excelentÍssimo senhor juiz de direito da vara da … · o de, em síntese, condenar as empresas...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA
FAZENDA PÚBLICA DO FORO REGIONAL DE SÃO JOSÉ DOS
PINHAIS – COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE
CURITIBA -PR
“Quando se diz que a água é essencial à vida, é porque sem ela não existe respiração, reprodução, fotossíntese, quimiossíntese, habitats e nichos ecológicos para a maioria das espécies existentes. A sua ausência ou contaminação, implica em forma de poluição cujas conseqüências não são outras senão degradar diretamente a própria vida.”1
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ, presentado pelo Promotor de Justiça signatário2, no exercício de
suas atribuições legais, com arrimo nos autos de Inquérito Civil nº MPPR-
0135.15.000186-9, vem, à presença de Vossa Excelência, com fulcro nos
artigos 127, 129 e 225 da Constituição Federal, Lei n.º 7.347/85, Lei n.º
6.938/81, propor a AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de antecipação
liminar dos efeitos das tutelas jurisdicionais pretendidas, em face de
J. MALUCELLI FLORESTAL LTDA., pessoa
jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ nº 77.639.888/0001-31, com
sede na rua Visconde de Nacar, nº 1441, Centro, Curitiba /PR;
LM ITAQUI SPE ADMINISTRAÇÃO E
PARTICIPAÇÕES LTDA., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no
1 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Fiorillo; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável. Ed. Max Limonad. São Paulo, 1996. p. 272. 2 3º Promotor da 2ª Promotoria de Justiça do Foro Regional de São José dos Pinhais, com endereço na rua Paulino Siqueira Cortes, 2145 município de São José dos Pinhais;
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CNPJ nº 20.200.462/0001-60, com sede na rodovia BR-277, Km 05, nº 315,
(sentido Curitiba – Ponta Grossa), município de Curitiba/PR;
MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS,
pessoa jurídica de direito público interno, com sede na rua Passos de
Oliveira, nº 1.101, Centro, São José dos Pinhais/PR, na pessoa de seu
representante legal, o prefeito Sr. Luiz Carlos Setim;
INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ – IAP,
pessoa jurídica de direito público, com sede central na rua Engenheiros
Rebouças, nº 1206, Rebouças, CEP 80.215-100, Curitiba/PR, representado
por seu Diretor-Presidente, Sr. Luiz Tarcísio Mossato Pinto;
Pelas razões de fato e de direito que se passa a
aduzir:
I - DO OBJETO
1.1 DO OBJETO DA LIMINAR
Na presente Ação Civil Pública pleiteia o
Ministério Público provimento jurisdicional de caráter liminar e urgente
consistente, dentre outros, na determinação de abstenção de realização de
quaisquer atividades ou obras no imóvel em discussão, para evitar a
continuidade do flagrante descumprimento da legislação ambiental e
urbanística e a continuidade da intervenção, aterro, edificação e ocupação
ilegal, indevida e danosa em Área Úmida, Bacia Manancial de
Abastecimento Público e UTP (Unidade Territorial de Planejamento) do
Itaqui.
Deduz, ainda, pedido de antecipação dos efeitos da
tutela pretendida para que seja declarada, liminarmente, a suspensão da
validade dos licenciamentos ambientais irregularmente concedidos pelo réu
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Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em favor da empresa J. Malucelli
Florestal Ltda. e do Alvará de Construção emitido ilegalmente pelo
requerido Município de São José dos Pinhais em favor da empresa LM
Itaqui SPE Administração e Participações Ltda..
1.2. DO OBJETO PRINCIPAL DA AÇÃO CIVIL
PÚBLICA
O objeto principal da presente Ação Civil Pública é
o de, em síntese, condenar as empresas rés J. Malucelli Florestal Ltda. e LM
Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. na obrigação de fazer de
demolição das edificações já erigidas ilegalmente em Áreas Úmidas, em
Bacia Manancial de Abastecimento Público e em UTP Itaqui; e de recuperar
as áreas degradadas, especialmente as Áreas Úmidas; bem como, em
qualquer caso e em responsabilidade solidária e integral com os réus
Instituto Ambiental do Paraná e Município de São José dos Pinhais, à
obrigação de reparar integralmente os danos ambientais e socioambientais
causados, conforme pedidos constantes alhures.
Ainda, no mérito, objetiva-se obter a declaração de
nulidade, em relação ao empreendimento em questão, de todos os
procedimentos de licenciamento ambiental realizados pelo réu Instituto
Ambiental do Paraná, e do procedimento administrativo que originou o
alvará emitido pelo réu São José dos Pinhais, uma vez que flagrantemente
eivados de vícios.
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II – DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS GERAIS
As empresas J. Malucelli Florestal Ltda. e LM
Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. iniciaram a implantação de
um empreendimento de Complexo Logístico e Barracões para locação na
localidade de Guatupê, nas margens da rodovia BR-277/Contorno Leste,
município de São José dos Pinhais/PR, mais especificamente nos imóveis
correspondentes às matrículas nº 34.707, 34.708, 34.709 e 3.184 – 1º Ofício.
Ocorre que, nos exatos termos do que foi apurado
pelo Ministério Público no Inquérito Civil nº MPPR-0135.15.000186-9
(anexo), restou comprovado, em síntese:
a) que as empresas rés J. Malucelli Florestal Ltda. e
LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. promoveram a
movimentação de terra e aterro de Áreas Úmidas em um volume
expressivo de 247.254,87 m3 (aproximadamente 13.736 caminhões caçamba
de 18 m3), para a edificação de cerca de 33.000 m2 (trinta e três mil metros
quadrados) de um Complexo Logístico e Barracões para locação em imóvel
que também está inserido em área de Bacia Manancial de Abastecimento
Público e na UTP (Unidade Territorial de Planejamento) do Itaqui, o que
importa em frontal lesão ao que estabelecem a Resolução Conjunta
IBAMA/SEMA/IAP nº 05/2008; as Leis Estaduais nº 8.935/89 e 12.248/98,
que estabelecem restrições a implantação de empreendimentos em Bacia
Manancial de Abastecimento Público; o Decreto Estadual nº 1.454/99, que
instituiu a UTP do Itaqui; a Lei nº 6766/79, que trata das hipóteses proibidas
de parcelamento do solo urbano; as Leis Complementares Municipais nº
9/2014, 16/2005 e 67/2011; a Lei Municipal nº 29/2000 e a Lei Orgânica do
Município de São José dos Pinhais.
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b) em razão da clara afronta à legislação ambiental
apontada e de outras irregularidades a seguir explicitadas, há patente
nulidade da Licença Prévia nº 36642, da Licença de Instalação nº 19146 e da
Autorização Ambiental nº 39471, emitidas pelo Instituto Ambiental do
Paraná em favor da empresa requerida J. Malucelli Florestal Ltda..
c) também em razão da clara afronta à legislação
ambiental apontada, há patente nulidade do Alvará de Construção nº
512/2014 emitido pelo réu Município de São José dos Pinhais em favor da
empresa requerida e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda..
Primeiramente, deve-se deixar claro que é pacífica
e indiscutível a caracterização do imóvel de propriedade das empresas
requeridas J. Malucelli Florestal Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e
Participações Ltda. como integrante de Bacia Manancial de Abastecimento
Público, assim como que o referido é integrado por Áreas Úmidas, por
Áreas de Preservação Permanente (margens de corpos hídricos e banhados)
e área sujeita à inundação.
Essa conclusão se extrai das próprias manifestações
emitidas pelos requeridos Município de São José dos Pinhais e Instituto
Ambiental do Paraná, como também da COMEC e da equipe técnica do
CAOPMA (Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção ao
Meio Ambiente) e, mais que isso, da própria empresa requerida J. Malucelli
Florestal Ltda..
O Instituto Ambiental do Paraná assim se
manifestou sobre o imóvel em testilha:
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“(...) o requerente solicita autorização para terraplanar
uma área, sem informar a metragem anexa mapa contendo o volume de 247.254,87
m3, que atingem os lotes A, B, C e D, segundo planta apresentada. (...)
A parte mais baixa (...) se localizam próximos aos rios lagos e em razão disso geralmente apresentam-se saturados por água. A ocupação urbana destes solos é desaconselhada, por apresentarem excesso de água e serem sujeitos à inundação. (...)
A parte mais alta (...) é muito suscetível à erosão, o que facilita o assoreamento dos rios. (...)
(...) Próximo ao rio Itaqui, encontramos vegetação característica de várzea, estando bem preservada esta faixa. (...)”. (fls. 87-88 do IC)
Importante ressaltar que o próprio requerido
Instituto Ambiental do Paraná e a Polícia Ambiental, em trabalho conjunto,
lavraram auto de infração ambiental considerando os 24,45 hectares
justamente do imóvel correspondente à matrícula nº 3.184, de
propriedade da empresa ré J.Malucelli como Área Úmida e Área de
Preservação Permanente, em razão da existência de solo hidromórfico e
banhado. De fato, houve a lavratura do auto de infração ambiental nº 95983
em desfavor de Luiz Carlos Pangracio, que havia arrendado o citado imóvel
da empresa J. Malucelli para fins agrícolas, sob a seguinte descrição:
“Impedir a regeneração natural da vegetação, em área de
preservação permanente, mediante o plantio agrícola, em área correspondente a
24,45 hectares, conforme Resolução nº 005/2008”. (fl..... – IC).
Também houve, nessa mesma fiscalização, a
lavratura do Termo de Embargo nº 48956 em desfavor da empresa ré
J.Malucelli Florestal Ltda. sob a seguinte descrição:
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“Embargo a continuidade da utilização da área objeto do
AIA 96076, bem como utilizá-la como área agropastoril e para construções civis.”
