exploração sexual de crianças e adolescentes: bioética, responsabilidade e assistência profª...

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Exploração Sexual de Crianças e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes: Bioética, Adolescentes: Bioética,

responsabilidade e assistênciaresponsabilidade e assistência

Profª Dra. Marlene BrazPresidente da Sociedade Brasileira de

BioéticaPresidente da Sociedade de Bioética do

Estado do Rio de Janeiro

11/04/23MARLENE BRAZ 1

“Fala-se em crise dos valores e na necessidade de um retorno à ética,como se esta fosse uma coisa que se ganha, se guarda, se perde e se acha e não a ação intersubjetiva consciente e livre que se faz à medida que agimos e que existe somente por nossas ações e nelas”.

Marilena Chauí

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ta ethé (grego) e mores (latim) - sinônimos: costumes e condutas de uma determinada sociedade.

ethos (singular): caráter ou temperamento individual que deve ser educado para os valores da sociedade.

ta éthiké - parte da filosofia que se dedica a analisar os valores propostos pela sociedade no intuito de compreender as condutas humanas individuais e coletivas, indagando sobre seu sentido, sua origem, seus fundamentos e finalidades.

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Êthos (ήθος) – domicílio ou abrigo de animais e também o caráter de uma pessoa.Ethos (έθος) – costumes e usos vigentes em uma sociedade, como também, de forma secundária, as condutas individuais.

Leandro Konder

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1 – Subjetiva – foco é a conduta individual. Para os gregos a regra da vida proposta foi a virtude (aretê)

2 – Objetiva - foco é a maneira coletiva de vida. A proposta é a Lei (nomos).

A virtude moral sendo o produto dos usos e costumes, não existe nos homens naturalmente, pois nada que é natural se adquire pelos costumes.

Aristóteles.

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É pela prática das ações justas que nos tornamos justos.

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Norteada pelas idéias de bom e mau, justo e injusto, correto e incorreto (valores) que podem variar de sociedade ou na mesma sociedade.

Uma conduta só será ética se for consciente, livre e responsável (autônoma) e só será virtuosa se for realizada em conformidade com o bom e o justo, isto é, se resultar de uma decisão interior ao próprio agente e não vier da obediência a qualquer outrem (heteronomia).

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Do latim vis – forçaUtilização de força para: ir contra a natureza de algum ser vivo; para constranger e/ou coagir a vontade e a autonomia de outrem; violar alguém ou algum valor importante para uma sociedade; transgredir coisas e ações que o outro ou uma sociedade define como justas e como um direito.

“Ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão, pela intimidação, pelo medo e pelo terror” (Chauí).

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A violência é o contrário da ética, na medida em que fere o outro e o trata como coisa, não o respeitando como sujeito racional, autônomo e portanto, livre e responsável pelo seus atos.

A questão ética desde sempre está relacionada com o problema da violência e a maneira de evitá-la, controlá-la ou combatê-la.

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A abordagem da violência pela bioética é importante porque aquela diminui a qualidade de vida, adoece, provoca disabilidades e mortes. (Dias AJA. 2003)

“A violência é uma forma de relação entre os humanos com intenção de causar dano (maleficência), sem levar em conta a autonomia do outro, então é um campo que comporta a bioética” . (Rivas F.,2000)

A violência tem pontos em comum com a iniqüidade, que é a falta de justiça e assim do mesmo modo a bioética tem o que refletir. A violência também fere o imperativo categórico do ser humano ser um fim em si mesmo e não mero meio.

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“Apesar do avanço da democracia, presenciamos um momento de total descontrole da violência. Muitos profissionais, como os médicos, lidam com esse problema o tempo todo e se deparam com novas questões éticas que surgem a partir desse contexto” Adorno S. Universidade discute bioética e violência. In: Ferreira T (jornalista). Jornal da Paulista, Ano 14 - N° 157.

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“[A] violência, pelo número de vítimas e a magnitude de seqüelas orgânicas e emocionais que produz, adquiriu um caráter endêmico e se converteu num problema de saúde pública em vários países" (...) "O setor saúde constitui a encruzilhada para onde confluem todos os corolários da violência, pela pressão que exercem suas vítimas sobre os serviços de urgência, de atenção especializada, de reabilitação física, psicológica e de assistência social" (Opas, l993).

