildeo natildeo pode haver comunhatildeo partilha
por igual sem que haja primeiramente um recolher do ensino ou a releitura de
uma tradiccedilatildeo para que seja afirmada dela sua fidelidade
Por isso a importacircncia da tradiccedilatildeo cristatilde a releitura hodierna dessa
tradiccedilatildeo transmitida dos costumes do conjunto de valores morais e espirituais
etc possibilita guardar aquilo que resta do passado do que necessitamos para
termos uma histoacuteria onde nos apoiar e (nos) fiarmos nossa humanidade A
fidelidade eacute portanto ―o que resta da feacute quando a perdemos (COMTE-
SPONVILLE 2016 p 29) Diferentemente da feacute a fidelidade eacute o apego o
comprometimento e o reconhecimento dos valores da histoacuteria da comunidade
Nessa loacutegica aqueles que natildeo tecircm feacute ou natildeo reconhecem que os valores
morais advecircm do Deus cristatildeo na foacutermula feacute + fidelidade = piedade reconhecem
entretanto ―a grandeza humana desses valores sua importacircncia sua
necessidade a fragilidade sua urgecircncia [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 30)
A foacutermula seria uma fidelidade destituiacuteda de feacute = impiedade ou seja a ausecircncia
da feacute em nada muda a responsabilidade humana em relaccedilatildeo a tudo o que foi
construiacutedo na histoacuteria Ao contraacuterio de muitas acusaccedilotildees contra o ateiacutesmo a
impiedade neste caso natildeo desembocaria no niilismo o niilismo eacute quando existe
a ausecircncia da fidelidade e da feacute sobrando um grande nada (COMTE-
SPONVILLE 2016)
O ateiacutesmo cristatildeo parece-nos como exposto amplia a visatildeo acerca do
mundo em que natildeo buscam construir ou levantar um impeacuterio religioso como se
apresentam as religiotildees monoteiacutestas e suas derivaccedilotildees A espiritualidade ateia de
fidelidade e comunhatildeo invoca muito mais a uma holiacutestica onde a duacutevida
relacionada ao misteacuterio da vida e do existir leva ao querer ndash o querer explorar a
potencialidade dos misteacuterios existenciais sem pretensotildees de esgotamento Dito
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de outra forma o ateiacutesmo cristatildeo acredita que a complexidade da vida como um
todo eacute um oceano de novos conhecimentos que na medida em que se
experimenta e adquire novas realidades as novas oportunidades e fronteiras satildeo
abertas ao ser humano
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ldquomorte do Deusrdquo via teologia
cristatilde
―Qualquer perspectiva que se apresente como ―ateiacutesmo cristatildeo jaacute eacute por si
soacute estranha [] apontam os teoacutelogos acerca do ―movimento teoloacutegico mais
radical do seacuteculo XX ou seja o movimento ―teologia da morte de Deus (MILLER
amp GRENZ 2011 p 97) No entanto os teoacutelogos cristatildeos de tradiccedilatildeo natildeo
imaginavam ndash e natildeo imaginam ateacute hoje ndash o quatildeo possiacutevel foi (e eacute) de dentro da
proacutepria tradiccedilatildeo o rompimento com o tradicionalismo do conceito de Deus e
fomentar uma nova teologia radical
O ateiacutesmo cristatildeo configura-se do ponto de vista da teologia como o
movimento da morte de Deus gerado no seio da teologia secular e com a
pretensatildeo de expulsar o Deus absoluto para fora do mundo dos homens Com os
tumultos da deacutecada de 60 passados a teologia da morte de Deus significou
muitas coisas desde a sentenccedila de uma derradeira queda da cultura cristatilde e a
objetificaccedilatildeo da figura do Deus da tradiccedilatildeo cristatilde na cultura Ocidental ateacute mesmo
da impossibilidade de experimentar o mundo como um mundo de Deus ndash sua
criaccedilatildeo da perda de Deus desde sua encarnaccedilatildeo na pessoa do homem Jesus o
processo da kenosis (esvaziamento) ateacute a suspensatildeo de toda transcendecircncia
divina para uma imanecircncia liberta da ideia metafiacutesica ndash o que configura uma troca
Jesus o homem sustecircm o lugar de Deus
Dito de forma sinteacutetica e simploriamente resumida a teologia da morte de
Deus e seus representantes tinham como prioridade parece-nos principalmente
tendo em vista todo ocorrido do seacuteculo XX responsabilizar o homem por cada
dor sofrimento e tambeacutem gesto de amor que transcorre sua mundanidade
―Deus morrer eacute para os teoacutelogos dessa visatildeo uma forma de natildeo isentar a todos
das barbaridades que ocasionaram agrave humanidade
Claramente influenciada pela filosofia ateiacutesta nietzschiana (mas natildeo
somente) a teologia da morte de Deus traz luz via os aforismos do filoacutesofo na
conduccedilatildeo contraacuteria a autoridade e a tradiccedilatildeo de Deus com uma nova retoacuterica de
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insurreiccedilatildeo natildeo mais eacute Deus quem se assenta no trono do Universo e tudo
governa mas o proacuteprio homem eacute quem toma as reacutedeas da histoacuteria e tudo iraacute
guiar Teologicamente Deus estava morto no sentido de sua irrelevacircncia como
ideia tradicional advinda dos seacuteculos anteriores em uma cultura que natildeo o deseja
mais
Dois teoacutelogos provenientes da tradiccedilatildeo cristatilde se destacaram como
propagadores dessa teologia Willian Hamilton e Thomas Altizer Ambos se
complementam em suas anaacutelises referentes agrave morte de Deus pois reconhecem
agraves profundas mudanccedilas acontecidas na cultura e na sociedade principalmente o
―evento histoacuterico-cultural da morte de Deus [] (GIBELLINI 2002 p 144)
O que para noacutes eacute importante destacar da teologia de Hamilton eacute a
alteraccedilatildeo que ele propotildee da feacute em amor da teologia em eacutetica da
responsabilidade ―que se orienta para a figura de Jesus que indica ―um lugar
onde ficar (GIBELLINI 2002 p 144) Haacute certo foco na exemplaridade e na
figura de Jesus A teologia de Altizer radicalmente focada na encarnaccedilatildeo de
Jesus o verbo que se fez carnelsquo como doutrina central infere que o Deus
transcendente morre em sua transcendecircncia por esvaziar-se se tornando carne
(lhe conferindo uma transcendecircncia vazia) ndash o que concretiza a passagem da
realidade transcendente para a realidade imanente Essa inversatildeo ocasionada na
figura de Jesus torna-se um evento histoacuterico que se move para dentro da histoacuteria
como num processo progressivo acontecendo ateacute hoje Como uma nova teologia
que pressupotildee a morte de Deus na cultura juntamente com seu esvaziamento
tornou-se um dado fenomenoloacutegico que exige atualmente reformas na maneira
de pensar a teologia que a Igreja sempre compreendeu trazendo essa novidade
para o tempo moderno (GIBELLINI 2002)
Sendo assim a teologia da morte de Deus natildeo prescreve a impossibilidade
de se crer em Deus pois para aqueles que creem sempre seraacute possiacutevel crecirc-lo A
questatildeo em torno do assunto se daacute em que a laicizaccedilatildeo e a secularizaccedilatildeo ndash
advindos dos projetos humaniacutesticos desde a Renascenccedila o Iluminismo seacuteculo
XVIII ateacute XX ndash supotildee uma ―descristianizaccedilatildeo da cultura tornando a crenccedila uma
manifestaccedilatildeo privada Isto eacute ―como dizem os socioacutelogos continuamos podendo
individualmente acreditar em Deus natildeo podemos mais socialmente comungar
nele (COMTE-SPONVILLE 2005 p 36)
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A preocupaccedilatildeo do ateu fiel eacute que com a morte de Deus no acircmbito social
as igrejas se esvaziando e os supermercados se entupindo de consumidores as
pessoas tomem consciecircncia a ponto de responder a velha pergunta ―o que devo
fazer Se a cultura estaacute sendo descristianizada portanto a religiatildeo e todo seu
credo perdendo sua forccedila moralizante mais do que tudo ―a questatildeo moral retorna
ao primeiro plano (COMTE-SPONVILLE 2005 p 41)
23 - Uma resposta possiacutevel
A pergunta ―Eacute possiacutevel algueacutem dizer-se ateu cristatildeordquo tem como resposta
a partir do caminho exposto por Comte-Sponville uma confirmaccedilatildeo positiva A
justificativa se encontra no valor (gr axios) que damos a histoacuteria humana aos
valores que ela produziu e permite que progressivamente seja atualizado e
transmitido agraves geraccedilotildees Principalmente porque esse valor dado agrave histoacuteria
humana eacute a resposta configura-se saber o que eacute o homem para que este seja
denominado homem sua essecircncia (humanismo teoacuterico) ou sua histoacuteria O anti-
humanismo teoacuterico que Sponville apoia responde que
[] eacute a histoacuteria ao mesmo tempo natural (homonizaccedilatildeo) e cultural (humanizaccedilatildeo) em outras palavras que o homem natildeo eacute primeiramente princiacutepio mas sim resultado ou o que daacute na mesma que ele soacute eacute humano na medida em que se torna humano [] O anti-humanismo teoacuterico natildeo eacute um imoralismo pensar o homem em sua verdade (em sua histoacuteria) eacute pensar a moral em sua urgecircncia (COMTE-SPONVILLE 2008 p 268-269)
O ateiacutesmo cristatildeo acredita que uma resposta possiacutevel agrave histoacuteria visando
um futuro melhor a toda humanidade eacute uma resposta possiacutevel na histoacuteria Ou
seja fundamenta-se na fidelidade e na comunhatildeo que perpassa nosso
compromisso e responsabilidade O passado natildeo eacute uma taacutebula rasa uma folha
em branco ndash um tempo memorial vazio de sentido e de materialidade em que
seria preciso hoje inventarmos novos valores Reconhecer o passado toda sua
memoacuteria e narrativa eacute a oportunidade individual e coletiva de ―inventar ou de
reinventar uma nova fidelidade aos valores que recebemos e que temos o
encargo de transmitir Eacute como uma diacutevida em relaccedilatildeo ao passado que soacute
poderiacuteamos saldar investindo no futuro [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 34)
Logo somos humanos porque assim nos tornamos somos histoacuteria porque assim
nos construiacutemos humanidade histoacuterica
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A preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo seja ela de paz ou de guerras eacute o uacutenico
testamento que temos para reescrevermos um novo futuro Os valores que foram
transmitidos do nosso passado tais como a liberdade a justiccedila a igualdade a
fraternidade por exemplo valem porque de fato haacute um valor Natildeo precisamos
alterar o fato de valerem agrave dignidade humana mas necessitamos fidelizar esses
valores para que possamos comungar e interagir humanamente tendo como
base aquilo que jaacute tecircm valor
Marcel Conche afirma em seu livro que de todas as culturas haacute uma
moralmente superior ―[] a greco-cristatilde eacute superior a qualquer outra porque foi no
solo greco-cristatildeo que se reconheceram e afirmaram pela primeira vez a
igualdade de direito de todos os homens e os direitos universais do homem
Sustenta implicitamente que um Estado que enxerga respeita e pratica como
primazia os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e agrave sua
personalidade de certa forma encontra nisso um ―ideal de universalidade
utilizando esse ideal como crivo para perceber e distinguir em todos os outros
meios (Estados) os que natildeo compartilham desses direitos (CONCHE 2006 p
XIII)
O cristianismo legou valor imenso agrave poacutes-modernidade Uma vez que a
pluralidade e os ecumenismos inter-religiosos crescem evidencia-se no Ocidente
a afirmativa de que natildeo mais haacute uma supremacia cristatilde Assim sendo eacute preciso
repensar e reinventar fidelidade a valores que a tradiccedilatildeo cristatilde produziu em
milecircnios de histoacuteria Por ser considerado a religiatildeo do amor (COMTE-
SPONVILLE 2011b) o cristianismo precisa ser peneirado para que aquilo que eacute
amaacutevel permaneccedila o que eacute suspeito seja desconsiderado por completo
3 QUE MORALIDADE
Para respondermos a essa pergunta eacute necessaacuterio investigarmos o objeto
do ateiacutesmo cristatildeo ou seja Jesus prescrevendo qual a importacircncia dessa
personagem dos Evangelhos biacuteblico e porque ele Antes eacute preciso reafirma que o
ateiacutesmo eacute uma moral e portanto o olhar do ateiacutesmo cristatildeo para Jesus restringe-
se a um olhar moral em busca daquilo que em Jesus pode ser abrilhantado mais
do que ofuscado
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Antes ainda eacute preciso distinguir como os conceitos de moral e eacutetica se
conciliam para entatildeo justificarmos o porquecirc do ateiacutesmo cristatildeo sugerir alsquo moral
aliada alsquo eacutetica e natildeo umalsquo eacutetica que prescreva balizas exteriores e umalsquo moral
que se valha de um ser transcendente e de suas exigecircncias
Todos jaacute ouvimos que a moral eacute reconhecida como a doutrina do dever e
tambeacutem estamos informados de que a eacutetica eacute a doutrina da sabedoria A moral
dirige-se agrave virtude que tem como finalidade a santidade jaacute a eacutetica tende para a
felicidade e tem como apogeu a sabedoria A moral lida com os deveres a eacutetica
com o prazer Sponville versa que ambas as normatividades satildeo ―diferentes em
seus princiacutepios e em ―suas finalidades mas que ―se unem no que concerne as
relaccedilotildees interpessoais em suas aplicaccedilotildees Assim
[] o que chamamos de moral e eacutetica satildeo na verdade duas vias de acesso que conduzem a esse mesmo objetivo vias diferentes decerto mas convergentes jaacute que conduzem pela obediecircncia (no caso da moral) ou pela razatildeo (no caso da eacutetica) a uma salvaccedilatildeo comum ou em todo caso a uma vida mais feliz e mais humana (COMTE-SPONVILLE 2008 p 256)
Ao buscar a eacutetica dentre as eacuteticas e a moral dentre as morais o ateiacutesmo
cristatildeo estaacute apenas tentando evidenciar aquilo que Conche torna explicito ou
seja que a minha moral natildeo pode estar fundamentada em minha religiatildeo ou em
minha filosofia pois ela seraacute contestada por outras religiotildees e outras inuacutemeras
filosofias e a todo arcabouccedilo moral que elas contecircm A evidecircncia estaacute em que
seja uma moral ou uma eacutetica particular de um grupo religioso ou de certo filoacutesofo
essa seraacute sempre contestada em detrimento de outra e vice-versa (Cf CONCHE
2006)
Podemos entender sucintamente a eacutetica como uma consciecircncia vasta
espaccedilosa que estaacute agrave procura de responder a pergunta ―como viver e portanto
eacute necessaacuterio incluir na resposta dessa pergunta todos os deveres cabiacuteveis a um
estilo de vida que tambeacutem busca a resposta acerca do ―que devo fazer Quer
dizer o que faccedilo (moral) natildeo responde como eu vivo (eacutetica) mas como eu vivo
ou penso em viver definiraacute aquilo que faccedilo ou como pretendo agir Por esse
prisma a eacutetica aparece como fundamento da moral em que a moral ―eacute apenas
um desejo que se toma por um absoluto que se toma como um fundamento
proacuteprio (COMTE-SPONVILLE 2008)
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Assim a eacutetica eacute um trabalho um processo um caminhar eacute o caminho pensado de viver na medida em que tende para a vida boa como diziam os gregos ou para a menos ruim possiacutevel e eacute essa a uacutenica sabedoria verdadeira (COMTE-SPONVILLE 2011b p 220)
Sendo a eacutetica como um espaccedilo amplo e abrangente feita de desejos
pessoais pensados e hierarquizados pelo conhecimento e pelas opccedilotildees ndash
portanto valores relativos pois sempre particulares (seja individual ou de um
grupo) ndash tende a transformar-se em um discurso normativo poreacutem natildeo
imperativo sempre respondendo aos opostos bomlsquo e ruimlsquo ndash imanente agrave
humanidade A moral posse da eacutetica revela-se como um discurso normativo e
imperativo resultado da oposiccedilatildeo dos valores absolutos ou transcendentes de
Bemlsquo e do Mallsquo (Cf COMTE-SPONVILLE 2008 p 262)
A moral o conjunto dos nossos deveres se transforma em accedilotildees ndash essas
que dizem respeito a um modo de ser e estar sendo no mundo de forma
consciente no tempo presente Mas vale lembrar que o valor moral natildeo estaacute
propriamente nas accedilotildees e no fim desejado por tal agir O valor de um dever eacute
intriacutenseco ao proacuteprio dever isto eacute qualquer ato em cumprimento do dever soacute tem
valor se o mesmo for desinteressado independente do resultado da accedilatildeo Por
isso a moral verdadeira natildeo age ―de acordo com o dever mas sim ―por dever
seria uma accedilatildeo em prol e por aquilo que nos eacute comum e de valor (humanidade) e
tambeacutem em benefiacutecio do que eacute diferente de nossa humanidade (outras espeacutecies
e a natureza por exemplo)
Comte-Sponville (2008 pp 398-399) nos lembra de que Kant jaacute dizia que a
moral ―natildeo tem menor necessidade da religiatildeo pois ―ela basta a si mesmo ndash por
isso o direito de a moral ser laica Ela diz respeito a homens e mulheres muito
mais que agraves instituiccedilotildees o que denota que toda liberdade e autonomia que dela
proveacutem a noacutes eacute relativa natildeo alterando seu aspecto ―absoluto praacutetico ao nosso
sentimento Esse sentimento que temos em relaccedilatildeo a moral sentimento de
grandeza e submissatildeo e a necessidade que temos de agir conforme sua
legislaccedilatildeo eacute porque ―toda moral eacute histoacuterica ndash daiacute o valor do passado e da
tradiccedilatildeo
A liberdade e autonomia diante de uma lei moral tem a ver com a nossa
vontade pois apenas o conhecimento da lei natildeo basta para a accedilatildeo moral
Precisamos deseja-la e quere-la em noacutes Uma vez que sou autocircnomo e livre para
viver diante de uma legislaccedilatildeo proacutepria jaacute natildeo dou valor agrave lei moral pelo que
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conheccedilo dela historicamente vivo moralmente e ajo conforme sou porque ela estaacute
vinculada aos meus desejos de vecirc-la universalmente em accedilatildeo O que estamos
tentando explicar eacute que agir conforme os deveres natildeo substitui a finalidade de
onde queremos chegar ou melhor na eacutetica do amor De acordo com o dever eacute
nos dito que devemos amar mas necessitamos de uma eacutetica do amor
simplesmente porque sempre agimos contraacuterio a essa consciecircncia de dever
A busca por uma eacutetica individual mas universalizante que seja primeira e
baliza aos nossos deveres ndash porque eacute pura consciecircncia ampla e abrangente ndash soacute
eacute possiacutevel quando agimos moralmente natildeo por amor agrave lei mas porque amamos o
amor que rege a lei Aqui jaacute deduzo que a eacutetica eacute uma eacutetica do amor isto eacute que
guia todos os nossos deveres mesmo que por amor precise confronta-los Uma
eacutetica do amor sempre iraacute questionar se nossos deveres compactuam com nossa
consciecircncia Esse jogo complexo eacute antigo mas sempre necessaacuterio
Trata-se de passar da moral agrave eacutetica do dever ao amor e eacute essa passagem cuja jubilosa espontaneidade cada um de noacutes experimenta um tanto mais um tanto menos assim como experimentamos tambeacutem nossas fadigas que o digam sua fragilidade e sua perpeacutetua incompletude (COMTE-SPONVILLE 2008 p 278)
Mas natildeo sejamos ingecircnuos Sponville nos alerta para o fato de que o amor
sempre faltaraacute a todos e por isso a necessidade da moral para exigir que
atuemos como se amassemos Somente assim poderemos experimentar os polos
de forma versaacutetil mas consciente
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-
Sponville
Resume-se na afirmativa ―Jesus natildeo era cristatildeo (COMTE-SPONVILLE
2011b p 134) era apenas um judeu piedoso Sponville redescobre no Cristo dos
Evangelhos via filosofia uma ponte aos temas em comum temas que os grandes
filoacutesofos se debruccedilaram tais como a sabedoria do amor e da amizade que foram
assuntos cariacutessimos a filoacutesofos como Spinoza e Epicuro Essa identificaccedilatildeo com o
―conteuacutedo humano impresso nas letras e no ―espiacuterito dos Evangelhos eacute o que foi
a sua redenccedilatildeo para conciliar a filosofia com
[] a feacute de minha infacircncia ou melhor com a moral que lhe era solidaacuteria reconciliou-me comigo mesmo portanto com a crianccedila que havia sido que era ainda e sobretudo isso me levou de volta a Cristo ao menos a
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uma certa imagem que me fiz dele a de um homem livre e doce que preferia o amor ao poder e que por isso morreu de um modo atroz ignominioso numa cruz Eacute o contraacuterio do Deus todo-poderoso do Deus vingador jaacute natildeo eacute em absoluto um Deus e eacute o uacutenico que me emociona (COMTE-SPONVILLE 1997 pp 142-143)
Essa moral que Sponville redescobriu claramente foge do conceito de
Deus-transcendente idealizado pelo cristianismo Encontra em Jesus o dos
Evangelhos uma ideia mais elevada ndash porque humana ndash para forjar uma
espiritualidade baseada na compreensatildeo de sua mensagem de amor A
interpretaccedilatildeo do Cristo evangeacutelico para que possa fazer parte daquilo que temos
chamado de ateiacutesmo cristatildeo eacute refinado a um olhar liberto da religiatildeo ou das
supersticcedilotildees da mesma
Sponville acredita de Jesus em sua mensagem aquilo que chama nossa
atenccedilatildeo para o essencial que o Reino de Deus jaacute havia comeccedilado e estava no
meio de noacutes eraeacute tatildeo presente que poderia ser assimilado no aqui e no agora
Tal afirmaccedilatildeo seria um chamado universal ao Reino do Amor
[] esse eacute o Cristo a quem amo aquele que criei pouco a pouco para mim aquele que me acompanha o uacutenico a me esclarecer [] Eacute pois o Cristo de todo o mundo ndash o Preseacutepio o Calvaacuterio ndash o dos mitos e das lendas o uacutenico que conhecemos no fundo o uacutenico que importa mas liberto da religiatildeo mas natildeo prometendo nada mais do que tudo ele tambeacutem ndash como os gregos como os verdadeiros mestres ndash e natildeo outro reino aleacutem deste mesmo onde jaacute estamos (COMTE-SPONVILLE 1997 p 143)
Para tanto o que o ateiacutesmo cristatildeo propotildee agravequeles que assim desejam eacute
um Cristo inventado mas que natildeo deixa de ser percebido e visto e encontrado
nas letras dos Evangelhos Seria o Cristo heterodoxo que contraria tanto os
padrotildees sociais vigentes quanto as doutrinasideologias tradicionalmente
assimiladas e admitidas Ele seria um anticonformista porque hereacutetico se
apresentaria aos olhos daqueles que seguem acriticamente o padratildeo
normatizado Seria o homem a divulgar a grande revelaccedilatildeo a todos os ouvintes no
Evangelho de Lucas
Tendo-lhe os fariseus perguntado quando viria o Reino de Deus ele lhes respondeu O Reino de Deus natildeo vem como um fato observaacutevel Natildeo se diraacute Aqui estaacutelsquo ou Laacute estaacutelsquo Pois o Reino de Deus estaacute em voacuteslsquo (entos humocircn) ou entre voacuteslsquo ou no meio de voacuteslsquo [] ou talvez melhor ainda e como dizia o Evangelho de Tomeacute o Reino de Deus estaacute ao mesmo tempo ―em voacutes e fora de voacutes (COMTE-SPONVILLE 1997 p 144)
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Isto faz surgir para Comte-Sponville a pergunta ―Se o Reino estaacute em noacutes
e se estamos no Reino para que serve a feacute e a esperanccedila seguida de
resposta ―Natildeo se deve crer em mais nada deve-se conhecer tudo Natildeo se deve
ter esperanccedila em mais nada deve-se amar tudo (COMTE-SPONVILLE 1997 p
144)
Eacute uma negaccedilatildeo por completa da feacute e da esperanccedila cristatilde uma vez que em
Jesus natildeo houve feacute e nem esperanccedila houve a praacutetica do amor que jaacute estava nele
e fora dele Imitar a Cristo nesse caso eacute compreender que as atitudes de Jesus
estavam esvaziadas de feacute e esperanccedila ndash havia sim manifestaccedilatildeo perfeita do
amor Ser fiel a Jesus seria portanto ―imitar sua visatildeo e sua compreensatildeo na
medida em que sejamos capazes [] eacute em todo caso imitar seu amor
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 63) Isso porque se natildeo haacute o que crer e nem
existe o que esperar ―natildeo haacute outra salvaccedilatildeo senatildeo viver natildeo haacute outra salvaccedilatildeo
senatildeo amar o Reino eacute aqui na terra a eternidade eacute agora (COMTE-SPONVILLE
1997 pp 144- 145)
Como jaacute dito supra noacutes natildeo amamos como deveriacuteamos porque o amor nos
falta quase sempre E tambeacutem natildeo somos Jesus Cristo A sugestatildeo de Sponville
eacute ―[] mas podemos ndash qualquer que seja aliaacutes sua realidade histoacuterica ndash nos
aproximar do modelo que ele propotildee (COMTE-SPONVILLE 2008 p 277) A
proposta parece ser maior do que pensamos porque eacute maior do que podemos ela
excede em princiacutepio nossa capacidade de apenas amar os amigos os proacuteximos
a noacutes e aquilo que nos falta (gr philia erocircs) A mensagem evangeacutelica nos pede
para amar o proacuteximo o inimigo o indiferente isto eacute aquele que natildeo oferece
razatildeo e nenhum atrativo para que nos dediquemos e lhe demos a preferecircncia
Como amar os que nos perseguem Os que fazem mal a noacutes Aqueles
que natildeo nos alegram e nos prejudicam Somos capazes de tal amor A esse
amor conservou-se o nome de amor universal ―Agapeacute eacute o amor divino se Deus
existe e mais ainda talvez se Deus natildeo existe (COMTE-SPONVILLE 1996 p
291) Esse amor que nos falta eacute tatildeo parte de noacutes pelo simples fato de a noacutes faltar
e mesmo que ele venha a noacutes em forma de pranto ndash o choro pelo injusticcedilado pelo
abatido pela falta de alegria e riso pela falta de beleza etc ndash aiacute estaacute o porquecirc
devemos buscaacute-lo como a virtude excelente agravequela que pelos passos vagarosos
que damos em prol da justiccedila igualdade e liberdade pelos direitos humanos
apareceraacute (em medida) como o sol em pleno vigor
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Esse legado do amor de Jesus o modelo de judeu fiel de Cristo
heterodoxo que ressoou a toda tradiccedilatildeo cristatilde e filosoacutefica eacute o motivo pelo qual
Sponville alicerccedilou sua filosofia e ateiacutesmo
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor
Reler o cristianismo eacute revecirc-lo em aprimoramento Se por religiatildeo o ateiacutesmo
cristatildeo redefiniu em fidelidade e comunhatildeolsquo ao inveacutes de esperanccedila e feacutelsquo assim
ao propor outra religiatildeo o amor seria o que uniria a todos e tambeacutem o que nos
tornaria fieacuteis agravequilo que importa e o que importa eacute que somos humanidade Uma
eacutetica do amor portanto uma sabedoria que vise enxergar os dias atuais exige a
releitura do conceito de humanidade tanto quanto de amor requerendo o apoio
daquilo que recebemos do passado
Outra religiatildeo do amor se colocaria de forma mais especiacutefica para que natildeo
seja confundida como uma nova espiritualidade A espiritualidade eacute uma maneira
(e haacute outras) de se viver a religiatildeo Espiritualidade eacute a ―vida do espiacuterito isto eacute a
vida do conhecimento e da accedilatildeo Ela natildeo faz parte exclusiva das Igrejas ou de
quaisquer Instituiccedilotildees que queiram fixaacute-la uacutenica ―a espiritualidade eacute uma
dimensatildeo da condiccedilatildeo humana (COMTE-SPONVILLE 2011b p 208) Essa nova
espiritualidade ou novo caminho seria a chave interpretativa para essa nova
Religiatildeo do Amor que como posto natildeo se pretende religiatildeo como as religiotildees
monoteiacutestas
A antiga religiatildeo do amor diz que ―Deus eacute amor e que o amor eacute Deus
confundindo a eacutetica com a religiatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2005 p 214) A
nova Religiatildeo do Amor por natildeo crer em Deus e entender o amor como
possibilidade unicamente da condiccedilatildeo humana diraacute que eacute preciso amar (de forma
limitada fraca e mortal) mediante a condiccedilatildeo que nos foi ensinada ndash pois nunca eacute
tarde para aprender sobre o amor e a amar O amor por ser accedilatildeo humana eacute
como a moral relativa em que ―cada um de noacutes soacute a encontra em si na medida
em que a recebeu (COMTE-SPONVILLE 2016 p 31)
[] o conjunto do que um indiviacuteduo se impotildee ou proiacutebe a si mesmo natildeo para antes de mais nada aumentar sua felicidade ou seu bem-estar proacuteprios o que natildeo passaria de egoiacutesmo mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro mas para natildeo ser um canalha mas para permanecer fiel a certa ideia de humanidade e de si (COMTE-SPONVILLE 2011a p 20)
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Uma vez que o amor tambeacutem eacute parte de uma eacutetica ideal ele se torna
superior e mais elevado que a feacute que a esperanccedila e a proacutepria moral A procura
sincera de um ateu fiel diante dessa verdade seraacute encontrar uma conexatildeo e um
ponto em comum com a antiga religiatildeo do amor no esforccedilo por compreender o
que as aproxima mais do que as afasta ndash para poder tomar parte juntamente na
grande arte do viver e construccedilatildeo da vida comunitaacuteria
Crentes e natildeo crentes estamos separados aqui apenas pelo que ignoramos Isso natildeo anula nossas discordacircncias mas relativiza seu alcance Seria loucura dar mais importacircncia ao que ignoramos ao que nos separa do que ao que sabemos tatildeo bem por experiecircncia e de coraccedilatildeo e que nos aproxima o que constitui o valor de uma vida humana natildeo eacute a feacute natildeo eacute a esperanccedila eacute a quantidade de amor de compaixatildeo e de justiccedila de que somos capazes (COMTE-SPONVILLE 2016 p 59)
Eacute por essa aproximaccedilatildeo pela via do amor que somos capazes a grande
virtude que se poderaacute democratizar os espaccedilos mundanos como espaccedilos de
fidelidade pois o amor une O amor seria nessa perspectiva o proacuteprio espaccedilo
de fidelidade e comunhatildeo que geraria a alegria tambeacutem o espaccedilo da verdade
alcanccedilaacutevel pois o amor seria universal e tambeacutem o espaccedilo de sabedoria pois o
amor seria o uacutenico caminho a ser seguido e priorizado (COMTE-SPONVILLE
2016)
Entendido de outra maneira o amor seria a lente para o novo olhar na
direccedilatildeo de tudo aquilo que jaz velho e imperceptiacutevel a nossa consciecircncia
Somente dessa forma diante da renovaccedilatildeo da consciecircncia e do olhar
passariacuteamos a uma nova percepccedilatildeo de tudo o que nos rodeia Isso requereria um
esvaziamento de toda nossa indiferenccedila quanto ao mundo agraves coisas e ao proacuteprio
ser humano Eacute como se voltaacutessemos a ver tudo como sendo ―bom sem a
ingenuidade e a ironia que a isso cabe Existir no mundo passaria a ser uma
existecircncia consciente do absurdo e tambeacutem consciente do quanto somos
capazes de em meio ao absurdo amarmos
Essa eacute a religiatildeo que segundo Sponville deveria ser elevada a religiatildeo do
amor No amor jaacute haacute toda espiritualidade de que nossa interioridade necessita
para saber-se e se reconhecer no mundo Isso posto o amor como espiritualidade
praacutetica natildeo vazia de sentido nos abre para a vida em comum e para uma
transcendecircncia do dia-a-dia ndash essa que eacute imanente e aberta a todo conhecimento
Tambeacutem uma abertura para a verticalidade do olhar para o alto que procura
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conscientizar-se acerca dos horizontes do mundo aquilaacute fora daquilo que nos
transcende porque nos transpassa
A religiatildeo do amor que produz nova espiritualidade e vice-versa portanto
estaacute sempre em busca de algo fora de si mesma A mateacuteria prima dessa religiatildeo eacute
o outro o mundo e seus arredores ou seja eacute o locallsquo onde o eulsquo se conecta com
o todo que flui e reflui reconstruindo novos laccedilos novos fundamentos (poreacutem
natildeo verdades incontestes) novas oportunidades dimensotildees e aprofundamentos
do conhecimento fundando uma razatildeo que eacute possiacutevel ao homem onde nosso
uacutenico dever eacute ser humano nossa uacutenica virtude eacute ser humano pois ningueacutem
poderaacute ser em meunosso lugar (COMTE-SPONVILLE 2011a)
Na religiatildeo do amor toda riqueza eacute encontrada fora de si mesmo como na
paraacutebola do tesouro e da peacuterola de grande valor
O Reino dos Ceacuteus eacute semelhante ao tesouro escondido no campo um homem o acha e torna a esconder e na sua alegria vai vende tudo o que possui e compra aquele campo O Reino do Ceacuteus eacute ainda semelhante ao negociante que anda em busca de peacuterolas finas Ao achar uma peacuterola de grande valor vai vende tudo o que possui e a compra (BIacuteBLIA Mateus 13 44-46 2011 p 1729)
Assim porque nos desfazemos de tudo o que temos para conseguir
adquirir o tesouro ou a peacuterola de maacuteximo valor da mesma forma podemos supor
que o amor eacute tudo o que queremos e depois saber que o amor eacute tudo o que
precisamos para sermos felizes
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Um olhar pessoal ao ateiacutesmo cristatildeo
A maioria dos cristatildeos ocidentais diraacute da impossibilidade de conceber o
ateiacutesmo cristatildeo A mesma impossibilidade que admitem haver no raciociacutenio de
uma espiritualidade ateia pode tambeacutem se encaixar a feacute cristatilde O fato de que
para pensar o Deus cristatildeo teria que ser necessaacuterio afirmar a possibilidade de
pensar a pura ideia de um uacutenico Deus e isso natildeo eacute possiacutevel revela o quatildeo
instaacutevel eacute a proacutepria feacute cristatilde ndash que sabe que natildeo se pode pensar Deus mas pensa
que eacute preciso pensa-lo e entatildeo formula as instabilidades de sua proacutepria feacute Isso eacute
o que chamo de contradiccedilotildees necessaacuterias pois satildeo por elas que a feacute continua a
ser pensada de tempos em tempos Satildeo essas contradiccedilotildees que tambeacutem
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asseguram novas possibilidades de entendimento acerca de conceitos caros a
histoacuteria do pensamento
Mesmo a feacute cristatilde milenar assim como qualquer outra feacute elas satildeo fontes
de ameaccedila agrave espiritualidade de qualquer pessoa Em todas elas existe
instabilidades contraditoacuterias desde sua essecircncia como um explosivo corrosivo A
pretensatildeo do ateiacutesmo cristatildeo a meu ver eacute expor tais instabilidades e afirmar a
contradiccedilatildeo das crenccedilas ndash mesmo aquela que o proacuteprio ateu propotildee Ter noccedilatildeo
disso eacute conhecer a diferenccedila entre ―feacute e ―saber pois o que confunde essas
categorias afirma Sponville ―eacute um imbecil e torna-se um ignorante da ignoracircncia
insuperaacutevel a existecircncia de Deus (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 p 72-73)
Dito isto qualquer religiatildeo de feacute ou mesmo o ateiacutesmo cristatildeo todos devem
ter como posicionamento a esfera da opiniatildeo sabendo que qualquer relaccedilatildeo de
toleracircncia e amor dependem de uma consciecircncia que se sabe insuficiente Se
entendermos o amor como um valor precioso agrave humanidade sem implicaccedilotildees
transcendentes chegaremos agrave conclusatildeo de que somos noacutes na medida em que
aprendermos a amar que transcenderemos ndash o que natildeo implica chamarmos a
noacutes de deuses
A regra da vida ou a norma do bem-viver pelo que tentamos expor supra
de Sponville eacute amar e amar como Jesus amou Que seja entatildeo atraveacutes da moral
essa ilusatildeo necessaacuteria para que possamos vagarosamente caminhar a um agir
por amor conscientes que podemos estar agindo por dever O ideal seria natildeo
necessitarmos de lei alguma por que amamos
Assim entendidos que a religiatildeo ―eacute um grande drama da relaccedilatildeo do
homem com os deuses (HARARI 2017 p 221) a espiritualidade que Sponville
apresenta estaacute fundamentada na busca humana a fim de encarar o grande
drama e desespero do homem consigo mesmo Muitos mestre da espiritualidade
podem ajudar nessa busca dramaacutetica da humanidade O ateiacutesmo cristatildeo
apresenta um em especial ndash especial pelo tipo de amor que apresentou e que
revolucionou as relaccedilotildees humanas Jesus o homem pois um Deuslsquo que natildeo
tenha se diminuiacutedo para se igualar aos seus nunca poderaacute dizer que lhes trouxe
libertaccedilatildeo
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAGGINI Julian Ateiacutesmo Uma breve introduccedilatildeo Satildeo Paulo LampPM Editores 2016 BIacuteBLIA de Jerusaleacutem Nova ediccedilatildeo revisada e ampliada Satildeo Paulo Editora Paulus 2011 COMTE-SPONVILLE Andreacute Pequeno tratado das grandes virtudes Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1996 COMTE-SPONVILLE Andreacute Bom dia anguacutestia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1997 COMTE-SPONVILLE Andreacute O capitalismo eacute moral Sobre algumas coisas ridiacuteculas e as tiranias de nosso tempo Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2005 COMTE-SPONVILLE Andreacute Valor e verdade Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2008 COMTE-SPONVILLE Andreacute Apresentaccedilatildeo da filosofia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011a COMTE-SPONVILLE Andreacute Dicionaacuterio filosoacutefico 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011b COMTE-SPONVILLE Andreacute O espiacuterito do ateiacutesmo introduccedilatildeo a uma espiritualidade sem Deus 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2016 CONCHE Marcel O fundamento da moral Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2006 DURKHEIM David Eacutemile Eacutetica e sociologia da moral Satildeo Paulo Martin Claret 2016 GIBELLINI Rosino A teologia do seacuteculo XX 2ordfed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 HARARI Yuval Noah Sapiens ndash uma breve histoacuteria da humanidade 28ordf ed Porto Alegre RS LampPM 2017 MILLER ED L amp GRENZ Stanley J Teologias contemporacircneas Satildeo Paulo Vida Nova 2011 MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
Autor ndash Me Rafael de Campos
Professor de Filosofia e Sociologia no Ensino Meacutedio Professor de Teologia e Religiatildeo em Seminaacuterio Teoloacutegico Especializando em Ciecircncia Poliacutetica pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar)
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Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciado em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP) E-mail elfaracamposhotmailcom
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ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO
CORPOacuteREA EM PAULO
RESUMO
Este presente artigo tem como objetivo demonstrar o elemento inovador
que o discurso da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em Paulo traz a partir do texto de
1Coriacutentios 1535-49 onde o apoacutestolo desenvolve e argumenta seu pensamento
escatoloacutegico acerca desta temaacutetica Para trilhar esse caminho este artigo propotildee
explanar alguns pontos metodoloacutegicos relevantes para o exerciacutecio exegeacutetico
desta narrativa paulina sob o respaldo dos referenciais teoacutericos ―A ressurreiccedilatildeo
do Filho de Deus e ―Paulo Novas Perspectivas de Wright A fim de desenvolver
esse pensamento e considerar os argumentos dentro dessa nova visatildeo teoloacutegica
da temaacutetica
Palavras-Chave Discurso Paulo Ressurreiccedilatildeo Corpoacutereo 1Coriacutentios 15
ABSTRACT
This article aims to demonstrate the innovative element that the discourse
of bodily resurrection in Paul brings from the text of 1 Corinthians 1535-49 where
the apostle develops and argues his eschatological thinking on this theme To
follow this path this article proposes to explain some methodological points
relevant to the exegetical exercise of this Pauline narrative supported by the
theoretical references ―The Resurrection of the Son of God and ―Paul New
perspectives by Wright In order to develop this thinking and consider the
arguments within this new theological view of the theme
Key-Words Discourse Paul Resurrection Corporeal 1Corinthians 15
autora Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Angelaaleixo72yahoocom
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INTRODUCcedilAtildeO
Considerada como doutrina central da teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea tem sua histoacuteria narrada em diferentes porccedilotildees biacuteblicas do Novo
Testamento Nos evangelhos canocircnicos Jesus anuncia sua morte e ressurreiccedilatildeo
sobre a afirmaccedilatildeo de que este eacute o plano de Deus Pai para com a humanidade
Em especial podemos ver entretecidas na teologia cristatilde mais antiga as cartas
paulinas que registram a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus Entendemos que estas
foram escritas por volta de duas deacutecadas apoacutes a morte de Cristo denotando assim
neste periacuteodo a firme crenccedila dos cristatildeos neste evento escatoloacutegico
Sobre a crenccedila de que a ressurreiccedilatildeo em princiacutepio tinha acontecido Paulo
exorta e instrui os seguidores de Jesus a reordenar suas vidas suas narrativas
seus siacutembolos e sua praacutexis para estarem em conformidade com o segmento
desta doutrina escatoloacutegica na poacutes-morte Neste sentido podemos dizer que os
ensinamentos de Paulo se tornaram um elemento chave da tradiccedilatildeo e da teologia
cristatilde Mais do que isso nosso pressuposto eacute de que a teologia paulina nos
fornece um desenvolvimento narrativo sobre a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea
Contudo num segundo olhar a esse discurso temaacutetico podemos levantar
um questionamento Que novidade este tema tatildeo debatido pode nos apresentar
Este ensaio exegeacutetico procuraraacute mostrar que a novidade norteadora desse
discurso paulino se concentra no uacutenico eixo narrativo a da tipologia corpoacuterea que
eacute alcanccedilado na poacutes-morte com a ressurreiccedilatildeo do corpo Ou seja a aceitaccedilatildeo na
crenccedila de que haveraacute no futuro escatoloacutegico um corpo glorioso e totalmente outro
Atraveacutes de uma nova abordagem ele desenvolve seu discurso temaacutetico a partir da
narrativa de 1Coriacutentios (153549)
Para tanto Paulo parte da descriccedilatildeo dos diferentes tipos de carnes de
animais de aves de peixes do sol da lua e das estrelas num evolutivo
pensamento Tendo como cerne discursivo o enunciado de que entre os corpos
tambeacutem haacute diferentes tipologias pois sua afirmativa eacute de que assim como existe o
corpo natural tambeacutem existe o corpo espiritual Desta forma neste texto Paulo
relata analogicamente o primeiro Adatildeo (corpo natural) em relaccedilatildeo ao segundo
Adatildeo Cristo (corpo espiritual) demonstrando que nele estaacute impliacutecito a memoacuteria
narrativa de Gn 1-3 cuja ecircnfase estaacute na criaccedilatildeo
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Assim este ensaio exegeacutetico de 1Cor (15 35-49) pretende analisar o
discurso paulino acerca da ressurreiccedilatildeo do corpo e verificar como ele discorreu
essa narrativa a conflitante comunidade de Corinto A fim de desenvolvermos este
ensaio utilizaremos alguns passos do meacutetodo histoacuterico-criacutetico como orientaccedilatildeo
todavia sem nos fixarmos nesta uacutenica metodologia54 Seguiremos com a anaacutelise
das caracteriacutesticas formais da periacutecope (delimitaccedilatildeo conteuacutedo literaacuterio e gecircnero
textual) e a finalizaccedilatildeo metodoloacutegica seraacute com um breve comentaacuterio quanto
articulaccedilatildeo do discurso paulino em todo capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO
35 Mas diraacute algueacutem Como ressuscitam os mortos E com que espeacutecie de
corpo vecircm 36 Insensato Tu o que semeias natildeo eacute vivificado se primeiro natildeo
morrer 37 E o que semeias natildeo semeia o corpo que tornaraacute mas (semeia) um
gratildeo nu como de trigo ou de outros gratildeos 38 Poreacutem Deus concede por si
mesmo o corpo conforme desejar e a cada uma das sementes (Ele) concede o
corpo proacuteprio dela 39 Nem toda carne (eacute) a mesma carne mas uma eacute a carne
dos homens outra eacute a carne de gados outra a carne de peixes e outras de aves
40 E (haacute) corpos celestes e corpos terrestres mas uma (eacute) a gloacuteria dos celestes
e outra (eacute) a gloacuteria dos terrestres 41 Uma eacute a gloacuteria do sol outra eacute a gloacuteria da
lua outra a gloacuteria das estrelas pois uma estrela difere em gloacuteria de outra estrela
42 Assim tambeacutem eacute a ressurreiccedilatildeo dos mortos O eacute semeado em corruptiacutebilidade
e ressuscitado em incorruptibilidade 43 Eacute semeado em desonra ressuscitado em
gloacuteria eacute semeado em fraqueza e ressuscitado em poder 44 Eacute semeado corpo
natural eacute ressuscitado corpo espiritual pois existe o corpo natural e existe o
corpo espiritual 45 Como tambeacutem estaacute escrito O primeiro homem Adatildeo tornou-
se alma vivente o uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante 46 Entretanto natildeo eacute
primeiro o espiritual mas o natural depois disso o espiritual 47 O primeiro
homem eacute proveniente de dentro da terra terreno o segundo homem eacute
proveniente de dentro do ceacuteu celestial 48 Tal como o terrestre (feito) do poacute
tambeacutem satildeo os terrenos e tal como (aquele) que eacute celestial tambeacutem satildeo os
54
A metodologia empregada seraacute a junccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico com a metodologia de ZABATIERO Julio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
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celestiais 49 E assim como trouxemos a imagem do terrestre traremos tambeacutem
a imagem do celeste55
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS
A anaacutelise das caracteriacutesticas formais de um texto eacute uma das bases para a
anaacutelise de conteuacutedos Trata-se de uma etapa fundamental para reunirmos
informaccedilotildees a respeito de suas caracteriacutesticas literaacuterias Assim para esta anaacutelise
desenvolveremos os seguintes passos delimitaccedilatildeo coesatildeo contexto literaacuterio
estruturaccedilatildeo da periacutecope gecircnero textual
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope
A delimitaccedilatildeo de um texto eacute fundamental para estabelecermos os limites
iniciais e finais a fim de reconhecermos a mensagem do texto de fazermos o
recorte textual correto Para isso esta anaacutelise levaraacute em consideraccedilatildeo a narrativa
de 1Coriacutentios (1535-49) como uma uacutenica periacutecope cuja segmentaccedilatildeo56 estaacute em
(35-38 39-44 45-49)
Num primeiro olhar da narrativa estes trecircs segmentos contidos nesta
periacutecope pode parecer desconexos quanto ao contexto integral Contudo ao
analisarmos o texto percebemos que eles se alternam entre si Esta eacute a proposta
da Biacuteblia de Jerusaleacutem (BJ) que demonstra em sua composiccedilatildeo uma estrutura na
qual cada estrofe salienta os temas tratados Assim entendemos que a junccedilatildeo
entre estes temas conjunccedilotildees e adveacuterbios contidos no texto satildeo as marcas
linguiacutesticas que melhor nos auxilia quanto agrave observaccedilatildeo de mudanccedilas nestas
narrativas
Observando o contexto literaacuterio anterior (vv29-34) notamos a mudanccedila de
assunto e de linguagem em relaccedilatildeo agrave narrativa dos versos (35-49) Isso porque a
linguagem desta periacutecope apresenta uma espeacutecie de parecircnteses ou seja uma
breve treacutegua apoacutes uma densa e complexa argumentaccedilatildeo sobre a ressurreiccedilatildeo
55
Um proacuteximo item metodoloacutegico nesta pesquisa seria a criacutetica textual Contudo ao averiguarmos este ponto constatamos que haacute vaacuterias variantes que natildeo apresentam nenhuma alteraccedilatildeo significativa na narrativa Por isso optamos em trabalhar por Nestle Alan descartando assim o exerciacutecio analiacutetico da mesma 56
―Segmentaccedilatildeo eacute um procedimento idecircntico ao da delimitaccedilatildeo mas restrito aos limites da proacutepria periacutecope utilizada aqui como passo metodoloacutegico por ZABATIERO J In Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007 p37
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um estilo entrecortado frases curtas raacutepidas mudanccedilas de tema Entendemos
que o assunto tratado aqui por Paulo exibe um foco mais antropoloacutegico De Cristo
ele passa a falar de si e dos perigos que constantemente enfrenta ao disseminar
sua teologia (v30)
Ele comeccedila seu discurso com duas perguntas sobre o batismo pelos
mortos (v29) Ambas principiadas pela conjunccedilatildeo ―se Ἐπεὶ como reflexatildeo da
questatildeo Segue falando de uma luta com feras em Egravefeso (v32) e concluiacute com
uma advertecircncia a comunidade O de natildeo se enganarem quanto agrave verdadeira
teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo dos mortos (vv33-4) evidenciado pelo verbo ―tornai
genomai tendo como fio condutor desta periacutecope o elo entre a vida presente e a
futura
A delimitaccedilatildeo desta periacutecope eacute uma questatildeo que varia entre os
pesquisadores Vejamos a posiccedilatildeo de alguns deles quanto a isso
Ao pesquisar esta questatildeo percebemos que grande parte dos
pesquisadores corroboram com a delimitaccedilatildeo semelhante agrave de Vouga que trata
do tema ―do corpo espiritual dos ressuscitados numa uacutenica narrativa sem
subdivisotildees (vv35-4957) Jaacute um grupo menor de pesquisadores nos apresenta
uma estrutura similar entre eles mas com alguns pontos divergentes Vejamos
algumas destas estruturas
De acordo com Konings a delimitaccedilatildeo deste texto segue a seguinte
estrutura ―Na respostas as perguntas (v35) Paulo recorre a algumas
comparaccedilotildees exemplificativas (vv36-41) manteacutem o tema da semeadura (vv42-
4) e discorre sobre os dois corpos (vv 45-958) Fitzmyer vai agrave outra vertente e
delimita o texto da seguinte forma ―A fim de dar respostas (v35) Paulo faz
analogias de sementes (vv36-41) e depois faz as aplicaccedilotildees destes
ensinamentos (vv 42-959)
Jaacute Wright ao delimitar esta narrativa a divide em dois blocos ―o primeiro
nos (vv 35-41) onde Paulo discorre sobre as diferenciaccedilotildees dos corpos
(terrestres e celestes) o segundo nos (vv42-9) elabora um contraste explicativo
57
VOUGA F MARGUERRAT Daniel (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 p 238 58
KONINGS J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 pp 368-9 59
JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa)
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sobre as duas espeacutecies de corpos60 culminando nas respostas as duas
perguntas lanccediladas no iniacutecio da narrativa (v35)
A narrativa de 35-49 compotildee a periacutecope central desta pesquisa e sua
anaacutelise seguiraacute a estrutura dos segmentos mencionados acima
Primeiro segmento de 35-8 No verso 35 o foco do discurso muda Apoacutes
ter discutido com a comunidade sobre a ressurreiccedilatildeo como fato Paulo agora se
volta agrave questatildeo da modalidade Iniciando o discurso pela conjunccedilatildeo ―mas Ἀλλὰ
Paulo agora pergunta pelo ―como e pela ―mecacircnica do processo da
ressurreiccedilatildeo cuja centralidade estaacute na questatildeo do corpo Paulo demonstra reagir
com dureza a estas questotildees (v36) e argumenta utilizando a analogia do gratildeo de
trigo (vv36-8)
Segundo segmento de 39-44 A partir do verso 39 o Apoacutestolo manteacutem a
temaacutetica mas dirige agora a atenccedilatildeo para criaccedilatildeo ou seja da semente das
plantas se volta para a carne Iniciando a narrativa com o adveacuterbio ―nem (οὐ) ele
passa a discursar sobre as diferentes espeacutecies criadas por Deus como os animais
domeacutesticos os paacutessaros e os peixes
Discorre tambeacutem sobre os ―corpos terrestres caracterizado pela palavra
grega σὰρξ sarx (vv39-43) e continua a narrativa em termos antropoloacutegicos
(v44) Evidencia os diferentes tipos de carne no intuito de ilustrar a diferenccedila do
corpo da ressurreiccedilatildeo na poacutes-morte Pois para Paulo a ressurreiccedilatildeo acarretaraacute
em uma metamorfose do corpo humano
Terceiro segmento de 45-9 Nestes versos Paulo atinge seu aacutepice
discursivo acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Utilizando o adveacuterbio Πῶρ (como) ele
agora discorre sobre a tipologia do primeiro homem Adatildeo e do uacuteltimo Cristo para
tipificar a transformaccedilatildeo do corpo natural em um corpo espiritual como esperanccedila
escatoloacutegica Nesta narrativa Paulo conclui o desenvolvimento de seu discurso
apocaliacuteptico sobre ressurreiccedilatildeo do corpo a Corinto Assim com essa mesma
temaacutetica encerra-se a periacutecope no v49
O contexto literaacuterio posterior (vv50-8) tambeacutem assume uma mudanccedila de
assunto e linguagem em relaccedilatildeo agrave (vv35-59) Na forma de uma declaraccedilatildeo
enfaacutetica Τοῦηο ―Eis que Paulo agora tenta direcionar a atenccedilatildeo da comunidade
para o que se segue (v50) Confidecircncia aos coriacutentios sua convicccedilatildeo de que nem
60
WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013 pp 481-500
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todos morreratildeo antes do fim dos tempos E o que caracterizaraacute este momento
seraacute a parousia (retorno) de Cristo (v51)
O Apoacutestolo atribui a caracteriacutestica de ―rapidez a este processo de
transformaccedilatildeo do corpo ressurreto (vv52-3) Destaca que a ecircnfase central deste
paraacutegrafo estaacute na transformaccedilatildeo necessaacuteria para aqueles atualmente vivos para
que possam fazer parte do reino Segue dizendo nos versos (54-5) que a forccedila
central desta metamorfose estaacute no fato de que ―como os mortos seratildeo
ressuscitados ―incorruptiacuteveis (vv52-4) assim ―noacutes os vivos seremos
―transformados (allagesometha61) E utiliza a conjunccedilatildeo ―assim Ὥζηε ao
concluir este discurso tendo como linguagem a forma de um hino de louvor triunfal
sobre a morte (v58)
Notamos portanto que o texto de 1Coriacutentios (1535-49) estaacute bem
delimitado e literariamente conectado com as periacutecopes ao seu redor embora
seja uma uacutenica unidade de sentido Essa perspectiva literaacuteria nos auxiliaraacute a
compreender a relevacircncia dessas palavras agrave comunidade de Corinto
13 - Coesatildeo do Texto
Esta unidade de sentido delimitada na narrativa (1535-49) apresenta
repeticcedilotildees de vaacuterios termos e sinocircnimos que mantecircm coesa a periacutecope
O verso (35) inicia com a ocorrecircncia de trecircs expressotildees importantes a
ἐγείπονηαι satildeo ressuscitados o νεκποί satildeo mortos e o ποίῳ swmati com que
espeacutecie de corpo Isso se deve aos conteuacutedos decorrentes do texto salientadas
pelas expressotildees semear e ressuscitar As palavras ζπείπειρ semeias e
ἀποθάνῃ morrer descritas no verso 36 indicam natildeo significados diferentes mas
o mesmo sentido de morte Tendo como objeto comum entre elas a palavra ζῶmicroα
corpo no verso 37
Na narrativa de 38-40 as palavras ζὰπξ carne e ζῶmicroα corpo se alternam
entre si indicando tambeacutem o mesmo significado corposubstacircncia As expressotildees
ἀνάζηαζιρ ressurreiccedilatildeo e νεκπῶν mortos no verso 42 apresentam os dois
estaacutegios do corpo E nos versos 43-4 o fio condutor desta periacutecope eacute ressaltado
pelas palavras ζπείπεηαι semeado e ἐγείπεηαι ressuscitado
61
IDEM pp500-1
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A narrativa de 45-9 ressalta atraveacutes de algumas expressotildees a mesma
temaacutetica do segmento anterior (vv38-44) os dois estaacutegios corpoacutereos As
expressotildees τςσὴν alma e πνεῦmicroα espiacuterito no verso 45 τςσικόν natural e
πνεςmicroαηικόν espiritual no verso 46 e σοφκόρ terreno e οὐπανοῦ ceacuteu no verso
(47) autenticam no texto os dois estaacutegios do corpo o atual e futuro Assim
podemos dizer que de modo geral os verbos ἀποθάνῃ morrer ζπείπειρ
semear e ἐγείπεηαι ressuscitar juntamente com o substantivo ζῶmicroα corpo
perpassam toda a periacutecope O restante do texto eacute decorrente da accedilatildeo da fala ou
estaacute ligada a ela
Assim observamos que haacute coesatildeo nesta periacutecope E que seu fio condutor
estaacute na dinacircmica do semear e ressuscitar do corpo na moldura especifica de cada
estaacutegio atual e futuro da poacutes-morte Trata-se portanto de uma unidade de
sentido delimitada e coesa
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO
O contexto literaacuterio de um texto busca mostrar a forma de escrita das
cartas de Paulo bem como identificar suas composiccedilotildees e a correlaccedilatildeo interna
entre o pensamento e os escritos paulinos a fim de observar a estrutura e a
dinacircmica do texto
A carta de 1Coriacutentios segue um formato mais ou menos padratildeo ou seja
detectaacutevel na maioria das cartas do Novo Testamento Algumas cartas satildeo tatildeo
longas que podem ser consideradas como carta ensaio A carta de 1Coriacutentios 15
eacute considerada pela maioria dos pesquisadores de conteuacutedo extensa podendo ser
escritas de vaacuterias maneiras
Neste sentido Brown diz que embora natildeo demonstre a divisatildeo necessaacuteria
dos pensamentos dos escritores de modo geral ―pode-se distingui-la em quatro
partes 1) Foacutermula introdutoacuteria 2) Accedilatildeo de graccedilas 3) Corpo ou mensagem 4)
Foacutermula conclusiva62 Este estilo divisoacuterio nas cartas eram comuns no Novo
Testamento o que favorecia a leitura e interpretaccedilatildeo da mesma
Em relaccedilatildeo ao puacuteblico na qual elas se destinavam Brown diz que de toda a
coleccedilatildeo de cartas do Apoacutestolo Paulo ―somente algumas das cartas do Novo
Testamento satildeo endereccediladas a comunidades numa cidade ou cidades
62
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 pp552-3
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especiacuteficas as outras poreacutem podem ter em mente cristatildeo com uma heranccedila
particular ()63 Em contra partida Vouga entende que as cartas do Apoacutestolo
Paulo satildeo ―destinadas as respectivas comunidades previamente conhecidas por
ele a fim de responder questotildees precisas e de reagir a problemas particulares
surgidos64
Nesta questatildeo concordamos com Vouga pois Paulo contava
constantemente com o auxiacutelio de cooperadores locais para escrever suas cartas
Esta afirmaccedilatildeo eacute evidenciada na narrativa de 1Coriacutentios (11-2) ―Paulo chamado
a ser Apoacutestolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus e Soacutestenes o irmatildeo a
igreja de Deus que estaacute em Corinto aos que foram santificados no Cristo Jesus
chamados a ser santos com todos os que invocam em todo lugar o nome de
nosso Senhor Jesus Cristo Senhor deles e nossordquo Assim eram os cooperadores
que forneciam as informaccedilotildees acerca dos conflitos existentes em Corinto O que
auxiliava Paulo quanto agrave direccedilatildeo do conteuacutedo especiacutefico a ser escrito a
comunidade
Neste sentido Berger diz que ―muitas vezes trata-se de um relacionamento
em triacircngulo eu-tu-ele ou eu-voacutes-ele65 Ou seja a dinacircmica desta relaccedilatildeo
triangular permitia um contato constante entre Paulo o cooperador e a
comunidade nas questotildees a serem resolvidas Assim estas informaccedilotildees serviam
como ponto de partida para elaboraccedilatildeo das cartas paulinas
Podemos dizer que na carta de 1Coriacutentios 15 o primeiro objetivo praacutetico
natildeo se exprime por meios de imperativos ou exortaccedilotildees mas sim por meios de
explicaccedilotildees e afirmaccedilotildees acerca da ressurreiccedilatildeo dos mortos Contudo este
objetivo se encontra impliacutecito na comunicaccedilatildeo de seu discurso neste capiacutetulo E
embora toda a narrativa deste capiacutetulo nos apresente o tema da ressurreiccedilatildeo satildeo
nos versos (35-49) que o Apoacutestolo especifica esta temaacutetica ao falar do corpo
ressurreto dos mortos na poacutes-morte
Um aspecto perceptiacutevel nesta exposiccedilatildeo discursiva eacute que Paulo se dirige a
toda a Corinto e natildeo somente ao grupo de ceacuteticos que questionavam a
ressurreiccedilatildeo do corpo De acordo com DETTWILER amp KAESTLI ainda que ―Paulo
saiba que na comunidade ―alguns negam a ressurreiccedilatildeo dos mortos (v12) ele
63
IDEM p550 64
VOUGA p233 65
BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 p253
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natildeo se dirige a eles mas a ―voacutes da comunidade a fim de dissuadi-la de partilhar a
posiccedilatildeo negativa da maioria66
Ao usar o termo ―voacutes o Apoacutestolo abrange a todos seu discurso retoacuterico
deixando assim impliacutecito a ambiguidade peculiar das cartas paulinas Ou seja
nesta narrativa central ele previne toda comunidade contra essa e outras
correntes filosoacuteficas contraacuterias ao cristianismo ao mesmo tempo em que refuta
indiretamente o grupo ceacutetico existente em Corinto
Em relaccedilatildeo agrave literatura das cartas de Paulo podemos dizer que em geral
elas apresentam um contexto de ―comunicaccedilatildeo estabelecido pelo Apoacutestolo que eacute
com efeito paradoxal ()67 Na periacutecope (vv35-49) encontramos este contexto
de comunicaccedilatildeo por parte do Apoacutestolo Nele Paulo utiliza natildeo soacute o paradoxo
mas tambeacutem outras formas literaacuterias para autenticar seu discurso Vejamos agora
algumas destas formas
O texto inicia com duas perguntas cruciais que conduz toda a narrativa
Nos versos 36-41 Paulo extraiu vaacuterias analogias sobre a diversidade de sementes
e organismos a fim de responder a primeira pergunta ―Como (Πῶρ) ressuscitam
os mortos (v 35a) Colzemann diz que Paulo ―em estilo de diatribe68 solta o
novo tema apresentado pelo Como69
A palavra ἄθπυν (insensato) que precede esta pergunta denota um estilo
de discussatildeo na narrativa E ao discutir esta questatildeo Paulo ressalta a oposiccedilatildeo
ou seja a objeccedilatildeo que tinha sido realmente levantada por um grupo de ―ceacuteticos
existentes em Corinto Segundo Colzemann ―o texto nos apresenta uma resposta
tripla (1) vv 36-8 (2) vv 39-44 (3) vv 45-970 reforccedilando a proposta de nossa
estrutura de segmentos Observamos portanto que nestas narrativas a teologia
paulina da ressurreiccedilatildeo natildeo admitia a existecircncia sem um corpo Seja ela no
tempo presente com caraacuteter apocaliacuteptico ou no tempo futuro com caraacuteter
escatoloacutegico
66
DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor 67
VOUGA p233 68
De acordo com Fitzmayer 2008 p 591 diatribe eacute uma forma dialoacutegica de argumentaccedilatildeo desenvolvida por certos professores como Bion Borys Thenite (ca 325-255 aC) Teles (fl 235 cabc) Dio Crisoacutestomo de Prusa (ad 40-112 []) Musonius Rufus (ca DC 30-102) e de Epicteto Hieraacutepolis (ad-55-135) Eacute utilizada nas escolas ciacutenicas e estoacuteicas da filosofia Foi um discurso pedagoacutegico realizado em debate animado e estilo de conversaccedilatildeo familiar com um interlocutor real ou imaginaacuterio que foi salpicado com apoacutestrofo proveacuterbios perguntas retoacutericas paradoxos paroacutedias antiacuteteses e fala fictiacutecia 69
COLZEMANN 1Corinthians Printed in the United States of American 1975 p280 70
IDEM 280 (traduccedilatildeo nossa)
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Paulo a partir de agora conduz seu discurso em duas perspectivas De
aplicar as implicaccedilotildees destas instruccedilotildees para a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea dos cristatildeos
falecidos e de procurar dar uma resposta apocaliacuteptica a segunda pergunta
definida por ποίῳ δὲ ζώmicroαηι ἔπσονηαι ―Com que espeacutecie de corpo vecircm
(v35b) De acordo com Fitzmyer
―Sua resposta definitiva eacute dada no versiacuteculo 44a desta periacutecope um corpo espiritual eacute elevado e em v 44b ele argumenta a minori ad maius Eacute no entanto apresentado de uma forma mais completa quando ele menciona mais trecircs qualidades desse corpo impereciacuteveis vestida de esplendor e poderosos Assim numa seacuterie de diacutesticos paralelos (vs42b-44a) quatro qualidades do corpo ressuscitado satildeo apresentados em oposiccedilatildeo a quatro qualidades do corpo humano terrestre Quatro antiacuteteses satildeo expressas pelos verbos passivos divinos speiretai-egeiretai Considerando que o atual corpo humano eacute pereciacutevel sem honra fraco e animado (psychikon) o corpo humano da ressurreiccedilatildeo seraacute incorruptiacutevel radiante poderoso e espiritual (pneumatikon)
71
Estas palavras de Fitzmyer vecircm corroborar nossa anaacutelise Na frase
―semeado em corruptibilidade desonra fraqueza e ressuscitado em
incorruptibilidade gloacuteria poder (vv42b-4a) a forma literaacuteria diacutestica paralela
construiacuteda por Paulo ressalta seu pensamento jaacute dito sobre a morte e
ressurreiccedilatildeo do corpo
Em forma de antiacutetese ele discorre sobre as qualidades e defeitos dos
corpos terrestres τςσικόν (natural) e ressuscitados πνεςmicroαηικόν (espiritual) cuja
acentuaccedilatildeo estaacute nos verbos ζπείπεηαι (semeado) e ἐγείπεηαι (ressuscitado) E
concluiacute seu discurso nos versos (44b-9) descrevendo uma comparaccedilatildeo de
criaccedilatildeo o ―primeiro homem Adatildeo com o ―uacuteltimo Adatildeo Cristo introduzindo nele
o aspecto escatoloacutegico
Assim entendemos que a periacutecope (vv35-49) agrega diferentes formas
literaacuterias Todavia esta composiccedilatildeo de formas variadas eacute compreensiacutevel uma vez
que Paulo escrevia as cartas com o auxiacutelio e talvez ateacute com opiniotildees de seus
cooperadores que conheciam bem a comunidade Esta variedade literaacuteria
enriquece e potencializa o tema tratado por Paulo neste caso a ressurreiccedilatildeo do
corpo na poacutes-morte Vejamos agora como Paulo estrutura este discurso
apocaliacuteptico e escatoloacutegico da ressurreiccedilatildeo
71
JOSEPH p591 (traduccedilatildeo nossa) Grifo do autor
130
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3 ESTRUTURACcedilAtildeO DE 1CORIacuteNTIOS 1535-49
Este discurso tem sido estruturado de diversas formas pelos exegetas
Mas ao atentar para o texto podemos detectar uma estrutura mnemocircnica da
narrativa isto eacute uma forma repetitiva de expor algo As repeticcedilotildees por sua vez
consistem em desenvolver e explanar a teologia paulina acerca da ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea agrave comunidade de Corinto Portanto a opccedilatildeo deste ensaio exegeacutetico eacute de
estruturar o texto a partir dele mesmo observando a relaccedilatildeo interna entre frases e
segmentos Sendo assim vejamos como eacute descrita esta estrutura textual
A 1ordm Segmento (35-8)
a Apresenta questotildees sobre o ―como (v35a) e a mecacircnica ―espeacutecie de
(v35b)
b Oponecircncia aos ceacuteticos e afirmaccedilatildeo sobre o semearmorrer (v36)
c Explicaccedilatildeo acerca do processo de semeadura (v37)
d A concessatildeo divina dos tipos de corpos (v38)
B 2ordm Segmento (39-44)
a Menccedilatildeo da tipologia das carnes (v39)
b Comparaccedilatildeo entre os corpos terrestrescelestes (v40)
c Diferenciaccedilatildeo da gloacuteria entre os luminares (v41)
d Conclusatildeo da analogia e da tipologia de corpos (v42a)
e Semeado em corruptibilidade
Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
f Semeado em desonra
Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
g Semeado em fraqueza
Ressuscitado em poder (v43b)
h Semeado corpo natural
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Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
i Pois existe o corpo natural
E o corpo espiritual (v44b)
C 3ordm Segmento (45-9)
a Argumentaccedilatildeo teoloacutegica com base nas Escrituras (v45a)
b O primeiro homem Adatildeo tornou-se alma vivente (v45b)
c O uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante (v45c)
d A ordem existencial dos corpos (v46)
e O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a)
f O segundo homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
g Tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a)
h Tal como celestial satildeo os celestes (v48b)
i Conclusatildeo Assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a)
j Traremos tambeacutem a imagem do celeste (v49b)
O primeiro segmento dos versos (35-8) foi estruturado com uma subdivisatildeo
a fim de analisarmos com mais nitidez a articulaccedilatildeo paulina neste discurso Desta
forma temos
A primeira divisatildeo nos apresenta dados gerais da carta (v35) Nesta
narrativa observamos que ela estaacute direcionada a comunidade ou mais
precisamente aos ceacuteticos de Corinto Seu conteuacutedo discorre sobre os dois tipos
de corpos (celestesterrestres) cuja conclusatildeo (v49) responde as duas questotildees
cruciais apresentadas no iniacutecio da narrativa Assim eacute pertinente afirmar que
introduccedilatildeo e conclusatildeo estatildeo relacionadas no texto
A segunda divisatildeo se inicia com a construccedilatildeo discursiva do pensamento
paulino sobre estas questotildees (vv36-8) De forma linear Paulo comeccedila afirmando
a necessidade de semearmorrer (v36) segue explicando o processo de
132
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semeadura (v37) e termina este segmento argumentando que a origem dos tipos
de corpos eacute de concessatildeo divina (v38)
O segundo segmento dos versos (39-44) traz uma estrutura longa e de
dupla composiccedilatildeo
Na primeira composiccedilatildeo Paulo continua na forma linear Ele expotildee a
tipologia das carnescorpos existentes (v39) e segue o discurso numa linha
comparativa entre os dois tipos de corpos terrestrescelestes (v40) Abrange seu
pensamento ao falar e exemplificar sobre as diferenccedilas de gloacuteria entre os
luminares (v41) e termina esta composiccedilatildeo tipoloacutegica retomando a questatildeo da
analogia de corpos (v42 a) Nesta estrutura de versos podemos visualizar a
forma loacutegica e clara paulina de difundir sua teologia a comunidade sobre os dois
tipos de corpos
Na segunda composiccedilatildeo Paulo apresenta um jogo mnemocircnico ou seja
ele enfatiza as repeticcedilotildees a fim de autenticar a dinacircmica da morte e da
ressurreiccedilatildeo Alternando-as na narrativa atraveacutes dos verbos semeado ζπείπεηαι
e resuscitado ἐγείπεηαι (vv42b-44a) Nesta dinacircmica estes dois verbos satildeo
seguidos de substantivos que paralelamente destacam as oposiccedilotildees tambeacutem de
forma alternada Vejamos agora esta estrutura de outra forma para que possamos
visualizar com mais clareza os paralelos entre os verbos e seus respectivos
substantivos
Semeado em corruptibilidade Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
Semeado em desonra Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
Semeado em fraqueza Ressuscitado em poder (v43b)
Semeado corpo natural Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
Pois existe o corpo natural e o corpo espiritual (v44b)
O terceiro segmento dos versos (45-9) continua nesta estrutura mnemocircnica
paralela Entretanto o destaque desta dinacircmica narrativa abrange duas vertentes
teoloacutegicas que tem como base as Escrituras (v45a)
A primeira vertente estaacute ligada agrave ordem existencial do corpo da
ressurreiccedilatildeo caracterizado em sua narrativa pela palavra grega ππῶηορ primeiro
e ἔζσαηορ uacuteltimo Esta classificaccedilatildeo ordinaacuteria elaborada por Paulo expressa
paralelamente a relaccedilatildeo entre o primeiro homem Adatildeo alma vivente (45b) e o
133
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uacuteltimo Adatildeo espiacuterito vivificante (v45c) Ele continua este discurso explanando
esta questatildeo ordinaacuteria da existecircncia dos corpos (v46) destacando agora sua
origem O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a) e o segundo
homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
Jaacute a segunda vertente estaacute ligada a tipologia dos dois corpos
caracterizados pelas palavras gregas σοφκόρ terrestre e ἐποςπάνιορ celeste No
intuito de culminar seu discurso a comunidade Paulo entatildeo faz uso das
expressotildees comparativas tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a) e tal como
celestial satildeo os celestes (v48b) para autenticar essa diferenccedila Desta forma
utilizando estas expressotildees comparativas ele concluiacute seu raciociacutenio teoloacutegico
dizendo assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a) traremos tambeacutem
a imagem do celeste (v49b)
Portanto podemos dizer que tanto a introduccedilatildeo como a conclusatildeo se
repetem no termo desta carta cuja literatura estiliacutestica apresenta formas diacutesticas
paralelas repeticcedilotildees oposiccedilotildees discussotildees antiacuteteses e escatologia formando
assim a moldura do nosso texto
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO
As cartas do Novo Testamento de modo especial as paulinas
destinavam-se agrave leitura em voz alta com o alvo de convencer
―Consequentemente tal como discursos elas podem ser consideradas retoacutericas
no que diz respeito agrave autoridade do escritor agrave qualidade do escrito e ao efeito
desejado sobre o puacuteblico72 Ao escrever para os coriacutentios Paulo assevera que se
sua carta natildeo for recebida iraacute e falaraacute pessoalmente com a comunidade
(2Cor131-5) De acordo com Brown
Argumentaccedilatildeo demonstrativa ou epidiacutetica como os discursos feitos em celebraccedilotildees puacuteblicas destinam-se a agradar ou inspirar as pessoas reafirmando crenccedilas e valores comuns e angariando o apoio para as empreitadas do momento Paulo muitas vezes escreve para encorajar seus convertidos louvando-lhes a feacute e a observacircncia A guisa de aplicaccedilatildeo C B Puskas Jr (The Letters of Paul an introduction [As Cartas de Paulo uma introduccedilatildeo] Collegeville Liturical 1993 pp 37-38 59-61 76-77) classifica Gaacutelatas 1Coriacutentios e Romanos como retoacutericas
72
BROWN p552
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judicial deliberativa demonstrativa respectivamente e oferece paralelos greco-romanos para cada um
73
Contudo aconselha-se prudecircncia nas tentativas de detectar modelos
retoacutericos sofisticados Neste sentido uma hipoacutetese pode ser considerada a de
que as diferentes formas de argumentaccedilatildeo podem ter sido simplesmente
respostas inconscientes ao que devia ser feito
―argumentativa ou exortativa (semelhante agrave retoacuterica forense e deliberativa) algumas passagens dos escritos de Paulo podem ser influenciados pela rib ou riv (um ato lituacutergico contratual no qual Deus leva seu povo ao tribunal Is 313-5 Mq 61ss) e natildeo (apenas) pela retoacuterica greco-romana O reconhecimento de exageraccedilotildees emotivas de arroubos de eloquecircncia de argumentaccedilatildeo bem ordenada etc eacute significativo para determinaccedilatildeo daquilo que realmente eacute dito Tal reconhecimento poreacutem pode ser obtido sem o conhecimento das regras formais da retoacuterica antiga Assim nem sempre fica claro ateacute que ponto as discussotildees a respeito da classificaccedilatildeo retoacuterica exata satildeo importantes para a interpretaccedilatildeo
74
Na narrativa (vv35-49) Paulo utiliza duas perguntas retoacutericas para discorrer
o assunto Esta forma literaacuteria eacute frequentemente usada por ele em suas cartas por
levantar pontosquestotildees a serem explanadas e argumentadas Podendo ateacute
expressar ―suas exasperaccedilotildees com a situaccedilatildeo a qual ele se refere como em
1Coriacutentios (15 29 30 32 3575)
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15
Observando a carta de 1Coriacutentios podemos dizer que o capiacutetulo 15 natildeo
consiste num tratamento isolado do assunto e natildeo eacute simplesmente o uacuteltimo
toacutepico de uma longa lista Pelo contraacuterio as referecircncias regulares agrave ressurreiccedilatildeo e
ideias cognatas ao longo da carta sugerem com veemecircncia que ―Paulo
considerava esse toacutepico uma das chaves para tudo o mais que queria dizer e
deliberadamente guardou o assunto para o final natildeo porque fosse o fim nesse
sentido mas porque a ressurreiccedilatildeo era o tema unificador desta carta particular76
Entretanto para que seu trabalho de discussatildeo seja eficaz ―Paulo elabora
em 1Coriacutentios 15 uma profunda reflexatildeo centrada na indissoluacutevel conexatildeo entre a
73
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 p552-3 74
IDEM p553 75
JOSEPH p66 (traduccedilatildeo nossa) 76
IDEM p398
135
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ressurreiccedilatildeo passada de Cristo dado elementar da feacute cristatilde e a ressurreiccedilatildeo dos
que estatildeo em Cristo77 Nesta interpretaccedilatildeo Paulo discorre sobre o Cristo que
ressuscitou dos mortos tornando-se a primiacutecia dos que morreram
Com efeito visto que a morte vem por meio de um homem eacute tambeacutem por
meio de um homem que vem a ressurreiccedilatildeo dos mortos Ou seja como todos
morrem em Adatildeo em Cristo todos receberatildeo a vida mas cada um em sua ordem
Primeiro o Cristo depois aqueles que pertencem de Cristo
Em seguida Paulo diz que viraacute o fim Quando ele entregar a realeza a
Deus Pai depois de ter destruiacutedo toda dominaccedilatildeo toda autoridade e todo poder
1Coriacutentios (1520-478) Ele declara nos versos (23b-28) que a vida de todos os
crentes caminham em direccedilatildeo agrave consumaccedilatildeo da morte e da vida na poacutes-morte79
Contudo em seu discurso apocaliacuteptico ele compartilha com Corinto o que chama
de um ―misteacuterio microςζηήπιον mysterion (v51) ressaltando que embora o fim seja
iminente nem todos morreratildeo antes da parousia de Cristo
No intuito de avanccedilar seus interesses frente agrave comunidade Paulo entatildeo se
transforma num dispositivo retoacuterico cujo levantamento de questotildees incluiu toda
Corinto Ele utiliza-se de consultas a seu interlocutor para refletir sobre dois
pontos importantes de sua teologia A continuidade entre a vida presente e a
futura em Cristo e a mudanccedila que teraacute lugar entre o presente e o futuro pois
estas duas questotildees estatildeo interligadas E a forma como ele o faz eacute muito peculiar
De posse dos questionamentos que permeavam a comunidade sobre a
ressurreiccedilatildeo dos mortos e a fim de evitar conflitos diretos com os mesmos Paulo
em sua narrativa (vv35-49) personifica o inquisidor Essa personificaccedilatildeo permite
a comunidade uma identificaccedilatildeo com as perguntas levantadas ao mesmo tempo
em que daacute a ela alguma liberdade para ser abrasiva com o inquisidor fictiacutecio sem
necessariamente vecirc-lo como tal que dirigi um ataque contra eles
Em outras palavras a comunidade pode identificar-se livremente com as
perguntas e Paulo ao atacar o interlocutor atraveacutes dos questionamentos
manteacutem-se distante do calor do ataque Uma estrateacutegia que aparentemente deu
certo
77
DETTWILER A KAESTLI JD MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Ediccedilotildees Loyola Satildeo Paulo 2011 p 93 78
IDEM p93 79
Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa)
136
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A primeira pergunta da pessoa fictiacutecia ―Como ressuscitam os mortos
(v35a) pode ser de interesse para Corinto mas nunca eacute respondida por si soacute
Isso porque uma vez que Paulo conjurou essa pessoa fictiacutecia em seu discurso ele
eacute livre para administraacute-lo como quiser Ou seja pode dizer o que quiser ou
simplesmente ignorar o que ele diz ―O que importa para Paulo eacute a atenccedilatildeo dos
ouvintes que mediante este procedimento discursivo eacute garantido80 A segunda
pergunta ―com que espeacutecie de corpo vem (v35b) faz referecircncia ao corpo
tornando-se assim a partir de agora o foco das reflexotildees de Paulo neste capiacutetulo
15 de 1Coriacutentios
Seguindo a narrativa (v36) o Apoacutestolo repreende a pergunta chamando a
pessoa fictiacutecia de ―insensato Inicialmente natildeo fica claro para o leitorreceptor
desta carta se a pessoa fictiacutecia eacute caracterizada insensata pela primeira ou
segunda pergunta Contudo essa ambiguidade eacute esclarecida quando Paulo
abandona a primeira pergunta e centra-se na elaboraccedilatildeo de seu argumento na
segunda pergunta as diferenccedilas de corpos Sem duacutevidas este passa a ser um
ponto importante no discurso da ressurreiccedilatildeo paulina a ser elaborada
A fim de discorrer seu discurso com clareza Paulo se utiliza das analogias
mais baacutesicas e dos fenocircmenos observaacuteveis disponiacuteveis para a experiecircncia de
cada ser humano Por isso ele elabora um raciociacutenio que envolve de forma geral
a natureza cuja classificaccedilatildeo seraacute abordada em dois pontos principais
O primeiro ponto eacute o entendimento de que o que se planta eacute e natildeo eacute o que
cresce Exemplificando esta afirmaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que se plantarmos uma
semente de nabo podemos natildeo ter um rabanete Embora o que se colhe eacute
realmente muito diferente da semente plantada o pensamento ainda eacute o rabanete
Em outras palavras Paulo estaacute dizendo que o corpo natural hoje seraacute o corpo
espiritual da ressurreiccedilatildeo poreacutem diferente pois transformaccedilatildeo que ocorreraacute nele
o faraacute totalmente outro
Nesta linha condutora de raciociacutenio Paulo afirma que assim eacute com a
ressurreiccedilatildeo dos mortos (v42) reprisando a imagem de semeadura relatada nos
(vv36-7) Desta forma o Apoacutestolo ressalta as distinccedilotildees entre o que se semeia e
o que eacute colhido ou seja natildeo nega o que haacute (sementecorpo) mas ao mesmo
tempo sua retoacuterica demonstra uma continuidade fundamental e metamorfoseada
na ressurreiccedilatildeo
80
IDEM p987
137
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Ainda utilizando a natureza para confirmar sua teologia discursiva em
Corinto Paulo agora lanccedila matildeo de outros elementos naturais Ele agora engloba
os astros em sua argumentaccedilatildeo afirmando que o mesmo acontece com a gloacuteria
da lua do sol e das estrelas Poreacutem destaca que ateacute entre elas existe diferenccedila
de gloacuteria Ou seja ele demonstra mais uma vez atraveacutes das analogias a
distinccedilatildeo existente na diversidade dos astros para simbolizar a distinccedilatildeo existente
na diversidade dos corpos
O segundo ponto eacute a afirmaccedilatildeo de que ―junto a esta clareza e
confiabilidade tambeacutem haacute misteacuterio e mudanccedila81 Partindo do pressuposto de que
se haacute corpo natural tambeacutem haacute corpo espiritual o Apoacutestolo aplica exemplos que
lhe permitem falar juntamente destes trecircs elementos continuidade diversidade e
transformaccedilatildeo
Por isso descreve os diferentes tipos de corpos e de carnes delegando
esses tipos a pessoas animais domeacutesticos e aves Desta forma ele culmina seu
discurso agrave comunidade autenticando estes elementos quanto aos corpos
terrestres e celestes contudo a transformaccedilatildeo eacute realccedilada por ele em seu
discurso
Para Paulo a continuidade entre o agora e ainda natildeo expressa a dinacircmica
do corpo ou seja os corpos que estatildeo plantados na terra satildeo os mesmos que
seratildeo levantados no ceacuteu Assim ele os leva agrave imagem do homem da terra e
certamente a imagem do homem do ceacuteu em seu discurso Um dado interessante
nesta perspectiva paulina eacute que tanto a ―continuidade como a descontinuidade
satildeo normalmente utilizadas por Paulo em outros lugares como categorias
frequentes de tempo agora e ainda natildeo82 Mas no capiacutetulo de 1Coriacutentios 15 o
uso eacute pela ordem primeiro e uacuteltimo e semeado e ressuscitado ou seja ambas
accedilotildees representam a vida presente de crer e sua vida futura de ser
A fim de concluir este discurso Paulo esclarece que a carne e o sangue
isto eacute os seres humanos que vivem neste mundo natildeo poderatildeo ter acesso ao
reino de Cristo sem esta radical transformaccedilatildeo (vv51-7) Ele destaca esta
importante reivindicaccedilatildeo mas todos seremos transformados no verso (51) e
enfaticamente a reafirma no verso (52) Assim todos os crentes devem ser
81
IDEM p987 82
IDEM pp987-8
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transformados pois natildeo haacute nenhum ser que possa adentrar a vida pronunciada
por Paulo na poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo sem esta metamorfose corpoacuterea
Paulo finda este capiacutetulo com uma oraccedilatildeo de graccedilas a Deus que nos daacute a
vitoacuteria sobre a morte E o relato em seu discurso do toque da trombeta (v52) por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo nos remete a um eco da citaccedilatildeo do capiacutetulo
25 de Isaiacuteas (v8) e de 1Coriacutentios 15(v54) O particiacutepio presente τῷ διδόντι (a
didonti) ―aponta para a accedilatildeo atual e contiacutenua de Deus em trazer e dar aos crentes
a vitoacuteria83
A afirmaccedilatildeo de Paulo eacute de que o processo que estaacute em curso com a morte
de Cristo culminaraacute com a redenccedilatildeo de toda a criaccedilatildeo os crentes Entretanto
como parte desta nova criaccedilatildeo os crentes jaacute desfrutam dos benefiacutecios da
atividade redentora e criadora de Deus
Portanto neste capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios Paulo articula o tema da
ressurreiccedilatildeo corpoacuterea de forma analoacutegica e metafoacuterica com intuito de enredar a
comunidade em seu raciociacutenio loacutegico atraveacutes de elementos da natureza Para
conduzir com clareza o entendimento comunitaacuterio sobre sua afirmaccedilatildeo teoloacutegica e
escatoloacutegica de que ―na ressurreiccedilatildeo dos mortos o corpo que temos hoje seraacute
transformado num totalmente outro
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS
Em suma podemos dizer que em nosso texto (vv35-49) Paulo descreve a
ressurreiccedilatildeo dos mortos em dois estaacutegios ―(primeiro o Messias depois seu povo
quando ele voltar) Quanto ao modo da descontinuidade (concentrado na
distinccedilatildeo entre corrupccedilatildeo e incorrupccedilatildeo e nos dois tipos de humanidade com o
Espiacuterito como o agente da humanidade)84
Neste sentido podemos entender que sua teologia nos convida a enveredar
por uma nova e desafiadora perspectiva acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Pois
nela Paulo demonstra sua crenccedila de que o corpo de Jesus foi transformado num
ato de nova criaccedilatildeo mediante o qual ele natildeo eacute mais corruptiacutevel Onde mediante
Cristo seus adeptos consequentemente teratildeo tambeacutem um corpo incorruptiacutevel na
poacutes-morte
83
IDEM p989 84
WRIGHT p505
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Assim este artigo procurou averiguar e demonstrar atraveacutes deste ensaio
exegeacutetico o pensamento paulino acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em 1Corintios
15 Onde atraveacutes de uma narrativa analoacutegica Paulo discorreu sobre as tipologias
das carnes para explicar os dois tipos de corpos natural e espiritual Estendendo
esta tipologia para a poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo
Vale ressaltar que essa temaacutetica apocaliacuteptica e escatoloacutegica paulina para
muitos traduz um verdadeiro labirinto cujas informaccedilotildees lhes parecem
fragmentadas Gerando assim certo grau de dificuldade e levado muitos a
pesquisarem outras perspectivas deste complexo assunto Daiacute as diversas
pesquisas que embora nos pareccedilam saturadas ainda proporcionam um vasto
campo a ser desbravado pela ciecircncia
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALAND Nestle Novum Testamentum Graece 27ordf ediccedilatildeo Stuttgart Deutsche Bibelgesellschaft 2001 BERGER Klaus As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 BROWN Raymond A Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 COLZEMANN Hans 1Corinthians Printed in the United States of American Fortress Press 1975 DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor FITZMYER J A First Corinthians A new translation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa) JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa) KONINGS J J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 VOUGA F MARGUERRAT D (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013
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ZABATIERO Juacutelio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
Autora ndash Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Licenciando em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciada em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP)
E-mailAngelaaleixo72yahoocom
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BIOGRAFIA 70
INTRODUCcedilAtildeO 71
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO 72
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO
CRISTAtildeO 75
2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO 78
3 NATURALISMO 79
4 NIILISMO 81
5 EXISTENCIALISMO 82
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL 85
7 A NOVA ERA 88
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO 90
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 92
REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA 94
PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO 95
UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO 95
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO 97
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO 99
21 - O que ―acredita o ateiacutesmo cristatildeo 101
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ―morte do Deus via teologia cristatilde 104
23 - Uma resposta possiacutevel 106
3 QUE MORALIDADE 107
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-Sponville 110
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor 113
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 117
ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO CORPOacuteREA
EM PAULO 118
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO 121
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS 122
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope 122
13 - Coesatildeo do Texto 125
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO 126
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO 133
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15 134
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS 138
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 139
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ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM
Eacute preciso sentir a necessidade da experiecircncia da observaccedilatildeo ou
seja a necessidade de sair de noacutes proacuteprios para aceder agrave escola das
coisas se as queremos conhecer e compreender
Eacutemile Durkheim
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apontar alguns aspectos da Sociologia
da Religiatildeo de Eacutemile Durkheim Um dos principais nomes da chamada ―sociologia
claacutessica Durkheim foi um dos pioneiros no estudo socioloacutegico da religiatildeo
considerando as praacuteticas e instituiccedilotildees religiosas como um dos principais fatos
sociais que norteiam a vida em sociedade aleacutem de ter um importante papel na
formaccedilatildeo das consciecircncias individuais em uma coletividade Embora a
contemporaneidade seja marcada por um individualismo hedonista possivelmente
ineacutedito na histoacuteria da humanidade e pela hegemonia no campo da academia de um
poacutes-modernismo identitaacuterio avesso agrave ideia de coletividades mais tradicionais
abrangentes e universais as perspectivas que Durkheim propocircs nas primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX ainda podem ser uacuteteis para analisar a relaccedilatildeo das diversas
instituiccedilotildees e praacuteticas religiosas com a sociedade principalmente no Brasil onde as
igrejas evangeacutelicas comeccedilam a ter uma forte influecircncia moral no paiacutes
Palavras Chaves ndash Sociologia Religiatildeo Instituiccedilotildees Moral
ABSTRACT
This article aims to point out some aspects of the Sociology of Religion by
Eacutemile Durkheim One of the main names of the so-called ―classical sociology
Durkheim was one of the pioneers in the sociological study of religion considering
religious practices and institutions as one of the main social facts that guide life in
society as well as playing an important role in the formation of women individual
consciences in a collectivity Although contemporaneity is marked by a hedonistic
individualism possibly unheard of in human history and by the hegemony in the field
autor Prof Dr Mauricio Tintori Piqueira
tintoriledyahoocombr
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of academia of an identity postmodernism averse to the idea of more traditional
comprehensive and universal collectivities the perspectives that Durkheim proposed
in the early decades The twentieth century can still be useful for analyzing the
relationship of various religious institutions and practices with society especially in
Brazil where evangelical churches are beginning to have a strong moral influence in
the country
Keywords - Sociology Religion Institutions Moral
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA
O socioacutelogo francecircs Eacutemile Durkheim (1858-1917) compotildee ao lado dos
alematildees Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920) os autores claacutessicos da
Sociologia Entretanto cabe destacar que Durkheim foi o responsaacutevel por introduzir
a disciplina nas universidades francesas ao fundar a caacutetedra de Sociologia na
Universidade de Bordeacuteus em 1887 dando a ela um caraacuteter acadecircmico-cientiacutefico
Filho de uma famiacutelia de rabinos e portanto de origem judaica formou-se em
Filosofia na Escola Normal Superior de Paris em 1882 Jaacute nessa eacutepoca interessava-
se por Sociologia ateacute entatildeo uma disciplina do conhecimento relacionada agrave filosofia
positivista de Augusto Comte (1798-1857) que entre outras caracteriacutesticas
propunha um estudo cientiacutefico da sociedade atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos mesmos
meacutetodos de pesquisa e anaacutelise utilizados pelas Ciecircncias Exatas e Bioloacutegicas com o
intuito de identificar as ―leis gerais que norteariam a vida social
O meacutetodo socioloacutegico de Durkheim conhecido como Funcionalismo propotildee a
anaacutelise da sociedade de forma similar a de um organismo vivo Em outras palavras
a sociedade seria formada por diversos oacutergatildeos interdependentes entre si de cujo
bom funcionamento dependeria a sobrevivecircncia do corpo social Dessa forma o
socioacutelogo francecircs considera necessaacuteria a preservaccedilatildeo da coesatildeo social ou seja o
consenso entre os diversos grupos que compotildee a sociedade em torno de um ideal
que nas sociedades modernas seria o progresso cientiacutefico e industrial
proporcionado atraveacutes da hegemonia do pensamento loacutegico-racional Neste aspecto
Durkheim eacute um herdeiro da filosofia iluminista do seacuteculo XVIII e de sua inabalaacutevel feacute
na ciecircncia como caminho de superaccedilatildeo das miseacuterias humanas crenccedila que
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atualmente eacute alvo de criacuteticas no mundo acadecircmico devido ao constante uso da
proacutepria ciecircncia para fins beacutelicos voltados para a destruiccedilatildeo em massa
Outro aspecto importante da sociologia funcionalista de Durkheim eacute o
conceito de fato social considerado pelo socioacutelogo francecircs como o objeto de estudo
da Sociologia Segundo o autor fatos sociais correspondem a ―maneiras de agir
pensar e sentir exteriores ao indiviacuteduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude
do qual se lhe impotildeem () (DURKHEIM 1978 p88) Em outras palavras os fatos