(fls.... – IC)
Importante notar que a referida fiscalização
conduzida pelo requerido Instituto Ambiental do Paraná contou com a
participação de equipe multidisciplinar do próprio órgão público ambiental,
qual seja do Engenheiro Jackson L. Vosgerau e do Geólogo Fernando
Bettega, sobre o qual há referência, inclusive, sobre a sua conclusão de que a
área em comento se trata de solo hidromórfico conforme definição da
Resolução Conjunta IBAMA/SEMA/IAP nº 05/2008 (fl... do IC).
Por sua vez, a COMEC, na data de 20 de janeiro de
2014, alertou o Instituto Ambiental do Paraná, em síntese, de que:
“(...) o IAP deve verificar também a adequabilidade do Projeto à Resolução IBAMA/SEMA/IAP nº 05/2008, referente às Áreas Úmidas (...)”. (fls. 91-92 – IC).
O Município de São José dos Pinhais, ao tratar das
condições para a emissão de Alvará de Construção para as empresas LM
Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. e J. Malucelli Florestal
Ltda. solicitou o atendimento das seguintes condições:
“Ao requerente: - Apresentar ART – Anotação de responsabilidade
técnica – do projeto referente ao sistema de contenção de cheias, descrevendo área do lote, área permeável, impermeável e volume total da caixa; (...)
- Planta de bacias para dimensionamento do canal; (...)” (fl. ..... – IC)
“(...) Para a supressão de vegetação, aterros e terraplanagens ou drenagens é necessárias a análise da SEMMA e as licenças ambientais do Instituto Ambiental do Paraná, caso necessário.
Se houver confrontação ou proximidade com rios, córregos ou nascentes, deve-se respeitar a faixa da área de preservação permanente a
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partir de suas margens. Conforme lei Federal 4771/65 e alterações e, Resolução Conjunta IBAMA/SEMMA/IAP nº 05/2008. Não é permitida a edificação nem a utilização destas áreas, sendo necessária sua recuperação, caso esta seja degradada. (...)” (grifos nossos) (fl. .....- IC)
A própria empresa ré, em petição dirigida ao
Juízo da Vara da Fazenda Pública do Foro Regional de São José dos
Pinhais, na data de 24 de junho de 2014, em embargos à execução fiscal
sob autos nº 0001793-54.2014.8.16.0036, não somente admite, como
defende que o imóvel em comento é de preservação permanente, solo
hidromórfico e manancial e que não é passível de qualquer possibilidade
urbanização ou loteamento:
“No ano de 2003 foi formalizado contrato de parceria agrícola com o SR. LUIZ CARLOS PANGRÁCIO – contrato anexo – dando continuidade à produção agrícola dos anos anteriores e aditivos, o qual permanece vigente até a presente data – doc. anexo.
Cumpre frisar, que além da destinação agrícola do bem rural, neste se localiza um fundo de vale, em que se constata mata nativa, portanto, de preservação permanente, bem como, um manancial, constatando-se um nascente do Rio Itaqui, olho de água (vertente), por isso a sua destinação rural, visto que não há qualquer possibilidade de loteamento ou urbanização do mesmo. (...)
Nesta medida, por se tratar de imóvel com características rurais, não apresentar qualquer melhoramento público, estar inserido em área de ocupação restrita (UTP do Rio Itaqui), possuir vegetação rasteira com intuito de preservar os recursos hídricos (nascente do Rio Itaqui), possuir solo hidromórfico (Resolução IBAMA/SEMA/IAO n° 005/2008), não há como ocorrer à incidência de IPTU , sob pena de bitributação (ITR + IPTU) e onerosidade excessiva (pagar além do devido).” (grifos nossos) (embargos execução nº 0001793-54.2014.8.16.0036 – anexo)
Ressalta-se que a equipe técnica do CAOPMA
(Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção ao Meio
Ambiente) realizou vistorias in loco no imóvel das empresas requeridas e
concluiu, em síntese, que:
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“(...)
2.1 – DO DIREITO CONSTITUCIONAL A UM
MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE
EQUILIBRADO - IMPOSIÇÃO DE EXPRESSA
PROTEÇÃO AOS ESPAÇOS TERRITORIAIS
ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (ÁREAS DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE, UNIDADES
DE CONSERVAÇÃO E BACIA MANANCIAL
DE ABASTECIMENTO PÚBLICO) DE FORMA
A ASSEGURAR A PRESERVAÇÃO
AMBIENTAL.
Não se pode olvidar que o artigo 225 da
Constituição Federal exerce a função de principal norteador do meio
ambiente, devido a seu complexo teor de direitos, mensurado pela
obrigação do Estado e da Sociedade na garantia de um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, já que se trata de um bem de uso comum do
povo que deve ser preservado e mantido para as presentes e futuras
gerações.
Afora este, outros artigos manifestam a opção do
legislador constituinte em considerar a preservação do meio ambiente como
um dos pilares fundamentais da ordem constitucional, como pode ser
deduzido de leitura sistemática do referido texto legal. Na mesma linha, o
artigo 170, inciso IV, da Carta Magna, que enquadra o meio ambiente no rol
dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, e o artigo 186, inciso II,
também da Constituição Federal que, ao atribuir à propriedade
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determinada função social, condiciona seu cumprimento à “utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e à preservação do meio ambiente”, são
expressões significativas da penetração desta perspectiva no interior de
institutos de relevante importância social e jurídica.
No âmbito estadual, a Constituição do Estado do
Paraná elege a proteção do meio ambiente como diretriz fundamental:
"Art. 1º O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático (...) e tem por princípios e objetivos: (...) IX – a defesa do meio ambiente e da qualidade de vida. (...)
Art. 207 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as gerações presentes e futuras (...)".
Com o advento da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981, estabeleceu-se a Política Nacional do Meio Ambiente, definindo-se os
parâmetros a serem seguidos pelo Poder Público na defesa do ambiente
natural:
"Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e a proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; (...) IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; (...)
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; II - degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente (...)".
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A Constituição Federal de 1988 atribuiu diversas
obrigações positivas à sociedade e ao Poder Público para cumprir o dever
genérico de defesa e preservação do meio ambiente, dentre elas o dever de
proteger os espaços territoriais3 e seus componentes a serem especialmente
protegidos, tais como as Áreas Úmidas, as Áreas de Preservação
Permanente e Bacia Manancial de Abastecimento Público4. Para tanto, a
própria Carta Magna determina a vedação de qualquer utilização desses
espaços territoriais que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção e o dever de promover a restauração dos seus
processos ecológicos essenciais.
2.2 - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS QUE
EVIDENCIAM A ILEGALIDADE DA
INTERVENÇÃO E PROMOÇÃO DE DANOS
EM ÁREAS ÚMIDAS.
O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis, o IAP (Instituto Ambiental do Paraná)
e SEMA (Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Paraná), editaram a
RESOLUÇÃO CONJUNTA IBAMA/SEMA/IAP Nº 005, DE 28 DE MARÇO
3 Na definição de José Afonso da Silva, espaços territoriais especialmente protegidos são: “áreas geográficas públicas ou privadas (porção de território nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeição, pela lei, a um regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilização sustentada, tendo em vista a preservação e proteção da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteção do processo evolutivo das espécies, a preservação e proteção dos recursos naturais.”(SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994) 4 Neste diapasão, a noção constitucional de espaços territoriais protegidos abrange não somente as unidades de conservação, mas também as áreas de preservação permanente, a reserva legal, as reservas da biosfera e biomas como a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira, previstos no art. 225, §4º, da CF/88. (SANTILLI, Juliana - A Lei 9985/2000, que instituiu o sistema nacional de unidades de conservação da natureza (SNUC): uma abordagem socioambiental. Revista de Direito ambiental. n. 40. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 83).
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DE 2008, que define critérios para avaliação das áreas úmidas e seus
entornos protetivos, estabelece que estas áreas são de preservação
prioritária e proíbe expressamente intervenções que possam causar as suas
degradações:
“Art. 3º - Devido aos escassos remanescentes de áreas úmidas conservadas, tais áreas e seus entornos protetivos são considerados prioritários para a preservação, sendo proibidos licenciamentos ou autorizações para quaisquer finalidades ou intervenções que determinem ou possam vir a causar a sua degradação.
Parágrafo único - A intervenção de que trata o caput deste Artigo é qualquer ação de natureza física, química e/ou biológica que possa descaracterizar as áreas úmidas e seus entornos protetivos.
Art. 4º - Excepcionalmente, poderá ser admitida intervenção em áreas úmidas e em seus entornos protetivos, observada a normativa vigente e quando comprovada, através de estudos, a inexistência de alternativas técnicas e locacionais para a execução de obras, atividades ou empreendimentos de utilidade pública ou de interesse social, desde que não prejudique a função ecológica da área, a exceção de atividades de segurança nacional.” (grifos nossos)
Assim, nos termos do artigo 4º da Resolução
Conjunta IBAMA/SEMA/IAP Nº 005, de 28 de março de 2008,
evidentemente não se mostram presentes o interesse social ou a utilidade
pública, pelo contrário, os atos administrativos ilegais, ora contestados,
visaram apenas atender a interesses eminentemente particulares e caráter
econômico, e, ademais, não houve a realização de estudos que
comprovassem a inexistência de alternativas locacionais para a referida
obra, assim como a ausência de prejuízo à função ecológica da área.
Dessa forma, impõe-se a intervenção judicial para
impedir a continuidade de intervenção, de aterro, da movimentação de terra
de edificações e ocupações em Áreas Úmidas.
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2.3 - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS QUE
EVIDENCIAM A ILEGALIDADE DA
INTERVENÇÃO E PROMOÇÃO DE DANOS
EM BACIA MANANCIAL DE
ABASTECIMENTO PÚBLICO.