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“Inserida num contexto histórico-social e com profundas raízes culturais, a violência sexual, uma das facetas do fenômeno violência, atinge todas as faixas etárias, classes sociais e pessoas de ambos os sexos. Conforme se observa na literatura mundial, ela ocorre universalmente, estimando-se que produza cerca de 12 milhões de vítimas mulheres anualmente, atingindo desde recém-natos até idosos” (Márcia Aparecida Ribeiro; Maria das Graças Carvalho Ferriani; Jair Naves dos Reis)

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A violência sexual contra crianças e adolescentes tem se manifestado pela exploração sexual comercial (prostituição tradicional, tráfico para fins sexuais, turismo sexual e da pornografia convencional e via internet) e pelo abuso sexual.

Em todo o mundo, inclusive nas Américas, pesquisas têm demonstrado que são as mulheres, crianças e adolescentes, os mais envolvidos, , embora informações atuais indiquem a presença também de crianças do sexo masculino.

Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf) - Centro de Referência, Estudos e Ações Sobre Crianças e Adolescentes (Cecria) - Maria Lúcia Leal e Maria de Fátima Leal – organizadoras (2002).

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Pertencentes às classes populares, baixa escolaridade, moram na periferia, há carência de saneamento e outros bens sociais comunitários, moram com algum familiar, têm filhos e trabalham em atividade que exigem pouca escolaridade.

Predominância de mulheres negras, entre 15 e 27 anos.

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Outros estudos apontam ainda que, geralmente essas mulheres, crianças e adolescentes já sofreram algum tipo de violência intrafamiliar (abuso sexual, estupro, sedução, negligência, abandono, maus tratos, violência física e psicológica) e extrafamiliar (na rua, nas escolas, nos abrigos e etc).

O agressor geralmente é do sexo masculino, embora existam casos envolvendo mulheres, homossexuais e adolescentes.

Tendência de tornar o agressor também vítima.

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Pesquisa de Tatiana Savoia Landini, 2006:

Crianças sendo arregimentadas para a prostituição cada vez mais cedo; as vítimas já haviam vivido nas ruas; os cafetões e donos de boates não apenas forçavam as meninas a se prostituírem como as transformavam em escravas; os policiais, agentes da lei, muitas vezes torturavam as meninas; a família, desestruturada e desinformada, era responsabilizada pelo destino das filhas. (Folha de São Paulo, 1991).

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1º - Crescimento no número de textos sobre o tema no jornal O Estado de São Paulo

1908 – 12 reportagens 1991 – 48 reportagens2º - Aumento em alguns tipos de violência: pornografia

infantil e a pedofilia e um maior aprofundamento da prostituição infantil. - No início e no meio do século, a imprensa limitava-se a denunciar alguns casos de lenocínio ou prostituição. - No final do séc. XX: exploração sexual comercial: leilões de virgindade, cárcere privado em bordéis, turismo internacional, turismo nacional, etc. (Landini, 2006)

11/04/23)MARLENE BRAZ 18

3º Maior profundidade na análise dos casos e mais espaço.

O jornalista ia além de "dar a notícia“. Análise e entrevista com especialistas que para a leitura e entendimento das causas.

Continuidade no acompanhamento de vários casos, o que raramente acontecia no início do século. Alguns casos são transformados em escândalos e sobre eles são publicadas notícias praticamente diárias.

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4º - Forma de noticiar a violência através da própria linguagem utilizada.

Nos primeiros três quartos do século: "homem de maus instintos", "crime perverso", "ato repugnante” . Expressões mais ligadas à moralidade, ao que era socialmente aceitável ou inaceitável.

A partir de 1980, o noticiário sobre violência sexual passou a ser dito em linguagem científica e através de dados quantitativos.

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5º - Freqüência com que a violência sexual ocorre. Início do século as reportagens eram sobre casos

específicos e esporádicos Hoje - introdução de textos gerais transmitindo a

mensagem de que os crimes sexuais são eventos comuns, cotidianos, e que havia uma sub-notificação de sua ocorrência.