sociais satildeo as estruturas cuja existecircncia independe da vontade do individuo
exercendo nele uma influecircncia coercitiva na maioria das vezes indireta que o induz
a adotar determinados padrotildees de comportamento com o intuito de portar-se
adequadamente na coletividade Assim o fato social tem uma enorme influecircncia na
formaccedilatildeo da consciecircncia individual e embora Durkheim reconheccedila que cada
indiviacuteduo pode escolher os comportamentos e atitudes que adota em sua vida
cotidiana estes satildeo moldados a partir do que estaacute posto concretamente na
sociedade e as consequecircncias de seguir ou natildeo determinados padrotildees satildeo
decorrentes das relaccedilotildees sociais
Ao comentar a obra de Eacutemile Durkheim o socioacutelogo Joseacute Arthur Giannoti
(1978 pp VII e VIII) destacou que para a Sociologia tornar-se uma ciecircncia era
necessaacuterio ―utilizar uma metodologia cientiacutefica investigando leis natildeo generalidades
abstratas e sim expressotildees precisas de relaccedilotildees descobertas entre os diversos
grupos sociais Entretanto eacute importante ressaltar que Durkheim considerava que o
fato social natildeo eacute apenas algo relacionado agrave vida material pois compreende que a
sociedade eacute ―um conjunto e ideais constantemente alimentados pelos homens que
fazem parte dela (GIANNOTI 1978 p VIII) Assim natildeo eacute por acaso que outro
conceito importante da teoria funcionalista eacute o de ―consciecircncia coletiva Ainda
segundo Giannoti (idem ibidem) o conceito de consciecircncia coletiva na obra de
Durkheim pode ser compreendida
() o sistema de representaccedilotildees coletivas em uma determinada sociedade Representaccedilotildees coletivas seriam por exemplo a linguagem ou um grupo de praacuteticas de trabalho encontradas em certa sociedade Tais representaccedilotildees coletivas constituiriam fatos de natureza especiacutefica e diferentes dos fenocircmenos psicoloacutegicos individuais () As representaccedilotildees coletivas desdobram-se nos aspectos intelectual e emocional e eacute possiacutevel determinaacute-las de maneira direta e natildeo apenas atraveacutes dos pensamentos e emoccedilotildees individuais O meacutetodo para conhecimento direto das representaccedilotildees coletivas utilizaria o exame das expressotildees permanentes dessas
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representaccedilotildees como por exemplo os sistemas juriacutedico e as obras de arte ()
Cabe ressaltar que se partirmos da metodologia funcionalista proposta por
Durkheim a religiatildeo pode ser considerada tanto um fato social pois corresponde agraves
formas de agir e pensar exteriores ao indiviacuteduo (isto eacute existe independente da sua
vontade) e tem um forte poder coercitivo sobre o indiviacuteduos que integram um
determinado grupo social como tambeacutem um componente da consciecircncia coletiva
pois ela eacute composta por um sistema de representaccedilotildees coletivas compartilhados
pelos indiviacuteduos que integram uma coletividade Natildeo por caso a religiatildeo foi um dos
principais objetos de estudo de Durkheim sendo considerado por muitos socioacutelogos
como o pioneiro nos estudos socioloacutegicos sobre a religiatildeo aacuterea conhecida como
Sociologia da Religiatildeo Neste artigo seraacute abordado importantes aspectos destes
estudos e sua importacircncia para a compreensatildeo natildeo apenas da Teologia mas
tambeacutem do papel da religiatildeo na sociedade contemporacircnea
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA
As principais consideraccedilotildees de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a sociedade estatildeo na obra As Formas Elementares da Vida Religiosa
publicada originalmente em 1912 Na introduccedilatildeo o autor justifica a escolha de
analisar praacuteticas religiosas animistas de tribos aboriacutegenes da Austraacutelia para a partir
desta identificar os aspectos gerais e universais das religiotildees como um todo e mais
precisamente ter subsiacutedios metodoloacutegicos para compreender o papel da Religiatildeo na
sociedade contemporacircnea Segundo Durkheim (1978 p205)
A Sociologia coloca-se problemas diferentes da Histoacuteria ou d Etnografia Ela natildeo procura conhecer as formas caducas da civilizaccedilatildeo com o uacutenico fim de conhececirc-las e reconstituiacute-las Mas com toda ciecircncia positiva antes de tudo El tem por objeto explicar uma realidade atual proacutexima de noacutes e capaz por conseguinte de afetar nossas ideacuteias e nossos atos esta realidade eacute o homem e mais especialmente o homem de hoje pois natildeo existe outro que estejamos mais interessados em conhecer bem Portanto natildeo estudaremos a religiatildeo mais antiga objeto de nossa pesquisa pelo uacutenico prazer de relatar coisas bizarras e singularidades Se noacutes a tomamos como objeto de nossa investigaccedilatildeo eacute porque ela nos pareceu mais apta do que qualquer outra para fazer compreender a natureza religiosa do homem isto eacute para nos revelar um aspecto essencial e permanente da humanidade
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Mais adiante Durkheim ressalta que um dos papeacuteis importantes da religiatildeo
na sociedade eacute buscar atender a alguma necessidade real do ser humano sendo
um erro considerar suas expressotildees ilusoacuterias ou falsas
Natildeo precisamos examinar aqui se existem realmente investigadores () que fizeram da Histoacuteria e da Etnografia religiosa uma maacutequina de guerra contra a Religiatildeo De qualquer maneira natildeo poderia ser este o ponto de vista de um socioacutelogo Com efeito eacute um postulado essencial da Sociologia que uma instituiccedilatildeo humana natildeo poderia repousar sobre o erro e sobre a mentira sem o que ela natildeo poderia durar Se ela natildeo estivesse fundada na natureza das coisas ela teria encontrado resistecircncia nas coisas contra a qual natildeo poderia triunfar Portanto quando abordamos o estudo das religiotildees primitivas o fazemos com a seguranccedila do que elas se apoiam no real e o exprimem () (DURKHEIM 1978 p206)
Neste ponto o socioacutelogo francecircs discorre a importacircncia de analisar as
diversas formas religiosas como um sistema de representaccedilotildees coletivas Desta
forma Durkheim ressalta que
() no fundo natildeo existem religiotildees falsas Agrave sua maneira todas satildeo verdadeiras todas respondem mesmo que de diferentes formas a condiccedilotildees dadas da existecircncia humana Sem duacutevida eacute possiacutevel dispocirc-las segundo uma ordem hieraacuterquica Umas podem ser ditas superiores agraves outras no sentido em que ela potildeem em jogo funccedilotildees mentais mais elevadas satildeo mais ricas em ideacuteias e sentimentos nelas figuram mais conceitos menos sensaccedilotildees e imagens sua sistematizaccedilatildeo mais engenhosa Mas por mais reais que sejam esta maior complexidade e esta mais alta idealidade elas natildeo satildeo suficientes para classificar as religiotildees correspondentes em gecircneros separados Todas satildeo igualmente religiotildees assim como todos os seres vivos satildeo igualmente vivos desde os mais humildes plastiacutedios ateacute o homem Portanto se nos dirigimos agraves religiotildees primitivas natildeo eacute com a segunda intenccedilatildeo de depreciar a religiatildeo em geral pois aquelas religiotildees natildeo satildeo menos respeitaacuteveis que as outras Elas respondem agraves mesmas necessidades desempenham o mesmo papel dependem das mesmas causas portanto elas podem servir para manifestar igualmente bem a natureza da vida religiosa () (DURKHEIM 1978 p206)
Em outras palavras apesar de reconhecer a existecircncia de religiotildees cujas
representaccedilotildees satildeo mais complexas do que outras possibilitando uma
hierarquizaccedilatildeo neste aspecto Durkheim enfatiza que haacute aspectos gerais presentes
em todas as religiotildees permitindo ao socioacutelogo ou ao pesquisador da Sociologia da
Religiatildeo identificar e analisar estes em sistemas simboacutelicos mais simples como foi o
caso do objeto de estudo de As Formas Elementares da Vida Religiosa no caso a
religiatildeo animista dos aboriacutegenes australianos como jaacute destacamos anteriormente
Nesta perspectiva o autor sugere tambeacutem uma abordagem histoacuterica das religiotildees
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com o objetivo de compreender o seu desenvolvimento no decorrer da Histoacuteria cuja
concepccedilatildeo eacute evolucionista fiel agrave perspectiva positivista marcada pelo evolucionismo
progressista Nas palavras de Durkheim (1978 p207)
() todas as vezes que se empreende explicar uma coisa humana tomada em um momento determinado no tempo ndash quer se trate de uma crenccedila religiosa de uma regra moral quer de um preceito juriacutedico de uma teacutecnica esteacutetica de um regime econocircmico ndash eacute preciso comeccedilar por retroceder ateacute a sua forma mais primitiva e mais simples procurar dar conta dos caracteres pelos quais ela se define neste periacuteodo de sua existecircncia depois mostrar como ela se desenvolveu e se complicou pouco a pouco como ela se tornou o que eacute no momento considerado Ora concebe-se facilmente de que importacircncia eacute para esta seacuterie de explicaccedilotildees progressistas a determinaccedilatildeo do ponto de partida ao qual estatildeo subordinadas Era um princiacutepio cartesiano que na cadeia das verdades cientiacuteficas o primeiro elo desempenha um papel preponderante Certamente natildeo poderia ser o caso de colocar na base da ciecircncia das religiotildees uma noccedilatildeo elaborada agrave maneira cartesiana isto eacute um conceito loacutegico um puro possiacutevel construiacutedo apenas pelas forccedilas do espiacuterito O que precisamos encontrar eacute uma realidade concreta que unicamente a observaccedilatildeo histoacuterica pode nos revelar ()
Mas quais seriam os aspectos gerais comum a todas as religiotildees que
permitem classificar-las no mesmo gecircnero de representaccedilotildees coletivas Durkheim
elenca da seguinte maneira algumas hipoacuteteses visando responder a tal
problematizaccedilatildeo
() todas as religiotildees satildeo comparaacuteveis porque elas satildeo todas espeacutecies do mesmo gecircnero existem necessariamente elementos essenciais que lhes satildeo comuns () Na base de todos os sistemas de crenccedilas e de todos os cultos deve necessariamente haver um certo nuacutemero de representaccedilotildees fundamentais e de atitudes rituais que malgrado a diversidade das formas que umas e outras puderam revestir em todas as partes tecircm a mesma significaccedilatildeo objetiva e em todas as partes preenchem as mesmas funccedilotildees Satildeo estes elementos permanentes que constituem o que haacute de eterno e de humano na religiatildeo eles satildeo todo o conteuacutedo objetivo da ideacuteia que se exprime quando se fala da religiatildeo em geral () (DURKHEIM 1978 pp207-208)
Entretanto tais aspectos satildeo mais perceptiacuteveis em representaccedilotildees coletivas
menos complexas e menos desenvolvidas Na perspectiva do socioacutelogo francecircs
Nas sociedades inferiores () o menor desenvolvimento das individualidades a extensatildeo mais fraca do grupo a homogeneidade das circunstacircncias exteriores tudo contribui para reduzir ao miacutenimo as diferenccedilas e variaccedilotildees O grupo realiza de maneira regular uma uniformidade intelectual e moral de que soacute encontramos raros exemplos nas sociedades mais adiantadas Tudo eacute comum a todos
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Os movimentos satildeo estereotipados todo mundo executa os mesmos atos nas mesmas circunstacircncias e esta conformidade da conduta natildeo faz senatildeo traduzir aquela do pensamento Todas as consciecircncias estando encadeadas nas mesmas correntes o tipo individual quase se confunde com o tipo geneacuterico Ao mesmo tempo em que tudo eacute uniforme tudo eacute simples Nada eacute mais rude do que estes mitos compostos de um uacutenico e mesmo tema que se repete sem fim do que estes ritos que satildeo feitos de um pequeno nuacutemero de gestos recomeccedilados agrave saciedade A imaginaccedilatildeo popular e sacerdotal ainda natildeo teve nem o tempo nem os meios de refinar e de transformar a mateacuteria-prima das ideacuteias e das praacuteticas religiosas portanto se esta mateacuteria se mostra a nu e se oferece por si mesma agrave observaccedilatildeo bastando um esforccedilo miacutenimo para descobri-la O acessoacuterio o secundaacuterio os desenvolvimentos de luxo ainda natildeo vieram esconder o principal Tudo estaacute reduzido ao indispensaacutevel agravequilo sem o que natildeo poderia haver religiatildeo Mas o indispensaacutevel eacute tambeacutem o essencial isto eacute o que antes de tudo importa conhecer (DURKHEIM 1978 p208)
Portanto eacute nas representaccedilotildees coletivas mais simples que se torna possiacutevel
para o socioacutelogo identificar e analisar os aspectos gerais da Religiatildeo presentes
tanto nas religiotildees animistaspagatildes quanto na religiosidade monoteiacutesta (seja cristatilde
judaica ou islacircmica) A evoluccedilatildeo histoacuterica das praacuteticas e sistemas religiosos tornam
tanto os ritos como os dogmas mais elaborados ao mesmo tempo em que
aparecem diversas contradiccedilotildees no interior da coletividade que compotildee determinado
sistema de crenccedilas religiosas Desta forma
() Na medida em que ele [o pensamento religioso] progride na Histoacuteria as causas que o chamaram agrave existecircncia permanecendo sempre ativas natildeo satildeo mais percebidas senatildeo atraveacutes de um vasto sistema de interpretaccedilotildees que as deformam As mitologias populares e as teologias sutis fizeram seu trabalho elas sobrepuseram aos sentimentos primitivos sentimentos muito diferentes que dependendo dos primeiros dos quais eles satildeo a forma elaborada entretanto natildeo deixam transparecer sua natureza verdadeira senatildeo muito imperfeitamente A distacircncia psicoloacutegica entre causa e o efeito entre a causa aparente e a causa efetiva tornou-se mais consideraacutevel e mais difiacutecil para o espiacuterito percorrecirc-la () Nas religiotildees primitivas o fato religioso traz ainda visiacutevel o cunho de suas origens ter-nos-ia sido bem mais aacuterduo inferi-lo considerando apenas as religiotildees mais desenvolvidas (DURKHEIM 1978 pp209-210)
A partir de tal metodologia Eacutemile Durkheim esboccedilou um conceito de religiatildeo
proacuteprio das Ciecircncias Sociais que em linhas gerais foi definido pelo socioacutelogo francecircs
da seguinte maneira
() A religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social As representaccedilotildees religiosas satildeo representaccedilotildees coletivas que exprimem realidades coletivas os ritos satildeo maneiras de agir que nascem no seio dos
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grupos reunidos e que satildeo destinados a suscitar a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos Mas entatildeo se as categorias satildeo de origem religiosa elas devem participar da natureza comum a todos os fatos religiosos elas tambeacutem devem ser coisas sociais produtos do pensamento coletivo Pelo menos - pois no estado atual de nossos conhecimentos nesta mateacuteria devemos nos guardar de toda tese radica e exclusiva ndash eacute legiacutetimo supor que elas satildeo ricas em elementos sociais (DURKHEIM 1978 p212)
Ora se a religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social como destaca
Durkheim ela tambeacutem eacute um mecanismo necessaacuterio para o estabelecimento de uma
identidade coletiva na qual os indiviacuteduos se percebem como participantes de um
grupo social que compartilha os mesmos valores morais e crenccedilas em um
determinado espaccedilo geograacutefico situado em um contexto (tempo histoacuterico) Assim
natildeo eacute o tempo individual relativo a cada ser vivo mas sim
() o tempo tal como eacute objetivamente pensado por todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo Apenas isto jaacute eacute suficiente para fazer entrever que uma tal organizaccedilatildeo deve ser coletiva E com efeito a observaccedilatildeo estabelece que estes pontos de apoio indispensaacuteveis em relaccedilatildeo aos quais todas as coisas satildeo classificadas temporalmente satildeo emprestados agrave vida social As divisotildees em dias semanas meses anos etc correspondem agrave periodicidade dos ritos das festas das cerimocircnias puacuteblicas Um calendaacuterio exprime o ritmo da atividade coletiva ao mesmo tempo que tem por funccedilatildeo assegurar sua regularidade O mesmo acontece com o espaccedilo () A representaccedilatildeo espacial consiste essencialmente numa primeira coordenaccedilatildeo introduzida entre os dados da experiecircncia sensiacutevel Mas esta coordenaccedilatildeo seria impossiacutevel se as partes do espaccedilo fossem qualitativamente equivalentes se elas realmente fossem substituiacuteveis umas agraves outras Para dispor espacialmente as coisas eacute preciso poder situar-las diferentemente () da mesma maneira que para dispor temporalmente os estados de consciecircncia eacute preciso poder localizaacute-los em datas determinadas O que representa dizer que o espaccedilo natildeo poderia ser ele mesmo se assim como o tempo ele natildeo fosse dividido e diferenciado () Todas estas distinccedilotildees evidentemente provecircm do fato de que valores afetivos diferentes foram atribuiacutedos agraves regiotildees E com todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo representam o espaccedilo de uma mesma maneira eacute preciso evidentemente que estes valores afetivos e as distinccedilotildees que dele dependem lhes sejam igualmente comuns o que implica quase necessariamente que elas satildeo de origem social (DURKHEIM 1978 pp212-213)
Em suma as representaccedilotildees coletivas presentes no que Durkheim denomina
de ―fato religioso tem com base valores afetivos compartilhados socialmente em um
determinado contexto temporal (histoacuterico) e espacial (geograacutefico) Natildeo por acaso as
religiotildees na Antiguidade estavam identificadas diretamente com as suas respectivas
civilizaccedilotildees (exemplo o Deus de Israel as divindades egiacutepcias como Hoacuterus e Isiacutes
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Baal da Feniacutecia entre outros) ao mesmo tempo em que aquelas que constituiacuteram
impeacuterios como o caso do Impeacuterio de Alexandre o Grande e o Impeacuterio Romano
construiacuteram panteotildees em suas respectivas capitais com o intuito de guardar as
divindades de todos os povos conquistados e subjugados por suas legiotildees
simbolizando natildeo apenas uma espeacutecie de ecumenismo mas tambeacutem a suposta
superioridade helecircnica e romana sobre os demais povos Por outro lado foi o
caraacuteter ecumecircnico e ―universal do Impeacuterio Romano aleacutem de suas estradas e rotas
de navegaccedilatildeo pelo mar Mediterracircneo que permitiu ao cristianismo se tornar uma
crenccedila que abrangeu todas as proviacutencias do Impeacuterio da Gratilde-Bretanha e Peniacutensula
Ibeacuterica ateacute as fronteiras com a Peacutersia
Outro aspecto importante da anaacutelise de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo eacute sua
diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico Se este corresponde agrave anaacutelise
dos fenocircmenos naturais humanos a partir da observaccedilatildeo e anaacutelise loacutegica e racional
a religiatildeo principalmente atraveacutes da Feacute tem a funccedilatildeo de auxiliar o crente ou o fiel a
viver um cotidiano cheio de obstaacuteculos e percalccedilos Segundo Durkheim (1978
p222)
() Os crentes os homens que vivendo da vida religiosa tecircm a sensaccedilatildeo direta daquilo que a constitui () sentem com efeito que a verdadeira funccedilatildeo da religiatildeo natildeo eacute fazer-nos pensar enriquecer nosso conhecimento acrescentar agraves representaccedilotildees que devemos agrave ciecircncia representaccedilotildees de uma outra origem e de um outro caraacuteter mas a de fazer-nos agir auxiliar-nos a viver O fiel que se comunicou com seu deus natildeo eacute apenas um homem que vecirc novas verdades que o descrente ignora ele eacute um homem que pode mais Ele sente em si mais forccedila seja pra suportar as dificuldades da existecircncia seja para vencecirc-las Ele estaacute como que elevado acima das miseacuterias humanas porquecirc estaacute elevado acima de sua condiccedilatildeo de homem acredita-se salvo do mal sob qualquer forma aliaacutes que ele conceba o mal O primeiro artigo de toda feacute eacute a crenccedila na salvaccedilatildeo pela feacute Uma ideacuteia com efeito natildeo eacute senatildeo um elemento de noacutes mesmos como poderia ela conferir-nos poderes superiores agravequeles que temos por nossa natureza Por mais que ela seja rica em virtudes afetivas natildeo poderia nada acrescentar agrave nossa vitalidade natural pois ela soacute pode liberar as forccedilas emotivas que estatildeo em noacutes natildeo criaacute-las ou aumentaacute-las Do fato de que noacutes nos representamos um objeto como digno de ser amado e procurado natildeo se segue que nos sintamos mais fortes mas eacute preciso que deste objeto emanem energias superiores agravequelas de que dispomos e aleacutem do mais que tenhamos algum meio de fazecirc-las penetrar em noacutes e de misturaacute-las agrave nossa vida interior Ora para isto natildeo eacute suficiente que noacutes a pensemos mas eacute indispensaacutevel que nos coloquemos em sua esfera de accedilatildeo que nos voltemos para lado pelo qual podemos sentir melhor sua influecircncia Numa palavra eacute preciso que ajamos e repitamos os atos que satildeo assim necessaacuterios todas as vezes em que isso eacute uacutetil para renovar seus efeitos()
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A feacute seria o combustiacutevel do fiel responsaacutevel por fortalecer periodicamente a
sua crenccedila Daiacute a importacircncia do culto o ponto localizado no tempo-espaccedilo no qual
o indiviacuteduo compartilha com outros a sua feacute constituindo assim um grupo social cuja
identidade estaacute na religiosidade Atraveacutes do culto a feacute eacute exteriorizada de forma
coletiva por mais que ela seja muitas vezes considerada um sentimento individual
Segundo Durkheim (pp222-223)
De fato quem quer que realmente praticou uma religiatildeo bem sabe que eacute o culto que suscita estas impressotildees de alegria de paz interior de serenidade de entusiasmo que satildeo para o fiel a prova experimental de suas crenccedilas O culto natildeo eacute simplesmente um sistema de signos pelos quais a feacute se traduz para o exterior ele eacute a coleccedilatildeo dos meios pelos quais ela se cria e recria periodicamente Que ele consista em manobras materiais ou em operaccedilotildees mentais eacute sempre ele que eacute eficaz
Atraveacutes do culto a coletividade impotildee a sua forccedila sobre o indiviacuteduo pois sua
feacute tem como alicerce paracircmetros externos estabelecidos pela sociedade ou
civilizaccedilatildeo agrave qual pertence Desta forma
() Quem faz o homem eacute este conjunto de bens intelectuais que constitui a civilizaccedilatildeo e a civilizaccedilatildeo eacute obra da sociedade E assim se explica o papel preponderante do culto em todas as religiotildees quaisquer que sejam Pois a sociedade soacute pode exercer influecircncia se ela for um ato e ela soacute pode ser um ato se os indiviacuteduos que a compotildeem estiverem reunidos e agirem em comum Eacute pela accedilatildeo comum que ela toma consciecircncia de si e se potildee antes de tudo ela eacute uma cooperaccedilatildeo ativa Mesmo as ideacuteias e os sentimentos coletivos apenas satildeo possiacuteveis graccedilas a movimentos exteriores que os simbolizam assim como estabelecemos Portanto a accedilatildeo domina a vida religiosa apenas porque a sociedade eacute sua fonte (DURKHEIM 1978 p223)
Para Durkheim a religiatildeo e suas praacuteticas tecircm tanta importacircncia para a
sociedade pois esta constitui agrave sua base A partir dos princiacutepios morais
estabelecidos atraveacutes dos dogmas religiosos que as civilizaccedilotildees e sociedades mais
antigas estabeleceram as demais instituiccedilotildees que exercem o controle social algo
essencial para a manutenccedilatildeo da coesatildeo entre os diversos grupos sociais e o pleno
funcionamento do organismo social
() Portanto pode-se dizer resumindo que quase todas as grandes instituiccedilotildees sociais nasceram da religiatildeo Ora para que os principais aspectos da vida coletiva tenham comeccedilado por aspectos variados da vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressatildeo abreviada da vida coletiva inteira Se a religiatildeo engendrou tudo o que haacute de essencial na sociedade eacute porque a ideacuteia da sociedade eacute a alma da religiatildeo (DURKHEIM 1978 p224)
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A ideia de que a sociedade eacute a alma da religiatildeo estaacute interligada a percepccedilatildeo
de que a religiatildeo foi responsaacutevel por estabelecer as primeiras bases da eacutetica e da
moral na maior parte das civilizaccedilotildees humanas Assim eacute possiacutevel concluir que
As forccedilas religiosas satildeo pois forccedilas humanas forccedilas morais Sem duacutevida porque os sentimentos coletivos natildeo podem tomar consciecircncia de si mesmos senatildeo fixando-se sobre objetos exteriores tais forccedilas natildeo puderam se constituir sem tomar agraves coisas alguns dos seus caracteres adquiriram assim um tipo de natureza fiacutesica a este tiacutetulo elas vieram misturar-se agrave vida do mundo material e eacute por elas que se acreditou poder explicar o que nele se passa Mas quando satildeo consideradas somente por este lado e nesta atribuiccedilatildeo vecirc-se apenas o que elas tecircm de mais superficial Na realidade eacute a consciecircncia que satildeo emprestados os elementos essenciais dos quais elas satildeo feitas Ordinariamente parece que elas natildeo teriam um caraacuteter humano senatildeo quando satildeo pensadas sob forma humana no entanto mesmo as mais impessoais e mais anocircnimas natildeo passam de sentimentos objetivados Soacute vendo as religiotildees sob este acircngulo eacute possiacutevel perceber sua verdadeira significaccedilatildeo Prendendo-se agraves aparecircncias os ritos frequentemente parecem o efeito de operaccedilotildees puramente manuais satildeo unccedilotildees lavagens refeiccedilotildees Para consagrar uma coisa se a coloca em contato com uma fonte de energia religiosa () Assim compreendida a teacutecnica religiosa parece um tipo de mecacircnica miacutestica Mas estas manobras materiais satildeo o invoacutelucro exterior sob o qual se dissimulam operaccedilotildees mentais Finalmente trata-se natildeo de exercer um tipo de coaccedilatildeo fiacutesica sobre forccedilas cegas e aliaacutes imaginaacuterias mas de atingir consciecircncias de tonificaacute-las disciplinaacute-las () Eacute sobre a vida moral que elas tecircm por principal funccedilatildeo agir Compreende-se assim que o que foi feito em nome da religiatildeo natildeo poderia ter sido feito em vatildeo pois foi necessariamente a sociedade dos homens a humanidade que recolheu os seus frutos (DURKHEIM 1978 p224)
Se por um lado alguns intelectuais poderiam contestar as conclusotildees de
Durkheim sobre a religiatildeo principalmente no que se refere ao estabelecimento e
coacutedigos morais inspirados em uma realidade social perfeita cuja concretude soacute
existiria no plano imaginaacuterio o socioacutelogo francecircs contra-argumenta ao ressaltar que
as aspiraccedilotildees humanas imaginaacuterias originam-se a partir das necessidades
humanas existentes na realidade concreta da vida em sociedade
Mas diz-se qual eacute exatamente a sociedade da qual se tirou o substrato da vida religiosa Eacute a sociedade real tal como ela existe e funciona sob nossos olhos com a organizaccedilatildeo moral juriacutedica que ela laboriosamente modelou no decorrer da histoacuteria Mas ela estaacute repleta de taras e de imperfeiccedilotildees Aqui o mal rodeia o bem a injusticcedila frequentemente reina como soberana a verdade eacute em cada instante obscurecida pelo erro Como um ser tatildeo grosseiramente constituiacutedo poderia inspirar os sentimentos de amor o entusiasmo ardente o espiacuterito de abnegaccedilatildeo que todas as religiotildees reclamam de seus fieacuteis Estes seres perfeitos que satildeo os deuses natildeo podem ter emprestado suas feiccedilotildees a uma realidade tatildeo mediacuteocre algumas
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vezes tatildeo baixa Trata-se ao contraacuterio da sociedade perfeita onde a justiccedila e a verdade seriam soberanas de onde o mal sob todas as suas formas estaria extirpado Natildeo se contesta que ela esteja em estreita relaccedilatildeo com o sentimento religioso pois diz-se as religiotildees tendem a realizaacute-la Apenas esta sociedade natildeo eacute um dado empiacuterico definido e observaacutevel ela eacute uma quimera um sonho no qual os homens acalentaram suas miseacuterias mas que eles jamais viveram na realidade Ela eacute uma simples ideia que vem traduzir na consciecircncia nossas aspiraccedilotildees mais ou menos obscuras para o bem o belo o ideal Ora estas aspiraccedilotildees tecircm em noacutes suas raiacutezes vecircm das proacuteprias profundezas de nosso ser portanto natildeo existe nada fora de noacutes que possa explicaacute-las Aliaacutes jaacute satildeo religiosas por si mesmas portanto a sociedade ideal supotildee a religiatildeo longe de poder explicaacute-la (DURKHEIM 1978 p225)
Cabe destacar portanto que para Eacutemile Durkheim a religiatildeo estaacute longe de
ser uma ilusatildeo habilmente manipulada pelos detentores do poder visando alienar a
sociedade (ou mais precisamente as classes sociais menos favorecidas) de seus
problemas decorrentes de uma sociedade marcada pela injusticcedila e sofrimento mas
uma representaccedilatildeo da proacutepria realidade pois em sua simbologia ela reproduz os
dramas existenciais muitas vezes decorrentes da carecircncia dos recursos necessaacuterios
para suprir as suas proacuteprias necessidades Por esta razatildeo
() eacute simplificar arbitrariamente as coisas ver a religiatildeo soacute por seu lado idealista ela eacute realista agrave sua maneira Natildeo existe fealdade fiacutesica ou moral natildeo existem viacutecios nem males que natildeo tenham sido divinizados Houve deuses do roubo e da astuacutecia da luxuacuteria e da guerra da doenccedila e da morte O proacuteprio cristianismo por mais alta que seja a ideia que ele se faz da divindade foi obrigado a dar ao espiacuterito do mal um lugar em sua mitologia Satatilde eacute uma peccedila essencial do sistema cristatildeo ora se ele eacute um ser impuro natildeo eacute um ser profano O antideus eacute um deus inferior e subordinado eacute verdade mas dotado de poderes extensos ele eacute mesmo objeto de ritos pelo menos negativos Portanto longe de a religiatildeo ignorar a sociedade real e dela fazer abstraccedilatildeo ela eacute sua imagem reflete todos os seus aspectos mesmo os mais vulgares e os mais repugnantes Tudo se reencontra nela e se frequentemente se vecirc o bem subjugar o mal a vida a morte as potecircncias da luz as potecircncias das trevas eacute porque diferentemente na realidade Pois se a relaccedilatildeo entre as forccedilas contraacuterias fosse inversa a vida seria impossiacutevel ora de fato ela se manteacutem e mesmo tende a se desenvolver (DURKHEIM 1978 p225)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Por fim cabe uma reflexatildeo sobre a validade das consideraccedilotildees
metodoloacutegicas e analiacuteticas propostas por Eacutemile Durkheim sobre a Sociologia da
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Religiatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX Em um artigo publicado em 2012 Ana Keila Mosca
Pinezi e Eacuterica Ferreira da Cunha Jorge inicialmente problematizaram de forma criacutetica
a teoria durkheimiana ao questionarem a validade de seus conceitos
Algumas correntes questionam a validade e utilizaccedilatildeo do pensamento durkheimiano nas anaacutelises contemporacircneas sobre religiatildeo por este universo de estudos ter sido completamente reconfigurado Um dos argumentos seria que as abordagens claacutessicas da sociologia da religiatildeo de Durkheim natildeo se ajustam agrave realidade atual um momento dominado pelo individualismo crescente como valor nas sociedades poacutes-industriais contemporacircneas Seraacute que o socioacutelogo francecircs imaginou que as sociedades ocidentais caminhariam para este processo de individualismo Eacute possiacutevel que os estudos atuais levem em consideraccedilatildeo as propostas de representaccedilotildees coletivas apontadas em suas claacutessicas antinomias (PINEZI JORGE 2012 p84)
Apesar das autoras considerarem que boa parte das categorias socioloacutegicas
propostas por Durkheim natildeo podem ser mais utilizadas ―puramente devendo ser
adaptadas de forma criacutetica para a anaacutelise de objetos de pesquisas contemporacircneos
concluiacuteram tal problematizaccedilatildeo da seguinte forma
() a atualidade e a relevacircncia da teoria durkheimiana retomada criticada reelaborada mas fundamental para que se prossiga na tarefa tatildeo aacuterdua quanto antes de pensar os arranjos e rearranjos do movimento do coletivo em relaccedilatildeo agrave busca do sobrenatural e da explicaccedilatildeo do consolo em relaccedilatildeo aos fatos da vida (PINEZI JORGE 2012 p98)
Partindo de tal perspectiva eacute possiacutevel observar a atualidade do referencial
metodoloacutegico de pesquisa e anaacutelise propostos por Eacutemile Durkheim para o estudo
socioloacutegico da religiatildeo As diversas denominaccedilotildees religiosas e seus sistemas
simboacutelicos expressos em seus cultos e nos seus coacutedigos de conduta moral satildeo
compartilhados por parcelas consideraacutevel da sociedade constituindo importantes
grupos sociais que atuam em um contexto marcado natildeo apenas pelo individualismo
exacerbado mas tambeacutem pela formaccedilatildeo de coletividades diversas que
compartilham diferentes (e muitas vezes antagocircnicos) princiacutepios e visotildees de
mundo Desta forma cabe ao cientista social partir para o desafio de identificar os
aspectos gerais e particulares das diversas formas de religiosidade praticadas na
sociedade com a perspectiva de contribuir natildeo apenas para a construccedilatildeo de um
conhecimento cientiacutefico sobre elas mas tambeacutem de construir um acervo intelectual
capaz de contribuir para a construccedilatildeo de um paiacutes realmente tolerante e democraacutetico
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no qual as mais diferenciadas expressotildees religiosas e ateacute aqueles que se mostram
descrentes possam conviver pacificamente respeitando as suas crenccedilas e opiniotildees
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
COSTA Cristina Sociologia ndash Introduccedilatildeo agrave ciecircncia da sociedade Satildeo Paulo
Editora Moderna 2010
DURKHEIM Eacutemile Os Pensadores Satildeo Paulo Abril Cultural 1978
_______________ As regras do meacutetodo socioloacutegico Satildeo Paulo Nacional
1987
_______________ As formas elementares da vida religiosa o sistema
totecircmico da Austraacutelia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
PINEZI Ana Keila Mosca JORGE Eacuterica Ferreira da Cunha Revisitando
dicotomias claacutessicas em As Formas da Vida Religiosa sagrado X profano
religiatildeo X magia Estudos de Religiatildeo v26 n 42 ndash Ediccedilatildeo Especial pp 83-
98 Disponiacutevel em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=6342741
acessado em 26 de dezembro de 2019
QUINTANEIRO Tania BARBOSA Maria Liacuteia de Oliveira OLIVEIRA Maacutercia
Guardecircnia de Um toque de claacutessicos ndash Marx Durkheim Weber 2ed Belo
Horizonte Editora UFMG 2009
SILVA Mauricio Cocircrrea de et al Metodologia Cientiacutefica para as Ciecircncias
Sociais Aplicadas anaacutelises criacuteticas sobre meacutetodos e tipologias de pesquisas e
destaque de contribuiccedilotildees de Marx Weber e Durkheim Revista Cientiacutefica
Hermes n13 pp159-179 2015 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2829321 acessado em
acessado em 26 de dezembro de 2019
Autor ndash Dr Mauriacutecio Tintori Piqueira
Docente FATEJ FADISA Doutor em Ciecircncias Sociais e Mestre em
Histoacuteria pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica
de Satildeo Paulo (PUC-SP)
Gestor Institucional-Acadecircmico da Faculdade
de Tecnologia JardimFaculdade de Direito de
Santo Andreacute
tintoriledyahoocombr
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ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA
ldquoAge sempre de tal modo que o teu
comportamento possa vir a ser princiacutepio
de uma de uma lei universalrdquo
Immanuel Kant
RESUMO
Nesse artigo procurar defender a possibilidade de se elaborar um conceito de
justiccedila que decorra de moral a partir dos princiacutepios cristatildeos do amor ao proacuteximo
que a nosso ver eacute alicerce da visatildeo de mundo ocidental Para tanto fazemos uma
anaacutelise das modernas noccedilotildees de Direito e das nuances do ideal de igualdade que
funda as noccedilotildees de justiccedila frente ao pensamento de Immanuel Kant
Palavras-chave Justiccedila Direito Religiatildeo Cristianismo
ABSTRACT
In this article we seek to defend the possibility of elaborating a moral concept
of justice based on the Christian principles of love of neighbor which in our view is
the foundation of the Western worldview To do so we analyze the modern notions of
law and the nuances of the ideal of equality which underlies the notions of justice in
front of the thought of Immanuel Kant
Keywords Justice Law Religion Christianity
INTRODUCcedilAtildeO
Ao nos depararmos com a obra de Herbert Hart o vemos apontando a justiccedila
como um segmento especiacutefico da moral que passa pelo sentido de condenaccedilatildeo
coletiva de determinada conduta natildeo se considerando simplesmente o valor
autor Piterson Balmat Gonccedilalves
piterson_avyahoocombr
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individual da accedilatildeo assim justiccedila seria a parte da moral que eacute pensada
coletivamente1 Rawls de maneira semelhante define justiccedila como a primeira
virtude das instituiccedilotildees sociais2
Na mesma esteira Teacutercio Sampaio Ferraz Juacutenior nos mostra que ―a justiccedila eacute
o princiacutepio e problema moral do direito3 Assim afirma porque identifica a justiccedila
como sendo ―o sentido unificador do universo moral de qualquer homem sem o
qual a vida se torna insuportaacutevel4 Em suma a justiccedila seria o elemento moral que
doa sentido (comunicativo) agraves regras de convivecircncia5
Dessa maneira a justiccedila seria o elemento externo ao Direito derivado da
moral capaz de lhe dar sentido Para este fim ele aponta que longe de se tratar de
uma questatildeo de crenccedila aquilo que acreditamos ser virtuoso (e a partir dele justo ndash
porque eacute certo todos agirem assim que eacute justo todos agirem assim) deriva daquilo
que compreendemos ser racional no sentido de ―relacionar ―ligar coisaslsquo entre si
motivo pelo qual justiccedila representa ―equiliacutebrio entre dois pontos6 Assim aponta a
igualdade como o princiacutepio universal daquilo que representa justiccedila
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL
Seria assim a noccedilatildeo de equiliacutebrioigualdade o elo moral de todas as
condutas humanas que reivindicam a participaccedilatildeo do Direito Eacute o criteacuterio moral de
justiccedila que estabiliza as relaccedilotildees e sem ele natildeo eacute possiacutevel viver
Nesse sentido a sua caracteriacutestica essencial seria constituiacuteda da noccedilatildeo de
equiliacutebrio dentro da qual o homem passa a existir A este equiliacutebrio gerado deve ser
dado o nome de justiccedila por ser o princiacutepio que dirige as relaccedilotildees do homem e que
serve de base para o processo de reconhecimento daquilo a que chamamos Direito
1 Nesse sentido ―a equidade (ou imparcialidade) coincide com a moral em geral as referecircncias a ela
satildeo pertinentes sobretudo em duas situaccedilotildees da vida social Uma se daacute quando natildeo estamos considerando a conduta de um uacutenico indiviacuteduo mas a forma como se tratam classes de indiviacuteduos quando haacute algum encargo ou benefiacutecio a ser distribuiacutedo entre elas (hellip) A segunda situaccedilatildeo ocorre quando algum prejuiacutezo foi causado e se reivindica a indenizaccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do dano Hart Herbert O conceito de Direito pp 205-206 A justiccedila portanto pensa aleacutem do elemento interno da accedilatildeo moral a sua motivaccedilatildeo mas busca se colocar no elemento exterior agrave sua praacutetica qual seja na realizaccedilatildeo de um desejo de igualdade Apesar das criacuteticas que poderemos realizar agrave colocaccedilatildeo geneacuterica da igualdade para aplicaccedilatildeo da justiccedila (jaacute que vinganccedila eacute distinta da distribuiccedilatildeo por exemplo) a distinccedilatildeo da justiccedila da moral comum como fruto do desejo de igualdade nos parece ser correto e dele natildeo deixaremos de nos valer 2 Rawls John uma teoria da justiccedila citado por Ricoeur Paul O Justo 1 p 30
3 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito p 332
4 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 328
5 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
6 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
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Justiccedila eacute assim um ideal pertencimento comum entre os homens pelo qual
se prega ou fomenta a igualdade entre os seus membros
Entretanto apesar da correccedilatildeo do pensamento dos aludidos autores se
observarmos as noccedilotildees de justiccedila que a Histoacuteria nos daacute perceberemos que elas (i)
tanto satildeo diferentes entre si como (ii) podem natildeo representar de fato um desejo de
igualdade entre os homens
Nesse sentido ainda que se quisesse natildeo se poderia considerar de maneira
igual por exemplo a justiccedila retributivareparatoacuteria que eacute a forma de Direito mais
antiga entre os homens a justiccedila comutativa (justiccedila derivada do acordo contratual
que busca equilibrar os elementos de uma permuta a partir do momento em que a
Economia precisa de uma reflexatildeo imediata do Direito a respeito das relaccedilotildees por
ela estabelecidas) ou mesmo uma justiccedila distributiva (bem mais proacutexima do Direito
estatal moderno e do exerciacutecio poliacutetico das ―democracias poacutes-Revoluccedilatildeo Francesa)
Da mesma forma natildeo se poderia concluir que tais noccedilotildees de justiccedila se baseiam em
um desejo de realizaccedilatildeo da igualdade entre os homens
Se observarmos as diversas noccedilotildees de justiccedila que nos satildeo dadas veremos
que elas na verdade se identificam muito mais com o aspecto institucional do
exerciacutecio do Direito do que se ligam com a busca do bem e a realizaccedilatildeo do
pertencimento tiacutepicos da moral Elas se relacionam primordialmente com intenccedilatildeo
de impeacuterio do Direito que busca mantecirc-lo vaacutelido perante os homens Em uacuteltima
instacircncia natildeo importa se servem para a praacutetica de um padratildeo moral mas antes se
valem para a realizaccedilatildeo de determinados interesses
Isso acontece por exemplo com a justiccedila comutativa onde a bilateralidade
atributiva que conteacutem em si uma forma de igualdade serve na verdade a
determinados interesses econocircmicos que precisam ser assegurados pelo poder
poliacutetico que emana do Direito Eacute assim tambeacutem com a justiccedila retributiva a qual
inspirada no desejo comum de vinganccedila vecirc este desejo monopolizado pelo poder
poliacutetico do Estado que o exerce atraveacutes da institucionalizaccedilatildeo do seu Direito ou
mesmo com a justiccedila distributiva que serve no fundo agrave pacificaccedilatildeo de conflitos
para a manutenccedilatildeo da seguranccedila do modelo institucionalmente imposto
Ocorre poreacutem que se a justiccedila eacute entendida dessa maneira a igualdade que
ela pressupotildee acaba por se resumir ao contraacuterio do que se concluiu inicialmente (eacute
dizer que justiccedila eacute o princiacutepio moral do Direito) a uma forma de dominaccedilatildeo que ao
manipular interesses dissimula interesses que lhe satildeo anteriores Se levado a uacuteltimo
termo trata-se a justiccedila neste exerciacutecio de poder de um jogo de interesses sendo
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que seraacute mais justo o padratildeo que mais souber ocultar os interesses por detraacutes da
pregaccedilatildeo da igualdade e ateacute mesmo souber fingir ser moral para se desviar da
necessidade que ela impotildee a respeito de se fazer o bem
A articulaccedilatildeo moral da maneira que nos eacute ensinada nesse acircmbito eacute quase
inexistente Na verdade se o problema da justiccedila fosse apenas este jogo de
interesses o problema da moral do Direito natildeo existiria vez que acabariacuteamos por
concluir que (i) o mais justo eacute o mais imoral ou mesmo o mais amoral e
consequentemente que (ii) natildeo haacute justiccedila ou natildeo haacute moral (sim pois se apenas
existe o mal natildeo existe o bem moral pelo que o proacuteprio mal natildeo existe) jaacute que seria
apenas dissimulando interesses que se conquistam padrotildees de uma falsa igualdade
Neste cenaacuterio que vai de mal a pior perde-se a esperanccedila na possibilidade de
existir algo aleacutem dos jogos de interesses fundados no egoiacutesmo humano de maneira
que a justiccedila faccedila algum sentido
O problema da igualdade revelado a partir dos interesses ganha entatildeo um
novo niacutevel de reflexatildeo Se a igualdade eacute pensada a partir do seu motivo natildeo basta
apenas que exista estruturalmente a igualdade natildeo basta que seja pensada
―coletivamente Faz-se necessaacuterio que moralmente a igualdade faccedila sentido e que
natildeo se destine a justiccedila a realizar o interesses de alguns
Ora eacute exatamente sobre este ponto que repousa toda a discussatildeo Se o jogo
de interesses representa a perda da possibilidade de igualdade entre os homens
(igualdade esta que como vimos eacute o fundamento da ideia de justiccedila) para que esta
exista a forccedila que motiva a accedilatildeo deve ser portanto desinteressada
A questatildeo eacute existiria alguma forccedila desinteressada no acircmbito da accedilatildeo
humana capaz de fundamentar a igualdade entre os homens sem que isso
represente um jogo de manipulaccedilotildees
Sem duacutevida para que houvesse este tipo de forccedila desinteressada natildeo
poderia ter ela origem nos desejos ordinaacuterios que servem justamente para que o
homem persiga determinados interesses Deveria haver um desejo superior que a
fundamentasse de maneira que natildeo existisse qualquer condiccedilatildeo que lhe tirasse a
necessidade Ao ser necessaacuterio o desejo seria universal vaacutelido para todos os
homens em qualquer tempo e assim poderia criar condiccedilotildees de igualdade para se
existir
Se concebido dessa maneira ndash e parece ser essa a uacutenica forma que se pode
pensar ndash para se formular uma teoria da justiccedila eacute indispensaacutevel a universalidade do
padratildeo moral precedecirc-la de maneira que esta seja atraveacutes da universalidade
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fomentada entre os homens E eacute neste ponto em que os padrotildees de justiccedila que
apontamos se mostram insuficientes para gerar igualdade porque natildeo levam em
conta o elemento da motivaccedilatildeo moral o interesse que inspira essas formas de
igualdade deixam de observar que facilmente a questatildeo da justiccedila se torna o
problema da injusticcedila
A universalidade se faz necessaacuteria na medida em que natildeo havendo um valor
de bem intriacutenseco agraves accedilotildees que se busca compreender natildeo poderaacute haver um bom
desejo podendo qualquer interesse decorrente de qualquer desejo servir de base
para a realizaccedilatildeo da ―igualdade Se isto ocorre o sentido de justiccedila acaba por se
resumir agrave forma de sua igualdade a qual resolve no fim das contas apenas parte
do problema Eacute dizer se a moral encontra seu ponto uacuteltimo na divisatildeo entre os
desejos e a ideia de igualdade que possibilita um conceito de justiccedila depende da
moral apenas quando se encontra um desejo universal eacute que se localiza uma justiccedila
que verdadeiramente serve a todos os homens
Aiacute a primeira grande importacircncia de Kant para o resgate do sentido de justiccedila
encontrar um elemento do desejo humano que parta da sua motivaccedilatildeo subjetiva
capaz de alcanccedilar a universalidade moral possibilitando a realizaccedilatildeo da igualdade
na sua universalidade A segunda contribuiccedilatildeo como veremos a seguir eacute o
elemento praacutetico da proacutepria construccedilatildeo universal que guia o homem para o seu todo
humano como um fim em si mesmo capaz de resgatar o homem da sua apatia e
indeterminaccedilatildeo eacuteticas Ambas em conjunto caminham agrave noccedilatildeo de amor ao
proacuteximo que nos eacute trazida do cristianismo
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO
Para que possamos avanccedilar no entanto seraacute necessaacuterio falar do problema
do formalismo kantiano jaacute que a foacutermula de universalidade que ele nos indica
parece se resumir a um simples absoluto loacutegico com isto queremos que apareccedila a
intenccedilatildeo escatoloacutegica de Kant e surja na dignidade do homem o caminho da vida
em comum
De fato se nos limitarmos agraves linhas baacutesicas da filosofia kantiana
perceberemos que ela nos eacute apresentada como aquela na qual a possibilidade de
accedilatildeo nos horizontes morais segundo juiacutezos que se remetem a maacuteximas evoca o
imperativo categoacuterico como prova da autonomia da vontade no homem Na sua
determinaccedilatildeo criacutetica trata-se de uma vontade que estaacute sujeita agraves leis da proacutepria
razatildeo um fundamento da capacidade de agir que natildeo dialoga imediatamente com
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outra coisa senatildeo com a proacutepria razatildeo que quer que se determina conforme a
razatildeo que legisla
O sistema que ele cria da maneira que o proacuteprio Kant pretendeu eacute uma
tentativa de localizar o a priori dentre os moacutebiles do agir no intuito de dar
continuidade ao seu projeto criacutetico agrave esfera do querer humano Quando ele localiza a
liberdade como condiccedilatildeo do agir a vontade a um determinado fim como meio e
todo caminho que atrapalhe a vontade de atingir diretamente o seu fim como
contingecircncia realiza o seu plano e daacute organicidade aos conhecimentos sobre a
moral
Visto dessa maneira tudo parece indicar que na esfera da moralidade natildeo
haacute outra coisa a se pensar senatildeo a sua construccedilatildeo baseada em um tipo de absoluto
loacutegico Sim pois se as ligaccedilotildees se datildeo por meio de determinados elementos
estruturais fixos o pensamento de Kant sobre a eacutetica natildeo pode ser senatildeo pura
forma
Nesse sentido tomemos de exemplo as palavras de Deleuze que
interpretando o pensamento de Kant nos mostra o instante em que a filosofia moral
de Kant eacute uma edificaccedilatildeo loacutegica e portanto formal
―Vimos que a faculdade de desejar era capaz de uma forma superior quando ela era determinada natildeo por representaccedilotildees de objectos (sensiacuteveis ou intelectuais) natildeo por um sentimento de prazer ou de dor que ligaria representaccedilotildees deste geacutenero agrave vontade mas pela representaccedilatildeo de uma pura forma Esta forma pura eacute a de uma legislaccedilatildeo universal A lei moral natildeo se apresenta como um universal comparativo e psicoloacutegico (por exemplo natildeo faccedilas aos outros etc) A lei moral ordena-nos que pensemos a maacutexima da nossa vontade como ―princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universal Eacute pelo menos conforme agrave moral uma acccedilatildeo cuja maacutexima pode ser pensada sem contradiccedilatildeo como lei universal O universal neste sentido eacute um absoluto loacutegico
7
Pensada assim a filosofia de Kant natildeo serve agrave formaccedilatildeo de uma praacutexis
servindo como uma mera foacutermula metafiacutesica E de fato uma vez que se detenha
nessa criacutetica ver-se-aacute que ela eacute procedente por alguns motivos
Em primeiro lugar haacute um claro formalismo na maneira que satildeo constituiacutedos
os seus escritos que por mais das vezes dentro de um rigoroso encadeamento
loacutegico arriscam-se em tautologias O meacutetodo geral de sua filosofia que tambeacutem eacute
vaacutelido para a sua Eacutetica se articula de maneira que nela se tenha como objetivo
provar que a razatildeo eacute a faculdade de adequar o seu objeto ndash no caso da moral a
7 Deleuze Gilles A filosofia Criacutetica de Kant p 35
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razatildeo praacutetica ndash conforme a um fim Eacute da prova silogiacutestica em que se constituem suas
foacutermulas8
Em um segundo momento vemos um formalismo intriacutenseco agrave sua filosofia
moral no que diz respeito agrave capacidade de legislar Esta inerente agrave razatildeo natildeo se
realiza segundo Kant da mesma maneira para o conhecer e para o querer No caso
do conhecimento haacute uma clara relaccedilatildeo entre um eu-subjetivo e mundo-objetivo que
no seu ponto a priori e universalizaacutevel ―significa a capacidade de perceber9 Isso
cria no fim das contas as condiccedilotildees objetivas de todo conhecimento e universaliza
a razatildeo pura ora se se condiciona o sujeito ao objeto e o objeto ao sujeito fecha-se
um sistema entre eles o qual se considerarmos o seu objeto como um conjunto de
apreensotildees da experiecircncia realiza de fato uma faculdade de conhecer uniforme
No caso do querer no entanto estaacute ausente a apreensatildeo fenomecircnica isto eacute
falta-lhe o mundo-objetivo Como vimos anteriormente para Kant o querer tem entre
a accedilatildeo e a liberdade do sujeito apenas a proacutepria vontade que na sua forma pura
nada mais eacute que o representante da razatildeo dentro do sujeito O plano objetivo
igualmente eacute a representaccedilatildeo da razatildeo pura na ideia de lei moral Nesse sentido
natildeo haacute coisas que estejam postas para serem percebidas em estruturas e
compartimentadas conforme as suas categorias observaacuteveis O subjetivo eacute a razatildeo e
o objetivo tambeacutem o eacute haacute apenas a razatildeo se articulando no sujeito observando o
dever que tem perante a lei moral intermediando a liberdade e os fins da accedilatildeo
humana tornando ela capaz de ser accedilatildeo moral Em outras palavras na criacutetica eacutetica
de Kant tudo se resume agrave razatildeo a razatildeo que quer eacute a razatildeo que legisla Tudo
permanece dentro do sujeito transcendental o subjetivo e o objetivo advecircm da
mesma origem restando a liberdade como afirma Hegel como elemento de
autolimitaccedilatildeo exterior e portanto formal10
8 Nesse sentido o proacuteprio Kant como vimos afirma ―a divisatildeo da Analiacutetica da razatildeo praacutetica pura teraacute
de resultar semelhante agrave de um silogismo ou seja procedendo do universal na premissa maior (do princiacutepio moral) mediante uma subsunccedilatildeo na premissa menor de possiacuteveis accedilotildees (como boas ou maacutes) sob aquela agrave conclusatildeo ou seja agrave determinaccedilatildeo subjetiva da vontade (a um interesse pelo bem praticamente possiacutevel e agrave maacutexima fundada sobre aquele) Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes p 147 Para tanto cumpre salientar que Kant considera que a razatildeo enquanto faculdade superior eacute dizer como universalidade dos seus proacuteprios fins se realiza tanto subjetivamente enquanto se reflete acerca das condiccedilotildees de cada sujeito alcanccedilar o princiacutepio aplicaacutevel como objetivamente onde se eacute capaz de pensar nas condiccedilotildees gerais que concretizam determinado fim como fim universal Este eacute portanto o meacutetodo loacutegico de universalizaccedilatildeo de Kant 9 Cf Cacciola Maria Luacutecia Os pensadores um Curso p 144
10 Nesse sentido vemos a criacutetica realizada por Hegel ―a definiccedilatildeo kantiana geralmente admitida
(Kant Doutrina do Direito) em que o elemento essencial eacute a 1limitaccedilatildeo da minha liberdade (ou do meu livre-arbiacutetrio) para que ela possa estar de acordo com o livre-arbiacutetrio de cada um segundo uma lei gerallsquo apenas constitui uma determinaccedilatildeo negativa (a de limitaccedilatildeo) Por outro lado o positivo que haacute nela a lei da razatildeo universal ou como tal considerada o acordo da vontade particular de cada um com a de cada outro leva agrave bem conhecida identidade formal e ao princiacutepio da contradiccedilatildeo A citada
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Parece contudo que se o pensamento kantiano ficasse limitado agraves
fragilidades do seu formalismo ficaria incompreendido com relaccedilatildeo agrave sua finalidade
Isto parece coincidir com as intenccedilotildees do proacuteprio autor senatildeo acabaria natildeo tendo
feito Eacutetica mas Loacutegica
Assim buscaremos observar a idealidade da razatildeo praacutetica ndash jaacute que concorda
sempre e unicamente consigo mesma sem elementos externos ndash e a relaccedilatildeo que
existe entre humanidade como fim em si mesmo o conceito de autonomia e o reino
dos fins vislumbrado por Kant de maneira que do sentido da sua filosofia moral
decorra uma noccedilatildeo de justiccedila ndash e como ela eacute na verdade uma articulaccedilatildeo da ideia
cristatilde de amor ao proacuteximo
A idealidade da razatildeo praacutetica eacute um elemento imprescindiacutevel para
compreensatildeo da moral Segundo Joaquim Salgado o ideal decorre da
ultrapassagem da noccedilatildeo que eacute um conceito puro que tem origem tatildeo soacute no
entendimento de maneira que ―quando a noccedilatildeo se torna transcendente isto eacute
ultrapassa toda possibilidade da experiecircncia tem-se a ideia ou o conceito da
razatildeo11
Nessa linha ideia eacute o ―esforccedilo metafiacutesico da razatildeo12 a sua pura
transcendentalidade ou encontro das condiccedilotildees da razatildeo que natildeo pode ser provada
no plano exterior mas eacute pressuposto na sua siacutentese total e incondicionada13
Partindo sempre Kant de noccedilotildees ele busca justamente reunir os elementos que
delas derivam para compor as ideias que dirigem a razatildeo pura
Com efeito deve-se notar que apesar de ser incondicionada a ideia tem um
valor em si aleacutem de ser o ponto que legitima o esforccedilo metafiacutesico Isso porque nela
que se encontra o ponto de unidade entre os conceitos comuns (como por exemplo
o de boa vontade) que faraacute com que o valor perseguido pela razatildeo se legitime
tornando-se regra universal Destarte a ideia eacute a totalidade daquilo que se torna
definiccedilatildeo conteacutem a ideia muito divulgada desde Rousseau de que a base primitiva e substancial deve estar natildeo na vontade como existente e racional em si e para si natildeo no espiacuterito como espiacuterito verdadeiro mas na vontade do indiviacuteduo no livre-arbiacutetrio que lhe eacute proacuteprio Uma vez aceito tal princiacutepio o racional soacute pode aparecer para essa liberdade como uma limitaccedilatildeo natildeo Portanto como razatildeo imanente mas como um universal exterior formal Natildeo precisa o pensamento filosoacutefico recorrer a qualquer consideraccedilatildeo especulativa para repelir este ponto de vista desde que ele produziu nas cabeccedilas e na realidade acontecimentos cujo horror soacute tem igual na vulgaridade dos pensamentos que os causaram Hegel G W F Princiacutepios da Filosofia do Direito Trad Orlando Vitorino apud in Novelli Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos p 107 11
Salgado Joaquim Ibidem p 43 12
Salgado Joaquim Ibidem p 52 13
Salgado Joaquim Ibidem p 43
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inquestionaacutevel a partir das condiccedilotildees comuns14 A ideia portanto ao fazer o papel
de siacutentese conteacutem em si a finalidade da razatildeo
Diante deste cenaacuterio retornamos ao conceito de humanidade o qual
transformado no ideal de humanidade como um fim e si mesmo conteacutem o ponto
nodal de toda a criacutetica moral Neste sentido retornemos ao iniacutecio deste capiacutetulo e
vejamos como Kant inicia sua Fundamentaccedilatildeo do conceito comum de boa vontade
ateacute chegar agrave lei moral que eacute o ideal que dirige a motivaccedilatildeo agrave sua universalidade A
partir daiacute a lei moral expressa no imperativo categoacuterico encontra sua expressatildeo
praacutetica suprema na ideia de humanidade expressa no imperativo praacutetico ―age de tal
maneira que tomes a humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de
qualquer outro sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como
meio15 momento a partir do qual se passa agrave realizaccedilatildeo da razatildeo em sua idealidade
(isto eacute na pura transcendentalidade)
Kant afirma claramente que humanidade eacute uma ideia que eacute na verdade a
ideia de ―humanidade como um fim em si mesmo16 Para demonstrar a
possibilidade da ideia ele faz quatro afirmaccedilotildees baseadas nos exemplos que usou
para confirmar a validade do imperativo categoacuterico
Na primeira Kant busca apontar os riscos que haacute em tornar a vida humana
um bem disponiacutevel Segundo ele condicionar a vida a determinadas condiccedilotildees eacute
fazecirc-la coisa e assim destruir a sua incondicionalidade Se assim se faz perde-se o
proacuteprio significado do homem ser um e uacutenico com a humanidade que soacute pode ser
um fim para ele jamais um meio Se o homem eacute meio a moral jaacute natildeo tem sentido17
Na segunda Kant quer mostrar como natildeo se valer de si ou de outro como
humanidade em si mesma significa a perda da capacidade de estabelecer um
criteacuterio igualitaacuterio nas relaccedilotildees entre os homens representando no fim das contas a
perda da capacidade de concordacircncia entre os homens18 a qual apenas se tem
quando a moral se funda na responsabilidade de cada accedilatildeo pela proacutepria
humanidade
14
―A razatildeo natildeo se contenta com as condiccedilotildees conhecidas na experiecircncia dada mas progride na seacuterie das condiccedilotildees ateacute o incondicionado que eacute a totalidade das condiccedilotildees ou a ideia a que nenhum objeto dos sentidos corresponde Salgado Joaquim Ibidem p 55 15
Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes pp 243245 16
Kant Immanuel Ibidem p 245 17
Kant Immanuel se ele [homem] destroacutei a si mesmo para fugir de um estado difiacutecil de suportar ele se serve de uma pessoa como um mero meio para conservaccedilatildeo de um estado toleraacutevel ateacute o fim da vida Ibidem p 245 18
Kant Immanuel Ibidem p 247 ―eacute impossiacutevel que aquele que eu quero usar para as minhas intenccedilotildees mediante tal promessa [mentirosa] concorde com a minha maneira de proceder com ele e contenha portanto ele proacuteprio o fim dessa accedilatildeo
29
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Na terceira afirmaccedilatildeo ele diz que natildeo importa apenas que a accedilatildeo natildeo esteja
em conflito com a humanidade mas deve com ela estar de acordo Significa no fim
das contas um dever positivo natildeo negativo que importa na conservaccedilatildeo da
humanidade como fim em si mesmo e a promoccedilatildeo deste fim19
Na quarta e uacuteltima ele insiste no dever positivo mostrando com a
humanidade em si mesmo soacute eacute capaz de significar isso quando a moral se baseia na
busca da felicidade do outro20 busca esta que representa o proacuteprio fim a ser
perseguido com relaccedilatildeo agrave humanidade Dessa maneira ele expressa na
humanidade como um fim em si mesmo o proacuteprio ideal de humanidade e o seu
destino comum que sua foacutermula visa Jaacute eacute possiacutevel entatildeo a felicidade de todos jaacute
que ―os fins do sujeito que eacute fim em si mesmo tecircm de ser tambeacutem tanto quanto
possiacutevel os meus fins se aquela representaccedilatildeo deve produzir em mim todo o seu
efeito21
Assim ficamos tentados a dizer que o ―eu transcendental moral (razatildeo)
subjetivo eacute seguido natildeo de outro ―eu (razatildeo) objetivo Isto tornaria a lei moral uma
questatildeo de escolha ―individual o que natildeo poderia jamais se coadunar com os
objetivos do autor O aspecto praacutetico do imperativo onde a humanidade ocupa o
lugar da lei moral poderia ser mais bem definido como certo ldquonoacutesrdquo transcendental
Evidentemente o termo transcendental de alguma maneira jaacute faz as vezes
do ―noacutes Contudo aqui esta pessoa do plural toma um sentido diferente Queremos
com ela nos referir a uma postura do ―eu que se coloca diante de si um ideal a que
se chama ―humanidade Assim com a filosofia moral kantiana pensamos como
somos capazes de agir o destino do nosso ―eu conforme o destino da
―humanidade Parece ser este tipo de altruiacutesmo que natildeo eacute outro mas noacutes mesmos
objeto de defesa kantiana Em outras palavras Kant prega uma concordacircncia entre
a nossa proacutepria humanidade e a humanidade em geral enquanto o ideal metafiacutesico
de todas as accedilotildees respectivamente princiacutepio do querer e lei moral
Aiacute reside ao que tudo indica a grande contribuiccedilatildeo da filosofia moral de Kant
apesar do formalismo do filoacutesofo Diante as quatro afirmaccedilotildees que servem para
mostrar a validade do imperativo praacutetico (―age de tal maneira que tomes a
humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro sempre ao
19
Cf Kant Immanuel Ibidem p 249 20
Como jaacute explicamos anteriormente querer o bem-estar (felicidade) particular e o bem-estar geral satildeo coisas distintas jaacute que a segunda pode conter a universalidade a primeira jamais Apenas o desejo de bem-estar geral pode concordar com o destino fraterno de todos e somente nele pode estar a propriedade categoacuterica do imperativo e de toda accedilatildeo moral 21
Kant Immanuel Ibidem p 249
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mesmo tempo como fim nunca meramente como meio) ele nos fornece um ideal
que carregado de princiacutepios relativos ao querer serve para a concretizaccedilatildeo da vida
em comum e abre a possibilidade de um destino para o homem que natildeo seja
apenas a realizaccedilatildeo de um jogo de interesses
E eacute dessa maneira que Kant chega agrave terceira foacutermula do imperativo
categoacuterico que exibe a ―vontade universalmente legislante22 O acento das
formulaccedilotildees que se iniciou na maacutexima e decorreu agrave possibilidade de fundamentar o
homem como um fim em si mesmo agora toma aparentemente atraveacutes da abertura
que lhe deu o ideal de humanidade a universalidade da vontade como objeto da
moral pensando a responsabilidade que implica a liberdade ao sujeito que eacute capaz
de legislar de acordo com a lei Esta responsabilidade que decorre da natureza
mandamental da lei moral eacute que daacute ao sujeito que legisla de acordo com o desejo
superior a sua autonomia ―legislando universalmente segundo o seu fim natural23
Esse fim natural que se confunde com o fim em si mesmo que Kant expotildee na
segunda formulaccedilatildeo do imperativo categoacuterico eacute um lugar a ser encontrado ―Imagina
que a tua maacutexima tenha o valor de uma lei universal da natureza ndash e examina
entatildeo o que a sua aplicaccedilatildeo acarretaria cita Lebrun24 De fato ―se eu determino a
minha vontade de modo a romper com toda motivaccedilatildeo natural eacute porque estou
cumprindo a funccedilatildeo de legislador a que me destinava a natureza25 A obediecircncia agrave
lei assim aparece
―Agora como o ato conforme por excelecircncia ao sentido de minha
existecircncia E com isso mesmo adquiro uma nova compreensatildeo de por que nunca devo tratar a humanidade racionaacutevel como mero meio cada vez que por egoiacutesmo recuso a dignidade de ser racionaacutevel a outro homem estou negando que o ser racionaacutevel seja nessa sua qualidade legislador universal por natureza ndash e assim que eu queira ou natildeo a expressatildeo ―ser racionaacutevel acaba designando para mim nada mais do que uma particularidade que especifica alguns viventes ndash um fato natural natildeo uma vocaccedilatildeo por natureza
26
Kant nesse sentido procura na moral mais do que localizar o seu ponto a
priori Busca a vocaccedilatildeo a que a liberdade possibilita justamente pela capacidade de
exerciacutecio ideal que a razatildeo praacutetica permite Como vimos de alguma maneira na
anaacutelise do mal radical (A Religiatildeo nos limites da simples Razatildeo) o projeto kantiano eacute
a construccedilatildeo teoloacutegica dos fins dos homens que unidos na sua autonomia ndash eacute dizer
22
Kant Immanuel Ibidem p 253 23
Kant Immanuel Ibidem p 257 24
Lebrun Geacuterard Uma escatologia para a moral apud in Kant Immanuel Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita p 74 25
Lebrun Geacuterard Ibidem p 74 26
Lebrun Geacuterard Ibidem p 75
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porque tecircm a razatildeo como elemento unificador e pressuposto a todos os atos ndash
percebem o sentido da vida em comum pela razatildeo sabem o motivo pelo qual foram
criados
―Natildeo fosse o horizonte da Criaccedilatildeo seria impossiacutevel pensar-se o conjunto dos seres racionaacuteveis como uma totalidade sistemaacutetica a humanidade somente seria imaginaacutevel como uma pluralidade de pontos disseminados ndash da forma que aparece no plano da natureza sensiacutevel
27
A vontade universal portanto eacute mais uma vez concorde agora com uma
vontade superior que eacute a expressatildeo racional de unidade do querer Porque
colocado o desejo superior como pressuposto de todo querer a vontade tem em si o
destino a ser seguido por todos os homens na aptidatildeo a que foram criados Agrave
reuniatildeo de todos os homens sob tal vocaccedilatildeo Kant predica o destino de um reino
dos fins que eacute o destino da liberdade dada pela razatildeo substituindo o discurso
poliacutetico acerca da sociedade por um da escatologia do homem28
―Entendo poreacutem por reino a ligaccedilatildeo sistemaacutetica de diferentes seres racionais mediante leis comuns Ora uma vez que as leis determinam os fins segundo sua validade universal seraacute possiacutevel entatildeo se nos abstrairmos da diferenccedila pessoal dos seres racionais bem como de todo conteuacutedo de seus fins privados pensar um todo de todos os fins (tanto dos seres racionais enquanto fins em si como tambeacutem dos fins proacuteprios que cada um possa pocircr para si mesmo) em conexatildeo sistemaacutetica isto eacute um reino dos fins o que eacute possiacutevel segundo os princiacutepios acima29
Os homens assim na praacutetica moral se tornam seres racionais de um uacutenico
sistema completamente transcendental de maneira que os fins de cada ―eu eacute um
todo moral contendo cada accedilatildeo o esforccedilo para entrada no aludido reino totalizante
Isto eacute possiacutevel apenas porque natildeo haacute neste reino qualquer ser que seja tratado
como meio mas cada um eacute o fim de todos os outros Desse modo eacute que se alcanccedila
o valor intriacutenseco do homem a sua dignidade Como Kant explica
―Ora a moralidade eacute a uacutenica condiccedilatildeo sob a qual um ser racional pode ser
fim em si mesmo porque soacute atraveacutes dela eacute possiacutevel ser um membro legislante no reino dos fins Portanto a moralidade e a humanidade na
27
Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 28
Nesse sentido veja-se novamente Lebrun ―a ideia de ―reino dos fins desordenaraacute de maneira definitiva os dados da antropologia poliacutetica o indiviacuteduo humano (do qual partiam os pensadores poliacuteticos) natildeo seraacute mais por definiccedilatildeo do que um ser ―patoloacutegico abstrato (hellip) e o uacutenico ponto de partida para o discurso escatoloacutegico que entatildeo sucede ao discurso poliacutetico seraacute a pessoa noumenal dedicada por sua essecircncia a uma comunidade o ser puramente racionaacutevel cujo modelo terreno obviamente natildeo eacute mais o indiviacuteduo poreacutem o membro do gecircnero humano Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 (grifo nosso) 29
Kant Immanuel Ibidem p 259
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medida em que ela eacute capaz da mesma eacute a uacutenica coisa que tem dignidade
30
Assim o homem tornado agrave sua racionalidade pura na praacutetica de suas accedilotildees
encontra a dignidade que eacute intriacutenseca agrave humanidade como fim em si mesmo A
dignidade eacute da autonomia e da sistematicidade que deve respeito a esta autonomia
que concorda com a legislaccedilatildeo universal
A escatologia kantiana aponta para a realizaccedilatildeo de uma forma de
comunidade universal cujo fundamento de justiccedila reside justamente no
respeito e no cuidado muacutetuos que eacute no fim das contas bem querer aquele
que estaacute proacuteximo
Todos os princiacutepios decorrentes da boa vontade (―fidelidade agraves promessas
―benevolecircncia por princiacutepio31) buscam cumprir o valor intriacutenseco da humanidade
enquanto se encaminha para o destino comum A justiccedila que lhe decorre eacute pautada
pelo respeito agrave liberdade de cada vontade sem a intenccedilatildeo de deturpar a sua
escolha ndash que deve livremente apenas pela reverecircncia escolher a lei moral ndash da
mesma maneira que todos assim devem realizar A isto se daacute o nome de dignidade
do homem que eacute base de todas as declaraccedilotildees de direitos que se baseiam no
anseio humanitaacuterio de kantiano
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Assim neste ideal de humanidade que sustenta a intenccedilatildeo de linearidade no
homem e o daacute sentido de destino estatildeo incluiacutedos a liberdade e a igualdade Parece
ser este ideal o princiacutepio e o fim de toda a filosofia de Kant Estaacute o desejo superior
de benevolecircncia que eacute princiacutepio e fim em todo querer racional Aliaacutes colocada esta
noccedilatildeo de justiccedila antes mesmo do proacuteprio Direito que depende da moral na busca de
uma possiacutevel universalidade das suas diretrizes eacute do sentido que dela emana que
passa a existir o homem na eacutetica kantiana que justiccedila seja bem querer ao outro
que eacute no fim das contas um representante de todos noacutes
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
CACCIOLA Maria Lucia Os pensadores um Curso Rio de Janeiro Casa da
Palavra 1ordf Ed 2009
30
Kant Immanuel Ibidem p 265 31
Kant Immanuel Ibidem p 267
33
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DELEUZE Gilles Para ler Kant Trad Sonia Dantas Guimaratildees Rio de
Janeiro Livraria Francisco Alves Ed 1976
HART Herbert O conceito de Direito Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1ordf Ed
2009
KANT Immanuel A religiatildeo nos limites da simples razatildeo trad Artur Mouratildeo
Lisboa Editora 70
_____________ Criacutetica da Razatildeo Praacutetica Trad com introduccedilatildeo e notas de
Valeacuterio Rohden Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2011
_____________ Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes introduccedilatildeo por
Guido Antocircnio de Almeida Satildeo Paulo Barcarolla 2009
____________ Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista
cosmopolita Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 Apresentaccedilatildeo Geacuterard Lebrun
NOVELLI Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant
Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos
RICOEUR Paul O Justo 1 Trad Ivone Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes
2008
SALGADO Joaquim Carlos Salgado A ideia de justiccedila em Kant Seu
fundamento na liberdade e na igualdade Belo Horizonte Del Rey 3ordf Ed 2012
SAMPAIO FERRAZ JR Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito Teacutecnica
Decisatildeo Dominaccedilatildeo 6ordf ed Satildeo Paulo Ed Atlas 2012
Autor ndash Piterson Balmat Gonccedilalves
Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade de Satildeo Paulo Graduado em Direito pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor e Advogado E-mail piterson_avyahoocombr
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Revista Cientiacutefica Gamaliel - ISSN 2674-9149ndash Fatej Fadisa | Vol1 | Nordm 2 | JaneiroJulho ndash Ano 2020 |
A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO
ldquoCalvino e o calvinismo de origem
contribuiacuteram certamente para tornar
muito mais faacuteceis no seio das populaccedilotildees
reformadas o desenvolvimento da vida
econocircmica e o surto do capitalismo
nascenterdquo
Andreacute Bieacuteler32
RESUMO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber a Reforma Protestante do seacuteculo
XVI proporcionou o florescimento do capitalismo Para tanto Weber estudou o
calvinismo o pietismo o metodismo e os batistas Mas seraacute que o calvinismo possui
alguma relaccedilatildeo causal com o capitalismo O objetivo desse ensaio foi demonstrar
como alguns elementos poliacuteticos e econocircmicos na reforma calvinista em Genebra
propiciaram o desenvolvimento do capitalismo Para tanto essa pesquisa serviu-se
do meacutetodo qualitativo com pesquisa bibliograacutefica nas obras de Vicente Themudo
Lessa e Andreacute Bieacuteler O ensaio apontou que embora os objetivos de Joatildeo Calvino
natildeo fossem capitalistas os aspectos poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Calvinista
em Genebra carregaram em si os elementos seminais do capitalismo
Palavras-chave Calvinismo Genebra Reforma Protestante Capitalismo
ABSTRACT
According to German sociologist Max Weber the 16th century Protestant
Reformation provided the flourishing of capitalism Weber studied Calvinism Pietism
Methodism and Baptists But does Calvinism have any causal relationship to
capitalism The purpose of this essay was to demonstrate how some political and
economic elements in the Calvinist reform in Geneva led to the development of
capitalism Therefore this research used the qualitative method with bibliographic
research in the works of Vicente Themudo Lessa and Andreacute Bieacuteler The essay
pointed out that while John Calvins goals were not capitalist the political and
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Andreacute Bieacuteler (1990 p 661)
autor Prof Dr Ceacutesar Rocha Lima
rochalimauspbr
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economic aspects of the Calvinist Reformation in Geneva carried within them the
seminal elements of capitalism
Keywords Calvinism Geneva Protestant Reformation Capitalism INTRODUCcedilAtildeO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber (1864-1920) ―o ascetismo
cristatildeo que de iniacutecio se retirara do mundo para a solidatildeo jaacute tinha regrado o mundo
ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja [] Agora avanccedilava
para o mercado da vida fechando atraacutes de si a porta do mosteiro (2009 p 121)
Para demonstrar a nova forma do ascetismo cristatildeo Weber distinguiu o ethos
protestante como elemento responsaacutevel pela vida disciplinada apego ao trabalho e
valorizaccedilatildeo da poupanccedila Nesse mister ele estudou algumas categorias do
protestantismo claacutessico entre elas o calvinismo o pietismo o metodismo e as
―seitas batistas (sic)
Em se tratando do calvinismo Weber afirmou que a sua doutrina central
(predestinaccedilatildeo) associada ao conceito luterano de trabalho como vocaccedilatildeo Beruf33
resultou no florescimento do capitalismo
Mas haveria ipso facto uma relaccedilatildeo entre o calvinismo e o capitalismo O
ramo calvinista da Reforma Protestante do seacuteculo XVI teria abrigado em si as
sementes do capitalismo
Constitui-se como objetivo deste ensaio destacar os principais aspectos
poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Genebrina do seacuteculo XVI a fim de examinar se
ela carregou as sementes do capitalismo moderno
Contudo vejamos primeiramente como se desenrolou a Reforma Calvinista
em Genebra na pessoa e obra de Joatildeo Calvino
1 JOAtildeO CALVINO
Calvino nasceu na pequena cidade de Noyon na Franccedila em 10 de julho de
1509 ele foi o segundo filho em uma famiacutelia de cinco irmatildeos
Seu pai Geacuterard Cauvin pertenceu agrave classe meacutedia e trabalhava como
secretaacuterio do bispo e procurador da biblioteca da catedral Sua matildee Jeanne
33
De acordo com Weber (2009 p 69) ―jaacute natildeo resta duacutevida de que na palavra alematilde Beruf e talvez mais claramente ainda na palavra inglesa calling estaacute pelo menos impliacutecita uma conotaccedilatildeo religiosa de uma tarefa confiada por Deus
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Lefranc proveniente de uma famiacutelia da classe alta faleceu quando Calvino possuiacutea
apenas seis anos
Devido agrave posiccedilatildeo que seu pai ocupava e agrave proximidade com o bispo de
Noyon Calvino e seus irmatildeos foram auxiliados no custeio dos seus estudos
(COSTA 2009 p 28) Com esses recursos Calvino pocircde estudar em Paris no
Collegravege de La Marche em 1523 onde teve seu primeiro contato com o humanismo
neste periacuteodo as discussotildees teoloacutegicas estavam num periacuteodo de efervescecircncia34
No ano seguinte ele estudou Gramaacutetica Filosofia e Teologia no Collegravege de
Montaigu concluindo assim a sua licenciatura em Artes Em seguida foi enviado por
seu pai para estudar advocacia na Universidade de Orleans de cunho humanista
―sob a influecircncia do conceituado jurista Pierre LlsquoEacutetoile designado rei da
jurisprudecircncialsquo e priacutencipe dos juristaslsquo que se tornaria posteriormente presidente
do Tribunal do Parlamento em Paris (COSTA 2009 p 31)
Contudo Calvino resolveu deixar a Universidade de Orleans antes de
terminar os estudos transferindo-se em 1529 para a Universidade de Bourges
Com a morte de seu pai ele retornou a Paris a fim de aperfeiccediloar os seus estudos
na liacutengua grega e hebraica no Coleacutegio Fortet
No ano seguinte Calvino adotou as ideias reformistas dispensando o seu
custeio eclesiaacutestico (CAIRNS 1988 p 252) Em 1534 foi compelido a abandonar a
Franccedila por elaborar juntamente com seu amigo Nicolaacutes Cop reitor da Universidade
de Paris um discurso de posse da reitoria o qual continha em seu bojo ideias
humanistas e reformistas Cop foi para Basileia35 e Calvino para outras cidades na
Franccedila Nesse interim Calvino influenciado pelo humanismo e ideias da reforma
aquiesci ao protestantismo propondo um sistema diferenciado de interpretaccedilatildeo das
Escrituras com ecircnfase na soberania de Deus
Em 1536 Calvino publicou o primeiro livro de As Institutas da Religiatildeo
Cristatilde36 que se tornou sua obra mais conhecida (CALVINO 1985 p 15) A partir de
entatildeo ele continuou preparando ediccedilotildees sucessivas37 de As Institutas que
aumentaram gradualmente ateacute a sua forma final (CALVINO 1989)
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As ideias reformistas deJohn Wyclif John Huss e Martinho Lutero eram debatidas nos principais ciacuterculos acadecircmicos 35
Um dos cantotildees da Suiacuteccedila que serviu como uma espeacutecie de refuacutegio para os protestantes no periacuteodo de preacute-reforma e reforma 36
Trata-se de um livro dirigido ao monarca Francisco I da Franccedila na tentativa de defender os protestantes que eram retaliados pelos seus novos costumes Calvino solicitou ao monarca uma cabal investigaccedilatildeo pois ateacute o momento estaacute tinha sido feita de forma desordenada quando natildeo todo tumultuada e sem nenhuma sistemaacutetica de direito 37
Nas proacuteximas ediccedilotildees de As Institutas Calvino desenvolveu a doutrina da predestinaccedilatildeo sob o
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As Institutas de Religiatildeo Cristatilde foram precedidas de uma epiacutestola dirigida ao
monarca Francisco I rei da Franccedila datada em 23 de agosto de 1535
2 A REFORMA EM GENEBRA
Nesse mesmo ano Calvino decidiu estabelecer seu domiciacutelio em Estrasburgo
lugar onde as ideias e princiacutepios reformistas receberam boa acolhida Este ambiente
tornara-se propiacutecio para as atividades teoloacutegicas e literaacuterias do reformador bastante
oportuno para a produccedilatildeo dos seus trabalhos
Todavia depois de uma breve visita a Ferrara e agrave Franccedila o caminho mais
curto para Estrasburgo estava fechado por confrontos militares e Calvino teve que
se desviar e pernoitar em Genebra
Mal o sabia que isto mudaria totalmente o curso de sua vida Guilherme de
Farel que tentara implantar sem muito sucesso os princiacutepios reformadores na
cidade de Genebra foi informado que Calvino pernoitara ali
Logo em contato com Calvino apresentou vaacuterias razotildees pelas quais
precisava da sua permanecircncia Calvino escutou-lhe atentamente e afirmou que natildeo
poderia aceitar o convite pois buscava em Estrasburgo as condiccedilotildees favoraacuteveis para
os seus estudos
Esgotados os argumentos e sem sucesso Farel fez o seguinte apelo ao
teoacutelogo de forma estridente ―Deus amaldiccediloe teu descanso e a tranquilidade que
buscas para estudar se diante de uma necessidade tatildeo grande te retiras e te negas
a prestar socorro e ajuda (GONZALEZ 1989 p 113)
Diante de tal imprecaccedilatildeo Calvino desistiu dos seus planos em Estrasburgo e
principiou o seu trabalho como reformador em Genebra
Depois de uma breve introduccedilatildeo sobre a vida de Joatildeo Calvino e os caminhos
que o levaram a Genebra vejamos os principais aspectos poliacuteticos e econocircmicos
que culminaram na reforma calvinista na Genebra do seacuteculo XVI
21 - Aspectos Poliacuteticos
Genebra antes da chegada de Farel e Calvino era conduzida na forma de
bispado Seu comando estava nas matildeos de trecircs autoridades o Bispo chamado
tambeacutem de ldquopriacutencipe de Genebra teoricamente o soberano da cidade com poderes
para cunhar moedas fixar impostos comandar a cidade em tempo de guerra julgar
binocircmio depravaccedilatildeo humana poacutes eacuteden e soberania divina
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as apelaccedilotildees e perdoar crimes o Magistrado incumbido da defesa da cidade da
guarda e execuccedilatildeo dos prisioneiros e por fim o Conselho de Genebra composto
de conselheiros de entre os moradores da cidade que julgava as questotildees criminais
concernentes aos leigos (as infraccedilotildees dos sacerdotes era da competecircncia do
bispado) cuidava do abastecimento da cidade das financcedilas e mantinha a boa
ordem por meio da poliacutecia Este era o sistema adotado pela maioria das cidades
europeias catoacutelicas (LESSA 2010 pos 1851)
Diante da grande autoridade do bispado eram frequentes os conflitos em
busca dos direitos entre o bispado o conselho e o povo Contudo em 1536 quando
Genebra abraccedilou oficialmente a reforma38 o bispado perdeu seu poder e os
conselheiros assumiram as funccedilotildees desse Desta forma a Igreja deixou de exercer
a sua primazia sobre o Estado e tornou-se lhe subordinada
Em 1537 a pedido de Farel Calvino iniciou seus trabalhos em Genebra
Ambos redigiram uma Confissatildeo de Feacute39 de vinte e um artigos Essa confissatildeo
serviria de regulamento para a Igreja em Genebra e foi aprovada pelo Conselho em
novembro daquele ano
Uma vez que a Igreja estava subordinada ao Estado e o Conselho era o seu
representante legal coube-lhe o direito de investigar e punir todas as infraccedilotildees das
leis cristatildes Aos pastores fora designado o direito de produzir todos os regulamentos
que julgassem necessaacuterios de assinalar aos magistrados os delitos e incentivar as
puniccedilotildees (LESSA 2010 pos 2217)
Se no sistema anterior a Igreja Romana se envolvia nos assuntos estatais
agora o Estado eacute quem deveria resolver as questotildees eclesiaacutesticas Nesse novo
sistema considerando que o Conselho se pautava por um ethos protestante a
reforma natildeo implicou na eliminaccedilatildeo do controle da Igreja na vida cotidiana mas
antes substituiu o controle vigente por uma nova forma
38
No dia 21 de maio de 1536 na Catedral de Satildeo Pedro reuniu-se o Conselho e foi lida uma moccedilatildeo em que se decidia por unanimidade a aceitaccedilatildeo da religiatildeo reformada e a supressatildeo das missas e do modelo de culto proposto por Roma Logo foi colocada a porta da Catedral uma placa com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoEm memoacuteria da graccedila que Deus nos fez de haver sacudido o jugo do anticristo abolido a supersticcedilatildeo e recobrado a nossa liberdaderdquo (LESSA 2010 pos 2027) 39
Assim como no periacuteodo do Imperador Constantino (transiccedilatildeo do paganismo para o cristianismo) houve uma grande produccedilatildeo de Credos Apostoacutelico Niceno-constantinopolitano Atanasiano tambeacutem na Reforma (transiccedilatildeo do catolicismo para o protestantismo) houve por parte dos reformadores e seus seguidores uma enorme produccedilatildeo de Confissotildees de Feacute (Escocesa Augsburgo Helveacutetia Dort e Westminster) Esses siacutembolos foram ―de grande valia para a educaccedilatildeo dos crentes partindo sempre do princiacutepio da necessidade da feacute expliacutecita de que todos os cristatildeos devem conhecer sua feacute sabendo no que creem e por que creem (COSTA 2002 p 13)
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Nesse mister Weber fez a seguinte afirmaccedilatildeo
[] a regra do calvinismo tal como foi imposta no seacuteculo XVI em Genebra e na Escoacutecia entre o seacuteculo XVI e XVII em grande parte da Holanda no seacuteculo XVII na Nova Inglaterra e por algum tempo na proacutepria Inglaterra se tornaria a forma mais intoleraacutevel de controle eclesiaacutestico do indiviacuteduo que jaacute pocircde existir (2009 p 40)
O controle que a Igreja Romana possuiacutea sobre o indiviacuteduo se tornara frouxo
mas a reforma calvinista (genebrina) levou esse controle ao extremo Em Genebra
isto se deu com os regulamentos ndash ou Articuli de regimine Ecclesiae ndash que logo
provocaram muitos conflitos porquanto entendiam alguns cidadatildeos que os pastores
nada tinham que ver com as suas vidas particulares
Rompendo com o bispo eles achavam que no gozo de sua independecircncia
poliacutetica poderiam tambeacutem desfrutar plenamente a liberdade religiosa
O povo genebrino protestou e Calvino percebeu que natildeo seria tatildeo simples a
implantaccedilatildeo da reforma naquele paiacutes Por meio de um desabafo ele registrou esse
conflito numa correspondecircncia ao seu amigo Bullinger
Estamos expostos as mais seacuterias dificuldades [] porquanto o povo sacudindo o jugo dos sacerdotes entende que se libertou de toda a autoridade do mundo Muitos cidadatildeos exclamam O conhecimento dos evangelhos nos eacute suficiente sabemos como os devemos ler e nada tendes a ver com nossos atos (GUIZOT 1868 pp 219 220)
Este conflito entre Calvino e Farel de um lado e o povo buscando uma maior
liberdade do outro levou a um enrijecimento40 das partes Eacute claro que natildeo se deve
atribuir a Calvino a paternidade de todos os regulamentos severos de Genebra
havia em outros cantotildees leis austeras naqueles dias41
Assim os homens que se opunham aos reformadores constituiacuteam uma
facccedilatildeo poliacutetica e religiosa Eram denominados libertinos devido as suas ideologias
de liberdade e uma vez livres do bispo natildeo queriam se sujeitar agraves novas leis
votadas
40
Com os novos regulamentos as leis de Genebra se tornaram mais austeras e nem os proacuteprios conselheiros e homens de destaque escapavam das suas penas ―Certo individuo acusado de perjuacuterio foi iccedilado a uma escada por algumas horas tendo a matildeo direita ligada ao alto Um aduacuteltero e sua cuacutemplice foram condenados a passear juntos na cidade um jogador obstinado foi exibido tendo as cartas penduradas ao pescoccedilo uma cabeleireira que havia penteado imodestamente uma jovem esposa foi condenada a dois dias de prisatildeo tambeacutem eram punidos os pais que privavam seus filhos da escola (LESSA 2010 pos 2258) 41
Em Zurique exigia-se a assistecircncia de todas as pessoas ao culto puacuteblico em determinadas horas ―Sob pena de multa era proibido jurar jogar dados e cartas o adulteacuterio era punido com prisatildeo ou exiacutelio Em Basileacuteia era obrigatoacuteria a assistecircncia aos cultos puacuteblicos Nos distritos pertencentes ao governo de Berna as danccedilas eram proibidas [] (LESSA 2010 pos 2247)
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Os libertinos tanto da facccedilatildeo poliacutetica como religiosa fizeram liga para se
oporem agraves tendecircncias dos pastores de Genebra Philiberto Berthelier Perrin e
Troillet eram os principais entre os do partido poliacutetico Quintin e Poquet eram chefes
dos Libertinos espirituais (LESSA 2010 pos 2284)
Nas eleiccedilotildees de fevereiro de 1538 os Libertinos obtiveram a maioria no
Conselho o qual logo determinou que o puacutelpito natildeo fizesse alusatildeo aos negoacutecios da
repuacuteblica Em oposiccedilatildeo num domingo de paacutescoa Farel e Calvino pregando
respectivamente nas Igrejas de Satildeo Gervaacutesio e Satildeo Pedro vendo muitos membros
do partido Libertino nos dois templos recusaram-se a celebrar a Santa Ceia
No dia seguinte reuniu-se o Conselho e decretou o banimento dos
reformadores em trecircs dias Desta forma saiacuteram de Genebra Farel e Calvino sendo
que este foi para Estrasburgo e aquele para Neuchacirctel
O banimento suacutebito de Farel e Calvino de Genebra chamou a atenccedilatildeo de
Roma para uma excelente oportunidade que se lhe abria e o cardeal Sadoleto
serviu-se da ocasiatildeo para uma reinserccedilatildeo da Igreja Romana nos negoacutecios religiosos
durante a ausecircncia do reformador (LESSA 2010 pos 3128)
Apoacutes trecircs anos do banimento continuava a reinar o espiacuterito de turbulecircncia e
insubordinaccedilatildeo agraves leis Em setembro de 1540 alguns membros do Conselho
comeccedilaram a formular planos para a revogaccedilatildeo do banimento de Calvino Em maio
1ordm de maio de 1541 o Conselho de Genebra revogou o decreto de 23 de abril de
1538 que bania da cidade Farel e Calvino e solicitou o empenho de Basileacutea Zurich
e da proacutepria Estrasburgo para que o reformador lhes fosse restituiacutedo coisa
conseguida natildeo sem dificuldade Jaacute no caso de Farel Neuchacirctel natildeo consentira em
se separar dele
No dia 13 de setembro de 1541 Calvino retorna a Genebra sendo que dez
dias depois apresentou ao Conselho um projeto contendo cento e sessenta e oito
artigos discutindo e emendando-o ateacute a sua votaccedilatildeo definitiva no dia 2 de janeiro de
154242
Esse projeto foi chamado de Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e tratava-se de um
novo modelo de sistema de governo onde haveria uma maior separaccedilatildeo entre os
assuntos da Igreja e do Estado Agora os pastores mestres diaacuteconos e consistoacuterio43
cuidariam dos assuntos eclesiais e o Conselho dos assuntos estatais
42
Segundo alguns historiadores nesta data instalou-se legalmente a ―Repuacuteblica Calvinista (LESSA 2010 pos 2935) 43
O Consistoacuterio compreendia os pastores e doze leigos nomeados pelo Conselho de Estado Estes leigos eram eleitos pelo periacuteodo de um ano podendo ser reconduzidos os que dessem bom
41
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Este sistema de governo eclesiaacutestico veio a ser adotado nas igrejas