A Lei Estadual nº 8.935/89, que dispõe sobre
requisitos mínimos para as águas provenientes de bacias mananciais
destinadas a abastecimento público possui toda a sistemática de
planejamento, gestão e fiscalização dos mananciais, e prevê normas e
mecanismos de fiscalização, gestão e proteção das áreas de mananciais,
incluindo-se a proibição de instalação de algumas tipologias de indústrias e
outros empreendimentos ou atividades com alto potencial poluidor, tais
como Complexos Logísticos que envolvem alto grau de impermeabilização
de solo úmido, como é o caso do empreendimento em tela:
“Art. 1º - (...) Parágrafo único - Bacia Manancial, doravante
denominada bacia, será a bacia destinada a manancial de abastecimento público, ou a área da bacia hidrográfica situada a montante do local onde exista ou se preveja futuramente construir uma barragem destinada a captação de água para abastecimento público.
Art. 2º - Compete ao Poder Executivo, através de seus órgãos de fiscalização e execução, assegurar que a qualidade de água seja mantida para o futuro dentro de padrões mínimos aceitáveis, não obstante o crescimento populacional.
Artigo 3 - São proibidas as instalações nestas bacias das seguintes atividades ou empreendimentos que possam agravar o problema da poluição: (...).” (grifos nossos)
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Relevante perceber que o próprio requerido
Instituto Ambiental do Paraná registrou, em um parecer técnico sobre a
área, que:
“A parte mais baixa (...) se localizam próximos aos rios lagos e em razão disso geralmente apresentam-se saturados por água. A ocupação urbana destes solos é desaconselhada, por apresentarem excesso de água e serem sujeitos à inundação. (...)
A parte mais alta (...) é muito suscetível à erosão, o que facilita o assoreamento dos rios. (...) (fls. 87-88 do IC)
Relevante lembrar que é pacífica a conclusão de
que o imóvel onde a empresa requerida pretende implantar o seu
empreendimento consiste em Bacia Manancial de Abastecimento Público
de São José dos Pinhais e Região Metropolitana, ou seja, trata-se da água
que nós bebemos. Evidente assim, que além da luta pela preservação dos
recursos naturais e de tutela da saúde pública, também tratamos aqui que
da pura necessidade de termos água para nosso consumo, uma necessidade
básica para os seres humanos e para o funcionamento dos próprios setores
econômicos.
A Lei Estadual nº 12.248/98, que cria o sistema
integrado de gestão e proteção dos mananciais da Região Metropolitana de
Curitiba (RMC), estabelece a previsão de “Áreas de Restrição à Ocupação”
nas bacias mananciais da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), quais
sejam aquelas definidas no artigo 10 daquele diploma legal como “as faixas
de drenagem dos corpos d’água” (inciso I) e “as áreas sujeitas à inundação”
(inciso V), todas essas situações encontradas no local em comento, assim
como define, em seu artigo 11, que:
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“Art. 11 - Nas Áreas de Restrição à Ocupação somente serão permitidos usos e atividades que atendam aos requisitos mínimos necessários à manutenção da qualidade da água, conforme a legislação em vigor.”
Especificamente sobre a indispensável importância
do rio Itaqui para o abastecimento público de São José dos Pinhais e da
Região Metropolitana de Curitiba, o Decreto Estadual nº 1.454, de 26 de
outubro de 1999, reforçou a necessidade de sua proteção:
“Art. 1º - Fica declarada para os fins de que trata o inciso II do artigo 2º da Lei Especial de Proteção dos Mananciais da RMC, como Unidade Territorial de Planejamento, a área dos Municípios de Piraquara e São José dos Pinhais, doravante denominada Itaqui, a seguir descrita: (...)
Art. 2º - Ficam criadas na Unidade Territorial de Planejamento do ltaqui, áreas de intervenção, com o objetivo de assegurar as condições ambientais adequadas à preservação dos mananciais, mediante a preservação e recuperação do ambiente natural e antrópico com o efetivo controle de processos de degradação e de poluição ambiental. (...)”
Nessa toada, não se coaduna com a ideia de
desenvolvimento sustentável a abertura de possibilidade de exploração
econômica para a implantação de um Complexo Logístico, que envolve
aterro e impermeabilização de extensas porções de Áreas Úmida em Bacia
Manancial de Abastecimento Público, a afronta ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e a colocação em risco da qualidade da água, da
vida e da qualidade de vida de milhões de pessoas.
2.4 - DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS QUE
EVIDENCIAM A ILEGALIDADE DA
INTERVENÇÃO E PROMOÇÃO DE DANOS
NA UTP ITAQUI.
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Conforme já exposto, o Decreto Estadual nº
1.454/99 criou a Unidade Territorial de Planejamento do ltaqui, com o
objetivo de assegurar as condições ambientais adequadas à preservação dos
mananciais, mediante a preservação e recuperação do ambiente natural e
antrópico com o efetivo controle de processos de degradação e de poluição
ambiental e determinou que a área onde as empresas requeridas J.Malucelli
Florestal Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda.
pretendem implantar um Complexo Logístico e Barracões é considerada
como Área de Ocupação Orientada I.
O município de São José dos Pinhais, por meio da
Lei Municipal nº 29/2000, dispôs sobre o Zoneamento da Unidade
Territorial de Planejamento – UTP do Itaqui, tendo como base os
seguintes objetivos:
“(....)Art. 4º O zoneamento da UTP do Itaqui tem por objetivos:
I - assegurar as condições ambientais adequadas à preservação dos mananciais, através do ordenamento territorial em áreas com pressão por ocupação;
II - definir áreas prioritárias para implantação de infra-estrutura de saneamento;
III - proteger os fundos de vale e áreas críticas sujeitas à inundação;
IV - recuperar áreas degradadas e ou ocupadas por assentamentos habitacionais precários em fundos de vale; e,
V - reordenar o território em loteamentos de ocupação rarefeita ou não ocupados.”
A referida Lei Municipal nº 29/2000 ainda definiu,
em seu artigo 11, inciso I, e na Tabela I, quais as atividades compatíveis com
a Área de Ocupação Orientada I:
“Art. 11. As Áreas de Ocupação Orientada subdividem-se em:
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I - Zona de Ocupação Orientada I - áreas de baixa densidade de ocupação, onde poderá ocorrer acréscimo de potencial construtivo, mediante o aumento do coeficiente de aproveitamento e da taxa de ocupação conforme tabela II desta Lei, com uma fração ideal média de 20.000,00m² e área do lote mínimo ou área da unidade de uso exclusivo mínimo com 10.000,00m². (...)” (grifos nossos)
A Tabela I, anexa à Lei Municipal nº 29/2000, por
sua vez, aponta para a Zona de Ocupação Orientada I: a) uso permitido
para habitação unifamiliar, chácaras de lazer; pousadas; empreendimentos
públicos b) uso permissível para atividades secundárias e terciárias não
poluidoras; c) uso proibido para indústrias de alto potencial poluidor, e
aqueles usos que, mesmo permitidos ou permissíveis, por sua característica
comprometam a qualidade hídrica da bacia e a qualidade de conservação do
meio ambiente. Importante perceber que, ainda que considerássemos o
Complexo Logístico como atividade secundária ou terciária, não há como se
falar que a sua implantação não possui caráter poluidor, uma vez que se
trata de área construída de 31.500 m2, decorrente de um aterro e
movimentação de terra, aterro e terraplanagem de todo o terreno em um
volume de 247.254,87 m3 (aproximadamente 13.736 caminhões caçamba de
18 m3) sobre Áreas Úmidas (vide parecer técnico do IAP em fls. 87-88 – IC).
Na verdade, resta claro, a partir do próprio referido
parecer técnico do IAP, que o empreendimento se enquadra no uso proibido
da Zona de Ocupação Orientada I, eis que:
“A parte mais baixa (...) se localizam próximos aos rios lagos e em razão disso geralmente apresentam-se saturados por água. A ocupação urbana destes solos é desaconselhada, por apresentarem excesso de água e serem sujeitos à inundação. (...)
A parte mais alta (...) é muito suscetível à erosão, o que facilita o assoreamento dos rios. (...) (fls. 87-88 do IC)
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O vergastado empreendimento também afronta a
Lei Federal n 6766/79, que proíbe o parcelamento do solo urbano e a
urbanização do local em referência:
“Art. 3º. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo: (...) IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.” (grifos nossos)
III – DO TRÂMITE DO PROCESSO DE
LICENCIAMENTO AMBIENTAL JUNTO AO
REQUERIDO INSTITUTO AMBIENTAL DO
PARANÁ.
A empresa J. Malucelli Florestal Ltda. requereu
autorização ambiental e licenciamento ambiental ao Instituto Ambiental do
Paraná para a realização de aterro e movimentação de terra em um volume
de 247.254,87 m3 (aproximadamente 13.736 caminhões caçamba de 18 m3)
para implantação de um Complexo Logístico na localidade de Guatupê, nas
margens da rodovia BR-277/Contorno Leste, mais especificamente nos
imóveis correspondentes às matrículas nº 34.707, 34.708, 34.709 e 3.184 – 1º
Ofício.
Primeiramente, observa-se que o réu Instituto
Ambiental do Paraná emitiu, no âmbito do Protocolo nº 12.212.673-0, na
data 27 de novembro de 2013, parecer técnico em favor da empresa
requerida J. Malucelli Florestal Ltda. para terraplanagem nos imóveis em
referência, sem no entanto especificar a sua extensão e sem a prévia e
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indispensável concessão de Licença Prévia, que possui a função de atestar a
viabilidade locacional e ambiental do empreendimento. (fls. 07-37 do IC).
Curiosamente, em data posterior (09.12.2013) ao
próprio registro de parecer técnico favorável à referida Autorização
Ambiental para terraplanagem, há, no bojo do Protocolo nº 12. 212.673-0, o
registro de um parecer técnico do Instituto Ambiental do Paraná, baseado
em vistoria in loco, e que reconhece não somente a existência de Áreas
Úmidas, Várzeas, margem do rio Itaqui e UTP do Itaqui nos imóveis de
propriedade da empresa requerida J. Malucelli Florestal Ltda., mas
também a fragilidade e inviabilidade ambiental do empreendimento
naquele local (seja por se tratar de Área de Úmida, seja por ser suscetível
à erosão ou assoreamento do rio), além de sugerir a remessa do processo à
COMEC (Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba) para análise:
“(...) o requerente solicita autorização para terraplanar uma área, sem informar a metragem anexa mapa contendo o volume de 247.254,87 m3, que atingem os lotes A, B, C e D, segundo planta apresentada. (...)