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Século XVI - O "sexo" era tratado com naturalidade em livros para crianças (Erasmo de Rotterdam) e abordavam as prostitutas e prostíbulos. (Norbert Elias).

No século XX, o "sexo" passou a ser um assunto que não podia ser falado na presença de crianças e adolescentes, quanto mais em livros destinados a eles.

Tema a ser evitado. A publicidade que se deu em torno da violência sexual é um fator complementar. Se falar de sexo perto de crianças "macula a alma”, o abuso sexual seria, então, muito mais grave.

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Leis de Proteção à infância e adolescência com o reconhecimento de que estes grupos devem ser protegidos de todas as formas de abuso e exploração.

Na prática, os grupos sociais que lutam pela defesa destes direitos ganharam força e visibilidade, mostrando de forma crescente que a violência sexual existe e deve ser denunciada e combatida.

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No modo de entender a violência sexual cometida contra menores de idade. Antes a ênfase colocada na questão de gênero, passou a ser posta na idade.

“Mudança de enfoque de gênero para geração. Nesse sentido, o que antes constituía uma única categoria – a violência sexual, seja contra crianças seja contra adultos – passou a constituir dois grupos analíticos – a violência sexual contra adultos e a violência sexual contra crianças”.(Landini, 2006).

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“No final do século, os textos sobre prostituição adquirem um outro tom, um outro enfoque: as meninas e meninos passaram a ser vistos como vítimas da pobreza e do abandono, não mais da desonra sexual. Nesse período, o jornal deixa de publicar reportagens sobre os "crimes contra a honra",. em seu lugar aparecem os textos sobre pedofilia e pornografia infantil, dois tipos de crime que só existem se a vítima for menor de idade.” (Ibidem)

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“Se nas primeiras décadas do século as reportagens referiam-se, praticamente, apenas a meninas, no final do período, muitos textos enfatizam que os meninos também são vítimas tanto de estupro (legalmente chamado de abuso sexual) quanto de violência intra-familiar.” (Ibidem)

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Deve-se deter sobre os mecanismos capazes de conduzir um ser humano a cometer atrocidades ou consentir nelas?

A única saída seria a de tornar conscientes para o indivíduo(s) o(s) determinante(s) inconsciente(s) de seus atos?

Isto porque apelar para o compromisso com o outro, tentar despertar em cada indivíduo por exortação advinda de fora, não sensibilizaria de forma significativa a pessoa humana.

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As raízes do Mal não devem ser explicadas porque seriam “compreendidas” e onde há compreensão pode haver justificativa, isto é, o entendimento das “razões”, o que seria totalmente imperdoável.

Claude Lazmann disse que “após seu filme nada mais deveria ser feito sobre o assunto. (...) procurar respostas sobre por que Hitler matou judeus seria, invariavelmente, uma busca de justificativas para o genocídio”. Lazmann C. Shoah. In: Indo mais fundo no pesadelo. Jornal do Brasil, 25/07/1998:6.

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A idéia hoje que deve prevalecer, a partir do setor saúde, “é que, na sua maioria, os eventos violentos e os traumatismos não são acidentais, não são fatalidades, não são falta de sorte: eles podem ser enfrentados, prevenidos e evitados” (Minayo, 1994).

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Compreender o mal não é justificá-lo?

O abusador também é vítima?

E A RESPONSABILIDADE?

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Todorov, denomina de “vitimização social”, algo característico das sociedades americanas e que vem influenciando outros países. Ninguém se julga culpado ou responsável por nada. Tudo é atribuído aos outros. Em suas palavras:

“Se não sou feliz hoje, a culpa é dos meus pais no passado, de minha sociedade no presente: eles não fizeram o necessário para o meu desenvolvimento. A única hesitação que posso ter é saber se para obter a reparação me volto para um advogado ou para um psicoterapeuta: mas, nos dois casos, sou uma pura vítima e minha responsabilidade não é levada em conta”.

TODOROV, T. O Homem Desenraizado. 1999.

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