reformadas da Suiacuteccedila da Franccedila da Holanda e da Escoacutecia
Todavia a poliacutetica de controle sobre os indiviacuteduos nas questotildees eclesiaacutesticas
atingiu seu cliacutemax no retorno de Calvino E o caso da execuccedilatildeo do ―herege Miguel
Serveto44 nas palavras do historiador Gonzalez se tornou ―siacutembolo do dogmatismo
riacutegido que reinava na Genebra de Calvino (1989 p 116) foi o ―golpe de
misericoacuterdia no partido dos Libertinos que saiu em defesa de Serveto
Esse sistema riacutegido de controle social proposto na reforma genebrina foi
chamado por Weber de ascetismo extramundano Conforme o autor
A coisa mais importante poreacutem foi o fato de que o homem que par excellence vivia a vida racional no sentido religioso era e continuou sendo monge Assim quando mais o ascetismo estivesse agarrado ao indiviacuteduo servia simplesmente para afastaacute-lo da vida cotidiana jaacute que a tarefa mais santa era definitivamente a de ultrapassar toda a moralidade mundana (2009 p 98)
22 - Aspectos Econocircmicos
Genebra pouco antes da chegada de Calvino possuiacutea entre 10000 a 12000
habitantes Era uma cidade conhecida pelas suas ruas limpas banheiros puacuteblicos e
pelas suas famosas feiras Contudo a sua economia estava em decliacutenio
A partir da segunda metade do seacuteculo XV enfraqueceu-se rapidamente a
atividade comercial Uma das principais razotildees foi a proibiccedilatildeo por parte do rei da
Franccedila Luiz XI de seus suacuteditos frequentarem as feiras de Genebra ndash o intuito era
aumentar o prestiacutegio e importacircncia das feiras de Lyon
Desta forma a cidade entrou num periacuteodo duro de retraccedilatildeo econocircmica
seguido de uma grande pobreza Sua economia estava apoiada na induacutestria de
tecidos (uma das mais lucrativas nos seacuteculos XV e XVI) na fabricaccedilatildeo de peccedilas
indumentaacuterias (chapelarias alfaiatarias sapatarias) e na praacutetica ourives (produccedilatildeo
de baixelas de prata objetos lituacutergicos e joias de toda espeacutecie)
testemunho de sua aptidatildeo O principal papel do Consistoacuterio era o de velar pelas Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e pela manutenccedilatildeo da disciplina O poder ―espiritual do Consistoacuterio demonstrava-se no direito a excomunhatildeo privando o culpado da participaccedilatildeo da Santa Ceia (LESSA 2010 pos 4177) 44
Serveto era meacutedico (descobridor do sistema pulmonar respiratoacuterio) teoacutelogo e filoacutesofo Em sua obra Restituitio questionou o dogma da trindade e afirmou ser este um desvio da igreja no Conciacutelio de Niceacuteia (325 dC) Serveto fora condenado pelo tribunal eclesiaacutestico da Igreja Romana em Viena E veio a Genebra a fim de difundir sua teologia (entre os libertinos) entendendo que Genebra por ter aderido agrave reforma lhe daria maior liberdade na sua teologia Contudo quando Serveto foi assistir um sermatildeo de Calvino (natildeo se sabe se por livre vontade ou por forccedila de lei) ele foi identificado julgado pelo tribunal eclesiaacutestico e uma vez que o mesmo natildeo se retratou de suas ―heresias foi condenado a fogueira em 1553 (DIDE sd p 180)
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Por ocasiatildeo da Reforma a economia genebrina sofreu grandes
transformaccedilotildees Os ourives por proibiccedilatildeo deixaram a fabricaccedilatildeo de objetos
lituacutergicos e por influecircncia dos refugiados abraccedilaram a arte da relojoaria (BIELER
1990 p 217)
As artes graacuteficas tiveram um grande desenvolvimento em funccedilatildeo da
publicaccedilatildeo de material protestante livros catecismos manuais para catecismo
regulamentos e leis Jean Geacuterard se instalou na cidade em 1536 e executou vaacuterias
impressotildees das obras de Calvino Jean Crespin Conrad Badius Robert Eacutetienne e
outros menos conhecidos todos refugiados introduziram em Genebra o que a
tipologia parisiense produzia de melhor
Outros ofiacutecios foram impulsionados pelos refugiados Um refugiado em Lyon
colocou seus preacutestimos agrave disposiccedilatildeo da Magistratura para estabelecer em Genebra
manufaturas de tecidos em seda
O nuacutemero de meacutedicos aumentou de 3 para 15 e quase que organizaram o
ensino da medicina na Academia de Genebra Os boticaacuterios passaram a reter a
riqueza e a alta posiccedilatildeo social que tinham anteriormente ao decliacutenio isto devido ao
comeacutercio droguista e de especiarias Contavam-se 96 boticaacuterios residindo em
Genebra de 1536 a 1569 para uma demanda de cerca de 15000 habitantes O
Estado interviu sobre as praacuteticas meacutedicas e sancionou no dia 11 de maio de 1569
as ordenanccedilas sobre a medicina farmaacutecia e cirurgia
O exerciacutecio da magia e do curandeirismo foi proibido por lei os meacutedicos eram
obrigados a visitarem gratuitamente os doentes pobres da zona em que residiam e
as boticas eram regularmente visitadas e fiscalizadas Os honoraacuterios meacutedicos foram
estabelecidos e apoacutes enormes devastaccedilotildees da peste de 1570 o Conselho fixou por
seis sous a visita realizada por cada cliacutenico
Haacute a inferecircncia de que a criaccedilatildeo do Banco de Genebra45 teria produzido um
maior impacto na economia bem como a sua poliacutetica na cobranccedila dos juros A
cobranccedila de juros em Genebra foi praticada desde haacute muito tempo antes da
Reforma
Contudo a Igreja Romana em seus cacircnones sempre se opocircs fortemente a
este tipo de cobranccedila O Conciacutelio de Latratildeo (1179 dC) ameaccedilou de excomunhatildeo os
45
Haacute controveacutersias quanto a criaccedilatildeo do Banco de Genebra Andreacute Bieacuteler pastor e doutor em Ciecircncias Econocircmicas afirma que em 1568 houve a tentativa frustrada de criaccedilatildeo de um Banco em Genebra para-se preservar o valor do dinheiro tomado de empreacutestimo de Basileacuteia em vista da guerra (BIELER 1990 p 239) Jaacute o teoacutelogo e historiador da Reforma Ernest Troeltsch (1958 p 132) entende que na eacutepoca de Calvino houve o estabelecimento do Banco de Genebra
43
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usuraacuterios manifestos (que praticavam usura) e lhes recusou um sepultamento
cristatildeo
Em 1272 Gregoacuterio X ordenou aos soberanos expulsarem em trecircs meses
todos os usuraacuterios estrangeiros em seus Estados Em 1312 Clemente V condenou
os estatutos municipais que autorizam o empreacutestimo a juros E o Conciacutelio de Viena46
(1331 dC) autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguirem os cristatildeos que
praticassem usura
Por sua vez Calvino fez uma distinccedilatildeo entre banqueiros e usuraacuterios e
defendeu a legalizaccedilatildeo da taxa de juros Neste ponto ele natildeo soacute rompeu com a
teologia da Igreja Romana mas tambeacutem se distanciou de Lutero47 (WEBER 2000
p55)
Calvino foi o primeiro teoacutelogo a admitir esse tipo de empreacutestimo exonerando-o
do oproacutebrio moral (BIEacuteLER 1990 p 239) Contudo pressentindo a gama de males
sociais que o liberalismo econocircmico poderia trazer o reformador propocircs uma
regulamentaccedilatildeo da taxa de juros Fixando em 5 aa em 19 de fevereiro de 1544 e
depois em 666 aa para os anos seguintes Esta barreira deveria inibir de
imediato o empreacutestimo a juros em Genebra e o surgimento de usuraacuterios e agiotas
profissionais aos quais o reformador era estritamente oposto
Esta nova matiz econocircmica de Calvino provocou uma seacuterie de criacuteticas para
os economistas estabelece-se aqui um ponto de virada para o capitalismo liberal
Weber identifica este ethos capitalista do protestantismo com o seguinte conceito de
capitalismo puro
Lembra-te de que o dinheiro eacute de natureza proliacutefica procriativa O dinheiro pode gerar dinheiro e seu produto pode gerar mais e assim por diante Cinco xelins em giro satildeo seis novamente empregados satildeo sete e trecircs pence e assim por diante ateacute atingir cem libras Quanto mais houver dele mais ele produz em cada turno de modo que o lucro aumenta cada vez mais rapidamente (2000 p 29)
O combate agrave pobreza foi outra accedilatildeo que produziu seus efeitos na economia
genebrina Para tanto foram criados dispositivos legais (poliacuteticas puacuteblicas) para o
46
O Conciacutelio de Viena de 1331 autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguir os cristatildeos que praticassem a usura (cobranccedila de juros) A igreja condenava o usuraacuterio porque ele ganhava sobre um tempo que natildeo lhe pertencia o fruto de seu dinheiro natildeo vinha de um trabalho suado pois o seu ganho pressupotildee uma hipoteca sobre um tempo que soacute a Deus pertence 47
Lutero julgou que cobrar juros estaacute em oposiccedilatildeo aos mandamentos divinos Juros altos que conforme Lutero comeccedilam com 5 ao ano prejudicam o devedor da mesma forma como o furto e o roubo Ele foi realista o suficiente para reconhecer que a cobranccedila de juros eacute necessaacuteria na economia mas disse ao mesmo tempo ―Ai dos que cobram juros
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combate agrave pobreza Eles se apoiavam em conceitos teoloacutegicos para fundamentar a
perpeacutetua desigualdade econocircmica48 social
No periacuteodo que esteve em Estrasburgo Calvino defrontou-se com problemas
sociais agudos com uma comunidade de refugiados desprovida de recurso Em
Genebra nas ordenanccedilas ele instituiu a Diaconia como oacutergatildeo de ajuda assistencial
Contudo natildeo bastava simplesmente propiciar aos pobres ajuda material dever-se-ia
dar aos necessitados os meios por si mesmos para saiacuterem de sua condiccedilatildeo
Mestres eram incumbidos da instruccedilatildeo das crianccedilas os enfermos e invaacutelidos
deveriam ser reeducados profissionalmente e a cada domingo eles eram
examinados para avaliar em que condiccedilotildees de trabalho se encontravam
Aos refugiados esforccedilavam-se por todos os meios por oferecer-lhes trabalho
remunerado Aqueles que natildeo achavam emprego em sua profissatildeo destinavam-se
provisoriamente agrave obra de construccedilatildeo das fortificaccedilotildees
Calvino tambeacutem combateu veementemente o oacutecio e a vadiagem De acordo
com suas convicccedilotildees teoloacutegicas o ser humano encontra no trabalho a plena
realizaccedilatildeo da vontade divina De forma que a ociosidade eacute um tipo de alienaccedilatildeo
contraacuteria agrave natureza humana Significa a recusa pelo homem de sua vocaccedilatildeo divina
sua ruptura com Deus uma ofensa a Deus O trabalho traz a becircnccedilatildeo divina
enquanto o oacutecio a sua maldiccedilatildeo
Em Genebra o reformador empenhou-se para coligir a seguinte lei de
repulsatildeo a ociosidade49
Os vagabundos decretado que se faccedila proclamaccedilatildeo puacuteblica de que todos os vagabundos estrangeiros que natildeo tenham meios de ganhar a vida sejam obrigados a deixar a cidade em trecircs dias e os outros todos da cidade devem trabalhar cada um em sua profissatildeo sob pena de serem postos em prisatildeo (BIEacuteLER 1990 p 222)
Este dispositivo legal trouxe a Genebra um impulso capitalista por meio da
nova visatildeo do trabalho De acordo com Calvino natildeo haveria trabalho insignificante
na sociedade ―Se seguirmos fielmente o nosso chamado divino receberemos o
48
Calvino possuiacutea o conceito teoloacutegico de que se Deus o quisesse teria uma abundacircncia de posses e de dinheiro e de tudo que eacute desejaacutevel de sorte que haveria igual medida entre todos Deus poreacutem soubera porque assim se fez que haja pobreza e riqueza e mesmo que ateacute o fim do mundo assim haveraacute de ser Caberia aos pobres crer no sustento divino e serem instrumentos de provaccedilatildeo aos ricos Caberia tambeacutem aos ricos administrar corretamente os bens que lhes foram confiados estando entre estes os pobres 49
Nesta mesma eacutepoca o rei Francisco I declarou guerra aos vagabundos ociosos e outros pedintes que enchiam as ruas e as praccedilas Ao inveacutes de prover-lhes ajuda material e meios de encontrar emprego foram reduzidos a trabalhos forccedilados trabalharam agrilhoados dois a dois sobre a ameaccedila do chicote ou da prisatildeo em obras de utilidade puacuteblica remoccedilatildeo de lama e imundiacutecies limpeza de valados reparo em muralhas de fortificaccedilotildees
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consolo de saber que natildeo haacute trabalho insignificante ou nojento que natildeo seja
verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus (COSTA 2006 p
284)
O trabalho quando exercido em sua plenitude redundaria ―na gloacuteria de
Deus independente da funccedilatildeo do trabalhador Weber numa anaacutelise do
protestantismo aponta para este fenocircmeno com a seguinte afirmaccedilatildeo
[] o homem deve para estar seguro de seu estado de graccedila ―trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado Natildeo eacute pois o oacutecio e o prazer mas apenas a atividade que serve para aumentar a gloacuteria de Deus de acordo com a inequiacutevoca manifestaccedilatildeo da Sua vontade (1990 p112)
Desta forma a assimilaccedilatildeo desse conceito teoloacutegico e a sua aplicaccedilatildeo na
principal fonte de produccedilatildeo de riquezas ndash o trabalho tornou-se alavanca para o
desenvolvimento do capitalismo em sua forma seminal em Genebra bem como os
paiacuteses que adotaram a poliacutetica e feacute calvinista
Ao chegar em Genebra Calvino propocircs ao Conselho um plano que incluiacutea a
criaccedilatildeo de uma escola para todas as crianccedilas da cidade Dessa proposta surgiu o
Collegravege de la Rive (1537) e ao exemplo deste coleacutegio com o retorno de Calvino
apoacutes seu banimento foram organizados outros quatro em outras quatro regiotildees da
cidade
Os alunos do Collegravege de la Rive foram divididos em quatro seccedilotildees de acordo
com as suas residecircncias nos quatro departamentos da cidade e foram classificados
em sete graus desde os iniciantes ateacute aos da graduaccedilatildeo
Mais tarde em 1559 foi inaugurada a Academia de Genebra sendo o seu
primeiro reitor Theodoro de Beza A escola jaacute estava em funcionamento antes
mesmo das construccedilotildees e funcionou a princiacutepio de forma precaacuteria
O ensino na instituiccedilatildeo foi dividido em duas partes Shola Privata ou coleacutegio
ndash onde em cada ano no final de abril o aluno apresentava um ensaio em francecircs e
se aprovado deveria traduzi-lo para o latim (LEWIS 1996 p 42) e Shola Publica
uma continuaccedilatildeo do coleacutegio que fornecia estudos em niacutevel superior onde a ecircnfase
recaiacutea no estudo das Artes e da Teologia
A Academia iniciou suas atividades com 600 alunos no primeiro ano
aumentando no segundo ano para 900 em funccedilatildeo de alunos estrangeiros vindos da
Franccedila Holanda Alemanha Itaacutelia e de outras cidades da Suiacuteccedila
Quando Calvino faleceu estavam matriculados cerca de 1500 alunos e em
poucos anos a Academia se tornou em Universidade Desta forma os genebrinos
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puderam oferecer aos seus filhos educaccedilatildeo com qualidade o que sem duacutevida veio
a contribuir para o desenvolvimento da proacutepria cidade
Weber aponta para uma relaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo acadecircmica e o acuacutemulo de
riquezas fazendo a comparaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo de catoacutelicos e protestantes na
Bavaacuteria e na Hungria E conclui que a escolha das profissotildees por catoacutelicos e
protestantes foi pautada pelo ethos religioso da famiacutelia Sendo que enquanto os
catoacutelicos demonstraram maior predileccedilatildeo pelo artesanato os protestantes possuiacuteam
predileccedilatildeo pelas faacutebricas (2000 p 21 22)
Certamente a poliacutetica educacional calvinista constituiu-se numa das
sementes para o desenvolvimento do capitalismo genebrino que se expandiu para
outros paiacuteses
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Observamos na reforma protestante de Genebra uma espeacutecie de laboratoacuterio
em plano piloto daquilo que o protestantismo causaria na Europa no seacuteculo XVI e
XVII Os itens mencionados por Weber como sementes do capitalismo moderno
podem ser encontrados na Genebra protestante O sistema de governo riacutegido a
criaccedilatildeo de um Banco Estatal legalizaccedilatildeo e controle da taxa de juros uma visatildeo
religiosa do trabalho a assistecircncia social e o investimento na educaccedilatildeo favoreceram
grandemente o desenvolvimento dessa cidade
Todos esses itens somados ao ascetismo protestante culminaram no acuacutemulo
de riquezas Foi a partir desta experiecircncia sustenta Troeltsch (1958 p 134135)
que o capitalismo se infiltrou na moral de todos os paiacuteses que vieram abraccedilar o
calvinismo
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Santo Satildeo Paulo Parakletos 2002
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_________________ Joatildeo Calvino 500 anos - introduccedilatildeo ao seu pensamento
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Satildeo Paulo - SP Editora Martin Claret 2009
Autor ndash Dr Ceacutesar Rocha Lima
Docente FATEJ FADISA Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu Doutor em Ciecircncias Humanas FFLCH-USP ndash Universidade de Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncias pela UNIFESP Universidade Presbiteriana Licenciatura em Ciecircncias Sociais ndash Universidade Metodista de Satildeo Paulo Bacharelado em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pesquisador Grupos GAIA ndash USP (Grupo de Antropologia e Interdisciplinaridade Ambiental e Agraacuteria) Pesquisador NEP ndash Mackenzie (Nuacutecleo de Estudos do Protestantismo) Estuda o Islamismo no Brasil rochalimauspbr
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A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA
ldquoO amor eacute filho da pobreza e da riqueza da pobreza porque
constantemente pede e da riqueza porque constantemente se daacuterdquo
Platatildeo
RESUMO
Este artigo propotildee uma breve reflexatildeo sobre os conceitos de pobre e Messias
no Antigo Testamento e a relaccedilatildeo que existe entre ambos Dialogamos sobre trecircs
tipos de pobre que se concentram na classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres
escasseados os quais satildeo considerados juriacutedica e economicamente fracos
Mostramos o rei Davi como um messias em seu tempo e logo apoacutes mostramos
Jesus Cristo como o cumprimento cabal da figura messiacircnica Jesus Cristo o
Messias Tambeacutem analisamos de forma sucinta a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e
igreja e qual a posiccedilatildeo dessas em relaccedilatildeo ao pobre e marginalizado Alguns
referenciais que nos auxiliam nessa pesquisa satildeo Milton Schwantes Joseacute Luiacutes
Sicre entre outros
Palavras chave Pobre Messias Jesus Esperanccedila Igreja
ABSTRACT
This article proposes a brief reflection on the concepts of poor and Messiah in
the Old Testament and the relationship that exists between them We talk about
three types of poor that focus on the class of workers and scarce free citizens who
are considered legally and economically weak We show King David as a messiah in
his day and soon after we show Jesus Christ as the full fulfillment of the messianic
figure Jesus Christ the Messiah We also succinctly analyze the relationship
between the poor society and the church and their position on the poor and
marginalized Some references that help us in this research are Milton Schwantes
Joseacute Luiacutes Sicre among others
Keywords Poor Messiah Jesus Hope Church
autor Ebson de Sousa
ebsonsousayahoocombr
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INTRODUCcedilAtildeO
Neste artigo nos propomos a analisar os conceitos de pobre e Messias no
tempo veterotestamentaacuterio e tambeacutem Davi como um tipo de Messias e Jesus
como o Messias mostrando seus significados em sua etimologia e seus
desdobramentos
Ainda analisaremos a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e observar
como os pobres e marginalizados se tornaram um grande desafio para a
sociedade principalmente para a igreja como uma organizaccedilatildeo que tecircm sido
indiferente em relaccedilatildeo a essa classe desfavorecida Tal realidade desafia a igreja
a se posicionar e ser o verdadeiro veiacuteculo do Evangelho de Jesus Cristo
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO
O objetivo deste artigo eacute esclarecer de uma forma simples e objetiva o
conceito de pobre e messias no periacuteodo veterotestamentario qual o significado
desses termos e seus desdobramentos
Destaca-se tambeacutem uma pessoa de estimada relevacircncia nos tempos do
Antigo Testamento o rei Davi Pois a pessoa do rei Davi tem em sua
personalidade cuja relevacircncia aponta para o aacutepice da figura messiacircnica sendo
uma pessoa que representou esperanccedila messiacircnica aos menos favorecidos de
seu tempo
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento
A palavra ldquopobrerdquo pode ser usada como adjetivo e substantivo como adjetivo
ela tem a funccedilatildeo de qualificar caracterizar ou classificar o substantivo quando
localizada ao lado deste o pobre eacute visto como aquela pessoa que natildeo tem o que
eacute necessaacuterio agrave vida ou seja eacute aquela pessoa que seus bens satildeo inferiores agraves
suas necessidades (FABRIS 1991)
Haacute trecircs classes de pobres que podemos mencionar as quais as narrativas
biacuteblicas identificam como grupos de pessoas que satildeo juriacutedica e economicamente
fracos os quais satildeo trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados abandonados
e marginalizados puacuteblicos e por fim os escravizados (SANTOS 2009)
Queremos aqui destacar apenas trecircs tipos de pobres que se concentram na
classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados dentre vaacuterios existentes
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nos textos biacuteblicos do cacircnon sagrado os quais satildeo dal (lD) ebyon (wOyba) e
bdquoani (עני)
Dal (lD) se refere aquele pobre que tem falta de bens materiais e de poder
social essa pessoa eacute considerada como das classes mais pobres de Israel (cf Rs
2414 2512) Observamos isso quando Gideatildeo tentou recusar a escolha divina
para que ele fosse libertar Israel (Jz 615) Portanto dal nos traz a ideia de
humildade mas voltado para o sentido de privaccedilatildeo consequente agrave condiccedilatildeo de
pobreza em excesso ao seu estado de miseacuteria (HARRIS 1998)
Vejamos algumas passagens biacuteblicas onde a palavra dal aparece
lD II ndash uma formaccedilatildeo verbal de qll ndash encontra-se 48 vezes no AT a construccedilatildeo feminina לה II 4 vezes (2Rs 2414 2512 Jr 407 ד5216) e o verbo mediae geminatae דלל I ocorre 7 vezes (Jz 66 Is 174 196 3814 Sl 798 1166 1427) Com maior frequecircncia ל דocorre em Proveacuterbios 15 vezes (Pv 1015 1431 19417 2113 2291622 (duas vezes) 28381115 29714) Nos ditos profeacuteticos ל eacute encontrado 11 vezes (Am 27 41 511 86 Is ד102 114 1430 254 266 Sf 312 54 [+ 2 vezes דלל Is 174 196]) nos Salmos 6 vezes (Sl 412 7213 823s 1137 1Sm 28 [+ 4 vezes דלל Sl 798 1166 1427 Is 3814]) no livro de Joacute 6 vezes (Joacute 516 201019 3116 341928) nos textos legais ל דaparece 4 vezes (Ecircx 233 3015 Lv 1421 1915) (SCHWANTES 2013 p 2425)
Seu estado de pauperismo era tatildeo claro que dessas pessoas natildeo se exigia
ofertas caras para o templo ofertas essas que todo israelita deveria levar cada
qual a sua (Lv 1421) (SIQUEIRA 2005)
Observa-se que a palavra dal estaacute ligada a raiz hebraica dalal e traz o
sentido de uma pessoa que para a sociedade em que ela ―esta inserida eacute um ser
despreziacutevel insignificante um ser fraco o qual sua existecircncia eacute totalmente
despercebida e parte desse grupo eacute o proletariado rural (GELIN 1973)
Ebyon ( ןאביו ) fala daquele que se tornou destituiacutedo eacute aquela pessoa que
perdeu seus bens por algum motivo ou seus bens foram tomados de si
(SIQUEIRA 2005)
Nota-se que esse tipo de pobre tambeacutem pode ser considerado como o
―desejoso pois mesmo sendo considerado um pobre destituiacutedo percebe-se nele
uma espera uma suacuteplica ou seja uma pessoa que implora a caridade publica
para que as pessoas de melhores condiccedilotildees de vida olhem para eles e os
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ajudem para que assim possam ter o miacutenimo para sobreviver (Ecircx 23611)
(GELIN 1973)
Observemos algumas passagens biacuteblicas onde aparece a palavra ebyon
O substantivo e adjetivo אביון ocorrem 61 vezes respectivamente 62 vezes no Antigo testamento com maior frequecircncia apresenta-se o Salteacuterio com 23 vezes (respectivamente 24 vezes) Sl 919 126 3510 3714 4018 493 6934 706 7241213 (2 vezes) 7421 824 861 10741 109162231 11219 1137 12315 14013 [+ 412] a esta lista pertencem tambeacutem 1Sm 28 (= Sl 1137) Jr 2013 Ainda sob influencia clara dos salmos estatildeo passagens como Is 1430 254s (2919) Joacute 515 Na literatura profeacutetica אביון ocorre 17 vezes das quais algumas passagens vem determinadas pelo contexto de salmos (Am 26 41 512 846 Is [1430 254 2919] 327 Jr 234 528 [2013] 2216 Ez 1649 1812 2229 (Dt-) Is4117) em textos legais o verbete aparece 9 vezes (Ecircx 23611 Dt 1547 (2 vezes) 9 11 (2 vezes) 2414 no livro de Joacute 6 vezes (515 24414 2916 3025 3119) nos Proveacuterbios 4 vezes (1431 3014 31920) e 1 vez em Ester (922) (SCHWANTES 2013 p 33)
Fabris tem ebyon como ―mendigo um pedinte aquela pessoa que estende
a matildeo para pedir demostrando sua necessidade seu estado de miserabilidade
(FABRIS 1991)
bdquoani (עני) seu significado estaacute mais voltado para o tipo de pobre que sofre de
alguma incapacidade fiacutesica ou afliccedilatildeo segundo Siqueira (2005) esta afliccedilatildeo eacute
gerada pelo seu estado de miseacuteria e dependecircncia bdquoani em alguns casos pode ter
algum tipo de relaccedilatildeo com dal ou ebyon poreacutem essa palavra remete a um tipo
diferente de pobre porque ela nos daacute a ideia de algum tipo de disfunccedilatildeo fiacutesica ou
afliccedilatildeo (HARRIS 1998)
bdquoanah II eacute a raiz da palavra bdquoani a qual nos traz o significado de ―estar
encurvado inclinado abaixado e importunado Humilhados como tambeacutem assim
satildeo conhecidos sua limitaccedilatildeo fiacutesica estaacute relacionada com seu estado de
capacidade de vigor de valores que foram reduzidos devido as situaccedilotildees as
quais os envolveram situaccedilotildees essas que poderiam ser passageiras ou
permanentes tais como pobreza econocircmica doenccedila eou prisatildeo (GELIN 1973)
Segundo Fabris (1991 p 13) estes problemas estatildeo relacionados agraves
condiccedilotildees econocircmicas e culturais as quais oprimem e submetem pessoas ao
trabalho forccedilado sob maus tratos
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Consideremos algumas passagens biacuteblicas onde podemos observar a
presenccedila da palavra bdquoani
Acima de todos os conceitos para a designaccedilatildeo de pobre no AT a formaccedilatildeo a partir do qatil עני e a formaccedilatildeo a partir do qatal ענן ocorrem com maior frequecircncia 92 vezes no hebraico e 1 vez no aramaico biacuteblico (54 עני vezes 19 ענייםx no qal 1 ענו vez no qal vezes no qal) A metade de todas as referencias 19 ענויםencontram-se nos Salmos עני encurvado oprimido (Sl 102 [2 vezes] 146 1828 2225 2516 347 3510 [2 vezes] 3714 4018 6811 6930 706 7212 7421 823 861 8616 1021 1091622 14013 acrescentando-se ainda 2Sm 2228 [=Sl 1828] Hc 314 [ Sl 2222] עניים (Sl 913 [Kittel = K] 1012[K] נויםע (7419 7224 126 (Sl 919 [K] 1017 2227 259 [2 vezes] 343 3711 6933 7610 1476 1494) Igualmente sob a influencia dos Salmos encontram-se claramente Nm 123 Is 1432 266 2919 4117 4913 622 Sf 23 Zc 99 ( Pv 334) (SCHWANTES 2013 p 3839)
Segundo Harris (1998 p1653) esta questatildeo de privaccedilotildees materiais e as
dificuldades estatildeo relacionadas agrave opressatildeo social Haacute uma relaccedilatildeo muito forte
entre a afliccedilatildeo fiacutesica e a espiritual (Sl 2424) e haacute casos em que a afliccedilatildeo interior
eacute provocada pela exterior gerando um pedido de socorro a Deus
Assim observamos de forma simples e objetiva o conceito de pobre no
Antigo Testamento mais especificamente sobre trecircs tipos de pobres que se
concentram na classe de trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados os quais
satildeo dal ebyon e bdquoani A seguir falaremos sobre o conceito de Messias (maxiah -
o qual eacute a fonte geradora de esperanccedila para as classes desfavorecidas os (משיח
pobres
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento
O nome messias (maxiahungido - משיח) substantivo hebraico tem sua
origem na raiz mxh que tem por significado ungir untar Esse termo maxiah foi
usado pelos textos biacuteblicos canocircnicos de duas formas como verbo na forma
passiva e como substantivo (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como verbo foi usado na forma passiva tal como em 2 Samuel 121
―Montes de Gilboa natildeo caia sobre voacutes nem orvalho nem chuva nem haja aiacute
campos que produzam ofertas pois neles foi profanado o escudo dos valentes o
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escudo de Saul que jamais seraacute ungido com oacuteleo isso denota uma accedilatildeo uma
atitude (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como substantivo teve um significado profundamente teoloacutegico no
Antigo Testamento O verbo na forma passiva maxiah passou a ser substantivo
apoacutes a morte do rei Davi Com isso a palavra maxiah messias passou a ser um
tiacutetulo como em 1 Samuel 166 ―Sucedeu que entrando eles viu a Eliabe e disse
consigo Certamente estaacute perante o Senhor o seu ungido Esse tiacutetulo agora
reconhece condiccedilatildeo do rei e o autentica como eleito de Deus para mediar Sua
becircnccedilatildeo em prol do povo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Harris (1998 p885) essa palavra maxiah ocorre cerca de 40
vezes no Antigo Testamento e foi utilizada como substantivo como citamos
acima mas tambeacutem como adjetivo com a funccedilatildeo de classificar caracterizar ou
qualificar o substantivo Os textos em que mais aparece estatildeo em 1 e 2 Samuel e
Salmos
Existem alguns nomes que indicam como o messias era caracterizado no
tempo veterotestamentario Queremos citar aqui apenas trecircs deles os quais satildeo
Emanuel ou Imanuel (Menino) Melquisedeque e Filho de Davi
121 Emanuel Imanuel (menino)
Deus pronunciou em suas primeiras promessas aos hebreus algo que
nenhum outro deus do Oriente Meacutedio havia pronunciado aos que criam neles Em
Gn 177 Deus afirmou a Abraatildeo que estaria com ele e com sua descendecircncia
perpetuamente Em momentos de dificuldade (Gn 2815) Deus reafirma sua
presenccedila proteccedilatildeo e sua benccedilatildeo sobre a vida de Jacoacute ateacute que se cumpra na
vida dele aquilo que Deus havia lhe prometido A Moiseacutes em Ecircxodo 312 Deus
reafirma sua presenccedila com ele e lhe faz uma promessa concretizada
demonstrando de forma clara que natildeo o desampararia mas sempre estaria com
ele (SIQUEIRA 2005)
Com a realizaccedilatildeo das promessas proferidas de Deus ao povo fez com que a
confianccedila do povo aumentasse como nos mostra o Salmo 136 que diz que cada
ato criacionista ou salviacutefico de Deus eacute porque Sua misericoacuterdia dura para sempre
Demonstrando assim Sua presenccedila e Seu cuidado de forma real entre Seu povo
E eacute a partir desse sentimento de feacute que o profeta Isaiacuteas insatisfeito com as
atitudes dos reis da linhagem de Davi atitudes pecaminosas que se sucediam a
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cada dia que ele profetizou a chegada de um menino chamado lsquoImanu‟el (lrm נו עמ
ל Imanu‟el significa Conosco estaacute Deus este nome eacute a junccedilatildeo da preposiccedilatildeo‟ (א
‟im o pronome nu e o substantivo ‟el (SIQUEIRA 2005)
Precisamos observar o contexto em que esta palavra estava inserida para
melhor compreensatildeo da mesma Israel e a Siacuteria anelaram fazer uma alianccedila com
Judaacute a fim de se oporem a Assiacuteria Poreacutem Judaacute hesitou e Israel e a Siacuteria
resolveram castiga-la e ao ouvir isto Acaz rei de Judaacute se amedrontou Com isso
Isaiacuteas lhe avisou que natildeo devia temer pois logo seus inimigos seriam derrotados
e lhe disse que pedisse um sinal de Deus mas logo o rei Acaz recusou por causa
da sua incredulidade (DOUGLAS 2006)
Segundo Siqueira (2005 p102) Isaiacuteas profetizou o nascimento do menino
‟Imanu‟el devido agrave incredulidade do rei Acaz em relaccedilatildeo ao sinal de Deus (Is 710-
17) que traria salvaccedilatildeo ao povo inseguro e aflito que vivia em Jerusaleacutem
portanto a chegada do menino lsquoImanu‟el era um juiacutezo sobre os reis que natildeo
creram e foram infieacuteis a Deus
Em Isaiacuteas 715-16 fala que a infacircncia do ―Menino-Deus era o tempo de
medida ateacute que os reis que amedrontaram Acaz fossem destruiacutedos poreacutem Acaz
recusou o sinal do ‟Imanu‟el e se voltou ao rei da Assiacuteria essa atitude de Acaz e
seus sucessores causaram a ruiacutena de Judaacute poreacutem a promessa do ‟Imanu‟el
estava de peacute por aqueles fieacuteis a Deus o remanescente pois em ‟Imanu‟el estaacute agrave
esperanccedila e salvaccedilatildeo (DOUGLAS 2006)
122 Melquisedeque
Melquisedeque nome que aparece no texto biacuteblico no livro de Genesis
1418-20 nos traz o significado meu rei eacute sedeq pois sedeq significa justiccedila
Esse nome demonstra claramente o desejo do povo de um rei justo que
praticasse a justiccedila em seu governo Justiccedila no contexto biacuteblico significa salvar e
libertar as pessoas de qualquer tipo de opressatildeo que elas sofrem ou podem
sofrer (SIQUEIRA 2005)
Melquisedeque era sacerdote do Deus Altiacutessimo rei de Saleacutem
Melquisedeque levou patildeo e vinho a Abraatildeo quando voltava da batalha de
Quedorlaomer e recebeu os diacutezimos que Abraatildeo lhe ofereceu (SANTOS 2011)
Segundo Santos (2011 p319) no Salmo 1104 Jesus eacute narrado como
sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque Jaacute em Hebreus capiacutetulos
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5 6 e 7 vai fazer-se uma relaccedilatildeo entre Melquisedeque e Jesus mostrando que
Jesus eacute a figura perfeita do sacerdoacutecio de Melquisedeque o qual foi apenas a
sombra desse sacerdoacutecio perfeito de Jesus Essa relaccedilatildeo demonstra quatro
singularidades ―1 Natildeo segundo a ordem leviacutetica 2 Tem superioridade sobre
Abraatildeo 3 Natildeo se conhecendo seu principio e seu fim 4 E natildeo soacute eacute sacerdote
mas tambeacutem rei de paz e justiccedila
Segundo Douglas (2006 p856) no Salmo 1104 um rei da linhagem de Davi
eacute declarado por juramento divino como sacerdote para sempre segundo a ordem
de Melquisedeque Jesus e seus coetacircneos reconheceram esse rei como sendo o
Messias Daviacutedico (Mc 1235s) ―Se Jesus eacute o Messias Daviacutedico entatildeo ele eacute o
sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque
123 Filho de Davi
Como diz Siqueira (2005 p103104) ―A expressatildeo filho de Davi eacute um entre
tantos tiacutetulos messiacircnicos atribuiacutedos a Jesus (Mt 927 1223 1522) e podemos
observar por dois pontos de vista diferentes a razatildeo e a origem desta epiacutegrafe
A primeira se daacute no conhecimento que o povo judeu tinha em relaccedilatildeo agraves
promessas de Deus escritas no Antigo Testamento onde diz Davi e sua
posteridade teriam um governo perpeacutetuo Em 587 aC houve o fim da monarquia
poreacutem parte do povo continuou crendo nas promessas de Deus de que algueacutem
da linhagem de Davi viria restaurar o reino de Israel atraveacutes da forccedila do exeacutercito
e da forccedila poliacutetica ou seja um Filho de Davi poliacutetico e guerreiro (SIQUEIRA
2005)
A segunda forma de se observar o tiacutetulo Filho de Davi eacute observando o povo
que conheceu ouviu e andou com Jesus Pois atraveacutes das atitudes e palavras de
Jesus esse povo tambeacutem reconhecia em Jesus o Filho de Davi natildeo como um
guerreiro e politico mas sim como um pastor aquele que socorre levando paz e
vida para as pessoas (Jo 1011) E este grupo afirmava que sua origem natildeo era
de Beleacutem (SIQUEIRA 2005)
Pudemos observar as origens e conceito do termo pobre e messias no
primeiro testamento e seus desdobramentos Observamos tambeacutem algumas
caracterizaccedilotildees do Messias no Antigo Testamento agora veremos como surge
esse messianismo a figura principal do Messias no primeiro testamento e Jesus
Cristo como o verdadeiro Messias
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2 MESSIANISMO E MESSIAS
O messianismo pode ser entendido de duas formas Haacute aqueles veem o
messianismo como o fundamento e a esperanccedila do Antigo Testamento o qual o
personagem central dessa esperanccedila eacute um personagem futuro que traraacute a
redenccedilatildeo Poreacutem existem aqueles que acreditam que esse fundamento de um
mundo melhor em todos os aspectos natildeo eacute futuro e sim no presente (SICRE
2000)
De forma geral o movimento messiacircnico eacute definido como um movimento
Em que um nuacutemero maior ou menor de pessoas em estado de grande exaltaccedilatildeo emotiva provocada pelas tensotildees sociais se reuacutenem no culto a um indiviacuteduo considerado portador de poderes sobrenaturais e se mantem reunidos na esperanccedila miacutestica de que seratildeo salvas de uma cataacutestrofe universal e (ou) ingressaratildeo ainda em vida num mundo paradisiacuteaco a terra sem males o reino dos ceacuteus a cidade ideal (QUEIROZ 1966 p 287)
Segundo Sicre (2000 p16-18) Flusser um judeu diz que o Messias eacute um
descendente de Davi carismaacutetico que quebraria o jugo que estava sobre os
judeus e reinaria sobre o reino de Israel Jaacute para Mowinckel cristatildeo protestante o
Messias eacute um personagem escatoloacutegico Todavia quando o Messias aparece nos
textos sejam canocircnicos ou extra canocircnicos normalmente ele aparece como um
rei da linhagem de Davi unindo as duas caracteriacutesticas poliacutetica e religiosa Sicre
afirma que a ideia messiacircnica estaacute ligada ao rei e Davi eacute o personagem principal
dentre os reis de Israel
21 - Messias e Davi
Na histoacuteria de Israel e Judaacute o rei eacute a figura mais importante da eacutepoca da
monarquia inclusive mais importante do que o sumo sacerdote (SICRE 2000)
Segundo esse mesmo autor (2000 p49) a unccedilatildeo privada de Davi em 1Sm
161-13 o fez destacar dos demais pois o texto diz que o ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo se
apoderou de Davi Isso demonstra que Davi jaacute natildeo era mais uma pessoa simples
como as outras mas sim o ldquoUngidordquo do Senhor designado para ser rei em Israel
Schwantes diz sobre o Salmo 2 mas em relaccedilatildeo ao Ungido que este tem
um relacionamento muito estreito com Javeacute ao ponto de Javeacute o chamar de ldquofilhordquo
(v7) Fato eacute que essa filiaccedilatildeo fiacutesica divina faz parte das tradiccedilotildees do Antigo
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Oriente poreacutem essa filiaccedilatildeo estaacute ligada a entronizaccedilatildeo do rei quando o mesmo
toma posse e assume sua posiccedilatildeo de rei ele eacute adotado como filho de Deus em
sua titulaccedilatildeo (SCHWANTES 1982)
Segundo Sicre (2000 p55 e 56) no Egito e na Mesopotacircmia natildeo se ungiam
os reis contudo houve-se falar que no Egito ungia-se somente algum funcionaacuterio
ou outros reis que seriam subordinados a Faraoacute e essa unccedilatildeo natildeo tinha um
sentido religioso servia apenas como designaccedilatildeo Provavelmente essas praacuteticas
influiacuteram em Canaatilde e passou aos israelitas Pois passou a ser um ato religioso
acredita-se que no azeite consiste um poder sagrado ou do azeite flui esse poder
Entatildeo quando algueacutem era ungido esse poder e santidade recaiacutea sobre a pessoa
tornando-a algueacutem ―especial protegida por Javeacute intocaacutevel sagrada e habilitada
para desempenhar atos religiosos
Segundo Douglas
[] Fundamentalmente a unccedilatildeo era um ato de Deus (1Sm 101) ndash que explica o respeito em que era mantida ndash enquanto a palavra ―ungido era usada ateacute mesmo metaforicamente para significar a doaccedilatildeo do favor divino (Sl 235 9210) ou a nomeaccedilatildeo para algum lugar ou funccedilatildeo especial do propoacutesito de Deus (Sl 10515 Is 451) Aleacutem disso a unccedilatildeo simbolizava equipamento para o serviccedilo e eacute associada ao derramamento do espiacuterito de Deus (1Sm 101 9 1613 Is 611 Zc 41-14) [] (DOUGLAS 2006 p 1362)
Mas quem foi Davi
Davi foi lamentavelmente humano e maravilhosamente santo atrevidamente corajoso e degradantemente carnal magnificamente reacutegio e mundanamente deploraacutevel Suas grandes vitoacuterias concederam-lhe as alturas enquanto seus pecados o lanccedilaram nas profundezas Foi um homem complexo ainda que simplesmente um homem Foi um homem entre os homens mas tambeacutem um homem segundo o coraccedilatildeo de Deus Foi culpado de derramamento de sangue na guerra mas familiarizado com as becircnccedilatildeos da adoraccedilatildeo (TASSEL 1987 p56)
Segundo Tassel (1987 p7-11) houve uma guerra civil que perdurou por
meacutedia de sete anos guerra essa que se deu entre Is-Bosete e Davi poreacutem essa
guerra foi estimulada por Abner quando esse retomou o controle do governo de
Israel o qual estava na matildeo dos filisteus Com esses acontecimentos Davi
esperou o momento certo para agir durante esses sete anos de guerra Davi
esperou no Senhor em Hebrom pois Davi jaacute era rei em Judaacute (2Sm 24) ―Assim
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pois todos os anciatildeos de Israel vieram ter com o rei em Hebrom e o rei Davi fez
com eles alianccedila em Hebrom perante o SENHOR Ungiram Davi rei sobre Israel
Esta alianccedila possivelmente teria sido algum tipo de documento legal o qual Davi
se comprometera a realizar em seu reinado sobre Israel de acordo com a lei
mosaica em contrapartida o povo seria leal a Davi A expressatildeo ldquoperante o
Senhorrdquo nos daacute a entender que tanto o povo quanto Davi desejavam fazer a
vontade de Deus Apoacutes sua coroaccedilatildeo Davi estabeleceu a capital de Judaacute em
Jerusaleacutem (2Sm 56ss 1Cr 114ss) Jerusaleacutem estava estabelecida dentro dos
limites do Reino Sul e Reino Norte ou seja Jerusaleacutem era o lugar perfeito dentro
do ponto de vista estrateacutegico militar Pois se localizava em posiccedilatildeo alta e rochosa
com trecircs barrancos ao seu redor era uma fortaleza natural com uma localizaccedilatildeo
praticamente inconquistaacutevel Davi foi uma das maiores mentes militares de todas
as eacutepocas ―Ia Davi crescendo em poder cada vez mais porque o Senhor Deus
dos Exeacutercitos era com ele (2Sm 510)
Davi foi um homem de conquistas A Siacuteria Edom e Moabe tornaram-se tributaacuterias do seu reino As conquistas de Davi estenderam os limites de Israel vinte vezes mais Estabeleceu um impeacuterio que rivalizou com os da Babilocircnia e Assiacuteria em seu poder militar Davi foi um soberano e salmista da mais alta categoria Davi foi um homem culto O novo rei de Israel estabeleceu as tradiccedilotildees do seu povo de acordo com a lei de Moiseacutes O longo reinado de Davi deu-lhe oportunidade de estabelecer importantes precedentes consistentes com a lei cerimonial leviacuteticos dados por Deus Davi foi um homem do comeacutercio ―Hiratildeo rei de Tiro enviou mensageiros a Davi e madeira de cedro e carpinteiros e pedreiros que edificaram uma casa a Davi (2Sm 511) Tiro era o ponto central do comeacutercio feniacutecio na costa mediterracircnea Davi trocou seu trigo e azeite por toda espeacutecie de produtos necessaacuterios O soberano-pastor sabia como prover as necessidades do seu rebanho (TASSEL 1987 p 1112)
Em relaccedilatildeo a Alianccedila Daviacutedica podemos observar cinco grandes promessas
feitas ao rei Davi Primeiro Deus prometeu a Davi uma descendecircncia (2Sm 716)
Segundo Deus prometeu a Davi poder (2Sm 713) Terceiro Deus prometeu um
lugar para que seu povo habite e natildeo seja mais afligido (2Sm 710) Quarto Deus
prometeu que seu trono seria para sempre (2Sm 716) Quinto esta quinta
promessa se referia mais a Salomatildeo e sua posteridade onde para eles de fato
serem bem-sucedidos deveriam observar as leis e preceitos de Javeacute (2Sm 714-
15) Esta periacutecope de 2 Samuel 78-17 veremos o resultado do amor lealdade
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fidelidade e perfeiccedilatildeo do coraccedilatildeo de Davi para com Deus poreacutem essa perfeiccedilatildeo
natildeo estaacute isenta de erros pois Davi era humano (TASSEL 1987)
Conforme Fitzmyer a dinastia continuou
depois que Salomatildeo sucedeu a Davi e construiu o Templo em Jerusaleacutem com Roboatildeo como rei em Judaacute (922-915 aC) e depois da revolta quando Jeroboatildeo torna-se rei em Israel (922-921 aC) A dinastia continuou a florescer em Judaacute (cf 1Cr 31 5 10-16) atraveacutes dos reis Abias Asa Josafaacute Jeoratildeo (Joratildeo) OcozIAS Jeoaacutes (Joaacutes) Amasias Uzias (Azarias) Joatatildeo Acaz (Jeoacaz I) Ezequias Manasseacutes Amon Josias Jeoacaz II (Salum) Jeoaiquim (Eliaquim) Joiaquin (Jeconias) e Sedecias (Matanias [597-585 aC]) ateacute o tempo do cativeiro babilocircnico quando a monarquia chegou ao fim [] Depois do cativeiro babilocircnico a dinastia restaurada continuou em Salatiel e Zorobabel (1Cr 31719) (FITZMYER 2015 p 55)
Salomatildeo reconheceu o cumprimento da Alianccedila Daviacutedica em si proacuteprio
conforme 1Rs 815-20 poreacutem o cumprimento final dessa Alianccedila seraacute em Jesus
Cristo conforme Rm 134 que diz ―v3 Com respeito ao seu Filho o qual
segundo a carne veio da descendecircncia de Davi v4 E foi designado Filho de
Deus com poder segundo o espiacuterito de santidade pela ressurreiccedilatildeo dos mortos a
saber Jesus Cristo nosso Senhor (TASSEL 1987)
A promessa original de que a semente da mulher finalmente derrotaria a
serpente (Gn 315) foi mais tarde definida para Abraatildeo (Gn 123) elaborada por
Balaatildeo (Nm 249) especificada por Jacoacute (Gn 4910) personalizada em Davi e
cumprida em Jesus Cristo (TASSEL 1987)
[] O livro do Cronista tem a atenccedilatildeo de dirigir o olhar de seus leitores para aquele que o profeta Ezequiel chamava de bdquouacutenico pastor‟ bdquoDavi meu servo‟ (Ez 3423) o bdquoverdadeiro justo‟ de Jeremias (Jr 235) bdquoo menino‟ de Isaiacuteas (Is 96) bdquoo que deve ser o chefe supremo de Israel‟ (Mq 52) isto eacute em direccedilatildeo a Cristo apogeu e termo final de Israel que com sua vida e sua morte lanccedilaria as bases de uma Teocracia que nenhum adversaacuterio poderaacute aniquilar de novo (SICRE 2000 p 99100)
22 Jesus - O Messias
Na biacuteblia o nome natildeo eacute um rotulo de uma pessoa natildeo eacute uma etiqueta que
os pais colocam em uma crianccedila mas sim o nome expressa seu caraacuteter parte
essencial dela O nome na biacuteblia eacute tatildeo importante que em Ec 610 o que natildeo tem
nome eacute inexistente em Joacute 308 os que natildeo tem nome satildeo despreziacuteveis A
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conversa entre Deus e Moiseacutes eacute um exemplo claro disso (Ecircx 313-14) quando
Moiseacutes indaga acerca do nome de Deus o qual ele seria seu representante Deus
o responde Eu Sou o que Sou ou seja Eu Sou Aquele que faz acontecer
revelando assim parte essencial do caraacuteter Por isso para o povo biacuteblico o nome
estaacute intrinsicamente ligado agrave pessoa e ao que ela faz Pois em cada accedilatildeo de
Deus dentro da histoacuteria de seu povo (hebreus) eles se referiam a Deus com um
nome diferente nome esse que se referia ao ato salviacutefico de Deus para
determinada situaccedilatildeo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Santos
Jesus (Salvador) ndash eacute a forma grega do nome Josueacute o filho de Num Assim em Atos 745 Em Colossenses 411 o apoacutestolo Paulo refere-se a ―Jesus conhecido por Justo Este Jesus um cristatildeo foi um dos cooperadores do apoacutestolo em Roma e prestou-lhe solidariedade no momento das suas provaccedilotildees Jesus Cristo (Iesoucircs Christoacutes = Josueacute Jesus Ungido Messias formulaccedilatildeo grega para o hebraico Yehoxuah ―Javeacute salvaraacute seu povo dos seus pecados [Mt 121]) [] (SANTOS 2011 p249)
Segundo Siqueira (2005 p 111) Jesus era conhecido como Salvador por
dois motivos ―1 O Seu nome natildeo foi uma designaccedilatildeo arbitraacuteria de seus pais
pelo contraacuterio 2 O nome de Jesus representa a realidade mais profunda de Sua
vida e obra Os quais seus proacuteprios disciacutepulos reconheceram isso dizendo ―Eacute
que vos nasceu hoje na cidade de Davi o Salvador que eacute Cristo o Senhor (Lc
211) ―e diziam agrave mulher Jaacute natildeo eacute pela tua palavra que noacutes cremos pois agora
noacutes mesmos temos ouvido e sabemos que este eacute verdadeiramente o Salvador do
mundo
No livro de Marcos 215-17 narra um fato que desafia a uma mudanccedila a
estrutura social judaica daquela eacutepoca ― Natildeo necessitam de meacutedicos os satildeos
mas sim os enfermos eu natildeo vim chamar os justos mas pecadores (cf Mt 910-
13 Lc 529-32) Os ―pecadores daquela eacutepoca eram as pessoas consideradas
imorais pela nata da sociedade (aduacutelteros mentirosos prostitutas cegos coxos
surdos publicanos entre outros) pessoas indignas de terem qualquer tipo de
relaccedilatildeo com eles principalmente no que tange a mesa lugar de partilha e
comunhatildeo lugar que tambeacutem se demonstrava estrato social Segundo esse
pensamento social da eacutepoca qualquer pessoa que se assentasse com um desses
pecadores se tornava pecador tambeacutem ou seja essas pessoas contaminavam
qualquer outra que estivesse com elas Poreacutem Jesus Cristo ao se assentar com
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os ―pecadores subverte o sistema legal de pureza e atende a necessidade dos
marginalizados pela sociedade Em Mc 21-12 nos mostra que Jesus tambeacutem
cura e perdoa os pecados (v5 ―E Jesus vendo-lhes a feacute disse ao paraliacutetico Filho
perdoado satildeo os teus pecados) havia em Jerusaleacutem todo um sistema sacrificial
em relaccedilatildeo ao pecado o sistema de expiaccedilatildeo era exercido pelo sumo sacerdote
poreacutem Jesus mesmo sem ter alguma autoridade terrena para mudar os haacutebitos
religiosos vigentes Ele demonstra ter uma autoridade superior para realizar tais
atos (MORIN 2016)
Como diz Eacutemile Day
Haacute diversos usos caracteriacutesticos de ―Cristo em Lucas-Atos Primeiro encontramos a frase ―o Cristo de Deus (Lc 920 2335 cf ―o Cristo do Senhor em 226 e ―Ungido do Senhor em At 426) A prova de Jesus como o Messias encontra-se em alguns exemplos da pregaccedilatildeo cristatilde primitiva (p ex At 542 173 18528) Segundo no importante manifesto em Lc 418-19 (cf Lc 722 e 4Q521) eacute o messianismo profeacutetico que estaacute presente baseado em Is 611-2 texto sitado na descriccedilatildeo fragmentaacuteria do proclamador angeacutelico em 11QMelqu A conclusatildeo desse capitulo (440) sugere que o ministeacuterio de cura jaacute iniciado demonstrava o messiado de Jesus (DAY 2005 p 497-498)
Jesus sempre valorizou muito mais a vida do que oblaccedilotildees sacrifiacutecios e
tradiccedilotildees que satildeo usadas para fazer diferenccedila entre as pessoas separando o
santo do pecador o bom do mau o melhor do pior Pois suas pregaccedilotildees eram de
fato uma oposiccedilatildeo contra esse tipo de comiseraccedilatildeo que vecirc a vontade de Deus
somente em beneficio proacuteprio (SANTOS 2011)
Em resumo a missatildeo de Jesus aconteceu no Impeacuterio Romano No mediterracircneo oriental o poder romano partilhado pelas elites locais fez da crueldade e da extorsatildeo parte da vida diaacuteria Para a natildeo elite do povo de Israel o colapso do sistema patronal da elite israelita apareceu como verdadeira traiccedilatildeo e deslealdade por parte das melhores famiacutelias aristocraacuteticas e cujo interesse a economia politica e a religiatildeo politica funcionavam O resgate dessa situaccedilatildeo somente ocorreria como Deus de Israel tomando o controle do paiacutes e restaurando a proteccedilatildeo divina da perfiacutedia politica que preenchia a terra A proclamaccedilatildeo de Jesus a respeito do reino de Deus era na verdade seu evangelho social (MALINA 2004 p 43)
Tudo aquilo que leva o povo ao sofrimento eacute considerado satacircnico Pois na
mensagem nos ensinamentos de Jesus Cristo seu principal tema era o ―reinado
de Deus e a salvaccedilatildeo Pois Jesus Cristo veio para resgatar e demonstrar o
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sedaqah (justiccedila) em sua plenitude Jesus Cristo veio instaurar um novo tempo
resignificando o sofrimento atraveacutes das bem-aventuranccedilas (Lc 620-23 Mt 51-12)
demonstrando assim ser o Immanuel ou seja ―Deus conosco (SANTOS 2011)
O evangelho de Jesus Cristo o Messias tambeacutem tinha o propoacutesito de gerar
uma comunidade que continuasse a propagar o reino que por Ele foi iniciado E
isso soacute podia ser feito mediante a unccedilatildeo e presenccedila do Espiacuterito do Senhor (Lc
418) Os propoacutesitos de Deus soacute podem ser realizados mediante essa unccedilatildeo do
Messias os qual visa em prioridade levar a Boa Nova aos pobres Essa Boa Nova
aos pobres estaacute relacionada agrave libertaccedilatildeo da opressatildeo romana e uma vida eterna
um lugar no ceacuteu ou seja uma resposta imediata e uma eterna o hoje e o
amanhatilde Como a paraacutebola do rico e o Lazaro benccedilatildeo eterna ao pobre e a
acusaccedilatildeo contra os ricos do presente (LOCKMANN 2011)
Pixley diz que
O reino de Deus se caracteriza pela vida uma vida tatildeo abundante que os leprosos satildeo limpos e mortos ressuscitam Isto jaacute estava acontecendo na obra de Jesus entre os pobres e marginalizados da Galileacuteia Entre os pobres esta vida abundante para os que haviam padecido carecircncias eacute recebida com alegria e Boa Nova (PIXLEY 1986 apud LOCKMANN 2011)
Observamos nessa parte que o messianismo surge com o sentido de
esperanccedila seja futura ou presente esperanccedila sobre as dificuldades diversas da
vida Davi foi um tipo de Messias em seu tempo pois ele gerava essa esperanccedila
e expectativa nas pessoas Jesus Cristo poreacutem foi o antiacutetipo do Messias sua vida
e suas obras foram voltadas totalmente para a classe dos desfavorecidos
trazendo esperanccedila aos seus coraccedilotildees tanto para uma vida futura como para a
vida presente e por fim com sua morte e ressurreiccedilatildeo concretizou essa
esperanccedila Veremos agora a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e como se
daacute o diaacutelogo entre eles
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA
Quando falamos sobre pobres e excluiacutedos normalmente nos reportamos agraves
pessoas que estatildeo fora do sistema que rege uma sociedade o sistema soacutecio-
politico-econocircmico e religioso Temos que nos atentar para essas questotildees pois
como cristatildeos temos que ter uma visatildeo mais ampla sobre esse assunto para que
assim possamos cumprir os desiacutegnios de Cristo valorizar os desvalorizados
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(FELLER 1995) ―Eacute pobre portanto quem carece dos meios de vida Quem natildeo
tem os meios materiais para viver nem para se desenvolver com dignidade no
plano social poliacutetico e cultural (ALDUNATE 1991 p 16)
Esse grupo de pessoas na sociedade soacute consegue ser vistos a partir do
momento que eles proacuteprios se sentem incomodados e indignados com a situaccedilatildeo
que vivem formam seus grupos e tomam iniciativas que seratildeo visualizadas nos
conflitos sociais Pois eacute a partir desses conflitos que surgem e desenvolvem
meios de condiccedilotildees para combater a exclusatildeo social
[] satildeo os excluiacutedos os que mais sofrem por causa dos erros da modernidade brasileira e suas consequecircncias evidentes o ecircxodo rural e a explosatildeo urbana a violecircncia no campo e na cidade a concentraccedilatildeo da terra e do capital a especulaccedilatildeo financeira e imobiliaacuteria a inflaccedilatildeo a divida externa a reduccedilatildeo na produccedilatildeo de alimentos para o mercado interno o corporativismo dos poliacuteticos e empresaacuterios a instabilidade social a miseacuteria e a fome o desemprego a insalubridade publica o abandono do ensino baacutesico o desdeacutem ao pensamento nacional alternativo o embrutecimento intelectual a deseducaccedilatildeo do povo o disfarccedilamento da realidade a desmoralizaccedilatildeo eacutetica a destruiccedilatildeo do sentimento de nacionalidade a desarticulaccedilatildeo cultural as soluccedilotildees egoiacutestas e imediatistas o individualismo ganancioso
enfim o processo de apartaccedilatildeo crescente (FELLER 1995 p15)
Podemos perceber que a pobreza eacute gerada na sociedade por causa da
ganancia de pessoas que detecircm um determinado poder social politico ou
religioso e que acabam lesando o direito dos pobres a uma vida digna a pobreza
logo eacute uma carecircncia injusta e indevida resultado do abuso dos gananciosos
(ALDUNATE 1991)
Exatamente essas pessoas ―dominadoras a elite da sociedade natildeo medem
esforccedilos para manter o sistema funcionando sempre em seu proacuteprio beneficio e
deixando assim pobres na situaccedilatildeo onde eles se encontram sem dar a eles
esperanccedila de vida de melhoria Esses dominadores que satildeo uma porcentagem
bem pequena na sociedade trabalham dentro de uma estrutura social de
exploraccedilatildeo os quais utilizam princiacutepios convencionais ndash poliacuteticos econocircmicos
sociais culturais e religiosos ndash sempre com a finalidade de manter os pobres
sobre o seu domiacutenio em suas matildeos (SANTA ANA 1985)
Infelizmente a religiatildeo acaba legitimando esse tipo de situaccedilatildeo em prol de
benefiacutecios proacuteprios para manter suas proacuteprias posiccedilotildees Assim educando os
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pobres a concordar que as condiccedilotildees de vida em que eles vivem eacute a vontade de
Deus para eles mudando assim essa esperanccedila de uma vida melhor aqui para
uma vida melhor somente depois da morte Com isso a igreja faz uso da feacute para
legitimar uma desigualdade a qual o proacuteprio Deus condena (SANTA ANA 1985)
Segundo Santa Ana (1985 p48-49) o sistema educacional ajuda nessa
perpetuaccedilatildeo da pobreza A partir do momento que o sistema educacional
socializa as pessoas atraveacutes do conformismo faz com que os ricos tenham total
acesso ao processo educacional assim perpetuando-se no poder Fazendo com
que os pobres nunca tenham uma oportunidade como a deles Isso tambeacutem
atinge as estruturas familiares que se enveredam pelo mesmo caminho
preparando seus membros a fortalecerem esse processo de dominaccedilatildeo em que o
poder e a riqueza dominam fazendo ateacute o sistema politico trabalharem a seu
favor ou seja os vassalos trabalham e seus senhores colhem os frutos
Estamos definindo a pobreza como a incapacidade de realizaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas exigidas para manter adequadamente a vida livre de doenccedilas miseacuteria fome dor sofrimento desespero e medo de um lado e a incapacidade de defesa em face da injusticcedila estrutural de outro Em qualquer dos casos essas condiccedilotildees podem ser resumidas como opressatildeo A luta contra a pobreza consiste pois em atividades em que se envolvem os oprimidos e os que lutam em seu favor na busca de uma ―vida melhor Natildeo se procura apenas a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas mas tambeacutem a existecircncia vivida com dignidade baseada no exerciacutecio da justiccedila da participaccedilatildeo e da liberdade (SANTA ANA 1985 p98)
Em grande parte das sociedades humanas existem pessoas grupos
governos igrejas entre outras instituiccedilotildees que se dedicam de forma incansaacutevel
para diminuir ou ateacute extinguir a pobreza na sociedade pois Deus natildeo criou o ser
humano para ser oprimido Podemos observar em Gn 1210-15 que esse tipo de
opressatildeo emerge no encontro de culturas poderosas com outras culturas que natildeo
tem esse mesmo poder dessa forma os mais fortes sempre dominam os mais
fracos (SANTA ANA 1985)
Em contrapartida a histoacuteria nos mostra que nem todos os opressores e
oprimidos aceitaram a opressatildeo assim tatildeo faacutecil Pessoas escolheram morrer ateacute
mesmo juntamente com sua famiacutelia ao inveacutes de se submeterem a opressatildeo
escravizadora esses satildeo os negros americanos que lutaram contra a
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segregaccedilatildeo e a escravidatildeo Essa opressatildeo natildeo eacute extinta tatildeo facilmente
infelizmente (SANTA ANA 1985)
―Do ponto de vista cristatildeo o processo de libertaccedilatildeo dura agrave vida toda O
objetivo uacuteltimo da luta contra a pobreza eacute criar a sociedade humana sem
opressores nem oprimidos onde todos se esforccedilam para ser verdadeiramente
humanos (SANTA ANA 1985 p106)
As Escrituras Sagradas fala sobre os direitos que os oprimidos tecircm os quais
se negam a dignidade de vida Podemos observar a preocupaccedilatildeo que a
legislaccedilatildeo os profetas os saacutebios e Jesus tecircm em relaccedilatildeo aos pobres e oprimidos
da sociedade A forma que Deus os protege e a forma de como Jesus Cristo se
identifica com eles de modo profundo que toda e qualquer opressatildeo ou violecircncia
praticada contra eles eacute da mesma intensidade contra Deus (ALDUNATE 1991)
Eacute quase um refratildeo que percorre toda a Biacuteblia natildeo oprimir o pobre natildeo explorar o oacuterfatildeo natildeo se aproveitar da viuacuteva natildeo discriminar o imigrado ou o forasteiro natildeo excluir o escravo Quem satildeo todos estes Satildeo aqueles que natildeo encontram lugar na sociedade organizada ou que por sua situaccedilatildeo social natildeo tecircm a quem recorrer e por isso satildeo entregues agrave proacutepria sorte ou satildeo feitos vitimas dos gananciosos [] O pobre pode ser saacutebio mas porque eacute pobre ―sua sabedoria eacute desprezada (Ec 916) e assim se destroacutei a cidade (ALDUNATE 1991 p97)
A igreja tecircm a missatildeo de defender a vida frente aos diversos problemas
sociais eacuteticos e espirituais em que vivemos nosso maior exemplo disso foi Jesus
Jesus questionou bastante fortemente os privileacutegios e as hierarquias que a sociedade judaica estabelecia tanto no domiacutenio social quanto no domiacutenio religioso Pela sua solidariedade com os pecadores com os pequenos com os sem-lei com os impuros ele contestou fortemente as estruturas de uma sociedade que ousava se apoiar em Deus para justificar a separaccedilatildeo entre aqueles que ensinam e os que escutam entre os que decidem e os que obedecem entre os que devem ser honrados e os que devem ser condenados O contexto modificou-se mas natildeo mudou muito a realidade das coisas A sociedade sempre teve e ainda tem seus marginalizados e seus desclassificados aos quais ela daacute apenas o direito do silecircncio O direito de natildeo serem como os outros [] A proacutepria igreja ainda natildeo conseguiu abandonar privileacutegios e hierarquias que foi interpelada a abolir Continua sustentando relaccedilotildees de autoridade e obediecircncia Continua ignorando aqueles que natildeo entram no quadro de sua moral ou de sua teologia oficial Existem ainda pecadores e estrangeiros sem o direito agrave mesa comum Pois eacute preciso respeitar as precedecircncias e as conveniecircncias Ainda natildeo aprendemos a nos colocar agrave mesa para comer com os pecadores E precisamos aceitar que simpatia
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e generosidade natildeo bastam para uma transformaccedilatildeo da histoacuteria Suprimir privileacutegios eacute a primeira decisatildeo para um combate E aceitar o risco da solidariedade e comprometer-se na luta contra toda opressatildeo Comeccedilar desde agora a viver na Igreja uma mudanccedila real com o maacuteximo de lucidez politica e uma coragem profeacutetica enraizada nas palavras do Cristo (MORIN 2016 p79-80)
A esperanccedila messiacircnica surge no primeiro testamento seu aacutepice se deu na
pessoa do rei Davi pois ele gerava essa esperanccedila nos coraccedilotildees das pessoas
isso porque ele natildeo olhava somente para as suas vontades mas tambeacutem as dos
desfavorecidos da sua eacutepoca Mas em Jesus eacute cumprida a promessa do
verdadeiro Messias de Deus o qual teve a coragem de lutar e doar a sua vida em
favor dos pobres e marginalizados concretizando assim uma esperanccedila que
jamais morreraacute A igreja cristatilde precisa seguir cabalmente esse exemplo de Davi e
por fim de Jesus Cristo e se doar em favor daqueles que satildeo considerados a
escoacuteria da sociedade
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Vivemos em tempos em que a sociedade valoriza muito mais aqueles que
tecircm do que aqueles satildeo Essa eacute a Era da coisificaccedilatildeo ou seja vocecirc vale aquilo
que vocecirc possui As pessoas que vivem a mercecirc desse sistema capitalista para
serem aceitas na sociedade ou em determinados grupos tem que demonstrar
aquilo que possui para serem aceitas as quais se tornam escravas do
consumismo e satildeo engolidas por esse sistema
Sistema esse que eacute regido por uma pequena porcentagem da sociedade
mas que dominam as pessoas que possuem menos poder que elas no que tange
a questatildeo politica econocircmica e social Essas pessoas fazem esse sistema
capitalista sempre girar em torno delas satildeo pessoas egoiacutestas gananciosas E os
mais prejudicados com isso satildeo as pessoas que satildeo dominadas por esse tipo de
governo os pobres e marginalizados
Nos uacuteltimos tempos as comunidades tecircm se preocupado com a situaccedilatildeo dos
pobres Mas natildeo basta somente se preocupar as comunidades precisam se
posicionar e praticar o evangelho de Cristo que entendemos ser o evangelho da
inclusatildeo Temos que aprender a tratar esse problema social que infelizmente
existe em nosso meio
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Fazer a vontade de Deus estaacute sempre relacionado ao nosso proacuteximo Como
seres humanos todos os pobres e marginalizados tem o direito de uma vida digna
ou seja ter pelo menos o baacutesico que um ser humano precisa para viver
Por isso estender a matildeo ao necessitado torna-se um grande desafio para a
sociedade e principalmente para a igreja
Com esse artigo procuramos trazer as nossas mentes para fazer-nos
relembrar acerca dos mandamentos divinos que eacute amar a Deus sobre todas as
coisas e ao proacuteximo como a si mesmo Mostrando que o pobre e marginalizado
tambeacutem tem o direito de igualdade em relaccedilatildeo agrave sociedade de ter pelo menos o
baacutesico para sua sobrevivecircncia A pobreza soacute existe porque o ser humano se
esqueceu de Deus e a partir daiacute soacute pensa em si proacuteprio em sempre ter vantagem
e domiacutenio sobre o outro
Infelizmente a igreja tambeacutem se esqueceu de seu papel aqui na Terra que eacute
de anunciar as Boas Novas de Cristo trazendo paz e esperanccedila a todos mas
principalmente aqueles a qual a sociedade despreza e marginaliza aqueles que
foram desamparados e natildeo tem nem o baacutesico para viver a fim de que tenham
uma vida digna como filho de Deus
Isso se torna um desafio para a sociedade e principalmente para a igreja a
qual eacute uma instituiccedilatildeo que deveria ou deve representar o reino de Deus desafio
esse de abrir um diaacutelogo e conscientizaccedilatildeo dos cristatildeos por partes de seus lideres
para que a igreja se torne um lugar de acolhida para essas pessoas que natildeo tem
para onde ir
Precisamos valorizar essas pessoas pois quem cuida delas realmente esta
dando continuidade a obra de Cristo pois essa foi agrave obra que Cristo fez dar a vida
em favor dos desfavorecidos
―Quando entre ti houver algum pobre de teus irmatildeos em alguma das tuas cidades na tua terra que o SENHOR teu Deus te daacute natildeo endureceraacutes o teu coraccedilatildeo nem fecharaacutes as matildeos a teu irmatildeo pobre antes lhe abriraacutes de todo a matildeo e lhe emprestaraacutes o que lhe falta quanto baste para a sua necessidade (Dt 157-8)
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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DOUGLAS JD O novo dicionaacuterio da Biacuteblia 3ordf ed rev ndash Satildeo Paulo Vida Nova 2006
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FABRIS Rinaldo Opccedilatildeo pelos pobres na Biacuteblia Satildeo Paulo Paulinas 1991
FELLER Vitor Galdino A revelaccedilatildeo de Deus a partir dos excluiacutedos Satildeo Paulo Paulus 1995
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GELIN A Os pobres que Deus ama Satildeo Paulo - Ediccedilotildees Paulinas 1973
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LOCKMANN Paulo Tarso de Oliveira Jesus o Messias profeta (Lc 951-1948) Satildeo Bernardo do Campo Editeo 2011
MALINA Bruce J O evangelho social de Jesus Satildeo Paulo Paulus 2004
MORIN Eacutemile Jesus e as estruturas de seu tempo Satildeo Paulo ndash Paulus 10ordf reimp 2016
QUEIROZ Mauricio Vinha de Messianismo e conflito social a guerra sertaneja do Contestado 1912-1916 Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1966
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SANTOS Joatildeo Batista Ribeiro Dicionaacuterio Biacuteblico 2ordf ed ver e ampl ndash Satildeo Paulo Didaacutetica Paulista 2011
SANTOS Joatildeo Batista Ribeiro Elementos de direito poliacutetico-econocircmico e as estruturas de poder no antigo Israel Revista Caminhando Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista v 14 n 2 p 155-170 juldez 2009
SCHWANTES Milton O rei-messias em Jerusaleacutem Revista Caminhando Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista v13 n21 p 19-29 1ordm semestre de 2008 Satildeo Bernardo do Campo SP EditeoUmesp 1982
SICRE Joseacute Luiacutes De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica Traduccedilatildeo de Jaime A Clasen ndash Petroacutepolis Rj Vozes 2000
SIQUEIRA Teacutercio Machado Tirando o poacute das palavras Histoacuteria e teologia de palavras e expressotildees biacuteblicas Satildeo Paulo Cedro 2005
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TASSEL Paul N Anos gloriosos do reino Davi e Salomatildeo Seacuterie ―Vamos estudar a Biacuteblia 2ordf ed Satildeo Paulo ndash IBR Imprensa Batista Regular 1987
Autor ndash Ebson de Sousa
Bacharel em Teologia ndash UMESP E-mail ebsonsousayahoocombr
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RESENHA - ldquoO UNIVERSO AO LADOrdquo - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O ESTUDANTE DE TEOLOGIA
ldquoA tendecircncia da moderna teologia (se eacute que podemos
chama-la de teologia) eacute sempre rumo agrave deificaccedilatildeo
da criatura ao inveacutes da glorificaccedilatildeo do Criadorrdquo
Arthur Walkington Pink
RESUMO
O objetivo desta resenha eacute oferecer ao corpo discente do curso de teologia
da FATEJFADISA uma leitura auxiliar no desenvolvimento da compreensatildeo dos
cenaacuterios e cosmovisotildees que alimentam a hipermodernidade Haacute livros que fazem
a diferenccedila no quesito introduccedilatildeo aacute teologia e sem duacutevida alguma este eacute um
deles
Universo ao lado eacute um livro de suma importacircncia sendo aqui utilizada a
ediccedilatildeo de 2009 sendo ―O Livro - Universo ao Lado foi publicado pela primeira
vez em 1976 (na liacutengua inglesa) de modo que a antiguidade do livro chama a
atenccedilatildeo porquanto fazendo uma breve pesquisa e lecionando nestes uacuteltimos dez
anos em cursos de teologias tenho contemplando a comprometedora realidade
de que muitos dos discentes nunca tiveram acesso ou se dedicaram a leitura da
temaacutetica apresentado neste livro
Assim esta resenha foi feita para despertar no estudante de teologia o
interesse relevante pela literatura que jaacute haacute alguns anos vem contribuindo para
elucidar a questatildeo das cosmovisotildees da qual depende a produccedilatildeo de uma
teologia com excelecircncia reflexiva sendo necessaacuteria uma filosofia acadecircmica em
cuja essencialidade se acesse informaccedilotildees mais amplas as quais satildeo
imprescindiacuteveis como ponto de partida do saber teoloacutegico contemporacircneo
Boa leitura
autor Prof Me Marcelo Alves Dantas
marcelodantasteologiagmailcom
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James W Sire
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4 ed
Satildeo Paulo Hagnos 2009
BIOGRAFIA
Em 6 de fevereiro de 2018 faleceu James W Sire aos 84 anos50 Autor ―O
Universo ao Lado considerado um claacutessico cristatildeo sobre cosmovisotildees Sire
dedicou grande parte de seus estudos ao assunto James W Sire51 (17 de outubro de 1933 - 6 de fevereiro de 2018) foi um
autor palestrante e editor cristatildeo americano da InterVarsity Press Nascido em
uma fazenda na orla do Nebraska Sandhills Sire era oficial do Exeacutercito professor
universitaacuterio de literatura filosofia e teologia inglesa editor-chefe da InterVarsity
Press (editora de livros cristatildeos) palestrante de mais de duzentos universidades
nos EUA Canadaacute Europa Oriental e Ocidental e Aacutesia e autor de vinte livros
sobre literatura filosofia e feacute cristatilde Seu livro The Universe Next Door publicado
em 1976 e agora em sua quinta ediccedilatildeo jaacute vendeu mais de 400000 coacutepias e foi
traduzido para 19 idiomas estrangeiros Ele possuiacutea um bacharelado em quiacutemica
e inglecircs pela Universidade de Nebraska um mestrado pela Washington State
College (hoje Universidade) e um doutorado pela Universidade do Missouri Sua
publicaccedilatildeo mais recente foi Rim of the Sandhills um livro de memoacuterias da vida no
rancho traccedila sua chegada precoce agrave feacute e seu desenvolvimento gradual de uma
apologeacutetica madura pela feacute cristatilde Entre as deacutecadas de 1960 e 1980 James Sire foi editor-chefe da
InterVarsity Press uma editora voltada ao puacuteblico acadecircmico e cristatildeos
pensantes Liderou um movimento de consolidaccedilatildeo intelectual cristatildeo numa
cultura evangeacutelica cada vez mais fundamentalista e anti-intelectual Trouxe ao
conhecimento puacuteblico como editor pensadores como Francis Schaeffer Os
Guinness C Stephen Evans Rebecca Manley Pippert Mark Noll e muitos outros
pensadores cristatildeos Ele mesmo colaborou com 20 tiacutetulos a maioria tratando
sobre apologeacutetica cristatilde Seu livro mais conhecido mais vendido e traduzido para
50
httpswwwultimatocombrconteudoo-intelectual-como-vocacao-james-sire-1933-2018 - Acesso 15122019 51
https translate google com br translate hl = pt B R amp s l = e n amp u = h t t p s e n w i k i p e d i a org wiki J a m e s _ W _ S i r e amp p r e v = s e a r c h ndash Acesso 15122019
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20 idiomas O Universo ao Lado (1976) foi uma marco na tentativa em divulgar a
apologeacutetica cristatilde em formato de cosmovisotildees E deu certo mais de 350 mil
coacutepias somente nos EUA
INTRODUCcedilAtildeO
James Sire tem como um de seus objetivos refletir sobre a batalha para
descobrir nossa proacutepria feacute nossa proacutepria cosmovisatildeo nossas crenccedilas sobre a
realidade Seus principais intentos satildeo
a) Esboccedilar as cosmovisotildees que estatildeo por traacutes do modo pelo qual noacutes no
mundo ocidental pensamos sobre noacutes mesmos outras pessoas o mundo
natural e Deus ou a realidade final
b) Traccedilar historicamente como essas cosmovisotildees se desenvolveram desde o
decliacutenio da cosmovisatildeo teiacutesta transitando por sua vez para o deiacutesmo o
naturalismo o niilismo o existencialismo o misticismo oriental e a nova
consciecircncia da Nova Era
c) Mostrar como o poacutes-modernismo provocou uma reviravolta nessas
cosmovisotildees
d) Encorajar-nos a pensar em termos de cosmovisotildees isto eacute com
consciecircncia natildeo apenas do nosso modo de pensar mas tambeacutem do modo
de pensar das outras pessoas para que possamos primeiro entender os
outros e entatildeo estabelecer uma comunicaccedilatildeo eficaz em nossa sociedade
pluralista
Dr James W Sire eacute editor e palestrante muito requisitado em coleacutegios e
Universidades dos Estados Unidos e Europa Autor de vaacuterios livros
1 How to Read Slowly Reading for Comprehension Como ler
devagar Leitura para compreensatildeo 1978
2 Scripture Twist twenty Ways Cults Misunderstand the Bible
Torccedilatildeo das Escrituras 20 maneiras pelos quais os cultos
interpretam mal a Biacuteblia 1980
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3 Discipleship of the Mind Learning to Love God In the Ways We
Think Discipulado da mente aprendendo a amar a Deus da
maneira que pensamos 1990
4 Why Should Anyone Believe Anything at All Por que algueacutem
deveria acreditar em tudo1994
5 Habits of the Mind Intellectual Life as a Christian Calling Haacutebitos
da Mente vida intelectual como uma vocaccedilatildeo crista 2001
6 Naming the Elephant Worldview as a Concept Nomeando o
elefante cosmovisatildeo como conceito 2004
7 Por que bons argumentos frequentemente falham (IVP 2006)
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO
Sire parte do pressuposto que jaacute n o final do seacuteculo XIX Stephen Crane
havia aprendido a condiccedilatildeo com que noacutes no iniacutecio do seacuteculo XXI passariacuteamos a
encarar o universo
Considera-se como um fato importante nos dias de Hoje o movimento
religioso do Islatilde que defende a cosmovisatildeo cujos pressupostos vecircm afetando o
Ocidente que natildeo foi abordada em nenhumas das ediccedilotildees anteriores Desde 11
de setembro de 2001 o Islatilde tornou-se o principal fator da vida natildeo apenas no
Oriente Meacutedio Aacutefrica e Aacutesia mas tambeacutem na Europa e Ameacuterica do Norte A
cosmovisatildeo islacircmica (ou talvez cosmovisotildees) exerce sua influecircncia sobre as
vidas das pessoas em todo o mundo Aleacutem disso o termo cosmovisatildeo aparece
comumente nos jornais quando jornalistas tentam compreender e explicar o que
estaacute incentivando os chocantes eventos dos uacuteltimos anos
Segundo Sire os leitores de qualquer uma das ediccedilotildees anteriores notaratildeo
que a nova definiccedilatildeo faz trecircs coisas
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a) Primeiro ela muda o foco de uma cosmovisatildeo como um conjunto de
pressuposiccedilotildees para um compromisso uma orientaccedilatildeo fundamental
do coraccedilatildeo concedendo uma ecircnfase maior agraves raiacutezes preacute-teoacutericas do
intelecto
b) Segundo expande a forma pela qual as cosmovisotildees satildeo expressas
adicionando ao conjunto de pressuposiccedilotildees uma noccedilatildeo de histoacuteria
c) Terceiro torna mais expliacutecito que a raiz mais profunda de uma
cosmovisatildeo eacute seu comprometimento e compreensatildeo da realidade
real
O objetivo do livro eacute de forma resumida apresentar algumas das
cosmovisotildees que mais influenciam o pensamento humano Apesar de alguns
nomes de filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles Sartre Camus e Nietzsche
aparecerem nas paginas do livro este natildeo se constitui ser um trabalho acadecircmico
de filosofia E embora nos remeta ao tempo e aos conceitos tornados famosos
pelo apostolo Paulo por Agostinho Tomaacutes de Aquino e Calvino mesmo assim
este natildeo eacute um trabalho acadecircmico de teologia Em especial eacute um livro de
cosmovisotildees ndash de modo mais baacutesico e fundamental do que os estudos formais
em filosofia ou teologia Ou de outro modo eacute um livro de universos adaptados
pelas palavras e conceitos que trabalham em conjunto para propiciar um quadro
mais ou menos coerente de referecircncia para todo pensamento e accedilatildeo
Em se tratando de cosmovisotildees Sire a define da seguinte maneira
Eacute um conjunto de pressuposiccedilotildees (hipoacuteteses que podem ser verdadeiras parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente consistente ou inconsistentemente) sobre a formaccedilatildeo baacutesica de nosso mundo
O autor propotildee responder atraveacutes de 7 perguntas baacutesicas para cada
cosmovisatildeo pontos fundamentais da vida e do universo poreacutem natildeo percorre
exatamente as 7 perguntas em todas as cosmovisotildees no entanto como algumas
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cosmovisotildees se aproximam em suas hipoacuteteses essenciais parece ter
considerado que uma responde a outra
As sete perguntas baacutesicas satildeo
1 Qual a realidade primordial ndash o que eacute realmente verdadeiro A
isso se responde Deus os deuses ou o cosmo material
2 Qual a natureza da realidade externa isto eacute do mundo ao nosso
redor Aqui nossas respostas sinalizam se vemos o mundo como
criado ou autocircnomo como catoacutelico ou ordenado como mateacuteria ou
espiacuterito se nossa ecircnfase eacute subjetiva e de relacionamento pessoal
com o mundo ou se sua objetividade o separa de noacutes
3 O que eacute o ser humano - A essa pergunta podemos responder
Uma maquina altamente complexa um deus adormecido uma
pessoa feita agrave imagem e semelhanccedila de Deus um ―gorila nu
4 O que acontece quando uma pessoa morre - Aqui podemos
replicar com extinccedilatildeo pessoal ou transformaccedilatildeo em estado
elevado ou reencarnaccedilatildeo ou partida para uma existecircncia obscura
―no outro lado
5 Por que eacute possiacutevel conhecer alguma coisa - Respostas simples
incluem a ideacuteia de que fomos criados agrave imagem de um Deus todo-
conhecedor ou essa consciecircncia e racionalidade desenvolveram-se
sob contingecircncias de sobrevivecircncia atraveacutes de um longo processo
evolutivo
6 Como sabemos o que eacute certo ou errado - Mais uma vez a
resposta ou fomos criados agrave imagem de um Deus cujo caraacuteter eacute
bom ou o certo e o errado satildeo determinados somente pela escolha
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humana ou pelo que nos faz sentir bem ou as naccedilotildees
simplesmente se desenvolveram sob um iacutempeto orientado agrave
sobrevivecircncia fiacutesica ou cultural
7 Qual o significado da histoacuteria humana - A isso podemos
responder compreender os propoacutesitos de deus ou deuses preparar
um paraiacuteso na terra preparar um povo para uma vida em
comunidade com um deus amoroso e santo e assim por diante
Dentro de vaacuterias cosmovisotildees baacutesicas outras questotildees satildeo levantadas
Por exemplo Quem estaacute no comando deste mundo ndash Deus os seres humanos ou
ningueacutem Somos seres determinados ou livres Somos os uacutenicos fabricantes de
valores Deus eacute realmente bom Deus eacute pessoal ou impessoal Deus existe
afinal
O livro apresenta uma siacutentese de cada uma das cosmovisotildees abaixo
relacionadas
Teiacutesmo Deiacutesmo Naturalismo Niilismo Existencialismo Monismo
panteiacutesta oriental Nova era Poacutes-modernismo
SEGUE-SE UM ESBOCcedilO DE CADA UMA DAS COSMOVISOtildeES CITADAS
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO CRISTAtildeO
No teiacutesmo cristatildeo a proposiccedilatildeo principal relaciona-se agrave natureza de Deus
Deus eacute infinito e pessoal (triuno) transcendente e imanente onisciente soberano
e bom
Deus criou o cosmo ex nihilo para operar com a uniformidade de causa e
efeito num sistema aberto Obs ex nihilo (fora do nada natildeo fora de si mesmo ou
de algum caos preexistente) porque se o cosmo fosse realmente ―preexistente
seria tatildeo eterno quanto Deus O universo eacute ordenado e Deus natildeo o apresenta a
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noacutes em confusatildeo mas em claridade A natureza do universo de Deus e a
natureza do caraacuteter de Deus estatildeo assim intimamente relacionadas
Outra noccedilatildeo importante eacute que o sistema estaacute aberto e isso significa que
natildeo estaacute programado Deus estaacute constantemente envolvido no padratildeo de
desdobramento de contiacutenua atividade do universo E assim somos como seres
humanos O curso de atividade do mundo estaacute aberto ao reordenamento efetuado
tanto por Deus como pelos os seres humanos Assim o encontramos
dramaticamente reordenado na Queda Se o curso dos acontecimentos fosse
determinado nossas decisotildees natildeo teriam significado Assim o teiacutesmo declara que
o universo eacute ordenado mas natildeo determinado
Os seres humanos satildeo criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus e assim
possuem personalidade autotranscendecircncia inteligecircncia moralidade senso
gregaacuterio e criatividade
No Teiacutesmo cristatildeo Deus completa nosso uacuteltimo desejo fazendo-o de vaacuterias
maneiras
a) Sendo o perfeito complemento para nossa proacutepria natureza
satisfazendo nosso desejo por um relacionamento interpessoal
b) Sendo e sua onisciecircncia o fim da busca por conhecimento Sendo
em sua santidade o fundamento justo para a nossa busca por
justiccedila
c) Sendo em seu infinito amor a causa de nossa esperanccedila por
salvaccedilatildeo
d) Sendo em sua infinita criatividade a fonte de nossa imaginaccedilatildeo
criativa e a beleza final que buscamos refletir quando noacutes mesmos
criamos
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Os seres humanos podem conhecer tanto o mundo agrave sua volta quanto o
proacuteprio Deus porque Deus os proveu com essa capacidade e assumiu um papel
ativo na comunicaccedilatildeo com eles A base do conhecimento humano eacute o caraacuteter de
Deus como criador
Os seres humanos foram criados bons mas pela queda a imagem de
Deus foi desfigurada embora natildeo completamente arruinada a ponto de natildeo ser
possiacutevel de restauraccedilatildeo pela obra de Cristo Deus redimiu a humanidade e
comeccedilou o processo de restauraccedilatildeo das pessoas para a bondade embora
qualquer pessoa possa escolher rejeitar essa redenccedilatildeo
O Teiacutesmo argumenta contra a tentativa do ser humano de procurar se
organizar como seres autocircnomos aacuterbitros de sua proacutepria maneira de viver como
se fossem independentes de Deus Todavia isso eacute o que eles precisamente natildeo
possuem pois devem tudo tanto sua origem como sua existecircncia contiacutenua ndash a
Deus
Para cada pessoa a morte eacute ou o portatildeo para a vida com Deus e seu povo
ou o portatildeo para a separaccedilatildeo eterna da uacutenica coisa que completaria em ultima
instacircncia as aspiraccedilotildees humanas
A eacutetica eacute transcendente e estaacute baseada no caraacuteter de Deus como bom
(santo e amoroso)
A histoacuteria eacute linear uma sequecircncia significativa de eventos que convergem
para o cumprimento dos propoacutesitos de Deus para a humanidade
O teiacutesmo no entanto ensina que natildeo somente haacute um universo moral
como tambeacutem haacute um padratildeo absoluto pelo qual todos os julgamentos morais satildeo
feitos O proacuteprio Deus - seu caraacuteter de bondade (santidade e amor) - eacute esse
padratildeo
Aleacutem disso os cristatildeos e judeus defendem que Deus te revelado o seu
padratildeo em vaacuterias leis e princiacutepios expressos no texto biacuteblico Os Dez
Mandamentos o sermatildeo do monte o ensino eacutetico do apoacutestolo Paulo - por meio
dessas e muitas outras maneiras Deus tem revelado o seu caraacuteter Haacute portanto
um padratildeo de certo e errado e todos os que desejam conhececirc-lo o conseguem
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2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO
O Deiacutesmo se desenvolveu segundo alguns como uma tentativa de buscar
unidade fora do caos teoloacutegico e das discussotildees filosoacuteficas que no seacuteculo XVII
estavam atolados em interminaacuteveis disputas
Apoacutes deacutecadas de extenuantes discussotildees eclesiaacutesticos luteranos
puritanos e anglicanos poderiam muito bem ter olhado novamente para os pontos
de concordacircncia De certa forma o deiacutesmo eacute a resposta para isso apesar de o
rumo que tal concordacircncia tomou tenha levado o deiacutesmo aleacutem dos limites do
cristianismo tradicional
Um dos fatores primordiais constante no livro sendo fator importante para
o pensamento teoloacutegico foi o desenvolvimento do deiacutesmo enquanto uma
mudanccedila na localizaccedilatildeo da autoridade pelo conhecimento sobre o divino que
passou da revelaccedilatildeo especial encontrada na Escritura para a presenccedila da razatildeo
a luz de Deus na mente humana ou para a intuiccedilatildeo a luz interior
Nas palavras de Bacon o conhecimento tornou-se poder poder para
manipular e trazer a criaccedilatildeo mais plenamente sob o domiacutenio do homem Essa
visatildeo eacute ecoada na linguagem moderna de J Bronowski Eu defino ciecircncia como
a organizaccedilatildeo de nosso conhecimento de modo a aumentar o seu domiacutenio sobre
o potencial latente na natureza
O deiacutesmo nega que Deus pode ser conhecido pela revelaccedilatildeo por atos
especiais da auto expressatildeo por exemplo na Escritura ou na encarnaccedilatildeo
Havendo excluiacutedo Aristoacuteteles como uma autoridade em assuntos relativos agrave
ciecircncia o deiacutesmo agora exclui a Escritura como autoridade em teologia
permitindo apenas a aplicaccedilatildeo da razatildeo humana
Sire entretanto buscando a coerecircncia da informaccedilatildeo discute que nem
todos os deiacutestas sustentaram a mesma maneira de pensar a respeito da questatildeo
o que de certa forma nos coloca a reflexatildeo criacutetica do autor como uma proposta
de equiliacutebrio em relaccedilatildeo ao estudo do pensamento deiacutesta bem como do
comportamento frente a questatildeo por parte de seus simpatizantes Para Sire
alguns defenderam uma seacuterie de noccedilotildees inter-relacionadas poreacutem nem todos
apoiaram as doutrinas em comum John Locke por exemplo natildeo rejeitou a ideia
da revelaccedilatildeo poreacutem insistiu em que a razatildeo humana deveria ser usada para
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julgaacute-la Certos deiacutestas como Voltair eram hostis ao cristianismo alguns como
Locke natildeo Uns acreditavam na imortalidade da alma outros natildeo
Ainda alguns criam que Deus abandonou a sua criaccedilatildeo para funcionar por
conta proacutepria outros poreacutem acreditavam na providecircncia Por fim havia os que
acreditavam em um Deus pessoal outros natildeo Por tanto os deiacutestas eram muito
menos unidos em relaccedilatildeo a questotildees baacutesicas do que os teiacutestas
No entanto o deiacutesmo natildeo provou ser uma cosmovisatildeo estaacutevel
Historicamente ele exerceu breve domiacutenio sobre o mundo intelectual da Franccedila e
Inglaterra do fim do seacuteculo XVII ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII Precedido
pelo teiacutesmo foi seguido pelo naturalismo
3 NATURALISMO
Uma siacutentese que ajuda na compreensatildeo em termos intelectuais pode ser
notada na seguinte propositura
a) No teiacutesmo Deus eacute o Criador pessoal e infinito sustentador do
cosmo
b) No deiacutesmo Deus eacute reduzido ele comeccedila a perder a sua
personalidade embora permaneccedila como Criador e (por implicaccedilatildeo)
sustentador do cosmo
c) No naturalismo Deus eacute ainda mais reduzido perdendo a sua proacutepria
existecircncia
Os personagens envolvidos nessa mudanccedila do teiacutesmo para o naturalismo
formam uma legiatildeo em especial no periacuteodo entre 1600 e 1750
A primeira proposiccedilatildeo definidora de naturalismo eacute a de que a mateacuteria existe
eternamente e eacute tudo o que haacute Deus natildeo existe
No naturalismo a natureza do cosmo eacute que eacute primaacuteria pois agora com
um Criador eterno fora de cena o proacuteprio cosmo se torna eterno - sempre laacute
poreacutem natildeo necessariamente em sua forma atual na verdade certamente natildeo em
sua presente forma
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O Naturalismo defende que o cosmo existe como uma uniformidade de
causa e efeito em um sistema fechado Os seres humanos satildeo maacutequinas
complexas a personalidade eacute uma inter-relaccedilatildeo de propriedades quiacutemicas e
fiacutesicas ainda natildeo totalmente compreendidas Para os Naturalistas a morte eacute a
extinccedilatildeo da personalidade e da individualidade homens e mulheres satildeo
constituiacutedos de mateacuteria e nada mais A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos
ligada por causa e efeito poreacutem sem uma proposta abrangente
No Naturalismo primeiramente a palavra histoacuteria como utilizada nessa
proposiccedilatildeo inclui tanto a histoacuteria natural quanto a humana pois os naturalistas
veem a ambas como uma continuidade A origem da famiacutelia humana estaacute na
natureza Surgimos dela e mais provavelmente retornaremos a ela (natildeo apenas
individualmente mas como espeacutecie)
A noccedilatildeo de um Planejador dotado de propoacutesito natildeo eacute permitida pelos
naturalistas
Ainda em relaccedilatildeo agrave eacutetica concordam os naturalistas que a mesma estaacute
relacionada apenas os seres humanos Para o teiacutesta Deus eacute o alicerce de todos
os valores enquanto que para os naturalistas os valores satildeo construiacutedos pelos
seres humanos
Duas formas de naturalismo merecem uma atenccedilatildeo especial A primeira eacute
o humanismo secular um termo que passou a ser usado e abusado tanto por
adeptos quanto por criacuteticos Por essa razatildeo algum esclarecimento quanto aos
termos se faz aqui necessaacuterio Primeiro o humanismo secular em geral eacute uma
forma de humanismo poreacutem natildeo eacute a uacutenica O humanismo em si eacute a postura
global de que os seres humanos possuem um valor especial seus anseios
pensamentos e aspiraccedilotildees satildeo significantes Igualmente existe uma ecircnfase no
valor da pessoa como indiviacuteduo
O humanismo secular eacute uma forma do humanismo que eacute totalmente
estruturada dentro da cosmovisatildeo naturalista Eacute justo afirmar creio eu que a
maioria que se sente confortaacutevel dentro do roacutetulo humanista secular encontraraacute
suas visotildees retratadas nas seis proposiccedilotildees anteriores Em outras palavras os
humanistas seculares satildeo simplesmente naturalistas embora nem todos os
naturalistas sejam humanistas seculares
A partir da uacuteltima parte do seacuteculo XIX umas das formas de naturalismo
com maior relevacircncia histoacuterica tem sido o marxismo Poreacutem Sira reconhece que e
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difiacutecil expressar com brevidade uma definiccedilatildeo sobre o marxismo devido agrave
existecircncia de diferentes tipos de marxistas
Sire conclui acerca do naturalismo que ao contraacuterio do deiacutesmo este tem
apresentado um grande poder de permanecircncia Concebido no seacuteculo XVIII ele se
desenvolveu no seacuteculo XIX chegando agrave maturidade no seacuteculo XX
Naturalismo eacute visto como o grande vilatildeo da vanguarda poacutes-moderna
Todavia ateacute o momento nenhuma cosmovisatildeo rival tem sido capaz de fazer-lhe
frente em que pese ser justo afirmar que o seacuteculo XX forneceu algumas opccedilotildees
poderosas e o teiacutesmo esteja experimentando um tipo de renascimento em todos
os niacuteveis da sociedade
Sire compreende que o que torna o naturalismo tatildeo persistente satildeo dois
motivos baacutesicos Primeiro porque daacute a impressatildeo de ser honesto e objetivo A
pessoa eacute solicitada a aceitar apenas o que parece estar fundamentado em fatos e
nos resultados seguros da investigaccedilatildeo cientiacutefica ou da erudiccedilatildeo e segundo
porque para um grande contingente de pessoas o naturalismo parece coerente
Entretanto Sire arrazoa que contudo muito antes do teacutermino do seacuteculo
XX rachaduras comeccedilaram a surgir na estrutura Os criacuteticos teiacutestas sempre
encontraram falhas nela jamais abandonando as suas convicccedilotildees de que um