A parte mais baixa (...) se localizam próximos aos rios lagos e em razão disso geralmente apresentam-se saturados por água. A ocupação urbana destes solos é desaconselhada, por apresentarem excesso de água e serem sujeitos à inundação. (...)
A parte mais alta (...) é muito suscetível à erosão, o que facilita o assoreamento dos rios. (...)
(...) Próximo ao rio Itaqui, encontramos vegetação característica de várzea, estando bem preservada esta faixa. (...)”. (fls. 87-88 do IC)
Importante observar que a COMEC, na data de 20
de janeiro de 2014, alertou o Instituto Ambiental do Paraná, em síntese, de
que: “(...) o IAP deve verificar também a adequabilidade do Projeto à Resolução
IBAMA/SEMA/IAP nº 05/2008, referente às Áreas Úmidas (...)”, além de
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ressaltar a inviabilidade de lançamento de esgoto em razão de se tratar de
Bacia Manancial de Abastecimento Público. (fls. 91-92 – IC).
A SANEPAR, por sua vez, informou que “(...) A
região não é atendida por rede coletora de esgotos” e que “o empreendimento
localiza-se em área de manancial do Rio Itaqui. (...)” (grifos nossos) (fl. 99 – IC)
Não se pode olvidar que a empresa requerida J.
Malucelli Florestal Ltda. deixou bastante claro, em sua manifestação
técnica, de que as obras envolvem o aterro de toda a extensão do terreno:
“(...) Inicialmente será feita uma remoção da camada vegetal em toda a extensão do terreno. A remoção será em profundidade médio de 30 cm;
Na sequência, será executado um reaterro (...)” (fls. 100-101).
Em novo parecer técnico emitido em 13 de
dezembro de 2013, o servidor do Instituto Ambiental do Paraná, em suas
conclusões, opina que: “(...) Portanto sugerimos que preliminarmente proceda-se
a vistoria Florestal na área objeto do Condomínio logístico, sendo que o técnico
vistoriador deverá efetuar às exigências necessárias, respaldando-se na legislação
vigente. Após vistoria, remeta-se o empreendimento a COMEC, para análise e
parecer, visto encontrar-se em área de mananciais e Unidade Territorial de
planejamento.” (fl. 188 – IC)
Interessante observar que os profissionais
contratados pela empresa J. Malucelli Florestal Ltda. para a realização de
laudo geológico-geotécnico informaram que “(...) a característica da área
onde será implantado o Empreendimento 01 alvo do licenciamento é a
mesma identificada para a área toda.” (grifos nossos) (fl. 224 – IC)
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Mesmo sem o atendimento dos despachos
anteriores do próprio Instituto Ambiental do Paraná , que indicavam a
necessidade preliminar de realização de vistoria dos imóveis em comento
e análise da questão florestal e da verificação da existência de Áreas
Úmidas nos termos da Resolução IBAMA/SEMA/IAP nº 05/2008, mesmo
sem a existência de rede de esgoto na região, e apesar da legislação
ambiental vedar o citado empreendimento no local em referência (Área
úmida, Bacia Manancial de Abastecimento Público e UTP Itaqui), o
Diretor-Presidente do IAP, do gabinete da Presidência, emitiu parecer
técnico(!?), aparentemente sem vistoriar a área, e ele mesmo emitiu a
Licença Prévia em favor da empresa requerida J. Malucelli Florestal Ltda.
para a construção de um Complexo Logístico em uma área de 31.500 m2, a
qual tem a função de atestar a viabilidade ambiental e locacional do
empreendimento. (fls. 225-228 – IC)
Na mesma data de 24 de março de 2014, o Diretor-
Presidente do IAP, do gabinete da Presidência, emitiu a Autorização
Ambiental nº 39471 em favor da empresa requerida J. Malucelli Florestal
Ltda. sem novamente especificar a sua extensão (fls 271-272 – IC).
As mesmas graves omissões se repetiram por
ocasião do trâmite do pleito da Licença de Instalação, eis que não houve
novamente qualquer apreciação das referidas questões de importância
central e, além disso, não ocorreu qualquer análise aprofundada e
fundamentada a acerca dos impactos do empreendimento. Ao contrário,
houve a emissão de despachos nas datas de 28.04.2014 e 12.05.2014,
encaminhando “para análise técnica e manifestação quanto à solicitação de LI” (fl.
288 – IC), e na própria data de 12.05.2014, às 11:09 horas, consta parecer
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técnico genérico da seguinte forma: “(...) Parecer favorável tendo em vista o
cumprimento das condicionantes estabelecidas por ocasião da licença ambiental.
(...)” (fl. 291 – IC), sendo que na mesma data (12.05.2014), às 14:03 horas, foi
emitida a Licença de Instalação nº 19146, a qual foi recebida pelo
representante da empresa J. Malucelli Florestal Ltda. no dia seguinte
(fls.292-293 – IC).
O próprio empreendedor afirma, no seu Plano de
Controle Ambiental que a única justificativa para a implantação do
empreendimento naquele local é de conteúdo econômico. Em outras
palavras, sequer foi cogitada uma alternativa locacional que não importasse
intervenção em Área Úmida e de Bacia Manancial de Abastecimento
Público:
“(...) Assim sendo, a excelente localização dos terrenos aliada às facilidades de acesso à área e para o escoamento dos produtos armazenados justificam a escolha do local para o empreendimento em questão. (...)” (fl. 301 – IC)
3.1 – DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL –
RELEVANTE INSTRUMENTO DA POLÍTICA
NACIONAL DO MEIO AMBIENTE –
INDISPENSÁVEL NECESSIDADE DE FIEL
OBSERVÂNCIA À LEGISLAÇÃO AMBIENTAL
– IMPOSIÇÃO DE DECRETAÇÃO DA
NULIDADE DAS LICENÇAS AMBIENTAIS
EMITIDAS ILEGALMENTE.
O licenciamento ambiental é um dos principais
instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), cujo objetivo
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precípuo é agir preventivamente sobre a proteção do meio ambiente. A Lei
Federal n º 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente, estabelece em seu artigo 10 que:
“Artigo 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão estadual competente, (...), sem prejuízo de outras licenças exigíveis.”
A Resolução nº 237/97 do CONAMA (Conselho
Nacional do Meio Ambiente), por sua vez, traz os seguintes conceitos,
respectivamente, de licenciamento ambiental e licença ambiental:
“Art. 1º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:
I - Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
II - Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental”.
Logicamente que essas licenças ambientais apenas
podem ser concedidas pelo órgão público ambiental em favor do
interessado, em caráter precário5, desde que haja integral cumprimento e
5 Já que o artigo 10, § 1º, da Lei nº 6.938/81 prevê a necessidade de renovação da licença, além da possibilidade de alteração ou revogação a qualquer momento pelo órgão público ambiental. O Tribunal de Justiça de São Paulo ao analisar tal situação, afirmou que “a licença é ato precário e não vinculado, sujeito sempre às alterações ditadas pelo interesse público. Querer o contrário é postular
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respeito pelas normas ambientais (legislação federal, estadual e municipal),
tanto que a Lei nº 9.605/98 prevê como crimes as seguintes condutas:
“Art. 66. Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Art. 67. Conceder o funcionário público licença,
autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de 3
(três) meses a 1 (um) ano de detenção, sem prejuízo da multa.” (grifos nossos) Paulo Affonso Leme Machado explica que:
“No artigo 67 deve-se apurar o cumprimento das normas de qualquer hierarquia, e não só as legais e regulamentares. Por isso, os atos de Conselhos (resoluções, instruções emanadas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, ou ato similares) têm incidência no procedimento autorizativo do Poder Público e, se não obedecidos pelo funcionário público, terão repercussão penal em sua conduta.”6
Diante das citadas cominações de
responsabilidades, percebe-se, assim, a imprescindível correção do processo
de licenciamento ambiental.
O requerido Instituto Ambiental do Paraná (IAP),
ao emitir as referidas Licenças Ambientais e Autorização Ambiental ao
arrepio das mais comezinhas normas ambientais, agiu contra a natureza e
que o Judiciário confira à empresa um cheque em branco, permitindo-lhe que, com base em licenças concedidas anos atrás, cause toda e qualquer degradação ambiental.” (TJSP, 7ª c., AR de Ação Civil Pública 178.554-1-6, rel. Dês. Leite Cintra, j. 12.5.1993 (Revista de Direito Ambiental 1/200-203, janeiro-março de 1996). 6 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 273-274.
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os fins da administração pública, e, além disto, feriu frontalmente um
princípio básico da administração, qual seja o princípio da legalidade.
Não se pode admitir licenciamentos ambientais que
tergiversam princípios e regras básicas da Constituição Federal e da
legislação ambiental, com um significativo agravante no caso em tela: o
sufocamento das Áreas Úmidas e da Bacia Manancial de Abastecimento
Público.
Tratam-se as aludidas Licenças Ambientais e
Autorização Ambiental de atos nulos, não passíveis de convalidação,
conforme ensinamentos da majoritária doutrina:
“Para Hely Lopes Meirelles, não existem atos administrativos anuláveis, pela ‘impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre atos ilegais, ainda que assim o desejem as partes, porque a isto se opõe a exigência de legalidade administrativa. (...) Em relação à finalidade, se o ato foi praticado contra o interesse público ou com finalidade diversa da que decorre da lei, também não é possível a sua correção; (...)” 7.
“Para a Administração o que fundamenta o ato invalidador é o dever de obediência à legalidade, o que implica obrigação de restaurá-la quando violada. Para o Judiciário é o exercício mesmo de sua função de determinar o Direito aplicável no caso concreto. (...) São nulos: a) os atos que a lei assim os declare; b) os atos em que é racionalmente impossível a convalidação, pois, se o mesmo conteúdo (é dizer, o mesmo ato) fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior.” 8.