Deus infinito e pessoal estaacute por detraacutes do universo
4 NIILISMO
Sire inicia argumentando que o Niilismo eacute mais um sentimento que
propriamente uma filosofia todavia sendo mais preciso o niilismo de forma
alguma eacute uma filosofia mas uma negaccedilatildeo dela da possibilidade de
conhecimento e de tudo aquilo que possui valor Uma vez que em sua
epistemologia ao avanccedilar para a absoluta negaccedilatildeo de tudo o niilismo nega ateacute
mesmo a realidade de sua proacutepria existecircncia
Porquanto o niilismo eacute a negaccedilatildeo de todas as coisas - conhecimento
eacutetica beleza realidade No niilismo nenhuma afirmaccedilatildeo possui validade nada
tem significado Antes tudo eacute gratuito dispensaacutevel isto eacute apenas existe
Sire cita o romance coacutesmico de ficccedilatildeo cientiacutefica de Douglas Adams
retratando a situaccedilatildeo dos que buscam na ciecircncia da computaccedilatildeo uma resposta
ao significado do homem
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Outros autores tais como Samuel Beckett Franz Kafka Eugene Ionesco
Joseph Heller Kurt Vonnegut Jr fazem parte das indicaccedilotildees de leitura sobre
Niilismo
O Niilismo tem suas implicaccedilotildees Sire argumenta acerca do ponto de vista
daquele que crecirc numa Revelaccedilatildeo (Teiacutesmo) uma vez que em um universo na
perspectiva Niilista onde Deus estaacute morto as pessoas satildeo culpadas de violar a
lei moral apenas satildeo culpadas da culpa e isso eacute muito seacuterio pois nada pode ser
feito a respeito Se algueacutem pecou pode haver expiaccedilatildeo Se algueacutem infligiu agrave lei o
legislador pode perdoar o infrator Mas se algueacutem apenas for culpado da culpa
natildeo haacute como solucionar esse problema extremamente pessoal
Assim os fios do niilismo epistemoloacutegico metafiacutesico e eacuteticos se entrelaccedilam
para formar uma corda longa e forte o suficiente para envolver toda uma cultura
O nome dessa corda eacute perda de significado
Segundo Sire o Niilismo eacute uma consequecircncia do Naturalismo Se
considerarmos seriamente as implicaccedilotildees da morte de Deus o desaparecimento
do transcendente o hermetismo do universo acabamos exatamente como
Niilistas convivendo com a perda de significado Questiona-se contudo por que
nem todos os Naturalistas satildeo Niilistas para Sire a resposta estaacute em que nem
todos levam a seacuterio o seu Naturalismo
Entretanto deve-se ficar claro que toda vez que os niilistas pensam e
confiam em seu pensamento eles estatildeo sendo inconsistentes pois tecircm negado
que aquele pensamento possui valor ou que pode levar ao conhecimento Poreacutem
no acircmago da afirmaccedilatildeo de um niilista repousa uma autocontradiccedilatildeo
5 EXISTENCIALISMO
O existencialismo especialmente em sua forma secular natildeo apenas leva a
seacuterio o niilismo mas eacute uma resposta a ele Sire especiacutefica que eacute importante
reconhecer que o existencialismo assume duas formas baacutesicas dependendo de
sua relaccedilatildeo com as cosmovisotildees anteriores porque o existencialismo natildeo eacute uma
cosmovisatildeo totalmente amadurecida
O existencialismo ateiacutesta eacute um parasita do naturalismo enquanto o
existencialismo teiacutesta eacute um parasita do teiacutesmo Ateacute certo ponto todas as
cosmovisotildees possuem sutis variaccedilotildees e o existencialismo natildeo constitui uma
exceccedilatildeo
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O existencialismo ateiacutesta principia com a aceitaccedilatildeo de todas as
proposiccedilotildees do naturalismo a seguir mencionadas A mateacuteria existe para sempre
Deus natildeo existe O cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito em
um sistema fechado A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos conectados por
causa e efeito mas sem um propoacutesito abrangente A eacutetica eacute relacionada apenas a
seres humanos
Na perspectiva do Existencialismo existem duas dimensotildees onde a
epistemologia estabelece suas bases a saber - O Mundo Objetivo e o Mundo
Subjetivo
O primeiro tipo de ser eacute o mundo objetivo - o mundo das coisas materiais
da lei inexoraacutevel da causa e efeito do tempo cronoloacutegico do fluxo do
mecanismo O maquinaacuterio do universo - eleacutetrons giratoacuterios galaacutexias em espiral
corpos que caem gases que se elevam e aacuteguas que fluem ndash cada qual
realizando sua funccedilatildeo eternamente inconscientes para sempre apenas
existente Aqui afirmam os existencialistas a ciecircncia e a loacutegica mostram sua
utilidade As pessoas conhecem o mundo objetivo e exterior pela virtude de uma
observaccedilatildeo atenta registrando levantando hipoacuteteses e verificando- as por meio
de experimentos sempre refinando teorias e comprovando conjecturas sobre o
mundo em que vivemos
O segundo tipo de ser eacute o mundo subjetivo mdash o mundo da mente da
consciecircncia da percepccedilatildeo da liberdade da estabilidade Aqui a percepccedilatildeo
interior da mente eacute uma consciecircncia presente um agora constante
O tempo natildeo tem significado algum pois para si mesmo o assunto estaacute
sempre presente nunca passado ou futuro A ciecircncia e a loacutegica natildeo penetram
esse domiacutenio nada tem a dizer sobre subjetividade pois ela eacute a compreensatildeo do
eu pelo natildeo eu subjetividade eacute fazer do natildeo eu parte de si mesmo O sujeito
absorve o conhecimento natildeo como a garrafa armazena o liacutequido mas como um
organismo ingere o seu alimento O conhecimento se transforma no conhecedor
Para os seres humanos ldquoa existecircncia precede a essecircnciardquo as pessoas
fazem de si mesmas o que satildeo Essa frase proveniente de Sartre eacute a mais
famosa definiccedilatildeo do acircmago do existencialismo
Sire enfatiza que o existencialismo enfatiza a desuniatildeo entre o mundo
Objetivo e o Mundo Subjetivo demonstrando que entre esses dois mundos existencialismo opta vigorosamente em favor do mundo subjetivo o que Sartre
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denomina como um conjunto de valores distintos do reino material Segundo
Sire o mundo objetivo eacute regido por leis os corpos caem se natildeo forem apoiados
O mundo subjetivo natildeo conhece nenhuma regra O que eacute presente a ele o que
estaacute aqui e agora eacute
O mundo objetivo eacute o mundo de experimentos isolados e controlados eacute o
mundo da fiacutesica o mundo subjetivo eacute o mundo do conhecimento valores
decisotildees e atos de propoacutesitos os quais esses experimentos satildeo na verdade designados a servir eacute o mundo da ciberneacutetica de nosso proacuteprio comportamento
orientado a um objetivo
Assim na premissa dos Existencialistas todos somos livres interiormente
e portanto podemos criar o nosso proacuteprio valor pela afirmaccedilatildeo de nosso meacuterito
Natildeo somos restringidos pelo mundo objetivo dos tique-taques de reloacutegios de
quedas daacutegua e de eleacutetrons giratoacuterios O valor eacute interno e o interior pertence a
cada pessoa
O Existencialista entretanto possui uma singular diferenccedila na sua
epistemologia em relaccedilatildeo ao Niilista Aqui estaacute como um existencialista vai aleacutem
do niilismo Nada possui valor no mundo objetivo no qual nos tornamos
conscientes mas enquanto somos conscientes criamos valor A pessoa que vive
uma autecircntica existecircncia eacute aquela que se manteacutem cocircnscia da condiccedilatildeo absurda
do cosmo mas que se rebela contra essa condiccedilatildeo criando significado
O homem subterracircneo de Fyodor Dostoievski eacute um paradigma do
rebelde sem uma causa aparentemente razoaacutevel
Umas das questotildees baacutesicas do existencialismo eacute que em lugar de mudar
suas pressuposiccedilotildees naturaliacutesticas compatibilizando-as com os dados biacuteblicos
eles concluiacuteram que a Biacuteblia era historicamente indigna de confianccedila Isso poderia
ter resultado em um abandono da feacute cristatilde em sua totalidade Entretanto Sire
argumenta que muitos teoacutelogos passaram a interpretar as Escrituras aacute luz do
pensamento criacutetico existencialista dentre os mais conhecidos estatildeo (Karl Barth
Reinhold Niebuhr Rudolf Bultmann e outros de seus colegas)
Sire destaca na questatildeo do existencialismo eacute importante discernir sobre as
duas formas interessantes nas quais se apresenta e que deve ser objeto de
estudo e reflexatildeo pois formam um par de cosmovisotildees que sustentam um
relacionamento fraternal poreacutem satildeo filhos de pais diferentes O existencialismo
teiacutesta surgiu com Kierkegaard como uma resposta ao teiacutesmo morto e a uma
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ortodoxia morta e com Karl Barth como uma resposta agrave reduccedilatildeo do cristianismo
a uma mera moralidade Isso deu lugar ao subjetivismo elevou a religiatildeo da
histoacuteria e concentrou sua atenccedilatildeo no significado interior O existencialismo ateiacutesta
veio agrave tona com Jean Paul Sartre e Albert Carnus como uma reaccedilatildeo ao niilismo e
a reduccedilatildeo das pessoas a insignificantes engrenagens dentro do maquinaacuterio
coacutesmico Isso levou a uma volta subjetivista elevou a filosofia da objetividade e
citou significado a partir da afirmaccedilatildeo humana
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL
A mudanccedila ao pensamento oriental desde os anos sessenta eacute por tanto
primariamente uma fuga do pensamento ocidental Sire considera que por cerca
de um seacuteculo o pensamento oriental vem fluindo para o Ocidente
As escrituras hinduiacutestas e budistas foram traduzidas e circulam agora em
ediccedilotildees de bolso de baixo custo Jaacute no ano de 1893 no primeiro Parlamento de
Religiotildees Mundiais realizado em Chicago Swami Vivekananda comeccedilou a
introduzir os ensinamentos de seu guru pessoal Sri Ramakrishna Paramahansa
D T Suzuki do Japatildeo introduziu o Zen nas publicaccedilotildees ocidentais
E Alan Watts um ocidental absorveu o Zen e retornou ao Ocidente para
propagar tais ensinos entre seus colegas ocidentais Na deacutecada de 1960 estudos
orientais jaacute tinham penetrado nas escolas de ensino meacutedio Gurus indianos
cruzaram repetidas vezes os Estados Unidos e Europa por muitas deacutecadas O
conhecimento oriental passa a ser de faacutecil obtenccedilatildeo sendo que mais e mais sua
visatildeo de realidade torna-se uma opccedilatildeo de vida no Ocidente
Sire procura elucidar a maneira Oriental de ser perceber e interpretar o
mundo partindo do monismo panteiacutesta sendo essa eacute a cosmovisatildeo raiz que
forma a base do sistema hindu
O monismo panteiacutesta eacute diferenciado das demais cosmovisotildees relacionadas
com o Oriente por seu monismo a noccedilatildeo de que apenas um elemento impessoal
constitui a realidade Hare Krishna natildeo se enquadra nessa cosmovisatildeo pois
embora compartilhe muitas caracteriacutesticas do monismo panteiacutesta oriental declara
que a realidade em uacuteltima anaacutelise eacute pessoal (e portanto compartilha uma
similaridade com o teiacutesmo totalmente ausente em Advaita Vedanta)
Na cosmovisatildeo do monismo panteiacutesta oriental Atma eacute Brahma isto eacute a
alma de cada um e de todo ser humano eacute a alma do cosmo Deus em termos
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panteiacutestas Deus eacute a realidade uacutenica infinita impessoal e suprema ou seja Deus
eacute o cosmo
Deus estaacute em tudo o que existe nada existe que natildeo seja Deus Se
qualquer coisa que natildeo seja Deus aparente existir isso eacute maya ou seja ilusatildeo e
natildeo existe realmente Em outras palavras tudo o tudo o que existe como um
objeto distinto e separado - essa cadeira natildeo aquela outra essa rocha natildeo
aquela aacutervore eu natildeo vocecirc - eacute uma ilusatildeo Natildeo eacute a nossa distinccedilatildeo que nos
concede realidade mas a nossa unicidade o fato de sermos Brahma e Brahma eacute
u m Sim Brahma eacute o um
Sire lembra que noacutes ocidentais natildeo estamos acostumados a esse tipo de
sistema Distinguir isso eacute pensar Essa noccedilatildeo no monismo panteiacutesta eacute
diametralmente contraacuteria ao teiacutesmo No teiacutesmo a personalidade eacute a caracteriacutestica
principal sobre Deus como tambeacutem sobre as pessoas Significa que um indiviacuteduo
possui complexidade no acircmago de seu ser A personalidade demanda
autoconsciecircncia e autodeterminaccedilatildeo e ambos envolvem dualidade - o pensador e
a coisa pensada No teiacutesmo tanto Deus quanto a humanidade satildeo complexos
No panteiacutesmo a caracteriacutestica principal sobre Deus eacute a Unidade abstrata
absoluta indiferenciada e natildeo dual unidade Isso coloca Deus aleacutem da
personalidade
Sire considera que um dos pilares da cosmovisatildeo Oriental estaacute em
perceber a unidade com o cosmo eacute ir aleacutem do bem e do mal o cosmo eacute perfeito a
todo o momento Trata-se de um assunto dos mais sensiacuteveis Constitui um dos
pontos mais delicados no panteiacutesmo oriental porque as pessoas se recusam a
negar a moralidade Elas continuam a agir como se algumas accedilotildees fossem
certas e outras erradas Aleacutem disso o conceito de carma eacute quase universal no
pensamento oriental
Na cosmovisatildeo Oriental Carma eacute a compressatildeo de que o presente destino
de algueacutem prazer ou dor ser rei escravo ou um mosquito eacute fruto de accedilotildees
passadas em especial em um a existecircncia anterior Isso estaacute portanto
conectado agrave noccedilatildeo de reencarnaccedilatildeo que proveacutem do princiacutepio geral de que nada
que eacute real (ou seja nenhuma alma) jamais perde a consciecircncia da existecircncia
Pode demorar seacuteculos e mais seacuteculos para encontrar seu caminho de volta ao
Um poreacutem nenhuma alma deixaraacute de ser Toda alma eacute eterna pois toda alma eacute
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essencialmente Alma e portanto para sempre o um Carma eacute a versatildeo oriental d
o ditado vocecirc colhe o que semeia
Sire explica poreacutem que o carma implica em uma estrita necessidade Se
vocecirc pecou natildeo haacute Deus para cancelar sua diacutevida e perdoar A confissatildeo para
nada se aproveita O pecado deve ser resolvido e o seraacute Eacute claro que a pessoa
pode escolher seus atos futuros e portanto o carma natildeo implica em
determinismo ou fatalismo
Para deixar mais claro Sire elucida que haacute duas coisas que devem ser
observadas sobre esse sistema Primeira o fundamento para se praticar o bem
natildeo eacute para que o bem seja realizado ou de modo a beneficiar outra pessoa O
carma demanda que cada alma sofra por seus pecados passados natildeo
havendo assim valor em aliviar o sofrimento A alma que for auxiliada teraacute que
sofrer mais tarde Por tanto natildeo existe o amor aacutegape o amor doador nem
qualquer outro tipo de amor deve beneficiar o receptor A pessoa deve praticar
boas obras a fim de obter unidade com o um Fazer o bem eacute primeira e
principalmente um modo de vida de autoajuda
Segunda todas as accedilotildees simplesmente fazem parte de todo um mundo de
ilusatildeo
A cosmovisatildeo monoteiacutesta panteiacutesta oriental tem a morte como o fim da
existecircncia pessoal individual mas natildeo altera nada de essencial na natureza do
indiviacuteduo
A morte humana sinaliza o fim de uma encarnaccedilatildeo individual de Atma
Igualmente sinaliza o fim de uma pessoa Mas a alma Atma eacute indestrutiacutevel No
entanto observe nenhum ser humano no sentido de indiviacuteduo ou pessoa
sobrevive agrave morte Atma sobrevive mas Atma eacute impessoal Quando Atma eacute
reencarnado torna-se outra pessoa Entatildeo o hinduiacutesmo ensina a imortalidade da
alma Sim mas natildeo uma imortalidade pessoal e individual
O monismo hindu defende que a realidade final eacute Brahma o uacutenico
O monismo zen-budista sustenta que a realidade final eacute o vazio
A distinccedilatildeo tambeacutem leva a uma diferente compreensatildeo dos seres
humanos
Para um hindu a pessoa individual eacute uma alma (Atma) e portanto eacute
dotada de realidade substancial (espiritual natildeo material) porque eacute uma emanaccedilatildeo
de Brahma (a proacutepria realidade) Na morte a alma individual perde sua residecircncia
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corpoacuterea mas eacute reencarnada em outro indiviacuteduo - um tipo de transmigraccedilatildeo da
alma
Para um budista uma pessoa individual eacute uma natildeo alma Natildeo haacute natureza
que possa ser nomeada no acircmago de cada pessoa Na verdade cada pessoa eacute
uma soma de pessoas anteriores
Sire ainda apresenta distinccedilotildees importantes da cosmovisatildeo oriental sendo
importante a leitura do livro para compreensatildeo de detalhes tais como maneiras e
modelos de meditaccedilatildeo presentes na cultura oriental e suas diferenccedilas e
similaridades diferenccedilas nas praacuteticas religiosas conceito em relaccedilatildeo ao corpo
alma espiacuterito moral eacutetica etc
7 A NOVA ERA
No fim de 1987 a revista Time uma vez mais deu atenccedilatildeo ao movimento
da Nova Era com sua capa exibindo Shirley MacLaine e uma histoacuteria abordando
curandeiros da feacute canalizadores viajantes do tempo e cristais em abundacircncia
A partir de entatildeo MacLain e parece assumir a posiccedilatildeo de maior expoente da
Nova Era
A cosmovisatildeo da Nova Era eacute altamente sincreacutetica e ecleacutetica tomando
emprestado de todas as principais cosmovisotildees A Nova Era deposita grande
valor na pessoa como indiviacuteduo
Para Sire longe de estar totalmente formada a cosmovisatildeo da Nova Era
ainda conteacutem muitas arestas por aparar tensotildees internas e ateacute mesmo
contradiccedilotildees evidentes Trata-se de uma cosmovisatildeo cuja essecircncia de sua
filosofia estaacute em considerar o cristianismo como algo jaacute superado de modo que
uma nova civilizaccedilatildeo humana estaacute surgindo tendo a tecnologia a ciecircncia
filosofia psicologia e demais disciplinas todas convergentes para uma nova
realidade da existecircncia humana A Era de Peixes terminou e deu lugar a Era de
Aquaacuterio
No acircmbito religioso misturam princiacutepios filosoacuteficos e miacutesticos Os adeptos
da Nova Era se utilizam de vaacuterios instrumentos simbologias e filosofias para fins
de esclarecimento e compreensatildeo das mudanccedilas e sentido dos acontecimentos
da Nova Era tais como piracircmides filosofias orientais energias coacutesmicas cristais
energeacuteticos amuletos pensamentos positivos esoterismo (cabala horoacutescopo
mantra mapa astral Yoga relaxamento ecologia aura em harmonia com o
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corpo Yin Yang) estes servem de orientaccedilatildeo didaacutetica para a nova consciecircncia
Assim a consciecircncia coacutesmica - enxergar o mundo atraveacutes de um sistema
diferente de siacutembolos
A maioria dos proponentes da Nova Era e da nova consciecircncia possui um
saudaacutevel respeito pela ciecircncia Ken Wilber Aldous Huxley Laurence LeShan e
William Irwin Thompson satildeo os melhores exemplos E m suma o universo visiacutevel
estaacute sujeito agrave uniformidade de causa e efeito poreacutem o sistema estaacute aberto para
ser reordenado pelo eu (em especial quando percebe sua unidade com o um)
que por fim o controla e por seres da mente expandida os quais o eu pode
recrutar como agentes de mudanccedila
Sire argumenta que a mente expandida eacute um tipo de universo ao lado
alternadamente chamado de consciecircncia expandida ou consciecircncia alternativa
(MacLaine) uma realidade separada (Castaneda) realidade clarividente
(LeShan) outros espaccedilos (Lilly) supermente (Rosenfeld) vazioface original
(Wilber) ou mente universal (Klimo) Essa mente expandida natildeo obedece agraves leis
do universo visiacutevel A consciecircncia do eu pode viajar centenas de quilocircmetros pela
superfiacutecie da terra e fazecirc-lo n um piscar de olhos
Contudo Sire destaca que a essecircncia da experiecircncia da Nova Era eacute a
consciecircncia coacutesmica na qual categorias comuns de espaccedilo tempo e moralidade
tendem a desaparecer Sendo que a caracteriacutestica primaacuteria da consciecircncia
coacutesmica eacute uma consciecircncia do cosmo ou seja da vida e da ordem do universo
Em conjunto com essa consciecircncia do cosmo ocorre uma iluminaccedilatildeo intelectual
que por si soacute transportaria o indiviacuteduo para um novo plano de existecircncia mdash o
tornaria um membro de uma nova espeacutecie
Um ponto central na consciecircncia coacutesmica eacute a experiecircncia unitaacuteria primeiro
a experiecircncia de perceber a totalidade do cosmo segundo a experiecircncia de se
tornar um com todo o cosmo e finalmente a experiecircncia de ir aleacutem daquela
unidade com o cosmo para reconhecer que o eu eacute o gerador de toda a realidade e
que nesse sentido tanto eacute o cosmo como o seu criador
A morte fiacutesica natildeo eacute o fim do eu sob a experiecircncia da consciecircncia coacutesmica
o temor da morte eacute removido Para os adeptos da Nova Era a base definitiva para
a crenccedila de que a morte eacute apenas uma transiccedilatildeo para outra forma de vida eacute no
entanto a noccedilatildeo de que a consciecircncia eacute mais do que a manifestaccedilatildeo fiacutesica de
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uma pessoa Se algueacutem eacute o todo ou o criador de tudo e se isso eacute conhecido
intuitivamente entatildeo a pessoa certamente natildeo precisa temer a morte
Trecircs atitudes distintas satildeo consideradas para a questatildeo metafiacutesica da
natureza da realidade sob o quadro geral da Nova Era (1) a versatildeo oculta na
qual os seres e coisas percebidos em estados alterados de consciecircncia existem agrave
parte do ser que eacute consciente (2) a versatildeo psicodeacutelica na qual essas coisas e
seres satildeo projeccedilotildees do eu consciente e (3) a versatildeo relativista conceituai na qual
a consciecircncia coacutesmica eacute a atividade consciente de uma mente utilizando um dos
muitos modelos incomuns para a realidade nenhum dos quais eacute mais
verdadeiro do que qualquer outro
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO
Nas consideraccedilotildees finais Sire apresenta o quadro criacutetico do saber
filosoacutefico que mexe e convulsiona todas as cosmovisotildees expostas em seu livro
tendo como ponto de partida o reconhecimento da morte de Deus como o comeccedilo
da sabedoria poacutes-moderna
Nossa era que mais e mais estaacute sendo chamada de poacutes-moderna
encontra-se agrave deriva em um mar de perspectivas pluralistas de possibilidades
filosoacuteficas em excesso poreacutem sem qualquer noccedilatildeo dominante que indique para
onde ir ou como chegar laacute Um futuro de anarquia cultural se avizinha como
inevitaacutevel
Lyotard definiu poacutes-moderno como uma incredulidade direcionada agraves
metanarrativas Um dos vetores da poacutes-modernidade eacute que com o advento do
poacutes-modernismo nenhuma histoacuteria pode ter mais credibilidade que a outra Todas
elas satildeo igualmente vaacutelidas sendo assim validadas pela comunidade que vive
por elas
Por isto para Sire a primeira questatildeo que o poacutes-modernismo suscita natildeo eacute
o que estaacute laacute ou como sabemos o que laacute estaacute mas como a linguagem funciona
para construir significado Em outras palavras haacute uma mudanccedila nas primeiras
coisas de ser para saber para construir significado
A sociedade entatildeo move-se da hierarquia medieval para o Iluminismo da
democracia universal para o poacutes-moderno privilegiando os valores autodefinidos
de indiviacuteduos e comunidades
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A noccedilatildeo da autonomia da razatildeo humana liberou a mente humana da
autoridade dos antigos O progresso cientiacutefico e tecnoloacutegico ocorreu natildeo das
noccedilotildees reveladas nas Escrituras mas da pressuposiccedilatildeo de que a razatildeo humana
poderia de fato encontrar o seu caminho rumo agrave verdade Tal conhecimento
constituiacutea poder poder instrumental poder sobre a natureza poder para
satisfazer nossos desejos Na ciecircncia os resultados foram extraordinaacuterios Na
filosofia entrementes o movimento do ser para conhecer da primazia de Deus
que cria e revela para a primazia do eu que conhece por si soacute mostrou-se fatal
Isso estabeleceu a agenda para a filosofia moderna de Locke a Kant como
igualmente alimentou a repercussatildeo da filosofia poacutes-moderna de Nietzsche a
Derrida com o otimismo humanista mesclado ao desespero O proacuteprio
conhecimento encontra-se sob fogo cruzado em especial a noccedilatildeo de que haacute
quaisquer verdades de correspondecircncia O relativismo conceitual discutido no
capiacutetulo anterior serve agora natildeo apenas agrave experiecircncia religiosa mas a todos os
aspectos da realidade
Uma das frases que traduz o ceticismo poacutes-moderno eacute ―A verdade sobre a
proacutepria realidade estaacute para sempre oculta de noacutes Tudo o que podemos jazer eacute
contar histoacuterias
Sire argumenta que todas as narrativas mascaram um jogo pelo poder
Qualquer narrativa utilizada como metanarrativa torna-se opressiva
Conhecimento eacute poder Francis Bacon fez essa afirmaccedilatildeo em um momento
particularmente profeacutetico O moderno conhecimento cientiacutefico tem demonstrado
seu poder por trecircs seacuteculos Com o advento do poacutes-modernismo entretanto a
situaccedilatildeo inverteu-se Natildeo existe conhecimento objetivo puro nenhuma verdade
de correspondecircncia Em lugar disso existem apenas histoacuterias que quando cridas
concedem ao narrador poder sobre os seus ouvintes
Natildeo haacute eu substancial Os seres humanos fazem de si mesmos o que satildeo
pelas linguagens construiacutedas sobre eles mesmos O conceito base eacute de que natildeo
haacute nada no acircmago de nosso ser exceto o que noacutes mesmos colocamos laacute
nenhuma norma que natildeo tenhamos criado no decurso de criaccedilatildeo de uma praacutetica
nenhum padratildeo que natildeo seja um apelo a tal norma nenhuma argumentaccedilatildeo
rigorosa que natildeo seja obediente agraves nossas proacuteprias convenccedilotildees
Considera-se assim que na Idade Meacutedia a teologia era a rainha das
ciecircncias No iluminismo a filosofia e em especial a ciecircncia tornaram-se a
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vanguarda da mudanccedila cultural intelectual Jaacute na era poacutes-moderna a teoria
literaacuteria passa a exercer esse papel na linha de frente
Contudo embora Sire tenha compreensatildeo dos aspectos positivos da poacutes-
modernidade tambeacutem analisa e criacutetica a poacutes-modernista aceita o seu otimismo
naturalista em geral poreacutem reconhece a excessiva confianccedila que tem sido
depositada na razatildeo humana e no meacutetodo cientiacutefico Argui o reconhecimento poacutes-
moderno de que a linguagem estaacute intimamente associada com o poder
entretanto o poacutes-modernista que colocar a sua fala como superior estaraacute caindo
em contradiccedilatildeo
Sire conclui refletindo que de qualquer forma o desafio da morte de Deus
da morte da razatildeo da morte da verdade e a morte do eu - todos dominantes no
poacutes-modernismo atual - provavelmente estaratildeo convivendo conosco por muito
tempo
Para Sire o poacutes-modernismo natildeo eacute uma cosmovisatildeo madura mas eacute uma
perspectiva tatildeo penetrante que tem influenciado inuacutemeras cosmovisotildees mais
notadamente o naturalismo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Sire termina o seu livro fazendo consideraccedilotildees e resumindo as SETE
COSMOVISOtildeES baacutesicas seis se natildeo contarmos o niilismo ou oito se contarmos
as duas formas de existencialismo em separado ou ainda dez se
acrescentarmos o animismo e a perspectiva poacutes-moderna ambos mencionados
com brevidade
O fato eacute que embora a princiacutepio as cosmovisotildees pareccedilam proliferar elas
satildeo constituiacutedas de respostas a questotildees para as quais haacute apenas um limitado
nuacutemero de respostas
Em meio as vaacuterias propostas de cosmovisotildees Sire vecirc o ser humano sendo
obrigado a fazer a sua escolha porquanto todos estatildeo em busca do sentido da
vida Diante disso questiona o que pode nos auxiliar a escolher entre uma
cosmovisatildeo que presume a existecircncia de um Deus pessoal e transcendente e
outra que natildeo o faz Contudo devemos ter a consciecircncia de que qualquer
cosmovisatildeo que adotarmos seraacute limitada Nossa finitude como seres humanos o
que quer que a nossa humanidade venha a ser manter-nos-aacute longe da precisatildeo
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total quanto agrave maneira que compreendemos e expressamos nossa cosmovisatildeo e
tambeacutem da totalidade e exaustatildeo
Sire argui ao finalizar seu livro que na busca por uma cosmovisatildeo deve
ser levado em conta algumas questotildees fundamentais da existecircncia humana
porquanto uma cosmovisatildeo apropriada deve explicar o que ela proclama explicar
Assim Sire indica algumas das perguntas cruciais que devem ser feitas a
uma cosmovisatildeo satildeo Como ela explica o fato de os seres humanos pensarem
mas pensar hesitantemente amar mas tambeacutem odiar serem criativos poreacutem
igualmente destrutivos saacutebios mas com frequecircncia tolos e assim por diante O
que explica nossos anseios pela verdade e por realizaccedilatildeo pessoal Por que o
prazer como o conhecemos agora raramente nos satisfaz por completo Por que
em geral sempre queremos mais - mais dinheiro mais amor mais ecircxtase Como
explicar a recusa humana em agir de um modo amoral Por fim sugestiona que
uma cosmovisatildeo deve ser satisfatoacuteria subjetivamente
Concluindo Sire opta pela reconsideraccedilatildeo e releitura do Teiacutesmo Cristatildeo
sendo de grande relevacircncia e presente em todas as estruturas do pensamento
humano Para Ele o Teiacutesmo Cristatildeo permanece em todos os niacuteveis da sociedade
e em cada disciplina acadecircmica - nas ciecircncias e nas humanidades na tecnologia
e no mundo dos negoacutecios ndash aqueles que consideram seu teiacutesmo com cabal
seriedade e honestidade intelectual
Sire termina sua obra literaacuteria esclarecendo o desafio que haacute para a
teologia argumenta haacute muito mais a ser dito sobre as dimensotildees pessoais e
teoloacutegicas dessa forma de se olhar a vida Aceitar o cristianismo cristatildeo apenas
como um construto intelectual na verdade natildeo eacute aceitaacute-lo plenamente Existe
uma dimensatildeo profundamente pessoal envolvida em compreender e viver dentro
dessa cosmovisatildeo pois ela inclui o reconhecimento de nossa proacutepria
dependecircncia de Deus como suas criaturas nossa rebeliatildeo contra ele e nossa
confianccedila nele pela restauraccedilatildeo da amizade com sua pessoa E isso significa
aceitar a Cristo tanto como nosso libertador da escravidatildeo como Senhor para
nosso futuro
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REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4
ed Satildeo Paulo Hagnos 2009
Autor ndash Me Marcelo Alves Dantas
Docente FATEJ FADISA Bacharelando em Direito - UNIESPFAPAN Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo - UMESP Mestre em Teologia do Novo Test - FTBSP Docecircncia do Ensino Superior - UNOPAR Bacharel em Teologia - UMESP E-mail marcelodantasteologiagmailcom
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PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO
RESUMO
O presente artigo reflete a perspectiva do ateiacutesmo cristatildeo Atraveacutes do
diaacutelogo com o pensamento do filoacutesofo Andreacute Comte-Sponville tratamos de
responder duas perguntas sobre o assunto A primeira pergunta consiste em
saber se eacute possiacutevel ser um ateu cristatildeo a segunda se haacute uma moralidade
para esse seguimento Nossa busca estaacute relacionada com o espiacuterito do
ateiacutesmo e uma moral destituiacuteda da religiatildeo ocidental mas que sustente a
humanidade por meio daquilo que temos em comum O artigo propotildee apoacutes
explanaccedilatildeo uma possibilidade via o ateiacutesmo cristatildeo de outra religiatildeo ndash que
natildeo a sustentada pelo cristianismo ndash que abarque o amor como uma accedilatildeo
humana possiacutevel
Palavras-chave Ateiacutesmo cristatildeo ndash Comte-Sponville ndash Moral
Abstract This article reflects the perspective of Christian moral Through
dialogue with the thinking of philosopher Andreacute Comte-Sponville we try to answer
two questions on the subject The first question is whether it is possible to be a
Christian atheism the second if there is a morality for this follow-up Our search is
related to the spirit of atheism and a morality devoid of Western religion but that
supports humanity through what we have in common The article proposes after
explanation a possibility via Christian atheism of another religion ndash not that
sustained by Christianity ndash that embraces love as a possible human action
Keyword Christian Atheism ndash Comte-Sponville ndash Moral
autor Prof Me Rafael de Campo
elfaracamposhotmailcom
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INTRODUCcedilAtildeO
Parece contraditoacuterio o tiacutetulo dessa reflexatildeo mas como veremos na
exposiccedilatildeo algumas contradiccedilotildees satildeo possiacuteveis ou aceitas no campo das ideias
Mais do que possiacutevel as contradiccedilotildees alimentam a vida principalmente na esfera
da religiatildeo A possibilidade de haver numa mesma sentenccedila as palavras
―ateiacutesmo e ―cristatildeo eacute tatildeo igual haacute possibilidade de pensarmos o ateiacutesmo como
budista maometano judaico etc
O ateiacutesmo cristatildeo como sugerido ndash contraditoacuterio ndash pode ser considerado
um oximoro por excelecircncia e deseje brincar seriamente com opostos que se
excluem Esse paradoxismo eacute sugestivo de opiniotildees contraacuterias ou seja unir dois
polos que natildeo confluem por causa de seus sentidos diferentes e que vatildeo contra a
opiniatildeo (gr doxa) um do outro Com maior clareza ateiacutesmo e cristianismo
enquanto termos antiteacuteticos se referem a universos excludentes e dizem respeito
a doutrinas que natildeo podem confluir simultaneamente Satildeo duas grandes
dicotomias que se negam gerando aqui uma siacutentese
Ainda essa contraposiccedilatildeo entre ateiacutesmo e cristianismo representa o
pensamento por diacuteades ou seja os dois termos satildeo antiteacuteticos e entendidos
como natildeo complementares Cada um representa e interpreta um universo
particular em um mundo composto em que os entes divergem e conflitam entre
si Enfim dessa contraposiccedilatildeo ocorre uma siacutentese dialeacutetica (afirmaccedilatildeo + negaccedilatildeo
= negaccedilatildeo da negaccedilatildeo) onde ateiacutesmo e cristianismo geraria o ―ateiacutesmo cristatildeo52
Assim a tentativa de combinar as ideias do cristianismo (em suma a moral
extraiacuteda do homem Jesus dito o Cristo) com a moral ateia natildeo eacute uma realidade
tatildeo divulgada e difundida nos meios e ciacuterculos ndash sejam eles acadecircmicos ou mais
populares Um dos filoacutesofos da atualidade que trata e assume o ateiacutesmo cristatildeo
(ou ateiacutesmo fiel) eacute Andreacute Comte-Sponville
A partir de suas inferecircncias iremos dialogar numa busca por compreender
o que se denominou por ateiacutesmo cristatildeo ou seja a base para um ateu fiel Temos
por objetivo pensar duas perguntas eacute possiacutevel algueacutem se dizer ateu cristatildeo Que
tipo de moralidade um ateu fiel segui A primeira pergunta sugere examinar e
expor quais as bases daquilo que Comte-Sponville chama de ateiacutesmo cristatildeo
52
Um livro sugerido para entender o ateiacutesmo e o cristianismo como partes contrapostas na histoacuteria desde a antiguidade ateacute atualmente Cf MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
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A segunda pergunta gira em torno da questatildeo moral ligada as duas redes
de conhecimento a religiatildeo cristatilde ocidental (o cristianismo) e o ateiacutesmo
Desde jaacute eacute necessaacuterio informar que esse ensaio natildeo se propotildee refletir as
―provas acerca da existecircncia ou da natildeo existecircncia de qualquer divindade
Portanto nossa exposiccedilatildeo estaacute baseada no diaacutelogo com essa ―nova
espiritualidade ndash sendo possiacutevel assim chamar
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO
O Espiacuterito do Ateiacutesmo eacute o livro do filoacutesofo francecircs materialista racionalista
e humanista Andreacute Comte-Sponville lanccedilado originalmente em francecircs com o
tiacutetulo L‟ESPRIT DE L‟ATHEacuteISME por Albin Michel Paris 2006 Seu conteuacutedo
estaacute divido em trecircs capiacutetulos e subdivisotildees preacircmbulo e conclusatildeo Nele Comte-
Sponville relata sua experiecircncia com essa nova espiritualidade e a oferece como
uma opccedilatildeo tanto aos ateus quanto ao religioso O livro eacute escrito basicamente
para motivar uma espiritualidade que vai para aleacutem da religiatildeo Por assim dizer o
livro foi escrito em prol da ―toleracircncia pela laicidade pela liberdade de crenccedila e
de descrenccedila O espiacuterito natildeo pertence a ningueacutem A liberdade tambeacutem natildeo
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 9) Assim como tambeacutem contra a intoleracircncia o
dogmatismo o obscurantismo o integrismo e o fanatismo contra a supersticcedilatildeo o
niilismo e a apatia
Em busca do essencial ou daquilo que eacute mais baacutesico ao ser humano
Comte-Sponville idealiza uma espiritualidade que acopla em si trecircs perguntas
cada uma exposta nos trecircs capiacutetulos do livro
O primeiro capiacutetulo Pode-se viver sem religiatildeo (que eacute o guia para nossa
reflexatildeo nesse ensaio) iraacute introduzir argumentos do autor contra a religiatildeo e
erigiraacute a base de uma nova espiritualidade alicerccedilada sobre os conceitos de
comunhatildeo fidelidade e amor Em contraste com a feacute a esperanccedila e o amor de I
Coriacutentios 13 Sponville refaz a loacutegica das virtudes teologais atentando para o
proacuteprio texto biacuteblico onde se diz que a feacute passaraacute a esperanccedila passaraacute e o
amorcaridade permaneceraacute Talvez esse seja o ponto alto de sua reflexatildeo agrave
espiritualidade que articula no livro feacute e esperanccedila como virtudes provisoacuterias ou
seja jaacute passaram Vivemos pois na era do Reino do amor O ateu fiel afirmaraacute
que jaacute estamos no amor pois o Reino eacute aqui e agora
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O propoacutesito de Sponville natildeo eacute a exegese histoacuterico-criacutetica mas encontrar
―um ponto de tangecircncia ou de intersecccedilatildeo que o faccedila compreender e entrar em
acordo com o religioso que fora na juventude e com o ateu que eacute e lecirc
habitualmente Santo Agostinho Satildeo Tomaacutes de Aquino Espinosa Montaigne
Schopenhauer Pascal e outros O ateu de espiritualidade deseja entender o amor
como sendo mais elevado e mais precioso do que a feacute e a esperanccedila para
compreender que a vida eacute superior a qualquer religiatildeo que a comunhatildeo nada tem
a ver com igrejas e catedrais e que a fidelidade supera a feacute assim como supera o
proacuteprio ateiacutesmo
O segundo capiacutetulo do livro Deus existe trata de colocar em evidecircncia as
provas ndash na verdade a fraqueza delas ndash argumentando a ausecircncia frente a uma
pergunta tatildeo complexa Juntamente Sponville iraacute expor a fraqueza das
experiecircncias ndash uma vez que as pessoas dizem sentir e experimentar o ser divino
em seu cotidiano Ainda argumenta contra a incompreensibilidade da crenccedila em
Deus pois crer em Deus eacute querer explicar o que natildeo compreendemos por aquilo
que compreendemos menos ainda a saber Deus O autor conclui esse capiacutetulo
colocando sobre a mesa o assunto tatildeo caro ao cristianismo e para as religiotildees
monoteiacutestas que eacute a questatildeo do mal ndash ou a teodiceia ndash e tambeacutem a proposta do
direito que muitos tecircm de natildeo crer na divindade como oferecido pela religiatildeo
cristatilde
O capiacutetulo final relata a proposta pessoal (como a declaraccedilatildeo de uma
experiecircncia) que para Sponville eacute a mais importante pois eacute sobre uma
espiritualidade sem Deus Que espiritualidade para os ateus Sua resposta eacute de
cara que essa espiritualidade natildeo envolve religiatildeo eou ateiacutesmo mas sim uma
vida espiritual Isso uma vez que aquele que natildeo acredita em Deus tem um
espiacuterito e pode utiliza-lo Ele descreve sobre seu contato ―miacutestico com uma
espiritualidade mais abrangente que envolve tanto o conhecimento quanto a
experiecircncia natural e apresenta essa experiecircncia miacutestica a partir do que chamou
de ―suspensotildees ou parecircnteses que o fizeram estar num ―estado modificado de
consciecircncia Esse capiacutetulo eacute escrito como liccedilotildees que o autor experimentou
daquilo que vivenciou estando nesse estado modificado de consciecircncia em raras
experiecircncias
O livro tem como objetivo apresentar uma nova espiritualidade aquela em
que o Deus transcendente e suas instruccedilotildees natildeo se encontram (pelo menos como
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acreditam os cristatildeos) Salienta uma reflexatildeo de interconexatildeo entre o cristianismo
(a religiatildeo por excelecircncia do ocidente) e o seu Cristo tendo na mesma esteira o
ateiacutesmo e tambeacutem algumas praacuteticas da espiritualidade oriental a filosofia e
alguns de seus representantes
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO
Buscar o alicerce que sustenta uma espiritualidade que natildeo se finca em
uma tradiccedilatildeo religiosa especiacutefica e tampouco em um livro-texto sagrado como
base de devoccedilatildeo e rito eacute praticamente uma busca por entender o que se quer
dizer com uma espiritualidade sem base fixa ou seja sem um centro de poder
que legalize e legitime as atitudes morais que deveriam ser cumpridas e exercidas
por um devoto Sem uma fonte de revelaccedilatildeo que afirme o que se deve crer e
fazerobedecer fica complicado discernir as praacuteticas os ritos as devocionais que
sustentem a crenccedila de um religioso devoto do tipo ocidental Entretanto como jaacute
se afirmou acima se todos temos ―espiacuterito eacute possiacutevel raciocinar uma
espiritualidade que caiba dentro da vida essa particular a cada um
Para uma anaacutelise mais didaacutetica iremos questionar separadamente o que
estamos chamando de ateiacutesmo cristatildeo Eacute na realidade a busca por uma
articulaccedilatildeo entre uma cultura ateia e uma cultura cristatilde Por cultura em ambas as
frentes no sentido estrito denomina-se ―o conjunto de conhecimento que tanto o
ateiacutesmo quanto o cristianismo ―transmite e valoriza (Cf COMTE-SPONVILLE
2011b p 135-136) A dificuldade se instala na prerrogativa de que o ateiacutesmo e o
cristianismo natildeo satildeo coisasobjetos iguais o ateiacutesmo ndash principalmente o que
queremos aqui evidenciar ndash eacute reclamado uma moral e natildeo uma religiatildeo como eacute
dito do movimento que evidencia e tem como centro a pessoa de Jesus
Utilizando as recentes pesquisas no campo da histoacuteria da evoluccedilatildeo
humana tanto a moral quanto a religiatildeo fazem parte das ―ordens imaginadas que
as pessoas (os Homo sapiens) criaram no processo de cooperaccedilatildeo muacutetua na
histoacuteria da humanidade Dessa forma uma religiatildeo qualquer eacute tida como religiatildeo
pelo fato de definir-se como um ―sistema de normas e valores humanos que se
baseia na crenccedila em uma ordem sobre-humana (HARARI 2017 p 218) A
principal caracterizaccedilatildeo de uma religiatildeo supotildee que a mesma tenha em
funcionamento padrotildees morais e de comportamento que seja universal e esteja
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ligada com a difusatildeo de sua crenccedila Isso significa que hoje para se definir como
religiatildeo eacute preciso que natildeo seja como as ―religiotildees antigas ndash que eram locais e
exclusivas ou seja povos que criam em deidades proacuteximas agrave terra de moradia
que ocupavam e natildeo tinham nenhum interesse em conversatildeo universal de
qualquer outra tribo morando distante deles (HARARI 2017)
Se religiatildeo e moral satildeo de ordem imaginada53 ligadas intersubjetivamente
e tecidas por uma trama ndash algo que se refere a uma rede de comunicaccedilotildees que
liga e conecta a consciecircncia subjetiva de milhares e milhotildees de indiviacuteduos ndash
entatildeo para se pensar o ateiacutesmo cristatildeo eacute preciso ultrapassar o pensamento da
ordem imaginada vigente e criar uma nova ordem imaginada alternativa Isso
seria a intersecccedilatildeo a quebra do muro que mantecircm dentro de certos limites a
religiatildeo vigente para entatildeo como afirma Sponville acerca do ateiacutesmo cristatildeo
forjar ―para mim uma espeacutecie de Cristo interior manso e limpo de coraccedilatildeolsquo sim
mas puramente humano que me acompanha e me guia (COMTE-SPONVILLE
2016 p 66)
A proposta de romper com os limites estabelecidos para forjar uma nova
espiritualidade natildeo configura seja para Comte-Sponville ou para algum outro ateu
fiel a formaccedilatildeo basilar de uma nova ordem religiosa Natildeo eacute essa a proposta de O
Espiacuterito do Ateiacutesmo Isso porque o projeto eacute muito mais pessoal e individual do
que uma proposiccedilatildeo que tenha caraacuteter de alcance universal O que ele pensa eacute
uma nova espiritualidade e essa sim de caraacuteter laica (gr laikoacutes ―do povo) e
totalmente desvencilhada da religiatildeo cristatilde ndash mas natildeo desfocada de sua
personagem principal No entanto essa nova espiritualidade busca por definiccedilotildees
e vai ao encontro de uma moral cabiacutevel a experiecircncia real o que pode configurar
nas pretensotildees de alguns uma nova ideologia
Ao que nos parece Comte-Sponville recorre ao misteacuterio do universo da
humanidade e de todas as forccedilas naturais que por si soacute ultrapassam nossas
concepccedilotildees de realidade e revelam nossa insignificacircncia como caccediladores desse
misteacuterio O tom criacutetico de Sponville eacute contra a natildeo criticidade Como filoacutesofo a
busca pelo misteacuterio deve convergir em resultados empiacutericos (de accedilotildees ao bem
53
Para Harari ordens imaginadas satildeo redes de cooperaccedilatildeo que regem e organizam nossa vida partilhadas universalmente entre milhotildees e milhotildees de pessoas e que existe apenas em nossa imaginaccedilatildeo Exemplos que ele relata como ordens imaginadas o dinheiro os impeacuterios e as religiotildees universais satildeo as bases que assentaram o mundo unificado (globalizado) de hoje
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comum) para que seja possiacutevel a afirmaccedilatildeo criacutetica Em um segundo plano sabe-
se que o misteacuterio se perfaz solitaacuterio e intransponiacutevel agrave busca racional
21 - O que ldquoacreditardquo o ateiacutesmo cristatildeo
Para Conte-Sponville hoje o ocidente jaacute natildeo eacute tatildeo cristatildeo como se pensa e
tem se mostrado (Cf COMTE-SPONVILLE 2016) A religiatildeo cristatilde perde
anualmente sua autonomia como religiatildeo universal e principalmente ela natildeo
evoca mais aos natildeo cristatildeos (e ateacute mesmo aos seus fieacuteis) o status de ―uacutenica A
proacutepria oponibilidade deu lugar a uma frente que preza antes pela simpatia do que
pela rechaccedila Obviamente seu discurso natildeo mudou Seus liacutederes tecircm mudado as
estrateacutegias tentando unificar um tipo de relaccedilatildeocomunhatildeo plural entre as
religiotildees universais Mostra-se ndash seja nos catolicismos seja nos protestantismos
ou evangelicalismos ndash em busca de uma moral contextualizada que natildeo incorra
retrograda e ateacute mesmo primitiva mas ao mesmo tempo haacute o esforccedilo pela
conservaccedilatildeo de seus dogmas e de sua feacute em um uacutenico Deus
O inverso de querer manter-se impetrado em uma moral regida por dogmas
transcendentesabsolutos imprime a pergunta ―Por que haacute alguma coisa em vez
de nada (COMTE-SPONVILLE 2011a p 23) Para essa pergunta natildeo existe
uma resposta empiacuterica e de loacutegica e de qualquer forma nunca saberemos se de
fato haacute uma resposta O cristatildeo supotildee haver algo em oposiccedilatildeo ao nada Jaacute o
ateu contra o discurso de um criador do mundo e do universo e natildeo favoraacutevel ao
discurso de que a vida soacute tem sentido ao crer em uma divindade apostaraacute no
nada ―O ateu natildeo tem uma ideia suficientemente elevada do mundo da
humanidade e de si mesmo para julgar verossiacutemil que um deus tenha podido cria-
los (COMTE-SPONVILLE 2011b p 64)
Uma vez que pensar Deus eacute pensa-lo existente de alguma maneira a
questatildeo Deus existe radicalmente se torna nula ndash jaacute que natildeo se pode provar
aquilo que por pensamento jaacute existe na imaginaccedilatildeo O cristianismo por toda a
histoacuteria elaborou inuacutemeras provas para se chegar agravequilo que jaacute crecirc que Deus
existe Fez isso porque sabia que toda afirmaccedilatildeo positiva traz consigo a
possibilidade de sua afirmaccedilatildeo negativa e se houve quem acreditasse
positivamente na existecircncia de Deus houve tambeacutem quem natildeo acreditasse
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Nesse vieacutes o ateiacutesmo natildeo eacute um objeto sem crenccedila O ateiacutesmo tambeacutem crecirc
em algo mas sua crenccedila eacute sempre negativa pois ―se alimenta do vazio de seu
objeto (COMTE-SPONVILLE 2011a p 89) Aqui eacute preciso explicar o ateiacutesmo
positivo e o ateiacutesmo negativo o primeiro acredita que Deus natildeo existe e o
segundo natildeo acredita em Deus o segundo nega Deus e o primeiro fala da
ausecircncia dele podendo assemelhar-se ao agnosticismo (Cf BAGGINI 2016)
Assim o ateiacutesmo fiel que Sponville apresenta (ateiacutesmo negativo pois nega
a existecircncia de Deus) se assenta sobre trecircs pilares elementares em oposiccedilatildeo agraves
concepccedilotildees da crenccedila religiosa cristatilde a comunhatildeo a fidelidade e o amor ndash sobre
o terceiro pilar falaremos mais abaixo ndash em oposiccedilatildeo entre a crenccedila e a feacute o que
reformula a realidadeidealidade para o amor
Partindo da definiccedilatildeo de religiatildeo (latim religio verbo religare) que Sponville
busca compreender o que de fato ―liga as pessoas umas agraves outras o que as liga
a ponto de ser um corpo social Sua proposta eacute natildeo esvaziar o conceito de
religiatildeo atribuindo a ele o significado de liame ou seja que todo liame eacute religioso
tem um sentido religioso Isto aponta para o fato de que toda experiecircncia humana
parte dessa suposiccedilatildeo a saber que a religiatildeo eacute quem vincula as pessoas
horizontal e verticalmente isto por causa do Deus cristatildeo ndash o sentido maacuteximo da
religiatildeo cristatilde ocidental
A partir da fenomenologia a experiecircncia humana eacute vista de outra
perspectiva Sponville iraacute afirmar que o que ligou os povos primitivos e o que liga
as sociedades modernas natildeo eacute Deus ―eacute o fato de que eles comungam a mesma
feacute (COMTE-SPONVILLE 2016 p 23) No entanto para partilhar a mesma feacute ou
sentimento religioso eacute preciso tambeacutem entender aquilo que Durkheim propocircs ou
seja
[] as tendecircncias sociais cujas origens estavam na natureza humana De fato todas as pessoas tecircm o que se poderia chamar de uma afinidade natural por seus iguais que se manifestou desde que vaacuterios homens passaram a viver juntos isto eacute desde os primeiros dias da humanidade O que os uniu natildeo era como se afirma com frequecircncia relaccedilotildees de sangue mas semelhanccedilas de liacutengua haacutebitos e costumes [] A afinidade entre iguais eacute assim a forma mais antiga de inclinaccedilatildeo social [] Encontrou contudo um aliado poderoso nos sentimentos religiosos (DURKHEIM 2016 pp 54-55)
O que Durkheim chama de afinidade entre iguais Comte-Sponville chama
de comunhatildeo isto eacute ―compartilhar sem dividir (COMTE-SPONVILLE 2016 p
23) Assim o que nos amarra seja em uma cultura ou civilizaccedilatildeo qualquer meio
de envolvimento pessoal eacute o sentimento de pertenccedila que temos em relaccedilatildeo
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agravequilo que nos agrega uma feacute um texto uma personalidade deuses etc em
comum Eacute assim que Sponville afirma que uma sociedade pode viver sem crenccedila
mas natildeo sem comunhatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 20-27)
Buscando em Ciacutecero outro sentido para religiatildeo (religio vem de relegere ndash
―recolher reler) sua segunda afirmativa sustenta que uma sociedade pode viver
sem feacute mas natildeo sem fidelidade (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 27-32) Isto
implica dizer que religiatildeo eacute aquilo que recolhe e relecirc os textos os mitos as leis ou
qualquer escrito apontado como sagrado O que Sponville chama de fidelidade se
atrela ao que ele reconhece por comunhatildeo natildeo pode haver comunhatildeo partilha
por igual sem que haja primeiramente um recolher do ensino ou a releitura de
uma tradiccedilatildeo para que seja afirmada dela sua fidelidade
Por isso a importacircncia da tradiccedilatildeo cristatilde a releitura hodierna dessa
tradiccedilatildeo transmitida dos costumes do conjunto de valores morais e espirituais
etc possibilita guardar aquilo que resta do passado do que necessitamos para
termos uma histoacuteria onde nos apoiar e (nos) fiarmos nossa humanidade A
fidelidade eacute portanto ―o que resta da feacute quando a perdemos (COMTE-
SPONVILLE 2016 p 29) Diferentemente da feacute a fidelidade eacute o apego o
comprometimento e o reconhecimento dos valores da histoacuteria da comunidade
Nessa loacutegica aqueles que natildeo tecircm feacute ou natildeo reconhecem que os valores
morais advecircm do Deus cristatildeo na foacutermula feacute + fidelidade = piedade reconhecem
entretanto ―a grandeza humana desses valores sua importacircncia sua
necessidade a fragilidade sua urgecircncia [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 30)
A foacutermula seria uma fidelidade destituiacuteda de feacute = impiedade ou seja a ausecircncia
da feacute em nada muda a responsabilidade humana em relaccedilatildeo a tudo o que foi
construiacutedo na histoacuteria Ao contraacuterio de muitas acusaccedilotildees contra o ateiacutesmo a
impiedade neste caso natildeo desembocaria no niilismo o niilismo eacute quando existe
a ausecircncia da fidelidade e da feacute sobrando um grande nada (COMTE-
SPONVILLE 2016)
O ateiacutesmo cristatildeo parece-nos como exposto amplia a visatildeo acerca do
mundo em que natildeo buscam construir ou levantar um impeacuterio religioso como se
apresentam as religiotildees monoteiacutestas e suas derivaccedilotildees A espiritualidade ateia de
fidelidade e comunhatildeo invoca muito mais a uma holiacutestica onde a duacutevida
relacionada ao misteacuterio da vida e do existir leva ao querer ndash o querer explorar a
potencialidade dos misteacuterios existenciais sem pretensotildees de esgotamento Dito
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de outra forma o ateiacutesmo cristatildeo acredita que a complexidade da vida como um
todo eacute um oceano de novos conhecimentos que na medida em que se
experimenta e adquire novas realidades as novas oportunidades e fronteiras satildeo
abertas ao ser humano
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ldquomorte do Deusrdquo via teologia
cristatilde
―Qualquer perspectiva que se apresente como ―ateiacutesmo cristatildeo jaacute eacute por si
soacute estranha [] apontam os teoacutelogos acerca do ―movimento teoloacutegico mais
radical do seacuteculo XX ou seja o movimento ―teologia da morte de Deus (MILLER
amp GRENZ 2011 p 97) No entanto os teoacutelogos cristatildeos de tradiccedilatildeo natildeo
imaginavam ndash e natildeo imaginam ateacute hoje ndash o quatildeo possiacutevel foi (e eacute) de dentro da
proacutepria tradiccedilatildeo o rompimento com o tradicionalismo do conceito de Deus e
fomentar uma nova teologia radical
O ateiacutesmo cristatildeo configura-se do ponto de vista da teologia como o
movimento da morte de Deus gerado no seio da teologia secular e com a
pretensatildeo de expulsar o Deus absoluto para fora do mundo dos homens Com os
tumultos da deacutecada de 60 passados a teologia da morte de Deus significou
muitas coisas desde a sentenccedila de uma derradeira queda da cultura cristatilde e a
objetificaccedilatildeo da figura do Deus da tradiccedilatildeo cristatilde na cultura Ocidental ateacute mesmo
da impossibilidade de experimentar o mundo como um mundo de Deus ndash sua
criaccedilatildeo da perda de Deus desde sua encarnaccedilatildeo na pessoa do homem Jesus o
processo da kenosis (esvaziamento) ateacute a suspensatildeo de toda transcendecircncia
divina para uma imanecircncia liberta da ideia metafiacutesica ndash o que configura uma troca
Jesus o homem sustecircm o lugar de Deus
Dito de forma sinteacutetica e simploriamente resumida a teologia da morte de
Deus e seus representantes tinham como prioridade parece-nos principalmente
tendo em vista todo ocorrido do seacuteculo XX responsabilizar o homem por cada
dor sofrimento e tambeacutem gesto de amor que transcorre sua mundanidade
―Deus morrer eacute para os teoacutelogos dessa visatildeo uma forma de natildeo isentar a todos
das barbaridades que ocasionaram agrave humanidade
Claramente influenciada pela filosofia ateiacutesta nietzschiana (mas natildeo
somente) a teologia da morte de Deus traz luz via os aforismos do filoacutesofo na
conduccedilatildeo contraacuteria a autoridade e a tradiccedilatildeo de Deus com uma nova retoacuterica de
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insurreiccedilatildeo natildeo mais eacute Deus quem se assenta no trono do Universo e tudo
governa mas o proacuteprio homem eacute quem toma as reacutedeas da histoacuteria e tudo iraacute
guiar Teologicamente Deus estava morto no sentido de sua irrelevacircncia como
ideia tradicional advinda dos seacuteculos anteriores em uma cultura que natildeo o deseja
mais
Dois teoacutelogos provenientes da tradiccedilatildeo cristatilde se destacaram como
propagadores dessa teologia Willian Hamilton e Thomas Altizer Ambos se
complementam em suas anaacutelises referentes agrave morte de Deus pois reconhecem
agraves profundas mudanccedilas acontecidas na cultura e na sociedade principalmente o
―evento histoacuterico-cultural da morte de Deus [] (GIBELLINI 2002 p 144)
O que para noacutes eacute importante destacar da teologia de Hamilton eacute a
alteraccedilatildeo que ele propotildee da feacute em amor da teologia em eacutetica da
responsabilidade ―que se orienta para a figura de Jesus que indica ―um lugar
onde ficar (GIBELLINI 2002 p 144) Haacute certo foco na exemplaridade e na
figura de Jesus A teologia de Altizer radicalmente focada na encarnaccedilatildeo de
Jesus o verbo que se fez carnelsquo como doutrina central infere que o Deus
transcendente morre em sua transcendecircncia por esvaziar-se se tornando carne
(lhe conferindo uma transcendecircncia vazia) ndash o que concretiza a passagem da
realidade transcendente para a realidade imanente Essa inversatildeo ocasionada na
figura de Jesus torna-se um evento histoacuterico que se move para dentro da histoacuteria
como num processo progressivo acontecendo ateacute hoje Como uma nova teologia
que pressupotildee a morte de Deus na cultura juntamente com seu esvaziamento
tornou-se um dado fenomenoloacutegico que exige atualmente reformas na maneira
de pensar a teologia que a Igreja sempre compreendeu trazendo essa novidade
para o tempo moderno (GIBELLINI 2002)
Sendo assim a teologia da morte de Deus natildeo prescreve a impossibilidade
de se crer em Deus pois para aqueles que creem sempre seraacute possiacutevel crecirc-lo A
questatildeo em torno do assunto se daacute em que a laicizaccedilatildeo e a secularizaccedilatildeo ndash
advindos dos projetos humaniacutesticos desde a Renascenccedila o Iluminismo seacuteculo
XVIII ateacute XX ndash supotildee uma ―descristianizaccedilatildeo da cultura tornando a crenccedila uma
manifestaccedilatildeo privada Isto eacute ―como dizem os socioacutelogos continuamos podendo
individualmente acreditar em Deus natildeo podemos mais socialmente comungar
nele (COMTE-SPONVILLE 2005 p 36)
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A preocupaccedilatildeo do ateu fiel eacute que com a morte de Deus no acircmbito social
as igrejas se esvaziando e os supermercados se entupindo de consumidores as
pessoas tomem consciecircncia a ponto de responder a velha pergunta ―o que devo
fazer Se a cultura estaacute sendo descristianizada portanto a religiatildeo e todo seu
credo perdendo sua forccedila moralizante mais do que tudo ―a questatildeo moral retorna
ao primeiro plano (COMTE-SPONVILLE 2005 p 41)
23 - Uma resposta possiacutevel
A pergunta ―Eacute possiacutevel algueacutem dizer-se ateu cristatildeordquo tem como resposta
a partir do caminho exposto por Comte-Sponville uma confirmaccedilatildeo positiva A
justificativa se encontra no valor (gr axios) que damos a histoacuteria humana aos
valores que ela produziu e permite que progressivamente seja atualizado e
transmitido agraves geraccedilotildees Principalmente porque esse valor dado agrave histoacuteria
humana eacute a resposta configura-se saber o que eacute o homem para que este seja
denominado homem sua essecircncia (humanismo teoacuterico) ou sua histoacuteria O anti-
humanismo teoacuterico que Sponville apoia responde que
[] eacute a histoacuteria ao mesmo tempo natural (homonizaccedilatildeo) e cultural (humanizaccedilatildeo) em outras palavras que o homem natildeo eacute primeiramente princiacutepio mas sim resultado ou o que daacute na mesma que ele soacute eacute humano na medida em que se torna humano [] O anti-humanismo teoacuterico natildeo eacute um imoralismo pensar o homem em sua verdade (em sua histoacuteria) eacute pensar a moral em sua urgecircncia (COMTE-SPONVILLE 2008 p 268-269)
O ateiacutesmo cristatildeo acredita que uma resposta possiacutevel agrave histoacuteria visando
um futuro melhor a toda humanidade eacute uma resposta possiacutevel na histoacuteria Ou
seja fundamenta-se na fidelidade e na comunhatildeo que perpassa nosso
compromisso e responsabilidade O passado natildeo eacute uma taacutebula rasa uma folha
em branco ndash um tempo memorial vazio de sentido e de materialidade em que
seria preciso hoje inventarmos novos valores Reconhecer o passado toda sua
memoacuteria e narrativa eacute a oportunidade individual e coletiva de ―inventar ou de
reinventar uma nova fidelidade aos valores que recebemos e que temos o
encargo de transmitir Eacute como uma diacutevida em relaccedilatildeo ao passado que soacute
poderiacuteamos saldar investindo no futuro [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 34)
Logo somos humanos porque assim nos tornamos somos histoacuteria porque assim
nos construiacutemos humanidade histoacuterica
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A preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo seja ela de paz ou de guerras eacute o uacutenico
testamento que temos para reescrevermos um novo futuro Os valores que foram
transmitidos do nosso passado tais como a liberdade a justiccedila a igualdade a
fraternidade por exemplo valem porque de fato haacute um valor Natildeo precisamos
alterar o fato de valerem agrave dignidade humana mas necessitamos fidelizar esses
valores para que possamos comungar e interagir humanamente tendo como
base aquilo que jaacute tecircm valor
Marcel Conche afirma em seu livro que de todas as culturas haacute uma
moralmente superior ―[] a greco-cristatilde eacute superior a qualquer outra porque foi no
solo greco-cristatildeo que se reconheceram e afirmaram pela primeira vez a
igualdade de direito de todos os homens e os direitos universais do homem
Sustenta implicitamente que um Estado que enxerga respeita e pratica como
primazia os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e agrave sua
personalidade de certa forma encontra nisso um ―ideal de universalidade
utilizando esse ideal como crivo para perceber e distinguir em todos os outros
meios (Estados) os que natildeo compartilham desses direitos (CONCHE 2006 p
XIII)
O cristianismo legou valor imenso agrave poacutes-modernidade Uma vez que a
pluralidade e os ecumenismos inter-religiosos crescem evidencia-se no Ocidente
a afirmativa de que natildeo mais haacute uma supremacia cristatilde Assim sendo eacute preciso
repensar e reinventar fidelidade a valores que a tradiccedilatildeo cristatilde produziu em
milecircnios de histoacuteria Por ser considerado a religiatildeo do amor (COMTE-
SPONVILLE 2011b) o cristianismo precisa ser peneirado para que aquilo que eacute
amaacutevel permaneccedila o que eacute suspeito seja desconsiderado por completo
3 QUE MORALIDADE
Para respondermos a essa pergunta eacute necessaacuterio investigarmos o objeto
do ateiacutesmo cristatildeo ou seja Jesus prescrevendo qual a importacircncia dessa
personagem dos Evangelhos biacuteblico e porque ele Antes eacute preciso reafirma que o
ateiacutesmo eacute uma moral e portanto o olhar do ateiacutesmo cristatildeo para Jesus restringe-
se a um olhar moral em busca daquilo que em Jesus pode ser abrilhantado mais
do que ofuscado
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Antes ainda eacute preciso distinguir como os conceitos de moral e eacutetica se
conciliam para entatildeo justificarmos o porquecirc do ateiacutesmo cristatildeo sugerir alsquo moral
aliada alsquo eacutetica e natildeo umalsquo eacutetica que prescreva balizas exteriores e umalsquo moral
que se valha de um ser transcendente e de suas exigecircncias
Todos jaacute ouvimos que a moral eacute reconhecida como a doutrina do dever e
tambeacutem estamos informados de que a eacutetica eacute a doutrina da sabedoria A moral
dirige-se agrave virtude que tem como finalidade a santidade jaacute a eacutetica tende para a
felicidade e tem como apogeu a sabedoria A moral lida com os deveres a eacutetica
com o prazer Sponville versa que ambas as normatividades satildeo ―diferentes em
seus princiacutepios e em ―suas finalidades mas que ―se unem no que concerne as
relaccedilotildees interpessoais em suas aplicaccedilotildees Assim
[] o que chamamos de moral e eacutetica satildeo na verdade duas vias de acesso que conduzem a esse mesmo objetivo vias diferentes decerto mas convergentes jaacute que conduzem pela obediecircncia (no caso da moral) ou pela razatildeo (no caso da eacutetica) a uma salvaccedilatildeo comum ou em todo caso a uma vida mais feliz e mais humana (COMTE-SPONVILLE 2008 p 256)
Ao buscar a eacutetica dentre as eacuteticas e a moral dentre as morais o ateiacutesmo
cristatildeo estaacute apenas tentando evidenciar aquilo que Conche torna explicito ou
seja que a minha moral natildeo pode estar fundamentada em minha religiatildeo ou em
minha filosofia pois ela seraacute contestada por outras religiotildees e outras inuacutemeras
filosofias e a todo arcabouccedilo moral que elas contecircm A evidecircncia estaacute em que
seja uma moral ou uma eacutetica particular de um grupo religioso ou de certo filoacutesofo
essa seraacute sempre contestada em detrimento de outra e vice-versa (Cf CONCHE
2006)
Podemos entender sucintamente a eacutetica como uma consciecircncia vasta
espaccedilosa que estaacute agrave procura de responder a pergunta ―como viver e portanto
eacute necessaacuterio incluir na resposta dessa pergunta todos os deveres cabiacuteveis a um
estilo de vida que tambeacutem busca a resposta acerca do ―que devo fazer Quer
dizer o que faccedilo (moral) natildeo responde como eu vivo (eacutetica) mas como eu vivo
ou penso em viver definiraacute aquilo que faccedilo ou como pretendo agir Por esse
prisma a eacutetica aparece como fundamento da moral em que a moral ―eacute apenas
um desejo que se toma por um absoluto que se toma como um fundamento
proacuteprio (COMTE-SPONVILLE 2008)
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Assim a eacutetica eacute um trabalho um processo um caminhar eacute o caminho pensado de viver na medida em que tende para a vida boa como diziam os gregos ou para a menos ruim possiacutevel e eacute essa a uacutenica sabedoria verdadeira (COMTE-SPONVILLE 2011b p 220)
Sendo a eacutetica como um espaccedilo amplo e abrangente feita de desejos
pessoais pensados e hierarquizados pelo conhecimento e pelas opccedilotildees ndash
portanto valores relativos pois sempre particulares (seja individual ou de um
grupo) ndash tende a transformar-se em um discurso normativo poreacutem natildeo
imperativo sempre respondendo aos opostos bomlsquo e ruimlsquo ndash imanente agrave
humanidade A moral posse da eacutetica revela-se como um discurso normativo e
imperativo resultado da oposiccedilatildeo dos valores absolutos ou transcendentes de
Bemlsquo e do Mallsquo (Cf COMTE-SPONVILLE 2008 p 262)
A moral o conjunto dos nossos deveres se transforma em accedilotildees ndash essas
que dizem respeito a um modo de ser e estar sendo no mundo de forma
consciente no tempo presente Mas vale lembrar que o valor moral natildeo estaacute
propriamente nas accedilotildees e no fim desejado por tal agir O valor de um dever eacute
intriacutenseco ao proacuteprio dever isto eacute qualquer ato em cumprimento do dever soacute tem
valor se o mesmo for desinteressado independente do resultado da accedilatildeo Por
isso a moral verdadeira natildeo age ―de acordo com o dever mas sim ―por dever
seria uma accedilatildeo em prol e por aquilo que nos eacute comum e de valor (humanidade) e
tambeacutem em benefiacutecio do que eacute diferente de nossa humanidade (outras espeacutecies
e a natureza por exemplo)
Comte-Sponville (2008 pp 398-399) nos lembra de que Kant jaacute dizia que a
moral ―natildeo tem menor necessidade da religiatildeo pois ―ela basta a si mesmo ndash por
isso o direito de a moral ser laica Ela diz respeito a homens e mulheres muito
mais que agraves instituiccedilotildees o que denota que toda liberdade e autonomia que dela
proveacutem a noacutes eacute relativa natildeo alterando seu aspecto ―absoluto praacutetico ao nosso
sentimento Esse sentimento que temos em relaccedilatildeo a moral sentimento de
grandeza e submissatildeo e a necessidade que temos de agir conforme sua
legislaccedilatildeo eacute porque ―toda moral eacute histoacuterica ndash daiacute o valor do passado e da
tradiccedilatildeo
A liberdade e autonomia diante de uma lei moral tem a ver com a nossa
vontade pois apenas o conhecimento da lei natildeo basta para a accedilatildeo moral
Precisamos deseja-la e quere-la em noacutes Uma vez que sou autocircnomo e livre para
viver diante de uma legislaccedilatildeo proacutepria jaacute natildeo dou valor agrave lei moral pelo que
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conheccedilo dela historicamente vivo moralmente e ajo conforme sou porque ela estaacute
vinculada aos meus desejos de vecirc-la universalmente em accedilatildeo O que estamos
tentando explicar eacute que agir conforme os deveres natildeo substitui a finalidade de
onde queremos chegar ou melhor na eacutetica do amor De acordo com o dever eacute
nos dito que devemos amar mas necessitamos de uma eacutetica do amor
simplesmente porque sempre agimos contraacuterio a essa consciecircncia de dever
A busca por uma eacutetica individual mas universalizante que seja primeira e
baliza aos nossos deveres ndash porque eacute pura consciecircncia ampla e abrangente ndash soacute
eacute possiacutevel quando agimos moralmente natildeo por amor agrave lei mas porque amamos o
amor que rege a lei Aqui jaacute deduzo que a eacutetica eacute uma eacutetica do amor isto eacute que
guia todos os nossos deveres mesmo que por amor precise confronta-los Uma
eacutetica do amor sempre iraacute questionar se nossos deveres compactuam com nossa
consciecircncia Esse jogo complexo eacute antigo mas sempre necessaacuterio
Trata-se de passar da moral agrave eacutetica do dever ao amor e eacute essa passagem cuja jubilosa espontaneidade cada um de noacutes experimenta um tanto mais um tanto menos assim como experimentamos tambeacutem nossas fadigas que o digam sua fragilidade e sua perpeacutetua incompletude (COMTE-SPONVILLE 2008 p 278)
Mas natildeo sejamos ingecircnuos Sponville nos alerta para o fato de que o amor
sempre faltaraacute a todos e por isso a necessidade da moral para exigir que
atuemos como se amassemos Somente assim poderemos experimentar os polos
de forma versaacutetil mas consciente
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-
Sponville
Resume-se na afirmativa ―Jesus natildeo era cristatildeo (COMTE-SPONVILLE
2011b p 134) era apenas um judeu piedoso Sponville redescobre no Cristo dos
Evangelhos via filosofia uma ponte aos temas em comum temas que os grandes
filoacutesofos se debruccedilaram tais como a sabedoria do amor e da amizade que foram
assuntos cariacutessimos a filoacutesofos como Spinoza e Epicuro Essa identificaccedilatildeo com o
―conteuacutedo humano impresso nas letras e no ―espiacuterito dos Evangelhos eacute o que foi
a sua redenccedilatildeo para conciliar a filosofia com
[] a feacute de minha infacircncia ou melhor com a moral que lhe era solidaacuteria reconciliou-me comigo mesmo portanto com a crianccedila que havia sido que era ainda e sobretudo isso me levou de volta a Cristo ao menos a
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uma certa imagem que me fiz dele a de um homem livre e doce que preferia o amor ao poder e que por isso morreu de um modo atroz ignominioso numa cruz Eacute o contraacuterio do Deus todo-poderoso do Deus vingador jaacute natildeo eacute em absoluto um Deus e eacute o uacutenico que me emociona (COMTE-SPONVILLE 1997 pp 142-143)
Essa moral que Sponville redescobriu claramente foge do conceito de
Deus-transcendente idealizado pelo cristianismo Encontra em Jesus o dos
Evangelhos uma ideia mais elevada ndash porque humana ndash para forjar uma
espiritualidade baseada na compreensatildeo de sua mensagem de amor A
interpretaccedilatildeo do Cristo evangeacutelico para que possa fazer parte daquilo que temos
chamado de ateiacutesmo cristatildeo eacute refinado a um olhar liberto da religiatildeo ou das
supersticcedilotildees da mesma
Sponville acredita de Jesus em sua mensagem aquilo que chama nossa
atenccedilatildeo para o essencial que o Reino de Deus jaacute havia comeccedilado e estava no
meio de noacutes eraeacute tatildeo presente que poderia ser assimilado no aqui e no agora
Tal afirmaccedilatildeo seria um chamado universal ao Reino do Amor
[] esse eacute o Cristo a quem amo aquele que criei pouco a pouco para mim aquele que me acompanha o uacutenico a me esclarecer [] Eacute pois o Cristo de todo o mundo ndash o Preseacutepio o Calvaacuterio ndash o dos mitos e das lendas o uacutenico que conhecemos no fundo o uacutenico que importa mas liberto da religiatildeo mas natildeo prometendo nada mais do que tudo ele tambeacutem ndash como os gregos como os verdadeiros mestres ndash e natildeo outro reino aleacutem deste mesmo onde jaacute estamos (COMTE-SPONVILLE 1997 p 143)
Para tanto o que o ateiacutesmo cristatildeo propotildee agravequeles que assim desejam eacute
um Cristo inventado mas que natildeo deixa de ser percebido e visto e encontrado
nas letras dos Evangelhos Seria o Cristo heterodoxo que contraria tanto os
padrotildees sociais vigentes quanto as doutrinasideologias tradicionalmente
assimiladas e admitidas Ele seria um anticonformista porque hereacutetico se
apresentaria aos olhos daqueles que seguem acriticamente o padratildeo
normatizado Seria o homem a divulgar a grande revelaccedilatildeo a todos os ouvintes no
Evangelho de Lucas
Tendo-lhe os fariseus perguntado quando viria o Reino de Deus ele lhes respondeu O Reino de Deus natildeo vem como um fato observaacutevel Natildeo se diraacute Aqui estaacutelsquo ou Laacute estaacutelsquo Pois o Reino de Deus estaacute em voacuteslsquo (entos humocircn) ou entre voacuteslsquo ou no meio de voacuteslsquo [] ou talvez melhor ainda e como dizia o Evangelho de Tomeacute o Reino de Deus estaacute ao mesmo tempo ―em voacutes e fora de voacutes (COMTE-SPONVILLE 1997 p 144)
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Isto faz surgir para Comte-Sponville a pergunta ―Se o Reino estaacute em noacutes
e se estamos no Reino para que serve a feacute e a esperanccedila seguida de
resposta ―Natildeo se deve crer em mais nada deve-se conhecer tudo Natildeo se deve
ter esperanccedila em mais nada deve-se amar tudo (COMTE-SPONVILLE 1997 p
144)
Eacute uma negaccedilatildeo por completa da feacute e da esperanccedila cristatilde uma vez que em
Jesus natildeo houve feacute e nem esperanccedila houve a praacutetica do amor que jaacute estava nele
e fora dele Imitar a Cristo nesse caso eacute compreender que as atitudes de Jesus
estavam esvaziadas de feacute e esperanccedila ndash havia sim manifestaccedilatildeo perfeita do
amor Ser fiel a Jesus seria portanto ―imitar sua visatildeo e sua compreensatildeo na
medida em que sejamos capazes [] eacute em todo caso imitar seu amor
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 63) Isso porque se natildeo haacute o que crer e nem
existe o que esperar ―natildeo haacute outra salvaccedilatildeo senatildeo viver natildeo haacute outra salvaccedilatildeo
senatildeo amar o Reino eacute aqui na terra a eternidade eacute agora (COMTE-SPONVILLE
1997 pp 144- 145)
Como jaacute dito supra noacutes natildeo amamos como deveriacuteamos porque o amor nos
falta quase sempre E tambeacutem natildeo somos Jesus Cristo A sugestatildeo de Sponville
eacute ―[] mas podemos ndash qualquer que seja aliaacutes sua realidade histoacuterica ndash nos
aproximar do modelo que ele propotildee (COMTE-SPONVILLE 2008 p 277) A
proposta parece ser maior do que pensamos porque eacute maior do que podemos ela
excede em princiacutepio nossa capacidade de apenas amar os amigos os proacuteximos
a noacutes e aquilo que nos falta (gr philia erocircs) A mensagem evangeacutelica nos pede
para amar o proacuteximo o inimigo o indiferente isto eacute aquele que natildeo oferece
razatildeo e nenhum atrativo para que nos dediquemos e lhe demos a preferecircncia
Como amar os que nos perseguem Os que fazem mal a noacutes Aqueles
que natildeo nos alegram e nos prejudicam Somos capazes de tal amor A esse
amor conservou-se o nome de amor universal ―Agapeacute eacute o amor divino se Deus
existe e mais ainda talvez se Deus natildeo existe (COMTE-SPONVILLE 1996 p
291) Esse amor que nos falta eacute tatildeo parte de noacutes pelo simples fato de a noacutes faltar
e mesmo que ele venha a noacutes em forma de pranto ndash o choro pelo injusticcedilado pelo
abatido pela falta de alegria e riso pela falta de beleza etc ndash aiacute estaacute o porquecirc
devemos buscaacute-lo como a virtude excelente agravequela que pelos passos vagarosos
que damos em prol da justiccedila igualdade e liberdade pelos direitos humanos
apareceraacute (em medida) como o sol em pleno vigor
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Esse legado do amor de Jesus o modelo de judeu fiel de Cristo
heterodoxo que ressoou a toda tradiccedilatildeo cristatilde e filosoacutefica eacute o motivo pelo qual
Sponville alicerccedilou sua filosofia e ateiacutesmo
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor
Reler o cristianismo eacute revecirc-lo em aprimoramento Se por religiatildeo o ateiacutesmo
cristatildeo redefiniu em fidelidade e comunhatildeolsquo ao inveacutes de esperanccedila e feacutelsquo assim
ao propor outra religiatildeo o amor seria o que uniria a todos e tambeacutem o que nos
tornaria fieacuteis agravequilo que importa e o que importa eacute que somos humanidade Uma
eacutetica do amor portanto uma sabedoria que vise enxergar os dias atuais exige a
releitura do conceito de humanidade tanto quanto de amor requerendo o apoio
daquilo que recebemos do passado
Outra religiatildeo do amor se colocaria de forma mais especiacutefica para que natildeo
seja confundida como uma nova espiritualidade A espiritualidade eacute uma maneira
(e haacute outras) de se viver a religiatildeo Espiritualidade eacute a ―vida do espiacuterito isto eacute a
vida do conhecimento e da accedilatildeo Ela natildeo faz parte exclusiva das Igrejas ou de
quaisquer Instituiccedilotildees que queiram fixaacute-la uacutenica ―a espiritualidade eacute uma
dimensatildeo da condiccedilatildeo humana (COMTE-SPONVILLE 2011b p 208) Essa nova
espiritualidade ou novo caminho seria a chave interpretativa para essa nova
Religiatildeo do Amor que como posto natildeo se pretende religiatildeo como as religiotildees
monoteiacutestas
A antiga religiatildeo do amor diz que ―Deus eacute amor e que o amor eacute Deus
confundindo a eacutetica com a religiatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2005 p 214) A
nova Religiatildeo do Amor por natildeo crer em Deus e entender o amor como
possibilidade unicamente da condiccedilatildeo humana diraacute que eacute preciso amar (de forma
limitada fraca e mortal) mediante a condiccedilatildeo que nos foi ensinada ndash pois nunca eacute
tarde para aprender sobre o amor e a amar O amor por ser accedilatildeo humana eacute
como a moral relativa em que ―cada um de noacutes soacute a encontra em si na medida
em que a recebeu (COMTE-SPONVILLE 2016 p 31)
[] o conjunto do que um indiviacuteduo se impotildee ou proiacutebe a si mesmo natildeo para antes de mais nada aumentar sua felicidade ou seu bem-estar proacuteprios o que natildeo passaria de egoiacutesmo mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro mas para natildeo ser um canalha mas para permanecer fiel a certa ideia de humanidade e de si (COMTE-SPONVILLE 2011a p 20)
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Uma vez que o amor tambeacutem eacute parte de uma eacutetica ideal ele se torna
superior e mais elevado que a feacute que a esperanccedila e a proacutepria moral A procura
sincera de um ateu fiel diante dessa verdade seraacute encontrar uma conexatildeo e um
ponto em comum com a antiga religiatildeo do amor no esforccedilo por compreender o
que as aproxima mais do que as afasta ndash para poder tomar parte juntamente na
grande arte do viver e construccedilatildeo da vida comunitaacuteria
Crentes e natildeo crentes estamos separados aqui apenas pelo que ignoramos Isso natildeo anula nossas discordacircncias mas relativiza seu alcance Seria loucura dar mais importacircncia ao que ignoramos ao que nos separa do que ao que sabemos tatildeo bem por experiecircncia e de coraccedilatildeo e que nos aproxima o que constitui o valor de uma vida humana natildeo eacute a feacute natildeo eacute a esperanccedila eacute a quantidade de amor de compaixatildeo e de justiccedila de que somos capazes (COMTE-SPONVILLE 2016 p 59)
Eacute por essa aproximaccedilatildeo pela via do amor que somos capazes a grande
virtude que se poderaacute democratizar os espaccedilos mundanos como espaccedilos de
fidelidade pois o amor une O amor seria nessa perspectiva o proacuteprio espaccedilo
de fidelidade e comunhatildeo que geraria a alegria tambeacutem o espaccedilo da verdade
alcanccedilaacutevel pois o amor seria universal e tambeacutem o espaccedilo de sabedoria pois o
amor seria o uacutenico caminho a ser seguido e priorizado (COMTE-SPONVILLE
2016)
Entendido de outra maneira o amor seria a lente para o novo olhar na
direccedilatildeo de tudo aquilo que jaz velho e imperceptiacutevel a nossa consciecircncia
Somente dessa forma diante da renovaccedilatildeo da consciecircncia e do olhar
passariacuteamos a uma nova percepccedilatildeo de tudo o que nos rodeia Isso requereria um
esvaziamento de toda nossa indiferenccedila quanto ao mundo agraves coisas e ao proacuteprio
ser humano Eacute como se voltaacutessemos a ver tudo como sendo ―bom sem a
ingenuidade e a ironia que a isso cabe Existir no mundo passaria a ser uma
existecircncia consciente do absurdo e tambeacutem consciente do quanto somos
capazes de em meio ao absurdo amarmos
Essa eacute a religiatildeo que segundo Sponville deveria ser elevada a religiatildeo do
amor No amor jaacute haacute toda espiritualidade de que nossa interioridade necessita
para saber-se e se reconhecer no mundo Isso posto o amor como espiritualidade
praacutetica natildeo vazia de sentido nos abre para a vida em comum e para uma
transcendecircncia do dia-a-dia ndash essa que eacute imanente e aberta a todo conhecimento
Tambeacutem uma abertura para a verticalidade do olhar para o alto que procura
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conscientizar-se acerca dos horizontes do mundo aquilaacute fora daquilo que nos
transcende porque nos transpassa
A religiatildeo do amor que produz nova espiritualidade e vice-versa portanto
estaacute sempre em busca de algo fora de si mesma A mateacuteria prima dessa religiatildeo eacute
o outro o mundo e seus arredores ou seja eacute o locallsquo onde o eulsquo se conecta com
o todo que flui e reflui reconstruindo novos laccedilos novos fundamentos (poreacutem
natildeo verdades incontestes) novas oportunidades dimensotildees e aprofundamentos
do conhecimento fundando uma razatildeo que eacute possiacutevel ao homem onde nosso
uacutenico dever eacute ser humano nossa uacutenica virtude eacute ser humano pois ningueacutem
poderaacute ser em meunosso lugar (COMTE-SPONVILLE 2011a)
Na religiatildeo do amor toda riqueza eacute encontrada fora de si mesmo como na
paraacutebola do tesouro e da peacuterola de grande valor
O Reino dos Ceacuteus eacute semelhante ao tesouro escondido no campo um homem o acha e torna a esconder e na sua alegria vai vende tudo o que possui e compra aquele campo O Reino do Ceacuteus eacute ainda semelhante ao negociante que anda em busca de peacuterolas finas Ao achar uma peacuterola de grande valor vai vende tudo o que possui e a compra (BIacuteBLIA Mateus 13 44-46 2011 p 1729)
Assim porque nos desfazemos de tudo o que temos para conseguir
adquirir o tesouro ou a peacuterola de maacuteximo valor da mesma forma podemos supor
que o amor eacute tudo o que queremos e depois saber que o amor eacute tudo o que
precisamos para sermos felizes
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Um olhar pessoal ao ateiacutesmo cristatildeo
A maioria dos cristatildeos ocidentais diraacute da impossibilidade de conceber o
ateiacutesmo cristatildeo A mesma impossibilidade que admitem haver no raciociacutenio de
uma espiritualidade ateia pode tambeacutem se encaixar a feacute cristatilde O fato de que
para pensar o Deus cristatildeo teria que ser necessaacuterio afirmar a possibilidade de
pensar a pura ideia de um uacutenico Deus e isso natildeo eacute possiacutevel revela o quatildeo
instaacutevel eacute a proacutepria feacute cristatilde ndash que sabe que natildeo se pode pensar Deus mas pensa
que eacute preciso pensa-lo e entatildeo formula as instabilidades de sua proacutepria feacute Isso eacute
o que chamo de contradiccedilotildees necessaacuterias pois satildeo por elas que a feacute continua a
ser pensada de tempos em tempos Satildeo essas contradiccedilotildees que tambeacutem
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asseguram novas possibilidades de entendimento acerca de conceitos caros a
histoacuteria do pensamento
Mesmo a feacute cristatilde milenar assim como qualquer outra feacute elas satildeo fontes
de ameaccedila agrave espiritualidade de qualquer pessoa Em todas elas existe
instabilidades contraditoacuterias desde sua essecircncia como um explosivo corrosivo A
pretensatildeo do ateiacutesmo cristatildeo a meu ver eacute expor tais instabilidades e afirmar a
contradiccedilatildeo das crenccedilas ndash mesmo aquela que o proacuteprio ateu propotildee Ter noccedilatildeo
disso eacute conhecer a diferenccedila entre ―feacute e ―saber pois o que confunde essas
categorias afirma Sponville ―eacute um imbecil e torna-se um ignorante da ignoracircncia
insuperaacutevel a existecircncia de Deus (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 p 72-73)
Dito isto qualquer religiatildeo de feacute ou mesmo o ateiacutesmo cristatildeo todos devem
ter como posicionamento a esfera da opiniatildeo sabendo que qualquer relaccedilatildeo de
toleracircncia e amor dependem de uma consciecircncia que se sabe insuficiente Se
entendermos o amor como um valor precioso agrave humanidade sem implicaccedilotildees
transcendentes chegaremos agrave conclusatildeo de que somos noacutes na medida em que
aprendermos a amar que transcenderemos ndash o que natildeo implica chamarmos a
noacutes de deuses
A regra da vida ou a norma do bem-viver pelo que tentamos expor supra
de Sponville eacute amar e amar como Jesus amou Que seja entatildeo atraveacutes da moral
essa ilusatildeo necessaacuteria para que possamos vagarosamente caminhar a um agir
por amor conscientes que podemos estar agindo por dever O ideal seria natildeo
necessitarmos de lei alguma por que amamos
Assim entendidos que a religiatildeo ―eacute um grande drama da relaccedilatildeo do
homem com os deuses (HARARI 2017 p 221) a espiritualidade que Sponville
apresenta estaacute fundamentada na busca humana a fim de encarar o grande
drama e desespero do homem consigo mesmo Muitos mestre da espiritualidade
podem ajudar nessa busca dramaacutetica da humanidade O ateiacutesmo cristatildeo
apresenta um em especial ndash especial pelo tipo de amor que apresentou e que
revolucionou as relaccedilotildees humanas Jesus o homem pois um Deuslsquo que natildeo
tenha se diminuiacutedo para se igualar aos seus nunca poderaacute dizer que lhes trouxe
libertaccedilatildeo
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAGGINI Julian Ateiacutesmo Uma breve introduccedilatildeo Satildeo Paulo LampPM Editores 2016 BIacuteBLIA de Jerusaleacutem Nova ediccedilatildeo revisada e ampliada Satildeo Paulo Editora Paulus 2011 COMTE-SPONVILLE Andreacute Pequeno tratado das grandes virtudes Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1996 COMTE-SPONVILLE Andreacute Bom dia anguacutestia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1997 COMTE-SPONVILLE Andreacute O capitalismo eacute moral Sobre algumas coisas ridiacuteculas e as tiranias de nosso tempo Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2005 COMTE-SPONVILLE Andreacute Valor e verdade Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2008 COMTE-SPONVILLE Andreacute Apresentaccedilatildeo da filosofia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011a COMTE-SPONVILLE Andreacute Dicionaacuterio filosoacutefico 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011b COMTE-SPONVILLE Andreacute O espiacuterito do ateiacutesmo introduccedilatildeo a uma espiritualidade sem Deus 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2016 CONCHE Marcel O fundamento da moral Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2006 DURKHEIM David Eacutemile Eacutetica e sociologia da moral Satildeo Paulo Martin Claret 2016 GIBELLINI Rosino A teologia do seacuteculo XX 2ordfed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 HARARI Yuval Noah Sapiens ndash uma breve histoacuteria da humanidade 28ordf ed Porto Alegre RS LampPM 2017 MILLER ED L amp GRENZ Stanley J Teologias contemporacircneas Satildeo Paulo Vida Nova 2011 MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
Autor ndash Me Rafael de Campos
Professor de Filosofia e Sociologia no Ensino Meacutedio Professor de Teologia e Religiatildeo em Seminaacuterio Teoloacutegico Especializando em Ciecircncia Poliacutetica pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar)
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Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciado em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP) E-mail elfaracamposhotmailcom
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ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO
CORPOacuteREA EM PAULO
RESUMO
Este presente artigo tem como objetivo demonstrar o elemento inovador
que o discurso da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em Paulo traz a partir do texto de
1Coriacutentios 1535-49 onde o apoacutestolo desenvolve e argumenta seu pensamento
escatoloacutegico acerca desta temaacutetica Para trilhar esse caminho este artigo propotildee
explanar alguns pontos metodoloacutegicos relevantes para o exerciacutecio exegeacutetico
desta narrativa paulina sob o respaldo dos referenciais teoacutericos ―A ressurreiccedilatildeo
do Filho de Deus e ―Paulo Novas Perspectivas de Wright A fim de desenvolver
esse pensamento e considerar os argumentos dentro dessa nova visatildeo teoloacutegica
da temaacutetica
Palavras-Chave Discurso Paulo Ressurreiccedilatildeo Corpoacutereo 1Coriacutentios 15
ABSTRACT
This article aims to demonstrate the innovative element that the discourse
of bodily resurrection in Paul brings from the text of 1 Corinthians 1535-49 where
the apostle develops and argues his eschatological thinking on this theme To
follow this path this article proposes to explain some methodological points
relevant to the exegetical exercise of this Pauline narrative supported by the
theoretical references ―The Resurrection of the Son of God and ―Paul New
perspectives by Wright In order to develop this thinking and consider the
arguments within this new theological view of the theme
Key-Words Discourse Paul Resurrection Corporeal 1Corinthians 15
autora Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Angelaaleixo72yahoocom
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INTRODUCcedilAtildeO
Considerada como doutrina central da teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea tem sua histoacuteria narrada em diferentes porccedilotildees biacuteblicas do Novo
Testamento Nos evangelhos canocircnicos Jesus anuncia sua morte e ressurreiccedilatildeo
sobre a afirmaccedilatildeo de que este eacute o plano de Deus Pai para com a humanidade
Em especial podemos ver entretecidas na teologia cristatilde mais antiga as cartas
paulinas que registram a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus Entendemos que estas
foram escritas por volta de duas deacutecadas apoacutes a morte de Cristo denotando assim
neste periacuteodo a firme crenccedila dos cristatildeos neste evento escatoloacutegico
Sobre a crenccedila de que a ressurreiccedilatildeo em princiacutepio tinha acontecido Paulo
exorta e instrui os seguidores de Jesus a reordenar suas vidas suas narrativas
seus siacutembolos e sua praacutexis para estarem em conformidade com o segmento
desta doutrina escatoloacutegica na poacutes-morte Neste sentido podemos dizer que os
ensinamentos de Paulo se tornaram um elemento chave da tradiccedilatildeo e da teologia
cristatilde Mais do que isso nosso pressuposto eacute de que a teologia paulina nos
fornece um desenvolvimento narrativo sobre a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea
Contudo num segundo olhar a esse discurso temaacutetico podemos levantar
um questionamento Que novidade este tema tatildeo debatido pode nos apresentar
Este ensaio exegeacutetico procuraraacute mostrar que a novidade norteadora desse
discurso paulino se concentra no uacutenico eixo narrativo a da tipologia corpoacuterea que
eacute alcanccedilado na poacutes-morte com a ressurreiccedilatildeo do corpo Ou seja a aceitaccedilatildeo na
crenccedila de que haveraacute no futuro escatoloacutegico um corpo glorioso e totalmente outro
Atraveacutes de uma nova abordagem ele desenvolve seu discurso temaacutetico a partir da
narrativa de 1Coriacutentios (153549)
Para tanto Paulo parte da descriccedilatildeo dos diferentes tipos de carnes de
animais de aves de peixes do sol da lua e das estrelas num evolutivo
pensamento Tendo como cerne discursivo o enunciado de que entre os corpos
tambeacutem haacute diferentes tipologias pois sua afirmativa eacute de que assim como existe o
corpo natural tambeacutem existe o corpo espiritual Desta forma neste texto Paulo
relata analogicamente o primeiro Adatildeo (corpo natural) em relaccedilatildeo ao segundo
Adatildeo Cristo (corpo espiritual) demonstrando que nele estaacute impliacutecito a memoacuteria
narrativa de Gn 1-3 cuja ecircnfase estaacute na criaccedilatildeo
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Assim este ensaio exegeacutetico de 1Cor (15 35-49) pretende analisar o
discurso paulino acerca da ressurreiccedilatildeo do corpo e verificar como ele discorreu
essa narrativa a conflitante comunidade de Corinto A fim de desenvolvermos este
ensaio utilizaremos alguns passos do meacutetodo histoacuterico-criacutetico como orientaccedilatildeo
todavia sem nos fixarmos nesta uacutenica metodologia54 Seguiremos com a anaacutelise
das caracteriacutesticas formais da periacutecope (delimitaccedilatildeo conteuacutedo literaacuterio e gecircnero
textual) e a finalizaccedilatildeo metodoloacutegica seraacute com um breve comentaacuterio quanto
articulaccedilatildeo do discurso paulino em todo capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO
35 Mas diraacute algueacutem Como ressuscitam os mortos E com que espeacutecie de
corpo vecircm 36 Insensato Tu o que semeias natildeo eacute vivificado se primeiro natildeo
morrer 37 E o que semeias natildeo semeia o corpo que tornaraacute mas (semeia) um
gratildeo nu como de trigo ou de outros gratildeos 38 Poreacutem Deus concede por si
mesmo o corpo conforme desejar e a cada uma das sementes (Ele) concede o
corpo proacuteprio dela 39 Nem toda carne (eacute) a mesma carne mas uma eacute a carne
dos homens outra eacute a carne de gados outra a carne de peixes e outras de aves
40 E (haacute) corpos celestes e corpos terrestres mas uma (eacute) a gloacuteria dos celestes
e outra (eacute) a gloacuteria dos terrestres 41 Uma eacute a gloacuteria do sol outra eacute a gloacuteria da
lua outra a gloacuteria das estrelas pois uma estrela difere em gloacuteria de outra estrela
42 Assim tambeacutem eacute a ressurreiccedilatildeo dos mortos O eacute semeado em corruptiacutebilidade
e ressuscitado em incorruptibilidade 43 Eacute semeado em desonra ressuscitado em
gloacuteria eacute semeado em fraqueza e ressuscitado em poder 44 Eacute semeado corpo
natural eacute ressuscitado corpo espiritual pois existe o corpo natural e existe o
corpo espiritual 45 Como tambeacutem estaacute escrito O primeiro homem Adatildeo tornou-
se alma vivente o uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante 46 Entretanto natildeo eacute
primeiro o espiritual mas o natural depois disso o espiritual 47 O primeiro
homem eacute proveniente de dentro da terra terreno o segundo homem eacute
proveniente de dentro do ceacuteu celestial 48 Tal como o terrestre (feito) do poacute
tambeacutem satildeo os terrenos e tal como (aquele) que eacute celestial tambeacutem satildeo os
54
A metodologia empregada seraacute a junccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico com a metodologia de ZABATIERO Julio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
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celestiais 49 E assim como trouxemos a imagem do terrestre traremos tambeacutem
a imagem do celeste55
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS
A anaacutelise das caracteriacutesticas formais de um texto eacute uma das bases para a
anaacutelise de conteuacutedos Trata-se de uma etapa fundamental para reunirmos
informaccedilotildees a respeito de suas caracteriacutesticas literaacuterias Assim para esta anaacutelise
desenvolveremos os seguintes passos delimitaccedilatildeo coesatildeo contexto literaacuterio
estruturaccedilatildeo da periacutecope gecircnero textual
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope
A delimitaccedilatildeo de um texto eacute fundamental para estabelecermos os limites
iniciais e finais a fim de reconhecermos a mensagem do texto de fazermos o
recorte textual correto Para isso esta anaacutelise levaraacute em consideraccedilatildeo a narrativa
de 1Coriacutentios (1535-49) como uma uacutenica periacutecope cuja segmentaccedilatildeo56 estaacute em
(35-38 39-44 45-49)
Num primeiro olhar da narrativa estes trecircs segmentos contidos nesta
periacutecope pode parecer desconexos quanto ao contexto integral Contudo ao
analisarmos o texto percebemos que eles se alternam entre si Esta eacute a proposta
da Biacuteblia de Jerusaleacutem (BJ) que demonstra em sua composiccedilatildeo uma estrutura na
qual cada estrofe salienta os temas tratados Assim entendemos que a junccedilatildeo
entre estes temas conjunccedilotildees e adveacuterbios contidos no texto satildeo as marcas
linguiacutesticas que melhor nos auxilia quanto agrave observaccedilatildeo de mudanccedilas nestas
narrativas
Observando o contexto literaacuterio anterior (vv29-34) notamos a mudanccedila de
assunto e de linguagem em relaccedilatildeo agrave narrativa dos versos (35-49) Isso porque a
linguagem desta periacutecope apresenta uma espeacutecie de parecircnteses ou seja uma
breve treacutegua apoacutes uma densa e complexa argumentaccedilatildeo sobre a ressurreiccedilatildeo
55
Um proacuteximo item metodoloacutegico nesta pesquisa seria a criacutetica textual Contudo ao averiguarmos este ponto constatamos que haacute vaacuterias variantes que natildeo apresentam nenhuma alteraccedilatildeo significativa na narrativa Por isso optamos em trabalhar por Nestle Alan descartando assim o exerciacutecio analiacutetico da mesma 56
―Segmentaccedilatildeo eacute um procedimento idecircntico ao da delimitaccedilatildeo mas restrito aos limites da proacutepria periacutecope utilizada aqui como passo metodoloacutegico por ZABATIERO J In Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007 p37
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um estilo entrecortado frases curtas raacutepidas mudanccedilas de tema Entendemos
que o assunto tratado aqui por Paulo exibe um foco mais antropoloacutegico De Cristo
ele passa a falar de si e dos perigos que constantemente enfrenta ao disseminar
sua teologia (v30)
Ele comeccedila seu discurso com duas perguntas sobre o batismo pelos
mortos (v29) Ambas principiadas pela conjunccedilatildeo ―se Ἐπεὶ como reflexatildeo da
questatildeo Segue falando de uma luta com feras em Egravefeso (v32) e concluiacute com
uma advertecircncia a comunidade O de natildeo se enganarem quanto agrave verdadeira
teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo dos mortos (vv33-4) evidenciado pelo verbo ―tornai
genomai tendo como fio condutor desta periacutecope o elo entre a vida presente e a
futura
A delimitaccedilatildeo desta periacutecope eacute uma questatildeo que varia entre os
pesquisadores Vejamos a posiccedilatildeo de alguns deles quanto a isso
Ao pesquisar esta questatildeo percebemos que grande parte dos
pesquisadores corroboram com a delimitaccedilatildeo semelhante agrave de Vouga que trata
do tema ―do corpo espiritual dos ressuscitados numa uacutenica narrativa sem
subdivisotildees (vv35-4957) Jaacute um grupo menor de pesquisadores nos apresenta
uma estrutura similar entre eles mas com alguns pontos divergentes Vejamos
algumas destas estruturas
De acordo com Konings a delimitaccedilatildeo deste texto segue a seguinte
estrutura ―Na respostas as perguntas (v35) Paulo recorre a algumas
comparaccedilotildees exemplificativas (vv36-41) manteacutem o tema da semeadura (vv42-
4) e discorre sobre os dois corpos (vv 45-958) Fitzmyer vai agrave outra vertente e
delimita o texto da seguinte forma ―A fim de dar respostas (v35) Paulo faz
analogias de sementes (vv36-41) e depois faz as aplicaccedilotildees destes
ensinamentos (vv 42-959)
Jaacute Wright ao delimitar esta narrativa a divide em dois blocos ―o primeiro
nos (vv 35-41) onde Paulo discorre sobre as diferenciaccedilotildees dos corpos
(terrestres e celestes) o segundo nos (vv42-9) elabora um contraste explicativo
57
VOUGA F MARGUERRAT Daniel (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 p 238 58
KONINGS J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 pp 368-9 59
JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa)
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sobre as duas espeacutecies de corpos60 culminando nas respostas as duas
perguntas lanccediladas no iniacutecio da narrativa (v35)
A narrativa de 35-49 compotildee a periacutecope central desta pesquisa e sua
anaacutelise seguiraacute a estrutura dos segmentos mencionados acima
Primeiro segmento de 35-8 No verso 35 o foco do discurso muda Apoacutes
ter discutido com a comunidade sobre a ressurreiccedilatildeo como fato Paulo agora se
volta agrave questatildeo da modalidade Iniciando o discurso pela conjunccedilatildeo ―mas Ἀλλὰ
Paulo agora pergunta pelo ―como e pela ―mecacircnica do processo da
ressurreiccedilatildeo cuja centralidade estaacute na questatildeo do corpo Paulo demonstra reagir
com dureza a estas questotildees (v36) e argumenta utilizando a analogia do gratildeo de
trigo (vv36-8)
Segundo segmento de 39-44 A partir do verso 39 o Apoacutestolo manteacutem a
temaacutetica mas dirige agora a atenccedilatildeo para criaccedilatildeo ou seja da semente das
plantas se volta para a carne Iniciando a narrativa com o adveacuterbio ―nem (οὐ) ele
passa a discursar sobre as diferentes espeacutecies criadas por Deus como os animais
domeacutesticos os paacutessaros e os peixes
Discorre tambeacutem sobre os ―corpos terrestres caracterizado pela palavra
grega σὰρξ sarx (vv39-43) e continua a narrativa em termos antropoloacutegicos
(v44) Evidencia os diferentes tipos de carne no intuito de ilustrar a diferenccedila do
corpo da ressurreiccedilatildeo na poacutes-morte Pois para Paulo a ressurreiccedilatildeo acarretaraacute
em uma metamorfose do corpo humano
Terceiro segmento de 45-9 Nestes versos Paulo atinge seu aacutepice
discursivo acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Utilizando o adveacuterbio Πῶρ (como) ele
agora discorre sobre a tipologia do primeiro homem Adatildeo e do uacuteltimo Cristo para
tipificar a transformaccedilatildeo do corpo natural em um corpo espiritual como esperanccedila
escatoloacutegica Nesta narrativa Paulo conclui o desenvolvimento de seu discurso
apocaliacuteptico sobre ressurreiccedilatildeo do corpo a Corinto Assim com essa mesma
temaacutetica encerra-se a periacutecope no v49
O contexto literaacuterio posterior (vv50-8) tambeacutem assume uma mudanccedila de
assunto e linguagem em relaccedilatildeo agrave (vv35-59) Na forma de uma declaraccedilatildeo
enfaacutetica Τοῦηο ―Eis que Paulo agora tenta direcionar a atenccedilatildeo da comunidade
para o que se segue (v50) Confidecircncia aos coriacutentios sua convicccedilatildeo de que nem
60
WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013 pp 481-500
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todos morreratildeo antes do fim dos tempos E o que caracterizaraacute este momento
seraacute a parousia (retorno) de Cristo (v51)
O Apoacutestolo atribui a caracteriacutestica de ―rapidez a este processo de
transformaccedilatildeo do corpo ressurreto (vv52-3) Destaca que a ecircnfase central deste
paraacutegrafo estaacute na transformaccedilatildeo necessaacuteria para aqueles atualmente vivos para
que possam fazer parte do reino Segue dizendo nos versos (54-5) que a forccedila
central desta metamorfose estaacute no fato de que ―como os mortos seratildeo
ressuscitados ―incorruptiacuteveis (vv52-4) assim ―noacutes os vivos seremos
―transformados (allagesometha61) E utiliza a conjunccedilatildeo ―assim Ὥζηε ao
concluir este discurso tendo como linguagem a forma de um hino de louvor triunfal
sobre a morte (v58)
Notamos portanto que o texto de 1Coriacutentios (1535-49) estaacute bem
delimitado e literariamente conectado com as periacutecopes ao seu redor embora
seja uma uacutenica unidade de sentido Essa perspectiva literaacuteria nos auxiliaraacute a
compreender a relevacircncia dessas palavras agrave comunidade de Corinto
13 - Coesatildeo do Texto
Esta unidade de sentido delimitada na narrativa (1535-49) apresenta
repeticcedilotildees de vaacuterios termos e sinocircnimos que mantecircm coesa a periacutecope
O verso (35) inicia com a ocorrecircncia de trecircs expressotildees importantes a
ἐγείπονηαι satildeo ressuscitados o νεκποί satildeo mortos e o ποίῳ swmati com que
espeacutecie de corpo Isso se deve aos conteuacutedos decorrentes do texto salientadas
pelas expressotildees semear e ressuscitar As palavras ζπείπειρ semeias e
ἀποθάνῃ morrer descritas no verso 36 indicam natildeo significados diferentes mas
o mesmo sentido de morte Tendo como objeto comum entre elas a palavra ζῶmicroα
corpo no verso 37
Na narrativa de 38-40 as palavras ζὰπξ carne e ζῶmicroα corpo se alternam
entre si indicando tambeacutem o mesmo significado corposubstacircncia As expressotildees
ἀνάζηαζιρ ressurreiccedilatildeo e νεκπῶν mortos no verso 42 apresentam os dois
estaacutegios do corpo E nos versos 43-4 o fio condutor desta periacutecope eacute ressaltado
pelas palavras ζπείπεηαι semeado e ἐγείπεηαι ressuscitado
61
IDEM pp500-1
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A narrativa de 45-9 ressalta atraveacutes de algumas expressotildees a mesma
temaacutetica do segmento anterior (vv38-44) os dois estaacutegios corpoacutereos As
expressotildees τςσὴν alma e πνεῦmicroα espiacuterito no verso 45 τςσικόν natural e
πνεςmicroαηικόν espiritual no verso 46 e σοφκόρ terreno e οὐπανοῦ ceacuteu no verso
(47) autenticam no texto os dois estaacutegios do corpo o atual e futuro Assim
podemos dizer que de modo geral os verbos ἀποθάνῃ morrer ζπείπειρ
semear e ἐγείπεηαι ressuscitar juntamente com o substantivo ζῶmicroα corpo
perpassam toda a periacutecope O restante do texto eacute decorrente da accedilatildeo da fala ou
estaacute ligada a ela
Assim observamos que haacute coesatildeo nesta periacutecope E que seu fio condutor
estaacute na dinacircmica do semear e ressuscitar do corpo na moldura especifica de cada
estaacutegio atual e futuro da poacutes-morte Trata-se portanto de uma unidade de
sentido delimitada e coesa
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO
O contexto literaacuterio de um texto busca mostrar a forma de escrita das
cartas de Paulo bem como identificar suas composiccedilotildees e a correlaccedilatildeo interna
entre o pensamento e os escritos paulinos a fim de observar a estrutura e a
dinacircmica do texto
A carta de 1Coriacutentios segue um formato mais ou menos padratildeo ou seja
detectaacutevel na maioria das cartas do Novo Testamento Algumas cartas satildeo tatildeo
longas que podem ser consideradas como carta ensaio A carta de 1Coriacutentios 15
eacute considerada pela maioria dos pesquisadores de conteuacutedo extensa podendo ser
escritas de vaacuterias maneiras
Neste sentido Brown diz que embora natildeo demonstre a divisatildeo necessaacuteria
dos pensamentos dos escritores de modo geral ―pode-se distingui-la em quatro
partes 1) Foacutermula introdutoacuteria 2) Accedilatildeo de graccedilas 3) Corpo ou mensagem 4)
Foacutermula conclusiva62 Este estilo divisoacuterio nas cartas eram comuns no Novo
Testamento o que favorecia a leitura e interpretaccedilatildeo da mesma
Em relaccedilatildeo ao puacuteblico na qual elas se destinavam Brown diz que de toda a
coleccedilatildeo de cartas do Apoacutestolo Paulo ―somente algumas das cartas do Novo
Testamento satildeo endereccediladas a comunidades numa cidade ou cidades
62
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 pp552-3
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especiacuteficas as outras poreacutem podem ter em mente cristatildeo com uma heranccedila
particular ()63 Em contra partida Vouga entende que as cartas do Apoacutestolo
Paulo satildeo ―destinadas as respectivas comunidades previamente conhecidas por
ele a fim de responder questotildees precisas e de reagir a problemas particulares
surgidos64
Nesta questatildeo concordamos com Vouga pois Paulo contava
constantemente com o auxiacutelio de cooperadores locais para escrever suas cartas
Esta afirmaccedilatildeo eacute evidenciada na narrativa de 1Coriacutentios (11-2) ―Paulo chamado
a ser Apoacutestolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus e Soacutestenes o irmatildeo a
igreja de Deus que estaacute em Corinto aos que foram santificados no Cristo Jesus
chamados a ser santos com todos os que invocam em todo lugar o nome de
nosso Senhor Jesus Cristo Senhor deles e nossordquo Assim eram os cooperadores
que forneciam as informaccedilotildees acerca dos conflitos existentes em Corinto O que
auxiliava Paulo quanto agrave direccedilatildeo do conteuacutedo especiacutefico a ser escrito a
comunidade
Neste sentido Berger diz que ―muitas vezes trata-se de um relacionamento
em triacircngulo eu-tu-ele ou eu-voacutes-ele65 Ou seja a dinacircmica desta relaccedilatildeo
triangular permitia um contato constante entre Paulo o cooperador e a
comunidade nas questotildees a serem resolvidas Assim estas informaccedilotildees serviam
como ponto de partida para elaboraccedilatildeo das cartas paulinas
Podemos dizer que na carta de 1Coriacutentios 15 o primeiro objetivo praacutetico
natildeo se exprime por meios de imperativos ou exortaccedilotildees mas sim por meios de
explicaccedilotildees e afirmaccedilotildees acerca da ressurreiccedilatildeo dos mortos Contudo este
objetivo se encontra impliacutecito na comunicaccedilatildeo de seu discurso neste capiacutetulo E
embora toda a narrativa deste capiacutetulo nos apresente o tema da ressurreiccedilatildeo satildeo
nos versos (35-49) que o Apoacutestolo especifica esta temaacutetica ao falar do corpo
ressurreto dos mortos na poacutes-morte
Um aspecto perceptiacutevel nesta exposiccedilatildeo discursiva eacute que Paulo se dirige a
toda a Corinto e natildeo somente ao grupo de ceacuteticos que questionavam a
ressurreiccedilatildeo do corpo De acordo com DETTWILER amp KAESTLI ainda que ―Paulo
saiba que na comunidade ―alguns negam a ressurreiccedilatildeo dos mortos (v12) ele
63
IDEM p550 64
VOUGA p233 65
BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 p253
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natildeo se dirige a eles mas a ―voacutes da comunidade a fim de dissuadi-la de partilhar a
posiccedilatildeo negativa da maioria66
Ao usar o termo ―voacutes o Apoacutestolo abrange a todos seu discurso retoacuterico
deixando assim impliacutecito a ambiguidade peculiar das cartas paulinas Ou seja
nesta narrativa central ele previne toda comunidade contra essa e outras
correntes filosoacuteficas contraacuterias ao cristianismo ao mesmo tempo em que refuta
indiretamente o grupo ceacutetico existente em Corinto
Em relaccedilatildeo agrave literatura das cartas de Paulo podemos dizer que em geral
elas apresentam um contexto de ―comunicaccedilatildeo estabelecido pelo Apoacutestolo que eacute
com efeito paradoxal ()67 Na periacutecope (vv35-49) encontramos este contexto
de comunicaccedilatildeo por parte do Apoacutestolo Nele Paulo utiliza natildeo soacute o paradoxo
mas tambeacutem outras formas literaacuterias para autenticar seu discurso Vejamos agora
algumas destas formas
O texto inicia com duas perguntas cruciais que conduz toda a narrativa
Nos versos 36-41 Paulo extraiu vaacuterias analogias sobre a diversidade de sementes
e organismos a fim de responder a primeira pergunta ―Como (Πῶρ) ressuscitam
os mortos (v 35a) Colzemann diz que Paulo ―em estilo de diatribe68 solta o
novo tema apresentado pelo Como69
A palavra ἄθπυν (insensato) que precede esta pergunta denota um estilo
de discussatildeo na narrativa E ao discutir esta questatildeo Paulo ressalta a oposiccedilatildeo
ou seja a objeccedilatildeo que tinha sido realmente levantada por um grupo de ―ceacuteticos
existentes em Corinto Segundo Colzemann ―o texto nos apresenta uma resposta
tripla (1) vv 36-8 (2) vv 39-44 (3) vv 45-970 reforccedilando a proposta de nossa
estrutura de segmentos Observamos portanto que nestas narrativas a teologia
paulina da ressurreiccedilatildeo natildeo admitia a existecircncia sem um corpo Seja ela no
tempo presente com caraacuteter apocaliacuteptico ou no tempo futuro com caraacuteter
escatoloacutegico
66
DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor 67
VOUGA p233 68
De acordo com Fitzmayer 2008 p 591 diatribe eacute uma forma dialoacutegica de argumentaccedilatildeo desenvolvida por certos professores como Bion Borys Thenite (ca 325-255 aC) Teles (fl 235 cabc) Dio Crisoacutestomo de Prusa (ad 40-112 []) Musonius Rufus (ca DC 30-102) e de Epicteto Hieraacutepolis (ad-55-135) Eacute utilizada nas escolas ciacutenicas e estoacuteicas da filosofia Foi um discurso pedagoacutegico realizado em debate animado e estilo de conversaccedilatildeo familiar com um interlocutor real ou imaginaacuterio que foi salpicado com apoacutestrofo proveacuterbios perguntas retoacutericas paradoxos paroacutedias antiacuteteses e fala fictiacutecia 69
COLZEMANN 1Corinthians Printed in the United States of American 1975 p280 70
IDEM 280 (traduccedilatildeo nossa)
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Paulo a partir de agora conduz seu discurso em duas perspectivas De
aplicar as implicaccedilotildees destas instruccedilotildees para a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea dos cristatildeos
falecidos e de procurar dar uma resposta apocaliacuteptica a segunda pergunta
definida por ποίῳ δὲ ζώmicroαηι ἔπσονηαι ―Com que espeacutecie de corpo vecircm
(v35b) De acordo com Fitzmyer
―Sua resposta definitiva eacute dada no versiacuteculo 44a desta periacutecope um corpo espiritual eacute elevado e em v 44b ele argumenta a minori ad maius Eacute no entanto apresentado de uma forma mais completa quando ele menciona mais trecircs qualidades desse corpo impereciacuteveis vestida de esplendor e poderosos Assim numa seacuterie de diacutesticos paralelos (vs42b-44a) quatro qualidades do corpo ressuscitado satildeo apresentados em oposiccedilatildeo a quatro qualidades do corpo humano terrestre Quatro antiacuteteses satildeo expressas pelos verbos passivos divinos speiretai-egeiretai Considerando que o atual corpo humano eacute pereciacutevel sem honra fraco e animado (psychikon) o corpo humano da ressurreiccedilatildeo seraacute incorruptiacutevel radiante poderoso e espiritual (pneumatikon)
71
Estas palavras de Fitzmyer vecircm corroborar nossa anaacutelise Na frase
―semeado em corruptibilidade desonra fraqueza e ressuscitado em
incorruptibilidade gloacuteria poder (vv42b-4a) a forma literaacuteria diacutestica paralela
construiacuteda por Paulo ressalta seu pensamento jaacute dito sobre a morte e
ressurreiccedilatildeo do corpo
Em forma de antiacutetese ele discorre sobre as qualidades e defeitos dos
corpos terrestres τςσικόν (natural) e ressuscitados πνεςmicroαηικόν (espiritual) cuja
acentuaccedilatildeo estaacute nos verbos ζπείπεηαι (semeado) e ἐγείπεηαι (ressuscitado) E
concluiacute seu discurso nos versos (44b-9) descrevendo uma comparaccedilatildeo de
criaccedilatildeo o ―primeiro homem Adatildeo com o ―uacuteltimo Adatildeo Cristo introduzindo nele
o aspecto escatoloacutegico
Assim entendemos que a periacutecope (vv35-49) agrega diferentes formas
literaacuterias Todavia esta composiccedilatildeo de formas variadas eacute compreensiacutevel uma vez
que Paulo escrevia as cartas com o auxiacutelio e talvez ateacute com opiniotildees de seus
cooperadores que conheciam bem a comunidade Esta variedade literaacuteria
enriquece e potencializa o tema tratado por Paulo neste caso a ressurreiccedilatildeo do
corpo na poacutes-morte Vejamos agora como Paulo estrutura este discurso
apocaliacuteptico e escatoloacutegico da ressurreiccedilatildeo
71
JOSEPH p591 (traduccedilatildeo nossa) Grifo do autor
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3 ESTRUTURACcedilAtildeO DE 1CORIacuteNTIOS 1535-49
Este discurso tem sido estruturado de diversas formas pelos exegetas
Mas ao atentar para o texto podemos detectar uma estrutura mnemocircnica da
narrativa isto eacute uma forma repetitiva de expor algo As repeticcedilotildees por sua vez
consistem em desenvolver e explanar a teologia paulina acerca da ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea agrave comunidade de Corinto Portanto a opccedilatildeo deste ensaio exegeacutetico eacute de
estruturar o texto a partir dele mesmo observando a relaccedilatildeo interna entre frases e
segmentos Sendo assim vejamos como eacute descrita esta estrutura textual
A 1ordm Segmento (35-8)
a Apresenta questotildees sobre o ―como (v35a) e a mecacircnica ―espeacutecie de
(v35b)
b Oponecircncia aos ceacuteticos e afirmaccedilatildeo sobre o semearmorrer (v36)
c Explicaccedilatildeo acerca do processo de semeadura (v37)
d A concessatildeo divina dos tipos de corpos (v38)
B 2ordm Segmento (39-44)
a Menccedilatildeo da tipologia das carnes (v39)
b Comparaccedilatildeo entre os corpos terrestrescelestes (v40)
c Diferenciaccedilatildeo da gloacuteria entre os luminares (v41)
d Conclusatildeo da analogia e da tipologia de corpos (v42a)
e Semeado em corruptibilidade
Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
f Semeado em desonra
Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
g Semeado em fraqueza
Ressuscitado em poder (v43b)
h Semeado corpo natural
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Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
i Pois existe o corpo natural
E o corpo espiritual (v44b)
C 3ordm Segmento (45-9)
a Argumentaccedilatildeo teoloacutegica com base nas Escrituras (v45a)
b O primeiro homem Adatildeo tornou-se alma vivente (v45b)
c O uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante (v45c)
d A ordem existencial dos corpos (v46)
e O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a)
f O segundo homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
g Tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a)
h Tal como celestial satildeo os celestes (v48b)
i Conclusatildeo Assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a)
j Traremos tambeacutem a imagem do celeste (v49b)
O primeiro segmento dos versos (35-8) foi estruturado com uma subdivisatildeo
a fim de analisarmos com mais nitidez a articulaccedilatildeo paulina neste discurso Desta
forma temos
A primeira divisatildeo nos apresenta dados gerais da carta (v35) Nesta
narrativa observamos que ela estaacute direcionada a comunidade ou mais
precisamente aos ceacuteticos de Corinto Seu conteuacutedo discorre sobre os dois tipos
de corpos (celestesterrestres) cuja conclusatildeo (v49) responde as duas questotildees
cruciais apresentadas no iniacutecio da narrativa Assim eacute pertinente afirmar que
introduccedilatildeo e conclusatildeo estatildeo relacionadas no texto
A segunda divisatildeo se inicia com a construccedilatildeo discursiva do pensamento
paulino sobre estas questotildees (vv36-8) De forma linear Paulo comeccedila afirmando
a necessidade de semearmorrer (v36) segue explicando o processo de
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semeadura (v37) e termina este segmento argumentando que a origem dos tipos
de corpos eacute de concessatildeo divina (v38)
O segundo segmento dos versos (39-44) traz uma estrutura longa e de
dupla composiccedilatildeo
Na primeira composiccedilatildeo Paulo continua na forma linear Ele expotildee a
tipologia das carnescorpos existentes (v39) e segue o discurso numa linha
comparativa entre os dois tipos de corpos terrestrescelestes (v40) Abrange seu
pensamento ao falar e exemplificar sobre as diferenccedilas de gloacuteria entre os
luminares (v41) e termina esta composiccedilatildeo tipoloacutegica retomando a questatildeo da
analogia de corpos (v42 a) Nesta estrutura de versos podemos visualizar a
forma loacutegica e clara paulina de difundir sua teologia a comunidade sobre os dois
tipos de corpos
Na segunda composiccedilatildeo Paulo apresenta um jogo mnemocircnico ou seja
ele enfatiza as repeticcedilotildees a fim de autenticar a dinacircmica da morte e da
ressurreiccedilatildeo Alternando-as na narrativa atraveacutes dos verbos semeado ζπείπεηαι
e resuscitado ἐγείπεηαι (vv42b-44a) Nesta dinacircmica estes dois verbos satildeo
seguidos de substantivos que paralelamente destacam as oposiccedilotildees tambeacutem de
forma alternada Vejamos agora esta estrutura de outra forma para que possamos
visualizar com mais clareza os paralelos entre os verbos e seus respectivos
substantivos
Semeado em corruptibilidade Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
Semeado em desonra Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
Semeado em fraqueza Ressuscitado em poder (v43b)
Semeado corpo natural Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
Pois existe o corpo natural e o corpo espiritual (v44b)
O terceiro segmento dos versos (45-9) continua nesta estrutura mnemocircnica
paralela Entretanto o destaque desta dinacircmica narrativa abrange duas vertentes
teoloacutegicas que tem como base as Escrituras (v45a)
A primeira vertente estaacute ligada agrave ordem existencial do corpo da
ressurreiccedilatildeo caracterizado em sua narrativa pela palavra grega ππῶηορ primeiro
e ἔζσαηορ uacuteltimo Esta classificaccedilatildeo ordinaacuteria elaborada por Paulo expressa
paralelamente a relaccedilatildeo entre o primeiro homem Adatildeo alma vivente (45b) e o
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uacuteltimo Adatildeo espiacuterito vivificante (v45c) Ele continua este discurso explanando
esta questatildeo ordinaacuteria da existecircncia dos corpos (v46) destacando agora sua
origem O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a) e o segundo
homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
Jaacute a segunda vertente estaacute ligada a tipologia dos dois corpos
caracterizados pelas palavras gregas σοφκόρ terrestre e ἐποςπάνιορ celeste No
intuito de culminar seu discurso a comunidade Paulo entatildeo faz uso das
expressotildees comparativas tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a) e tal como
celestial satildeo os celestes (v48b) para autenticar essa diferenccedila Desta forma
utilizando estas expressotildees comparativas ele concluiacute seu raciociacutenio teoloacutegico
dizendo assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a) traremos tambeacutem
a imagem do celeste (v49b)
Portanto podemos dizer que tanto a introduccedilatildeo como a conclusatildeo se
repetem no termo desta carta cuja literatura estiliacutestica apresenta formas diacutesticas
paralelas repeticcedilotildees oposiccedilotildees discussotildees antiacuteteses e escatologia formando
assim a moldura do nosso texto
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO
As cartas do Novo Testamento de modo especial as paulinas
destinavam-se agrave leitura em voz alta com o alvo de convencer
―Consequentemente tal como discursos elas podem ser consideradas retoacutericas
no que diz respeito agrave autoridade do escritor agrave qualidade do escrito e ao efeito
desejado sobre o puacuteblico72 Ao escrever para os coriacutentios Paulo assevera que se
sua carta natildeo for recebida iraacute e falaraacute pessoalmente com a comunidade
(2Cor131-5) De acordo com Brown
Argumentaccedilatildeo demonstrativa ou epidiacutetica como os discursos feitos em celebraccedilotildees puacuteblicas destinam-se a agradar ou inspirar as pessoas reafirmando crenccedilas e valores comuns e angariando o apoio para as empreitadas do momento Paulo muitas vezes escreve para encorajar seus convertidos louvando-lhes a feacute e a observacircncia A guisa de aplicaccedilatildeo C B Puskas Jr (The Letters of Paul an introduction [As Cartas de Paulo uma introduccedilatildeo] Collegeville Liturical 1993 pp 37-38 59-61 76-77) classifica Gaacutelatas 1Coriacutentios e Romanos como retoacutericas
72
BROWN p552
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judicial deliberativa demonstrativa respectivamente e oferece paralelos greco-romanos para cada um
73
Contudo aconselha-se prudecircncia nas tentativas de detectar modelos
retoacutericos sofisticados Neste sentido uma hipoacutetese pode ser considerada a de
que as diferentes formas de argumentaccedilatildeo podem ter sido simplesmente
respostas inconscientes ao que devia ser feito
―argumentativa ou exortativa (semelhante agrave retoacuterica forense e deliberativa) algumas passagens dos escritos de Paulo podem ser influenciados pela rib ou riv (um ato lituacutergico contratual no qual Deus leva seu povo ao tribunal Is 313-5 Mq 61ss) e natildeo (apenas) pela retoacuterica greco-romana O reconhecimento de exageraccedilotildees emotivas de arroubos de eloquecircncia de argumentaccedilatildeo bem ordenada etc eacute significativo para determinaccedilatildeo daquilo que realmente eacute dito Tal reconhecimento poreacutem pode ser obtido sem o conhecimento das regras formais da retoacuterica antiga Assim nem sempre fica claro ateacute que ponto as discussotildees a respeito da classificaccedilatildeo retoacuterica exata satildeo importantes para a interpretaccedilatildeo
74
Na narrativa (vv35-49) Paulo utiliza duas perguntas retoacutericas para discorrer
o assunto Esta forma literaacuteria eacute frequentemente usada por ele em suas cartas por
levantar pontosquestotildees a serem explanadas e argumentadas Podendo ateacute
expressar ―suas exasperaccedilotildees com a situaccedilatildeo a qual ele se refere como em
1Coriacutentios (15 29 30 32 3575)
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15
Observando a carta de 1Coriacutentios podemos dizer que o capiacutetulo 15 natildeo
consiste num tratamento isolado do assunto e natildeo eacute simplesmente o uacuteltimo
toacutepico de uma longa lista Pelo contraacuterio as referecircncias regulares agrave ressurreiccedilatildeo e
ideias cognatas ao longo da carta sugerem com veemecircncia que ―Paulo
considerava esse toacutepico uma das chaves para tudo o mais que queria dizer e
deliberadamente guardou o assunto para o final natildeo porque fosse o fim nesse
sentido mas porque a ressurreiccedilatildeo era o tema unificador desta carta particular76
Entretanto para que seu trabalho de discussatildeo seja eficaz ―Paulo elabora
em 1Coriacutentios 15 uma profunda reflexatildeo centrada na indissoluacutevel conexatildeo entre a
73
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 p552-3 74
IDEM p553 75
JOSEPH p66 (traduccedilatildeo nossa) 76
IDEM p398
135
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ressurreiccedilatildeo passada de Cristo dado elementar da feacute cristatilde e a ressurreiccedilatildeo dos
que estatildeo em Cristo77 Nesta interpretaccedilatildeo Paulo discorre sobre o Cristo que
ressuscitou dos mortos tornando-se a primiacutecia dos que morreram
Com efeito visto que a morte vem por meio de um homem eacute tambeacutem por
meio de um homem que vem a ressurreiccedilatildeo dos mortos Ou seja como todos
morrem em Adatildeo em Cristo todos receberatildeo a vida mas cada um em sua ordem
Primeiro o Cristo depois aqueles que pertencem de Cristo
Em seguida Paulo diz que viraacute o fim Quando ele entregar a realeza a
Deus Pai depois de ter destruiacutedo toda dominaccedilatildeo toda autoridade e todo poder
1Coriacutentios (1520-478) Ele declara nos versos (23b-28) que a vida de todos os
crentes caminham em direccedilatildeo agrave consumaccedilatildeo da morte e da vida na poacutes-morte79
Contudo em seu discurso apocaliacuteptico ele compartilha com Corinto o que chama
de um ―misteacuterio microςζηήπιον mysterion (v51) ressaltando que embora o fim seja
iminente nem todos morreratildeo antes da parousia de Cristo
No intuito de avanccedilar seus interesses frente agrave comunidade Paulo entatildeo se
transforma num dispositivo retoacuterico cujo levantamento de questotildees incluiu toda
Corinto Ele utiliza-se de consultas a seu interlocutor para refletir sobre dois
pontos importantes de sua teologia A continuidade entre a vida presente e a
futura em Cristo e a mudanccedila que teraacute lugar entre o presente e o futuro pois
estas duas questotildees estatildeo interligadas E a forma como ele o faz eacute muito peculiar
De posse dos questionamentos que permeavam a comunidade sobre a
ressurreiccedilatildeo dos mortos e a fim de evitar conflitos diretos com os mesmos Paulo
em sua narrativa (vv35-49) personifica o inquisidor Essa personificaccedilatildeo permite
a comunidade uma identificaccedilatildeo com as perguntas levantadas ao mesmo tempo
em que daacute a ela alguma liberdade para ser abrasiva com o inquisidor fictiacutecio sem
necessariamente vecirc-lo como tal que dirigi um ataque contra eles
Em outras palavras a comunidade pode identificar-se livremente com as
perguntas e Paulo ao atacar o interlocutor atraveacutes dos questionamentos
manteacutem-se distante do calor do ataque Uma estrateacutegia que aparentemente deu
certo
77
DETTWILER A KAESTLI JD MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Ediccedilotildees Loyola Satildeo Paulo 2011 p 93 78
IDEM p93 79
Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa)
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A primeira pergunta da pessoa fictiacutecia ―Como ressuscitam os mortos
(v35a) pode ser de interesse para Corinto mas nunca eacute respondida por si soacute
Isso porque uma vez que Paulo conjurou essa pessoa fictiacutecia em seu discurso ele
eacute livre para administraacute-lo como quiser Ou seja pode dizer o que quiser ou
simplesmente ignorar o que ele diz ―O que importa para Paulo eacute a atenccedilatildeo dos
ouvintes que mediante este procedimento discursivo eacute garantido80 A segunda
pergunta ―com que espeacutecie de corpo vem (v35b) faz referecircncia ao corpo
tornando-se assim a partir de agora o foco das reflexotildees de Paulo neste capiacutetulo
15 de 1Coriacutentios
Seguindo a narrativa (v36) o Apoacutestolo repreende a pergunta chamando a
pessoa fictiacutecia de ―insensato Inicialmente natildeo fica claro para o leitorreceptor
desta carta se a pessoa fictiacutecia eacute caracterizada insensata pela primeira ou
segunda pergunta Contudo essa ambiguidade eacute esclarecida quando Paulo
abandona a primeira pergunta e centra-se na elaboraccedilatildeo de seu argumento na
segunda pergunta as diferenccedilas de corpos Sem duacutevidas este passa a ser um
ponto importante no discurso da ressurreiccedilatildeo paulina a ser elaborada
A fim de discorrer seu discurso com clareza Paulo se utiliza das analogias
mais baacutesicas e dos fenocircmenos observaacuteveis disponiacuteveis para a experiecircncia de
cada ser humano Por isso ele elabora um raciociacutenio que envolve de forma geral
a natureza cuja classificaccedilatildeo seraacute abordada em dois pontos principais
O primeiro ponto eacute o entendimento de que o que se planta eacute e natildeo eacute o que
cresce Exemplificando esta afirmaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que se plantarmos uma
semente de nabo podemos natildeo ter um rabanete Embora o que se colhe eacute
realmente muito diferente da semente plantada o pensamento ainda eacute o rabanete
Em outras palavras Paulo estaacute dizendo que o corpo natural hoje seraacute o corpo
espiritual da ressurreiccedilatildeo poreacutem diferente pois transformaccedilatildeo que ocorreraacute nele
o faraacute totalmente outro
Nesta linha condutora de raciociacutenio Paulo afirma que assim eacute com a
ressurreiccedilatildeo dos mortos (v42) reprisando a imagem de semeadura relatada nos
(vv36-7) Desta forma o Apoacutestolo ressalta as distinccedilotildees entre o que se semeia e
o que eacute colhido ou seja natildeo nega o que haacute (sementecorpo) mas ao mesmo
tempo sua retoacuterica demonstra uma continuidade fundamental e metamorfoseada
na ressurreiccedilatildeo
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Ainda utilizando a natureza para confirmar sua teologia discursiva em
Corinto Paulo agora lanccedila matildeo de outros elementos naturais Ele agora engloba
os astros em sua argumentaccedilatildeo afirmando que o mesmo acontece com a gloacuteria
da lua do sol e das estrelas Poreacutem destaca que ateacute entre elas existe diferenccedila
de gloacuteria Ou seja ele demonstra mais uma vez atraveacutes das analogias a
distinccedilatildeo existente na diversidade dos astros para simbolizar a distinccedilatildeo existente
na diversidade dos corpos
O segundo ponto eacute a afirmaccedilatildeo de que ―junto a esta clareza e
confiabilidade tambeacutem haacute misteacuterio e mudanccedila81 Partindo do pressuposto de que
se haacute corpo natural tambeacutem haacute corpo espiritual o Apoacutestolo aplica exemplos que
lhe permitem falar juntamente destes trecircs elementos continuidade diversidade e
transformaccedilatildeo
Por isso descreve os diferentes tipos de corpos e de carnes delegando
esses tipos a pessoas animais domeacutesticos e aves Desta forma ele culmina seu
discurso agrave comunidade autenticando estes elementos quanto aos corpos
terrestres e celestes contudo a transformaccedilatildeo eacute realccedilada por ele em seu
discurso
Para Paulo a continuidade entre o agora e ainda natildeo expressa a dinacircmica
do corpo ou seja os corpos que estatildeo plantados na terra satildeo os mesmos que
seratildeo levantados no ceacuteu Assim ele os leva agrave imagem do homem da terra e
certamente a imagem do homem do ceacuteu em seu discurso Um dado interessante
nesta perspectiva paulina eacute que tanto a ―continuidade como a descontinuidade
satildeo normalmente utilizadas por Paulo em outros lugares como categorias
frequentes de tempo agora e ainda natildeo82 Mas no capiacutetulo de 1Coriacutentios 15 o
uso eacute pela ordem primeiro e uacuteltimo e semeado e ressuscitado ou seja ambas
accedilotildees representam a vida presente de crer e sua vida futura de ser
A fim de concluir este discurso Paulo esclarece que a carne e o sangue
isto eacute os seres humanos que vivem neste mundo natildeo poderatildeo ter acesso ao
reino de Cristo sem esta radical transformaccedilatildeo (vv51-7) Ele destaca esta
importante reivindicaccedilatildeo mas todos seremos transformados no verso (51) e
enfaticamente a reafirma no verso (52) Assim todos os crentes devem ser
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transformados pois natildeo haacute nenhum ser que possa adentrar a vida pronunciada
por Paulo na poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo sem esta metamorfose corpoacuterea
Paulo finda este capiacutetulo com uma oraccedilatildeo de graccedilas a Deus que nos daacute a
vitoacuteria sobre a morte E o relato em seu discurso do toque da trombeta (v52) por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo nos remete a um eco da citaccedilatildeo do capiacutetulo
25 de Isaiacuteas (v8) e de 1Coriacutentios 15(v54) O particiacutepio presente τῷ διδόντι (a
didonti) ―aponta para a accedilatildeo atual e contiacutenua de Deus em trazer e dar aos crentes
a vitoacuteria83
A afirmaccedilatildeo de Paulo eacute de que o processo que estaacute em curso com a morte
de Cristo culminaraacute com a redenccedilatildeo de toda a criaccedilatildeo os crentes Entretanto
como parte desta nova criaccedilatildeo os crentes jaacute desfrutam dos benefiacutecios da
atividade redentora e criadora de Deus
Portanto neste capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios Paulo articula o tema da
ressurreiccedilatildeo corpoacuterea de forma analoacutegica e metafoacuterica com intuito de enredar a
comunidade em seu raciociacutenio loacutegico atraveacutes de elementos da natureza Para
conduzir com clareza o entendimento comunitaacuterio sobre sua afirmaccedilatildeo teoloacutegica e
escatoloacutegica de que ―na ressurreiccedilatildeo dos mortos o corpo que temos hoje seraacute
transformado num totalmente outro
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS
Em suma podemos dizer que em nosso texto (vv35-49) Paulo descreve a
ressurreiccedilatildeo dos mortos em dois estaacutegios ―(primeiro o Messias depois seu povo
quando ele voltar) Quanto ao modo da descontinuidade (concentrado na
distinccedilatildeo entre corrupccedilatildeo e incorrupccedilatildeo e nos dois tipos de humanidade com o
Espiacuterito como o agente da humanidade)84
Neste sentido podemos entender que sua teologia nos convida a enveredar
por uma nova e desafiadora perspectiva acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Pois
nela Paulo demonstra sua crenccedila de que o corpo de Jesus foi transformado num
ato de nova criaccedilatildeo mediante o qual ele natildeo eacute mais corruptiacutevel Onde mediante
Cristo seus adeptos consequentemente teratildeo tambeacutem um corpo incorruptiacutevel na
poacutes-morte
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Assim este artigo procurou averiguar e demonstrar atraveacutes deste ensaio
exegeacutetico o pensamento paulino acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em 1Corintios
15 Onde atraveacutes de uma narrativa analoacutegica Paulo discorreu sobre as tipologias
das carnes para explicar os dois tipos de corpos natural e espiritual Estendendo
esta tipologia para a poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo
Vale ressaltar que essa temaacutetica apocaliacuteptica e escatoloacutegica paulina para
muitos traduz um verdadeiro labirinto cujas informaccedilotildees lhes parecem
fragmentadas Gerando assim certo grau de dificuldade e levado muitos a
pesquisarem outras perspectivas deste complexo assunto Daiacute as diversas
pesquisas que embora nos pareccedilam saturadas ainda proporcionam um vasto
campo a ser desbravado pela ciecircncia
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALAND Nestle Novum Testamentum Graece 27ordf ediccedilatildeo Stuttgart Deutsche Bibelgesellschaft 2001 BERGER Klaus As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 BROWN Raymond A Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 COLZEMANN Hans 1Corinthians Printed in the United States of American Fortress Press 1975 DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor FITZMYER J A First Corinthians A new translation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa) JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa) KONINGS J J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 VOUGA F MARGUERRAT D (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013
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ZABATIERO Juacutelio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
Autora ndash Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Licenciando em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciada em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP)
E-mailAngelaaleixo72yahoocom
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ASPECTOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIAtildeO DE EacuteMILE DURKHEIM
Eacute preciso sentir a necessidade da experiecircncia da observaccedilatildeo ou
seja a necessidade de sair de noacutes proacuteprios para aceder agrave escola das
coisas se as queremos conhecer e compreender
Eacutemile Durkheim
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apontar alguns aspectos da Sociologia
da Religiatildeo de Eacutemile Durkheim Um dos principais nomes da chamada ―sociologia
claacutessica Durkheim foi um dos pioneiros no estudo socioloacutegico da religiatildeo
considerando as praacuteticas e instituiccedilotildees religiosas como um dos principais fatos
sociais que norteiam a vida em sociedade aleacutem de ter um importante papel na
formaccedilatildeo das consciecircncias individuais em uma coletividade Embora a
contemporaneidade seja marcada por um individualismo hedonista possivelmente
ineacutedito na histoacuteria da humanidade e pela hegemonia no campo da academia de um
poacutes-modernismo identitaacuterio avesso agrave ideia de coletividades mais tradicionais
abrangentes e universais as perspectivas que Durkheim propocircs nas primeiras
deacutecadas do seacuteculo XX ainda podem ser uacuteteis para analisar a relaccedilatildeo das diversas
instituiccedilotildees e praacuteticas religiosas com a sociedade principalmente no Brasil onde as
igrejas evangeacutelicas comeccedilam a ter uma forte influecircncia moral no paiacutes
Palavras Chaves ndash Sociologia Religiatildeo Instituiccedilotildees Moral
ABSTRACT
This article aims to point out some aspects of the Sociology of Religion by
Eacutemile Durkheim One of the main names of the so-called ―classical sociology
Durkheim was one of the pioneers in the sociological study of religion considering
religious practices and institutions as one of the main social facts that guide life in
society as well as playing an important role in the formation of women individual
consciences in a collectivity Although contemporaneity is marked by a hedonistic
individualism possibly unheard of in human history and by the hegemony in the field
autor Prof Dr Mauricio Tintori Piqueira
tintoriledyahoocombr
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of academia of an identity postmodernism averse to the idea of more traditional
comprehensive and universal collectivities the perspectives that Durkheim proposed
in the early decades The twentieth century can still be useful for analyzing the
relationship of various religious institutions and practices with society especially in
Brazil where evangelical churches are beginning to have a strong moral influence in
the country
Keywords - Sociology Religion Institutions Moral
1 DURKHEIM E A SOCIOLOGIA FUNCIONALISTA
O socioacutelogo francecircs Eacutemile Durkheim (1858-1917) compotildee ao lado dos
alematildees Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920) os autores claacutessicos da
Sociologia Entretanto cabe destacar que Durkheim foi o responsaacutevel por introduzir
a disciplina nas universidades francesas ao fundar a caacutetedra de Sociologia na
Universidade de Bordeacuteus em 1887 dando a ela um caraacuteter acadecircmico-cientiacutefico
Filho de uma famiacutelia de rabinos e portanto de origem judaica formou-se em
Filosofia na Escola Normal Superior de Paris em 1882 Jaacute nessa eacutepoca interessava-
se por Sociologia ateacute entatildeo uma disciplina do conhecimento relacionada agrave filosofia
positivista de Augusto Comte (1798-1857) que entre outras caracteriacutesticas
propunha um estudo cientiacutefico da sociedade atraveacutes da utilizaccedilatildeo dos mesmos
meacutetodos de pesquisa e anaacutelise utilizados pelas Ciecircncias Exatas e Bioloacutegicas com o
intuito de identificar as ―leis gerais que norteariam a vida social
O meacutetodo socioloacutegico de Durkheim conhecido como Funcionalismo propotildee a
anaacutelise da sociedade de forma similar a de um organismo vivo Em outras palavras
a sociedade seria formada por diversos oacutergatildeos interdependentes entre si de cujo
bom funcionamento dependeria a sobrevivecircncia do corpo social Dessa forma o
socioacutelogo francecircs considera necessaacuteria a preservaccedilatildeo da coesatildeo social ou seja o
consenso entre os diversos grupos que compotildee a sociedade em torno de um ideal
que nas sociedades modernas seria o progresso cientiacutefico e industrial
proporcionado atraveacutes da hegemonia do pensamento loacutegico-racional Neste aspecto
Durkheim eacute um herdeiro da filosofia iluminista do seacuteculo XVIII e de sua inabalaacutevel feacute
na ciecircncia como caminho de superaccedilatildeo das miseacuterias humanas crenccedila que
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atualmente eacute alvo de criacuteticas no mundo acadecircmico devido ao constante uso da
proacutepria ciecircncia para fins beacutelicos voltados para a destruiccedilatildeo em massa
Outro aspecto importante da sociologia funcionalista de Durkheim eacute o
conceito de fato social considerado pelo socioacutelogo francecircs como o objeto de estudo
da Sociologia Segundo o autor fatos sociais correspondem a ―maneiras de agir
pensar e sentir exteriores ao indiviacuteduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude
do qual se lhe impotildeem () (DURKHEIM 1978 p88) Em outras palavras os fatos
sociais satildeo as estruturas cuja existecircncia independe da vontade do individuo
exercendo nele uma influecircncia coercitiva na maioria das vezes indireta que o induz
a adotar determinados padrotildees de comportamento com o intuito de portar-se
adequadamente na coletividade Assim o fato social tem uma enorme influecircncia na
formaccedilatildeo da consciecircncia individual e embora Durkheim reconheccedila que cada
indiviacuteduo pode escolher os comportamentos e atitudes que adota em sua vida
cotidiana estes satildeo moldados a partir do que estaacute posto concretamente na
sociedade e as consequecircncias de seguir ou natildeo determinados padrotildees satildeo
decorrentes das relaccedilotildees sociais
Ao comentar a obra de Eacutemile Durkheim o socioacutelogo Joseacute Arthur Giannoti
(1978 pp VII e VIII) destacou que para a Sociologia tornar-se uma ciecircncia era
necessaacuterio ―utilizar uma metodologia cientiacutefica investigando leis natildeo generalidades
abstratas e sim expressotildees precisas de relaccedilotildees descobertas entre os diversos
grupos sociais Entretanto eacute importante ressaltar que Durkheim considerava que o
fato social natildeo eacute apenas algo relacionado agrave vida material pois compreende que a
sociedade eacute ―um conjunto e ideais constantemente alimentados pelos homens que
fazem parte dela (GIANNOTI 1978 p VIII) Assim natildeo eacute por acaso que outro
conceito importante da teoria funcionalista eacute o de ―consciecircncia coletiva Ainda
segundo Giannoti (idem ibidem) o conceito de consciecircncia coletiva na obra de
Durkheim pode ser compreendida
() o sistema de representaccedilotildees coletivas em uma determinada sociedade Representaccedilotildees coletivas seriam por exemplo a linguagem ou um grupo de praacuteticas de trabalho encontradas em certa sociedade Tais representaccedilotildees coletivas constituiriam fatos de natureza especiacutefica e diferentes dos fenocircmenos psicoloacutegicos individuais () As representaccedilotildees coletivas desdobram-se nos aspectos intelectual e emocional e eacute possiacutevel determinaacute-las de maneira direta e natildeo apenas atraveacutes dos pensamentos e emoccedilotildees individuais O meacutetodo para conhecimento direto das representaccedilotildees coletivas utilizaria o exame das expressotildees permanentes dessas
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representaccedilotildees como por exemplo os sistemas juriacutedico e as obras de arte ()
Cabe ressaltar que se partirmos da metodologia funcionalista proposta por
Durkheim a religiatildeo pode ser considerada tanto um fato social pois corresponde agraves
formas de agir e pensar exteriores ao indiviacuteduo (isto eacute existe independente da sua
vontade) e tem um forte poder coercitivo sobre o indiviacuteduos que integram um
determinado grupo social como tambeacutem um componente da consciecircncia coletiva
pois ela eacute composta por um sistema de representaccedilotildees coletivas compartilhados
pelos indiviacuteduos que integram uma coletividade Natildeo por caso a religiatildeo foi um dos
principais objetos de estudo de Durkheim sendo considerado por muitos socioacutelogos
como o pioneiro nos estudos socioloacutegicos sobre a religiatildeo aacuterea conhecida como
Sociologia da Religiatildeo Neste artigo seraacute abordado importantes aspectos destes
estudos e sua importacircncia para a compreensatildeo natildeo apenas da Teologia mas
tambeacutem do papel da religiatildeo na sociedade contemporacircnea
2 AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA
As principais consideraccedilotildees de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo e sua relaccedilatildeo
com a sociedade estatildeo na obra As Formas Elementares da Vida Religiosa
publicada originalmente em 1912 Na introduccedilatildeo o autor justifica a escolha de
analisar praacuteticas religiosas animistas de tribos aboriacutegenes da Austraacutelia para a partir
desta identificar os aspectos gerais e universais das religiotildees como um todo e mais
precisamente ter subsiacutedios metodoloacutegicos para compreender o papel da Religiatildeo na
sociedade contemporacircnea Segundo Durkheim (1978 p205)
A Sociologia coloca-se problemas diferentes da Histoacuteria ou d Etnografia Ela natildeo procura conhecer as formas caducas da civilizaccedilatildeo com o uacutenico fim de conhececirc-las e reconstituiacute-las Mas com toda ciecircncia positiva antes de tudo El tem por objeto explicar uma realidade atual proacutexima de noacutes e capaz por conseguinte de afetar nossas ideacuteias e nossos atos esta realidade eacute o homem e mais especialmente o homem de hoje pois natildeo existe outro que estejamos mais interessados em conhecer bem Portanto natildeo estudaremos a religiatildeo mais antiga objeto de nossa pesquisa pelo uacutenico prazer de relatar coisas bizarras e singularidades Se noacutes a tomamos como objeto de nossa investigaccedilatildeo eacute porque ela nos pareceu mais apta do que qualquer outra para fazer compreender a natureza religiosa do homem isto eacute para nos revelar um aspecto essencial e permanente da humanidade
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Mais adiante Durkheim ressalta que um dos papeacuteis importantes da religiatildeo
na sociedade eacute buscar atender a alguma necessidade real do ser humano sendo
um erro considerar suas expressotildees ilusoacuterias ou falsas
Natildeo precisamos examinar aqui se existem realmente investigadores () que fizeram da Histoacuteria e da Etnografia religiosa uma maacutequina de guerra contra a Religiatildeo De qualquer maneira natildeo poderia ser este o ponto de vista de um socioacutelogo Com efeito eacute um postulado essencial da Sociologia que uma instituiccedilatildeo humana natildeo poderia repousar sobre o erro e sobre a mentira sem o que ela natildeo poderia durar Se ela natildeo estivesse fundada na natureza das coisas ela teria encontrado resistecircncia nas coisas contra a qual natildeo poderia triunfar Portanto quando abordamos o estudo das religiotildees primitivas o fazemos com a seguranccedila do que elas se apoiam no real e o exprimem () (DURKHEIM 1978 p206)
Neste ponto o socioacutelogo francecircs discorre a importacircncia de analisar as
diversas formas religiosas como um sistema de representaccedilotildees coletivas Desta
forma Durkheim ressalta que
() no fundo natildeo existem religiotildees falsas Agrave sua maneira todas satildeo verdadeiras todas respondem mesmo que de diferentes formas a condiccedilotildees dadas da existecircncia humana Sem duacutevida eacute possiacutevel dispocirc-las segundo uma ordem hieraacuterquica Umas podem ser ditas superiores agraves outras no sentido em que ela potildeem em jogo funccedilotildees mentais mais elevadas satildeo mais ricas em ideacuteias e sentimentos nelas figuram mais conceitos menos sensaccedilotildees e imagens sua sistematizaccedilatildeo mais engenhosa Mas por mais reais que sejam esta maior complexidade e esta mais alta idealidade elas natildeo satildeo suficientes para classificar as religiotildees correspondentes em gecircneros separados Todas satildeo igualmente religiotildees assim como todos os seres vivos satildeo igualmente vivos desde os mais humildes plastiacutedios ateacute o homem Portanto se nos dirigimos agraves religiotildees primitivas natildeo eacute com a segunda intenccedilatildeo de depreciar a religiatildeo em geral pois aquelas religiotildees natildeo satildeo menos respeitaacuteveis que as outras Elas respondem agraves mesmas necessidades desempenham o mesmo papel dependem das mesmas causas portanto elas podem servir para manifestar igualmente bem a natureza da vida religiosa () (DURKHEIM 1978 p206)
Em outras palavras apesar de reconhecer a existecircncia de religiotildees cujas
representaccedilotildees satildeo mais complexas do que outras possibilitando uma
hierarquizaccedilatildeo neste aspecto Durkheim enfatiza que haacute aspectos gerais presentes
em todas as religiotildees permitindo ao socioacutelogo ou ao pesquisador da Sociologia da
Religiatildeo identificar e analisar estes em sistemas simboacutelicos mais simples como foi o
caso do objeto de estudo de As Formas Elementares da Vida Religiosa no caso a
religiatildeo animista dos aboriacutegenes australianos como jaacute destacamos anteriormente
Nesta perspectiva o autor sugere tambeacutem uma abordagem histoacuterica das religiotildees
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com o objetivo de compreender o seu desenvolvimento no decorrer da Histoacuteria cuja
concepccedilatildeo eacute evolucionista fiel agrave perspectiva positivista marcada pelo evolucionismo
progressista Nas palavras de Durkheim (1978 p207)
() todas as vezes que se empreende explicar uma coisa humana tomada em um momento determinado no tempo ndash quer se trate de uma crenccedila religiosa de uma regra moral quer de um preceito juriacutedico de uma teacutecnica esteacutetica de um regime econocircmico ndash eacute preciso comeccedilar por retroceder ateacute a sua forma mais primitiva e mais simples procurar dar conta dos caracteres pelos quais ela se define neste periacuteodo de sua existecircncia depois mostrar como ela se desenvolveu e se complicou pouco a pouco como ela se tornou o que eacute no momento considerado Ora concebe-se facilmente de que importacircncia eacute para esta seacuterie de explicaccedilotildees progressistas a determinaccedilatildeo do ponto de partida ao qual estatildeo subordinadas Era um princiacutepio cartesiano que na cadeia das verdades cientiacuteficas o primeiro elo desempenha um papel preponderante Certamente natildeo poderia ser o caso de colocar na base da ciecircncia das religiotildees uma noccedilatildeo elaborada agrave maneira cartesiana isto eacute um conceito loacutegico um puro possiacutevel construiacutedo apenas pelas forccedilas do espiacuterito O que precisamos encontrar eacute uma realidade concreta que unicamente a observaccedilatildeo histoacuterica pode nos revelar ()
Mas quais seriam os aspectos gerais comum a todas as religiotildees que
permitem classificar-las no mesmo gecircnero de representaccedilotildees coletivas Durkheim
elenca da seguinte maneira algumas hipoacuteteses visando responder a tal
problematizaccedilatildeo
() todas as religiotildees satildeo comparaacuteveis porque elas satildeo todas espeacutecies do mesmo gecircnero existem necessariamente elementos essenciais que lhes satildeo comuns () Na base de todos os sistemas de crenccedilas e de todos os cultos deve necessariamente haver um certo nuacutemero de representaccedilotildees fundamentais e de atitudes rituais que malgrado a diversidade das formas que umas e outras puderam revestir em todas as partes tecircm a mesma significaccedilatildeo objetiva e em todas as partes preenchem as mesmas funccedilotildees Satildeo estes elementos permanentes que constituem o que haacute de eterno e de humano na religiatildeo eles satildeo todo o conteuacutedo objetivo da ideacuteia que se exprime quando se fala da religiatildeo em geral () (DURKHEIM 1978 pp207-208)
Entretanto tais aspectos satildeo mais perceptiacuteveis em representaccedilotildees coletivas
menos complexas e menos desenvolvidas Na perspectiva do socioacutelogo francecircs
Nas sociedades inferiores () o menor desenvolvimento das individualidades a extensatildeo mais fraca do grupo a homogeneidade das circunstacircncias exteriores tudo contribui para reduzir ao miacutenimo as diferenccedilas e variaccedilotildees O grupo realiza de maneira regular uma uniformidade intelectual e moral de que soacute encontramos raros exemplos nas sociedades mais adiantadas Tudo eacute comum a todos
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Os movimentos satildeo estereotipados todo mundo executa os mesmos atos nas mesmas circunstacircncias e esta conformidade da conduta natildeo faz senatildeo traduzir aquela do pensamento Todas as consciecircncias estando encadeadas nas mesmas correntes o tipo individual quase se confunde com o tipo geneacuterico Ao mesmo tempo em que tudo eacute uniforme tudo eacute simples Nada eacute mais rude do que estes mitos compostos de um uacutenico e mesmo tema que se repete sem fim do que estes ritos que satildeo feitos de um pequeno nuacutemero de gestos recomeccedilados agrave saciedade A imaginaccedilatildeo popular e sacerdotal ainda natildeo teve nem o tempo nem os meios de refinar e de transformar a mateacuteria-prima das ideacuteias e das praacuteticas religiosas portanto se esta mateacuteria se mostra a nu e se oferece por si mesma agrave observaccedilatildeo bastando um esforccedilo miacutenimo para descobri-la O acessoacuterio o secundaacuterio os desenvolvimentos de luxo ainda natildeo vieram esconder o principal Tudo estaacute reduzido ao indispensaacutevel agravequilo sem o que natildeo poderia haver religiatildeo Mas o indispensaacutevel eacute tambeacutem o essencial isto eacute o que antes de tudo importa conhecer (DURKHEIM 1978 p208)
Portanto eacute nas representaccedilotildees coletivas mais simples que se torna possiacutevel
para o socioacutelogo identificar e analisar os aspectos gerais da Religiatildeo presentes
tanto nas religiotildees animistaspagatildes quanto na religiosidade monoteiacutesta (seja cristatilde
judaica ou islacircmica) A evoluccedilatildeo histoacuterica das praacuteticas e sistemas religiosos tornam
tanto os ritos como os dogmas mais elaborados ao mesmo tempo em que
aparecem diversas contradiccedilotildees no interior da coletividade que compotildee determinado
sistema de crenccedilas religiosas Desta forma
() Na medida em que ele [o pensamento religioso] progride na Histoacuteria as causas que o chamaram agrave existecircncia permanecendo sempre ativas natildeo satildeo mais percebidas senatildeo atraveacutes de um vasto sistema de interpretaccedilotildees que as deformam As mitologias populares e as teologias sutis fizeram seu trabalho elas sobrepuseram aos sentimentos primitivos sentimentos muito diferentes que dependendo dos primeiros dos quais eles satildeo a forma elaborada entretanto natildeo deixam transparecer sua natureza verdadeira senatildeo muito imperfeitamente A distacircncia psicoloacutegica entre causa e o efeito entre a causa aparente e a causa efetiva tornou-se mais consideraacutevel e mais difiacutecil para o espiacuterito percorrecirc-la () Nas religiotildees primitivas o fato religioso traz ainda visiacutevel o cunho de suas origens ter-nos-ia sido bem mais aacuterduo inferi-lo considerando apenas as religiotildees mais desenvolvidas (DURKHEIM 1978 pp209-210)
A partir de tal metodologia Eacutemile Durkheim esboccedilou um conceito de religiatildeo
proacuteprio das Ciecircncias Sociais que em linhas gerais foi definido pelo socioacutelogo francecircs
da seguinte maneira
() A religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social As representaccedilotildees religiosas satildeo representaccedilotildees coletivas que exprimem realidades coletivas os ritos satildeo maneiras de agir que nascem no seio dos
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grupos reunidos e que satildeo destinados a suscitar a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos Mas entatildeo se as categorias satildeo de origem religiosa elas devem participar da natureza comum a todos os fatos religiosos elas tambeacutem devem ser coisas sociais produtos do pensamento coletivo Pelo menos - pois no estado atual de nossos conhecimentos nesta mateacuteria devemos nos guardar de toda tese radica e exclusiva ndash eacute legiacutetimo supor que elas satildeo ricas em elementos sociais (DURKHEIM 1978 p212)
Ora se a religiatildeo eacute uma coisa eminentemente social como destaca
Durkheim ela tambeacutem eacute um mecanismo necessaacuterio para o estabelecimento de uma
identidade coletiva na qual os indiviacuteduos se percebem como participantes de um
grupo social que compartilha os mesmos valores morais e crenccedilas em um
determinado espaccedilo geograacutefico situado em um contexto (tempo histoacuterico) Assim
natildeo eacute o tempo individual relativo a cada ser vivo mas sim
() o tempo tal como eacute objetivamente pensado por todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo Apenas isto jaacute eacute suficiente para fazer entrever que uma tal organizaccedilatildeo deve ser coletiva E com efeito a observaccedilatildeo estabelece que estes pontos de apoio indispensaacuteveis em relaccedilatildeo aos quais todas as coisas satildeo classificadas temporalmente satildeo emprestados agrave vida social As divisotildees em dias semanas meses anos etc correspondem agrave periodicidade dos ritos das festas das cerimocircnias puacuteblicas Um calendaacuterio exprime o ritmo da atividade coletiva ao mesmo tempo que tem por funccedilatildeo assegurar sua regularidade O mesmo acontece com o espaccedilo () A representaccedilatildeo espacial consiste essencialmente numa primeira coordenaccedilatildeo introduzida entre os dados da experiecircncia sensiacutevel Mas esta coordenaccedilatildeo seria impossiacutevel se as partes do espaccedilo fossem qualitativamente equivalentes se elas realmente fossem substituiacuteveis umas agraves outras Para dispor espacialmente as coisas eacute preciso poder situar-las diferentemente () da mesma maneira que para dispor temporalmente os estados de consciecircncia eacute preciso poder localizaacute-los em datas determinadas O que representa dizer que o espaccedilo natildeo poderia ser ele mesmo se assim como o tempo ele natildeo fosse dividido e diferenciado () Todas estas distinccedilotildees evidentemente provecircm do fato de que valores afetivos diferentes foram atribuiacutedos agraves regiotildees E com todos os homens de uma mesma civilizaccedilatildeo representam o espaccedilo de uma mesma maneira eacute preciso evidentemente que estes valores afetivos e as distinccedilotildees que dele dependem lhes sejam igualmente comuns o que implica quase necessariamente que elas satildeo de origem social (DURKHEIM 1978 pp212-213)
Em suma as representaccedilotildees coletivas presentes no que Durkheim denomina
de ―fato religioso tem com base valores afetivos compartilhados socialmente em um
determinado contexto temporal (histoacuterico) e espacial (geograacutefico) Natildeo por acaso as
religiotildees na Antiguidade estavam identificadas diretamente com as suas respectivas
civilizaccedilotildees (exemplo o Deus de Israel as divindades egiacutepcias como Hoacuterus e Isiacutes
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Baal da Feniacutecia entre outros) ao mesmo tempo em que aquelas que constituiacuteram
impeacuterios como o caso do Impeacuterio de Alexandre o Grande e o Impeacuterio Romano
construiacuteram panteotildees em suas respectivas capitais com o intuito de guardar as
divindades de todos os povos conquistados e subjugados por suas legiotildees
simbolizando natildeo apenas uma espeacutecie de ecumenismo mas tambeacutem a suposta
superioridade helecircnica e romana sobre os demais povos Por outro lado foi o
caraacuteter ecumecircnico e ―universal do Impeacuterio Romano aleacutem de suas estradas e rotas
de navegaccedilatildeo pelo mar Mediterracircneo que permitiu ao cristianismo se tornar uma
crenccedila que abrangeu todas as proviacutencias do Impeacuterio da Gratilde-Bretanha e Peniacutensula
Ibeacuterica ateacute as fronteiras com a Peacutersia
Outro aspecto importante da anaacutelise de Eacutemile Durkheim sobre a religiatildeo eacute sua
diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico Se este corresponde agrave anaacutelise
dos fenocircmenos naturais humanos a partir da observaccedilatildeo e anaacutelise loacutegica e racional
a religiatildeo principalmente atraveacutes da Feacute tem a funccedilatildeo de auxiliar o crente ou o fiel a
viver um cotidiano cheio de obstaacuteculos e percalccedilos Segundo Durkheim (1978
p222)
() Os crentes os homens que vivendo da vida religiosa tecircm a sensaccedilatildeo direta daquilo que a constitui () sentem com efeito que a verdadeira funccedilatildeo da religiatildeo natildeo eacute fazer-nos pensar enriquecer nosso conhecimento acrescentar agraves representaccedilotildees que devemos agrave ciecircncia representaccedilotildees de uma outra origem e de um outro caraacuteter mas a de fazer-nos agir auxiliar-nos a viver O fiel que se comunicou com seu deus natildeo eacute apenas um homem que vecirc novas verdades que o descrente ignora ele eacute um homem que pode mais Ele sente em si mais forccedila seja pra suportar as dificuldades da existecircncia seja para vencecirc-las Ele estaacute como que elevado acima das miseacuterias humanas porquecirc estaacute elevado acima de sua condiccedilatildeo de homem acredita-se salvo do mal sob qualquer forma aliaacutes que ele conceba o mal O primeiro artigo de toda feacute eacute a crenccedila na salvaccedilatildeo pela feacute Uma ideacuteia com efeito natildeo eacute senatildeo um elemento de noacutes mesmos como poderia ela conferir-nos poderes superiores agravequeles que temos por nossa natureza Por mais que ela seja rica em virtudes afetivas natildeo poderia nada acrescentar agrave nossa vitalidade natural pois ela soacute pode liberar as forccedilas emotivas que estatildeo em noacutes natildeo criaacute-las ou aumentaacute-las Do fato de que noacutes nos representamos um objeto como digno de ser amado e procurado natildeo se segue que nos sintamos mais fortes mas eacute preciso que deste objeto emanem energias superiores agravequelas de que dispomos e aleacutem do mais que tenhamos algum meio de fazecirc-las penetrar em noacutes e de misturaacute-las agrave nossa vida interior Ora para isto natildeo eacute suficiente que noacutes a pensemos mas eacute indispensaacutevel que nos coloquemos em sua esfera de accedilatildeo que nos voltemos para lado pelo qual podemos sentir melhor sua influecircncia Numa palavra eacute preciso que ajamos e repitamos os atos que satildeo assim necessaacuterios todas as vezes em que isso eacute uacutetil para renovar seus efeitos()
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A feacute seria o combustiacutevel do fiel responsaacutevel por fortalecer periodicamente a
sua crenccedila Daiacute a importacircncia do culto o ponto localizado no tempo-espaccedilo no qual
o indiviacuteduo compartilha com outros a sua feacute constituindo assim um grupo social cuja
identidade estaacute na religiosidade Atraveacutes do culto a feacute eacute exteriorizada de forma
coletiva por mais que ela seja muitas vezes considerada um sentimento individual
Segundo Durkheim (pp222-223)
De fato quem quer que realmente praticou uma religiatildeo bem sabe que eacute o culto que suscita estas impressotildees de alegria de paz interior de serenidade de entusiasmo que satildeo para o fiel a prova experimental de suas crenccedilas O culto natildeo eacute simplesmente um sistema de signos pelos quais a feacute se traduz para o exterior ele eacute a coleccedilatildeo dos meios pelos quais ela se cria e recria periodicamente Que ele consista em manobras materiais ou em operaccedilotildees mentais eacute sempre ele que eacute eficaz
Atraveacutes do culto a coletividade impotildee a sua forccedila sobre o indiviacuteduo pois sua
feacute tem como alicerce paracircmetros externos estabelecidos pela sociedade ou
civilizaccedilatildeo agrave qual pertence Desta forma
() Quem faz o homem eacute este conjunto de bens intelectuais que constitui a civilizaccedilatildeo e a civilizaccedilatildeo eacute obra da sociedade E assim se explica o papel preponderante do culto em todas as religiotildees quaisquer que sejam Pois a sociedade soacute pode exercer influecircncia se ela for um ato e ela soacute pode ser um ato se os indiviacuteduos que a compotildeem estiverem reunidos e agirem em comum Eacute pela accedilatildeo comum que ela toma consciecircncia de si e se potildee antes de tudo ela eacute uma cooperaccedilatildeo ativa Mesmo as ideacuteias e os sentimentos coletivos apenas satildeo possiacuteveis graccedilas a movimentos exteriores que os simbolizam assim como estabelecemos Portanto a accedilatildeo domina a vida religiosa apenas porque a sociedade eacute sua fonte (DURKHEIM 1978 p223)
Para Durkheim a religiatildeo e suas praacuteticas tecircm tanta importacircncia para a
sociedade pois esta constitui agrave sua base A partir dos princiacutepios morais
estabelecidos atraveacutes dos dogmas religiosos que as civilizaccedilotildees e sociedades mais
antigas estabeleceram as demais instituiccedilotildees que exercem o controle social algo
essencial para a manutenccedilatildeo da coesatildeo entre os diversos grupos sociais e o pleno
funcionamento do organismo social
() Portanto pode-se dizer resumindo que quase todas as grandes instituiccedilotildees sociais nasceram da religiatildeo Ora para que os principais aspectos da vida coletiva tenham comeccedilado por aspectos variados da vida religiosa seja a forma eminente e como que uma expressatildeo abreviada da vida coletiva inteira Se a religiatildeo engendrou tudo o que haacute de essencial na sociedade eacute porque a ideacuteia da sociedade eacute a alma da religiatildeo (DURKHEIM 1978 p224)
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A ideia de que a sociedade eacute a alma da religiatildeo estaacute interligada a percepccedilatildeo
de que a religiatildeo foi responsaacutevel por estabelecer as primeiras bases da eacutetica e da
moral na maior parte das civilizaccedilotildees humanas Assim eacute possiacutevel concluir que
As forccedilas religiosas satildeo pois forccedilas humanas forccedilas morais Sem duacutevida porque os sentimentos coletivos natildeo podem tomar consciecircncia de si mesmos senatildeo fixando-se sobre objetos exteriores tais forccedilas natildeo puderam se constituir sem tomar agraves coisas alguns dos seus caracteres adquiriram assim um tipo de natureza fiacutesica a este tiacutetulo elas vieram misturar-se agrave vida do mundo material e eacute por elas que se acreditou poder explicar o que nele se passa Mas quando satildeo consideradas somente por este lado e nesta atribuiccedilatildeo vecirc-se apenas o que elas tecircm de mais superficial Na realidade eacute a consciecircncia que satildeo emprestados os elementos essenciais dos quais elas satildeo feitas Ordinariamente parece que elas natildeo teriam um caraacuteter humano senatildeo quando satildeo pensadas sob forma humana no entanto mesmo as mais impessoais e mais anocircnimas natildeo passam de sentimentos objetivados Soacute vendo as religiotildees sob este acircngulo eacute possiacutevel perceber sua verdadeira significaccedilatildeo Prendendo-se agraves aparecircncias os ritos frequentemente parecem o efeito de operaccedilotildees puramente manuais satildeo unccedilotildees lavagens refeiccedilotildees Para consagrar uma coisa se a coloca em contato com uma fonte de energia religiosa () Assim compreendida a teacutecnica religiosa parece um tipo de mecacircnica miacutestica Mas estas manobras materiais satildeo o invoacutelucro exterior sob o qual se dissimulam operaccedilotildees mentais Finalmente trata-se natildeo de exercer um tipo de coaccedilatildeo fiacutesica sobre forccedilas cegas e aliaacutes imaginaacuterias mas de atingir consciecircncias de tonificaacute-las disciplinaacute-las () Eacute sobre a vida moral que elas tecircm por principal funccedilatildeo agir Compreende-se assim que o que foi feito em nome da religiatildeo natildeo poderia ter sido feito em vatildeo pois foi necessariamente a sociedade dos homens a humanidade que recolheu os seus frutos (DURKHEIM 1978 p224)
Se por um lado alguns intelectuais poderiam contestar as conclusotildees de
Durkheim sobre a religiatildeo principalmente no que se refere ao estabelecimento e
coacutedigos morais inspirados em uma realidade social perfeita cuja concretude soacute
existiria no plano imaginaacuterio o socioacutelogo francecircs contra-argumenta ao ressaltar que
as aspiraccedilotildees humanas imaginaacuterias originam-se a partir das necessidades
humanas existentes na realidade concreta da vida em sociedade
Mas diz-se qual eacute exatamente a sociedade da qual se tirou o substrato da vida religiosa Eacute a sociedade real tal como ela existe e funciona sob nossos olhos com a organizaccedilatildeo moral juriacutedica que ela laboriosamente modelou no decorrer da histoacuteria Mas ela estaacute repleta de taras e de imperfeiccedilotildees Aqui o mal rodeia o bem a injusticcedila frequentemente reina como soberana a verdade eacute em cada instante obscurecida pelo erro Como um ser tatildeo grosseiramente constituiacutedo poderia inspirar os sentimentos de amor o entusiasmo ardente o espiacuterito de abnegaccedilatildeo que todas as religiotildees reclamam de seus fieacuteis Estes seres perfeitos que satildeo os deuses natildeo podem ter emprestado suas feiccedilotildees a uma realidade tatildeo mediacuteocre algumas
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vezes tatildeo baixa Trata-se ao contraacuterio da sociedade perfeita onde a justiccedila e a verdade seriam soberanas de onde o mal sob todas as suas formas estaria extirpado Natildeo se contesta que ela esteja em estreita relaccedilatildeo com o sentimento religioso pois diz-se as religiotildees tendem a realizaacute-la Apenas esta sociedade natildeo eacute um dado empiacuterico definido e observaacutevel ela eacute uma quimera um sonho no qual os homens acalentaram suas miseacuterias mas que eles jamais viveram na realidade Ela eacute uma simples ideia que vem traduzir na consciecircncia nossas aspiraccedilotildees mais ou menos obscuras para o bem o belo o ideal Ora estas aspiraccedilotildees tecircm em noacutes suas raiacutezes vecircm das proacuteprias profundezas de nosso ser portanto natildeo existe nada fora de noacutes que possa explicaacute-las Aliaacutes jaacute satildeo religiosas por si mesmas portanto a sociedade ideal supotildee a religiatildeo longe de poder explicaacute-la (DURKHEIM 1978 p225)
Cabe destacar portanto que para Eacutemile Durkheim a religiatildeo estaacute longe de
ser uma ilusatildeo habilmente manipulada pelos detentores do poder visando alienar a
sociedade (ou mais precisamente as classes sociais menos favorecidas) de seus
problemas decorrentes de uma sociedade marcada pela injusticcedila e sofrimento mas
uma representaccedilatildeo da proacutepria realidade pois em sua simbologia ela reproduz os
dramas existenciais muitas vezes decorrentes da carecircncia dos recursos necessaacuterios
para suprir as suas proacuteprias necessidades Por esta razatildeo
() eacute simplificar arbitrariamente as coisas ver a religiatildeo soacute por seu lado idealista ela eacute realista agrave sua maneira Natildeo existe fealdade fiacutesica ou moral natildeo existem viacutecios nem males que natildeo tenham sido divinizados Houve deuses do roubo e da astuacutecia da luxuacuteria e da guerra da doenccedila e da morte O proacuteprio cristianismo por mais alta que seja a ideia que ele se faz da divindade foi obrigado a dar ao espiacuterito do mal um lugar em sua mitologia Satatilde eacute uma peccedila essencial do sistema cristatildeo ora se ele eacute um ser impuro natildeo eacute um ser profano O antideus eacute um deus inferior e subordinado eacute verdade mas dotado de poderes extensos ele eacute mesmo objeto de ritos pelo menos negativos Portanto longe de a religiatildeo ignorar a sociedade real e dela fazer abstraccedilatildeo ela eacute sua imagem reflete todos os seus aspectos mesmo os mais vulgares e os mais repugnantes Tudo se reencontra nela e se frequentemente se vecirc o bem subjugar o mal a vida a morte as potecircncias da luz as potecircncias das trevas eacute porque diferentemente na realidade Pois se a relaccedilatildeo entre as forccedilas contraacuterias fosse inversa a vida seria impossiacutevel ora de fato ela se manteacutem e mesmo tende a se desenvolver (DURKHEIM 1978 p225)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Por fim cabe uma reflexatildeo sobre a validade das consideraccedilotildees
metodoloacutegicas e analiacuteticas propostas por Eacutemile Durkheim sobre a Sociologia da
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Religiatildeo no iniacutecio do seacuteculo XX Em um artigo publicado em 2012 Ana Keila Mosca
Pinezi e Eacuterica Ferreira da Cunha Jorge inicialmente problematizaram de forma criacutetica
a teoria durkheimiana ao questionarem a validade de seus conceitos
Algumas correntes questionam a validade e utilizaccedilatildeo do pensamento durkheimiano nas anaacutelises contemporacircneas sobre religiatildeo por este universo de estudos ter sido completamente reconfigurado Um dos argumentos seria que as abordagens claacutessicas da sociologia da religiatildeo de Durkheim natildeo se ajustam agrave realidade atual um momento dominado pelo individualismo crescente como valor nas sociedades poacutes-industriais contemporacircneas Seraacute que o socioacutelogo francecircs imaginou que as sociedades ocidentais caminhariam para este processo de individualismo Eacute possiacutevel que os estudos atuais levem em consideraccedilatildeo as propostas de representaccedilotildees coletivas apontadas em suas claacutessicas antinomias (PINEZI JORGE 2012 p84)
Apesar das autoras considerarem que boa parte das categorias socioloacutegicas
propostas por Durkheim natildeo podem ser mais utilizadas ―puramente devendo ser
adaptadas de forma criacutetica para a anaacutelise de objetos de pesquisas contemporacircneos
concluiacuteram tal problematizaccedilatildeo da seguinte forma
() a atualidade e a relevacircncia da teoria durkheimiana retomada criticada reelaborada mas fundamental para que se prossiga na tarefa tatildeo aacuterdua quanto antes de pensar os arranjos e rearranjos do movimento do coletivo em relaccedilatildeo agrave busca do sobrenatural e da explicaccedilatildeo do consolo em relaccedilatildeo aos fatos da vida (PINEZI JORGE 2012 p98)
Partindo de tal perspectiva eacute possiacutevel observar a atualidade do referencial
metodoloacutegico de pesquisa e anaacutelise propostos por Eacutemile Durkheim para o estudo
socioloacutegico da religiatildeo As diversas denominaccedilotildees religiosas e seus sistemas
simboacutelicos expressos em seus cultos e nos seus coacutedigos de conduta moral satildeo
compartilhados por parcelas consideraacutevel da sociedade constituindo importantes
grupos sociais que atuam em um contexto marcado natildeo apenas pelo individualismo
exacerbado mas tambeacutem pela formaccedilatildeo de coletividades diversas que
compartilham diferentes (e muitas vezes antagocircnicos) princiacutepios e visotildees de
mundo Desta forma cabe ao cientista social partir para o desafio de identificar os
aspectos gerais e particulares das diversas formas de religiosidade praticadas na
sociedade com a perspectiva de contribuir natildeo apenas para a construccedilatildeo de um
conhecimento cientiacutefico sobre elas mas tambeacutem de construir um acervo intelectual
capaz de contribuir para a construccedilatildeo de um paiacutes realmente tolerante e democraacutetico
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no qual as mais diferenciadas expressotildees religiosas e ateacute aqueles que se mostram
descrentes possam conviver pacificamente respeitando as suas crenccedilas e opiniotildees
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
COSTA Cristina Sociologia ndash Introduccedilatildeo agrave ciecircncia da sociedade Satildeo Paulo
Editora Moderna 2010
DURKHEIM Eacutemile Os Pensadores Satildeo Paulo Abril Cultural 1978
_______________ As regras do meacutetodo socioloacutegico Satildeo Paulo Nacional
1987
_______________ As formas elementares da vida religiosa o sistema
totecircmico da Austraacutelia Satildeo Paulo Martins Fontes 1995
PINEZI Ana Keila Mosca JORGE Eacuterica Ferreira da Cunha Revisitando
dicotomias claacutessicas em As Formas da Vida Religiosa sagrado X profano
religiatildeo X magia Estudos de Religiatildeo v26 n 42 ndash Ediccedilatildeo Especial pp 83-
98 Disponiacutevel em httpsdialnetuniriojaesservletarticulocodigo=6342741
acessado em 26 de dezembro de 2019
QUINTANEIRO Tania BARBOSA Maria Liacuteia de Oliveira OLIVEIRA Maacutercia
Guardecircnia de Um toque de claacutessicos ndash Marx Durkheim Weber 2ed Belo
Horizonte Editora UFMG 2009
SILVA Mauricio Cocircrrea de et al Metodologia Cientiacutefica para as Ciecircncias
Sociais Aplicadas anaacutelises criacuteticas sobre meacutetodos e tipologias de pesquisas e
destaque de contribuiccedilotildees de Marx Weber e Durkheim Revista Cientiacutefica
Hermes n13 pp159-179 2015 Disponiacutevel em
httpspapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=2829321 acessado em
acessado em 26 de dezembro de 2019
Autor ndash Dr Mauriacutecio Tintori Piqueira
Docente FATEJ FADISA Doutor em Ciecircncias Sociais e Mestre em
Histoacuteria pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica
de Satildeo Paulo (PUC-SP)
Gestor Institucional-Acadecircmico da Faculdade
de Tecnologia JardimFaculdade de Direito de
Santo Andreacute
tintoriledyahoocombr
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ENTRE OS CONCEITOS DE AMOR E DE JUSTICcedilA
ldquoAge sempre de tal modo que o teu
comportamento possa vir a ser princiacutepio
de uma de uma lei universalrdquo
Immanuel Kant
RESUMO
Nesse artigo procurar defender a possibilidade de se elaborar um conceito de
justiccedila que decorra de moral a partir dos princiacutepios cristatildeos do amor ao proacuteximo
que a nosso ver eacute alicerce da visatildeo de mundo ocidental Para tanto fazemos uma
anaacutelise das modernas noccedilotildees de Direito e das nuances do ideal de igualdade que
funda as noccedilotildees de justiccedila frente ao pensamento de Immanuel Kant
Palavras-chave Justiccedila Direito Religiatildeo Cristianismo
ABSTRACT
In this article we seek to defend the possibility of elaborating a moral concept
of justice based on the Christian principles of love of neighbor which in our view is
the foundation of the Western worldview To do so we analyze the modern notions of
law and the nuances of the ideal of equality which underlies the notions of justice in
front of the thought of Immanuel Kant
Keywords Justice Law Religion Christianity
INTRODUCcedilAtildeO
Ao nos depararmos com a obra de Herbert Hart o vemos apontando a justiccedila
como um segmento especiacutefico da moral que passa pelo sentido de condenaccedilatildeo
coletiva de determinada conduta natildeo se considerando simplesmente o valor
autor Piterson Balmat Gonccedilalves
piterson_avyahoocombr
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individual da accedilatildeo assim justiccedila seria a parte da moral que eacute pensada
coletivamente1 Rawls de maneira semelhante define justiccedila como a primeira
virtude das instituiccedilotildees sociais2
Na mesma esteira Teacutercio Sampaio Ferraz Juacutenior nos mostra que ―a justiccedila eacute
o princiacutepio e problema moral do direito3 Assim afirma porque identifica a justiccedila
como sendo ―o sentido unificador do universo moral de qualquer homem sem o
qual a vida se torna insuportaacutevel4 Em suma a justiccedila seria o elemento moral que
doa sentido (comunicativo) agraves regras de convivecircncia5
Dessa maneira a justiccedila seria o elemento externo ao Direito derivado da
moral capaz de lhe dar sentido Para este fim ele aponta que longe de se tratar de
uma questatildeo de crenccedila aquilo que acreditamos ser virtuoso (e a partir dele justo ndash
porque eacute certo todos agirem assim que eacute justo todos agirem assim) deriva daquilo
que compreendemos ser racional no sentido de ―relacionar ―ligar coisaslsquo entre si
motivo pelo qual justiccedila representa ―equiliacutebrio entre dois pontos6 Assim aponta a
igualdade como o princiacutepio universal daquilo que representa justiccedila
1 NOCcedilAtildeO DE EQUILIacuteBRIOIGUALDADE O ELO MORAL
Seria assim a noccedilatildeo de equiliacutebrioigualdade o elo moral de todas as
condutas humanas que reivindicam a participaccedilatildeo do Direito Eacute o criteacuterio moral de
justiccedila que estabiliza as relaccedilotildees e sem ele natildeo eacute possiacutevel viver
Nesse sentido a sua caracteriacutestica essencial seria constituiacuteda da noccedilatildeo de
equiliacutebrio dentro da qual o homem passa a existir A este equiliacutebrio gerado deve ser
dado o nome de justiccedila por ser o princiacutepio que dirige as relaccedilotildees do homem e que
serve de base para o processo de reconhecimento daquilo a que chamamos Direito
1 Nesse sentido ―a equidade (ou imparcialidade) coincide com a moral em geral as referecircncias a ela
satildeo pertinentes sobretudo em duas situaccedilotildees da vida social Uma se daacute quando natildeo estamos considerando a conduta de um uacutenico indiviacuteduo mas a forma como se tratam classes de indiviacuteduos quando haacute algum encargo ou benefiacutecio a ser distribuiacutedo entre elas (hellip) A segunda situaccedilatildeo ocorre quando algum prejuiacutezo foi causado e se reivindica a indenizaccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do dano Hart Herbert O conceito de Direito pp 205-206 A justiccedila portanto pensa aleacutem do elemento interno da accedilatildeo moral a sua motivaccedilatildeo mas busca se colocar no elemento exterior agrave sua praacutetica qual seja na realizaccedilatildeo de um desejo de igualdade Apesar das criacuteticas que poderemos realizar agrave colocaccedilatildeo geneacuterica da igualdade para aplicaccedilatildeo da justiccedila (jaacute que vinganccedila eacute distinta da distribuiccedilatildeo por exemplo) a distinccedilatildeo da justiccedila da moral comum como fruto do desejo de igualdade nos parece ser correto e dele natildeo deixaremos de nos valer 2 Rawls John uma teoria da justiccedila citado por Ricoeur Paul O Justo 1 p 30
3 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito p 332
4 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 328
5 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
6 Sampaio Ferraz Jr Teacutercio Ibidem p 329
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Justiccedila eacute assim um ideal pertencimento comum entre os homens pelo qual
se prega ou fomenta a igualdade entre os seus membros
Entretanto apesar da correccedilatildeo do pensamento dos aludidos autores se
observarmos as noccedilotildees de justiccedila que a Histoacuteria nos daacute perceberemos que elas (i)
tanto satildeo diferentes entre si como (ii) podem natildeo representar de fato um desejo de
igualdade entre os homens
Nesse sentido ainda que se quisesse natildeo se poderia considerar de maneira
igual por exemplo a justiccedila retributivareparatoacuteria que eacute a forma de Direito mais
antiga entre os homens a justiccedila comutativa (justiccedila derivada do acordo contratual
que busca equilibrar os elementos de uma permuta a partir do momento em que a
Economia precisa de uma reflexatildeo imediata do Direito a respeito das relaccedilotildees por
ela estabelecidas) ou mesmo uma justiccedila distributiva (bem mais proacutexima do Direito
estatal moderno e do exerciacutecio poliacutetico das ―democracias poacutes-Revoluccedilatildeo Francesa)
Da mesma forma natildeo se poderia concluir que tais noccedilotildees de justiccedila se baseiam em
um desejo de realizaccedilatildeo da igualdade entre os homens
Se observarmos as diversas noccedilotildees de justiccedila que nos satildeo dadas veremos
que elas na verdade se identificam muito mais com o aspecto institucional do
exerciacutecio do Direito do que se ligam com a busca do bem e a realizaccedilatildeo do
pertencimento tiacutepicos da moral Elas se relacionam primordialmente com intenccedilatildeo
de impeacuterio do Direito que busca mantecirc-lo vaacutelido perante os homens Em uacuteltima
instacircncia natildeo importa se servem para a praacutetica de um padratildeo moral mas antes se
valem para a realizaccedilatildeo de determinados interesses
Isso acontece por exemplo com a justiccedila comutativa onde a bilateralidade
atributiva que conteacutem em si uma forma de igualdade serve na verdade a
determinados interesses econocircmicos que precisam ser assegurados pelo poder
poliacutetico que emana do Direito Eacute assim tambeacutem com a justiccedila retributiva a qual
inspirada no desejo comum de vinganccedila vecirc este desejo monopolizado pelo poder
poliacutetico do Estado que o exerce atraveacutes da institucionalizaccedilatildeo do seu Direito ou
mesmo com a justiccedila distributiva que serve no fundo agrave pacificaccedilatildeo de conflitos
para a manutenccedilatildeo da seguranccedila do modelo institucionalmente imposto
Ocorre poreacutem que se a justiccedila eacute entendida dessa maneira a igualdade que