Sobre os efeitos da anulação da licença ambiental,
Talden Farias se utiliza dos ensinamentos de Odete Medauar para concluir
que retroagem ao tempo da edição do ato administrativo:
7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 6ª.ed. Atlas. São Paulo, 1996. p. 202-204. 8 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 422 e 434.
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“Odete Medauar destaca que os efeitos da anulação retroagem ao tempo da edição do ato administrativo, seja quando efetuado pela Administração Pública ou pelo Poder Judiciário, já que como a ilegalidade afeta o ato desde a sua origem é lógico que a declaração de nulidade deve atingi-lo e suprimi-lo a partir do momento em que entrou no mundo jurídico.”9
IV. DA NULIDADE DO ALVARÁ DE
CONSTRUÇÃO EMITIDO PELO MUNICÍPIO
DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS
4.1 – DA LESÃO À LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E DA
AFRONTA À PRÓPRIA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL.
O Alvará de Construção nº 512/2014 emitido pelo
requerido Município de São José dos Pinhais em favor da empresa
requerida LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. para o
empreendimento em questão deve ser declarado nulo, porque
desconsiderou que o imóvel é afetado por Áreas Úmidas, UTP Itaqui e
Bacia Manancial de Abastecimento Público, em razão do que se deve
aplicar os mesmos fundamentos utilizados em relação ao requerido
Instituto Ambiental do Paraná.
Ressalta-se que a própria legislação ambiental
municipal não foi respeitada pelo requerido Município de São José dos
Pinhais.
A Lei Complementar Municipal nº 9/2004, que
instituiu o Plano Diretor de São José dos Pinhais estatui, em seu artigo 40,
que “a política de meio ambiente respeitará as diretrizes de adequar o uso e
ocupação do solo às condições ambientais; e deverá proibir a implantação
de atividades potenciais e efetivamente poluidoras em áreas 9 FARIAS, Talden. Licenciamento Ambiental: Aspectos Teóricos e Práticos. 3ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 170.
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ambientalmente frágeis” (incisos I e IV), e que “para assegurar a proteção
necessária aos recursos hídricos do Município serão definidas faixas de
drenagem calculadas de acordo com dados e coeficientes de distribuição das
chuvas, tempos de recorrência, de concentração, coeficiente de escoamento
(run off) e vazão da bacia hidrográfica”. (artigo 41)
Já a Lei Complementar Municipal nº 16/2005, que
dispõe sobre o uso e zoneamento do solo no município de São José dos
Pinhais, define que o imóvel onde vem sendo implantado o
empreendimento desenvolvido pelas empresas requeridas J. Malucelli
Florestal Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. é
considerado como Unidade Territorial de Planejamento do Rio Itaqui, com a
seguinte finalidade:
“Art. 27. Unidade Territorial de Planejamento (UTP) do Itaqui - está contida na bacia do Rio Itaqui manancial de interesse de proteção especial para fins de abastecimento público, definidos pelas legislações estaduais e municipais pertinentes.”
Reitera-se que o município de São José dos Pinhais,
por meio da Lei Municipal nº 29/2000, dispôs sobre o Zoneamento da
Unidade Territorial de Planejamento – UTP do Itaqui, tendo como base os
seguintes objetivos:
“(....)Art. 4º O zoneamento da UTP do Itaqui tem por objetivos:
I - assegurar as condições ambientais adequadas à preservação dos mananciais, através do ordenamento territorial em áreas com pressão por ocupação;
II - definir áreas prioritárias para implantação de infra-estrutura de saneamento;
III - proteger os fundos de vale e áreas críticas sujeitas à inundação;
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IV - recuperar áreas degradadas e ou ocupadas por assentamentos habitacionais precários em fundos de vale; e,
V - reordenar o território em loteamentos de ocupação rarefeita ou não ocupados.”
Relembra-se, novamente, que a Tabela I, anexa à
Lei Municipal nº 29/2000, por sua vez, aponta para a Zona de Ocupação
Orientada I: a) uso permitido para habitação unifamiliar, chácaras de lazer;
pousadas; empreendimentos públicos b) uso permissível para atividades
secundárias e terciárias não poluidoras; c) uso proibido para indústrias de
alto potencial poluidor, e aqueles usos que, mesmo permitidos ou
permissíveis, por sua característica comprometam a qualidade hídrica da
bacia e a qualidade de conservação do meio ambiente, e que não há como se
falar que a implantação do Complexo Logístico não possua caráter poluidor,
uma vez que se trata de área construída de 31.500 m2, decorrente de um
aterro e movimentação de terra, aterro e terraplanagem de todo o terreno
em um volume de 247.254,87 m3 (aproximadamente 13.736 caminhões
caçamba de 18 m3) sobre Áreas Úmidas.
Ainda no âmbito da legislação municipal, a Lei
Orgânica do Município de São José dos Pinhais também determina a
obrigação da municipalidade para fazer cumprir os preceitos e normas
enumeradas no § 1º do Art. 207, da Constituição Estadual do Paraná, dentre
elas “declarar, como área de preservação permanente, o remanescente das
matas ciliares dos mananciais de bacias hidrográficas que abasteçam os
centros urbanos”, que é justamente o caso do local do empreendimento
pretendido pelas empresas requeridas J. Malucelli Florestal Ltda. e LM
Itaqui SPE Administração e Participações Ltda..
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Em adição a isso, o Código Ambiental do
Município de São José dos Pinhais (Lei Complementar Municipal nº
67/2011) assim dispõe:
“Art. 33. A Política Municipal de Controle de Poluição, Recuperação da Qualidade Ambiental e Manejo dos Recursos Hídricos, respeitadas as competências do Estado e da União, tem: (...)
II – por objetivos: (...) b) proteger, conservar e recuperar os ecossistemas
aquáticos, com especial atenção às áreas de nascentes, mananciais de abastecimento público e outras relevantes para a manutenção dos ciclos biológicos, assegurando à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade e quantidade adequados aos respectivos usos; (...)
III – diretrizes: (...) g) as nascentes e as margens dos cursos d’água deverão
ser consideradas prioritárias para projetos de preservação, recuperação e/ou readaptação aquáticos e de transição, caracterizados pela flora e fauna ciliares.”
Importante observar que, embora o Ministério
Público tenha requisitado à Secretaria Municipal de Urbanismo de São José
dos Pinhais, por meio do Ofício nº 97/2015 (fl....-IC), cópia integral do
processo administrativo referente ao Alvará de Construção nº 512/2014, a
municipalidade encaminhou à Promotoria de Justiça dezenas de
documentos avulsos (Ofício nº 44/2015), sem qualquer numeração ou
ordem cronológica, nos quais sequer foi encontrada decisão
administrativa que fundamenta a concessão do referido Alvará de
Construção (fls. ......- IC).
Nesse particular, salta aos olhos a afronta da
municipalidade às suas próprias Leis Complementares Municipais nº
9/2014, 16/2005 e 67/2011 e à Lei Orgânica do Município de São José dos
Pinhais (hierarquicamente superior às Leis Complementares), em razão de
emissão de Alvará de Construção para uma obra de significativo impacto
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ambiental em Área Úmida, Bacia Manancial de Abastecimento Público e
UTP Itaqui.
4.2 – DA INCOMPATIBILIDADE DO ALVARÁ DE
CONSTRUÇÃO Nº 512/2014 COM O PROJETO DE
IMPLANTAÇÃO DO PROJETO DO PARQUE LINEAR DO
ITAQUI E DA CURIOSA ALTERAÇÃO DESTE PROJETO
DURANTE O TRÂMITE DO PLEITO ADMINISTRATIVO
FORMULADO PELA EMPRESA REQUERIDA.
Primeiramente, deve-se ressaltar a existência atual
e em tramitação de Projeto de Recuperação Socioambiental da Bacia do Rio
Itaqui, de responsabilidade do Município de São José dos Pinhais
(documento anexo - Projeto de Recuperação da Bacia do Rio Itaqui), o qual
possui três propósitos principais:
“(...) I) reconstituir a mata ciliar e prevenir novas ocupações irregulares; II) ofertar alternativas de uso recreacional e educativo à população e, III) contribuir para a melhoria do sistema de controle de cheias do rio e da qualidade de suas águas. (...)” (documento anexo - Projeto de Recuperação da Bacia do Rio Itaqui)
O referido Projeto, que envolve o reassentamento
de famílias residentes em Área de Preservação Permanente, possui a
previsão de investimento de erário público superior a R$ 46.000.000,00
(quarenta e seis milhões de reais).
De acordo com a avaliação técnica existente no
próprio Projeto de Recuperação Socioambiental da Bacia do Rio Itaqui, a
área é considerada da seguinte forma:
“(...) Aspectos Fisicoambientais: De uma maneira geral, a área de intervenção do Projeto constitui um território que, pelas suas
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características geológicas, possui alta fragilidade à ocupação urbana. Ali predominam as planícies aluvionares, “indicadas à preservação, em função das características geotécnicas inadequadas à ocupação, associadas ao risco de ocorrência de cheias periódicas e da grande importância para a manutenção do regime hidrológico” (PDI/2006). Desta forma, a sistematização dos dados e informações aqui elencadas procuram apresentar a base territorial do ponto de vista geológico, a fim de caracterizar áreas onde seja possível o reassentamento das famílias, mesmo que dentro de um contexto de alta fragilidade à ocupação. Da mesma forma, a importância da abordagem hidrológica da área de intervenção remete à delimitação de áreas com vistas a amenizar o conflito existente entre a ocupação e o risco de cheias, de forma a manter e conservar o regime hidrológico natural dos rios que drenam a bacia hidrográfica do Rio Itaqui. A manutenção deste regime hidrológico está diretamente relacionada à recuperação e preservação da mata ciliar, fator condicionante principal para o Projeto do Parque Linear do Rio Itaqui.
(...) Aspectos Geológicos: (...)A área de interesse para o
Projeto localiza-se, em grande parte, sobre uma extensa bacia aluvionar – onde os aluviões (que constituem áreas de depósitos recentes de várzea) são formados por argilas, argilas turfosas, siltes e areias que variam de finas a grosseiras - caracterizada por áreas com baixas declividades (entre 0% a 5%) e, consequentemente baixa capacidade de drenagem, constituindo um tipo de solo orgânico “turfoso”, de boa permeabilidade, o que proporciona alta concentração de água e lençol freático raso ou aflorante. (...)
Aspectos Hidrológicos: (...)As planícies aluvionares são as principais áreas sujeitas a enchentes, por corresponderem a áreas naturais de extravasão dos rios em épocas de grandes e/ou prolongadas precipitações. Denominadas de “várzeas inundáveis, leitos ou bacias de inundação", atuam como reservatórios naturais para a regularização das enchentes. Sem as várzeas alagadiças, as inundações tomam proporções alarmantes e em razão disso, há necessidade de preservá-las e mantê-las restritas às ocupações urbanas. Além disso, as várzeas alagadiças possuem importância por se constituírem em áreas de recarga de aqüíferos. No entanto, conforme já mencionado no capítulo sobre a geologia, é caracterizada por baixas declividades (entre 0% a 5%) e, conseqüentemente, baixa capacidade de drenagem, constituindo um tipo de solo orgânico “turfoso”, de boa permeabilidade, o que proporciona alta concentração de água e lençol freático raso ou aflorante, estando sujeitas ao encharcamento do solo (MINEROPAR/1996 in UTP do Itaqui/1999/COMEC). (...) As nascentes do Rio Itaqui encontram-se na APA de Piraquara e seu delta conecta-se com o Parque do Iguaçu. Essa situação geográfica
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pode garantir que o Parque Linear do Rio Itaqui efetivamente se consolide como um corredor ecológico, desde que se restabeleça a continuidade das áreas degradadas e sua posterior proteção. (...)” (documento anexo - Projeto de Recuperação da Bacia do Rio Itaqui)
Não obstante o evidente caráter de proteção e de
recuperação ambiental do referido Projeto e nada obstante a previsão, na
versão original deste (datada de 2010) da abrangência da sua aplicação no
trecho dos imóveis de propriedade das empresas requeridas J. Malucelli
Florestal Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda.,
houve, conforme demonstram os mapas anexos (Mapas do Projeto da
Bacia do Rio Itaqui), uma inexplicável e curiosa exclusão da poligonal do
Parque Linear do Itaqui justamente nos trechos dos imóveis das aludidas
empresas.
Tudo indica que essa espantosa e peculiar exclusão
da poligonal trecho do Parque Linear neste trecho específico tenha sido
realizada para auxiliar na remoção de eventuais “obstáculos” para a
implantação do empreendimento pretendido pelas empresas J. Malucelli
Florestal Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda.. Isto
porque, conforme se verifica na seguinte manifestação do Prefeito
Municipal de São José dos Pinhais sobre a sua eventual anuência quanto ao
aludido empreendimento:
“(...) ............................................(...)” (fls.......- IC) 4.3 – DA AUSÊNCIA DO ESTUDO DE
IMPACTO DE VIZINHANÇA
O Alvará de Construção nº 512/2014 emitido pelo
requerido Município de São José dos Pinhais para o empreendimento em
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questão deve ser declarado nulo também porque desconsiderou a
obrigatoriedade legal de realização prévia do Estudo do Impacto de
Vizinhança.
O Estudo de Impacto de Vizinhança é um
instrumento de execução da política urbana da Constituição Federal,
previsto no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10257/2001) e que visa
regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, do bem-estar
dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental e da ordem urbanística.
Os artigos 4º e 36 e seguintes da Lei Federal nº
10257/2003 (Estatuto da Cidade) prevêem a necessidade de prévia
realização do Estudo do Impacto de Vizinhança para determinadas
atividades ou empreendimentos, em que se deve contemplar o estudo dos
seus os efeitos positivos e negativos quanto à qualidade de vida da
população residente na área e suas proximidades e no que concerne aos
impactos à ordem urbanística, oportunizando-se a participação da
população interessada:
“Art. 4º Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: (...) VI - estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). (...)
Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal. Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:
I - adensamento populacional; II - equipamentos urbanos e comunitários; III - uso e ocupação do solo; IV - valorização imobiliária;
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V - geração de tráfego e demanda por transporte público; VI - ventilação e iluminação; VII - paisagem urbana e patrimônio natural e cultural. Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos
integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado.”
Veja-se que não há que se falar em inexistência de
legislação municipal que regula o tema em comento, pois a Lei Municipal
nº 16/2005 de São José dos Pinhais veio regulamentar a obrigatoriedade
da apresentação, por parte do empreendedor, à administração pública, do
Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) como pré-requisito para
concessão de licenças, autorizações e alvarás de construção, localização e
funcionamento relativos a um Complexo Logístico de área construída de
31.500 m2:
“Art. 14. Os empreendimentos a seguir relacionados, que estiverem condicionados à aprovação do Conselho Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano - CMPDU, deverão apresentar o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), de acordo com o Estatuto da Cidade, ao solicitar a liberação de construção e/ou localização:
(...) II - comércio e serviço geral com área igual ou
superior a 5.000,00m² (cinco mil metros quadrados); (...) IV - indústrias com área construída igual ou
superior a 5.000,00m² (cinco mil metros quadrados); (...) § 1º O estudo de impacto de vizinhança deve conter
todas as possíveis implicações do projeto para a estrutura ambiental e urbana, no entorno do empreendimento, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:
I - adensamento populacional; II - demanda e ocorrência de equipamentos urbanos e
comunitários; III - uso e ocupação do solo; IV - valorização ou desvalorização imobiliária;
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V - geração de tráfego, demanda por transporte, vias públicas, estacionamento, bem como o acesso ao empreendimento;
VI - ventilação e iluminação; VII - paisagem urbana e patrimônio histórico, natural e
cultural; e VIII - abrangência da área de interferência, com raio a
ser definido pela equipe técnica da Secretaria Municipal de Urbanismo ou Secretarias afins. (...)”
Importante relembrar que se trata da construção de
Complexo Logístico de área construída de 31.500 m2, decorrente de um
aterro e movimentação de terra, aterro e terraplanagem de todo o terreno
em um volume de 247.254,87 m3 (aproximadamente 13.736 caminhões
caçamba de 18 m3), ao passo que o réu município de São José dos Pinhais
NÃO exigiu qualquer estudo da empresa ré.
Veja-se que a Lei Municipal claramente
enumerou atividades/empreendimentos que possuem presunção de
potencial impacto, e, portanto, exige a OBRIGATORIEDADE (e não
faculdade) de realização de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), como
pré-requisito para concessão de anuências, licenças, autorizações e alvarás
de construção.
De forma incompreensível e intolerável, a
administração pública de São José dos Pinhais omitiu-se em fazer cumprir a
legislação urbanística. O Município de São José dos Pinhais, como órgão
público que é, deveria primar pelo princípio constitucional da legalidade,
juntamente com o da finalidade administrativa, o qual explicita que o
agente público somente pode fazer o que está autorizado e se for de acordo
com o direito.
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Desta forma, resta claro que o Alvará de
Construção nº 512/2014 emitido pelo município de São José dos Pinhais em
favor da empresa ré LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. é
nulo e, consequentemente, a implantação de todo o empreendimento é
ilegal.
V – DA RESPONSABILIDADE DOS
REQUERIDOS PELOS DANOS AMBIENTAIS E
PELO DANO MORAL COLETIVO
Restou demonstrado, no presente caso, a patente
ilegalidade das intervenções em Áreas Úmidas, Bacia Manancial de
Abastecimento Público e UTP Itaqui, assim como a frontal lesão à legislação
federal, estadual e municipal.
As empresas requeridas J. Malucelli Florestal
Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. são
responsáveis por significativos danos ambientais, especialmente
consubstanciados nas movimentações de solo e aterro de expressivas cifras
de 247.254,87 m3 (aproximadamente 13.736 caminhões caçamba de 18 m3) e
edificação em Área Úmida, UTP Itaqui e Bacia Manancial de Abastecimento
Público.
Importante ressaltar que a participação da empresa
LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. restou claramente
demonstrada não somente em razão do Alvará de Construção nº 512/2014
ter sido emitido em seu favor, assim como a partir do teor da Declaração nº
06/2014 do Departamento de Tributos Imobiliários, a qual dá conta de que é
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a referida empresa a responsável pela inscrição imobiliária correspondentes
às matrículas nº 34.708, 34.709 e 3.184. (fl.... – IC)
Por fim, a responsabilidade dos requeridos
Instituto Ambiental do Paraná e Município de São José dos Pinhais já
restou devidamente demonstrada nos itens anteriores.
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei
n° 6.938/81) consagrou como um dos seus objetivos a: “imposição ao poluidor
e ao predador da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”. Além
disso, reconheceu a responsabilidade do poluidor de indenizar e/ou reparar
os danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua
atividade, independentemente da existência de culpa 10.
Nessa toada, relevante destacar que o artigo 3º,
inciso IV, da Lei nº 6.938/81 estatui que: “para os fins previstos nesta Lei,
entende-se por poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação
ambiental”.
Na sistemática estabelecida para a indenização do
dano ambiental, não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas
a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao meio ambiente. É que
na responsabilidade objetiva não se pergunta a razão da degradação para
que haja o dever de reparar.
Os fatos objetos desta ação já causaram gravíssimos
danos ambientais aos referidos espaços territoriais especialmente
protegidos, atingindo local de significativa importância e fragilidade
10 Art. 14, § 1.º da Lei n.º 6.938, de 31.08.1981.
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ambiental.