ela pressupotildee acaba por se resumir ao contraacuterio do que se concluiu inicialmente (eacute
dizer que justiccedila eacute o princiacutepio moral do Direito) a uma forma de dominaccedilatildeo que ao
manipular interesses dissimula interesses que lhe satildeo anteriores Se levado a uacuteltimo
termo trata-se a justiccedila neste exerciacutecio de poder de um jogo de interesses sendo
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que seraacute mais justo o padratildeo que mais souber ocultar os interesses por detraacutes da
pregaccedilatildeo da igualdade e ateacute mesmo souber fingir ser moral para se desviar da
necessidade que ela impotildee a respeito de se fazer o bem
A articulaccedilatildeo moral da maneira que nos eacute ensinada nesse acircmbito eacute quase
inexistente Na verdade se o problema da justiccedila fosse apenas este jogo de
interesses o problema da moral do Direito natildeo existiria vez que acabariacuteamos por
concluir que (i) o mais justo eacute o mais imoral ou mesmo o mais amoral e
consequentemente que (ii) natildeo haacute justiccedila ou natildeo haacute moral (sim pois se apenas
existe o mal natildeo existe o bem moral pelo que o proacuteprio mal natildeo existe) jaacute que seria
apenas dissimulando interesses que se conquistam padrotildees de uma falsa igualdade
Neste cenaacuterio que vai de mal a pior perde-se a esperanccedila na possibilidade de
existir algo aleacutem dos jogos de interesses fundados no egoiacutesmo humano de maneira
que a justiccedila faccedila algum sentido
O problema da igualdade revelado a partir dos interesses ganha entatildeo um
novo niacutevel de reflexatildeo Se a igualdade eacute pensada a partir do seu motivo natildeo basta
apenas que exista estruturalmente a igualdade natildeo basta que seja pensada
―coletivamente Faz-se necessaacuterio que moralmente a igualdade faccedila sentido e que
natildeo se destine a justiccedila a realizar o interesses de alguns
Ora eacute exatamente sobre este ponto que repousa toda a discussatildeo Se o jogo
de interesses representa a perda da possibilidade de igualdade entre os homens
(igualdade esta que como vimos eacute o fundamento da ideia de justiccedila) para que esta
exista a forccedila que motiva a accedilatildeo deve ser portanto desinteressada
A questatildeo eacute existiria alguma forccedila desinteressada no acircmbito da accedilatildeo
humana capaz de fundamentar a igualdade entre os homens sem que isso
represente um jogo de manipulaccedilotildees
Sem duacutevida para que houvesse este tipo de forccedila desinteressada natildeo
poderia ter ela origem nos desejos ordinaacuterios que servem justamente para que o
homem persiga determinados interesses Deveria haver um desejo superior que a
fundamentasse de maneira que natildeo existisse qualquer condiccedilatildeo que lhe tirasse a
necessidade Ao ser necessaacuterio o desejo seria universal vaacutelido para todos os
homens em qualquer tempo e assim poderia criar condiccedilotildees de igualdade para se
existir
Se concebido dessa maneira ndash e parece ser essa a uacutenica forma que se pode
pensar ndash para se formular uma teoria da justiccedila eacute indispensaacutevel a universalidade do
padratildeo moral precedecirc-la de maneira que esta seja atraveacutes da universalidade
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fomentada entre os homens E eacute neste ponto em que os padrotildees de justiccedila que
apontamos se mostram insuficientes para gerar igualdade porque natildeo levam em
conta o elemento da motivaccedilatildeo moral o interesse que inspira essas formas de
igualdade deixam de observar que facilmente a questatildeo da justiccedila se torna o
problema da injusticcedila
A universalidade se faz necessaacuteria na medida em que natildeo havendo um valor
de bem intriacutenseco agraves accedilotildees que se busca compreender natildeo poderaacute haver um bom
desejo podendo qualquer interesse decorrente de qualquer desejo servir de base
para a realizaccedilatildeo da ―igualdade Se isto ocorre o sentido de justiccedila acaba por se
resumir agrave forma de sua igualdade a qual resolve no fim das contas apenas parte
do problema Eacute dizer se a moral encontra seu ponto uacuteltimo na divisatildeo entre os
desejos e a ideia de igualdade que possibilita um conceito de justiccedila depende da
moral apenas quando se encontra um desejo universal eacute que se localiza uma justiccedila
que verdadeiramente serve a todos os homens
Aiacute a primeira grande importacircncia de Kant para o resgate do sentido de justiccedila
encontrar um elemento do desejo humano que parta da sua motivaccedilatildeo subjetiva
capaz de alcanccedilar a universalidade moral possibilitando a realizaccedilatildeo da igualdade
na sua universalidade A segunda contribuiccedilatildeo como veremos a seguir eacute o
elemento praacutetico da proacutepria construccedilatildeo universal que guia o homem para o seu todo
humano como um fim em si mesmo capaz de resgatar o homem da sua apatia e
indeterminaccedilatildeo eacuteticas Ambas em conjunto caminham agrave noccedilatildeo de amor ao
proacuteximo que nos eacute trazida do cristianismo
2 O PROBLEMA DO FORMALISMO KANTIANO
Para que possamos avanccedilar no entanto seraacute necessaacuterio falar do problema
do formalismo kantiano jaacute que a foacutermula de universalidade que ele nos indica
parece se resumir a um simples absoluto loacutegico com isto queremos que apareccedila a
intenccedilatildeo escatoloacutegica de Kant e surja na dignidade do homem o caminho da vida
em comum
De fato se nos limitarmos agraves linhas baacutesicas da filosofia kantiana
perceberemos que ela nos eacute apresentada como aquela na qual a possibilidade de
accedilatildeo nos horizontes morais segundo juiacutezos que se remetem a maacuteximas evoca o
imperativo categoacuterico como prova da autonomia da vontade no homem Na sua
determinaccedilatildeo criacutetica trata-se de uma vontade que estaacute sujeita agraves leis da proacutepria
razatildeo um fundamento da capacidade de agir que natildeo dialoga imediatamente com
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outra coisa senatildeo com a proacutepria razatildeo que quer que se determina conforme a
razatildeo que legisla
O sistema que ele cria da maneira que o proacuteprio Kant pretendeu eacute uma
tentativa de localizar o a priori dentre os moacutebiles do agir no intuito de dar
continuidade ao seu projeto criacutetico agrave esfera do querer humano Quando ele localiza a
liberdade como condiccedilatildeo do agir a vontade a um determinado fim como meio e
todo caminho que atrapalhe a vontade de atingir diretamente o seu fim como
contingecircncia realiza o seu plano e daacute organicidade aos conhecimentos sobre a
moral
Visto dessa maneira tudo parece indicar que na esfera da moralidade natildeo
haacute outra coisa a se pensar senatildeo a sua construccedilatildeo baseada em um tipo de absoluto
loacutegico Sim pois se as ligaccedilotildees se datildeo por meio de determinados elementos
estruturais fixos o pensamento de Kant sobre a eacutetica natildeo pode ser senatildeo pura
forma
Nesse sentido tomemos de exemplo as palavras de Deleuze que
interpretando o pensamento de Kant nos mostra o instante em que a filosofia moral
de Kant eacute uma edificaccedilatildeo loacutegica e portanto formal
―Vimos que a faculdade de desejar era capaz de uma forma superior quando ela era determinada natildeo por representaccedilotildees de objectos (sensiacuteveis ou intelectuais) natildeo por um sentimento de prazer ou de dor que ligaria representaccedilotildees deste geacutenero agrave vontade mas pela representaccedilatildeo de uma pura forma Esta forma pura eacute a de uma legislaccedilatildeo universal A lei moral natildeo se apresenta como um universal comparativo e psicoloacutegico (por exemplo natildeo faccedilas aos outros etc) A lei moral ordena-nos que pensemos a maacutexima da nossa vontade como ―princiacutepio de uma legislaccedilatildeo universal Eacute pelo menos conforme agrave moral uma acccedilatildeo cuja maacutexima pode ser pensada sem contradiccedilatildeo como lei universal O universal neste sentido eacute um absoluto loacutegico
7
Pensada assim a filosofia de Kant natildeo serve agrave formaccedilatildeo de uma praacutexis
servindo como uma mera foacutermula metafiacutesica E de fato uma vez que se detenha
nessa criacutetica ver-se-aacute que ela eacute procedente por alguns motivos
Em primeiro lugar haacute um claro formalismo na maneira que satildeo constituiacutedos
os seus escritos que por mais das vezes dentro de um rigoroso encadeamento
loacutegico arriscam-se em tautologias O meacutetodo geral de sua filosofia que tambeacutem eacute
vaacutelido para a sua Eacutetica se articula de maneira que nela se tenha como objetivo
provar que a razatildeo eacute a faculdade de adequar o seu objeto ndash no caso da moral a
7 Deleuze Gilles A filosofia Criacutetica de Kant p 35
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razatildeo praacutetica ndash conforme a um fim Eacute da prova silogiacutestica em que se constituem suas
foacutermulas8
Em um segundo momento vemos um formalismo intriacutenseco agrave sua filosofia
moral no que diz respeito agrave capacidade de legislar Esta inerente agrave razatildeo natildeo se
realiza segundo Kant da mesma maneira para o conhecer e para o querer No caso
do conhecimento haacute uma clara relaccedilatildeo entre um eu-subjetivo e mundo-objetivo que
no seu ponto a priori e universalizaacutevel ―significa a capacidade de perceber9 Isso
cria no fim das contas as condiccedilotildees objetivas de todo conhecimento e universaliza
a razatildeo pura ora se se condiciona o sujeito ao objeto e o objeto ao sujeito fecha-se
um sistema entre eles o qual se considerarmos o seu objeto como um conjunto de
apreensotildees da experiecircncia realiza de fato uma faculdade de conhecer uniforme
No caso do querer no entanto estaacute ausente a apreensatildeo fenomecircnica isto eacute
falta-lhe o mundo-objetivo Como vimos anteriormente para Kant o querer tem entre
a accedilatildeo e a liberdade do sujeito apenas a proacutepria vontade que na sua forma pura
nada mais eacute que o representante da razatildeo dentro do sujeito O plano objetivo
igualmente eacute a representaccedilatildeo da razatildeo pura na ideia de lei moral Nesse sentido
natildeo haacute coisas que estejam postas para serem percebidas em estruturas e
compartimentadas conforme as suas categorias observaacuteveis O subjetivo eacute a razatildeo e
o objetivo tambeacutem o eacute haacute apenas a razatildeo se articulando no sujeito observando o
dever que tem perante a lei moral intermediando a liberdade e os fins da accedilatildeo
humana tornando ela capaz de ser accedilatildeo moral Em outras palavras na criacutetica eacutetica
de Kant tudo se resume agrave razatildeo a razatildeo que quer eacute a razatildeo que legisla Tudo
permanece dentro do sujeito transcendental o subjetivo e o objetivo advecircm da
mesma origem restando a liberdade como afirma Hegel como elemento de
autolimitaccedilatildeo exterior e portanto formal10
8 Nesse sentido o proacuteprio Kant como vimos afirma ―a divisatildeo da Analiacutetica da razatildeo praacutetica pura teraacute
de resultar semelhante agrave de um silogismo ou seja procedendo do universal na premissa maior (do princiacutepio moral) mediante uma subsunccedilatildeo na premissa menor de possiacuteveis accedilotildees (como boas ou maacutes) sob aquela agrave conclusatildeo ou seja agrave determinaccedilatildeo subjetiva da vontade (a um interesse pelo bem praticamente possiacutevel e agrave maacutexima fundada sobre aquele) Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes p 147 Para tanto cumpre salientar que Kant considera que a razatildeo enquanto faculdade superior eacute dizer como universalidade dos seus proacuteprios fins se realiza tanto subjetivamente enquanto se reflete acerca das condiccedilotildees de cada sujeito alcanccedilar o princiacutepio aplicaacutevel como objetivamente onde se eacute capaz de pensar nas condiccedilotildees gerais que concretizam determinado fim como fim universal Este eacute portanto o meacutetodo loacutegico de universalizaccedilatildeo de Kant 9 Cf Cacciola Maria Luacutecia Os pensadores um Curso p 144
10 Nesse sentido vemos a criacutetica realizada por Hegel ―a definiccedilatildeo kantiana geralmente admitida
(Kant Doutrina do Direito) em que o elemento essencial eacute a 1limitaccedilatildeo da minha liberdade (ou do meu livre-arbiacutetrio) para que ela possa estar de acordo com o livre-arbiacutetrio de cada um segundo uma lei gerallsquo apenas constitui uma determinaccedilatildeo negativa (a de limitaccedilatildeo) Por outro lado o positivo que haacute nela a lei da razatildeo universal ou como tal considerada o acordo da vontade particular de cada um com a de cada outro leva agrave bem conhecida identidade formal e ao princiacutepio da contradiccedilatildeo A citada
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Parece contudo que se o pensamento kantiano ficasse limitado agraves
fragilidades do seu formalismo ficaria incompreendido com relaccedilatildeo agrave sua finalidade
Isto parece coincidir com as intenccedilotildees do proacuteprio autor senatildeo acabaria natildeo tendo
feito Eacutetica mas Loacutegica
Assim buscaremos observar a idealidade da razatildeo praacutetica ndash jaacute que concorda
sempre e unicamente consigo mesma sem elementos externos ndash e a relaccedilatildeo que
existe entre humanidade como fim em si mesmo o conceito de autonomia e o reino
dos fins vislumbrado por Kant de maneira que do sentido da sua filosofia moral
decorra uma noccedilatildeo de justiccedila ndash e como ela eacute na verdade uma articulaccedilatildeo da ideia
cristatilde de amor ao proacuteximo
A idealidade da razatildeo praacutetica eacute um elemento imprescindiacutevel para
compreensatildeo da moral Segundo Joaquim Salgado o ideal decorre da
ultrapassagem da noccedilatildeo que eacute um conceito puro que tem origem tatildeo soacute no
entendimento de maneira que ―quando a noccedilatildeo se torna transcendente isto eacute
ultrapassa toda possibilidade da experiecircncia tem-se a ideia ou o conceito da
razatildeo11
Nessa linha ideia eacute o ―esforccedilo metafiacutesico da razatildeo12 a sua pura
transcendentalidade ou encontro das condiccedilotildees da razatildeo que natildeo pode ser provada
no plano exterior mas eacute pressuposto na sua siacutentese total e incondicionada13
Partindo sempre Kant de noccedilotildees ele busca justamente reunir os elementos que
delas derivam para compor as ideias que dirigem a razatildeo pura
Com efeito deve-se notar que apesar de ser incondicionada a ideia tem um
valor em si aleacutem de ser o ponto que legitima o esforccedilo metafiacutesico Isso porque nela
que se encontra o ponto de unidade entre os conceitos comuns (como por exemplo
o de boa vontade) que faraacute com que o valor perseguido pela razatildeo se legitime
tornando-se regra universal Destarte a ideia eacute a totalidade daquilo que se torna
definiccedilatildeo conteacutem a ideia muito divulgada desde Rousseau de que a base primitiva e substancial deve estar natildeo na vontade como existente e racional em si e para si natildeo no espiacuterito como espiacuterito verdadeiro mas na vontade do indiviacuteduo no livre-arbiacutetrio que lhe eacute proacuteprio Uma vez aceito tal princiacutepio o racional soacute pode aparecer para essa liberdade como uma limitaccedilatildeo natildeo Portanto como razatildeo imanente mas como um universal exterior formal Natildeo precisa o pensamento filosoacutefico recorrer a qualquer consideraccedilatildeo especulativa para repelir este ponto de vista desde que ele produziu nas cabeccedilas e na realidade acontecimentos cujo horror soacute tem igual na vulgaridade dos pensamentos que os causaram Hegel G W F Princiacutepios da Filosofia do Direito Trad Orlando Vitorino apud in Novelli Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos p 107 11
Salgado Joaquim Ibidem p 43 12
Salgado Joaquim Ibidem p 52 13
Salgado Joaquim Ibidem p 43
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inquestionaacutevel a partir das condiccedilotildees comuns14 A ideia portanto ao fazer o papel
de siacutentese conteacutem em si a finalidade da razatildeo
Diante deste cenaacuterio retornamos ao conceito de humanidade o qual
transformado no ideal de humanidade como um fim e si mesmo conteacutem o ponto
nodal de toda a criacutetica moral Neste sentido retornemos ao iniacutecio deste capiacutetulo e
vejamos como Kant inicia sua Fundamentaccedilatildeo do conceito comum de boa vontade
ateacute chegar agrave lei moral que eacute o ideal que dirige a motivaccedilatildeo agrave sua universalidade A
partir daiacute a lei moral expressa no imperativo categoacuterico encontra sua expressatildeo
praacutetica suprema na ideia de humanidade expressa no imperativo praacutetico ―age de tal
maneira que tomes a humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de
qualquer outro sempre ao mesmo tempo como fim nunca meramente como
meio15 momento a partir do qual se passa agrave realizaccedilatildeo da razatildeo em sua idealidade
(isto eacute na pura transcendentalidade)
Kant afirma claramente que humanidade eacute uma ideia que eacute na verdade a
ideia de ―humanidade como um fim em si mesmo16 Para demonstrar a
possibilidade da ideia ele faz quatro afirmaccedilotildees baseadas nos exemplos que usou
para confirmar a validade do imperativo categoacuterico
Na primeira Kant busca apontar os riscos que haacute em tornar a vida humana
um bem disponiacutevel Segundo ele condicionar a vida a determinadas condiccedilotildees eacute
fazecirc-la coisa e assim destruir a sua incondicionalidade Se assim se faz perde-se o
proacuteprio significado do homem ser um e uacutenico com a humanidade que soacute pode ser
um fim para ele jamais um meio Se o homem eacute meio a moral jaacute natildeo tem sentido17
Na segunda Kant quer mostrar como natildeo se valer de si ou de outro como
humanidade em si mesma significa a perda da capacidade de estabelecer um
criteacuterio igualitaacuterio nas relaccedilotildees entre os homens representando no fim das contas a
perda da capacidade de concordacircncia entre os homens18 a qual apenas se tem
quando a moral se funda na responsabilidade de cada accedilatildeo pela proacutepria
humanidade
14
―A razatildeo natildeo se contenta com as condiccedilotildees conhecidas na experiecircncia dada mas progride na seacuterie das condiccedilotildees ateacute o incondicionado que eacute a totalidade das condiccedilotildees ou a ideia a que nenhum objeto dos sentidos corresponde Salgado Joaquim Ibidem p 55 15
Kant Immanuel Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes pp 243245 16
Kant Immanuel Ibidem p 245 17
Kant Immanuel se ele [homem] destroacutei a si mesmo para fugir de um estado difiacutecil de suportar ele se serve de uma pessoa como um mero meio para conservaccedilatildeo de um estado toleraacutevel ateacute o fim da vida Ibidem p 245 18
Kant Immanuel Ibidem p 247 ―eacute impossiacutevel que aquele que eu quero usar para as minhas intenccedilotildees mediante tal promessa [mentirosa] concorde com a minha maneira de proceder com ele e contenha portanto ele proacuteprio o fim dessa accedilatildeo
29
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Na terceira afirmaccedilatildeo ele diz que natildeo importa apenas que a accedilatildeo natildeo esteja
em conflito com a humanidade mas deve com ela estar de acordo Significa no fim
das contas um dever positivo natildeo negativo que importa na conservaccedilatildeo da
humanidade como fim em si mesmo e a promoccedilatildeo deste fim19
Na quarta e uacuteltima ele insiste no dever positivo mostrando com a
humanidade em si mesmo soacute eacute capaz de significar isso quando a moral se baseia na
busca da felicidade do outro20 busca esta que representa o proacuteprio fim a ser
perseguido com relaccedilatildeo agrave humanidade Dessa maneira ele expressa na
humanidade como um fim em si mesmo o proacuteprio ideal de humanidade e o seu
destino comum que sua foacutermula visa Jaacute eacute possiacutevel entatildeo a felicidade de todos jaacute
que ―os fins do sujeito que eacute fim em si mesmo tecircm de ser tambeacutem tanto quanto
possiacutevel os meus fins se aquela representaccedilatildeo deve produzir em mim todo o seu
efeito21
Assim ficamos tentados a dizer que o ―eu transcendental moral (razatildeo)
subjetivo eacute seguido natildeo de outro ―eu (razatildeo) objetivo Isto tornaria a lei moral uma
questatildeo de escolha ―individual o que natildeo poderia jamais se coadunar com os
objetivos do autor O aspecto praacutetico do imperativo onde a humanidade ocupa o
lugar da lei moral poderia ser mais bem definido como certo ldquonoacutesrdquo transcendental
Evidentemente o termo transcendental de alguma maneira jaacute faz as vezes
do ―noacutes Contudo aqui esta pessoa do plural toma um sentido diferente Queremos
com ela nos referir a uma postura do ―eu que se coloca diante de si um ideal a que
se chama ―humanidade Assim com a filosofia moral kantiana pensamos como
somos capazes de agir o destino do nosso ―eu conforme o destino da
―humanidade Parece ser este tipo de altruiacutesmo que natildeo eacute outro mas noacutes mesmos
objeto de defesa kantiana Em outras palavras Kant prega uma concordacircncia entre
a nossa proacutepria humanidade e a humanidade em geral enquanto o ideal metafiacutesico
de todas as accedilotildees respectivamente princiacutepio do querer e lei moral
Aiacute reside ao que tudo indica a grande contribuiccedilatildeo da filosofia moral de Kant
apesar do formalismo do filoacutesofo Diante as quatro afirmaccedilotildees que servem para
mostrar a validade do imperativo praacutetico (―age de tal maneira que tomes a
humanidade tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro sempre ao
19
Cf Kant Immanuel Ibidem p 249 20
Como jaacute explicamos anteriormente querer o bem-estar (felicidade) particular e o bem-estar geral satildeo coisas distintas jaacute que a segunda pode conter a universalidade a primeira jamais Apenas o desejo de bem-estar geral pode concordar com o destino fraterno de todos e somente nele pode estar a propriedade categoacuterica do imperativo e de toda accedilatildeo moral 21
Kant Immanuel Ibidem p 249
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mesmo tempo como fim nunca meramente como meio) ele nos fornece um ideal
que carregado de princiacutepios relativos ao querer serve para a concretizaccedilatildeo da vida
em comum e abre a possibilidade de um destino para o homem que natildeo seja
apenas a realizaccedilatildeo de um jogo de interesses
E eacute dessa maneira que Kant chega agrave terceira foacutermula do imperativo
categoacuterico que exibe a ―vontade universalmente legislante22 O acento das
formulaccedilotildees que se iniciou na maacutexima e decorreu agrave possibilidade de fundamentar o
homem como um fim em si mesmo agora toma aparentemente atraveacutes da abertura
que lhe deu o ideal de humanidade a universalidade da vontade como objeto da
moral pensando a responsabilidade que implica a liberdade ao sujeito que eacute capaz
de legislar de acordo com a lei Esta responsabilidade que decorre da natureza
mandamental da lei moral eacute que daacute ao sujeito que legisla de acordo com o desejo
superior a sua autonomia ―legislando universalmente segundo o seu fim natural23
Esse fim natural que se confunde com o fim em si mesmo que Kant expotildee na
segunda formulaccedilatildeo do imperativo categoacuterico eacute um lugar a ser encontrado ―Imagina
que a tua maacutexima tenha o valor de uma lei universal da natureza ndash e examina
entatildeo o que a sua aplicaccedilatildeo acarretaria cita Lebrun24 De fato ―se eu determino a
minha vontade de modo a romper com toda motivaccedilatildeo natural eacute porque estou
cumprindo a funccedilatildeo de legislador a que me destinava a natureza25 A obediecircncia agrave
lei assim aparece
―Agora como o ato conforme por excelecircncia ao sentido de minha
existecircncia E com isso mesmo adquiro uma nova compreensatildeo de por que nunca devo tratar a humanidade racionaacutevel como mero meio cada vez que por egoiacutesmo recuso a dignidade de ser racionaacutevel a outro homem estou negando que o ser racionaacutevel seja nessa sua qualidade legislador universal por natureza ndash e assim que eu queira ou natildeo a expressatildeo ―ser racionaacutevel acaba designando para mim nada mais do que uma particularidade que especifica alguns viventes ndash um fato natural natildeo uma vocaccedilatildeo por natureza
26
Kant nesse sentido procura na moral mais do que localizar o seu ponto a
priori Busca a vocaccedilatildeo a que a liberdade possibilita justamente pela capacidade de
exerciacutecio ideal que a razatildeo praacutetica permite Como vimos de alguma maneira na
anaacutelise do mal radical (A Religiatildeo nos limites da simples Razatildeo) o projeto kantiano eacute
a construccedilatildeo teoloacutegica dos fins dos homens que unidos na sua autonomia ndash eacute dizer
22
Kant Immanuel Ibidem p 253 23
Kant Immanuel Ibidem p 257 24
Lebrun Geacuterard Uma escatologia para a moral apud in Kant Immanuel Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista cosmopolita p 74 25
Lebrun Geacuterard Ibidem p 74 26
Lebrun Geacuterard Ibidem p 75
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porque tecircm a razatildeo como elemento unificador e pressuposto a todos os atos ndash
percebem o sentido da vida em comum pela razatildeo sabem o motivo pelo qual foram
criados
―Natildeo fosse o horizonte da Criaccedilatildeo seria impossiacutevel pensar-se o conjunto dos seres racionaacuteveis como uma totalidade sistemaacutetica a humanidade somente seria imaginaacutevel como uma pluralidade de pontos disseminados ndash da forma que aparece no plano da natureza sensiacutevel
27
A vontade universal portanto eacute mais uma vez concorde agora com uma
vontade superior que eacute a expressatildeo racional de unidade do querer Porque
colocado o desejo superior como pressuposto de todo querer a vontade tem em si o
destino a ser seguido por todos os homens na aptidatildeo a que foram criados Agrave
reuniatildeo de todos os homens sob tal vocaccedilatildeo Kant predica o destino de um reino
dos fins que eacute o destino da liberdade dada pela razatildeo substituindo o discurso
poliacutetico acerca da sociedade por um da escatologia do homem28
―Entendo poreacutem por reino a ligaccedilatildeo sistemaacutetica de diferentes seres racionais mediante leis comuns Ora uma vez que as leis determinam os fins segundo sua validade universal seraacute possiacutevel entatildeo se nos abstrairmos da diferenccedila pessoal dos seres racionais bem como de todo conteuacutedo de seus fins privados pensar um todo de todos os fins (tanto dos seres racionais enquanto fins em si como tambeacutem dos fins proacuteprios que cada um possa pocircr para si mesmo) em conexatildeo sistemaacutetica isto eacute um reino dos fins o que eacute possiacutevel segundo os princiacutepios acima29
Os homens assim na praacutetica moral se tornam seres racionais de um uacutenico
sistema completamente transcendental de maneira que os fins de cada ―eu eacute um
todo moral contendo cada accedilatildeo o esforccedilo para entrada no aludido reino totalizante
Isto eacute possiacutevel apenas porque natildeo haacute neste reino qualquer ser que seja tratado
como meio mas cada um eacute o fim de todos os outros Desse modo eacute que se alcanccedila
o valor intriacutenseco do homem a sua dignidade Como Kant explica
―Ora a moralidade eacute a uacutenica condiccedilatildeo sob a qual um ser racional pode ser
fim em si mesmo porque soacute atraveacutes dela eacute possiacutevel ser um membro legislante no reino dos fins Portanto a moralidade e a humanidade na
27
Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 28
Nesse sentido veja-se novamente Lebrun ―a ideia de ―reino dos fins desordenaraacute de maneira definitiva os dados da antropologia poliacutetica o indiviacuteduo humano (do qual partiam os pensadores poliacuteticos) natildeo seraacute mais por definiccedilatildeo do que um ser ―patoloacutegico abstrato (hellip) e o uacutenico ponto de partida para o discurso escatoloacutegico que entatildeo sucede ao discurso poliacutetico seraacute a pessoa noumenal dedicada por sua essecircncia a uma comunidade o ser puramente racionaacutevel cujo modelo terreno obviamente natildeo eacute mais o indiviacuteduo poreacutem o membro do gecircnero humano Lebrun Geacuterard Ibidem p 76 (grifo nosso) 29
Kant Immanuel Ibidem p 259
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medida em que ela eacute capaz da mesma eacute a uacutenica coisa que tem dignidade
30
Assim o homem tornado agrave sua racionalidade pura na praacutetica de suas accedilotildees
encontra a dignidade que eacute intriacutenseca agrave humanidade como fim em si mesmo A
dignidade eacute da autonomia e da sistematicidade que deve respeito a esta autonomia
que concorda com a legislaccedilatildeo universal
A escatologia kantiana aponta para a realizaccedilatildeo de uma forma de
comunidade universal cujo fundamento de justiccedila reside justamente no
respeito e no cuidado muacutetuos que eacute no fim das contas bem querer aquele
que estaacute proacuteximo
Todos os princiacutepios decorrentes da boa vontade (―fidelidade agraves promessas
―benevolecircncia por princiacutepio31) buscam cumprir o valor intriacutenseco da humanidade
enquanto se encaminha para o destino comum A justiccedila que lhe decorre eacute pautada
pelo respeito agrave liberdade de cada vontade sem a intenccedilatildeo de deturpar a sua
escolha ndash que deve livremente apenas pela reverecircncia escolher a lei moral ndash da
mesma maneira que todos assim devem realizar A isto se daacute o nome de dignidade
do homem que eacute base de todas as declaraccedilotildees de direitos que se baseiam no
anseio humanitaacuterio de kantiano
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Assim neste ideal de humanidade que sustenta a intenccedilatildeo de linearidade no
homem e o daacute sentido de destino estatildeo incluiacutedos a liberdade e a igualdade Parece
ser este ideal o princiacutepio e o fim de toda a filosofia de Kant Estaacute o desejo superior
de benevolecircncia que eacute princiacutepio e fim em todo querer racional Aliaacutes colocada esta
noccedilatildeo de justiccedila antes mesmo do proacuteprio Direito que depende da moral na busca de
uma possiacutevel universalidade das suas diretrizes eacute do sentido que dela emana que
passa a existir o homem na eacutetica kantiana que justiccedila seja bem querer ao outro
que eacute no fim das contas um representante de todos noacutes
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
CACCIOLA Maria Lucia Os pensadores um Curso Rio de Janeiro Casa da
Palavra 1ordf Ed 2009
30
Kant Immanuel Ibidem p 265 31
Kant Immanuel Ibidem p 267
33
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DELEUZE Gilles Para ler Kant Trad Sonia Dantas Guimaratildees Rio de
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HART Herbert O conceito de Direito Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1ordf Ed
2009
KANT Immanuel A religiatildeo nos limites da simples razatildeo trad Artur Mouratildeo
Lisboa Editora 70
_____________ Criacutetica da Razatildeo Praacutetica Trad com introduccedilatildeo e notas de
Valeacuterio Rohden Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2011
_____________ Fundamentaccedilatildeo da Metafiacutesica dos Costumes introduccedilatildeo por
Guido Antocircnio de Almeida Satildeo Paulo Barcarolla 2009
____________ Ideia de uma Histoacuteria universal de um ponto de vista
cosmopolita Satildeo Paulo Martins Fontes 2008 Apresentaccedilatildeo Geacuterard Lebrun
NOVELLI Pedro Aparecido A criacutetica de Hegel ao conceito de lei em Kant
Revista Eletrocircnica de Estudos Hegelianos
RICOEUR Paul O Justo 1 Trad Ivone Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes
2008
SALGADO Joaquim Carlos Salgado A ideia de justiccedila em Kant Seu
fundamento na liberdade e na igualdade Belo Horizonte Del Rey 3ordf Ed 2012
SAMPAIO FERRAZ JR Teacutercio Introduccedilatildeo ao Estudo do Direito Teacutecnica
Decisatildeo Dominaccedilatildeo 6ordf ed Satildeo Paulo Ed Atlas 2012
Autor ndash Piterson Balmat Gonccedilalves
Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade de Satildeo Paulo Graduado em Direito pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo Professor e Advogado E-mail piterson_avyahoocombr
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A REFORMA GENEBRINA E AS SEMENTES DO CAPITALISMO
ldquoCalvino e o calvinismo de origem
contribuiacuteram certamente para tornar
muito mais faacuteceis no seio das populaccedilotildees
reformadas o desenvolvimento da vida
econocircmica e o surto do capitalismo
nascenterdquo
Andreacute Bieacuteler32
RESUMO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber a Reforma Protestante do seacuteculo
XVI proporcionou o florescimento do capitalismo Para tanto Weber estudou o
calvinismo o pietismo o metodismo e os batistas Mas seraacute que o calvinismo possui
alguma relaccedilatildeo causal com o capitalismo O objetivo desse ensaio foi demonstrar
como alguns elementos poliacuteticos e econocircmicos na reforma calvinista em Genebra
propiciaram o desenvolvimento do capitalismo Para tanto essa pesquisa serviu-se
do meacutetodo qualitativo com pesquisa bibliograacutefica nas obras de Vicente Themudo
Lessa e Andreacute Bieacuteler O ensaio apontou que embora os objetivos de Joatildeo Calvino
natildeo fossem capitalistas os aspectos poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Calvinista
em Genebra carregaram em si os elementos seminais do capitalismo
Palavras-chave Calvinismo Genebra Reforma Protestante Capitalismo
ABSTRACT
According to German sociologist Max Weber the 16th century Protestant
Reformation provided the flourishing of capitalism Weber studied Calvinism Pietism
Methodism and Baptists But does Calvinism have any causal relationship to
capitalism The purpose of this essay was to demonstrate how some political and
economic elements in the Calvinist reform in Geneva led to the development of
capitalism Therefore this research used the qualitative method with bibliographic
research in the works of Vicente Themudo Lessa and Andreacute Bieacuteler The essay
pointed out that while John Calvins goals were not capitalist the political and
32
Andreacute Bieacuteler (1990 p 661)
autor Prof Dr Ceacutesar Rocha Lima
rochalimauspbr
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economic aspects of the Calvinist Reformation in Geneva carried within them the
seminal elements of capitalism
Keywords Calvinism Geneva Protestant Reformation Capitalism INTRODUCcedilAtildeO
De acordo com o socioacutelogo alematildeo Max Weber (1864-1920) ―o ascetismo
cristatildeo que de iniacutecio se retirara do mundo para a solidatildeo jaacute tinha regrado o mundo
ao qual renunciara a partir do mosteiro e por meio da igreja [] Agora avanccedilava
para o mercado da vida fechando atraacutes de si a porta do mosteiro (2009 p 121)
Para demonstrar a nova forma do ascetismo cristatildeo Weber distinguiu o ethos
protestante como elemento responsaacutevel pela vida disciplinada apego ao trabalho e
valorizaccedilatildeo da poupanccedila Nesse mister ele estudou algumas categorias do
protestantismo claacutessico entre elas o calvinismo o pietismo o metodismo e as
―seitas batistas (sic)
Em se tratando do calvinismo Weber afirmou que a sua doutrina central
(predestinaccedilatildeo) associada ao conceito luterano de trabalho como vocaccedilatildeo Beruf33
resultou no florescimento do capitalismo
Mas haveria ipso facto uma relaccedilatildeo entre o calvinismo e o capitalismo O
ramo calvinista da Reforma Protestante do seacuteculo XVI teria abrigado em si as
sementes do capitalismo
Constitui-se como objetivo deste ensaio destacar os principais aspectos
poliacuteticos e econocircmicos da Reforma Genebrina do seacuteculo XVI a fim de examinar se
ela carregou as sementes do capitalismo moderno
Contudo vejamos primeiramente como se desenrolou a Reforma Calvinista
em Genebra na pessoa e obra de Joatildeo Calvino
1 JOAtildeO CALVINO
Calvino nasceu na pequena cidade de Noyon na Franccedila em 10 de julho de
1509 ele foi o segundo filho em uma famiacutelia de cinco irmatildeos
Seu pai Geacuterard Cauvin pertenceu agrave classe meacutedia e trabalhava como
secretaacuterio do bispo e procurador da biblioteca da catedral Sua matildee Jeanne
33
De acordo com Weber (2009 p 69) ―jaacute natildeo resta duacutevida de que na palavra alematilde Beruf e talvez mais claramente ainda na palavra inglesa calling estaacute pelo menos impliacutecita uma conotaccedilatildeo religiosa de uma tarefa confiada por Deus
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Lefranc proveniente de uma famiacutelia da classe alta faleceu quando Calvino possuiacutea
apenas seis anos
Devido agrave posiccedilatildeo que seu pai ocupava e agrave proximidade com o bispo de
Noyon Calvino e seus irmatildeos foram auxiliados no custeio dos seus estudos
(COSTA 2009 p 28) Com esses recursos Calvino pocircde estudar em Paris no
Collegravege de La Marche em 1523 onde teve seu primeiro contato com o humanismo
neste periacuteodo as discussotildees teoloacutegicas estavam num periacuteodo de efervescecircncia34
No ano seguinte ele estudou Gramaacutetica Filosofia e Teologia no Collegravege de
Montaigu concluindo assim a sua licenciatura em Artes Em seguida foi enviado por
seu pai para estudar advocacia na Universidade de Orleans de cunho humanista
―sob a influecircncia do conceituado jurista Pierre LlsquoEacutetoile designado rei da
jurisprudecircncialsquo e priacutencipe dos juristaslsquo que se tornaria posteriormente presidente
do Tribunal do Parlamento em Paris (COSTA 2009 p 31)
Contudo Calvino resolveu deixar a Universidade de Orleans antes de
terminar os estudos transferindo-se em 1529 para a Universidade de Bourges
Com a morte de seu pai ele retornou a Paris a fim de aperfeiccediloar os seus estudos
na liacutengua grega e hebraica no Coleacutegio Fortet
No ano seguinte Calvino adotou as ideias reformistas dispensando o seu
custeio eclesiaacutestico (CAIRNS 1988 p 252) Em 1534 foi compelido a abandonar a
Franccedila por elaborar juntamente com seu amigo Nicolaacutes Cop reitor da Universidade
de Paris um discurso de posse da reitoria o qual continha em seu bojo ideias
humanistas e reformistas Cop foi para Basileia35 e Calvino para outras cidades na
Franccedila Nesse interim Calvino influenciado pelo humanismo e ideias da reforma
aquiesci ao protestantismo propondo um sistema diferenciado de interpretaccedilatildeo das
Escrituras com ecircnfase na soberania de Deus
Em 1536 Calvino publicou o primeiro livro de As Institutas da Religiatildeo
Cristatilde36 que se tornou sua obra mais conhecida (CALVINO 1985 p 15) A partir de
entatildeo ele continuou preparando ediccedilotildees sucessivas37 de As Institutas que
aumentaram gradualmente ateacute a sua forma final (CALVINO 1989)
34
As ideias reformistas deJohn Wyclif John Huss e Martinho Lutero eram debatidas nos principais ciacuterculos acadecircmicos 35
Um dos cantotildees da Suiacuteccedila que serviu como uma espeacutecie de refuacutegio para os protestantes no periacuteodo de preacute-reforma e reforma 36
Trata-se de um livro dirigido ao monarca Francisco I da Franccedila na tentativa de defender os protestantes que eram retaliados pelos seus novos costumes Calvino solicitou ao monarca uma cabal investigaccedilatildeo pois ateacute o momento estaacute tinha sido feita de forma desordenada quando natildeo todo tumultuada e sem nenhuma sistemaacutetica de direito 37
Nas proacuteximas ediccedilotildees de As Institutas Calvino desenvolveu a doutrina da predestinaccedilatildeo sob o
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As Institutas de Religiatildeo Cristatilde foram precedidas de uma epiacutestola dirigida ao
monarca Francisco I rei da Franccedila datada em 23 de agosto de 1535
2 A REFORMA EM GENEBRA
Nesse mesmo ano Calvino decidiu estabelecer seu domiciacutelio em Estrasburgo
lugar onde as ideias e princiacutepios reformistas receberam boa acolhida Este ambiente
tornara-se propiacutecio para as atividades teoloacutegicas e literaacuterias do reformador bastante
oportuno para a produccedilatildeo dos seus trabalhos
Todavia depois de uma breve visita a Ferrara e agrave Franccedila o caminho mais
curto para Estrasburgo estava fechado por confrontos militares e Calvino teve que
se desviar e pernoitar em Genebra
Mal o sabia que isto mudaria totalmente o curso de sua vida Guilherme de
Farel que tentara implantar sem muito sucesso os princiacutepios reformadores na
cidade de Genebra foi informado que Calvino pernoitara ali
Logo em contato com Calvino apresentou vaacuterias razotildees pelas quais
precisava da sua permanecircncia Calvino escutou-lhe atentamente e afirmou que natildeo
poderia aceitar o convite pois buscava em Estrasburgo as condiccedilotildees favoraacuteveis para
os seus estudos
Esgotados os argumentos e sem sucesso Farel fez o seguinte apelo ao
teoacutelogo de forma estridente ―Deus amaldiccediloe teu descanso e a tranquilidade que
buscas para estudar se diante de uma necessidade tatildeo grande te retiras e te negas
a prestar socorro e ajuda (GONZALEZ 1989 p 113)
Diante de tal imprecaccedilatildeo Calvino desistiu dos seus planos em Estrasburgo e
principiou o seu trabalho como reformador em Genebra
Depois de uma breve introduccedilatildeo sobre a vida de Joatildeo Calvino e os caminhos
que o levaram a Genebra vejamos os principais aspectos poliacuteticos e econocircmicos
que culminaram na reforma calvinista na Genebra do seacuteculo XVI
21 - Aspectos Poliacuteticos
Genebra antes da chegada de Farel e Calvino era conduzida na forma de
bispado Seu comando estava nas matildeos de trecircs autoridades o Bispo chamado
tambeacutem de ldquopriacutencipe de Genebra teoricamente o soberano da cidade com poderes
para cunhar moedas fixar impostos comandar a cidade em tempo de guerra julgar
binocircmio depravaccedilatildeo humana poacutes eacuteden e soberania divina
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as apelaccedilotildees e perdoar crimes o Magistrado incumbido da defesa da cidade da
guarda e execuccedilatildeo dos prisioneiros e por fim o Conselho de Genebra composto
de conselheiros de entre os moradores da cidade que julgava as questotildees criminais
concernentes aos leigos (as infraccedilotildees dos sacerdotes era da competecircncia do
bispado) cuidava do abastecimento da cidade das financcedilas e mantinha a boa
ordem por meio da poliacutecia Este era o sistema adotado pela maioria das cidades
europeias catoacutelicas (LESSA 2010 pos 1851)
Diante da grande autoridade do bispado eram frequentes os conflitos em
busca dos direitos entre o bispado o conselho e o povo Contudo em 1536 quando
Genebra abraccedilou oficialmente a reforma38 o bispado perdeu seu poder e os
conselheiros assumiram as funccedilotildees desse Desta forma a Igreja deixou de exercer
a sua primazia sobre o Estado e tornou-se lhe subordinada
Em 1537 a pedido de Farel Calvino iniciou seus trabalhos em Genebra
Ambos redigiram uma Confissatildeo de Feacute39 de vinte e um artigos Essa confissatildeo
serviria de regulamento para a Igreja em Genebra e foi aprovada pelo Conselho em
novembro daquele ano
Uma vez que a Igreja estava subordinada ao Estado e o Conselho era o seu
representante legal coube-lhe o direito de investigar e punir todas as infraccedilotildees das
leis cristatildes Aos pastores fora designado o direito de produzir todos os regulamentos
que julgassem necessaacuterios de assinalar aos magistrados os delitos e incentivar as
puniccedilotildees (LESSA 2010 pos 2217)
Se no sistema anterior a Igreja Romana se envolvia nos assuntos estatais
agora o Estado eacute quem deveria resolver as questotildees eclesiaacutesticas Nesse novo
sistema considerando que o Conselho se pautava por um ethos protestante a
reforma natildeo implicou na eliminaccedilatildeo do controle da Igreja na vida cotidiana mas
antes substituiu o controle vigente por uma nova forma
38
No dia 21 de maio de 1536 na Catedral de Satildeo Pedro reuniu-se o Conselho e foi lida uma moccedilatildeo em que se decidia por unanimidade a aceitaccedilatildeo da religiatildeo reformada e a supressatildeo das missas e do modelo de culto proposto por Roma Logo foi colocada a porta da Catedral uma placa com a seguinte inscriccedilatildeo ldquoEm memoacuteria da graccedila que Deus nos fez de haver sacudido o jugo do anticristo abolido a supersticcedilatildeo e recobrado a nossa liberdaderdquo (LESSA 2010 pos 2027) 39
Assim como no periacuteodo do Imperador Constantino (transiccedilatildeo do paganismo para o cristianismo) houve uma grande produccedilatildeo de Credos Apostoacutelico Niceno-constantinopolitano Atanasiano tambeacutem na Reforma (transiccedilatildeo do catolicismo para o protestantismo) houve por parte dos reformadores e seus seguidores uma enorme produccedilatildeo de Confissotildees de Feacute (Escocesa Augsburgo Helveacutetia Dort e Westminster) Esses siacutembolos foram ―de grande valia para a educaccedilatildeo dos crentes partindo sempre do princiacutepio da necessidade da feacute expliacutecita de que todos os cristatildeos devem conhecer sua feacute sabendo no que creem e por que creem (COSTA 2002 p 13)
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Nesse mister Weber fez a seguinte afirmaccedilatildeo
[] a regra do calvinismo tal como foi imposta no seacuteculo XVI em Genebra e na Escoacutecia entre o seacuteculo XVI e XVII em grande parte da Holanda no seacuteculo XVII na Nova Inglaterra e por algum tempo na proacutepria Inglaterra se tornaria a forma mais intoleraacutevel de controle eclesiaacutestico do indiviacuteduo que jaacute pocircde existir (2009 p 40)
O controle que a Igreja Romana possuiacutea sobre o indiviacuteduo se tornara frouxo
mas a reforma calvinista (genebrina) levou esse controle ao extremo Em Genebra
isto se deu com os regulamentos ndash ou Articuli de regimine Ecclesiae ndash que logo
provocaram muitos conflitos porquanto entendiam alguns cidadatildeos que os pastores
nada tinham que ver com as suas vidas particulares
Rompendo com o bispo eles achavam que no gozo de sua independecircncia
poliacutetica poderiam tambeacutem desfrutar plenamente a liberdade religiosa
O povo genebrino protestou e Calvino percebeu que natildeo seria tatildeo simples a
implantaccedilatildeo da reforma naquele paiacutes Por meio de um desabafo ele registrou esse
conflito numa correspondecircncia ao seu amigo Bullinger
Estamos expostos as mais seacuterias dificuldades [] porquanto o povo sacudindo o jugo dos sacerdotes entende que se libertou de toda a autoridade do mundo Muitos cidadatildeos exclamam O conhecimento dos evangelhos nos eacute suficiente sabemos como os devemos ler e nada tendes a ver com nossos atos (GUIZOT 1868 pp 219 220)
Este conflito entre Calvino e Farel de um lado e o povo buscando uma maior
liberdade do outro levou a um enrijecimento40 das partes Eacute claro que natildeo se deve
atribuir a Calvino a paternidade de todos os regulamentos severos de Genebra
havia em outros cantotildees leis austeras naqueles dias41
Assim os homens que se opunham aos reformadores constituiacuteam uma
facccedilatildeo poliacutetica e religiosa Eram denominados libertinos devido as suas ideologias
de liberdade e uma vez livres do bispo natildeo queriam se sujeitar agraves novas leis
votadas
40
Com os novos regulamentos as leis de Genebra se tornaram mais austeras e nem os proacuteprios conselheiros e homens de destaque escapavam das suas penas ―Certo individuo acusado de perjuacuterio foi iccedilado a uma escada por algumas horas tendo a matildeo direita ligada ao alto Um aduacuteltero e sua cuacutemplice foram condenados a passear juntos na cidade um jogador obstinado foi exibido tendo as cartas penduradas ao pescoccedilo uma cabeleireira que havia penteado imodestamente uma jovem esposa foi condenada a dois dias de prisatildeo tambeacutem eram punidos os pais que privavam seus filhos da escola (LESSA 2010 pos 2258) 41
Em Zurique exigia-se a assistecircncia de todas as pessoas ao culto puacuteblico em determinadas horas ―Sob pena de multa era proibido jurar jogar dados e cartas o adulteacuterio era punido com prisatildeo ou exiacutelio Em Basileacuteia era obrigatoacuteria a assistecircncia aos cultos puacuteblicos Nos distritos pertencentes ao governo de Berna as danccedilas eram proibidas [] (LESSA 2010 pos 2247)
40
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Os libertinos tanto da facccedilatildeo poliacutetica como religiosa fizeram liga para se
oporem agraves tendecircncias dos pastores de Genebra Philiberto Berthelier Perrin e
Troillet eram os principais entre os do partido poliacutetico Quintin e Poquet eram chefes
dos Libertinos espirituais (LESSA 2010 pos 2284)
Nas eleiccedilotildees de fevereiro de 1538 os Libertinos obtiveram a maioria no
Conselho o qual logo determinou que o puacutelpito natildeo fizesse alusatildeo aos negoacutecios da
repuacuteblica Em oposiccedilatildeo num domingo de paacutescoa Farel e Calvino pregando
respectivamente nas Igrejas de Satildeo Gervaacutesio e Satildeo Pedro vendo muitos membros
do partido Libertino nos dois templos recusaram-se a celebrar a Santa Ceia
No dia seguinte reuniu-se o Conselho e decretou o banimento dos
reformadores em trecircs dias Desta forma saiacuteram de Genebra Farel e Calvino sendo
que este foi para Estrasburgo e aquele para Neuchacirctel
O banimento suacutebito de Farel e Calvino de Genebra chamou a atenccedilatildeo de
Roma para uma excelente oportunidade que se lhe abria e o cardeal Sadoleto
serviu-se da ocasiatildeo para uma reinserccedilatildeo da Igreja Romana nos negoacutecios religiosos
durante a ausecircncia do reformador (LESSA 2010 pos 3128)
Apoacutes trecircs anos do banimento continuava a reinar o espiacuterito de turbulecircncia e
insubordinaccedilatildeo agraves leis Em setembro de 1540 alguns membros do Conselho
comeccedilaram a formular planos para a revogaccedilatildeo do banimento de Calvino Em maio
1ordm de maio de 1541 o Conselho de Genebra revogou o decreto de 23 de abril de
1538 que bania da cidade Farel e Calvino e solicitou o empenho de Basileacutea Zurich
e da proacutepria Estrasburgo para que o reformador lhes fosse restituiacutedo coisa
conseguida natildeo sem dificuldade Jaacute no caso de Farel Neuchacirctel natildeo consentira em
se separar dele
No dia 13 de setembro de 1541 Calvino retorna a Genebra sendo que dez
dias depois apresentou ao Conselho um projeto contendo cento e sessenta e oito
artigos discutindo e emendando-o ateacute a sua votaccedilatildeo definitiva no dia 2 de janeiro de
154242
Esse projeto foi chamado de Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e tratava-se de um
novo modelo de sistema de governo onde haveria uma maior separaccedilatildeo entre os
assuntos da Igreja e do Estado Agora os pastores mestres diaacuteconos e consistoacuterio43
cuidariam dos assuntos eclesiais e o Conselho dos assuntos estatais
42
Segundo alguns historiadores nesta data instalou-se legalmente a ―Repuacuteblica Calvinista (LESSA 2010 pos 2935) 43
O Consistoacuterio compreendia os pastores e doze leigos nomeados pelo Conselho de Estado Estes leigos eram eleitos pelo periacuteodo de um ano podendo ser reconduzidos os que dessem bom
41
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Este sistema de governo eclesiaacutestico veio a ser adotado nas igrejas
reformadas da Suiacuteccedila da Franccedila da Holanda e da Escoacutecia
Todavia a poliacutetica de controle sobre os indiviacuteduos nas questotildees eclesiaacutesticas
atingiu seu cliacutemax no retorno de Calvino E o caso da execuccedilatildeo do ―herege Miguel
Serveto44 nas palavras do historiador Gonzalez se tornou ―siacutembolo do dogmatismo
riacutegido que reinava na Genebra de Calvino (1989 p 116) foi o ―golpe de
misericoacuterdia no partido dos Libertinos que saiu em defesa de Serveto
Esse sistema riacutegido de controle social proposto na reforma genebrina foi
chamado por Weber de ascetismo extramundano Conforme o autor
A coisa mais importante poreacutem foi o fato de que o homem que par excellence vivia a vida racional no sentido religioso era e continuou sendo monge Assim quando mais o ascetismo estivesse agarrado ao indiviacuteduo servia simplesmente para afastaacute-lo da vida cotidiana jaacute que a tarefa mais santa era definitivamente a de ultrapassar toda a moralidade mundana (2009 p 98)
22 - Aspectos Econocircmicos
Genebra pouco antes da chegada de Calvino possuiacutea entre 10000 a 12000
habitantes Era uma cidade conhecida pelas suas ruas limpas banheiros puacuteblicos e
pelas suas famosas feiras Contudo a sua economia estava em decliacutenio
A partir da segunda metade do seacuteculo XV enfraqueceu-se rapidamente a
atividade comercial Uma das principais razotildees foi a proibiccedilatildeo por parte do rei da
Franccedila Luiz XI de seus suacuteditos frequentarem as feiras de Genebra ndash o intuito era
aumentar o prestiacutegio e importacircncia das feiras de Lyon
Desta forma a cidade entrou num periacuteodo duro de retraccedilatildeo econocircmica
seguido de uma grande pobreza Sua economia estava apoiada na induacutestria de
tecidos (uma das mais lucrativas nos seacuteculos XV e XVI) na fabricaccedilatildeo de peccedilas
indumentaacuterias (chapelarias alfaiatarias sapatarias) e na praacutetica ourives (produccedilatildeo
de baixelas de prata objetos lituacutergicos e joias de toda espeacutecie)
testemunho de sua aptidatildeo O principal papel do Consistoacuterio era o de velar pelas Ordenanccedilas Eclesiaacutesticas e pela manutenccedilatildeo da disciplina O poder ―espiritual do Consistoacuterio demonstrava-se no direito a excomunhatildeo privando o culpado da participaccedilatildeo da Santa Ceia (LESSA 2010 pos 4177) 44
Serveto era meacutedico (descobridor do sistema pulmonar respiratoacuterio) teoacutelogo e filoacutesofo Em sua obra Restituitio questionou o dogma da trindade e afirmou ser este um desvio da igreja no Conciacutelio de Niceacuteia (325 dC) Serveto fora condenado pelo tribunal eclesiaacutestico da Igreja Romana em Viena E veio a Genebra a fim de difundir sua teologia (entre os libertinos) entendendo que Genebra por ter aderido agrave reforma lhe daria maior liberdade na sua teologia Contudo quando Serveto foi assistir um sermatildeo de Calvino (natildeo se sabe se por livre vontade ou por forccedila de lei) ele foi identificado julgado pelo tribunal eclesiaacutestico e uma vez que o mesmo natildeo se retratou de suas ―heresias foi condenado a fogueira em 1553 (DIDE sd p 180)
42
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Por ocasiatildeo da Reforma a economia genebrina sofreu grandes
transformaccedilotildees Os ourives por proibiccedilatildeo deixaram a fabricaccedilatildeo de objetos
lituacutergicos e por influecircncia dos refugiados abraccedilaram a arte da relojoaria (BIELER
1990 p 217)
As artes graacuteficas tiveram um grande desenvolvimento em funccedilatildeo da
publicaccedilatildeo de material protestante livros catecismos manuais para catecismo
regulamentos e leis Jean Geacuterard se instalou na cidade em 1536 e executou vaacuterias
impressotildees das obras de Calvino Jean Crespin Conrad Badius Robert Eacutetienne e
outros menos conhecidos todos refugiados introduziram em Genebra o que a
tipologia parisiense produzia de melhor
Outros ofiacutecios foram impulsionados pelos refugiados Um refugiado em Lyon
colocou seus preacutestimos agrave disposiccedilatildeo da Magistratura para estabelecer em Genebra
manufaturas de tecidos em seda
O nuacutemero de meacutedicos aumentou de 3 para 15 e quase que organizaram o
ensino da medicina na Academia de Genebra Os boticaacuterios passaram a reter a
riqueza e a alta posiccedilatildeo social que tinham anteriormente ao decliacutenio isto devido ao
comeacutercio droguista e de especiarias Contavam-se 96 boticaacuterios residindo em
Genebra de 1536 a 1569 para uma demanda de cerca de 15000 habitantes O
Estado interviu sobre as praacuteticas meacutedicas e sancionou no dia 11 de maio de 1569
as ordenanccedilas sobre a medicina farmaacutecia e cirurgia
O exerciacutecio da magia e do curandeirismo foi proibido por lei os meacutedicos eram
obrigados a visitarem gratuitamente os doentes pobres da zona em que residiam e
as boticas eram regularmente visitadas e fiscalizadas Os honoraacuterios meacutedicos foram
estabelecidos e apoacutes enormes devastaccedilotildees da peste de 1570 o Conselho fixou por
seis sous a visita realizada por cada cliacutenico
Haacute a inferecircncia de que a criaccedilatildeo do Banco de Genebra45 teria produzido um
maior impacto na economia bem como a sua poliacutetica na cobranccedila dos juros A
cobranccedila de juros em Genebra foi praticada desde haacute muito tempo antes da
Reforma
Contudo a Igreja Romana em seus cacircnones sempre se opocircs fortemente a
este tipo de cobranccedila O Conciacutelio de Latratildeo (1179 dC) ameaccedilou de excomunhatildeo os
45
Haacute controveacutersias quanto a criaccedilatildeo do Banco de Genebra Andreacute Bieacuteler pastor e doutor em Ciecircncias Econocircmicas afirma que em 1568 houve a tentativa frustrada de criaccedilatildeo de um Banco em Genebra para-se preservar o valor do dinheiro tomado de empreacutestimo de Basileacuteia em vista da guerra (BIELER 1990 p 239) Jaacute o teoacutelogo e historiador da Reforma Ernest Troeltsch (1958 p 132) entende que na eacutepoca de Calvino houve o estabelecimento do Banco de Genebra
43
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usuraacuterios manifestos (que praticavam usura) e lhes recusou um sepultamento
cristatildeo
Em 1272 Gregoacuterio X ordenou aos soberanos expulsarem em trecircs meses
todos os usuraacuterios estrangeiros em seus Estados Em 1312 Clemente V condenou
os estatutos municipais que autorizam o empreacutestimo a juros E o Conciacutelio de Viena46
(1331 dC) autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguirem os cristatildeos que
praticassem usura
Por sua vez Calvino fez uma distinccedilatildeo entre banqueiros e usuraacuterios e
defendeu a legalizaccedilatildeo da taxa de juros Neste ponto ele natildeo soacute rompeu com a
teologia da Igreja Romana mas tambeacutem se distanciou de Lutero47 (WEBER 2000
p55)
Calvino foi o primeiro teoacutelogo a admitir esse tipo de empreacutestimo exonerando-o
do oproacutebrio moral (BIEacuteLER 1990 p 239) Contudo pressentindo a gama de males
sociais que o liberalismo econocircmico poderia trazer o reformador propocircs uma
regulamentaccedilatildeo da taxa de juros Fixando em 5 aa em 19 de fevereiro de 1544 e
depois em 666 aa para os anos seguintes Esta barreira deveria inibir de
imediato o empreacutestimo a juros em Genebra e o surgimento de usuraacuterios e agiotas
profissionais aos quais o reformador era estritamente oposto
Esta nova matiz econocircmica de Calvino provocou uma seacuterie de criacuteticas para
os economistas estabelece-se aqui um ponto de virada para o capitalismo liberal
Weber identifica este ethos capitalista do protestantismo com o seguinte conceito de
capitalismo puro
Lembra-te de que o dinheiro eacute de natureza proliacutefica procriativa O dinheiro pode gerar dinheiro e seu produto pode gerar mais e assim por diante Cinco xelins em giro satildeo seis novamente empregados satildeo sete e trecircs pence e assim por diante ateacute atingir cem libras Quanto mais houver dele mais ele produz em cada turno de modo que o lucro aumenta cada vez mais rapidamente (2000 p 29)
O combate agrave pobreza foi outra accedilatildeo que produziu seus efeitos na economia
genebrina Para tanto foram criados dispositivos legais (poliacuteticas puacuteblicas) para o
46
O Conciacutelio de Viena de 1331 autorizou os tribunais da Inquisiccedilatildeo a perseguir os cristatildeos que praticassem a usura (cobranccedila de juros) A igreja condenava o usuraacuterio porque ele ganhava sobre um tempo que natildeo lhe pertencia o fruto de seu dinheiro natildeo vinha de um trabalho suado pois o seu ganho pressupotildee uma hipoteca sobre um tempo que soacute a Deus pertence 47
Lutero julgou que cobrar juros estaacute em oposiccedilatildeo aos mandamentos divinos Juros altos que conforme Lutero comeccedilam com 5 ao ano prejudicam o devedor da mesma forma como o furto e o roubo Ele foi realista o suficiente para reconhecer que a cobranccedila de juros eacute necessaacuteria na economia mas disse ao mesmo tempo ―Ai dos que cobram juros
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combate agrave pobreza Eles se apoiavam em conceitos teoloacutegicos para fundamentar a
perpeacutetua desigualdade econocircmica48 social
No periacuteodo que esteve em Estrasburgo Calvino defrontou-se com problemas
sociais agudos com uma comunidade de refugiados desprovida de recurso Em
Genebra nas ordenanccedilas ele instituiu a Diaconia como oacutergatildeo de ajuda assistencial
Contudo natildeo bastava simplesmente propiciar aos pobres ajuda material dever-se-ia
dar aos necessitados os meios por si mesmos para saiacuterem de sua condiccedilatildeo
Mestres eram incumbidos da instruccedilatildeo das crianccedilas os enfermos e invaacutelidos
deveriam ser reeducados profissionalmente e a cada domingo eles eram
examinados para avaliar em que condiccedilotildees de trabalho se encontravam
Aos refugiados esforccedilavam-se por todos os meios por oferecer-lhes trabalho
remunerado Aqueles que natildeo achavam emprego em sua profissatildeo destinavam-se
provisoriamente agrave obra de construccedilatildeo das fortificaccedilotildees
Calvino tambeacutem combateu veementemente o oacutecio e a vadiagem De acordo
com suas convicccedilotildees teoloacutegicas o ser humano encontra no trabalho a plena
realizaccedilatildeo da vontade divina De forma que a ociosidade eacute um tipo de alienaccedilatildeo
contraacuteria agrave natureza humana Significa a recusa pelo homem de sua vocaccedilatildeo divina
sua ruptura com Deus uma ofensa a Deus O trabalho traz a becircnccedilatildeo divina
enquanto o oacutecio a sua maldiccedilatildeo
Em Genebra o reformador empenhou-se para coligir a seguinte lei de
repulsatildeo a ociosidade49
Os vagabundos decretado que se faccedila proclamaccedilatildeo puacuteblica de que todos os vagabundos estrangeiros que natildeo tenham meios de ganhar a vida sejam obrigados a deixar a cidade em trecircs dias e os outros todos da cidade devem trabalhar cada um em sua profissatildeo sob pena de serem postos em prisatildeo (BIEacuteLER 1990 p 222)
Este dispositivo legal trouxe a Genebra um impulso capitalista por meio da
nova visatildeo do trabalho De acordo com Calvino natildeo haveria trabalho insignificante
na sociedade ―Se seguirmos fielmente o nosso chamado divino receberemos o
48
Calvino possuiacutea o conceito teoloacutegico de que se Deus o quisesse teria uma abundacircncia de posses e de dinheiro e de tudo que eacute desejaacutevel de sorte que haveria igual medida entre todos Deus poreacutem soubera porque assim se fez que haja pobreza e riqueza e mesmo que ateacute o fim do mundo assim haveraacute de ser Caberia aos pobres crer no sustento divino e serem instrumentos de provaccedilatildeo aos ricos Caberia tambeacutem aos ricos administrar corretamente os bens que lhes foram confiados estando entre estes os pobres 49
Nesta mesma eacutepoca o rei Francisco I declarou guerra aos vagabundos ociosos e outros pedintes que enchiam as ruas e as praccedilas Ao inveacutes de prover-lhes ajuda material e meios de encontrar emprego foram reduzidos a trabalhos forccedilados trabalharam agrilhoados dois a dois sobre a ameaccedila do chicote ou da prisatildeo em obras de utilidade puacuteblica remoccedilatildeo de lama e imundiacutecies limpeza de valados reparo em muralhas de fortificaccedilotildees
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consolo de saber que natildeo haacute trabalho insignificante ou nojento que natildeo seja
verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus (COSTA 2006 p
284)
O trabalho quando exercido em sua plenitude redundaria ―na gloacuteria de
Deus independente da funccedilatildeo do trabalhador Weber numa anaacutelise do
protestantismo aponta para este fenocircmeno com a seguinte afirmaccedilatildeo
[] o homem deve para estar seguro de seu estado de graccedila ―trabalhar o dia todo em favor do que lhe foi destinado Natildeo eacute pois o oacutecio e o prazer mas apenas a atividade que serve para aumentar a gloacuteria de Deus de acordo com a inequiacutevoca manifestaccedilatildeo da Sua vontade (1990 p112)
Desta forma a assimilaccedilatildeo desse conceito teoloacutegico e a sua aplicaccedilatildeo na
principal fonte de produccedilatildeo de riquezas ndash o trabalho tornou-se alavanca para o
desenvolvimento do capitalismo em sua forma seminal em Genebra bem como os
paiacuteses que adotaram a poliacutetica e feacute calvinista
Ao chegar em Genebra Calvino propocircs ao Conselho um plano que incluiacutea a
criaccedilatildeo de uma escola para todas as crianccedilas da cidade Dessa proposta surgiu o
Collegravege de la Rive (1537) e ao exemplo deste coleacutegio com o retorno de Calvino
apoacutes seu banimento foram organizados outros quatro em outras quatro regiotildees da
cidade
Os alunos do Collegravege de la Rive foram divididos em quatro seccedilotildees de acordo
com as suas residecircncias nos quatro departamentos da cidade e foram classificados
em sete graus desde os iniciantes ateacute aos da graduaccedilatildeo
Mais tarde em 1559 foi inaugurada a Academia de Genebra sendo o seu
primeiro reitor Theodoro de Beza A escola jaacute estava em funcionamento antes
mesmo das construccedilotildees e funcionou a princiacutepio de forma precaacuteria
O ensino na instituiccedilatildeo foi dividido em duas partes Shola Privata ou coleacutegio
ndash onde em cada ano no final de abril o aluno apresentava um ensaio em francecircs e
se aprovado deveria traduzi-lo para o latim (LEWIS 1996 p 42) e Shola Publica
uma continuaccedilatildeo do coleacutegio que fornecia estudos em niacutevel superior onde a ecircnfase
recaiacutea no estudo das Artes e da Teologia
A Academia iniciou suas atividades com 600 alunos no primeiro ano
aumentando no segundo ano para 900 em funccedilatildeo de alunos estrangeiros vindos da
Franccedila Holanda Alemanha Itaacutelia e de outras cidades da Suiacuteccedila
Quando Calvino faleceu estavam matriculados cerca de 1500 alunos e em
poucos anos a Academia se tornou em Universidade Desta forma os genebrinos
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puderam oferecer aos seus filhos educaccedilatildeo com qualidade o que sem duacutevida veio
a contribuir para o desenvolvimento da proacutepria cidade
Weber aponta para uma relaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo acadecircmica e o acuacutemulo de
riquezas fazendo a comparaccedilatildeo entre a formaccedilatildeo de catoacutelicos e protestantes na
Bavaacuteria e na Hungria E conclui que a escolha das profissotildees por catoacutelicos e
protestantes foi pautada pelo ethos religioso da famiacutelia Sendo que enquanto os
catoacutelicos demonstraram maior predileccedilatildeo pelo artesanato os protestantes possuiacuteam
predileccedilatildeo pelas faacutebricas (2000 p 21 22)
Certamente a poliacutetica educacional calvinista constituiu-se numa das
sementes para o desenvolvimento do capitalismo genebrino que se expandiu para
outros paiacuteses
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Observamos na reforma protestante de Genebra uma espeacutecie de laboratoacuterio
em plano piloto daquilo que o protestantismo causaria na Europa no seacuteculo XVI e
XVII Os itens mencionados por Weber como sementes do capitalismo moderno
podem ser encontrados na Genebra protestante O sistema de governo riacutegido a
criaccedilatildeo de um Banco Estatal legalizaccedilatildeo e controle da taxa de juros uma visatildeo
religiosa do trabalho a assistecircncia social e o investimento na educaccedilatildeo favoreceram
grandemente o desenvolvimento dessa cidade
Todos esses itens somados ao ascetismo protestante culminaram no acuacutemulo
de riquezas Foi a partir desta experiecircncia sustenta Troeltsch (1958 p 134135)
que o capitalismo se infiltrou na moral de todos os paiacuteses que vieram abraccedilar o
calvinismo
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Satildeo Paulo - SP Editora Martin Claret 2009
Autor ndash Dr Ceacutesar Rocha Lima
Docente FATEJ FADISA Poacutes-Graduaccedilatildeo Stricto Sensu Doutor em Ciecircncias Humanas FFLCH-USP ndash Universidade de Satildeo Paulo Mestre em Ciecircncias pela UNIFESP Universidade Presbiteriana Licenciatura em Ciecircncias Sociais ndash Universidade Metodista de Satildeo Paulo Bacharelado em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pesquisador Grupos GAIA ndash USP (Grupo de Antropologia e Interdisciplinaridade Ambiental e Agraacuteria) Pesquisador NEP ndash Mackenzie (Nuacutecleo de Estudos do Protestantismo) Estuda o Islamismo no Brasil rochalimauspbr
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A ESPERANCcedilA MESSIAcircNICA EM RELACcedilAtildeO AO POBRE - JESUS A RESPOSTA DIVINA A UMA CLASSE DESFAVORECIDA
ldquoO amor eacute filho da pobreza e da riqueza da pobreza porque
constantemente pede e da riqueza porque constantemente se daacuterdquo
Platatildeo
RESUMO
Este artigo propotildee uma breve reflexatildeo sobre os conceitos de pobre e Messias
no Antigo Testamento e a relaccedilatildeo que existe entre ambos Dialogamos sobre trecircs
tipos de pobre que se concentram na classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres
escasseados os quais satildeo considerados juriacutedica e economicamente fracos
Mostramos o rei Davi como um messias em seu tempo e logo apoacutes mostramos
Jesus Cristo como o cumprimento cabal da figura messiacircnica Jesus Cristo o
Messias Tambeacutem analisamos de forma sucinta a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e
igreja e qual a posiccedilatildeo dessas em relaccedilatildeo ao pobre e marginalizado Alguns
referenciais que nos auxiliam nessa pesquisa satildeo Milton Schwantes Joseacute Luiacutes
Sicre entre outros
Palavras chave Pobre Messias Jesus Esperanccedila Igreja
ABSTRACT
This article proposes a brief reflection on the concepts of poor and Messiah in
the Old Testament and the relationship that exists between them We talk about
three types of poor that focus on the class of workers and scarce free citizens who
are considered legally and economically weak We show King David as a messiah in
his day and soon after we show Jesus Christ as the full fulfillment of the messianic
figure Jesus Christ the Messiah We also succinctly analyze the relationship
between the poor society and the church and their position on the poor and
marginalized Some references that help us in this research are Milton Schwantes
Joseacute Luiacutes Sicre among others
Keywords Poor Messiah Jesus Hope Church
autor Ebson de Sousa
ebsonsousayahoocombr
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INTRODUCcedilAtildeO
Neste artigo nos propomos a analisar os conceitos de pobre e Messias no
tempo veterotestamentaacuterio e tambeacutem Davi como um tipo de Messias e Jesus
como o Messias mostrando seus significados em sua etimologia e seus
desdobramentos
Ainda analisaremos a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e observar
como os pobres e marginalizados se tornaram um grande desafio para a
sociedade principalmente para a igreja como uma organizaccedilatildeo que tecircm sido
indiferente em relaccedilatildeo a essa classe desfavorecida Tal realidade desafia a igreja
a se posicionar e ser o verdadeiro veiacuteculo do Evangelho de Jesus Cristo
1 CONCEITO DE POBRE E MESSIAS ANTIGO TESTAMENTO
O objetivo deste artigo eacute esclarecer de uma forma simples e objetiva o
conceito de pobre e messias no periacuteodo veterotestamentario qual o significado
desses termos e seus desdobramentos
Destaca-se tambeacutem uma pessoa de estimada relevacircncia nos tempos do
Antigo Testamento o rei Davi Pois a pessoa do rei Davi tem em sua
personalidade cuja relevacircncia aponta para o aacutepice da figura messiacircnica sendo
uma pessoa que representou esperanccedila messiacircnica aos menos favorecidos de
seu tempo
11 Conceito de Pobre no Antigo Testamento
A palavra ldquopobrerdquo pode ser usada como adjetivo e substantivo como adjetivo
ela tem a funccedilatildeo de qualificar caracterizar ou classificar o substantivo quando
localizada ao lado deste o pobre eacute visto como aquela pessoa que natildeo tem o que
eacute necessaacuterio agrave vida ou seja eacute aquela pessoa que seus bens satildeo inferiores agraves
suas necessidades (FABRIS 1991)
Haacute trecircs classes de pobres que podemos mencionar as quais as narrativas
biacuteblicas identificam como grupos de pessoas que satildeo juriacutedica e economicamente
fracos os quais satildeo trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados abandonados
e marginalizados puacuteblicos e por fim os escravizados (SANTOS 2009)
Queremos aqui destacar apenas trecircs tipos de pobres que se concentram na
classe dos trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados dentre vaacuterios existentes
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nos textos biacuteblicos do cacircnon sagrado os quais satildeo dal (lD) ebyon (wOyba) e
bdquoani (עני)
Dal (lD) se refere aquele pobre que tem falta de bens materiais e de poder
social essa pessoa eacute considerada como das classes mais pobres de Israel (cf Rs
2414 2512) Observamos isso quando Gideatildeo tentou recusar a escolha divina
para que ele fosse libertar Israel (Jz 615) Portanto dal nos traz a ideia de
humildade mas voltado para o sentido de privaccedilatildeo consequente agrave condiccedilatildeo de
pobreza em excesso ao seu estado de miseacuteria (HARRIS 1998)
Vejamos algumas passagens biacuteblicas onde a palavra dal aparece
lD II ndash uma formaccedilatildeo verbal de qll ndash encontra-se 48 vezes no AT a construccedilatildeo feminina לה II 4 vezes (2Rs 2414 2512 Jr 407 ד5216) e o verbo mediae geminatae דלל I ocorre 7 vezes (Jz 66 Is 174 196 3814 Sl 798 1166 1427) Com maior frequecircncia ל דocorre em Proveacuterbios 15 vezes (Pv 1015 1431 19417 2113 2291622 (duas vezes) 28381115 29714) Nos ditos profeacuteticos ל eacute encontrado 11 vezes (Am 27 41 511 86 Is ד102 114 1430 254 266 Sf 312 54 [+ 2 vezes דלל Is 174 196]) nos Salmos 6 vezes (Sl 412 7213 823s 1137 1Sm 28 [+ 4 vezes דלל Sl 798 1166 1427 Is 3814]) no livro de Joacute 6 vezes (Joacute 516 201019 3116 341928) nos textos legais ל דaparece 4 vezes (Ecircx 233 3015 Lv 1421 1915) (SCHWANTES 2013 p 2425)
Seu estado de pauperismo era tatildeo claro que dessas pessoas natildeo se exigia
ofertas caras para o templo ofertas essas que todo israelita deveria levar cada
qual a sua (Lv 1421) (SIQUEIRA 2005)
Observa-se que a palavra dal estaacute ligada a raiz hebraica dalal e traz o
sentido de uma pessoa que para a sociedade em que ela ―esta inserida eacute um ser
despreziacutevel insignificante um ser fraco o qual sua existecircncia eacute totalmente
despercebida e parte desse grupo eacute o proletariado rural (GELIN 1973)
Ebyon ( ןאביו ) fala daquele que se tornou destituiacutedo eacute aquela pessoa que
perdeu seus bens por algum motivo ou seus bens foram tomados de si
(SIQUEIRA 2005)
Nota-se que esse tipo de pobre tambeacutem pode ser considerado como o
―desejoso pois mesmo sendo considerado um pobre destituiacutedo percebe-se nele
uma espera uma suacuteplica ou seja uma pessoa que implora a caridade publica
para que as pessoas de melhores condiccedilotildees de vida olhem para eles e os
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ajudem para que assim possam ter o miacutenimo para sobreviver (Ecircx 23611)
(GELIN 1973)
Observemos algumas passagens biacuteblicas onde aparece a palavra ebyon
O substantivo e adjetivo אביון ocorrem 61 vezes respectivamente 62 vezes no Antigo testamento com maior frequecircncia apresenta-se o Salteacuterio com 23 vezes (respectivamente 24 vezes) Sl 919 126 3510 3714 4018 493 6934 706 7241213 (2 vezes) 7421 824 861 10741 109162231 11219 1137 12315 14013 [+ 412] a esta lista pertencem tambeacutem 1Sm 28 (= Sl 1137) Jr 2013 Ainda sob influencia clara dos salmos estatildeo passagens como Is 1430 254s (2919) Joacute 515 Na literatura profeacutetica אביון ocorre 17 vezes das quais algumas passagens vem determinadas pelo contexto de salmos (Am 26 41 512 846 Is [1430 254 2919] 327 Jr 234 528 [2013] 2216 Ez 1649 1812 2229 (Dt-) Is4117) em textos legais o verbete aparece 9 vezes (Ecircx 23611 Dt 1547 (2 vezes) 9 11 (2 vezes) 2414 no livro de Joacute 6 vezes (515 24414 2916 3025 3119) nos Proveacuterbios 4 vezes (1431 3014 31920) e 1 vez em Ester (922) (SCHWANTES 2013 p 33)
Fabris tem ebyon como ―mendigo um pedinte aquela pessoa que estende
a matildeo para pedir demostrando sua necessidade seu estado de miserabilidade
(FABRIS 1991)
bdquoani (עני) seu significado estaacute mais voltado para o tipo de pobre que sofre de
alguma incapacidade fiacutesica ou afliccedilatildeo segundo Siqueira (2005) esta afliccedilatildeo eacute
gerada pelo seu estado de miseacuteria e dependecircncia bdquoani em alguns casos pode ter
algum tipo de relaccedilatildeo com dal ou ebyon poreacutem essa palavra remete a um tipo
diferente de pobre porque ela nos daacute a ideia de algum tipo de disfunccedilatildeo fiacutesica ou
afliccedilatildeo (HARRIS 1998)
bdquoanah II eacute a raiz da palavra bdquoani a qual nos traz o significado de ―estar
encurvado inclinado abaixado e importunado Humilhados como tambeacutem assim
satildeo conhecidos sua limitaccedilatildeo fiacutesica estaacute relacionada com seu estado de
capacidade de vigor de valores que foram reduzidos devido as situaccedilotildees as
quais os envolveram situaccedilotildees essas que poderiam ser passageiras ou
permanentes tais como pobreza econocircmica doenccedila eou prisatildeo (GELIN 1973)
Segundo Fabris (1991 p 13) estes problemas estatildeo relacionados agraves
condiccedilotildees econocircmicas e culturais as quais oprimem e submetem pessoas ao
trabalho forccedilado sob maus tratos
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Consideremos algumas passagens biacuteblicas onde podemos observar a
presenccedila da palavra bdquoani
Acima de todos os conceitos para a designaccedilatildeo de pobre no AT a formaccedilatildeo a partir do qatil עני e a formaccedilatildeo a partir do qatal ענן ocorrem com maior frequecircncia 92 vezes no hebraico e 1 vez no aramaico biacuteblico (54 עני vezes 19 ענייםx no qal 1 ענו vez no qal vezes no qal) A metade de todas as referencias 19 ענויםencontram-se nos Salmos עני encurvado oprimido (Sl 102 [2 vezes] 146 1828 2225 2516 347 3510 [2 vezes] 3714 4018 6811 6930 706 7212 7421 823 861 8616 1021 1091622 14013 acrescentando-se ainda 2Sm 2228 [=Sl 1828] Hc 314 [ Sl 2222] עניים (Sl 913 [Kittel = K] 1012[K] נויםע (7419 7224 126 (Sl 919 [K] 1017 2227 259 [2 vezes] 343 3711 6933 7610 1476 1494) Igualmente sob a influencia dos Salmos encontram-se claramente Nm 123 Is 1432 266 2919 4117 4913 622 Sf 23 Zc 99 ( Pv 334) (SCHWANTES 2013 p 3839)
Segundo Harris (1998 p1653) esta questatildeo de privaccedilotildees materiais e as
dificuldades estatildeo relacionadas agrave opressatildeo social Haacute uma relaccedilatildeo muito forte
entre a afliccedilatildeo fiacutesica e a espiritual (Sl 2424) e haacute casos em que a afliccedilatildeo interior
eacute provocada pela exterior gerando um pedido de socorro a Deus
Assim observamos de forma simples e objetiva o conceito de pobre no
Antigo Testamento mais especificamente sobre trecircs tipos de pobres que se
concentram na classe de trabalhadores e cidadatildeos livres escasseados os quais
satildeo dal ebyon e bdquoani A seguir falaremos sobre o conceito de Messias (maxiah -
o qual eacute a fonte geradora de esperanccedila para as classes desfavorecidas os (משיח
pobres
12 Conceito de Messias no Antigo Testamento
O nome messias (maxiahungido - משיח) substantivo hebraico tem sua
origem na raiz mxh que tem por significado ungir untar Esse termo maxiah foi
usado pelos textos biacuteblicos canocircnicos de duas formas como verbo na forma
passiva e como substantivo (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como verbo foi usado na forma passiva tal como em 2 Samuel 121
―Montes de Gilboa natildeo caia sobre voacutes nem orvalho nem chuva nem haja aiacute
campos que produzam ofertas pois neles foi profanado o escudo dos valentes o
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escudo de Saul que jamais seraacute ungido com oacuteleo isso denota uma accedilatildeo uma
atitude (SIQUEIRA 2005)
Maxiah como substantivo teve um significado profundamente teoloacutegico no
Antigo Testamento O verbo na forma passiva maxiah passou a ser substantivo
apoacutes a morte do rei Davi Com isso a palavra maxiah messias passou a ser um
tiacutetulo como em 1 Samuel 166 ―Sucedeu que entrando eles viu a Eliabe e disse
consigo Certamente estaacute perante o Senhor o seu ungido Esse tiacutetulo agora
reconhece condiccedilatildeo do rei e o autentica como eleito de Deus para mediar Sua
becircnccedilatildeo em prol do povo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Harris (1998 p885) essa palavra maxiah ocorre cerca de 40
vezes no Antigo Testamento e foi utilizada como substantivo como citamos
acima mas tambeacutem como adjetivo com a funccedilatildeo de classificar caracterizar ou
qualificar o substantivo Os textos em que mais aparece estatildeo em 1 e 2 Samuel e
Salmos
Existem alguns nomes que indicam como o messias era caracterizado no
tempo veterotestamentario Queremos citar aqui apenas trecircs deles os quais satildeo
Emanuel ou Imanuel (Menino) Melquisedeque e Filho de Davi
121 Emanuel Imanuel (menino)
Deus pronunciou em suas primeiras promessas aos hebreus algo que
nenhum outro deus do Oriente Meacutedio havia pronunciado aos que criam neles Em
Gn 177 Deus afirmou a Abraatildeo que estaria com ele e com sua descendecircncia
perpetuamente Em momentos de dificuldade (Gn 2815) Deus reafirma sua
presenccedila proteccedilatildeo e sua benccedilatildeo sobre a vida de Jacoacute ateacute que se cumpra na
vida dele aquilo que Deus havia lhe prometido A Moiseacutes em Ecircxodo 312 Deus
reafirma sua presenccedila com ele e lhe faz uma promessa concretizada
demonstrando de forma clara que natildeo o desampararia mas sempre estaria com
ele (SIQUEIRA 2005)
Com a realizaccedilatildeo das promessas proferidas de Deus ao povo fez com que a
confianccedila do povo aumentasse como nos mostra o Salmo 136 que diz que cada
ato criacionista ou salviacutefico de Deus eacute porque Sua misericoacuterdia dura para sempre
Demonstrando assim Sua presenccedila e Seu cuidado de forma real entre Seu povo
E eacute a partir desse sentimento de feacute que o profeta Isaiacuteas insatisfeito com as
atitudes dos reis da linhagem de Davi atitudes pecaminosas que se sucediam a
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cada dia que ele profetizou a chegada de um menino chamado lsquoImanu‟el (lrm נו עמ
ל Imanu‟el significa Conosco estaacute Deus este nome eacute a junccedilatildeo da preposiccedilatildeo‟ (א
‟im o pronome nu e o substantivo ‟el (SIQUEIRA 2005)
Precisamos observar o contexto em que esta palavra estava inserida para
melhor compreensatildeo da mesma Israel e a Siacuteria anelaram fazer uma alianccedila com
Judaacute a fim de se oporem a Assiacuteria Poreacutem Judaacute hesitou e Israel e a Siacuteria
resolveram castiga-la e ao ouvir isto Acaz rei de Judaacute se amedrontou Com isso
Isaiacuteas lhe avisou que natildeo devia temer pois logo seus inimigos seriam derrotados
e lhe disse que pedisse um sinal de Deus mas logo o rei Acaz recusou por causa
da sua incredulidade (DOUGLAS 2006)
Segundo Siqueira (2005 p102) Isaiacuteas profetizou o nascimento do menino
‟Imanu‟el devido agrave incredulidade do rei Acaz em relaccedilatildeo ao sinal de Deus (Is 710-
17) que traria salvaccedilatildeo ao povo inseguro e aflito que vivia em Jerusaleacutem
portanto a chegada do menino lsquoImanu‟el era um juiacutezo sobre os reis que natildeo
creram e foram infieacuteis a Deus
Em Isaiacuteas 715-16 fala que a infacircncia do ―Menino-Deus era o tempo de
medida ateacute que os reis que amedrontaram Acaz fossem destruiacutedos poreacutem Acaz
recusou o sinal do ‟Imanu‟el e se voltou ao rei da Assiacuteria essa atitude de Acaz e
seus sucessores causaram a ruiacutena de Judaacute poreacutem a promessa do ‟Imanu‟el
estava de peacute por aqueles fieacuteis a Deus o remanescente pois em ‟Imanu‟el estaacute agrave
esperanccedila e salvaccedilatildeo (DOUGLAS 2006)
122 Melquisedeque
Melquisedeque nome que aparece no texto biacuteblico no livro de Genesis
1418-20 nos traz o significado meu rei eacute sedeq pois sedeq significa justiccedila
Esse nome demonstra claramente o desejo do povo de um rei justo que
praticasse a justiccedila em seu governo Justiccedila no contexto biacuteblico significa salvar e
libertar as pessoas de qualquer tipo de opressatildeo que elas sofrem ou podem
sofrer (SIQUEIRA 2005)
Melquisedeque era sacerdote do Deus Altiacutessimo rei de Saleacutem
Melquisedeque levou patildeo e vinho a Abraatildeo quando voltava da batalha de
Quedorlaomer e recebeu os diacutezimos que Abraatildeo lhe ofereceu (SANTOS 2011)
Segundo Santos (2011 p319) no Salmo 1104 Jesus eacute narrado como
sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque Jaacute em Hebreus capiacutetulos
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5 6 e 7 vai fazer-se uma relaccedilatildeo entre Melquisedeque e Jesus mostrando que
Jesus eacute a figura perfeita do sacerdoacutecio de Melquisedeque o qual foi apenas a
sombra desse sacerdoacutecio perfeito de Jesus Essa relaccedilatildeo demonstra quatro
singularidades ―1 Natildeo segundo a ordem leviacutetica 2 Tem superioridade sobre
Abraatildeo 3 Natildeo se conhecendo seu principio e seu fim 4 E natildeo soacute eacute sacerdote
mas tambeacutem rei de paz e justiccedila
Segundo Douglas (2006 p856) no Salmo 1104 um rei da linhagem de Davi
eacute declarado por juramento divino como sacerdote para sempre segundo a ordem
de Melquisedeque Jesus e seus coetacircneos reconheceram esse rei como sendo o
Messias Daviacutedico (Mc 1235s) ―Se Jesus eacute o Messias Daviacutedico entatildeo ele eacute o
sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque
123 Filho de Davi
Como diz Siqueira (2005 p103104) ―A expressatildeo filho de Davi eacute um entre
tantos tiacutetulos messiacircnicos atribuiacutedos a Jesus (Mt 927 1223 1522) e podemos
observar por dois pontos de vista diferentes a razatildeo e a origem desta epiacutegrafe
A primeira se daacute no conhecimento que o povo judeu tinha em relaccedilatildeo agraves
promessas de Deus escritas no Antigo Testamento onde diz Davi e sua
posteridade teriam um governo perpeacutetuo Em 587 aC houve o fim da monarquia
poreacutem parte do povo continuou crendo nas promessas de Deus de que algueacutem
da linhagem de Davi viria restaurar o reino de Israel atraveacutes da forccedila do exeacutercito
e da forccedila poliacutetica ou seja um Filho de Davi poliacutetico e guerreiro (SIQUEIRA
2005)
A segunda forma de se observar o tiacutetulo Filho de Davi eacute observando o povo
que conheceu ouviu e andou com Jesus Pois atraveacutes das atitudes e palavras de
Jesus esse povo tambeacutem reconhecia em Jesus o Filho de Davi natildeo como um
guerreiro e politico mas sim como um pastor aquele que socorre levando paz e
vida para as pessoas (Jo 1011) E este grupo afirmava que sua origem natildeo era
de Beleacutem (SIQUEIRA 2005)
Pudemos observar as origens e conceito do termo pobre e messias no
primeiro testamento e seus desdobramentos Observamos tambeacutem algumas
caracterizaccedilotildees do Messias no Antigo Testamento agora veremos como surge
esse messianismo a figura principal do Messias no primeiro testamento e Jesus
Cristo como o verdadeiro Messias
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2 MESSIANISMO E MESSIAS
O messianismo pode ser entendido de duas formas Haacute aqueles veem o
messianismo como o fundamento e a esperanccedila do Antigo Testamento o qual o
personagem central dessa esperanccedila eacute um personagem futuro que traraacute a
redenccedilatildeo Poreacutem existem aqueles que acreditam que esse fundamento de um
mundo melhor em todos os aspectos natildeo eacute futuro e sim no presente (SICRE
2000)
De forma geral o movimento messiacircnico eacute definido como um movimento
Em que um nuacutemero maior ou menor de pessoas em estado de grande exaltaccedilatildeo emotiva provocada pelas tensotildees sociais se reuacutenem no culto a um indiviacuteduo considerado portador de poderes sobrenaturais e se mantem reunidos na esperanccedila miacutestica de que seratildeo salvas de uma cataacutestrofe universal e (ou) ingressaratildeo ainda em vida num mundo paradisiacuteaco a terra sem males o reino dos ceacuteus a cidade ideal (QUEIROZ 1966 p 287)
Segundo Sicre (2000 p16-18) Flusser um judeu diz que o Messias eacute um
descendente de Davi carismaacutetico que quebraria o jugo que estava sobre os
judeus e reinaria sobre o reino de Israel Jaacute para Mowinckel cristatildeo protestante o
Messias eacute um personagem escatoloacutegico Todavia quando o Messias aparece nos
textos sejam canocircnicos ou extra canocircnicos normalmente ele aparece como um
rei da linhagem de Davi unindo as duas caracteriacutesticas poliacutetica e religiosa Sicre
afirma que a ideia messiacircnica estaacute ligada ao rei e Davi eacute o personagem principal
dentre os reis de Israel
21 - Messias e Davi
Na histoacuteria de Israel e Judaacute o rei eacute a figura mais importante da eacutepoca da
monarquia inclusive mais importante do que o sumo sacerdote (SICRE 2000)
Segundo esse mesmo autor (2000 p49) a unccedilatildeo privada de Davi em 1Sm
161-13 o fez destacar dos demais pois o texto diz que o ldquoEspiacuterito do Senhorrdquo se
apoderou de Davi Isso demonstra que Davi jaacute natildeo era mais uma pessoa simples
como as outras mas sim o ldquoUngidordquo do Senhor designado para ser rei em Israel
Schwantes diz sobre o Salmo 2 mas em relaccedilatildeo ao Ungido que este tem
um relacionamento muito estreito com Javeacute ao ponto de Javeacute o chamar de ldquofilhordquo
(v7) Fato eacute que essa filiaccedilatildeo fiacutesica divina faz parte das tradiccedilotildees do Antigo
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Oriente poreacutem essa filiaccedilatildeo estaacute ligada a entronizaccedilatildeo do rei quando o mesmo
toma posse e assume sua posiccedilatildeo de rei ele eacute adotado como filho de Deus em
sua titulaccedilatildeo (SCHWANTES 1982)
Segundo Sicre (2000 p55 e 56) no Egito e na Mesopotacircmia natildeo se ungiam
os reis contudo houve-se falar que no Egito ungia-se somente algum funcionaacuterio
ou outros reis que seriam subordinados a Faraoacute e essa unccedilatildeo natildeo tinha um
sentido religioso servia apenas como designaccedilatildeo Provavelmente essas praacuteticas
influiacuteram em Canaatilde e passou aos israelitas Pois passou a ser um ato religioso
acredita-se que no azeite consiste um poder sagrado ou do azeite flui esse poder
Entatildeo quando algueacutem era ungido esse poder e santidade recaiacutea sobre a pessoa
tornando-a algueacutem ―especial protegida por Javeacute intocaacutevel sagrada e habilitada
para desempenhar atos religiosos
Segundo Douglas
[] Fundamentalmente a unccedilatildeo era um ato de Deus (1Sm 101) ndash que explica o respeito em que era mantida ndash enquanto a palavra ―ungido era usada ateacute mesmo metaforicamente para significar a doaccedilatildeo do favor divino (Sl 235 9210) ou a nomeaccedilatildeo para algum lugar ou funccedilatildeo especial do propoacutesito de Deus (Sl 10515 Is 451) Aleacutem disso a unccedilatildeo simbolizava equipamento para o serviccedilo e eacute associada ao derramamento do espiacuterito de Deus (1Sm 101 9 1613 Is 611 Zc 41-14) [] (DOUGLAS 2006 p 1362)
Mas quem foi Davi
Davi foi lamentavelmente humano e maravilhosamente santo atrevidamente corajoso e degradantemente carnal magnificamente reacutegio e mundanamente deploraacutevel Suas grandes vitoacuterias concederam-lhe as alturas enquanto seus pecados o lanccedilaram nas profundezas Foi um homem complexo ainda que simplesmente um homem Foi um homem entre os homens mas tambeacutem um homem segundo o coraccedilatildeo de Deus Foi culpado de derramamento de sangue na guerra mas familiarizado com as becircnccedilatildeos da adoraccedilatildeo (TASSEL 1987 p56)
Segundo Tassel (1987 p7-11) houve uma guerra civil que perdurou por
meacutedia de sete anos guerra essa que se deu entre Is-Bosete e Davi poreacutem essa
guerra foi estimulada por Abner quando esse retomou o controle do governo de
Israel o qual estava na matildeo dos filisteus Com esses acontecimentos Davi
esperou o momento certo para agir durante esses sete anos de guerra Davi
esperou no Senhor em Hebrom pois Davi jaacute era rei em Judaacute (2Sm 24) ―Assim
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pois todos os anciatildeos de Israel vieram ter com o rei em Hebrom e o rei Davi fez
com eles alianccedila em Hebrom perante o SENHOR Ungiram Davi rei sobre Israel
Esta alianccedila possivelmente teria sido algum tipo de documento legal o qual Davi
se comprometera a realizar em seu reinado sobre Israel de acordo com a lei
mosaica em contrapartida o povo seria leal a Davi A expressatildeo ldquoperante o
Senhorrdquo nos daacute a entender que tanto o povo quanto Davi desejavam fazer a
vontade de Deus Apoacutes sua coroaccedilatildeo Davi estabeleceu a capital de Judaacute em
Jerusaleacutem (2Sm 56ss 1Cr 114ss) Jerusaleacutem estava estabelecida dentro dos
limites do Reino Sul e Reino Norte ou seja Jerusaleacutem era o lugar perfeito dentro
do ponto de vista estrateacutegico militar Pois se localizava em posiccedilatildeo alta e rochosa
com trecircs barrancos ao seu redor era uma fortaleza natural com uma localizaccedilatildeo
praticamente inconquistaacutevel Davi foi uma das maiores mentes militares de todas
as eacutepocas ―Ia Davi crescendo em poder cada vez mais porque o Senhor Deus
dos Exeacutercitos era com ele (2Sm 510)
Davi foi um homem de conquistas A Siacuteria Edom e Moabe tornaram-se tributaacuterias do seu reino As conquistas de Davi estenderam os limites de Israel vinte vezes mais Estabeleceu um impeacuterio que rivalizou com os da Babilocircnia e Assiacuteria em seu poder militar Davi foi um soberano e salmista da mais alta categoria Davi foi um homem culto O novo rei de Israel estabeleceu as tradiccedilotildees do seu povo de acordo com a lei de Moiseacutes O longo reinado de Davi deu-lhe oportunidade de estabelecer importantes precedentes consistentes com a lei cerimonial leviacuteticos dados por Deus Davi foi um homem do comeacutercio ―Hiratildeo rei de Tiro enviou mensageiros a Davi e madeira de cedro e carpinteiros e pedreiros que edificaram uma casa a Davi (2Sm 511) Tiro era o ponto central do comeacutercio feniacutecio na costa mediterracircnea Davi trocou seu trigo e azeite por toda espeacutecie de produtos necessaacuterios O soberano-pastor sabia como prover as necessidades do seu rebanho (TASSEL 1987 p 1112)
Em relaccedilatildeo a Alianccedila Daviacutedica podemos observar cinco grandes promessas
feitas ao rei Davi Primeiro Deus prometeu a Davi uma descendecircncia (2Sm 716)
Segundo Deus prometeu a Davi poder (2Sm 713) Terceiro Deus prometeu um
lugar para que seu povo habite e natildeo seja mais afligido (2Sm 710) Quarto Deus
prometeu que seu trono seria para sempre (2Sm 716) Quinto esta quinta
promessa se referia mais a Salomatildeo e sua posteridade onde para eles de fato
serem bem-sucedidos deveriam observar as leis e preceitos de Javeacute (2Sm 714-
15) Esta periacutecope de 2 Samuel 78-17 veremos o resultado do amor lealdade
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fidelidade e perfeiccedilatildeo do coraccedilatildeo de Davi para com Deus poreacutem essa perfeiccedilatildeo
natildeo estaacute isenta de erros pois Davi era humano (TASSEL 1987)
Conforme Fitzmyer a dinastia continuou