Esse prejuízo patrimonial e extrapatrimonial há de
ser ressarcido, conforme previsto no inciso I, do artigo 1°, da Lei n°
7.347/85: “Art. 1° – Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I –
ao meio ambiente;”. Na preclara lembrança do estudioso Alberto Bittar Filho:
“(...) chega-se a conclusão de que o dano moral coletivo é
a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação
antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano
moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de
uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de
maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer dizer, em
última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial”. 11
Por todo o exposto, não paira dúvida acerca do
cabimento da reparação por danos materiais e morais coletivos por parte
dos requeridos.
Já no tocante ao quantum apurável para o
ressarcimento do dano coletivo, a ser revertido para o Fundo de Bens
Lesados (Fluid Recovery) de que trata o artigo 13 da Lei da Ação Civil
Pública, a melhor solução que se mostra é a sua fixação de acordo com o
bom senso e equidade desse Juízo.
VI - DO ÔNUS DA PROVA
Pelo princípio da prevenção, norteador de todo o
11 Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro, Direito do Consumidor, vol. 12 – Ed. RT.
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Direito Ambiental, que se fundamenta nas características de
irreversibilidade e de difícil quantificação e reparação dos danos ambientais,
consubstanciada na velha máxima de que prevenir é melhor do que
remediar, não se deve autorizar um empreendimento sem que se tenha
certeza absoluta da não ocorrência de degradação ambiental.
Em virtude da natureza difusa do interesse ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, a supremacia desse interesse público
condiciona que a busca da certeza da não ocorrência dos danos recaia sobre
os Requeridos e não sobre a coletividade, isto é, ocorre a inversão do ônus
da prova, devendo as empresas rés J.Malucelli Florestal Ltda. e LM Itaqui
SPE Administração e Participações Ltda. apresentarem os estudos que
comprovem a não ocorrência de danos e irregularidades/ilegalidades aqui
apontadas.
Sobre o ônus do empreendedor, vale colacionar o
seguinte escólio:
“Outra questão a ser enfrentada para uma correta compreensão do princípio da precaução consiste em se estabelecer a quem cabe o ônus de demonstrar se existe ou não certeza científica suficiente sobre o curso de ação a ser adotado, se o impactos negativos a eles associados são considerados significativos e se as medidas de prevenção propostas são ou não economicamente viáveis. A Declaração do Rio não menciona especificamente que esse ônus recai sobre quem se propõe a desenvolver uma obra ou atividade qualquer da qual decorrem riscos ambientais significativos. Não obstante, outras articulações do princípio da precaução no plano internacional afirmam de forma bem específica que cabe ao proponente da obra ou atividade o ônus da prova dos fatos relevantes associados à sua implementação. Correspondendo a uma sensível alteração nas diretrizes que, por muito tempo, orientaram a formulação de medidas de política ambiental em muitos países, esse entendimento assenta-se no reconhecimento, obtido no curso da própria adoção do princípio da precaução, de que impactos ambientais negativos graves encontram-se inerentemente associados a muitos projetos e atividades de diferente natureza e magnitude, razão pela qual o ônus da
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demonstração de sua viabilidade ambiental deve recair sobre aqueles que se beneficiarão de sua implantação, criando os riscos que devem ser evitados.”12
VII – DOS PEDIDOS
7.1 – DOS PEDIDOS LIMINARES
A Lei 7.347/85, da Ação Civil Pública, assim dispõe
em seu artigo 11: "Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade
devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de
cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente
de requerimento do autor." A mesma Lei faculta ao juiz conceder o mandado
liminar com ou sem justificação prévia: “Art. 12. Poderá o juiz conceder
mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.”
Na presente hipótese, a cessação da atividade
nociva se faz imprescindível, já que as empresa rés J.Malucelli Florestal
Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. continuam a
implantar empreendimento em Áreas Úmidas, Bacia Manancial de
Abastecimento Público e UTP Itaqui, sem a regular
autorização/licenciamento ambiental e sem regular alvará de construção,
uma vez que a Autorização Ambiental e as Licença Prévia e de Instalação
emitidas pelo réu IAP, e o alvará emitido pelo município de São José dos
Pinhais estão eivados de diversos vícios (nulidades), ferindo os princípios
da administração pública e proporcionando a iminente ocorrência de sérios
e irreversíveis danos ambientais.
Em razão da patente nulidade das
12 Princípios de Direito Ambiental na Dimensão Internacional e Comparada, José Adércio Leite Sampaio, Chris Wold e Afrânio Nardy, Editora Del Rey, pág. 21.
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Licenças/Autorização Florestal e Alvará concedidos, a partir das diversas
ilegalidades apontadas, e pelo fato das empresas rés J.Malucelli Florestal
Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda., com suas
atividades de instalação, causarem degradação ambiental e social de caráter
irreversível na região, a concessão de MEDIDA LIMINAR é imprescindível
para que se impeça a continuidade dos danos nos referidos espaços
ambientalmente protegidos e para não acarretar prejuízos irreversíveis ao
meio ambiente e à coletividade.
A medida liminar tem, assim, perfeita
aplicabilidade ao caso em questão, pois, a suspensão imediata dos citados
atos administrativos e a determinação de não realização de qualquer
atividade no local pretendido pelas empresas rés é a única forma real de se
garantir a posterior recuperação dos recursos naturais apontados e do
respeito a toda população afetada.
Importante lembrar que, diante da iminente
possibilidade de graves lesões ao meio ambiente, resta clara a necessidade
de aplicação de princípios basilares do Direito Ambiental: os Princípios da
Prevenção e da Precaução.
O Prof. Álvaro Luiz Valery Mirra aborda os
referidos princípios da seguinte forma:
“No dizer de Cristiane Derani, “O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma determinada atividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade. (...) “A
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precaução” – adverte Paulo Affonso Leme Machado – “age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, através da prevenção no tempo certo”.13
O artigo 12 da Lei 7.347/85 sujeita a concessão de
medida liminar ao atendimento de dois pressupostos, quais sejam, fumus
boni iuris e periculum in mora.
O fumus boni iuris é a plausibilidade do direito
substancial invocado por quem pretende a decisão de mérito favorável para
a concessão de tutela antecipada, que está materializado pela demonstração
de que o empreendimento em referência afeta indevida e ilegalmente Áreas
Úmidas (aterro e edificação), UTP Itaqui e Bacia Manancial de
Abastecimento Público, na prova demonstrada de que todos os
procedimentos administrativos que originaram as Licenças Prévia e de
Instalação e a Autorização Ambiental emitidas pelo réu IAP foram cercados
de flagrantes ilegalidades, dentre outras, a flagrante afronta com a
legislação ambiental pertinente, e na prova demonstrada de que o também o
procedimento administrativo que originou o Alvará de Construção do
empreendimento é nulo, por desconsiderar a existência e o dever de
cuidado quanto aos referidos espaços territoriais especialmente protegidos,
por excluir a poligonal do Parque Linear do Itaqui na área do
empreendimento, e a obrigatoriedade de prévia realização de Estudo de
Impacto de Vizinhança (EIV).
Ao longo de todos os itens anteriores, evidenciou-se
a plausibilidade do direito ora invocado nas normas enumeradas, no qual se 13 Direito ambiental: o princípio da precaução e sua aplicação judicial, artigo publicado na Revista de Direito Ambiental, n. 21, janeiro/março de 2001.
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expõem os fundamentos jurídicos da presente demanda, normas estas que
vem sendo flagrantemente descumpridas pelos Requeridos. Deflui, ainda,
do princípio basilar do direito ambiental, que é o da prevenção.
Cumpre enfatizar que os citados atos
administrativos, além de ilegais e nulos, importam em verdadeiros
“cheques em branco” para iminentes atos de gravíssima degradação
ambiental e social, já que o aludido empreendimento pretende se implantar
indevidamente em local de extrema fragilidade ambiental.
Já o periculum in mora está expresso, no dever de
remover imediatamente a continuidade do ilícito, e, ainda, no dever de
impedir a continuidade das degradações ambientais noticiadas, em especial
o aterro e edificação nas Áreas Úmidas.
Permitir a continuidade da instalação ilegal do
empreendimento no imóvel em comento e a sua ocupação para um
Complexo Logístico de empresas para tão-somente na sentença final da ação
civil pública reconhecer a nulidade das Licenças, Autorizações e Alvará
emitidos pelos requeridos Município de São José dos Pinhais e Instituto
Ambiental do Paraná e a indevida intervenção nos referidos espaços
protegidos, importaria em esvaziar o cunho preventivo das ações judiciais
de proteção ao meio ambiente e tornar as degradações ambientais
submetidas a meras indenizações ao final das demandas. Mais do que isso,
importaria em admitir a verdadeira perpetuação de degradação ambiental
em larga escala e em expressa violação ao direito de todos a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, cuja higidez é de interesse difuso,
além da afronta aos princípios da administração pública.
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Diante disto, e para evitar a alegação da teoria do
fato consumado, em respeito ao comando constitucional do artigo 225, o
controle judicial sobre os atos danosos à coletividade assume papel
fundamental:
“Para bem cumprir as tarefas dele exigíveis nessa peculiaríssima área, o juiz deverá se submeter a um refletido exame de consciência. (...) Ele não é espectador isento, desvinculado do destino da demanda. (...) Não sobrepaira, incólume à transformação do ambiente por ele autorizada. Integra a comunidade dos interessados e nenhuma imunidade o privilegiará. Deverá, portanto, se desvestir de dogmas clássicos como o da neutralidade, bastando a tanto desenvolver sua consciência de ser humano a partilhar o destino dos semelhantes, sem proteção especial a não ser a intensificação de seu senso de ética ambiental. (...) O magistrado será intérprete do interesse comunitário, devendo saber distinguir entre valores momentaneamente perseguidos por grupos e aqueles permanentes, a serem garantidos como pressuposto de sobrevivência para as futuras gerações. Para isso, poderá exercer controle judicial sobre o mérito dos atos administrativos, consoante já prelecionou, com a autoridade de especialista no tema, o juiz ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA: ‘... a partir do momento em que o meio ambiente passa a ser considerado como um bem de uso comum do povo, não se der de modo satisfatório, segundo o juízo da comunidade, caberá a esta, valendo-se de seus legítimos representantes, buscar o estabelecimento da boa gestão ambiental, por intermédio, se for o caso, do Poder Judiciário’”14 – grifamos.