depois que Salomatildeo sucedeu a Davi e construiu o Templo em Jerusaleacutem com Roboatildeo como rei em Judaacute (922-915 aC) e depois da revolta quando Jeroboatildeo torna-se rei em Israel (922-921 aC) A dinastia continuou a florescer em Judaacute (cf 1Cr 31 5 10-16) atraveacutes dos reis Abias Asa Josafaacute Jeoratildeo (Joratildeo) OcozIAS Jeoaacutes (Joaacutes) Amasias Uzias (Azarias) Joatatildeo Acaz (Jeoacaz I) Ezequias Manasseacutes Amon Josias Jeoacaz II (Salum) Jeoaiquim (Eliaquim) Joiaquin (Jeconias) e Sedecias (Matanias [597-585 aC]) ateacute o tempo do cativeiro babilocircnico quando a monarquia chegou ao fim [] Depois do cativeiro babilocircnico a dinastia restaurada continuou em Salatiel e Zorobabel (1Cr 31719) (FITZMYER 2015 p 55)
Salomatildeo reconheceu o cumprimento da Alianccedila Daviacutedica em si proacuteprio
conforme 1Rs 815-20 poreacutem o cumprimento final dessa Alianccedila seraacute em Jesus
Cristo conforme Rm 134 que diz ―v3 Com respeito ao seu Filho o qual
segundo a carne veio da descendecircncia de Davi v4 E foi designado Filho de
Deus com poder segundo o espiacuterito de santidade pela ressurreiccedilatildeo dos mortos a
saber Jesus Cristo nosso Senhor (TASSEL 1987)
A promessa original de que a semente da mulher finalmente derrotaria a
serpente (Gn 315) foi mais tarde definida para Abraatildeo (Gn 123) elaborada por
Balaatildeo (Nm 249) especificada por Jacoacute (Gn 4910) personalizada em Davi e
cumprida em Jesus Cristo (TASSEL 1987)
[] O livro do Cronista tem a atenccedilatildeo de dirigir o olhar de seus leitores para aquele que o profeta Ezequiel chamava de bdquouacutenico pastor‟ bdquoDavi meu servo‟ (Ez 3423) o bdquoverdadeiro justo‟ de Jeremias (Jr 235) bdquoo menino‟ de Isaiacuteas (Is 96) bdquoo que deve ser o chefe supremo de Israel‟ (Mq 52) isto eacute em direccedilatildeo a Cristo apogeu e termo final de Israel que com sua vida e sua morte lanccedilaria as bases de uma Teocracia que nenhum adversaacuterio poderaacute aniquilar de novo (SICRE 2000 p 99100)
22 Jesus - O Messias
Na biacuteblia o nome natildeo eacute um rotulo de uma pessoa natildeo eacute uma etiqueta que
os pais colocam em uma crianccedila mas sim o nome expressa seu caraacuteter parte
essencial dela O nome na biacuteblia eacute tatildeo importante que em Ec 610 o que natildeo tem
nome eacute inexistente em Joacute 308 os que natildeo tem nome satildeo despreziacuteveis A
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conversa entre Deus e Moiseacutes eacute um exemplo claro disso (Ecircx 313-14) quando
Moiseacutes indaga acerca do nome de Deus o qual ele seria seu representante Deus
o responde Eu Sou o que Sou ou seja Eu Sou Aquele que faz acontecer
revelando assim parte essencial do caraacuteter Por isso para o povo biacuteblico o nome
estaacute intrinsicamente ligado agrave pessoa e ao que ela faz Pois em cada accedilatildeo de
Deus dentro da histoacuteria de seu povo (hebreus) eles se referiam a Deus com um
nome diferente nome esse que se referia ao ato salviacutefico de Deus para
determinada situaccedilatildeo (SIQUEIRA 2005)
Segundo Santos
Jesus (Salvador) ndash eacute a forma grega do nome Josueacute o filho de Num Assim em Atos 745 Em Colossenses 411 o apoacutestolo Paulo refere-se a ―Jesus conhecido por Justo Este Jesus um cristatildeo foi um dos cooperadores do apoacutestolo em Roma e prestou-lhe solidariedade no momento das suas provaccedilotildees Jesus Cristo (Iesoucircs Christoacutes = Josueacute Jesus Ungido Messias formulaccedilatildeo grega para o hebraico Yehoxuah ―Javeacute salvaraacute seu povo dos seus pecados [Mt 121]) [] (SANTOS 2011 p249)
Segundo Siqueira (2005 p 111) Jesus era conhecido como Salvador por
dois motivos ―1 O Seu nome natildeo foi uma designaccedilatildeo arbitraacuteria de seus pais
pelo contraacuterio 2 O nome de Jesus representa a realidade mais profunda de Sua
vida e obra Os quais seus proacuteprios disciacutepulos reconheceram isso dizendo ―Eacute
que vos nasceu hoje na cidade de Davi o Salvador que eacute Cristo o Senhor (Lc
211) ―e diziam agrave mulher Jaacute natildeo eacute pela tua palavra que noacutes cremos pois agora
noacutes mesmos temos ouvido e sabemos que este eacute verdadeiramente o Salvador do
mundo
No livro de Marcos 215-17 narra um fato que desafia a uma mudanccedila a
estrutura social judaica daquela eacutepoca ― Natildeo necessitam de meacutedicos os satildeos
mas sim os enfermos eu natildeo vim chamar os justos mas pecadores (cf Mt 910-
13 Lc 529-32) Os ―pecadores daquela eacutepoca eram as pessoas consideradas
imorais pela nata da sociedade (aduacutelteros mentirosos prostitutas cegos coxos
surdos publicanos entre outros) pessoas indignas de terem qualquer tipo de
relaccedilatildeo com eles principalmente no que tange a mesa lugar de partilha e
comunhatildeo lugar que tambeacutem se demonstrava estrato social Segundo esse
pensamento social da eacutepoca qualquer pessoa que se assentasse com um desses
pecadores se tornava pecador tambeacutem ou seja essas pessoas contaminavam
qualquer outra que estivesse com elas Poreacutem Jesus Cristo ao se assentar com
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os ―pecadores subverte o sistema legal de pureza e atende a necessidade dos
marginalizados pela sociedade Em Mc 21-12 nos mostra que Jesus tambeacutem
cura e perdoa os pecados (v5 ―E Jesus vendo-lhes a feacute disse ao paraliacutetico Filho
perdoado satildeo os teus pecados) havia em Jerusaleacutem todo um sistema sacrificial
em relaccedilatildeo ao pecado o sistema de expiaccedilatildeo era exercido pelo sumo sacerdote
poreacutem Jesus mesmo sem ter alguma autoridade terrena para mudar os haacutebitos
religiosos vigentes Ele demonstra ter uma autoridade superior para realizar tais
atos (MORIN 2016)
Como diz Eacutemile Day
Haacute diversos usos caracteriacutesticos de ―Cristo em Lucas-Atos Primeiro encontramos a frase ―o Cristo de Deus (Lc 920 2335 cf ―o Cristo do Senhor em 226 e ―Ungido do Senhor em At 426) A prova de Jesus como o Messias encontra-se em alguns exemplos da pregaccedilatildeo cristatilde primitiva (p ex At 542 173 18528) Segundo no importante manifesto em Lc 418-19 (cf Lc 722 e 4Q521) eacute o messianismo profeacutetico que estaacute presente baseado em Is 611-2 texto sitado na descriccedilatildeo fragmentaacuteria do proclamador angeacutelico em 11QMelqu A conclusatildeo desse capitulo (440) sugere que o ministeacuterio de cura jaacute iniciado demonstrava o messiado de Jesus (DAY 2005 p 497-498)
Jesus sempre valorizou muito mais a vida do que oblaccedilotildees sacrifiacutecios e
tradiccedilotildees que satildeo usadas para fazer diferenccedila entre as pessoas separando o
santo do pecador o bom do mau o melhor do pior Pois suas pregaccedilotildees eram de
fato uma oposiccedilatildeo contra esse tipo de comiseraccedilatildeo que vecirc a vontade de Deus
somente em beneficio proacuteprio (SANTOS 2011)
Em resumo a missatildeo de Jesus aconteceu no Impeacuterio Romano No mediterracircneo oriental o poder romano partilhado pelas elites locais fez da crueldade e da extorsatildeo parte da vida diaacuteria Para a natildeo elite do povo de Israel o colapso do sistema patronal da elite israelita apareceu como verdadeira traiccedilatildeo e deslealdade por parte das melhores famiacutelias aristocraacuteticas e cujo interesse a economia politica e a religiatildeo politica funcionavam O resgate dessa situaccedilatildeo somente ocorreria como Deus de Israel tomando o controle do paiacutes e restaurando a proteccedilatildeo divina da perfiacutedia politica que preenchia a terra A proclamaccedilatildeo de Jesus a respeito do reino de Deus era na verdade seu evangelho social (MALINA 2004 p 43)
Tudo aquilo que leva o povo ao sofrimento eacute considerado satacircnico Pois na
mensagem nos ensinamentos de Jesus Cristo seu principal tema era o ―reinado
de Deus e a salvaccedilatildeo Pois Jesus Cristo veio para resgatar e demonstrar o
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sedaqah (justiccedila) em sua plenitude Jesus Cristo veio instaurar um novo tempo
resignificando o sofrimento atraveacutes das bem-aventuranccedilas (Lc 620-23 Mt 51-12)
demonstrando assim ser o Immanuel ou seja ―Deus conosco (SANTOS 2011)
O evangelho de Jesus Cristo o Messias tambeacutem tinha o propoacutesito de gerar
uma comunidade que continuasse a propagar o reino que por Ele foi iniciado E
isso soacute podia ser feito mediante a unccedilatildeo e presenccedila do Espiacuterito do Senhor (Lc
418) Os propoacutesitos de Deus soacute podem ser realizados mediante essa unccedilatildeo do
Messias os qual visa em prioridade levar a Boa Nova aos pobres Essa Boa Nova
aos pobres estaacute relacionada agrave libertaccedilatildeo da opressatildeo romana e uma vida eterna
um lugar no ceacuteu ou seja uma resposta imediata e uma eterna o hoje e o
amanhatilde Como a paraacutebola do rico e o Lazaro benccedilatildeo eterna ao pobre e a
acusaccedilatildeo contra os ricos do presente (LOCKMANN 2011)
Pixley diz que
O reino de Deus se caracteriza pela vida uma vida tatildeo abundante que os leprosos satildeo limpos e mortos ressuscitam Isto jaacute estava acontecendo na obra de Jesus entre os pobres e marginalizados da Galileacuteia Entre os pobres esta vida abundante para os que haviam padecido carecircncias eacute recebida com alegria e Boa Nova (PIXLEY 1986 apud LOCKMANN 2011)
Observamos nessa parte que o messianismo surge com o sentido de
esperanccedila seja futura ou presente esperanccedila sobre as dificuldades diversas da
vida Davi foi um tipo de Messias em seu tempo pois ele gerava essa esperanccedila
e expectativa nas pessoas Jesus Cristo poreacutem foi o antiacutetipo do Messias sua vida
e suas obras foram voltadas totalmente para a classe dos desfavorecidos
trazendo esperanccedila aos seus coraccedilotildees tanto para uma vida futura como para a
vida presente e por fim com sua morte e ressurreiccedilatildeo concretizou essa
esperanccedila Veremos agora a relaccedilatildeo entre pobre sociedade e igreja e como se
daacute o diaacutelogo entre eles
3 POBRES SOCIEDADE E IGREJA
Quando falamos sobre pobres e excluiacutedos normalmente nos reportamos agraves
pessoas que estatildeo fora do sistema que rege uma sociedade o sistema soacutecio-
politico-econocircmico e religioso Temos que nos atentar para essas questotildees pois
como cristatildeos temos que ter uma visatildeo mais ampla sobre esse assunto para que
assim possamos cumprir os desiacutegnios de Cristo valorizar os desvalorizados
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(FELLER 1995) ―Eacute pobre portanto quem carece dos meios de vida Quem natildeo
tem os meios materiais para viver nem para se desenvolver com dignidade no
plano social poliacutetico e cultural (ALDUNATE 1991 p 16)
Esse grupo de pessoas na sociedade soacute consegue ser vistos a partir do
momento que eles proacuteprios se sentem incomodados e indignados com a situaccedilatildeo
que vivem formam seus grupos e tomam iniciativas que seratildeo visualizadas nos
conflitos sociais Pois eacute a partir desses conflitos que surgem e desenvolvem
meios de condiccedilotildees para combater a exclusatildeo social
[] satildeo os excluiacutedos os que mais sofrem por causa dos erros da modernidade brasileira e suas consequecircncias evidentes o ecircxodo rural e a explosatildeo urbana a violecircncia no campo e na cidade a concentraccedilatildeo da terra e do capital a especulaccedilatildeo financeira e imobiliaacuteria a inflaccedilatildeo a divida externa a reduccedilatildeo na produccedilatildeo de alimentos para o mercado interno o corporativismo dos poliacuteticos e empresaacuterios a instabilidade social a miseacuteria e a fome o desemprego a insalubridade publica o abandono do ensino baacutesico o desdeacutem ao pensamento nacional alternativo o embrutecimento intelectual a deseducaccedilatildeo do povo o disfarccedilamento da realidade a desmoralizaccedilatildeo eacutetica a destruiccedilatildeo do sentimento de nacionalidade a desarticulaccedilatildeo cultural as soluccedilotildees egoiacutestas e imediatistas o individualismo ganancioso
enfim o processo de apartaccedilatildeo crescente (FELLER 1995 p15)
Podemos perceber que a pobreza eacute gerada na sociedade por causa da
ganancia de pessoas que detecircm um determinado poder social politico ou
religioso e que acabam lesando o direito dos pobres a uma vida digna a pobreza
logo eacute uma carecircncia injusta e indevida resultado do abuso dos gananciosos
(ALDUNATE 1991)
Exatamente essas pessoas ―dominadoras a elite da sociedade natildeo medem
esforccedilos para manter o sistema funcionando sempre em seu proacuteprio beneficio e
deixando assim pobres na situaccedilatildeo onde eles se encontram sem dar a eles
esperanccedila de vida de melhoria Esses dominadores que satildeo uma porcentagem
bem pequena na sociedade trabalham dentro de uma estrutura social de
exploraccedilatildeo os quais utilizam princiacutepios convencionais ndash poliacuteticos econocircmicos
sociais culturais e religiosos ndash sempre com a finalidade de manter os pobres
sobre o seu domiacutenio em suas matildeos (SANTA ANA 1985)
Infelizmente a religiatildeo acaba legitimando esse tipo de situaccedilatildeo em prol de
benefiacutecios proacuteprios para manter suas proacuteprias posiccedilotildees Assim educando os
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pobres a concordar que as condiccedilotildees de vida em que eles vivem eacute a vontade de
Deus para eles mudando assim essa esperanccedila de uma vida melhor aqui para
uma vida melhor somente depois da morte Com isso a igreja faz uso da feacute para
legitimar uma desigualdade a qual o proacuteprio Deus condena (SANTA ANA 1985)
Segundo Santa Ana (1985 p48-49) o sistema educacional ajuda nessa
perpetuaccedilatildeo da pobreza A partir do momento que o sistema educacional
socializa as pessoas atraveacutes do conformismo faz com que os ricos tenham total
acesso ao processo educacional assim perpetuando-se no poder Fazendo com
que os pobres nunca tenham uma oportunidade como a deles Isso tambeacutem
atinge as estruturas familiares que se enveredam pelo mesmo caminho
preparando seus membros a fortalecerem esse processo de dominaccedilatildeo em que o
poder e a riqueza dominam fazendo ateacute o sistema politico trabalharem a seu
favor ou seja os vassalos trabalham e seus senhores colhem os frutos
Estamos definindo a pobreza como a incapacidade de realizaccedilatildeo das necessidades humanas baacutesicas exigidas para manter adequadamente a vida livre de doenccedilas miseacuteria fome dor sofrimento desespero e medo de um lado e a incapacidade de defesa em face da injusticcedila estrutural de outro Em qualquer dos casos essas condiccedilotildees podem ser resumidas como opressatildeo A luta contra a pobreza consiste pois em atividades em que se envolvem os oprimidos e os que lutam em seu favor na busca de uma ―vida melhor Natildeo se procura apenas a satisfaccedilatildeo das necessidades baacutesicas mas tambeacutem a existecircncia vivida com dignidade baseada no exerciacutecio da justiccedila da participaccedilatildeo e da liberdade (SANTA ANA 1985 p98)
Em grande parte das sociedades humanas existem pessoas grupos
governos igrejas entre outras instituiccedilotildees que se dedicam de forma incansaacutevel
para diminuir ou ateacute extinguir a pobreza na sociedade pois Deus natildeo criou o ser
humano para ser oprimido Podemos observar em Gn 1210-15 que esse tipo de
opressatildeo emerge no encontro de culturas poderosas com outras culturas que natildeo
tem esse mesmo poder dessa forma os mais fortes sempre dominam os mais
fracos (SANTA ANA 1985)
Em contrapartida a histoacuteria nos mostra que nem todos os opressores e
oprimidos aceitaram a opressatildeo assim tatildeo faacutecil Pessoas escolheram morrer ateacute
mesmo juntamente com sua famiacutelia ao inveacutes de se submeterem a opressatildeo
escravizadora esses satildeo os negros americanos que lutaram contra a
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segregaccedilatildeo e a escravidatildeo Essa opressatildeo natildeo eacute extinta tatildeo facilmente
infelizmente (SANTA ANA 1985)
―Do ponto de vista cristatildeo o processo de libertaccedilatildeo dura agrave vida toda O
objetivo uacuteltimo da luta contra a pobreza eacute criar a sociedade humana sem
opressores nem oprimidos onde todos se esforccedilam para ser verdadeiramente
humanos (SANTA ANA 1985 p106)
As Escrituras Sagradas fala sobre os direitos que os oprimidos tecircm os quais
se negam a dignidade de vida Podemos observar a preocupaccedilatildeo que a
legislaccedilatildeo os profetas os saacutebios e Jesus tecircm em relaccedilatildeo aos pobres e oprimidos
da sociedade A forma que Deus os protege e a forma de como Jesus Cristo se
identifica com eles de modo profundo que toda e qualquer opressatildeo ou violecircncia
praticada contra eles eacute da mesma intensidade contra Deus (ALDUNATE 1991)
Eacute quase um refratildeo que percorre toda a Biacuteblia natildeo oprimir o pobre natildeo explorar o oacuterfatildeo natildeo se aproveitar da viuacuteva natildeo discriminar o imigrado ou o forasteiro natildeo excluir o escravo Quem satildeo todos estes Satildeo aqueles que natildeo encontram lugar na sociedade organizada ou que por sua situaccedilatildeo social natildeo tecircm a quem recorrer e por isso satildeo entregues agrave proacutepria sorte ou satildeo feitos vitimas dos gananciosos [] O pobre pode ser saacutebio mas porque eacute pobre ―sua sabedoria eacute desprezada (Ec 916) e assim se destroacutei a cidade (ALDUNATE 1991 p97)
A igreja tecircm a missatildeo de defender a vida frente aos diversos problemas
sociais eacuteticos e espirituais em que vivemos nosso maior exemplo disso foi Jesus
Jesus questionou bastante fortemente os privileacutegios e as hierarquias que a sociedade judaica estabelecia tanto no domiacutenio social quanto no domiacutenio religioso Pela sua solidariedade com os pecadores com os pequenos com os sem-lei com os impuros ele contestou fortemente as estruturas de uma sociedade que ousava se apoiar em Deus para justificar a separaccedilatildeo entre aqueles que ensinam e os que escutam entre os que decidem e os que obedecem entre os que devem ser honrados e os que devem ser condenados O contexto modificou-se mas natildeo mudou muito a realidade das coisas A sociedade sempre teve e ainda tem seus marginalizados e seus desclassificados aos quais ela daacute apenas o direito do silecircncio O direito de natildeo serem como os outros [] A proacutepria igreja ainda natildeo conseguiu abandonar privileacutegios e hierarquias que foi interpelada a abolir Continua sustentando relaccedilotildees de autoridade e obediecircncia Continua ignorando aqueles que natildeo entram no quadro de sua moral ou de sua teologia oficial Existem ainda pecadores e estrangeiros sem o direito agrave mesa comum Pois eacute preciso respeitar as precedecircncias e as conveniecircncias Ainda natildeo aprendemos a nos colocar agrave mesa para comer com os pecadores E precisamos aceitar que simpatia
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e generosidade natildeo bastam para uma transformaccedilatildeo da histoacuteria Suprimir privileacutegios eacute a primeira decisatildeo para um combate E aceitar o risco da solidariedade e comprometer-se na luta contra toda opressatildeo Comeccedilar desde agora a viver na Igreja uma mudanccedila real com o maacuteximo de lucidez politica e uma coragem profeacutetica enraizada nas palavras do Cristo (MORIN 2016 p79-80)
A esperanccedila messiacircnica surge no primeiro testamento seu aacutepice se deu na
pessoa do rei Davi pois ele gerava essa esperanccedila nos coraccedilotildees das pessoas
isso porque ele natildeo olhava somente para as suas vontades mas tambeacutem as dos
desfavorecidos da sua eacutepoca Mas em Jesus eacute cumprida a promessa do
verdadeiro Messias de Deus o qual teve a coragem de lutar e doar a sua vida em
favor dos pobres e marginalizados concretizando assim uma esperanccedila que
jamais morreraacute A igreja cristatilde precisa seguir cabalmente esse exemplo de Davi e
por fim de Jesus Cristo e se doar em favor daqueles que satildeo considerados a
escoacuteria da sociedade
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Vivemos em tempos em que a sociedade valoriza muito mais aqueles que
tecircm do que aqueles satildeo Essa eacute a Era da coisificaccedilatildeo ou seja vocecirc vale aquilo
que vocecirc possui As pessoas que vivem a mercecirc desse sistema capitalista para
serem aceitas na sociedade ou em determinados grupos tem que demonstrar
aquilo que possui para serem aceitas as quais se tornam escravas do
consumismo e satildeo engolidas por esse sistema
Sistema esse que eacute regido por uma pequena porcentagem da sociedade
mas que dominam as pessoas que possuem menos poder que elas no que tange
a questatildeo politica econocircmica e social Essas pessoas fazem esse sistema
capitalista sempre girar em torno delas satildeo pessoas egoiacutestas gananciosas E os
mais prejudicados com isso satildeo as pessoas que satildeo dominadas por esse tipo de
governo os pobres e marginalizados
Nos uacuteltimos tempos as comunidades tecircm se preocupado com a situaccedilatildeo dos
pobres Mas natildeo basta somente se preocupar as comunidades precisam se
posicionar e praticar o evangelho de Cristo que entendemos ser o evangelho da
inclusatildeo Temos que aprender a tratar esse problema social que infelizmente
existe em nosso meio
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Fazer a vontade de Deus estaacute sempre relacionado ao nosso proacuteximo Como
seres humanos todos os pobres e marginalizados tem o direito de uma vida digna
ou seja ter pelo menos o baacutesico que um ser humano precisa para viver
Por isso estender a matildeo ao necessitado torna-se um grande desafio para a
sociedade e principalmente para a igreja
Com esse artigo procuramos trazer as nossas mentes para fazer-nos
relembrar acerca dos mandamentos divinos que eacute amar a Deus sobre todas as
coisas e ao proacuteximo como a si mesmo Mostrando que o pobre e marginalizado
tambeacutem tem o direito de igualdade em relaccedilatildeo agrave sociedade de ter pelo menos o
baacutesico para sua sobrevivecircncia A pobreza soacute existe porque o ser humano se
esqueceu de Deus e a partir daiacute soacute pensa em si proacuteprio em sempre ter vantagem
e domiacutenio sobre o outro
Infelizmente a igreja tambeacutem se esqueceu de seu papel aqui na Terra que eacute
de anunciar as Boas Novas de Cristo trazendo paz e esperanccedila a todos mas
principalmente aqueles a qual a sociedade despreza e marginaliza aqueles que
foram desamparados e natildeo tem nem o baacutesico para viver a fim de que tenham
uma vida digna como filho de Deus
Isso se torna um desafio para a sociedade e principalmente para a igreja a
qual eacute uma instituiccedilatildeo que deveria ou deve representar o reino de Deus desafio
esse de abrir um diaacutelogo e conscientizaccedilatildeo dos cristatildeos por partes de seus lideres
para que a igreja se torne um lugar de acolhida para essas pessoas que natildeo tem
para onde ir
Precisamos valorizar essas pessoas pois quem cuida delas realmente esta
dando continuidade a obra de Cristo pois essa foi agrave obra que Cristo fez dar a vida
em favor dos desfavorecidos
―Quando entre ti houver algum pobre de teus irmatildeos em alguma das tuas cidades na tua terra que o SENHOR teu Deus te daacute natildeo endureceraacutes o teu coraccedilatildeo nem fecharaacutes as matildeos a teu irmatildeo pobre antes lhe abriraacutes de todo a matildeo e lhe emprestaraacutes o que lhe falta quanto baste para a sua necessidade (Dt 157-8)
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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DOUGLAS JD O novo dicionaacuterio da Biacuteblia 3ordf ed rev ndash Satildeo Paulo Vida Nova 2006
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FABRIS Rinaldo Opccedilatildeo pelos pobres na Biacuteblia Satildeo Paulo Paulinas 1991
FELLER Vitor Galdino A revelaccedilatildeo de Deus a partir dos excluiacutedos Satildeo Paulo Paulus 1995
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SIQUEIRA Teacutercio Machado Tirando o poacute das palavras Histoacuteria e teologia de palavras e expressotildees biacuteblicas Satildeo Paulo Cedro 2005
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Autor ndash Ebson de Sousa
Bacharel em Teologia ndash UMESP E-mail ebsonsousayahoocombr
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RESENHA - ldquoO UNIVERSO AO LADOrdquo - UMA LEITURA ESSENCIAL PARA O ESTUDANTE DE TEOLOGIA
ldquoA tendecircncia da moderna teologia (se eacute que podemos
chama-la de teologia) eacute sempre rumo agrave deificaccedilatildeo
da criatura ao inveacutes da glorificaccedilatildeo do Criadorrdquo
Arthur Walkington Pink
RESUMO
O objetivo desta resenha eacute oferecer ao corpo discente do curso de teologia
da FATEJFADISA uma leitura auxiliar no desenvolvimento da compreensatildeo dos
cenaacuterios e cosmovisotildees que alimentam a hipermodernidade Haacute livros que fazem
a diferenccedila no quesito introduccedilatildeo aacute teologia e sem duacutevida alguma este eacute um
deles
Universo ao lado eacute um livro de suma importacircncia sendo aqui utilizada a
ediccedilatildeo de 2009 sendo ―O Livro - Universo ao Lado foi publicado pela primeira
vez em 1976 (na liacutengua inglesa) de modo que a antiguidade do livro chama a
atenccedilatildeo porquanto fazendo uma breve pesquisa e lecionando nestes uacuteltimos dez
anos em cursos de teologias tenho contemplando a comprometedora realidade
de que muitos dos discentes nunca tiveram acesso ou se dedicaram a leitura da
temaacutetica apresentado neste livro
Assim esta resenha foi feita para despertar no estudante de teologia o
interesse relevante pela literatura que jaacute haacute alguns anos vem contribuindo para
elucidar a questatildeo das cosmovisotildees da qual depende a produccedilatildeo de uma
teologia com excelecircncia reflexiva sendo necessaacuteria uma filosofia acadecircmica em
cuja essencialidade se acesse informaccedilotildees mais amplas as quais satildeo
imprescindiacuteveis como ponto de partida do saber teoloacutegico contemporacircneo
Boa leitura
autor Prof Me Marcelo Alves Dantas
marcelodantasteologiagmailcom
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James W Sire
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4 ed
Satildeo Paulo Hagnos 2009
BIOGRAFIA
Em 6 de fevereiro de 2018 faleceu James W Sire aos 84 anos50 Autor ―O
Universo ao Lado considerado um claacutessico cristatildeo sobre cosmovisotildees Sire
dedicou grande parte de seus estudos ao assunto James W Sire51 (17 de outubro de 1933 - 6 de fevereiro de 2018) foi um
autor palestrante e editor cristatildeo americano da InterVarsity Press Nascido em
uma fazenda na orla do Nebraska Sandhills Sire era oficial do Exeacutercito professor
universitaacuterio de literatura filosofia e teologia inglesa editor-chefe da InterVarsity
Press (editora de livros cristatildeos) palestrante de mais de duzentos universidades
nos EUA Canadaacute Europa Oriental e Ocidental e Aacutesia e autor de vinte livros
sobre literatura filosofia e feacute cristatilde Seu livro The Universe Next Door publicado
em 1976 e agora em sua quinta ediccedilatildeo jaacute vendeu mais de 400000 coacutepias e foi
traduzido para 19 idiomas estrangeiros Ele possuiacutea um bacharelado em quiacutemica
e inglecircs pela Universidade de Nebraska um mestrado pela Washington State
College (hoje Universidade) e um doutorado pela Universidade do Missouri Sua
publicaccedilatildeo mais recente foi Rim of the Sandhills um livro de memoacuterias da vida no
rancho traccedila sua chegada precoce agrave feacute e seu desenvolvimento gradual de uma
apologeacutetica madura pela feacute cristatilde Entre as deacutecadas de 1960 e 1980 James Sire foi editor-chefe da
InterVarsity Press uma editora voltada ao puacuteblico acadecircmico e cristatildeos
pensantes Liderou um movimento de consolidaccedilatildeo intelectual cristatildeo numa
cultura evangeacutelica cada vez mais fundamentalista e anti-intelectual Trouxe ao
conhecimento puacuteblico como editor pensadores como Francis Schaeffer Os
Guinness C Stephen Evans Rebecca Manley Pippert Mark Noll e muitos outros
pensadores cristatildeos Ele mesmo colaborou com 20 tiacutetulos a maioria tratando
sobre apologeacutetica cristatilde Seu livro mais conhecido mais vendido e traduzido para
50
httpswwwultimatocombrconteudoo-intelectual-como-vocacao-james-sire-1933-2018 - Acesso 15122019 51
https translate google com br translate hl = pt B R amp s l = e n amp u = h t t p s e n w i k i p e d i a org wiki J a m e s _ W _ S i r e amp p r e v = s e a r c h ndash Acesso 15122019
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20 idiomas O Universo ao Lado (1976) foi uma marco na tentativa em divulgar a
apologeacutetica cristatilde em formato de cosmovisotildees E deu certo mais de 350 mil
coacutepias somente nos EUA
INTRODUCcedilAtildeO
James Sire tem como um de seus objetivos refletir sobre a batalha para
descobrir nossa proacutepria feacute nossa proacutepria cosmovisatildeo nossas crenccedilas sobre a
realidade Seus principais intentos satildeo
a) Esboccedilar as cosmovisotildees que estatildeo por traacutes do modo pelo qual noacutes no
mundo ocidental pensamos sobre noacutes mesmos outras pessoas o mundo
natural e Deus ou a realidade final
b) Traccedilar historicamente como essas cosmovisotildees se desenvolveram desde o
decliacutenio da cosmovisatildeo teiacutesta transitando por sua vez para o deiacutesmo o
naturalismo o niilismo o existencialismo o misticismo oriental e a nova
consciecircncia da Nova Era
c) Mostrar como o poacutes-modernismo provocou uma reviravolta nessas
cosmovisotildees
d) Encorajar-nos a pensar em termos de cosmovisotildees isto eacute com
consciecircncia natildeo apenas do nosso modo de pensar mas tambeacutem do modo
de pensar das outras pessoas para que possamos primeiro entender os
outros e entatildeo estabelecer uma comunicaccedilatildeo eficaz em nossa sociedade
pluralista
Dr James W Sire eacute editor e palestrante muito requisitado em coleacutegios e
Universidades dos Estados Unidos e Europa Autor de vaacuterios livros
1 How to Read Slowly Reading for Comprehension Como ler
devagar Leitura para compreensatildeo 1978
2 Scripture Twist twenty Ways Cults Misunderstand the Bible
Torccedilatildeo das Escrituras 20 maneiras pelos quais os cultos
interpretam mal a Biacuteblia 1980
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3 Discipleship of the Mind Learning to Love God In the Ways We
Think Discipulado da mente aprendendo a amar a Deus da
maneira que pensamos 1990
4 Why Should Anyone Believe Anything at All Por que algueacutem
deveria acreditar em tudo1994
5 Habits of the Mind Intellectual Life as a Christian Calling Haacutebitos
da Mente vida intelectual como uma vocaccedilatildeo crista 2001
6 Naming the Elephant Worldview as a Concept Nomeando o
elefante cosmovisatildeo como conceito 2004
7 Por que bons argumentos frequentemente falham (IVP 2006)
O LIVRO ndash O UNIVERSO AO LADO
Sire parte do pressuposto que jaacute n o final do seacuteculo XIX Stephen Crane
havia aprendido a condiccedilatildeo com que noacutes no iniacutecio do seacuteculo XXI passariacuteamos a
encarar o universo
Considera-se como um fato importante nos dias de Hoje o movimento
religioso do Islatilde que defende a cosmovisatildeo cujos pressupostos vecircm afetando o
Ocidente que natildeo foi abordada em nenhumas das ediccedilotildees anteriores Desde 11
de setembro de 2001 o Islatilde tornou-se o principal fator da vida natildeo apenas no
Oriente Meacutedio Aacutefrica e Aacutesia mas tambeacutem na Europa e Ameacuterica do Norte A
cosmovisatildeo islacircmica (ou talvez cosmovisotildees) exerce sua influecircncia sobre as
vidas das pessoas em todo o mundo Aleacutem disso o termo cosmovisatildeo aparece
comumente nos jornais quando jornalistas tentam compreender e explicar o que
estaacute incentivando os chocantes eventos dos uacuteltimos anos
Segundo Sire os leitores de qualquer uma das ediccedilotildees anteriores notaratildeo
que a nova definiccedilatildeo faz trecircs coisas
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a) Primeiro ela muda o foco de uma cosmovisatildeo como um conjunto de
pressuposiccedilotildees para um compromisso uma orientaccedilatildeo fundamental
do coraccedilatildeo concedendo uma ecircnfase maior agraves raiacutezes preacute-teoacutericas do
intelecto
b) Segundo expande a forma pela qual as cosmovisotildees satildeo expressas
adicionando ao conjunto de pressuposiccedilotildees uma noccedilatildeo de histoacuteria
c) Terceiro torna mais expliacutecito que a raiz mais profunda de uma
cosmovisatildeo eacute seu comprometimento e compreensatildeo da realidade
real
O objetivo do livro eacute de forma resumida apresentar algumas das
cosmovisotildees que mais influenciam o pensamento humano Apesar de alguns
nomes de filoacutesofos como Platatildeo Aristoacuteteles Sartre Camus e Nietzsche
aparecerem nas paginas do livro este natildeo se constitui ser um trabalho acadecircmico
de filosofia E embora nos remeta ao tempo e aos conceitos tornados famosos
pelo apostolo Paulo por Agostinho Tomaacutes de Aquino e Calvino mesmo assim
este natildeo eacute um trabalho acadecircmico de teologia Em especial eacute um livro de
cosmovisotildees ndash de modo mais baacutesico e fundamental do que os estudos formais
em filosofia ou teologia Ou de outro modo eacute um livro de universos adaptados
pelas palavras e conceitos que trabalham em conjunto para propiciar um quadro
mais ou menos coerente de referecircncia para todo pensamento e accedilatildeo
Em se tratando de cosmovisotildees Sire a define da seguinte maneira
Eacute um conjunto de pressuposiccedilotildees (hipoacuteteses que podem ser verdadeiras parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente consistente ou inconsistentemente) sobre a formaccedilatildeo baacutesica de nosso mundo
O autor propotildee responder atraveacutes de 7 perguntas baacutesicas para cada
cosmovisatildeo pontos fundamentais da vida e do universo poreacutem natildeo percorre
exatamente as 7 perguntas em todas as cosmovisotildees no entanto como algumas
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cosmovisotildees se aproximam em suas hipoacuteteses essenciais parece ter
considerado que uma responde a outra
As sete perguntas baacutesicas satildeo
1 Qual a realidade primordial ndash o que eacute realmente verdadeiro A
isso se responde Deus os deuses ou o cosmo material
2 Qual a natureza da realidade externa isto eacute do mundo ao nosso
redor Aqui nossas respostas sinalizam se vemos o mundo como
criado ou autocircnomo como catoacutelico ou ordenado como mateacuteria ou
espiacuterito se nossa ecircnfase eacute subjetiva e de relacionamento pessoal
com o mundo ou se sua objetividade o separa de noacutes
3 O que eacute o ser humano - A essa pergunta podemos responder
Uma maquina altamente complexa um deus adormecido uma
pessoa feita agrave imagem e semelhanccedila de Deus um ―gorila nu
4 O que acontece quando uma pessoa morre - Aqui podemos
replicar com extinccedilatildeo pessoal ou transformaccedilatildeo em estado
elevado ou reencarnaccedilatildeo ou partida para uma existecircncia obscura
―no outro lado
5 Por que eacute possiacutevel conhecer alguma coisa - Respostas simples
incluem a ideacuteia de que fomos criados agrave imagem de um Deus todo-
conhecedor ou essa consciecircncia e racionalidade desenvolveram-se
sob contingecircncias de sobrevivecircncia atraveacutes de um longo processo
evolutivo
6 Como sabemos o que eacute certo ou errado - Mais uma vez a
resposta ou fomos criados agrave imagem de um Deus cujo caraacuteter eacute
bom ou o certo e o errado satildeo determinados somente pela escolha
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humana ou pelo que nos faz sentir bem ou as naccedilotildees
simplesmente se desenvolveram sob um iacutempeto orientado agrave
sobrevivecircncia fiacutesica ou cultural
7 Qual o significado da histoacuteria humana - A isso podemos
responder compreender os propoacutesitos de deus ou deuses preparar
um paraiacuteso na terra preparar um povo para uma vida em
comunidade com um deus amoroso e santo e assim por diante
Dentro de vaacuterias cosmovisotildees baacutesicas outras questotildees satildeo levantadas
Por exemplo Quem estaacute no comando deste mundo ndash Deus os seres humanos ou
ningueacutem Somos seres determinados ou livres Somos os uacutenicos fabricantes de
valores Deus eacute realmente bom Deus eacute pessoal ou impessoal Deus existe
afinal
O livro apresenta uma siacutentese de cada uma das cosmovisotildees abaixo
relacionadas
Teiacutesmo Deiacutesmo Naturalismo Niilismo Existencialismo Monismo
panteiacutesta oriental Nova era Poacutes-modernismo
SEGUE-SE UM ESBOCcedilO DE CADA UMA DAS COSMOVISOtildeES CITADAS
1 UM UNIVERSO CARREGADO DA GRANDEZA DE DEUS ndash TEIacuteSMO CRISTAtildeO
No teiacutesmo cristatildeo a proposiccedilatildeo principal relaciona-se agrave natureza de Deus
Deus eacute infinito e pessoal (triuno) transcendente e imanente onisciente soberano
e bom
Deus criou o cosmo ex nihilo para operar com a uniformidade de causa e
efeito num sistema aberto Obs ex nihilo (fora do nada natildeo fora de si mesmo ou
de algum caos preexistente) porque se o cosmo fosse realmente ―preexistente
seria tatildeo eterno quanto Deus O universo eacute ordenado e Deus natildeo o apresenta a
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noacutes em confusatildeo mas em claridade A natureza do universo de Deus e a
natureza do caraacuteter de Deus estatildeo assim intimamente relacionadas
Outra noccedilatildeo importante eacute que o sistema estaacute aberto e isso significa que
natildeo estaacute programado Deus estaacute constantemente envolvido no padratildeo de
desdobramento de contiacutenua atividade do universo E assim somos como seres
humanos O curso de atividade do mundo estaacute aberto ao reordenamento efetuado
tanto por Deus como pelos os seres humanos Assim o encontramos
dramaticamente reordenado na Queda Se o curso dos acontecimentos fosse
determinado nossas decisotildees natildeo teriam significado Assim o teiacutesmo declara que
o universo eacute ordenado mas natildeo determinado
Os seres humanos satildeo criados agrave imagem e semelhanccedila de Deus e assim
possuem personalidade autotranscendecircncia inteligecircncia moralidade senso
gregaacuterio e criatividade
No Teiacutesmo cristatildeo Deus completa nosso uacuteltimo desejo fazendo-o de vaacuterias
maneiras
a) Sendo o perfeito complemento para nossa proacutepria natureza
satisfazendo nosso desejo por um relacionamento interpessoal
b) Sendo e sua onisciecircncia o fim da busca por conhecimento Sendo
em sua santidade o fundamento justo para a nossa busca por
justiccedila
c) Sendo em seu infinito amor a causa de nossa esperanccedila por
salvaccedilatildeo
d) Sendo em sua infinita criatividade a fonte de nossa imaginaccedilatildeo
criativa e a beleza final que buscamos refletir quando noacutes mesmos
criamos
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Os seres humanos podem conhecer tanto o mundo agrave sua volta quanto o
proacuteprio Deus porque Deus os proveu com essa capacidade e assumiu um papel
ativo na comunicaccedilatildeo com eles A base do conhecimento humano eacute o caraacuteter de
Deus como criador
Os seres humanos foram criados bons mas pela queda a imagem de
Deus foi desfigurada embora natildeo completamente arruinada a ponto de natildeo ser
possiacutevel de restauraccedilatildeo pela obra de Cristo Deus redimiu a humanidade e
comeccedilou o processo de restauraccedilatildeo das pessoas para a bondade embora
qualquer pessoa possa escolher rejeitar essa redenccedilatildeo
O Teiacutesmo argumenta contra a tentativa do ser humano de procurar se
organizar como seres autocircnomos aacuterbitros de sua proacutepria maneira de viver como
se fossem independentes de Deus Todavia isso eacute o que eles precisamente natildeo
possuem pois devem tudo tanto sua origem como sua existecircncia contiacutenua ndash a
Deus
Para cada pessoa a morte eacute ou o portatildeo para a vida com Deus e seu povo
ou o portatildeo para a separaccedilatildeo eterna da uacutenica coisa que completaria em ultima
instacircncia as aspiraccedilotildees humanas
A eacutetica eacute transcendente e estaacute baseada no caraacuteter de Deus como bom
(santo e amoroso)
A histoacuteria eacute linear uma sequecircncia significativa de eventos que convergem
para o cumprimento dos propoacutesitos de Deus para a humanidade
O teiacutesmo no entanto ensina que natildeo somente haacute um universo moral
como tambeacutem haacute um padratildeo absoluto pelo qual todos os julgamentos morais satildeo
feitos O proacuteprio Deus - seu caraacuteter de bondade (santidade e amor) - eacute esse
padratildeo
Aleacutem disso os cristatildeos e judeus defendem que Deus te revelado o seu
padratildeo em vaacuterias leis e princiacutepios expressos no texto biacuteblico Os Dez
Mandamentos o sermatildeo do monte o ensino eacutetico do apoacutestolo Paulo - por meio
dessas e muitas outras maneiras Deus tem revelado o seu caraacuteter Haacute portanto
um padratildeo de certo e errado e todos os que desejam conhececirc-lo o conseguem
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2 O UNIVERSO MECAcircNICO ndash DEIacuteSMO
O Deiacutesmo se desenvolveu segundo alguns como uma tentativa de buscar
unidade fora do caos teoloacutegico e das discussotildees filosoacuteficas que no seacuteculo XVII
estavam atolados em interminaacuteveis disputas
Apoacutes deacutecadas de extenuantes discussotildees eclesiaacutesticos luteranos
puritanos e anglicanos poderiam muito bem ter olhado novamente para os pontos
de concordacircncia De certa forma o deiacutesmo eacute a resposta para isso apesar de o
rumo que tal concordacircncia tomou tenha levado o deiacutesmo aleacutem dos limites do
cristianismo tradicional
Um dos fatores primordiais constante no livro sendo fator importante para
o pensamento teoloacutegico foi o desenvolvimento do deiacutesmo enquanto uma
mudanccedila na localizaccedilatildeo da autoridade pelo conhecimento sobre o divino que
passou da revelaccedilatildeo especial encontrada na Escritura para a presenccedila da razatildeo
a luz de Deus na mente humana ou para a intuiccedilatildeo a luz interior
Nas palavras de Bacon o conhecimento tornou-se poder poder para
manipular e trazer a criaccedilatildeo mais plenamente sob o domiacutenio do homem Essa
visatildeo eacute ecoada na linguagem moderna de J Bronowski Eu defino ciecircncia como
a organizaccedilatildeo de nosso conhecimento de modo a aumentar o seu domiacutenio sobre
o potencial latente na natureza
O deiacutesmo nega que Deus pode ser conhecido pela revelaccedilatildeo por atos
especiais da auto expressatildeo por exemplo na Escritura ou na encarnaccedilatildeo
Havendo excluiacutedo Aristoacuteteles como uma autoridade em assuntos relativos agrave
ciecircncia o deiacutesmo agora exclui a Escritura como autoridade em teologia
permitindo apenas a aplicaccedilatildeo da razatildeo humana
Sire entretanto buscando a coerecircncia da informaccedilatildeo discute que nem
todos os deiacutestas sustentaram a mesma maneira de pensar a respeito da questatildeo
o que de certa forma nos coloca a reflexatildeo criacutetica do autor como uma proposta
de equiliacutebrio em relaccedilatildeo ao estudo do pensamento deiacutesta bem como do
comportamento frente a questatildeo por parte de seus simpatizantes Para Sire
alguns defenderam uma seacuterie de noccedilotildees inter-relacionadas poreacutem nem todos
apoiaram as doutrinas em comum John Locke por exemplo natildeo rejeitou a ideia
da revelaccedilatildeo poreacutem insistiu em que a razatildeo humana deveria ser usada para
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julgaacute-la Certos deiacutestas como Voltair eram hostis ao cristianismo alguns como
Locke natildeo Uns acreditavam na imortalidade da alma outros natildeo
Ainda alguns criam que Deus abandonou a sua criaccedilatildeo para funcionar por
conta proacutepria outros poreacutem acreditavam na providecircncia Por fim havia os que
acreditavam em um Deus pessoal outros natildeo Por tanto os deiacutestas eram muito
menos unidos em relaccedilatildeo a questotildees baacutesicas do que os teiacutestas
No entanto o deiacutesmo natildeo provou ser uma cosmovisatildeo estaacutevel
Historicamente ele exerceu breve domiacutenio sobre o mundo intelectual da Franccedila e
Inglaterra do fim do seacuteculo XVII ateacute a primeira metade do seacuteculo XVIII Precedido
pelo teiacutesmo foi seguido pelo naturalismo
3 NATURALISMO
Uma siacutentese que ajuda na compreensatildeo em termos intelectuais pode ser
notada na seguinte propositura
a) No teiacutesmo Deus eacute o Criador pessoal e infinito sustentador do
cosmo
b) No deiacutesmo Deus eacute reduzido ele comeccedila a perder a sua
personalidade embora permaneccedila como Criador e (por implicaccedilatildeo)
sustentador do cosmo
c) No naturalismo Deus eacute ainda mais reduzido perdendo a sua proacutepria
existecircncia
Os personagens envolvidos nessa mudanccedila do teiacutesmo para o naturalismo
formam uma legiatildeo em especial no periacuteodo entre 1600 e 1750
A primeira proposiccedilatildeo definidora de naturalismo eacute a de que a mateacuteria existe
eternamente e eacute tudo o que haacute Deus natildeo existe
No naturalismo a natureza do cosmo eacute que eacute primaacuteria pois agora com
um Criador eterno fora de cena o proacuteprio cosmo se torna eterno - sempre laacute
poreacutem natildeo necessariamente em sua forma atual na verdade certamente natildeo em
sua presente forma
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O Naturalismo defende que o cosmo existe como uma uniformidade de
causa e efeito em um sistema fechado Os seres humanos satildeo maacutequinas
complexas a personalidade eacute uma inter-relaccedilatildeo de propriedades quiacutemicas e
fiacutesicas ainda natildeo totalmente compreendidas Para os Naturalistas a morte eacute a
extinccedilatildeo da personalidade e da individualidade homens e mulheres satildeo
constituiacutedos de mateacuteria e nada mais A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos
ligada por causa e efeito poreacutem sem uma proposta abrangente
No Naturalismo primeiramente a palavra histoacuteria como utilizada nessa
proposiccedilatildeo inclui tanto a histoacuteria natural quanto a humana pois os naturalistas
veem a ambas como uma continuidade A origem da famiacutelia humana estaacute na
natureza Surgimos dela e mais provavelmente retornaremos a ela (natildeo apenas
individualmente mas como espeacutecie)
A noccedilatildeo de um Planejador dotado de propoacutesito natildeo eacute permitida pelos
naturalistas
Ainda em relaccedilatildeo agrave eacutetica concordam os naturalistas que a mesma estaacute
relacionada apenas os seres humanos Para o teiacutesta Deus eacute o alicerce de todos
os valores enquanto que para os naturalistas os valores satildeo construiacutedos pelos
seres humanos
Duas formas de naturalismo merecem uma atenccedilatildeo especial A primeira eacute
o humanismo secular um termo que passou a ser usado e abusado tanto por
adeptos quanto por criacuteticos Por essa razatildeo algum esclarecimento quanto aos
termos se faz aqui necessaacuterio Primeiro o humanismo secular em geral eacute uma
forma de humanismo poreacutem natildeo eacute a uacutenica O humanismo em si eacute a postura
global de que os seres humanos possuem um valor especial seus anseios
pensamentos e aspiraccedilotildees satildeo significantes Igualmente existe uma ecircnfase no
valor da pessoa como indiviacuteduo
O humanismo secular eacute uma forma do humanismo que eacute totalmente
estruturada dentro da cosmovisatildeo naturalista Eacute justo afirmar creio eu que a
maioria que se sente confortaacutevel dentro do roacutetulo humanista secular encontraraacute
suas visotildees retratadas nas seis proposiccedilotildees anteriores Em outras palavras os
humanistas seculares satildeo simplesmente naturalistas embora nem todos os
naturalistas sejam humanistas seculares
A partir da uacuteltima parte do seacuteculo XIX umas das formas de naturalismo
com maior relevacircncia histoacuterica tem sido o marxismo Poreacutem Sira reconhece que e
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difiacutecil expressar com brevidade uma definiccedilatildeo sobre o marxismo devido agrave
existecircncia de diferentes tipos de marxistas
Sire conclui acerca do naturalismo que ao contraacuterio do deiacutesmo este tem
apresentado um grande poder de permanecircncia Concebido no seacuteculo XVIII ele se
desenvolveu no seacuteculo XIX chegando agrave maturidade no seacuteculo XX
Naturalismo eacute visto como o grande vilatildeo da vanguarda poacutes-moderna
Todavia ateacute o momento nenhuma cosmovisatildeo rival tem sido capaz de fazer-lhe
frente em que pese ser justo afirmar que o seacuteculo XX forneceu algumas opccedilotildees
poderosas e o teiacutesmo esteja experimentando um tipo de renascimento em todos
os niacuteveis da sociedade
Sire compreende que o que torna o naturalismo tatildeo persistente satildeo dois
motivos baacutesicos Primeiro porque daacute a impressatildeo de ser honesto e objetivo A
pessoa eacute solicitada a aceitar apenas o que parece estar fundamentado em fatos e
nos resultados seguros da investigaccedilatildeo cientiacutefica ou da erudiccedilatildeo e segundo
porque para um grande contingente de pessoas o naturalismo parece coerente
Entretanto Sire arrazoa que contudo muito antes do teacutermino do seacuteculo
XX rachaduras comeccedilaram a surgir na estrutura Os criacuteticos teiacutestas sempre
encontraram falhas nela jamais abandonando as suas convicccedilotildees de que um
Deus infinito e pessoal estaacute por detraacutes do universo
4 NIILISMO
Sire inicia argumentando que o Niilismo eacute mais um sentimento que
propriamente uma filosofia todavia sendo mais preciso o niilismo de forma
alguma eacute uma filosofia mas uma negaccedilatildeo dela da possibilidade de
conhecimento e de tudo aquilo que possui valor Uma vez que em sua
epistemologia ao avanccedilar para a absoluta negaccedilatildeo de tudo o niilismo nega ateacute
mesmo a realidade de sua proacutepria existecircncia
Porquanto o niilismo eacute a negaccedilatildeo de todas as coisas - conhecimento
eacutetica beleza realidade No niilismo nenhuma afirmaccedilatildeo possui validade nada
tem significado Antes tudo eacute gratuito dispensaacutevel isto eacute apenas existe
Sire cita o romance coacutesmico de ficccedilatildeo cientiacutefica de Douglas Adams
retratando a situaccedilatildeo dos que buscam na ciecircncia da computaccedilatildeo uma resposta
ao significado do homem
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Outros autores tais como Samuel Beckett Franz Kafka Eugene Ionesco
Joseph Heller Kurt Vonnegut Jr fazem parte das indicaccedilotildees de leitura sobre
Niilismo
O Niilismo tem suas implicaccedilotildees Sire argumenta acerca do ponto de vista
daquele que crecirc numa Revelaccedilatildeo (Teiacutesmo) uma vez que em um universo na
perspectiva Niilista onde Deus estaacute morto as pessoas satildeo culpadas de violar a
lei moral apenas satildeo culpadas da culpa e isso eacute muito seacuterio pois nada pode ser
feito a respeito Se algueacutem pecou pode haver expiaccedilatildeo Se algueacutem infligiu agrave lei o
legislador pode perdoar o infrator Mas se algueacutem apenas for culpado da culpa
natildeo haacute como solucionar esse problema extremamente pessoal
Assim os fios do niilismo epistemoloacutegico metafiacutesico e eacuteticos se entrelaccedilam
para formar uma corda longa e forte o suficiente para envolver toda uma cultura
O nome dessa corda eacute perda de significado
Segundo Sire o Niilismo eacute uma consequecircncia do Naturalismo Se
considerarmos seriamente as implicaccedilotildees da morte de Deus o desaparecimento
do transcendente o hermetismo do universo acabamos exatamente como
Niilistas convivendo com a perda de significado Questiona-se contudo por que
nem todos os Naturalistas satildeo Niilistas para Sire a resposta estaacute em que nem
todos levam a seacuterio o seu Naturalismo
Entretanto deve-se ficar claro que toda vez que os niilistas pensam e
confiam em seu pensamento eles estatildeo sendo inconsistentes pois tecircm negado
que aquele pensamento possui valor ou que pode levar ao conhecimento Poreacutem
no acircmago da afirmaccedilatildeo de um niilista repousa uma autocontradiccedilatildeo
5 EXISTENCIALISMO
O existencialismo especialmente em sua forma secular natildeo apenas leva a
seacuterio o niilismo mas eacute uma resposta a ele Sire especiacutefica que eacute importante
reconhecer que o existencialismo assume duas formas baacutesicas dependendo de
sua relaccedilatildeo com as cosmovisotildees anteriores porque o existencialismo natildeo eacute uma
cosmovisatildeo totalmente amadurecida
O existencialismo ateiacutesta eacute um parasita do naturalismo enquanto o
existencialismo teiacutesta eacute um parasita do teiacutesmo Ateacute certo ponto todas as
cosmovisotildees possuem sutis variaccedilotildees e o existencialismo natildeo constitui uma
exceccedilatildeo
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O existencialismo ateiacutesta principia com a aceitaccedilatildeo de todas as
proposiccedilotildees do naturalismo a seguir mencionadas A mateacuteria existe para sempre
Deus natildeo existe O cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito em
um sistema fechado A histoacuteria eacute uma corrente linear de eventos conectados por
causa e efeito mas sem um propoacutesito abrangente A eacutetica eacute relacionada apenas a
seres humanos
Na perspectiva do Existencialismo existem duas dimensotildees onde a
epistemologia estabelece suas bases a saber - O Mundo Objetivo e o Mundo
Subjetivo
O primeiro tipo de ser eacute o mundo objetivo - o mundo das coisas materiais
da lei inexoraacutevel da causa e efeito do tempo cronoloacutegico do fluxo do
mecanismo O maquinaacuterio do universo - eleacutetrons giratoacuterios galaacutexias em espiral
corpos que caem gases que se elevam e aacuteguas que fluem ndash cada qual
realizando sua funccedilatildeo eternamente inconscientes para sempre apenas
existente Aqui afirmam os existencialistas a ciecircncia e a loacutegica mostram sua
utilidade As pessoas conhecem o mundo objetivo e exterior pela virtude de uma
observaccedilatildeo atenta registrando levantando hipoacuteteses e verificando- as por meio
de experimentos sempre refinando teorias e comprovando conjecturas sobre o
mundo em que vivemos
O segundo tipo de ser eacute o mundo subjetivo mdash o mundo da mente da
consciecircncia da percepccedilatildeo da liberdade da estabilidade Aqui a percepccedilatildeo
interior da mente eacute uma consciecircncia presente um agora constante
O tempo natildeo tem significado algum pois para si mesmo o assunto estaacute
sempre presente nunca passado ou futuro A ciecircncia e a loacutegica natildeo penetram
esse domiacutenio nada tem a dizer sobre subjetividade pois ela eacute a compreensatildeo do
eu pelo natildeo eu subjetividade eacute fazer do natildeo eu parte de si mesmo O sujeito
absorve o conhecimento natildeo como a garrafa armazena o liacutequido mas como um
organismo ingere o seu alimento O conhecimento se transforma no conhecedor
Para os seres humanos ldquoa existecircncia precede a essecircnciardquo as pessoas
fazem de si mesmas o que satildeo Essa frase proveniente de Sartre eacute a mais
famosa definiccedilatildeo do acircmago do existencialismo
Sire enfatiza que o existencialismo enfatiza a desuniatildeo entre o mundo
Objetivo e o Mundo Subjetivo demonstrando que entre esses dois mundos existencialismo opta vigorosamente em favor do mundo subjetivo o que Sartre
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denomina como um conjunto de valores distintos do reino material Segundo
Sire o mundo objetivo eacute regido por leis os corpos caem se natildeo forem apoiados
O mundo subjetivo natildeo conhece nenhuma regra O que eacute presente a ele o que
estaacute aqui e agora eacute
O mundo objetivo eacute o mundo de experimentos isolados e controlados eacute o
mundo da fiacutesica o mundo subjetivo eacute o mundo do conhecimento valores
decisotildees e atos de propoacutesitos os quais esses experimentos satildeo na verdade designados a servir eacute o mundo da ciberneacutetica de nosso proacuteprio comportamento
orientado a um objetivo
Assim na premissa dos Existencialistas todos somos livres interiormente
e portanto podemos criar o nosso proacuteprio valor pela afirmaccedilatildeo de nosso meacuterito
Natildeo somos restringidos pelo mundo objetivo dos tique-taques de reloacutegios de
quedas daacutegua e de eleacutetrons giratoacuterios O valor eacute interno e o interior pertence a
cada pessoa
O Existencialista entretanto possui uma singular diferenccedila na sua
epistemologia em relaccedilatildeo ao Niilista Aqui estaacute como um existencialista vai aleacutem
do niilismo Nada possui valor no mundo objetivo no qual nos tornamos
conscientes mas enquanto somos conscientes criamos valor A pessoa que vive
uma autecircntica existecircncia eacute aquela que se manteacutem cocircnscia da condiccedilatildeo absurda
do cosmo mas que se rebela contra essa condiccedilatildeo criando significado
O homem subterracircneo de Fyodor Dostoievski eacute um paradigma do
rebelde sem uma causa aparentemente razoaacutevel
Umas das questotildees baacutesicas do existencialismo eacute que em lugar de mudar
suas pressuposiccedilotildees naturaliacutesticas compatibilizando-as com os dados biacuteblicos
eles concluiacuteram que a Biacuteblia era historicamente indigna de confianccedila Isso poderia
ter resultado em um abandono da feacute cristatilde em sua totalidade Entretanto Sire
argumenta que muitos teoacutelogos passaram a interpretar as Escrituras aacute luz do
pensamento criacutetico existencialista dentre os mais conhecidos estatildeo (Karl Barth
Reinhold Niebuhr Rudolf Bultmann e outros de seus colegas)
Sire destaca na questatildeo do existencialismo eacute importante discernir sobre as
duas formas interessantes nas quais se apresenta e que deve ser objeto de
estudo e reflexatildeo pois formam um par de cosmovisotildees que sustentam um
relacionamento fraternal poreacutem satildeo filhos de pais diferentes O existencialismo
teiacutesta surgiu com Kierkegaard como uma resposta ao teiacutesmo morto e a uma
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ortodoxia morta e com Karl Barth como uma resposta agrave reduccedilatildeo do cristianismo
a uma mera moralidade Isso deu lugar ao subjetivismo elevou a religiatildeo da
histoacuteria e concentrou sua atenccedilatildeo no significado interior O existencialismo ateiacutesta
veio agrave tona com Jean Paul Sartre e Albert Carnus como uma reaccedilatildeo ao niilismo e
a reduccedilatildeo das pessoas a insignificantes engrenagens dentro do maquinaacuterio
coacutesmico Isso levou a uma volta subjetivista elevou a filosofia da objetividade e
citou significado a partir da afirmaccedilatildeo humana
6 MONISMO PANTEIacuteSTA ORIENTAL
A mudanccedila ao pensamento oriental desde os anos sessenta eacute por tanto
primariamente uma fuga do pensamento ocidental Sire considera que por cerca
de um seacuteculo o pensamento oriental vem fluindo para o Ocidente
As escrituras hinduiacutestas e budistas foram traduzidas e circulam agora em
ediccedilotildees de bolso de baixo custo Jaacute no ano de 1893 no primeiro Parlamento de
Religiotildees Mundiais realizado em Chicago Swami Vivekananda comeccedilou a
introduzir os ensinamentos de seu guru pessoal Sri Ramakrishna Paramahansa
D T Suzuki do Japatildeo introduziu o Zen nas publicaccedilotildees ocidentais
E Alan Watts um ocidental absorveu o Zen e retornou ao Ocidente para
propagar tais ensinos entre seus colegas ocidentais Na deacutecada de 1960 estudos
orientais jaacute tinham penetrado nas escolas de ensino meacutedio Gurus indianos
cruzaram repetidas vezes os Estados Unidos e Europa por muitas deacutecadas O
conhecimento oriental passa a ser de faacutecil obtenccedilatildeo sendo que mais e mais sua
visatildeo de realidade torna-se uma opccedilatildeo de vida no Ocidente
Sire procura elucidar a maneira Oriental de ser perceber e interpretar o
mundo partindo do monismo panteiacutesta sendo essa eacute a cosmovisatildeo raiz que
forma a base do sistema hindu
O monismo panteiacutesta eacute diferenciado das demais cosmovisotildees relacionadas
com o Oriente por seu monismo a noccedilatildeo de que apenas um elemento impessoal
constitui a realidade Hare Krishna natildeo se enquadra nessa cosmovisatildeo pois
embora compartilhe muitas caracteriacutesticas do monismo panteiacutesta oriental declara
que a realidade em uacuteltima anaacutelise eacute pessoal (e portanto compartilha uma
similaridade com o teiacutesmo totalmente ausente em Advaita Vedanta)
Na cosmovisatildeo do monismo panteiacutesta oriental Atma eacute Brahma isto eacute a
alma de cada um e de todo ser humano eacute a alma do cosmo Deus em termos
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panteiacutestas Deus eacute a realidade uacutenica infinita impessoal e suprema ou seja Deus
eacute o cosmo
Deus estaacute em tudo o que existe nada existe que natildeo seja Deus Se
qualquer coisa que natildeo seja Deus aparente existir isso eacute maya ou seja ilusatildeo e
natildeo existe realmente Em outras palavras tudo o tudo o que existe como um
objeto distinto e separado - essa cadeira natildeo aquela outra essa rocha natildeo
aquela aacutervore eu natildeo vocecirc - eacute uma ilusatildeo Natildeo eacute a nossa distinccedilatildeo que nos
concede realidade mas a nossa unicidade o fato de sermos Brahma e Brahma eacute
u m Sim Brahma eacute o um
Sire lembra que noacutes ocidentais natildeo estamos acostumados a esse tipo de
sistema Distinguir isso eacute pensar Essa noccedilatildeo no monismo panteiacutesta eacute
diametralmente contraacuteria ao teiacutesmo No teiacutesmo a personalidade eacute a caracteriacutestica
principal sobre Deus como tambeacutem sobre as pessoas Significa que um indiviacuteduo
possui complexidade no acircmago de seu ser A personalidade demanda
autoconsciecircncia e autodeterminaccedilatildeo e ambos envolvem dualidade - o pensador e
a coisa pensada No teiacutesmo tanto Deus quanto a humanidade satildeo complexos
No panteiacutesmo a caracteriacutestica principal sobre Deus eacute a Unidade abstrata
absoluta indiferenciada e natildeo dual unidade Isso coloca Deus aleacutem da
personalidade
Sire considera que um dos pilares da cosmovisatildeo Oriental estaacute em
perceber a unidade com o cosmo eacute ir aleacutem do bem e do mal o cosmo eacute perfeito a
todo o momento Trata-se de um assunto dos mais sensiacuteveis Constitui um dos
pontos mais delicados no panteiacutesmo oriental porque as pessoas se recusam a
negar a moralidade Elas continuam a agir como se algumas accedilotildees fossem
certas e outras erradas Aleacutem disso o conceito de carma eacute quase universal no
pensamento oriental
Na cosmovisatildeo Oriental Carma eacute a compressatildeo de que o presente destino
de algueacutem prazer ou dor ser rei escravo ou um mosquito eacute fruto de accedilotildees
passadas em especial em um a existecircncia anterior Isso estaacute portanto
conectado agrave noccedilatildeo de reencarnaccedilatildeo que proveacutem do princiacutepio geral de que nada
que eacute real (ou seja nenhuma alma) jamais perde a consciecircncia da existecircncia
Pode demorar seacuteculos e mais seacuteculos para encontrar seu caminho de volta ao
Um poreacutem nenhuma alma deixaraacute de ser Toda alma eacute eterna pois toda alma eacute
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essencialmente Alma e portanto para sempre o um Carma eacute a versatildeo oriental d
o ditado vocecirc colhe o que semeia
Sire explica poreacutem que o carma implica em uma estrita necessidade Se
vocecirc pecou natildeo haacute Deus para cancelar sua diacutevida e perdoar A confissatildeo para
nada se aproveita O pecado deve ser resolvido e o seraacute Eacute claro que a pessoa
pode escolher seus atos futuros e portanto o carma natildeo implica em
determinismo ou fatalismo
Para deixar mais claro Sire elucida que haacute duas coisas que devem ser
observadas sobre esse sistema Primeira o fundamento para se praticar o bem
natildeo eacute para que o bem seja realizado ou de modo a beneficiar outra pessoa O
carma demanda que cada alma sofra por seus pecados passados natildeo
havendo assim valor em aliviar o sofrimento A alma que for auxiliada teraacute que
sofrer mais tarde Por tanto natildeo existe o amor aacutegape o amor doador nem
qualquer outro tipo de amor deve beneficiar o receptor A pessoa deve praticar
boas obras a fim de obter unidade com o um Fazer o bem eacute primeira e
principalmente um modo de vida de autoajuda
Segunda todas as accedilotildees simplesmente fazem parte de todo um mundo de
ilusatildeo
A cosmovisatildeo monoteiacutesta panteiacutesta oriental tem a morte como o fim da
existecircncia pessoal individual mas natildeo altera nada de essencial na natureza do
indiviacuteduo
A morte humana sinaliza o fim de uma encarnaccedilatildeo individual de Atma
Igualmente sinaliza o fim de uma pessoa Mas a alma Atma eacute indestrutiacutevel No
entanto observe nenhum ser humano no sentido de indiviacuteduo ou pessoa
sobrevive agrave morte Atma sobrevive mas Atma eacute impessoal Quando Atma eacute
reencarnado torna-se outra pessoa Entatildeo o hinduiacutesmo ensina a imortalidade da
alma Sim mas natildeo uma imortalidade pessoal e individual
O monismo hindu defende que a realidade final eacute Brahma o uacutenico
O monismo zen-budista sustenta que a realidade final eacute o vazio
A distinccedilatildeo tambeacutem leva a uma diferente compreensatildeo dos seres
humanos
Para um hindu a pessoa individual eacute uma alma (Atma) e portanto eacute
dotada de realidade substancial (espiritual natildeo material) porque eacute uma emanaccedilatildeo
de Brahma (a proacutepria realidade) Na morte a alma individual perde sua residecircncia
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corpoacuterea mas eacute reencarnada em outro indiviacuteduo - um tipo de transmigraccedilatildeo da
alma
Para um budista uma pessoa individual eacute uma natildeo alma Natildeo haacute natureza
que possa ser nomeada no acircmago de cada pessoa Na verdade cada pessoa eacute
uma soma de pessoas anteriores
Sire ainda apresenta distinccedilotildees importantes da cosmovisatildeo oriental sendo
importante a leitura do livro para compreensatildeo de detalhes tais como maneiras e
modelos de meditaccedilatildeo presentes na cultura oriental e suas diferenccedilas e
similaridades diferenccedilas nas praacuteticas religiosas conceito em relaccedilatildeo ao corpo
alma espiacuterito moral eacutetica etc
7 A NOVA ERA
No fim de 1987 a revista Time uma vez mais deu atenccedilatildeo ao movimento
da Nova Era com sua capa exibindo Shirley MacLaine e uma histoacuteria abordando
curandeiros da feacute canalizadores viajantes do tempo e cristais em abundacircncia
A partir de entatildeo MacLain e parece assumir a posiccedilatildeo de maior expoente da
Nova Era
A cosmovisatildeo da Nova Era eacute altamente sincreacutetica e ecleacutetica tomando
emprestado de todas as principais cosmovisotildees A Nova Era deposita grande
valor na pessoa como indiviacuteduo
Para Sire longe de estar totalmente formada a cosmovisatildeo da Nova Era
ainda conteacutem muitas arestas por aparar tensotildees internas e ateacute mesmo
contradiccedilotildees evidentes Trata-se de uma cosmovisatildeo cuja essecircncia de sua
filosofia estaacute em considerar o cristianismo como algo jaacute superado de modo que
uma nova civilizaccedilatildeo humana estaacute surgindo tendo a tecnologia a ciecircncia
filosofia psicologia e demais disciplinas todas convergentes para uma nova
realidade da existecircncia humana A Era de Peixes terminou e deu lugar a Era de
Aquaacuterio
No acircmbito religioso misturam princiacutepios filosoacuteficos e miacutesticos Os adeptos
da Nova Era se utilizam de vaacuterios instrumentos simbologias e filosofias para fins
de esclarecimento e compreensatildeo das mudanccedilas e sentido dos acontecimentos
da Nova Era tais como piracircmides filosofias orientais energias coacutesmicas cristais
energeacuteticos amuletos pensamentos positivos esoterismo (cabala horoacutescopo
mantra mapa astral Yoga relaxamento ecologia aura em harmonia com o
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corpo Yin Yang) estes servem de orientaccedilatildeo didaacutetica para a nova consciecircncia
Assim a consciecircncia coacutesmica - enxergar o mundo atraveacutes de um sistema
diferente de siacutembolos
A maioria dos proponentes da Nova Era e da nova consciecircncia possui um
saudaacutevel respeito pela ciecircncia Ken Wilber Aldous Huxley Laurence LeShan e
William Irwin Thompson satildeo os melhores exemplos E m suma o universo visiacutevel
estaacute sujeito agrave uniformidade de causa e efeito poreacutem o sistema estaacute aberto para
ser reordenado pelo eu (em especial quando percebe sua unidade com o um)
que por fim o controla e por seres da mente expandida os quais o eu pode
recrutar como agentes de mudanccedila
Sire argumenta que a mente expandida eacute um tipo de universo ao lado
alternadamente chamado de consciecircncia expandida ou consciecircncia alternativa
(MacLaine) uma realidade separada (Castaneda) realidade clarividente
(LeShan) outros espaccedilos (Lilly) supermente (Rosenfeld) vazioface original
(Wilber) ou mente universal (Klimo) Essa mente expandida natildeo obedece agraves leis
do universo visiacutevel A consciecircncia do eu pode viajar centenas de quilocircmetros pela
superfiacutecie da terra e fazecirc-lo n um piscar de olhos
Contudo Sire destaca que a essecircncia da experiecircncia da Nova Era eacute a
consciecircncia coacutesmica na qual categorias comuns de espaccedilo tempo e moralidade
tendem a desaparecer Sendo que a caracteriacutestica primaacuteria da consciecircncia
coacutesmica eacute uma consciecircncia do cosmo ou seja da vida e da ordem do universo
Em conjunto com essa consciecircncia do cosmo ocorre uma iluminaccedilatildeo intelectual
que por si soacute transportaria o indiviacuteduo para um novo plano de existecircncia mdash o
tornaria um membro de uma nova espeacutecie
Um ponto central na consciecircncia coacutesmica eacute a experiecircncia unitaacuteria primeiro
a experiecircncia de perceber a totalidade do cosmo segundo a experiecircncia de se
tornar um com todo o cosmo e finalmente a experiecircncia de ir aleacutem daquela
unidade com o cosmo para reconhecer que o eu eacute o gerador de toda a realidade e
que nesse sentido tanto eacute o cosmo como o seu criador
A morte fiacutesica natildeo eacute o fim do eu sob a experiecircncia da consciecircncia coacutesmica
o temor da morte eacute removido Para os adeptos da Nova Era a base definitiva para
a crenccedila de que a morte eacute apenas uma transiccedilatildeo para outra forma de vida eacute no
entanto a noccedilatildeo de que a consciecircncia eacute mais do que a manifestaccedilatildeo fiacutesica de
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uma pessoa Se algueacutem eacute o todo ou o criador de tudo e se isso eacute conhecido
intuitivamente entatildeo a pessoa certamente natildeo precisa temer a morte
Trecircs atitudes distintas satildeo consideradas para a questatildeo metafiacutesica da
natureza da realidade sob o quadro geral da Nova Era (1) a versatildeo oculta na
qual os seres e coisas percebidos em estados alterados de consciecircncia existem agrave
parte do ser que eacute consciente (2) a versatildeo psicodeacutelica na qual essas coisas e
seres satildeo projeccedilotildees do eu consciente e (3) a versatildeo relativista conceituai na qual
a consciecircncia coacutesmica eacute a atividade consciente de uma mente utilizando um dos
muitos modelos incomuns para a realidade nenhum dos quais eacute mais
verdadeiro do que qualquer outro
8 O HORIZONTE DESVANECIDO POacuteS-MODERNISMO
Nas consideraccedilotildees finais Sire apresenta o quadro criacutetico do saber
filosoacutefico que mexe e convulsiona todas as cosmovisotildees expostas em seu livro
tendo como ponto de partida o reconhecimento da morte de Deus como o comeccedilo
da sabedoria poacutes-moderna
Nossa era que mais e mais estaacute sendo chamada de poacutes-moderna
encontra-se agrave deriva em um mar de perspectivas pluralistas de possibilidades
filosoacuteficas em excesso poreacutem sem qualquer noccedilatildeo dominante que indique para
onde ir ou como chegar laacute Um futuro de anarquia cultural se avizinha como
inevitaacutevel
Lyotard definiu poacutes-moderno como uma incredulidade direcionada agraves
metanarrativas Um dos vetores da poacutes-modernidade eacute que com o advento do
poacutes-modernismo nenhuma histoacuteria pode ter mais credibilidade que a outra Todas
elas satildeo igualmente vaacutelidas sendo assim validadas pela comunidade que vive
por elas
Por isto para Sire a primeira questatildeo que o poacutes-modernismo suscita natildeo eacute
o que estaacute laacute ou como sabemos o que laacute estaacute mas como a linguagem funciona
para construir significado Em outras palavras haacute uma mudanccedila nas primeiras
coisas de ser para saber para construir significado
A sociedade entatildeo move-se da hierarquia medieval para o Iluminismo da
democracia universal para o poacutes-moderno privilegiando os valores autodefinidos
de indiviacuteduos e comunidades
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A noccedilatildeo da autonomia da razatildeo humana liberou a mente humana da
autoridade dos antigos O progresso cientiacutefico e tecnoloacutegico ocorreu natildeo das
noccedilotildees reveladas nas Escrituras mas da pressuposiccedilatildeo de que a razatildeo humana
poderia de fato encontrar o seu caminho rumo agrave verdade Tal conhecimento
constituiacutea poder poder instrumental poder sobre a natureza poder para
satisfazer nossos desejos Na ciecircncia os resultados foram extraordinaacuterios Na
filosofia entrementes o movimento do ser para conhecer da primazia de Deus
que cria e revela para a primazia do eu que conhece por si soacute mostrou-se fatal
Isso estabeleceu a agenda para a filosofia moderna de Locke a Kant como
igualmente alimentou a repercussatildeo da filosofia poacutes-moderna de Nietzsche a
Derrida com o otimismo humanista mesclado ao desespero O proacuteprio
conhecimento encontra-se sob fogo cruzado em especial a noccedilatildeo de que haacute
quaisquer verdades de correspondecircncia O relativismo conceitual discutido no
capiacutetulo anterior serve agora natildeo apenas agrave experiecircncia religiosa mas a todos os
aspectos da realidade
Uma das frases que traduz o ceticismo poacutes-moderno eacute ―A verdade sobre a
proacutepria realidade estaacute para sempre oculta de noacutes Tudo o que podemos jazer eacute
contar histoacuterias
Sire argumenta que todas as narrativas mascaram um jogo pelo poder
Qualquer narrativa utilizada como metanarrativa torna-se opressiva
Conhecimento eacute poder Francis Bacon fez essa afirmaccedilatildeo em um momento
particularmente profeacutetico O moderno conhecimento cientiacutefico tem demonstrado
seu poder por trecircs seacuteculos Com o advento do poacutes-modernismo entretanto a
situaccedilatildeo inverteu-se Natildeo existe conhecimento objetivo puro nenhuma verdade
de correspondecircncia Em lugar disso existem apenas histoacuterias que quando cridas
concedem ao narrador poder sobre os seus ouvintes
Natildeo haacute eu substancial Os seres humanos fazem de si mesmos o que satildeo
pelas linguagens construiacutedas sobre eles mesmos O conceito base eacute de que natildeo
haacute nada no acircmago de nosso ser exceto o que noacutes mesmos colocamos laacute
nenhuma norma que natildeo tenhamos criado no decurso de criaccedilatildeo de uma praacutetica
nenhum padratildeo que natildeo seja um apelo a tal norma nenhuma argumentaccedilatildeo
rigorosa que natildeo seja obediente agraves nossas proacuteprias convenccedilotildees
Considera-se assim que na Idade Meacutedia a teologia era a rainha das
ciecircncias No iluminismo a filosofia e em especial a ciecircncia tornaram-se a
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vanguarda da mudanccedila cultural intelectual Jaacute na era poacutes-moderna a teoria
literaacuteria passa a exercer esse papel na linha de frente
Contudo embora Sire tenha compreensatildeo dos aspectos positivos da poacutes-
modernidade tambeacutem analisa e criacutetica a poacutes-modernista aceita o seu otimismo
naturalista em geral poreacutem reconhece a excessiva confianccedila que tem sido
depositada na razatildeo humana e no meacutetodo cientiacutefico Argui o reconhecimento poacutes-
moderno de que a linguagem estaacute intimamente associada com o poder
entretanto o poacutes-modernista que colocar a sua fala como superior estaraacute caindo
em contradiccedilatildeo
Sire conclui refletindo que de qualquer forma o desafio da morte de Deus
da morte da razatildeo da morte da verdade e a morte do eu - todos dominantes no
poacutes-modernismo atual - provavelmente estaratildeo convivendo conosco por muito
tempo
Para Sire o poacutes-modernismo natildeo eacute uma cosmovisatildeo madura mas eacute uma
perspectiva tatildeo penetrante que tem influenciado inuacutemeras cosmovisotildees mais
notadamente o naturalismo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Sire termina o seu livro fazendo consideraccedilotildees e resumindo as SETE
COSMOVISOtildeES baacutesicas seis se natildeo contarmos o niilismo ou oito se contarmos
as duas formas de existencialismo em separado ou ainda dez se
acrescentarmos o animismo e a perspectiva poacutes-moderna ambos mencionados
com brevidade
O fato eacute que embora a princiacutepio as cosmovisotildees pareccedilam proliferar elas
satildeo constituiacutedas de respostas a questotildees para as quais haacute apenas um limitado
nuacutemero de respostas
Em meio as vaacuterias propostas de cosmovisotildees Sire vecirc o ser humano sendo
obrigado a fazer a sua escolha porquanto todos estatildeo em busca do sentido da
vida Diante disso questiona o que pode nos auxiliar a escolher entre uma
cosmovisatildeo que presume a existecircncia de um Deus pessoal e transcendente e
outra que natildeo o faz Contudo devemos ter a consciecircncia de que qualquer
cosmovisatildeo que adotarmos seraacute limitada Nossa finitude como seres humanos o
que quer que a nossa humanidade venha a ser manter-nos-aacute longe da precisatildeo
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total quanto agrave maneira que compreendemos e expressamos nossa cosmovisatildeo e
tambeacutem da totalidade e exaustatildeo
Sire argui ao finalizar seu livro que na busca por uma cosmovisatildeo deve
ser levado em conta algumas questotildees fundamentais da existecircncia humana
porquanto uma cosmovisatildeo apropriada deve explicar o que ela proclama explicar
Assim Sire indica algumas das perguntas cruciais que devem ser feitas a
uma cosmovisatildeo satildeo Como ela explica o fato de os seres humanos pensarem
mas pensar hesitantemente amar mas tambeacutem odiar serem criativos poreacutem
igualmente destrutivos saacutebios mas com frequecircncia tolos e assim por diante O
que explica nossos anseios pela verdade e por realizaccedilatildeo pessoal Por que o
prazer como o conhecemos agora raramente nos satisfaz por completo Por que
em geral sempre queremos mais - mais dinheiro mais amor mais ecircxtase Como
explicar a recusa humana em agir de um modo amoral Por fim sugestiona que
uma cosmovisatildeo deve ser satisfatoacuteria subjetivamente
Concluindo Sire opta pela reconsideraccedilatildeo e releitura do Teiacutesmo Cristatildeo
sendo de grande relevacircncia e presente em todas as estruturas do pensamento
humano Para Ele o Teiacutesmo Cristatildeo permanece em todos os niacuteveis da sociedade
e em cada disciplina acadecircmica - nas ciecircncias e nas humanidades na tecnologia
e no mundo dos negoacutecios ndash aqueles que consideram seu teiacutesmo com cabal
seriedade e honestidade intelectual
Sire termina sua obra literaacuteria esclarecendo o desafio que haacute para a
teologia argumenta haacute muito mais a ser dito sobre as dimensotildees pessoais e
teoloacutegicas dessa forma de se olhar a vida Aceitar o cristianismo cristatildeo apenas
como um construto intelectual na verdade natildeo eacute aceitaacute-lo plenamente Existe
uma dimensatildeo profundamente pessoal envolvida em compreender e viver dentro
dessa cosmovisatildeo pois ela inclui o reconhecimento de nossa proacutepria
dependecircncia de Deus como suas criaturas nossa rebeliatildeo contra ele e nossa
confianccedila nele pela restauraccedilatildeo da amizade com sua pessoa E isso significa
aceitar a Cristo tanto como nosso libertador da escravidatildeo como Senhor para
nosso futuro
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REFEREcircNCIA BIBLIOGRAacuteFICA
Sire J W O Universo ao Lado Um Cataacutelogo Baacutesico sobre Cosmovisatildeo 4
ed Satildeo Paulo Hagnos 2009
Autor ndash Me Marcelo Alves Dantas
Docente FATEJ FADISA Bacharelando em Direito - UNIESPFAPAN Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo - UMESP Mestre em Teologia do Novo Test - FTBSP Docecircncia do Ensino Superior - UNOPAR Bacharel em Teologia - UMESP E-mail marcelodantasteologiagmailcom
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PENSAR O ATEIacuteSMO CRISTAtildeO UMA PROPOSTA MORAL Agrave LA CRISTAtilde SEM O SEU CRISTO
RESUMO
O presente artigo reflete a perspectiva do ateiacutesmo cristatildeo Atraveacutes do
diaacutelogo com o pensamento do filoacutesofo Andreacute Comte-Sponville tratamos de
responder duas perguntas sobre o assunto A primeira pergunta consiste em
saber se eacute possiacutevel ser um ateu cristatildeo a segunda se haacute uma moralidade
para esse seguimento Nossa busca estaacute relacionada com o espiacuterito do
ateiacutesmo e uma moral destituiacuteda da religiatildeo ocidental mas que sustente a
humanidade por meio daquilo que temos em comum O artigo propotildee apoacutes
explanaccedilatildeo uma possibilidade via o ateiacutesmo cristatildeo de outra religiatildeo ndash que
natildeo a sustentada pelo cristianismo ndash que abarque o amor como uma accedilatildeo
humana possiacutevel
Palavras-chave Ateiacutesmo cristatildeo ndash Comte-Sponville ndash Moral
Abstract This article reflects the perspective of Christian moral Through
dialogue with the thinking of philosopher Andreacute Comte-Sponville we try to answer
two questions on the subject The first question is whether it is possible to be a
Christian atheism the second if there is a morality for this follow-up Our search is
related to the spirit of atheism and a morality devoid of Western religion but that
supports humanity through what we have in common The article proposes after
explanation a possibility via Christian atheism of another religion ndash not that
sustained by Christianity ndash that embraces love as a possible human action
Keyword Christian Atheism ndash Comte-Sponville ndash Moral
autor Prof Me Rafael de Campo
elfaracamposhotmailcom
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INTRODUCcedilAtildeO
Parece contraditoacuterio o tiacutetulo dessa reflexatildeo mas como veremos na
exposiccedilatildeo algumas contradiccedilotildees satildeo possiacuteveis ou aceitas no campo das ideias
Mais do que possiacutevel as contradiccedilotildees alimentam a vida principalmente na esfera
da religiatildeo A possibilidade de haver numa mesma sentenccedila as palavras
―ateiacutesmo e ―cristatildeo eacute tatildeo igual haacute possibilidade de pensarmos o ateiacutesmo como
budista maometano judaico etc
O ateiacutesmo cristatildeo como sugerido ndash contraditoacuterio ndash pode ser considerado
um oximoro por excelecircncia e deseje brincar seriamente com opostos que se
excluem Esse paradoxismo eacute sugestivo de opiniotildees contraacuterias ou seja unir dois
polos que natildeo confluem por causa de seus sentidos diferentes e que vatildeo contra a
opiniatildeo (gr doxa) um do outro Com maior clareza ateiacutesmo e cristianismo
enquanto termos antiteacuteticos se referem a universos excludentes e dizem respeito
a doutrinas que natildeo podem confluir simultaneamente Satildeo duas grandes
dicotomias que se negam gerando aqui uma siacutentese
Ainda essa contraposiccedilatildeo entre ateiacutesmo e cristianismo representa o
pensamento por diacuteades ou seja os dois termos satildeo antiteacuteticos e entendidos
como natildeo complementares Cada um representa e interpreta um universo
particular em um mundo composto em que os entes divergem e conflitam entre
si Enfim dessa contraposiccedilatildeo ocorre uma siacutentese dialeacutetica (afirmaccedilatildeo + negaccedilatildeo
= negaccedilatildeo da negaccedilatildeo) onde ateiacutesmo e cristianismo geraria o ―ateiacutesmo cristatildeo52
Assim a tentativa de combinar as ideias do cristianismo (em suma a moral
extraiacuteda do homem Jesus dito o Cristo) com a moral ateia natildeo eacute uma realidade
tatildeo divulgada e difundida nos meios e ciacuterculos ndash sejam eles acadecircmicos ou mais
populares Um dos filoacutesofos da atualidade que trata e assume o ateiacutesmo cristatildeo
(ou ateiacutesmo fiel) eacute Andreacute Comte-Sponville
A partir de suas inferecircncias iremos dialogar numa busca por compreender
o que se denominou por ateiacutesmo cristatildeo ou seja a base para um ateu fiel Temos
por objetivo pensar duas perguntas eacute possiacutevel algueacutem se dizer ateu cristatildeo Que
tipo de moralidade um ateu fiel segui A primeira pergunta sugere examinar e
expor quais as bases daquilo que Comte-Sponville chama de ateiacutesmo cristatildeo
52
Um livro sugerido para entender o ateiacutesmo e o cristianismo como partes contrapostas na histoacuteria desde a antiguidade ateacute atualmente Cf MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
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A segunda pergunta gira em torno da questatildeo moral ligada as duas redes
de conhecimento a religiatildeo cristatilde ocidental (o cristianismo) e o ateiacutesmo
Desde jaacute eacute necessaacuterio informar que esse ensaio natildeo se propotildee refletir as
―provas acerca da existecircncia ou da natildeo existecircncia de qualquer divindade
Portanto nossa exposiccedilatildeo estaacute baseada no diaacutelogo com essa ―nova
espiritualidade ndash sendo possiacutevel assim chamar
1 O ESPIacuteRITO DO ATEIacuteSMO UM BREVE RESUMO
O Espiacuterito do Ateiacutesmo eacute o livro do filoacutesofo francecircs materialista racionalista
e humanista Andreacute Comte-Sponville lanccedilado originalmente em francecircs com o
tiacutetulo L‟ESPRIT DE L‟ATHEacuteISME por Albin Michel Paris 2006 Seu conteuacutedo
estaacute divido em trecircs capiacutetulos e subdivisotildees preacircmbulo e conclusatildeo Nele Comte-
Sponville relata sua experiecircncia com essa nova espiritualidade e a oferece como
uma opccedilatildeo tanto aos ateus quanto ao religioso O livro eacute escrito basicamente
para motivar uma espiritualidade que vai para aleacutem da religiatildeo Por assim dizer o
livro foi escrito em prol da ―toleracircncia pela laicidade pela liberdade de crenccedila e
de descrenccedila O espiacuterito natildeo pertence a ningueacutem A liberdade tambeacutem natildeo
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 9) Assim como tambeacutem contra a intoleracircncia o
dogmatismo o obscurantismo o integrismo e o fanatismo contra a supersticcedilatildeo o
niilismo e a apatia
Em busca do essencial ou daquilo que eacute mais baacutesico ao ser humano
Comte-Sponville idealiza uma espiritualidade que acopla em si trecircs perguntas
cada uma exposta nos trecircs capiacutetulos do livro
O primeiro capiacutetulo Pode-se viver sem religiatildeo (que eacute o guia para nossa
reflexatildeo nesse ensaio) iraacute introduzir argumentos do autor contra a religiatildeo e
erigiraacute a base de uma nova espiritualidade alicerccedilada sobre os conceitos de
comunhatildeo fidelidade e amor Em contraste com a feacute a esperanccedila e o amor de I
Coriacutentios 13 Sponville refaz a loacutegica das virtudes teologais atentando para o
proacuteprio texto biacuteblico onde se diz que a feacute passaraacute a esperanccedila passaraacute e o
amorcaridade permaneceraacute Talvez esse seja o ponto alto de sua reflexatildeo agrave
espiritualidade que articula no livro feacute e esperanccedila como virtudes provisoacuterias ou
seja jaacute passaram Vivemos pois na era do Reino do amor O ateu fiel afirmaraacute
que jaacute estamos no amor pois o Reino eacute aqui e agora
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O propoacutesito de Sponville natildeo eacute a exegese histoacuterico-criacutetica mas encontrar
―um ponto de tangecircncia ou de intersecccedilatildeo que o faccedila compreender e entrar em
acordo com o religioso que fora na juventude e com o ateu que eacute e lecirc
habitualmente Santo Agostinho Satildeo Tomaacutes de Aquino Espinosa Montaigne
Schopenhauer Pascal e outros O ateu de espiritualidade deseja entender o amor
como sendo mais elevado e mais precioso do que a feacute e a esperanccedila para
compreender que a vida eacute superior a qualquer religiatildeo que a comunhatildeo nada tem
a ver com igrejas e catedrais e que a fidelidade supera a feacute assim como supera o
proacuteprio ateiacutesmo
O segundo capiacutetulo do livro Deus existe trata de colocar em evidecircncia as
provas ndash na verdade a fraqueza delas ndash argumentando a ausecircncia frente a uma
pergunta tatildeo complexa Juntamente Sponville iraacute expor a fraqueza das
experiecircncias ndash uma vez que as pessoas dizem sentir e experimentar o ser divino
em seu cotidiano Ainda argumenta contra a incompreensibilidade da crenccedila em
Deus pois crer em Deus eacute querer explicar o que natildeo compreendemos por aquilo
que compreendemos menos ainda a saber Deus O autor conclui esse capiacutetulo
colocando sobre a mesa o assunto tatildeo caro ao cristianismo e para as religiotildees
monoteiacutestas que eacute a questatildeo do mal ndash ou a teodiceia ndash e tambeacutem a proposta do
direito que muitos tecircm de natildeo crer na divindade como oferecido pela religiatildeo
cristatilde
O capiacutetulo final relata a proposta pessoal (como a declaraccedilatildeo de uma
experiecircncia) que para Sponville eacute a mais importante pois eacute sobre uma
espiritualidade sem Deus Que espiritualidade para os ateus Sua resposta eacute de
cara que essa espiritualidade natildeo envolve religiatildeo eou ateiacutesmo mas sim uma
vida espiritual Isso uma vez que aquele que natildeo acredita em Deus tem um
espiacuterito e pode utiliza-lo Ele descreve sobre seu contato ―miacutestico com uma
espiritualidade mais abrangente que envolve tanto o conhecimento quanto a
experiecircncia natural e apresenta essa experiecircncia miacutestica a partir do que chamou
de ―suspensotildees ou parecircnteses que o fizeram estar num ―estado modificado de
consciecircncia Esse capiacutetulo eacute escrito como liccedilotildees que o autor experimentou
daquilo que vivenciou estando nesse estado modificado de consciecircncia em raras
experiecircncias
O livro tem como objetivo apresentar uma nova espiritualidade aquela em
que o Deus transcendente e suas instruccedilotildees natildeo se encontram (pelo menos como
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acreditam os cristatildeos) Salienta uma reflexatildeo de interconexatildeo entre o cristianismo
(a religiatildeo por excelecircncia do ocidente) e o seu Cristo tendo na mesma esteira o
ateiacutesmo e tambeacutem algumas praacuteticas da espiritualidade oriental a filosofia e
alguns de seus representantes
2 Eacute POSSIacuteVEL ALGUEacuteM DIZER-SE ATEU CRISTAtildeO
Buscar o alicerce que sustenta uma espiritualidade que natildeo se finca em
uma tradiccedilatildeo religiosa especiacutefica e tampouco em um livro-texto sagrado como
base de devoccedilatildeo e rito eacute praticamente uma busca por entender o que se quer
dizer com uma espiritualidade sem base fixa ou seja sem um centro de poder
que legalize e legitime as atitudes morais que deveriam ser cumpridas e exercidas
por um devoto Sem uma fonte de revelaccedilatildeo que afirme o que se deve crer e
fazerobedecer fica complicado discernir as praacuteticas os ritos as devocionais que
sustentem a crenccedila de um religioso devoto do tipo ocidental Entretanto como jaacute
se afirmou acima se todos temos ―espiacuterito eacute possiacutevel raciocinar uma
espiritualidade que caiba dentro da vida essa particular a cada um
Para uma anaacutelise mais didaacutetica iremos questionar separadamente o que
estamos chamando de ateiacutesmo cristatildeo Eacute na realidade a busca por uma
articulaccedilatildeo entre uma cultura ateia e uma cultura cristatilde Por cultura em ambas as
frentes no sentido estrito denomina-se ―o conjunto de conhecimento que tanto o
ateiacutesmo quanto o cristianismo ―transmite e valoriza (Cf COMTE-SPONVILLE
2011b p 135-136) A dificuldade se instala na prerrogativa de que o ateiacutesmo e o
cristianismo natildeo satildeo coisasobjetos iguais o ateiacutesmo ndash principalmente o que
queremos aqui evidenciar ndash eacute reclamado uma moral e natildeo uma religiatildeo como eacute
dito do movimento que evidencia e tem como centro a pessoa de Jesus
Utilizando as recentes pesquisas no campo da histoacuteria da evoluccedilatildeo
humana tanto a moral quanto a religiatildeo fazem parte das ―ordens imaginadas que
as pessoas (os Homo sapiens) criaram no processo de cooperaccedilatildeo muacutetua na
histoacuteria da humanidade Dessa forma uma religiatildeo qualquer eacute tida como religiatildeo
pelo fato de definir-se como um ―sistema de normas e valores humanos que se
baseia na crenccedila em uma ordem sobre-humana (HARARI 2017 p 218) A
principal caracterizaccedilatildeo de uma religiatildeo supotildee que a mesma tenha em
funcionamento padrotildees morais e de comportamento que seja universal e esteja
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ligada com a difusatildeo de sua crenccedila Isso significa que hoje para se definir como
religiatildeo eacute preciso que natildeo seja como as ―religiotildees antigas ndash que eram locais e
exclusivas ou seja povos que criam em deidades proacuteximas agrave terra de moradia
que ocupavam e natildeo tinham nenhum interesse em conversatildeo universal de
qualquer outra tribo morando distante deles (HARARI 2017)
Se religiatildeo e moral satildeo de ordem imaginada53 ligadas intersubjetivamente
e tecidas por uma trama ndash algo que se refere a uma rede de comunicaccedilotildees que
liga e conecta a consciecircncia subjetiva de milhares e milhotildees de indiviacuteduos ndash
entatildeo para se pensar o ateiacutesmo cristatildeo eacute preciso ultrapassar o pensamento da
ordem imaginada vigente e criar uma nova ordem imaginada alternativa Isso
seria a intersecccedilatildeo a quebra do muro que mantecircm dentro de certos limites a
religiatildeo vigente para entatildeo como afirma Sponville acerca do ateiacutesmo cristatildeo
forjar ―para mim uma espeacutecie de Cristo interior manso e limpo de coraccedilatildeolsquo sim
mas puramente humano que me acompanha e me guia (COMTE-SPONVILLE
2016 p 66)
A proposta de romper com os limites estabelecidos para forjar uma nova
espiritualidade natildeo configura seja para Comte-Sponville ou para algum outro ateu
fiel a formaccedilatildeo basilar de uma nova ordem religiosa Natildeo eacute essa a proposta de O
Espiacuterito do Ateiacutesmo Isso porque o projeto eacute muito mais pessoal e individual do
que uma proposiccedilatildeo que tenha caraacuteter de alcance universal O que ele pensa eacute
uma nova espiritualidade e essa sim de caraacuteter laica (gr laikoacutes ―do povo) e
totalmente desvencilhada da religiatildeo cristatilde ndash mas natildeo desfocada de sua
personagem principal No entanto essa nova espiritualidade busca por definiccedilotildees
e vai ao encontro de uma moral cabiacutevel a experiecircncia real o que pode configurar
nas pretensotildees de alguns uma nova ideologia
Ao que nos parece Comte-Sponville recorre ao misteacuterio do universo da
humanidade e de todas as forccedilas naturais que por si soacute ultrapassam nossas
concepccedilotildees de realidade e revelam nossa insignificacircncia como caccediladores desse
misteacuterio O tom criacutetico de Sponville eacute contra a natildeo criticidade Como filoacutesofo a
busca pelo misteacuterio deve convergir em resultados empiacutericos (de accedilotildees ao bem
53