Ao tempo de ser imprescindível à
instrumentalidade do processo a concessão das medidas liminares para,
dentre outros, determinar a abstenção de qualquer atividade, obras, uso ou
ocupação no imóvel em comento, não existe periculum in mora in reverso. É
que o reconhecimento de eventual direito dos requeridos viabilizará a sua
retomada (das obras) sem maiores prejuízos a eles ou, ao menos, num juízo
de ponderação, em prejuízos menores àqueles já causados ao meio
ambiente – estes, sim, irreparáveis. 14 NATALINI, José Renato. in: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Jan/dez.1996.(45/46). p.144.
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Didier, ao discorrer sobre a antecipação de tutela,
outra espécie de medida cautelar que guarda similitude com a que ora se
pleiteia, leciona que “na antecipação de tutela assecuratória, antecipa-se por
segurança, para impedir que, durante o processo, o bem da vida vindicado sofra um
dano irreversível ou dificilmente reversível”. Conforme leciona Luciene
Gonçalves Tessler15, o processo tem por fim fazer valer os direitos
atribuídos aos cidadãos por meio das normas de direito material. O direito à
prevenção ambiental, antes de ser um direito processual, é verdadeiro
direito material. A Constituição Federal, no art. 225, traduz direito
fundamental à inviolabilidade ambiental. Portanto, todos os cidadãos têm
direito à tutela preventiva e idônea do meio ambiente, capaz de assegurar
sua integridade.
O perigo da demora em uma situação como esta
equivale, nas palavras emprestadas do Promotor Jacson Correa16: “além do
respaldo à própria ilegalidade, a um verdadeiro estímulo à destruição da natureza,
permitindo também que persistam as reiteradas agressões à saúde humana,
provocando por si só a irreparabilidade do dano face a impossibilidade de mensurá-lo
concreta suficientemente, uma vez que o meio ambiente sadio, e por conta disso toda
a natureza representam um patrimônio que pertence a todos, indistintamente”
Posto isso, caracterizados o fumus boni juris e o
periculum in mora, no intuito de promover a remoção dos ilícitos
continuamente praticados e prevenir a intensificação dos danos ambientais
já verificados, cuja reparação se torna cada vez mais difícil com o tempo,
requer o Ministério Público a concessão das seguintes MEDIDAS
15 In Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente, RT, 2004. 16 Revista de Direito Ambiental - Ed. Revista dos Tribunais nº 1 - pág. 277.
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LIMINARES, com fulcro no que estabelece o art. 12 da Lei nº 7.347/85, com
imposição de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) no caso de
descumprimento, a ser revertido em prol do Fundo Nacional de Meio
Ambiente, determinando:
a) às empresas requeridas J.Malucelli Florestal
Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda. a abstenção de
realização, incontinenti, de quaisquer atividades ou obras no imóvel em
discussão, bem como qualquer alteração ao ambiente na área objeto da
presente ação, determinando-se a limitação no exercício do seu direito em
relação ao imóvel sob litígio.
b) a suspensão da validade dos licenciamentos
ambientais irregularmente concedidos pelo réu Instituto Ambiental do
Paraná (IAP) e do Alvará de Construção emitido ilegalmente pelo
requerido município de São José dos Pinhais.
c) aos réus Instituto Ambiental do Paraná e
município de São José dos Pinhais que se abstenham de emitir qualquer
espécie de licença/autorização/alvará/anuência envolvendo os imóveis em
referência;
d) a determinação ao 1° Ofício de Registro de
Imóveis de São José dos Pinhais para a anotação nas matrículas n° 34.707,
34.708, 34.709 e 3.184 dos imóveis, ou de eventual matrícula resultado de
sua unificação, de registro sobre o trâmite da presente ação civil pública e
dos seus pedidos17;
e) a publicação de Edital para dar conhecimento a 17 Sobre esse registro, vide notícia do TRF da 4ª Região no link: http://www.editoramagister.com/noticia_25365655_PROTEGIDO_CONSUMIDOR_E_DETERMINADO_REGISTRO_DE_PENDENCIA_JUDICIAL_EM_MATRICULA_DE_EMPREENDIMENTO_CATARINENSE.aspx
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terceiros interessados e à coletividade, considerando o caráter erga omnes
da Ação Civil Pública, nos termos do artigo 94 da Lei nº 8.078/90;
f) a determinação às empresas requeridas
J.Malucelli Florestal Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações
Ltda. que providenciem, no prazo de 5 (cinco) dias, a afixação e a
mantença de 1 (uma) placa na frente do imóvel, visível aos que transitam
pelo local, contendo ao menos 4m2 (quatro metros quadrados) de
tamanho e a seguinte mensagem: “Imóvel interditado por decisão da
Justiça Estadual em ação intentada pelo Ministério Público – Áreas
Úmidas e Bacia Manancial de Abastecimento Público.”;
Ressalta-se que essa medida, além de contribuir
para instruir a população, com o fim de evitar que se proliferem atividades
e obras ilegais na localidade, por (suposto) desconhecimento das leis
ambientais, trata da exteriorização do caráter de educação ambiental das
decisões judiciais, já que o Poder Judiciário também é destinatário da norma
prevista no artigo 225, § 1º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988.
7.2 – DOS PEDIDOS DEFINITIVOS
ANTE O EXPOSTO, requer o Ministério Público,
havendo substanciosa adequação entre o fato e o direito, que:
a) - seja a presente Ação Civil Pública recebida,
autuada e processada na forma e no rito preconizado;
b) – Digne-se sejam as partes Requeridas citadas na
pessoa de seus Representantes Legais, para, querendo, virem responder aos
termos da presente ação no prazo legal, sob pena de aplicação dos
consectários jurídicos legais da revelia, o que desde já requer, produzindo as
provas que porventura possuir, acompanhando-a até final julgamento,
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facultando ao Oficial de Justiça para a comunicação processual, a permissão
estampada no artigo 172, § 2°, do Código de Processo Civil;
c) - Quanto ao MÉRITO, requer:
1) sejam confirmadas, no que forem pertinentes, as
medidas liminares pugnadas;
2) seja o réu Instituto Ambiental do Paraná
condenado na obrigação de não fazer, consistente na proibição de fornecer
qualquer autorização ou licença ambiental relativa à instalação de qualquer
empreendimento potencialmente poluidor na área em discussão;
3) seja declarada a nulidade de todo o processo de
autorização/licenciamento ambiental realizado pelo Instituto Ambiental
do Paraná em prol da empresa requerida J.Malucelli Florestal Ltda., em
especial da Licença Prévia nº 36642, da Licença de Instalação nº 19146 e da
Autorização Ambiental nº 39471;
4) seja declarada a nulidade do Alvará de
Construção n° 512/2014 emitido pelo Município de São José dos Pinhais
em prol da empresa requerida LM Itaqui SPE Administração e
Participações Ltda.
5) sejam as empresas requeridas J.Malucelli
Florestal Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda.
condenadas à proibição da realização de quaisquer obras de supressão de
vegetação ou floresta, aterro, terraplanagem, bem como qualquer alteração
ao ambiente na área objeto da presente ação, que não seja referente à
recuperação da área previamente autorizada pelo Juízo;
6) sejam as empresas requeridas J.Malucelli
Florestal Ltda. e LM Itaqui SPE Administração e Participações Ltda.
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condenadas a desocupar a área objeto da presente ação e a promover a
demolição das edificações ilegalmente implantadas;
7) sejam todos os réus condenados a recuperar as
área degradadas, em especial as Áreas Úmidas afetadas, e todo o passivo
ambiental formado, visando à restauração do ambiente ao status quo ante,
mediante projeto técnico a ser apresentado, que atenderá às exigências
técnicas definidas em perícia a ser realizada;
8) sejam todos os réus condenados a indenizar
pelos danos causados, sejam de natureza material ou extrapatrimonial,
incluindo-se os danos morais coletivos causados, decorrentes da
implantação dos empreendimentos em questão, cuja dimensão,
caracterização e valoração serão estipulados em liquidação de sentença;
9) a procedência in totum dos pedidos liminares, da
antecipação de tutela e da ação proposta, com o julgamento definitivo de
modo a satisfazer todos os objetivos expostos na presente peça vestibular
inicial, fixando-se para isto prazo para o seu cumprimento, bem como
cominação de sanção pecuniária, para o caso de descumprimento no prazo
estipulado, nos termos do artigo 11 da Lei nº 7.347/85;
10) - Requer e protesta, ainda, provar o alegado por
qualquer meio de prova admitida em direito, máxime provas testemunhais,
periciais, documentais e inspeção judicial, e, inclusive pelo depoimento
pessoal dos Representantes Legais dos Requeridos, pleiteando, desde já, a
juntada dos documentos anexos;
11) - Requer, desde já, a inversão do ônus da prova
que, em matéria ambiental, está expresso no princípio da responsabilidade
objetiva e consubstanciado em diversos textos legais, a partir da
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Constituição Federal, art. 225, § 3º;
12) – Sejam condenados as partes Requeridas ao
pagamento da custas e demais cominações legais;
13) - Na forma do art. 18, da Lei Federal 7347/85,
requer a dispensa do adiantamento e pagamento de custas, emolumentos,
honorários periciais, e outros encargos.
Conquanto de valor inestimável, dá-se à causa,
para os efeitos legais, o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais),
ressalvando, no entanto, que este é um valor estimativo e formal, não
impedindo o arbitramento de eventual indenização em nível superior.
São José dos Pinhais, 30 de março de 2015.
Alexandre Gaio Sérgio Luiz Cordoni
Promotor de Justiça Promotor de Justiça
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