Para Harari ordens imaginadas satildeo redes de cooperaccedilatildeo que regem e organizam nossa vida partilhadas universalmente entre milhotildees e milhotildees de pessoas e que existe apenas em nossa imaginaccedilatildeo Exemplos que ele relata como ordens imaginadas o dinheiro os impeacuterios e as religiotildees universais satildeo as bases que assentaram o mundo unificado (globalizado) de hoje
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comum) para que seja possiacutevel a afirmaccedilatildeo criacutetica Em um segundo plano sabe-
se que o misteacuterio se perfaz solitaacuterio e intransponiacutevel agrave busca racional
21 - O que ldquoacreditardquo o ateiacutesmo cristatildeo
Para Conte-Sponville hoje o ocidente jaacute natildeo eacute tatildeo cristatildeo como se pensa e
tem se mostrado (Cf COMTE-SPONVILLE 2016) A religiatildeo cristatilde perde
anualmente sua autonomia como religiatildeo universal e principalmente ela natildeo
evoca mais aos natildeo cristatildeos (e ateacute mesmo aos seus fieacuteis) o status de ―uacutenica A
proacutepria oponibilidade deu lugar a uma frente que preza antes pela simpatia do que
pela rechaccedila Obviamente seu discurso natildeo mudou Seus liacutederes tecircm mudado as
estrateacutegias tentando unificar um tipo de relaccedilatildeocomunhatildeo plural entre as
religiotildees universais Mostra-se ndash seja nos catolicismos seja nos protestantismos
ou evangelicalismos ndash em busca de uma moral contextualizada que natildeo incorra
retrograda e ateacute mesmo primitiva mas ao mesmo tempo haacute o esforccedilo pela
conservaccedilatildeo de seus dogmas e de sua feacute em um uacutenico Deus
O inverso de querer manter-se impetrado em uma moral regida por dogmas
transcendentesabsolutos imprime a pergunta ―Por que haacute alguma coisa em vez
de nada (COMTE-SPONVILLE 2011a p 23) Para essa pergunta natildeo existe
uma resposta empiacuterica e de loacutegica e de qualquer forma nunca saberemos se de
fato haacute uma resposta O cristatildeo supotildee haver algo em oposiccedilatildeo ao nada Jaacute o
ateu contra o discurso de um criador do mundo e do universo e natildeo favoraacutevel ao
discurso de que a vida soacute tem sentido ao crer em uma divindade apostaraacute no
nada ―O ateu natildeo tem uma ideia suficientemente elevada do mundo da
humanidade e de si mesmo para julgar verossiacutemil que um deus tenha podido cria-
los (COMTE-SPONVILLE 2011b p 64)
Uma vez que pensar Deus eacute pensa-lo existente de alguma maneira a
questatildeo Deus existe radicalmente se torna nula ndash jaacute que natildeo se pode provar
aquilo que por pensamento jaacute existe na imaginaccedilatildeo O cristianismo por toda a
histoacuteria elaborou inuacutemeras provas para se chegar agravequilo que jaacute crecirc que Deus
existe Fez isso porque sabia que toda afirmaccedilatildeo positiva traz consigo a
possibilidade de sua afirmaccedilatildeo negativa e se houve quem acreditasse
positivamente na existecircncia de Deus houve tambeacutem quem natildeo acreditasse
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Nesse vieacutes o ateiacutesmo natildeo eacute um objeto sem crenccedila O ateiacutesmo tambeacutem crecirc
em algo mas sua crenccedila eacute sempre negativa pois ―se alimenta do vazio de seu
objeto (COMTE-SPONVILLE 2011a p 89) Aqui eacute preciso explicar o ateiacutesmo
positivo e o ateiacutesmo negativo o primeiro acredita que Deus natildeo existe e o
segundo natildeo acredita em Deus o segundo nega Deus e o primeiro fala da
ausecircncia dele podendo assemelhar-se ao agnosticismo (Cf BAGGINI 2016)
Assim o ateiacutesmo fiel que Sponville apresenta (ateiacutesmo negativo pois nega
a existecircncia de Deus) se assenta sobre trecircs pilares elementares em oposiccedilatildeo agraves
concepccedilotildees da crenccedila religiosa cristatilde a comunhatildeo a fidelidade e o amor ndash sobre
o terceiro pilar falaremos mais abaixo ndash em oposiccedilatildeo entre a crenccedila e a feacute o que
reformula a realidadeidealidade para o amor
Partindo da definiccedilatildeo de religiatildeo (latim religio verbo religare) que Sponville
busca compreender o que de fato ―liga as pessoas umas agraves outras o que as liga
a ponto de ser um corpo social Sua proposta eacute natildeo esvaziar o conceito de
religiatildeo atribuindo a ele o significado de liame ou seja que todo liame eacute religioso
tem um sentido religioso Isto aponta para o fato de que toda experiecircncia humana
parte dessa suposiccedilatildeo a saber que a religiatildeo eacute quem vincula as pessoas
horizontal e verticalmente isto por causa do Deus cristatildeo ndash o sentido maacuteximo da
religiatildeo cristatilde ocidental
A partir da fenomenologia a experiecircncia humana eacute vista de outra
perspectiva Sponville iraacute afirmar que o que ligou os povos primitivos e o que liga
as sociedades modernas natildeo eacute Deus ―eacute o fato de que eles comungam a mesma
feacute (COMTE-SPONVILLE 2016 p 23) No entanto para partilhar a mesma feacute ou
sentimento religioso eacute preciso tambeacutem entender aquilo que Durkheim propocircs ou
seja
[] as tendecircncias sociais cujas origens estavam na natureza humana De fato todas as pessoas tecircm o que se poderia chamar de uma afinidade natural por seus iguais que se manifestou desde que vaacuterios homens passaram a viver juntos isto eacute desde os primeiros dias da humanidade O que os uniu natildeo era como se afirma com frequecircncia relaccedilotildees de sangue mas semelhanccedilas de liacutengua haacutebitos e costumes [] A afinidade entre iguais eacute assim a forma mais antiga de inclinaccedilatildeo social [] Encontrou contudo um aliado poderoso nos sentimentos religiosos (DURKHEIM 2016 pp 54-55)
O que Durkheim chama de afinidade entre iguais Comte-Sponville chama
de comunhatildeo isto eacute ―compartilhar sem dividir (COMTE-SPONVILLE 2016 p
23) Assim o que nos amarra seja em uma cultura ou civilizaccedilatildeo qualquer meio
de envolvimento pessoal eacute o sentimento de pertenccedila que temos em relaccedilatildeo
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agravequilo que nos agrega uma feacute um texto uma personalidade deuses etc em
comum Eacute assim que Sponville afirma que uma sociedade pode viver sem crenccedila
mas natildeo sem comunhatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 20-27)
Buscando em Ciacutecero outro sentido para religiatildeo (religio vem de relegere ndash
―recolher reler) sua segunda afirmativa sustenta que uma sociedade pode viver
sem feacute mas natildeo sem fidelidade (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 pp 27-32) Isto
implica dizer que religiatildeo eacute aquilo que recolhe e relecirc os textos os mitos as leis ou
qualquer escrito apontado como sagrado O que Sponville chama de fidelidade se
atrela ao que ele reconhece por comunhatildeo natildeo pode haver comunhatildeo partilha
por igual sem que haja primeiramente um recolher do ensino ou a releitura de
uma tradiccedilatildeo para que seja afirmada dela sua fidelidade
Por isso a importacircncia da tradiccedilatildeo cristatilde a releitura hodierna dessa
tradiccedilatildeo transmitida dos costumes do conjunto de valores morais e espirituais
etc possibilita guardar aquilo que resta do passado do que necessitamos para
termos uma histoacuteria onde nos apoiar e (nos) fiarmos nossa humanidade A
fidelidade eacute portanto ―o que resta da feacute quando a perdemos (COMTE-
SPONVILLE 2016 p 29) Diferentemente da feacute a fidelidade eacute o apego o
comprometimento e o reconhecimento dos valores da histoacuteria da comunidade
Nessa loacutegica aqueles que natildeo tecircm feacute ou natildeo reconhecem que os valores
morais advecircm do Deus cristatildeo na foacutermula feacute + fidelidade = piedade reconhecem
entretanto ―a grandeza humana desses valores sua importacircncia sua
necessidade a fragilidade sua urgecircncia [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 30)
A foacutermula seria uma fidelidade destituiacuteda de feacute = impiedade ou seja a ausecircncia
da feacute em nada muda a responsabilidade humana em relaccedilatildeo a tudo o que foi
construiacutedo na histoacuteria Ao contraacuterio de muitas acusaccedilotildees contra o ateiacutesmo a
impiedade neste caso natildeo desembocaria no niilismo o niilismo eacute quando existe
a ausecircncia da fidelidade e da feacute sobrando um grande nada (COMTE-
SPONVILLE 2016)
O ateiacutesmo cristatildeo parece-nos como exposto amplia a visatildeo acerca do
mundo em que natildeo buscam construir ou levantar um impeacuterio religioso como se
apresentam as religiotildees monoteiacutestas e suas derivaccedilotildees A espiritualidade ateia de
fidelidade e comunhatildeo invoca muito mais a uma holiacutestica onde a duacutevida
relacionada ao misteacuterio da vida e do existir leva ao querer ndash o querer explorar a
potencialidade dos misteacuterios existenciais sem pretensotildees de esgotamento Dito
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de outra forma o ateiacutesmo cristatildeo acredita que a complexidade da vida como um
todo eacute um oceano de novos conhecimentos que na medida em que se
experimenta e adquire novas realidades as novas oportunidades e fronteiras satildeo
abertas ao ser humano
22 - Ateiacutesmo cristatildeo uma breve histoacuteria da ldquomorte do Deusrdquo via teologia
cristatilde
―Qualquer perspectiva que se apresente como ―ateiacutesmo cristatildeo jaacute eacute por si
soacute estranha [] apontam os teoacutelogos acerca do ―movimento teoloacutegico mais
radical do seacuteculo XX ou seja o movimento ―teologia da morte de Deus (MILLER
amp GRENZ 2011 p 97) No entanto os teoacutelogos cristatildeos de tradiccedilatildeo natildeo
imaginavam ndash e natildeo imaginam ateacute hoje ndash o quatildeo possiacutevel foi (e eacute) de dentro da
proacutepria tradiccedilatildeo o rompimento com o tradicionalismo do conceito de Deus e
fomentar uma nova teologia radical
O ateiacutesmo cristatildeo configura-se do ponto de vista da teologia como o
movimento da morte de Deus gerado no seio da teologia secular e com a
pretensatildeo de expulsar o Deus absoluto para fora do mundo dos homens Com os
tumultos da deacutecada de 60 passados a teologia da morte de Deus significou
muitas coisas desde a sentenccedila de uma derradeira queda da cultura cristatilde e a
objetificaccedilatildeo da figura do Deus da tradiccedilatildeo cristatilde na cultura Ocidental ateacute mesmo
da impossibilidade de experimentar o mundo como um mundo de Deus ndash sua
criaccedilatildeo da perda de Deus desde sua encarnaccedilatildeo na pessoa do homem Jesus o
processo da kenosis (esvaziamento) ateacute a suspensatildeo de toda transcendecircncia
divina para uma imanecircncia liberta da ideia metafiacutesica ndash o que configura uma troca
Jesus o homem sustecircm o lugar de Deus
Dito de forma sinteacutetica e simploriamente resumida a teologia da morte de
Deus e seus representantes tinham como prioridade parece-nos principalmente
tendo em vista todo ocorrido do seacuteculo XX responsabilizar o homem por cada
dor sofrimento e tambeacutem gesto de amor que transcorre sua mundanidade
―Deus morrer eacute para os teoacutelogos dessa visatildeo uma forma de natildeo isentar a todos
das barbaridades que ocasionaram agrave humanidade
Claramente influenciada pela filosofia ateiacutesta nietzschiana (mas natildeo
somente) a teologia da morte de Deus traz luz via os aforismos do filoacutesofo na
conduccedilatildeo contraacuteria a autoridade e a tradiccedilatildeo de Deus com uma nova retoacuterica de
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insurreiccedilatildeo natildeo mais eacute Deus quem se assenta no trono do Universo e tudo
governa mas o proacuteprio homem eacute quem toma as reacutedeas da histoacuteria e tudo iraacute
guiar Teologicamente Deus estava morto no sentido de sua irrelevacircncia como
ideia tradicional advinda dos seacuteculos anteriores em uma cultura que natildeo o deseja
mais
Dois teoacutelogos provenientes da tradiccedilatildeo cristatilde se destacaram como
propagadores dessa teologia Willian Hamilton e Thomas Altizer Ambos se
complementam em suas anaacutelises referentes agrave morte de Deus pois reconhecem
agraves profundas mudanccedilas acontecidas na cultura e na sociedade principalmente o
―evento histoacuterico-cultural da morte de Deus [] (GIBELLINI 2002 p 144)
O que para noacutes eacute importante destacar da teologia de Hamilton eacute a
alteraccedilatildeo que ele propotildee da feacute em amor da teologia em eacutetica da
responsabilidade ―que se orienta para a figura de Jesus que indica ―um lugar
onde ficar (GIBELLINI 2002 p 144) Haacute certo foco na exemplaridade e na
figura de Jesus A teologia de Altizer radicalmente focada na encarnaccedilatildeo de
Jesus o verbo que se fez carnelsquo como doutrina central infere que o Deus
transcendente morre em sua transcendecircncia por esvaziar-se se tornando carne
(lhe conferindo uma transcendecircncia vazia) ndash o que concretiza a passagem da
realidade transcendente para a realidade imanente Essa inversatildeo ocasionada na
figura de Jesus torna-se um evento histoacuterico que se move para dentro da histoacuteria
como num processo progressivo acontecendo ateacute hoje Como uma nova teologia
que pressupotildee a morte de Deus na cultura juntamente com seu esvaziamento
tornou-se um dado fenomenoloacutegico que exige atualmente reformas na maneira
de pensar a teologia que a Igreja sempre compreendeu trazendo essa novidade
para o tempo moderno (GIBELLINI 2002)
Sendo assim a teologia da morte de Deus natildeo prescreve a impossibilidade
de se crer em Deus pois para aqueles que creem sempre seraacute possiacutevel crecirc-lo A
questatildeo em torno do assunto se daacute em que a laicizaccedilatildeo e a secularizaccedilatildeo ndash
advindos dos projetos humaniacutesticos desde a Renascenccedila o Iluminismo seacuteculo
XVIII ateacute XX ndash supotildee uma ―descristianizaccedilatildeo da cultura tornando a crenccedila uma
manifestaccedilatildeo privada Isto eacute ―como dizem os socioacutelogos continuamos podendo
individualmente acreditar em Deus natildeo podemos mais socialmente comungar
nele (COMTE-SPONVILLE 2005 p 36)
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A preocupaccedilatildeo do ateu fiel eacute que com a morte de Deus no acircmbito social
as igrejas se esvaziando e os supermercados se entupindo de consumidores as
pessoas tomem consciecircncia a ponto de responder a velha pergunta ―o que devo
fazer Se a cultura estaacute sendo descristianizada portanto a religiatildeo e todo seu
credo perdendo sua forccedila moralizante mais do que tudo ―a questatildeo moral retorna
ao primeiro plano (COMTE-SPONVILLE 2005 p 41)
23 - Uma resposta possiacutevel
A pergunta ―Eacute possiacutevel algueacutem dizer-se ateu cristatildeordquo tem como resposta
a partir do caminho exposto por Comte-Sponville uma confirmaccedilatildeo positiva A
justificativa se encontra no valor (gr axios) que damos a histoacuteria humana aos
valores que ela produziu e permite que progressivamente seja atualizado e
transmitido agraves geraccedilotildees Principalmente porque esse valor dado agrave histoacuteria
humana eacute a resposta configura-se saber o que eacute o homem para que este seja
denominado homem sua essecircncia (humanismo teoacuterico) ou sua histoacuteria O anti-
humanismo teoacuterico que Sponville apoia responde que
[] eacute a histoacuteria ao mesmo tempo natural (homonizaccedilatildeo) e cultural (humanizaccedilatildeo) em outras palavras que o homem natildeo eacute primeiramente princiacutepio mas sim resultado ou o que daacute na mesma que ele soacute eacute humano na medida em que se torna humano [] O anti-humanismo teoacuterico natildeo eacute um imoralismo pensar o homem em sua verdade (em sua histoacuteria) eacute pensar a moral em sua urgecircncia (COMTE-SPONVILLE 2008 p 268-269)
O ateiacutesmo cristatildeo acredita que uma resposta possiacutevel agrave histoacuteria visando
um futuro melhor a toda humanidade eacute uma resposta possiacutevel na histoacuteria Ou
seja fundamenta-se na fidelidade e na comunhatildeo que perpassa nosso
compromisso e responsabilidade O passado natildeo eacute uma taacutebula rasa uma folha
em branco ndash um tempo memorial vazio de sentido e de materialidade em que
seria preciso hoje inventarmos novos valores Reconhecer o passado toda sua
memoacuteria e narrativa eacute a oportunidade individual e coletiva de ―inventar ou de
reinventar uma nova fidelidade aos valores que recebemos e que temos o
encargo de transmitir Eacute como uma diacutevida em relaccedilatildeo ao passado que soacute
poderiacuteamos saldar investindo no futuro [] (COMTE-SPONVILLE 2016 p 34)
Logo somos humanos porque assim nos tornamos somos histoacuteria porque assim
nos construiacutemos humanidade histoacuterica
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A preservaccedilatildeo da tradiccedilatildeo seja ela de paz ou de guerras eacute o uacutenico
testamento que temos para reescrevermos um novo futuro Os valores que foram
transmitidos do nosso passado tais como a liberdade a justiccedila a igualdade a
fraternidade por exemplo valem porque de fato haacute um valor Natildeo precisamos
alterar o fato de valerem agrave dignidade humana mas necessitamos fidelizar esses
valores para que possamos comungar e interagir humanamente tendo como
base aquilo que jaacute tecircm valor
Marcel Conche afirma em seu livro que de todas as culturas haacute uma
moralmente superior ―[] a greco-cristatilde eacute superior a qualquer outra porque foi no
solo greco-cristatildeo que se reconheceram e afirmaram pela primeira vez a
igualdade de direito de todos os homens e os direitos universais do homem
Sustenta implicitamente que um Estado que enxerga respeita e pratica como
primazia os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e agrave sua
personalidade de certa forma encontra nisso um ―ideal de universalidade
utilizando esse ideal como crivo para perceber e distinguir em todos os outros
meios (Estados) os que natildeo compartilham desses direitos (CONCHE 2006 p
XIII)
O cristianismo legou valor imenso agrave poacutes-modernidade Uma vez que a
pluralidade e os ecumenismos inter-religiosos crescem evidencia-se no Ocidente
a afirmativa de que natildeo mais haacute uma supremacia cristatilde Assim sendo eacute preciso
repensar e reinventar fidelidade a valores que a tradiccedilatildeo cristatilde produziu em
milecircnios de histoacuteria Por ser considerado a religiatildeo do amor (COMTE-
SPONVILLE 2011b) o cristianismo precisa ser peneirado para que aquilo que eacute
amaacutevel permaneccedila o que eacute suspeito seja desconsiderado por completo
3 QUE MORALIDADE
Para respondermos a essa pergunta eacute necessaacuterio investigarmos o objeto
do ateiacutesmo cristatildeo ou seja Jesus prescrevendo qual a importacircncia dessa
personagem dos Evangelhos biacuteblico e porque ele Antes eacute preciso reafirma que o
ateiacutesmo eacute uma moral e portanto o olhar do ateiacutesmo cristatildeo para Jesus restringe-
se a um olhar moral em busca daquilo que em Jesus pode ser abrilhantado mais
do que ofuscado
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Antes ainda eacute preciso distinguir como os conceitos de moral e eacutetica se
conciliam para entatildeo justificarmos o porquecirc do ateiacutesmo cristatildeo sugerir alsquo moral
aliada alsquo eacutetica e natildeo umalsquo eacutetica que prescreva balizas exteriores e umalsquo moral
que se valha de um ser transcendente e de suas exigecircncias
Todos jaacute ouvimos que a moral eacute reconhecida como a doutrina do dever e
tambeacutem estamos informados de que a eacutetica eacute a doutrina da sabedoria A moral
dirige-se agrave virtude que tem como finalidade a santidade jaacute a eacutetica tende para a
felicidade e tem como apogeu a sabedoria A moral lida com os deveres a eacutetica
com o prazer Sponville versa que ambas as normatividades satildeo ―diferentes em
seus princiacutepios e em ―suas finalidades mas que ―se unem no que concerne as
relaccedilotildees interpessoais em suas aplicaccedilotildees Assim
[] o que chamamos de moral e eacutetica satildeo na verdade duas vias de acesso que conduzem a esse mesmo objetivo vias diferentes decerto mas convergentes jaacute que conduzem pela obediecircncia (no caso da moral) ou pela razatildeo (no caso da eacutetica) a uma salvaccedilatildeo comum ou em todo caso a uma vida mais feliz e mais humana (COMTE-SPONVILLE 2008 p 256)
Ao buscar a eacutetica dentre as eacuteticas e a moral dentre as morais o ateiacutesmo
cristatildeo estaacute apenas tentando evidenciar aquilo que Conche torna explicito ou
seja que a minha moral natildeo pode estar fundamentada em minha religiatildeo ou em
minha filosofia pois ela seraacute contestada por outras religiotildees e outras inuacutemeras
filosofias e a todo arcabouccedilo moral que elas contecircm A evidecircncia estaacute em que
seja uma moral ou uma eacutetica particular de um grupo religioso ou de certo filoacutesofo
essa seraacute sempre contestada em detrimento de outra e vice-versa (Cf CONCHE
2006)
Podemos entender sucintamente a eacutetica como uma consciecircncia vasta
espaccedilosa que estaacute agrave procura de responder a pergunta ―como viver e portanto
eacute necessaacuterio incluir na resposta dessa pergunta todos os deveres cabiacuteveis a um
estilo de vida que tambeacutem busca a resposta acerca do ―que devo fazer Quer
dizer o que faccedilo (moral) natildeo responde como eu vivo (eacutetica) mas como eu vivo
ou penso em viver definiraacute aquilo que faccedilo ou como pretendo agir Por esse
prisma a eacutetica aparece como fundamento da moral em que a moral ―eacute apenas
um desejo que se toma por um absoluto que se toma como um fundamento
proacuteprio (COMTE-SPONVILLE 2008)
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Assim a eacutetica eacute um trabalho um processo um caminhar eacute o caminho pensado de viver na medida em que tende para a vida boa como diziam os gregos ou para a menos ruim possiacutevel e eacute essa a uacutenica sabedoria verdadeira (COMTE-SPONVILLE 2011b p 220)
Sendo a eacutetica como um espaccedilo amplo e abrangente feita de desejos
pessoais pensados e hierarquizados pelo conhecimento e pelas opccedilotildees ndash
portanto valores relativos pois sempre particulares (seja individual ou de um
grupo) ndash tende a transformar-se em um discurso normativo poreacutem natildeo
imperativo sempre respondendo aos opostos bomlsquo e ruimlsquo ndash imanente agrave
humanidade A moral posse da eacutetica revela-se como um discurso normativo e
imperativo resultado da oposiccedilatildeo dos valores absolutos ou transcendentes de
Bemlsquo e do Mallsquo (Cf COMTE-SPONVILLE 2008 p 262)
A moral o conjunto dos nossos deveres se transforma em accedilotildees ndash essas
que dizem respeito a um modo de ser e estar sendo no mundo de forma
consciente no tempo presente Mas vale lembrar que o valor moral natildeo estaacute
propriamente nas accedilotildees e no fim desejado por tal agir O valor de um dever eacute
intriacutenseco ao proacuteprio dever isto eacute qualquer ato em cumprimento do dever soacute tem
valor se o mesmo for desinteressado independente do resultado da accedilatildeo Por
isso a moral verdadeira natildeo age ―de acordo com o dever mas sim ―por dever
seria uma accedilatildeo em prol e por aquilo que nos eacute comum e de valor (humanidade) e
tambeacutem em benefiacutecio do que eacute diferente de nossa humanidade (outras espeacutecies
e a natureza por exemplo)
Comte-Sponville (2008 pp 398-399) nos lembra de que Kant jaacute dizia que a
moral ―natildeo tem menor necessidade da religiatildeo pois ―ela basta a si mesmo ndash por
isso o direito de a moral ser laica Ela diz respeito a homens e mulheres muito
mais que agraves instituiccedilotildees o que denota que toda liberdade e autonomia que dela
proveacutem a noacutes eacute relativa natildeo alterando seu aspecto ―absoluto praacutetico ao nosso
sentimento Esse sentimento que temos em relaccedilatildeo a moral sentimento de
grandeza e submissatildeo e a necessidade que temos de agir conforme sua
legislaccedilatildeo eacute porque ―toda moral eacute histoacuterica ndash daiacute o valor do passado e da
tradiccedilatildeo
A liberdade e autonomia diante de uma lei moral tem a ver com a nossa
vontade pois apenas o conhecimento da lei natildeo basta para a accedilatildeo moral
Precisamos deseja-la e quere-la em noacutes Uma vez que sou autocircnomo e livre para
viver diante de uma legislaccedilatildeo proacutepria jaacute natildeo dou valor agrave lei moral pelo que
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conheccedilo dela historicamente vivo moralmente e ajo conforme sou porque ela estaacute
vinculada aos meus desejos de vecirc-la universalmente em accedilatildeo O que estamos
tentando explicar eacute que agir conforme os deveres natildeo substitui a finalidade de
onde queremos chegar ou melhor na eacutetica do amor De acordo com o dever eacute
nos dito que devemos amar mas necessitamos de uma eacutetica do amor
simplesmente porque sempre agimos contraacuterio a essa consciecircncia de dever
A busca por uma eacutetica individual mas universalizante que seja primeira e
baliza aos nossos deveres ndash porque eacute pura consciecircncia ampla e abrangente ndash soacute
eacute possiacutevel quando agimos moralmente natildeo por amor agrave lei mas porque amamos o
amor que rege a lei Aqui jaacute deduzo que a eacutetica eacute uma eacutetica do amor isto eacute que
guia todos os nossos deveres mesmo que por amor precise confronta-los Uma
eacutetica do amor sempre iraacute questionar se nossos deveres compactuam com nossa
consciecircncia Esse jogo complexo eacute antigo mas sempre necessaacuterio
Trata-se de passar da moral agrave eacutetica do dever ao amor e eacute essa passagem cuja jubilosa espontaneidade cada um de noacutes experimenta um tanto mais um tanto menos assim como experimentamos tambeacutem nossas fadigas que o digam sua fragilidade e sua perpeacutetua incompletude (COMTE-SPONVILLE 2008 p 278)
Mas natildeo sejamos ingecircnuos Sponville nos alerta para o fato de que o amor
sempre faltaraacute a todos e por isso a necessidade da moral para exigir que
atuemos como se amassemos Somente assim poderemos experimentar os polos
de forma versaacutetil mas consciente
31 - O Jesus de amor visto pelas lentes do ateiacutesmo cristatildeo de Comte-
Sponville
Resume-se na afirmativa ―Jesus natildeo era cristatildeo (COMTE-SPONVILLE
2011b p 134) era apenas um judeu piedoso Sponville redescobre no Cristo dos
Evangelhos via filosofia uma ponte aos temas em comum temas que os grandes
filoacutesofos se debruccedilaram tais como a sabedoria do amor e da amizade que foram
assuntos cariacutessimos a filoacutesofos como Spinoza e Epicuro Essa identificaccedilatildeo com o
―conteuacutedo humano impresso nas letras e no ―espiacuterito dos Evangelhos eacute o que foi
a sua redenccedilatildeo para conciliar a filosofia com
[] a feacute de minha infacircncia ou melhor com a moral que lhe era solidaacuteria reconciliou-me comigo mesmo portanto com a crianccedila que havia sido que era ainda e sobretudo isso me levou de volta a Cristo ao menos a
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uma certa imagem que me fiz dele a de um homem livre e doce que preferia o amor ao poder e que por isso morreu de um modo atroz ignominioso numa cruz Eacute o contraacuterio do Deus todo-poderoso do Deus vingador jaacute natildeo eacute em absoluto um Deus e eacute o uacutenico que me emociona (COMTE-SPONVILLE 1997 pp 142-143)
Essa moral que Sponville redescobriu claramente foge do conceito de
Deus-transcendente idealizado pelo cristianismo Encontra em Jesus o dos
Evangelhos uma ideia mais elevada ndash porque humana ndash para forjar uma
espiritualidade baseada na compreensatildeo de sua mensagem de amor A
interpretaccedilatildeo do Cristo evangeacutelico para que possa fazer parte daquilo que temos
chamado de ateiacutesmo cristatildeo eacute refinado a um olhar liberto da religiatildeo ou das
supersticcedilotildees da mesma
Sponville acredita de Jesus em sua mensagem aquilo que chama nossa
atenccedilatildeo para o essencial que o Reino de Deus jaacute havia comeccedilado e estava no
meio de noacutes eraeacute tatildeo presente que poderia ser assimilado no aqui e no agora
Tal afirmaccedilatildeo seria um chamado universal ao Reino do Amor
[] esse eacute o Cristo a quem amo aquele que criei pouco a pouco para mim aquele que me acompanha o uacutenico a me esclarecer [] Eacute pois o Cristo de todo o mundo ndash o Preseacutepio o Calvaacuterio ndash o dos mitos e das lendas o uacutenico que conhecemos no fundo o uacutenico que importa mas liberto da religiatildeo mas natildeo prometendo nada mais do que tudo ele tambeacutem ndash como os gregos como os verdadeiros mestres ndash e natildeo outro reino aleacutem deste mesmo onde jaacute estamos (COMTE-SPONVILLE 1997 p 143)
Para tanto o que o ateiacutesmo cristatildeo propotildee agravequeles que assim desejam eacute
um Cristo inventado mas que natildeo deixa de ser percebido e visto e encontrado
nas letras dos Evangelhos Seria o Cristo heterodoxo que contraria tanto os
padrotildees sociais vigentes quanto as doutrinasideologias tradicionalmente
assimiladas e admitidas Ele seria um anticonformista porque hereacutetico se
apresentaria aos olhos daqueles que seguem acriticamente o padratildeo
normatizado Seria o homem a divulgar a grande revelaccedilatildeo a todos os ouvintes no
Evangelho de Lucas
Tendo-lhe os fariseus perguntado quando viria o Reino de Deus ele lhes respondeu O Reino de Deus natildeo vem como um fato observaacutevel Natildeo se diraacute Aqui estaacutelsquo ou Laacute estaacutelsquo Pois o Reino de Deus estaacute em voacuteslsquo (entos humocircn) ou entre voacuteslsquo ou no meio de voacuteslsquo [] ou talvez melhor ainda e como dizia o Evangelho de Tomeacute o Reino de Deus estaacute ao mesmo tempo ―em voacutes e fora de voacutes (COMTE-SPONVILLE 1997 p 144)
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Isto faz surgir para Comte-Sponville a pergunta ―Se o Reino estaacute em noacutes
e se estamos no Reino para que serve a feacute e a esperanccedila seguida de
resposta ―Natildeo se deve crer em mais nada deve-se conhecer tudo Natildeo se deve
ter esperanccedila em mais nada deve-se amar tudo (COMTE-SPONVILLE 1997 p
144)
Eacute uma negaccedilatildeo por completa da feacute e da esperanccedila cristatilde uma vez que em
Jesus natildeo houve feacute e nem esperanccedila houve a praacutetica do amor que jaacute estava nele
e fora dele Imitar a Cristo nesse caso eacute compreender que as atitudes de Jesus
estavam esvaziadas de feacute e esperanccedila ndash havia sim manifestaccedilatildeo perfeita do
amor Ser fiel a Jesus seria portanto ―imitar sua visatildeo e sua compreensatildeo na
medida em que sejamos capazes [] eacute em todo caso imitar seu amor
(COMTE-SPONVILLE 2016 p 63) Isso porque se natildeo haacute o que crer e nem
existe o que esperar ―natildeo haacute outra salvaccedilatildeo senatildeo viver natildeo haacute outra salvaccedilatildeo
senatildeo amar o Reino eacute aqui na terra a eternidade eacute agora (COMTE-SPONVILLE
1997 pp 144- 145)
Como jaacute dito supra noacutes natildeo amamos como deveriacuteamos porque o amor nos
falta quase sempre E tambeacutem natildeo somos Jesus Cristo A sugestatildeo de Sponville
eacute ―[] mas podemos ndash qualquer que seja aliaacutes sua realidade histoacuterica ndash nos
aproximar do modelo que ele propotildee (COMTE-SPONVILLE 2008 p 277) A
proposta parece ser maior do que pensamos porque eacute maior do que podemos ela
excede em princiacutepio nossa capacidade de apenas amar os amigos os proacuteximos
a noacutes e aquilo que nos falta (gr philia erocircs) A mensagem evangeacutelica nos pede
para amar o proacuteximo o inimigo o indiferente isto eacute aquele que natildeo oferece
razatildeo e nenhum atrativo para que nos dediquemos e lhe demos a preferecircncia
Como amar os que nos perseguem Os que fazem mal a noacutes Aqueles
que natildeo nos alegram e nos prejudicam Somos capazes de tal amor A esse
amor conservou-se o nome de amor universal ―Agapeacute eacute o amor divino se Deus
existe e mais ainda talvez se Deus natildeo existe (COMTE-SPONVILLE 1996 p
291) Esse amor que nos falta eacute tatildeo parte de noacutes pelo simples fato de a noacutes faltar
e mesmo que ele venha a noacutes em forma de pranto ndash o choro pelo injusticcedilado pelo
abatido pela falta de alegria e riso pela falta de beleza etc ndash aiacute estaacute o porquecirc
devemos buscaacute-lo como a virtude excelente agravequela que pelos passos vagarosos
que damos em prol da justiccedila igualdade e liberdade pelos direitos humanos
apareceraacute (em medida) como o sol em pleno vigor
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Esse legado do amor de Jesus o modelo de judeu fiel de Cristo
heterodoxo que ressoou a toda tradiccedilatildeo cristatilde e filosoacutefica eacute o motivo pelo qual
Sponville alicerccedilou sua filosofia e ateiacutesmo
32 - Por uma outra Religiatildeo do Amor
Reler o cristianismo eacute revecirc-lo em aprimoramento Se por religiatildeo o ateiacutesmo
cristatildeo redefiniu em fidelidade e comunhatildeolsquo ao inveacutes de esperanccedila e feacutelsquo assim
ao propor outra religiatildeo o amor seria o que uniria a todos e tambeacutem o que nos
tornaria fieacuteis agravequilo que importa e o que importa eacute que somos humanidade Uma
eacutetica do amor portanto uma sabedoria que vise enxergar os dias atuais exige a
releitura do conceito de humanidade tanto quanto de amor requerendo o apoio
daquilo que recebemos do passado
Outra religiatildeo do amor se colocaria de forma mais especiacutefica para que natildeo
seja confundida como uma nova espiritualidade A espiritualidade eacute uma maneira
(e haacute outras) de se viver a religiatildeo Espiritualidade eacute a ―vida do espiacuterito isto eacute a
vida do conhecimento e da accedilatildeo Ela natildeo faz parte exclusiva das Igrejas ou de
quaisquer Instituiccedilotildees que queiram fixaacute-la uacutenica ―a espiritualidade eacute uma
dimensatildeo da condiccedilatildeo humana (COMTE-SPONVILLE 2011b p 208) Essa nova
espiritualidade ou novo caminho seria a chave interpretativa para essa nova
Religiatildeo do Amor que como posto natildeo se pretende religiatildeo como as religiotildees
monoteiacutestas
A antiga religiatildeo do amor diz que ―Deus eacute amor e que o amor eacute Deus
confundindo a eacutetica com a religiatildeo (Cf COMTE-SPONVILLE 2005 p 214) A
nova Religiatildeo do Amor por natildeo crer em Deus e entender o amor como
possibilidade unicamente da condiccedilatildeo humana diraacute que eacute preciso amar (de forma
limitada fraca e mortal) mediante a condiccedilatildeo que nos foi ensinada ndash pois nunca eacute
tarde para aprender sobre o amor e a amar O amor por ser accedilatildeo humana eacute
como a moral relativa em que ―cada um de noacutes soacute a encontra em si na medida
em que a recebeu (COMTE-SPONVILLE 2016 p 31)
[] o conjunto do que um indiviacuteduo se impotildee ou proiacutebe a si mesmo natildeo para antes de mais nada aumentar sua felicidade ou seu bem-estar proacuteprios o que natildeo passaria de egoiacutesmo mas para levar em conta os interesses ou os direitos do outro mas para natildeo ser um canalha mas para permanecer fiel a certa ideia de humanidade e de si (COMTE-SPONVILLE 2011a p 20)
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Uma vez que o amor tambeacutem eacute parte de uma eacutetica ideal ele se torna
superior e mais elevado que a feacute que a esperanccedila e a proacutepria moral A procura
sincera de um ateu fiel diante dessa verdade seraacute encontrar uma conexatildeo e um
ponto em comum com a antiga religiatildeo do amor no esforccedilo por compreender o
que as aproxima mais do que as afasta ndash para poder tomar parte juntamente na
grande arte do viver e construccedilatildeo da vida comunitaacuteria
Crentes e natildeo crentes estamos separados aqui apenas pelo que ignoramos Isso natildeo anula nossas discordacircncias mas relativiza seu alcance Seria loucura dar mais importacircncia ao que ignoramos ao que nos separa do que ao que sabemos tatildeo bem por experiecircncia e de coraccedilatildeo e que nos aproxima o que constitui o valor de uma vida humana natildeo eacute a feacute natildeo eacute a esperanccedila eacute a quantidade de amor de compaixatildeo e de justiccedila de que somos capazes (COMTE-SPONVILLE 2016 p 59)
Eacute por essa aproximaccedilatildeo pela via do amor que somos capazes a grande
virtude que se poderaacute democratizar os espaccedilos mundanos como espaccedilos de
fidelidade pois o amor une O amor seria nessa perspectiva o proacuteprio espaccedilo
de fidelidade e comunhatildeo que geraria a alegria tambeacutem o espaccedilo da verdade
alcanccedilaacutevel pois o amor seria universal e tambeacutem o espaccedilo de sabedoria pois o
amor seria o uacutenico caminho a ser seguido e priorizado (COMTE-SPONVILLE
2016)
Entendido de outra maneira o amor seria a lente para o novo olhar na
direccedilatildeo de tudo aquilo que jaz velho e imperceptiacutevel a nossa consciecircncia
Somente dessa forma diante da renovaccedilatildeo da consciecircncia e do olhar
passariacuteamos a uma nova percepccedilatildeo de tudo o que nos rodeia Isso requereria um
esvaziamento de toda nossa indiferenccedila quanto ao mundo agraves coisas e ao proacuteprio
ser humano Eacute como se voltaacutessemos a ver tudo como sendo ―bom sem a
ingenuidade e a ironia que a isso cabe Existir no mundo passaria a ser uma
existecircncia consciente do absurdo e tambeacutem consciente do quanto somos
capazes de em meio ao absurdo amarmos
Essa eacute a religiatildeo que segundo Sponville deveria ser elevada a religiatildeo do
amor No amor jaacute haacute toda espiritualidade de que nossa interioridade necessita
para saber-se e se reconhecer no mundo Isso posto o amor como espiritualidade
praacutetica natildeo vazia de sentido nos abre para a vida em comum e para uma
transcendecircncia do dia-a-dia ndash essa que eacute imanente e aberta a todo conhecimento
Tambeacutem uma abertura para a verticalidade do olhar para o alto que procura
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conscientizar-se acerca dos horizontes do mundo aquilaacute fora daquilo que nos
transcende porque nos transpassa
A religiatildeo do amor que produz nova espiritualidade e vice-versa portanto
estaacute sempre em busca de algo fora de si mesma A mateacuteria prima dessa religiatildeo eacute
o outro o mundo e seus arredores ou seja eacute o locallsquo onde o eulsquo se conecta com
o todo que flui e reflui reconstruindo novos laccedilos novos fundamentos (poreacutem
natildeo verdades incontestes) novas oportunidades dimensotildees e aprofundamentos
do conhecimento fundando uma razatildeo que eacute possiacutevel ao homem onde nosso
uacutenico dever eacute ser humano nossa uacutenica virtude eacute ser humano pois ningueacutem
poderaacute ser em meunosso lugar (COMTE-SPONVILLE 2011a)
Na religiatildeo do amor toda riqueza eacute encontrada fora de si mesmo como na
paraacutebola do tesouro e da peacuterola de grande valor
O Reino dos Ceacuteus eacute semelhante ao tesouro escondido no campo um homem o acha e torna a esconder e na sua alegria vai vende tudo o que possui e compra aquele campo O Reino do Ceacuteus eacute ainda semelhante ao negociante que anda em busca de peacuterolas finas Ao achar uma peacuterola de grande valor vai vende tudo o que possui e a compra (BIacuteBLIA Mateus 13 44-46 2011 p 1729)
Assim porque nos desfazemos de tudo o que temos para conseguir
adquirir o tesouro ou a peacuterola de maacuteximo valor da mesma forma podemos supor
que o amor eacute tudo o que queremos e depois saber que o amor eacute tudo o que
precisamos para sermos felizes
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Um olhar pessoal ao ateiacutesmo cristatildeo
A maioria dos cristatildeos ocidentais diraacute da impossibilidade de conceber o
ateiacutesmo cristatildeo A mesma impossibilidade que admitem haver no raciociacutenio de
uma espiritualidade ateia pode tambeacutem se encaixar a feacute cristatilde O fato de que
para pensar o Deus cristatildeo teria que ser necessaacuterio afirmar a possibilidade de
pensar a pura ideia de um uacutenico Deus e isso natildeo eacute possiacutevel revela o quatildeo
instaacutevel eacute a proacutepria feacute cristatilde ndash que sabe que natildeo se pode pensar Deus mas pensa
que eacute preciso pensa-lo e entatildeo formula as instabilidades de sua proacutepria feacute Isso eacute
o que chamo de contradiccedilotildees necessaacuterias pois satildeo por elas que a feacute continua a
ser pensada de tempos em tempos Satildeo essas contradiccedilotildees que tambeacutem
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asseguram novas possibilidades de entendimento acerca de conceitos caros a
histoacuteria do pensamento
Mesmo a feacute cristatilde milenar assim como qualquer outra feacute elas satildeo fontes
de ameaccedila agrave espiritualidade de qualquer pessoa Em todas elas existe
instabilidades contraditoacuterias desde sua essecircncia como um explosivo corrosivo A
pretensatildeo do ateiacutesmo cristatildeo a meu ver eacute expor tais instabilidades e afirmar a
contradiccedilatildeo das crenccedilas ndash mesmo aquela que o proacuteprio ateu propotildee Ter noccedilatildeo
disso eacute conhecer a diferenccedila entre ―feacute e ―saber pois o que confunde essas
categorias afirma Sponville ―eacute um imbecil e torna-se um ignorante da ignoracircncia
insuperaacutevel a existecircncia de Deus (Cf COMTE-SPONVILLE 2016 p 72-73)
Dito isto qualquer religiatildeo de feacute ou mesmo o ateiacutesmo cristatildeo todos devem
ter como posicionamento a esfera da opiniatildeo sabendo que qualquer relaccedilatildeo de
toleracircncia e amor dependem de uma consciecircncia que se sabe insuficiente Se
entendermos o amor como um valor precioso agrave humanidade sem implicaccedilotildees
transcendentes chegaremos agrave conclusatildeo de que somos noacutes na medida em que
aprendermos a amar que transcenderemos ndash o que natildeo implica chamarmos a
noacutes de deuses
A regra da vida ou a norma do bem-viver pelo que tentamos expor supra
de Sponville eacute amar e amar como Jesus amou Que seja entatildeo atraveacutes da moral
essa ilusatildeo necessaacuteria para que possamos vagarosamente caminhar a um agir
por amor conscientes que podemos estar agindo por dever O ideal seria natildeo
necessitarmos de lei alguma por que amamos
Assim entendidos que a religiatildeo ―eacute um grande drama da relaccedilatildeo do
homem com os deuses (HARARI 2017 p 221) a espiritualidade que Sponville
apresenta estaacute fundamentada na busca humana a fim de encarar o grande
drama e desespero do homem consigo mesmo Muitos mestre da espiritualidade
podem ajudar nessa busca dramaacutetica da humanidade O ateiacutesmo cristatildeo
apresenta um em especial ndash especial pelo tipo de amor que apresentou e que
revolucionou as relaccedilotildees humanas Jesus o homem pois um Deuslsquo que natildeo
tenha se diminuiacutedo para se igualar aos seus nunca poderaacute dizer que lhes trouxe
libertaccedilatildeo
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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BAGGINI Julian Ateiacutesmo Uma breve introduccedilatildeo Satildeo Paulo LampPM Editores 2016 BIacuteBLIA de Jerusaleacutem Nova ediccedilatildeo revisada e ampliada Satildeo Paulo Editora Paulus 2011 COMTE-SPONVILLE Andreacute Pequeno tratado das grandes virtudes Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1996 COMTE-SPONVILLE Andreacute Bom dia anguacutestia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 1997 COMTE-SPONVILLE Andreacute O capitalismo eacute moral Sobre algumas coisas ridiacuteculas e as tiranias de nosso tempo Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2005 COMTE-SPONVILLE Andreacute Valor e verdade Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2008 COMTE-SPONVILLE Andreacute Apresentaccedilatildeo da filosofia Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011a COMTE-SPONVILLE Andreacute Dicionaacuterio filosoacutefico 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2011b COMTE-SPONVILLE Andreacute O espiacuterito do ateiacutesmo introduccedilatildeo a uma espiritualidade sem Deus 2ordfed Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2016 CONCHE Marcel O fundamento da moral Satildeo Paulo WMF Martins Fontes 2006 DURKHEIM David Eacutemile Eacutetica e sociologia da moral Satildeo Paulo Martin Claret 2016 GIBELLINI Rosino A teologia do seacuteculo XX 2ordfed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 HARARI Yuval Noah Sapiens ndash uma breve histoacuteria da humanidade 28ordf ed Porto Alegre RS LampPM 2017 MILLER ED L amp GRENZ Stanley J Teologias contemporacircneas Satildeo Paulo Vida Nova 2011 MINOIS George Histoacuteria do ateiacutesmo Satildeo Paulo Editora UNESP 2014
Autor ndash Me Rafael de Campos
Professor de Filosofia e Sociologia no Ensino Meacutedio Professor de Teologia e Religiatildeo em Seminaacuterio Teoloacutegico Especializando em Ciecircncia Poliacutetica pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar)
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Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciado em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP) E-mail elfaracamposhotmailcom
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ANAacuteLISE EXEGEacuteTICA DE 1COR 15 35 ndash 49 A RESSURREICcedilAtildeO
CORPOacuteREA EM PAULO
RESUMO
Este presente artigo tem como objetivo demonstrar o elemento inovador
que o discurso da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em Paulo traz a partir do texto de
1Coriacutentios 1535-49 onde o apoacutestolo desenvolve e argumenta seu pensamento
escatoloacutegico acerca desta temaacutetica Para trilhar esse caminho este artigo propotildee
explanar alguns pontos metodoloacutegicos relevantes para o exerciacutecio exegeacutetico
desta narrativa paulina sob o respaldo dos referenciais teoacutericos ―A ressurreiccedilatildeo
do Filho de Deus e ―Paulo Novas Perspectivas de Wright A fim de desenvolver
esse pensamento e considerar os argumentos dentro dessa nova visatildeo teoloacutegica
da temaacutetica
Palavras-Chave Discurso Paulo Ressurreiccedilatildeo Corpoacutereo 1Coriacutentios 15
ABSTRACT
This article aims to demonstrate the innovative element that the discourse
of bodily resurrection in Paul brings from the text of 1 Corinthians 1535-49 where
the apostle develops and argues his eschatological thinking on this theme To
follow this path this article proposes to explain some methodological points
relevant to the exegetical exercise of this Pauline narrative supported by the
theoretical references ―The Resurrection of the Son of God and ―Paul New
perspectives by Wright In order to develop this thinking and consider the
arguments within this new theological view of the theme
Key-Words Discourse Paul Resurrection Corporeal 1Corinthians 15
autora Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Angelaaleixo72yahoocom
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INTRODUCcedilAtildeO
Considerada como doutrina central da teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea tem sua histoacuteria narrada em diferentes porccedilotildees biacuteblicas do Novo
Testamento Nos evangelhos canocircnicos Jesus anuncia sua morte e ressurreiccedilatildeo
sobre a afirmaccedilatildeo de que este eacute o plano de Deus Pai para com a humanidade
Em especial podemos ver entretecidas na teologia cristatilde mais antiga as cartas
paulinas que registram a morte e ressurreiccedilatildeo de Jesus Entendemos que estas
foram escritas por volta de duas deacutecadas apoacutes a morte de Cristo denotando assim
neste periacuteodo a firme crenccedila dos cristatildeos neste evento escatoloacutegico
Sobre a crenccedila de que a ressurreiccedilatildeo em princiacutepio tinha acontecido Paulo
exorta e instrui os seguidores de Jesus a reordenar suas vidas suas narrativas
seus siacutembolos e sua praacutexis para estarem em conformidade com o segmento
desta doutrina escatoloacutegica na poacutes-morte Neste sentido podemos dizer que os
ensinamentos de Paulo se tornaram um elemento chave da tradiccedilatildeo e da teologia
cristatilde Mais do que isso nosso pressuposto eacute de que a teologia paulina nos
fornece um desenvolvimento narrativo sobre a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea
Contudo num segundo olhar a esse discurso temaacutetico podemos levantar
um questionamento Que novidade este tema tatildeo debatido pode nos apresentar
Este ensaio exegeacutetico procuraraacute mostrar que a novidade norteadora desse
discurso paulino se concentra no uacutenico eixo narrativo a da tipologia corpoacuterea que
eacute alcanccedilado na poacutes-morte com a ressurreiccedilatildeo do corpo Ou seja a aceitaccedilatildeo na
crenccedila de que haveraacute no futuro escatoloacutegico um corpo glorioso e totalmente outro
Atraveacutes de uma nova abordagem ele desenvolve seu discurso temaacutetico a partir da
narrativa de 1Coriacutentios (153549)
Para tanto Paulo parte da descriccedilatildeo dos diferentes tipos de carnes de
animais de aves de peixes do sol da lua e das estrelas num evolutivo
pensamento Tendo como cerne discursivo o enunciado de que entre os corpos
tambeacutem haacute diferentes tipologias pois sua afirmativa eacute de que assim como existe o
corpo natural tambeacutem existe o corpo espiritual Desta forma neste texto Paulo
relata analogicamente o primeiro Adatildeo (corpo natural) em relaccedilatildeo ao segundo
Adatildeo Cristo (corpo espiritual) demonstrando que nele estaacute impliacutecito a memoacuteria
narrativa de Gn 1-3 cuja ecircnfase estaacute na criaccedilatildeo
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Assim este ensaio exegeacutetico de 1Cor (15 35-49) pretende analisar o
discurso paulino acerca da ressurreiccedilatildeo do corpo e verificar como ele discorreu
essa narrativa a conflitante comunidade de Corinto A fim de desenvolvermos este
ensaio utilizaremos alguns passos do meacutetodo histoacuterico-criacutetico como orientaccedilatildeo
todavia sem nos fixarmos nesta uacutenica metodologia54 Seguiremos com a anaacutelise
das caracteriacutesticas formais da periacutecope (delimitaccedilatildeo conteuacutedo literaacuterio e gecircnero
textual) e a finalizaccedilatildeo metodoloacutegica seraacute com um breve comentaacuterio quanto
articulaccedilatildeo do discurso paulino em todo capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios
1 TRADUCcedilAtildeO DO TEXTO
35 Mas diraacute algueacutem Como ressuscitam os mortos E com que espeacutecie de
corpo vecircm 36 Insensato Tu o que semeias natildeo eacute vivificado se primeiro natildeo
morrer 37 E o que semeias natildeo semeia o corpo que tornaraacute mas (semeia) um
gratildeo nu como de trigo ou de outros gratildeos 38 Poreacutem Deus concede por si
mesmo o corpo conforme desejar e a cada uma das sementes (Ele) concede o
corpo proacuteprio dela 39 Nem toda carne (eacute) a mesma carne mas uma eacute a carne
dos homens outra eacute a carne de gados outra a carne de peixes e outras de aves
40 E (haacute) corpos celestes e corpos terrestres mas uma (eacute) a gloacuteria dos celestes
e outra (eacute) a gloacuteria dos terrestres 41 Uma eacute a gloacuteria do sol outra eacute a gloacuteria da
lua outra a gloacuteria das estrelas pois uma estrela difere em gloacuteria de outra estrela
42 Assim tambeacutem eacute a ressurreiccedilatildeo dos mortos O eacute semeado em corruptiacutebilidade
e ressuscitado em incorruptibilidade 43 Eacute semeado em desonra ressuscitado em
gloacuteria eacute semeado em fraqueza e ressuscitado em poder 44 Eacute semeado corpo
natural eacute ressuscitado corpo espiritual pois existe o corpo natural e existe o
corpo espiritual 45 Como tambeacutem estaacute escrito O primeiro homem Adatildeo tornou-
se alma vivente o uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante 46 Entretanto natildeo eacute
primeiro o espiritual mas o natural depois disso o espiritual 47 O primeiro
homem eacute proveniente de dentro da terra terreno o segundo homem eacute
proveniente de dentro do ceacuteu celestial 48 Tal como o terrestre (feito) do poacute
tambeacutem satildeo os terrenos e tal como (aquele) que eacute celestial tambeacutem satildeo os
54
A metodologia empregada seraacute a junccedilatildeo do meacutetodo histoacuterico-criacutetico com a metodologia de ZABATIERO Julio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
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celestiais 49 E assim como trouxemos a imagem do terrestre traremos tambeacutem
a imagem do celeste55
11 - CARACTERIacuteSTICAS FORMAIS
A anaacutelise das caracteriacutesticas formais de um texto eacute uma das bases para a
anaacutelise de conteuacutedos Trata-se de uma etapa fundamental para reunirmos
informaccedilotildees a respeito de suas caracteriacutesticas literaacuterias Assim para esta anaacutelise
desenvolveremos os seguintes passos delimitaccedilatildeo coesatildeo contexto literaacuterio
estruturaccedilatildeo da periacutecope gecircnero textual
12 - Delimitaccedilatildeo da Periacutecope
A delimitaccedilatildeo de um texto eacute fundamental para estabelecermos os limites
iniciais e finais a fim de reconhecermos a mensagem do texto de fazermos o
recorte textual correto Para isso esta anaacutelise levaraacute em consideraccedilatildeo a narrativa
de 1Coriacutentios (1535-49) como uma uacutenica periacutecope cuja segmentaccedilatildeo56 estaacute em
(35-38 39-44 45-49)
Num primeiro olhar da narrativa estes trecircs segmentos contidos nesta
periacutecope pode parecer desconexos quanto ao contexto integral Contudo ao
analisarmos o texto percebemos que eles se alternam entre si Esta eacute a proposta
da Biacuteblia de Jerusaleacutem (BJ) que demonstra em sua composiccedilatildeo uma estrutura na
qual cada estrofe salienta os temas tratados Assim entendemos que a junccedilatildeo
entre estes temas conjunccedilotildees e adveacuterbios contidos no texto satildeo as marcas
linguiacutesticas que melhor nos auxilia quanto agrave observaccedilatildeo de mudanccedilas nestas
narrativas
Observando o contexto literaacuterio anterior (vv29-34) notamos a mudanccedila de
assunto e de linguagem em relaccedilatildeo agrave narrativa dos versos (35-49) Isso porque a
linguagem desta periacutecope apresenta uma espeacutecie de parecircnteses ou seja uma
breve treacutegua apoacutes uma densa e complexa argumentaccedilatildeo sobre a ressurreiccedilatildeo
55
Um proacuteximo item metodoloacutegico nesta pesquisa seria a criacutetica textual Contudo ao averiguarmos este ponto constatamos que haacute vaacuterias variantes que natildeo apresentam nenhuma alteraccedilatildeo significativa na narrativa Por isso optamos em trabalhar por Nestle Alan descartando assim o exerciacutecio analiacutetico da mesma 56
―Segmentaccedilatildeo eacute um procedimento idecircntico ao da delimitaccedilatildeo mas restrito aos limites da proacutepria periacutecope utilizada aqui como passo metodoloacutegico por ZABATIERO J In Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007 p37
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um estilo entrecortado frases curtas raacutepidas mudanccedilas de tema Entendemos
que o assunto tratado aqui por Paulo exibe um foco mais antropoloacutegico De Cristo
ele passa a falar de si e dos perigos que constantemente enfrenta ao disseminar
sua teologia (v30)
Ele comeccedila seu discurso com duas perguntas sobre o batismo pelos
mortos (v29) Ambas principiadas pela conjunccedilatildeo ―se Ἐπεὶ como reflexatildeo da
questatildeo Segue falando de uma luta com feras em Egravefeso (v32) e concluiacute com
uma advertecircncia a comunidade O de natildeo se enganarem quanto agrave verdadeira
teologia cristatilde a ressurreiccedilatildeo dos mortos (vv33-4) evidenciado pelo verbo ―tornai
genomai tendo como fio condutor desta periacutecope o elo entre a vida presente e a
futura
A delimitaccedilatildeo desta periacutecope eacute uma questatildeo que varia entre os
pesquisadores Vejamos a posiccedilatildeo de alguns deles quanto a isso
Ao pesquisar esta questatildeo percebemos que grande parte dos
pesquisadores corroboram com a delimitaccedilatildeo semelhante agrave de Vouga que trata
do tema ―do corpo espiritual dos ressuscitados numa uacutenica narrativa sem
subdivisotildees (vv35-4957) Jaacute um grupo menor de pesquisadores nos apresenta
uma estrutura similar entre eles mas com alguns pontos divergentes Vejamos
algumas destas estruturas
De acordo com Konings a delimitaccedilatildeo deste texto segue a seguinte
estrutura ―Na respostas as perguntas (v35) Paulo recorre a algumas
comparaccedilotildees exemplificativas (vv36-41) manteacutem o tema da semeadura (vv42-
4) e discorre sobre os dois corpos (vv 45-958) Fitzmyer vai agrave outra vertente e
delimita o texto da seguinte forma ―A fim de dar respostas (v35) Paulo faz
analogias de sementes (vv36-41) e depois faz as aplicaccedilotildees destes
ensinamentos (vv 42-959)
Jaacute Wright ao delimitar esta narrativa a divide em dois blocos ―o primeiro
nos (vv 35-41) onde Paulo discorre sobre as diferenciaccedilotildees dos corpos
(terrestres e celestes) o segundo nos (vv42-9) elabora um contraste explicativo
57
VOUGA F MARGUERRAT Daniel (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 p 238 58
KONINGS J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 pp 368-9 59
JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa)
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sobre as duas espeacutecies de corpos60 culminando nas respostas as duas
perguntas lanccediladas no iniacutecio da narrativa (v35)
A narrativa de 35-49 compotildee a periacutecope central desta pesquisa e sua
anaacutelise seguiraacute a estrutura dos segmentos mencionados acima
Primeiro segmento de 35-8 No verso 35 o foco do discurso muda Apoacutes
ter discutido com a comunidade sobre a ressurreiccedilatildeo como fato Paulo agora se
volta agrave questatildeo da modalidade Iniciando o discurso pela conjunccedilatildeo ―mas Ἀλλὰ
Paulo agora pergunta pelo ―como e pela ―mecacircnica do processo da
ressurreiccedilatildeo cuja centralidade estaacute na questatildeo do corpo Paulo demonstra reagir
com dureza a estas questotildees (v36) e argumenta utilizando a analogia do gratildeo de
trigo (vv36-8)
Segundo segmento de 39-44 A partir do verso 39 o Apoacutestolo manteacutem a
temaacutetica mas dirige agora a atenccedilatildeo para criaccedilatildeo ou seja da semente das
plantas se volta para a carne Iniciando a narrativa com o adveacuterbio ―nem (οὐ) ele
passa a discursar sobre as diferentes espeacutecies criadas por Deus como os animais
domeacutesticos os paacutessaros e os peixes
Discorre tambeacutem sobre os ―corpos terrestres caracterizado pela palavra
grega σὰρξ sarx (vv39-43) e continua a narrativa em termos antropoloacutegicos
(v44) Evidencia os diferentes tipos de carne no intuito de ilustrar a diferenccedila do
corpo da ressurreiccedilatildeo na poacutes-morte Pois para Paulo a ressurreiccedilatildeo acarretaraacute
em uma metamorfose do corpo humano
Terceiro segmento de 45-9 Nestes versos Paulo atinge seu aacutepice
discursivo acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Utilizando o adveacuterbio Πῶρ (como) ele
agora discorre sobre a tipologia do primeiro homem Adatildeo e do uacuteltimo Cristo para
tipificar a transformaccedilatildeo do corpo natural em um corpo espiritual como esperanccedila
escatoloacutegica Nesta narrativa Paulo conclui o desenvolvimento de seu discurso
apocaliacuteptico sobre ressurreiccedilatildeo do corpo a Corinto Assim com essa mesma
temaacutetica encerra-se a periacutecope no v49
O contexto literaacuterio posterior (vv50-8) tambeacutem assume uma mudanccedila de
assunto e linguagem em relaccedilatildeo agrave (vv35-59) Na forma de uma declaraccedilatildeo
enfaacutetica Τοῦηο ―Eis que Paulo agora tenta direcionar a atenccedilatildeo da comunidade
para o que se segue (v50) Confidecircncia aos coriacutentios sua convicccedilatildeo de que nem
60
WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013 pp 481-500
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todos morreratildeo antes do fim dos tempos E o que caracterizaraacute este momento
seraacute a parousia (retorno) de Cristo (v51)
O Apoacutestolo atribui a caracteriacutestica de ―rapidez a este processo de
transformaccedilatildeo do corpo ressurreto (vv52-3) Destaca que a ecircnfase central deste
paraacutegrafo estaacute na transformaccedilatildeo necessaacuteria para aqueles atualmente vivos para
que possam fazer parte do reino Segue dizendo nos versos (54-5) que a forccedila
central desta metamorfose estaacute no fato de que ―como os mortos seratildeo
ressuscitados ―incorruptiacuteveis (vv52-4) assim ―noacutes os vivos seremos
―transformados (allagesometha61) E utiliza a conjunccedilatildeo ―assim Ὥζηε ao
concluir este discurso tendo como linguagem a forma de um hino de louvor triunfal
sobre a morte (v58)
Notamos portanto que o texto de 1Coriacutentios (1535-49) estaacute bem
delimitado e literariamente conectado com as periacutecopes ao seu redor embora
seja uma uacutenica unidade de sentido Essa perspectiva literaacuteria nos auxiliaraacute a
compreender a relevacircncia dessas palavras agrave comunidade de Corinto
13 - Coesatildeo do Texto
Esta unidade de sentido delimitada na narrativa (1535-49) apresenta
repeticcedilotildees de vaacuterios termos e sinocircnimos que mantecircm coesa a periacutecope
O verso (35) inicia com a ocorrecircncia de trecircs expressotildees importantes a
ἐγείπονηαι satildeo ressuscitados o νεκποί satildeo mortos e o ποίῳ swmati com que
espeacutecie de corpo Isso se deve aos conteuacutedos decorrentes do texto salientadas
pelas expressotildees semear e ressuscitar As palavras ζπείπειρ semeias e
ἀποθάνῃ morrer descritas no verso 36 indicam natildeo significados diferentes mas
o mesmo sentido de morte Tendo como objeto comum entre elas a palavra ζῶmicroα
corpo no verso 37
Na narrativa de 38-40 as palavras ζὰπξ carne e ζῶmicroα corpo se alternam
entre si indicando tambeacutem o mesmo significado corposubstacircncia As expressotildees
ἀνάζηαζιρ ressurreiccedilatildeo e νεκπῶν mortos no verso 42 apresentam os dois
estaacutegios do corpo E nos versos 43-4 o fio condutor desta periacutecope eacute ressaltado
pelas palavras ζπείπεηαι semeado e ἐγείπεηαι ressuscitado
61
IDEM pp500-1
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A narrativa de 45-9 ressalta atraveacutes de algumas expressotildees a mesma
temaacutetica do segmento anterior (vv38-44) os dois estaacutegios corpoacutereos As
expressotildees τςσὴν alma e πνεῦmicroα espiacuterito no verso 45 τςσικόν natural e
πνεςmicroαηικόν espiritual no verso 46 e σοφκόρ terreno e οὐπανοῦ ceacuteu no verso
(47) autenticam no texto os dois estaacutegios do corpo o atual e futuro Assim
podemos dizer que de modo geral os verbos ἀποθάνῃ morrer ζπείπειρ
semear e ἐγείπεηαι ressuscitar juntamente com o substantivo ζῶmicroα corpo
perpassam toda a periacutecope O restante do texto eacute decorrente da accedilatildeo da fala ou
estaacute ligada a ela
Assim observamos que haacute coesatildeo nesta periacutecope E que seu fio condutor
estaacute na dinacircmica do semear e ressuscitar do corpo na moldura especifica de cada
estaacutegio atual e futuro da poacutes-morte Trata-se portanto de uma unidade de
sentido delimitada e coesa
2 CONTEXTO LITERAacuteRIO
O contexto literaacuterio de um texto busca mostrar a forma de escrita das
cartas de Paulo bem como identificar suas composiccedilotildees e a correlaccedilatildeo interna
entre o pensamento e os escritos paulinos a fim de observar a estrutura e a
dinacircmica do texto
A carta de 1Coriacutentios segue um formato mais ou menos padratildeo ou seja
detectaacutevel na maioria das cartas do Novo Testamento Algumas cartas satildeo tatildeo
longas que podem ser consideradas como carta ensaio A carta de 1Coriacutentios 15
eacute considerada pela maioria dos pesquisadores de conteuacutedo extensa podendo ser
escritas de vaacuterias maneiras
Neste sentido Brown diz que embora natildeo demonstre a divisatildeo necessaacuteria
dos pensamentos dos escritores de modo geral ―pode-se distingui-la em quatro
partes 1) Foacutermula introdutoacuteria 2) Accedilatildeo de graccedilas 3) Corpo ou mensagem 4)
Foacutermula conclusiva62 Este estilo divisoacuterio nas cartas eram comuns no Novo
Testamento o que favorecia a leitura e interpretaccedilatildeo da mesma
Em relaccedilatildeo ao puacuteblico na qual elas se destinavam Brown diz que de toda a
coleccedilatildeo de cartas do Apoacutestolo Paulo ―somente algumas das cartas do Novo
Testamento satildeo endereccediladas a comunidades numa cidade ou cidades
62
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 pp552-3
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especiacuteficas as outras poreacutem podem ter em mente cristatildeo com uma heranccedila
particular ()63 Em contra partida Vouga entende que as cartas do Apoacutestolo
Paulo satildeo ―destinadas as respectivas comunidades previamente conhecidas por
ele a fim de responder questotildees precisas e de reagir a problemas particulares
surgidos64
Nesta questatildeo concordamos com Vouga pois Paulo contava
constantemente com o auxiacutelio de cooperadores locais para escrever suas cartas
Esta afirmaccedilatildeo eacute evidenciada na narrativa de 1Coriacutentios (11-2) ―Paulo chamado
a ser Apoacutestolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus e Soacutestenes o irmatildeo a
igreja de Deus que estaacute em Corinto aos que foram santificados no Cristo Jesus
chamados a ser santos com todos os que invocam em todo lugar o nome de
nosso Senhor Jesus Cristo Senhor deles e nossordquo Assim eram os cooperadores
que forneciam as informaccedilotildees acerca dos conflitos existentes em Corinto O que
auxiliava Paulo quanto agrave direccedilatildeo do conteuacutedo especiacutefico a ser escrito a
comunidade
Neste sentido Berger diz que ―muitas vezes trata-se de um relacionamento
em triacircngulo eu-tu-ele ou eu-voacutes-ele65 Ou seja a dinacircmica desta relaccedilatildeo
triangular permitia um contato constante entre Paulo o cooperador e a
comunidade nas questotildees a serem resolvidas Assim estas informaccedilotildees serviam
como ponto de partida para elaboraccedilatildeo das cartas paulinas
Podemos dizer que na carta de 1Coriacutentios 15 o primeiro objetivo praacutetico
natildeo se exprime por meios de imperativos ou exortaccedilotildees mas sim por meios de
explicaccedilotildees e afirmaccedilotildees acerca da ressurreiccedilatildeo dos mortos Contudo este
objetivo se encontra impliacutecito na comunicaccedilatildeo de seu discurso neste capiacutetulo E
embora toda a narrativa deste capiacutetulo nos apresente o tema da ressurreiccedilatildeo satildeo
nos versos (35-49) que o Apoacutestolo especifica esta temaacutetica ao falar do corpo
ressurreto dos mortos na poacutes-morte
Um aspecto perceptiacutevel nesta exposiccedilatildeo discursiva eacute que Paulo se dirige a
toda a Corinto e natildeo somente ao grupo de ceacuteticos que questionavam a
ressurreiccedilatildeo do corpo De acordo com DETTWILER amp KAESTLI ainda que ―Paulo
saiba que na comunidade ―alguns negam a ressurreiccedilatildeo dos mortos (v12) ele
63
IDEM p550 64
VOUGA p233 65
BERGER K As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 p253
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natildeo se dirige a eles mas a ―voacutes da comunidade a fim de dissuadi-la de partilhar a
posiccedilatildeo negativa da maioria66
Ao usar o termo ―voacutes o Apoacutestolo abrange a todos seu discurso retoacuterico
deixando assim impliacutecito a ambiguidade peculiar das cartas paulinas Ou seja
nesta narrativa central ele previne toda comunidade contra essa e outras
correntes filosoacuteficas contraacuterias ao cristianismo ao mesmo tempo em que refuta
indiretamente o grupo ceacutetico existente em Corinto
Em relaccedilatildeo agrave literatura das cartas de Paulo podemos dizer que em geral
elas apresentam um contexto de ―comunicaccedilatildeo estabelecido pelo Apoacutestolo que eacute
com efeito paradoxal ()67 Na periacutecope (vv35-49) encontramos este contexto
de comunicaccedilatildeo por parte do Apoacutestolo Nele Paulo utiliza natildeo soacute o paradoxo
mas tambeacutem outras formas literaacuterias para autenticar seu discurso Vejamos agora
algumas destas formas
O texto inicia com duas perguntas cruciais que conduz toda a narrativa
Nos versos 36-41 Paulo extraiu vaacuterias analogias sobre a diversidade de sementes
e organismos a fim de responder a primeira pergunta ―Como (Πῶρ) ressuscitam
os mortos (v 35a) Colzemann diz que Paulo ―em estilo de diatribe68 solta o
novo tema apresentado pelo Como69
A palavra ἄθπυν (insensato) que precede esta pergunta denota um estilo
de discussatildeo na narrativa E ao discutir esta questatildeo Paulo ressalta a oposiccedilatildeo
ou seja a objeccedilatildeo que tinha sido realmente levantada por um grupo de ―ceacuteticos
existentes em Corinto Segundo Colzemann ―o texto nos apresenta uma resposta
tripla (1) vv 36-8 (2) vv 39-44 (3) vv 45-970 reforccedilando a proposta de nossa
estrutura de segmentos Observamos portanto que nestas narrativas a teologia
paulina da ressurreiccedilatildeo natildeo admitia a existecircncia sem um corpo Seja ela no
tempo presente com caraacuteter apocaliacuteptico ou no tempo futuro com caraacuteter
escatoloacutegico
66
DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor 67
VOUGA p233 68
De acordo com Fitzmayer 2008 p 591 diatribe eacute uma forma dialoacutegica de argumentaccedilatildeo desenvolvida por certos professores como Bion Borys Thenite (ca 325-255 aC) Teles (fl 235 cabc) Dio Crisoacutestomo de Prusa (ad 40-112 []) Musonius Rufus (ca DC 30-102) e de Epicteto Hieraacutepolis (ad-55-135) Eacute utilizada nas escolas ciacutenicas e estoacuteicas da filosofia Foi um discurso pedagoacutegico realizado em debate animado e estilo de conversaccedilatildeo familiar com um interlocutor real ou imaginaacuterio que foi salpicado com apoacutestrofo proveacuterbios perguntas retoacutericas paradoxos paroacutedias antiacuteteses e fala fictiacutecia 69
COLZEMANN 1Corinthians Printed in the United States of American 1975 p280 70
IDEM 280 (traduccedilatildeo nossa)
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Paulo a partir de agora conduz seu discurso em duas perspectivas De
aplicar as implicaccedilotildees destas instruccedilotildees para a ressurreiccedilatildeo corpoacuterea dos cristatildeos
falecidos e de procurar dar uma resposta apocaliacuteptica a segunda pergunta
definida por ποίῳ δὲ ζώmicroαηι ἔπσονηαι ―Com que espeacutecie de corpo vecircm
(v35b) De acordo com Fitzmyer
―Sua resposta definitiva eacute dada no versiacuteculo 44a desta periacutecope um corpo espiritual eacute elevado e em v 44b ele argumenta a minori ad maius Eacute no entanto apresentado de uma forma mais completa quando ele menciona mais trecircs qualidades desse corpo impereciacuteveis vestida de esplendor e poderosos Assim numa seacuterie de diacutesticos paralelos (vs42b-44a) quatro qualidades do corpo ressuscitado satildeo apresentados em oposiccedilatildeo a quatro qualidades do corpo humano terrestre Quatro antiacuteteses satildeo expressas pelos verbos passivos divinos speiretai-egeiretai Considerando que o atual corpo humano eacute pereciacutevel sem honra fraco e animado (psychikon) o corpo humano da ressurreiccedilatildeo seraacute incorruptiacutevel radiante poderoso e espiritual (pneumatikon)
71
Estas palavras de Fitzmyer vecircm corroborar nossa anaacutelise Na frase
―semeado em corruptibilidade desonra fraqueza e ressuscitado em
incorruptibilidade gloacuteria poder (vv42b-4a) a forma literaacuteria diacutestica paralela
construiacuteda por Paulo ressalta seu pensamento jaacute dito sobre a morte e
ressurreiccedilatildeo do corpo
Em forma de antiacutetese ele discorre sobre as qualidades e defeitos dos
corpos terrestres τςσικόν (natural) e ressuscitados πνεςmicroαηικόν (espiritual) cuja
acentuaccedilatildeo estaacute nos verbos ζπείπεηαι (semeado) e ἐγείπεηαι (ressuscitado) E
concluiacute seu discurso nos versos (44b-9) descrevendo uma comparaccedilatildeo de
criaccedilatildeo o ―primeiro homem Adatildeo com o ―uacuteltimo Adatildeo Cristo introduzindo nele
o aspecto escatoloacutegico
Assim entendemos que a periacutecope (vv35-49) agrega diferentes formas
literaacuterias Todavia esta composiccedilatildeo de formas variadas eacute compreensiacutevel uma vez
que Paulo escrevia as cartas com o auxiacutelio e talvez ateacute com opiniotildees de seus
cooperadores que conheciam bem a comunidade Esta variedade literaacuteria
enriquece e potencializa o tema tratado por Paulo neste caso a ressurreiccedilatildeo do
corpo na poacutes-morte Vejamos agora como Paulo estrutura este discurso
apocaliacuteptico e escatoloacutegico da ressurreiccedilatildeo
71
JOSEPH p591 (traduccedilatildeo nossa) Grifo do autor
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3 ESTRUTURACcedilAtildeO DE 1CORIacuteNTIOS 1535-49
Este discurso tem sido estruturado de diversas formas pelos exegetas
Mas ao atentar para o texto podemos detectar uma estrutura mnemocircnica da
narrativa isto eacute uma forma repetitiva de expor algo As repeticcedilotildees por sua vez
consistem em desenvolver e explanar a teologia paulina acerca da ressurreiccedilatildeo
corpoacuterea agrave comunidade de Corinto Portanto a opccedilatildeo deste ensaio exegeacutetico eacute de
estruturar o texto a partir dele mesmo observando a relaccedilatildeo interna entre frases e
segmentos Sendo assim vejamos como eacute descrita esta estrutura textual
A 1ordm Segmento (35-8)
a Apresenta questotildees sobre o ―como (v35a) e a mecacircnica ―espeacutecie de
(v35b)
b Oponecircncia aos ceacuteticos e afirmaccedilatildeo sobre o semearmorrer (v36)
c Explicaccedilatildeo acerca do processo de semeadura (v37)
d A concessatildeo divina dos tipos de corpos (v38)
B 2ordm Segmento (39-44)
a Menccedilatildeo da tipologia das carnes (v39)
b Comparaccedilatildeo entre os corpos terrestrescelestes (v40)
c Diferenciaccedilatildeo da gloacuteria entre os luminares (v41)
d Conclusatildeo da analogia e da tipologia de corpos (v42a)
e Semeado em corruptibilidade
Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
f Semeado em desonra
Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
g Semeado em fraqueza
Ressuscitado em poder (v43b)
h Semeado corpo natural
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Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
i Pois existe o corpo natural
E o corpo espiritual (v44b)
C 3ordm Segmento (45-9)
a Argumentaccedilatildeo teoloacutegica com base nas Escrituras (v45a)
b O primeiro homem Adatildeo tornou-se alma vivente (v45b)
c O uacuteltimo Adatildeo eacute o espiacuterito vivificante (v45c)
d A ordem existencial dos corpos (v46)
e O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a)
f O segundo homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
g Tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a)
h Tal como celestial satildeo os celestes (v48b)
i Conclusatildeo Assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a)
j Traremos tambeacutem a imagem do celeste (v49b)
O primeiro segmento dos versos (35-8) foi estruturado com uma subdivisatildeo
a fim de analisarmos com mais nitidez a articulaccedilatildeo paulina neste discurso Desta
forma temos
A primeira divisatildeo nos apresenta dados gerais da carta (v35) Nesta
narrativa observamos que ela estaacute direcionada a comunidade ou mais
precisamente aos ceacuteticos de Corinto Seu conteuacutedo discorre sobre os dois tipos
de corpos (celestesterrestres) cuja conclusatildeo (v49) responde as duas questotildees
cruciais apresentadas no iniacutecio da narrativa Assim eacute pertinente afirmar que
introduccedilatildeo e conclusatildeo estatildeo relacionadas no texto
A segunda divisatildeo se inicia com a construccedilatildeo discursiva do pensamento
paulino sobre estas questotildees (vv36-8) De forma linear Paulo comeccedila afirmando
a necessidade de semearmorrer (v36) segue explicando o processo de
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semeadura (v37) e termina este segmento argumentando que a origem dos tipos
de corpos eacute de concessatildeo divina (v38)
O segundo segmento dos versos (39-44) traz uma estrutura longa e de
dupla composiccedilatildeo
Na primeira composiccedilatildeo Paulo continua na forma linear Ele expotildee a
tipologia das carnescorpos existentes (v39) e segue o discurso numa linha
comparativa entre os dois tipos de corpos terrestrescelestes (v40) Abrange seu
pensamento ao falar e exemplificar sobre as diferenccedilas de gloacuteria entre os
luminares (v41) e termina esta composiccedilatildeo tipoloacutegica retomando a questatildeo da
analogia de corpos (v42 a) Nesta estrutura de versos podemos visualizar a
forma loacutegica e clara paulina de difundir sua teologia a comunidade sobre os dois
tipos de corpos
Na segunda composiccedilatildeo Paulo apresenta um jogo mnemocircnico ou seja
ele enfatiza as repeticcedilotildees a fim de autenticar a dinacircmica da morte e da
ressurreiccedilatildeo Alternando-as na narrativa atraveacutes dos verbos semeado ζπείπεηαι
e resuscitado ἐγείπεηαι (vv42b-44a) Nesta dinacircmica estes dois verbos satildeo
seguidos de substantivos que paralelamente destacam as oposiccedilotildees tambeacutem de
forma alternada Vejamos agora esta estrutura de outra forma para que possamos
visualizar com mais clareza os paralelos entre os verbos e seus respectivos
substantivos
Semeado em corruptibilidade Ressuscitado em incorruptibilidade (v42b)
Semeado em desonra Ressuscitado em gloacuteria (v43a)
Semeado em fraqueza Ressuscitado em poder (v43b)
Semeado corpo natural Ressuscitado corpo espiritual (v44a)
Pois existe o corpo natural e o corpo espiritual (v44b)
O terceiro segmento dos versos (45-9) continua nesta estrutura mnemocircnica
paralela Entretanto o destaque desta dinacircmica narrativa abrange duas vertentes
teoloacutegicas que tem como base as Escrituras (v45a)
A primeira vertente estaacute ligada agrave ordem existencial do corpo da
ressurreiccedilatildeo caracterizado em sua narrativa pela palavra grega ππῶηορ primeiro
e ἔζσαηορ uacuteltimo Esta classificaccedilatildeo ordinaacuteria elaborada por Paulo expressa
paralelamente a relaccedilatildeo entre o primeiro homem Adatildeo alma vivente (45b) e o
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uacuteltimo Adatildeo espiacuterito vivificante (v45c) Ele continua este discurso explanando
esta questatildeo ordinaacuteria da existecircncia dos corpos (v46) destacando agora sua
origem O primeiro homem eacute proveniente da terra terreno (v47a) e o segundo
homem eacute proveniente do ceacuteu celestial (v47b)
Jaacute a segunda vertente estaacute ligada a tipologia dos dois corpos
caracterizados pelas palavras gregas σοφκόρ terrestre e ἐποςπάνιορ celeste No
intuito de culminar seu discurso a comunidade Paulo entatildeo faz uso das
expressotildees comparativas tal como terrestre satildeo os terrenos (v48a) e tal como
celestial satildeo os celestes (v48b) para autenticar essa diferenccedila Desta forma
utilizando estas expressotildees comparativas ele concluiacute seu raciociacutenio teoloacutegico
dizendo assim como trouxemos a imagem do terrestre (v49a) traremos tambeacutem
a imagem do celeste (v49b)
Portanto podemos dizer que tanto a introduccedilatildeo como a conclusatildeo se
repetem no termo desta carta cuja literatura estiliacutestica apresenta formas diacutesticas
paralelas repeticcedilotildees oposiccedilotildees discussotildees antiacuteteses e escatologia formando
assim a moldura do nosso texto
4 GEcircNERO LITERAacuteRIO
As cartas do Novo Testamento de modo especial as paulinas
destinavam-se agrave leitura em voz alta com o alvo de convencer
―Consequentemente tal como discursos elas podem ser consideradas retoacutericas
no que diz respeito agrave autoridade do escritor agrave qualidade do escrito e ao efeito
desejado sobre o puacuteblico72 Ao escrever para os coriacutentios Paulo assevera que se
sua carta natildeo for recebida iraacute e falaraacute pessoalmente com a comunidade
(2Cor131-5) De acordo com Brown
Argumentaccedilatildeo demonstrativa ou epidiacutetica como os discursos feitos em celebraccedilotildees puacuteblicas destinam-se a agradar ou inspirar as pessoas reafirmando crenccedilas e valores comuns e angariando o apoio para as empreitadas do momento Paulo muitas vezes escreve para encorajar seus convertidos louvando-lhes a feacute e a observacircncia A guisa de aplicaccedilatildeo C B Puskas Jr (The Letters of Paul an introduction [As Cartas de Paulo uma introduccedilatildeo] Collegeville Liturical 1993 pp 37-38 59-61 76-77) classifica Gaacutelatas 1Coriacutentios e Romanos como retoacutericas
72
BROWN p552
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judicial deliberativa demonstrativa respectivamente e oferece paralelos greco-romanos para cada um
73
Contudo aconselha-se prudecircncia nas tentativas de detectar modelos
retoacutericos sofisticados Neste sentido uma hipoacutetese pode ser considerada a de
que as diferentes formas de argumentaccedilatildeo podem ter sido simplesmente
respostas inconscientes ao que devia ser feito
―argumentativa ou exortativa (semelhante agrave retoacuterica forense e deliberativa) algumas passagens dos escritos de Paulo podem ser influenciados pela rib ou riv (um ato lituacutergico contratual no qual Deus leva seu povo ao tribunal Is 313-5 Mq 61ss) e natildeo (apenas) pela retoacuterica greco-romana O reconhecimento de exageraccedilotildees emotivas de arroubos de eloquecircncia de argumentaccedilatildeo bem ordenada etc eacute significativo para determinaccedilatildeo daquilo que realmente eacute dito Tal reconhecimento poreacutem pode ser obtido sem o conhecimento das regras formais da retoacuterica antiga Assim nem sempre fica claro ateacute que ponto as discussotildees a respeito da classificaccedilatildeo retoacuterica exata satildeo importantes para a interpretaccedilatildeo
74
Na narrativa (vv35-49) Paulo utiliza duas perguntas retoacutericas para discorrer
o assunto Esta forma literaacuteria eacute frequentemente usada por ele em suas cartas por
levantar pontosquestotildees a serem explanadas e argumentadas Podendo ateacute
expressar ―suas exasperaccedilotildees com a situaccedilatildeo a qual ele se refere como em
1Coriacutentios (15 29 30 32 3575)
41 - ARTICULACcedilAtildeO PAULINA EM 1CORIacuteNTIOS 15
Observando a carta de 1Coriacutentios podemos dizer que o capiacutetulo 15 natildeo
consiste num tratamento isolado do assunto e natildeo eacute simplesmente o uacuteltimo
toacutepico de uma longa lista Pelo contraacuterio as referecircncias regulares agrave ressurreiccedilatildeo e
ideias cognatas ao longo da carta sugerem com veemecircncia que ―Paulo
considerava esse toacutepico uma das chaves para tudo o mais que queria dizer e
deliberadamente guardou o assunto para o final natildeo porque fosse o fim nesse
sentido mas porque a ressurreiccedilatildeo era o tema unificador desta carta particular76
Entretanto para que seu trabalho de discussatildeo seja eficaz ―Paulo elabora
em 1Coriacutentios 15 uma profunda reflexatildeo centrada na indissoluacutevel conexatildeo entre a
73
BROWN R E Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 p552-3 74
IDEM p553 75
JOSEPH p66 (traduccedilatildeo nossa) 76
IDEM p398
135
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ressurreiccedilatildeo passada de Cristo dado elementar da feacute cristatilde e a ressurreiccedilatildeo dos
que estatildeo em Cristo77 Nesta interpretaccedilatildeo Paulo discorre sobre o Cristo que
ressuscitou dos mortos tornando-se a primiacutecia dos que morreram
Com efeito visto que a morte vem por meio de um homem eacute tambeacutem por
meio de um homem que vem a ressurreiccedilatildeo dos mortos Ou seja como todos
morrem em Adatildeo em Cristo todos receberatildeo a vida mas cada um em sua ordem
Primeiro o Cristo depois aqueles que pertencem de Cristo
Em seguida Paulo diz que viraacute o fim Quando ele entregar a realeza a
Deus Pai depois de ter destruiacutedo toda dominaccedilatildeo toda autoridade e todo poder
1Coriacutentios (1520-478) Ele declara nos versos (23b-28) que a vida de todos os
crentes caminham em direccedilatildeo agrave consumaccedilatildeo da morte e da vida na poacutes-morte79
Contudo em seu discurso apocaliacuteptico ele compartilha com Corinto o que chama
de um ―misteacuterio microςζηήπιον mysterion (v51) ressaltando que embora o fim seja
iminente nem todos morreratildeo antes da parousia de Cristo
No intuito de avanccedilar seus interesses frente agrave comunidade Paulo entatildeo se
transforma num dispositivo retoacuterico cujo levantamento de questotildees incluiu toda
Corinto Ele utiliza-se de consultas a seu interlocutor para refletir sobre dois
pontos importantes de sua teologia A continuidade entre a vida presente e a
futura em Cristo e a mudanccedila que teraacute lugar entre o presente e o futuro pois
estas duas questotildees estatildeo interligadas E a forma como ele o faz eacute muito peculiar
De posse dos questionamentos que permeavam a comunidade sobre a
ressurreiccedilatildeo dos mortos e a fim de evitar conflitos diretos com os mesmos Paulo
em sua narrativa (vv35-49) personifica o inquisidor Essa personificaccedilatildeo permite
a comunidade uma identificaccedilatildeo com as perguntas levantadas ao mesmo tempo
em que daacute a ela alguma liberdade para ser abrasiva com o inquisidor fictiacutecio sem
necessariamente vecirc-lo como tal que dirigi um ataque contra eles
Em outras palavras a comunidade pode identificar-se livremente com as
perguntas e Paulo ao atacar o interlocutor atraveacutes dos questionamentos
manteacutem-se distante do calor do ataque Uma estrateacutegia que aparentemente deu
certo
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A primeira pergunta da pessoa fictiacutecia ―Como ressuscitam os mortos
(v35a) pode ser de interesse para Corinto mas nunca eacute respondida por si soacute
Isso porque uma vez que Paulo conjurou essa pessoa fictiacutecia em seu discurso ele
eacute livre para administraacute-lo como quiser Ou seja pode dizer o que quiser ou
simplesmente ignorar o que ele diz ―O que importa para Paulo eacute a atenccedilatildeo dos
ouvintes que mediante este procedimento discursivo eacute garantido80 A segunda
pergunta ―com que espeacutecie de corpo vem (v35b) faz referecircncia ao corpo
tornando-se assim a partir de agora o foco das reflexotildees de Paulo neste capiacutetulo
15 de 1Coriacutentios
Seguindo a narrativa (v36) o Apoacutestolo repreende a pergunta chamando a
pessoa fictiacutecia de ―insensato Inicialmente natildeo fica claro para o leitorreceptor
desta carta se a pessoa fictiacutecia eacute caracterizada insensata pela primeira ou
segunda pergunta Contudo essa ambiguidade eacute esclarecida quando Paulo
abandona a primeira pergunta e centra-se na elaboraccedilatildeo de seu argumento na
segunda pergunta as diferenccedilas de corpos Sem duacutevidas este passa a ser um
ponto importante no discurso da ressurreiccedilatildeo paulina a ser elaborada
A fim de discorrer seu discurso com clareza Paulo se utiliza das analogias
mais baacutesicas e dos fenocircmenos observaacuteveis disponiacuteveis para a experiecircncia de
cada ser humano Por isso ele elabora um raciociacutenio que envolve de forma geral
a natureza cuja classificaccedilatildeo seraacute abordada em dois pontos principais
O primeiro ponto eacute o entendimento de que o que se planta eacute e natildeo eacute o que
cresce Exemplificando esta afirmaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que se plantarmos uma
semente de nabo podemos natildeo ter um rabanete Embora o que se colhe eacute
realmente muito diferente da semente plantada o pensamento ainda eacute o rabanete
Em outras palavras Paulo estaacute dizendo que o corpo natural hoje seraacute o corpo
espiritual da ressurreiccedilatildeo poreacutem diferente pois transformaccedilatildeo que ocorreraacute nele
o faraacute totalmente outro
Nesta linha condutora de raciociacutenio Paulo afirma que assim eacute com a
ressurreiccedilatildeo dos mortos (v42) reprisando a imagem de semeadura relatada nos
(vv36-7) Desta forma o Apoacutestolo ressalta as distinccedilotildees entre o que se semeia e
o que eacute colhido ou seja natildeo nega o que haacute (sementecorpo) mas ao mesmo
tempo sua retoacuterica demonstra uma continuidade fundamental e metamorfoseada
na ressurreiccedilatildeo
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Ainda utilizando a natureza para confirmar sua teologia discursiva em
Corinto Paulo agora lanccedila matildeo de outros elementos naturais Ele agora engloba
os astros em sua argumentaccedilatildeo afirmando que o mesmo acontece com a gloacuteria
da lua do sol e das estrelas Poreacutem destaca que ateacute entre elas existe diferenccedila
de gloacuteria Ou seja ele demonstra mais uma vez atraveacutes das analogias a
distinccedilatildeo existente na diversidade dos astros para simbolizar a distinccedilatildeo existente
na diversidade dos corpos
O segundo ponto eacute a afirmaccedilatildeo de que ―junto a esta clareza e
confiabilidade tambeacutem haacute misteacuterio e mudanccedila81 Partindo do pressuposto de que
se haacute corpo natural tambeacutem haacute corpo espiritual o Apoacutestolo aplica exemplos que
lhe permitem falar juntamente destes trecircs elementos continuidade diversidade e
transformaccedilatildeo
Por isso descreve os diferentes tipos de corpos e de carnes delegando
esses tipos a pessoas animais domeacutesticos e aves Desta forma ele culmina seu
discurso agrave comunidade autenticando estes elementos quanto aos corpos
terrestres e celestes contudo a transformaccedilatildeo eacute realccedilada por ele em seu
discurso
Para Paulo a continuidade entre o agora e ainda natildeo expressa a dinacircmica
do corpo ou seja os corpos que estatildeo plantados na terra satildeo os mesmos que
seratildeo levantados no ceacuteu Assim ele os leva agrave imagem do homem da terra e
certamente a imagem do homem do ceacuteu em seu discurso Um dado interessante
nesta perspectiva paulina eacute que tanto a ―continuidade como a descontinuidade
satildeo normalmente utilizadas por Paulo em outros lugares como categorias
frequentes de tempo agora e ainda natildeo82 Mas no capiacutetulo de 1Coriacutentios 15 o
uso eacute pela ordem primeiro e uacuteltimo e semeado e ressuscitado ou seja ambas
accedilotildees representam a vida presente de crer e sua vida futura de ser
A fim de concluir este discurso Paulo esclarece que a carne e o sangue
isto eacute os seres humanos que vivem neste mundo natildeo poderatildeo ter acesso ao
reino de Cristo sem esta radical transformaccedilatildeo (vv51-7) Ele destaca esta
importante reivindicaccedilatildeo mas todos seremos transformados no verso (51) e
enfaticamente a reafirma no verso (52) Assim todos os crentes devem ser
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transformados pois natildeo haacute nenhum ser que possa adentrar a vida pronunciada
por Paulo na poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo sem esta metamorfose corpoacuterea
Paulo finda este capiacutetulo com uma oraccedilatildeo de graccedilas a Deus que nos daacute a
vitoacuteria sobre a morte E o relato em seu discurso do toque da trombeta (v52) por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo nos remete a um eco da citaccedilatildeo do capiacutetulo
25 de Isaiacuteas (v8) e de 1Coriacutentios 15(v54) O particiacutepio presente τῷ διδόντι (a
didonti) ―aponta para a accedilatildeo atual e contiacutenua de Deus em trazer e dar aos crentes
a vitoacuteria83
A afirmaccedilatildeo de Paulo eacute de que o processo que estaacute em curso com a morte
de Cristo culminaraacute com a redenccedilatildeo de toda a criaccedilatildeo os crentes Entretanto
como parte desta nova criaccedilatildeo os crentes jaacute desfrutam dos benefiacutecios da
atividade redentora e criadora de Deus
Portanto neste capiacutetulo 15 de 1Coriacutentios Paulo articula o tema da
ressurreiccedilatildeo corpoacuterea de forma analoacutegica e metafoacuterica com intuito de enredar a
comunidade em seu raciociacutenio loacutegico atraveacutes de elementos da natureza Para
conduzir com clareza o entendimento comunitaacuterio sobre sua afirmaccedilatildeo teoloacutegica e
escatoloacutegica de que ―na ressurreiccedilatildeo dos mortos o corpo que temos hoje seraacute
transformado num totalmente outro
CONDISERACcedilOtildeES FINAIS
Em suma podemos dizer que em nosso texto (vv35-49) Paulo descreve a
ressurreiccedilatildeo dos mortos em dois estaacutegios ―(primeiro o Messias depois seu povo
quando ele voltar) Quanto ao modo da descontinuidade (concentrado na
distinccedilatildeo entre corrupccedilatildeo e incorrupccedilatildeo e nos dois tipos de humanidade com o
Espiacuterito como o agente da humanidade)84
Neste sentido podemos entender que sua teologia nos convida a enveredar
por uma nova e desafiadora perspectiva acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea Pois
nela Paulo demonstra sua crenccedila de que o corpo de Jesus foi transformado num
ato de nova criaccedilatildeo mediante o qual ele natildeo eacute mais corruptiacutevel Onde mediante
Cristo seus adeptos consequentemente teratildeo tambeacutem um corpo incorruptiacutevel na
poacutes-morte
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Assim este artigo procurou averiguar e demonstrar atraveacutes deste ensaio
exegeacutetico o pensamento paulino acerca da ressurreiccedilatildeo corpoacuterea em 1Corintios
15 Onde atraveacutes de uma narrativa analoacutegica Paulo discorreu sobre as tipologias
das carnes para explicar os dois tipos de corpos natural e espiritual Estendendo
esta tipologia para a poacutes-morte da ressurreiccedilatildeo
Vale ressaltar que essa temaacutetica apocaliacuteptica e escatoloacutegica paulina para
muitos traduz um verdadeiro labirinto cujas informaccedilotildees lhes parecem
fragmentadas Gerando assim certo grau de dificuldade e levado muitos a
pesquisarem outras perspectivas deste complexo assunto Daiacute as diversas
pesquisas que embora nos pareccedilam saturadas ainda proporcionam um vasto
campo a ser desbravado pela ciecircncia
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ALAND Nestle Novum Testamentum Graece 27ordf ediccedilatildeo Stuttgart Deutsche Bibelgesellschaft 2001 BERGER Klaus As Formas Literaacuterias do Novo Testamento Traduccedilatildeo Fredericus Antonius Stein Satildeo Paulo Loyola 1998 BROWN Raymond A Introduccedilatildeo ao Novo Testamento Satildeo Paulo Paulinas 2004 COLZEMANN Hans 1Corinthians Printed in the United States of American Fortress Press 1975 DETTWILER A KAESTLI J D MARGUERAT D (org) Paulo uma teologia em construccedilatildeo Satildeo Paulo Loyola 2011 p89 Grifo do autor FITZMYER J A First Corinthians A new translation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 Introduction Commentary amp Reflection For each Book of the Bible Including The Apocryphal Deuterocanonical Books Twelve Volumes Abingdon press Nashville p988 (traduccedilatildeo nossa) JOSEPH A F First Corinthians A new tranlation with introduction and commentary Vl 32 Yale University Press New Haven and London 2008 p 591 (traduccedilatildeo nossa) KONINGS J J As Cartas de Paulo (I) Satildeo Paulo Loyola 1989 VOUGA F MARGUERRAT D (org) Introduccedilatildeo ao Novo Testamento histoacuteria escritura e teologia Satildeo Paulo Loyola 2009 WRIGHT N T A Ressurreiccedilatildeo do Filho de Deus Satildeo Paulo Academia Cristatilde amp Paulus 2013
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ZABATIERO Juacutelio Manual de Exegese Satildeo Paulo Hagnos 2007
Autora ndash Me Acircngela Maria Pereira Aleixo
Licenciando em Pedagogia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) Mestre em Ciecircncias da Religiatildeo pela Universidade Metodista de Satildeo Paulo (UMESP) Licenciada em Filosofia pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES) Bacharel em Teologia pelo Centro Universitaacuterio de Maringaacute (Unicesumar) e Curso Livre em Teologia pelo Seminaacuterio Teoloacutegico Batista de Presidente Prudente (STBPP)
E-mailAngelaaleixo72yahoocom
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