estabilizando uma economia instável - minsky cap. 9
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7/30/2019 Estabilizando uma economia instvel - Minsky Cap. 9
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Estabilizando uma Economia Instvel
Hyman Minsky
Do Original
Stabilizing an Unstable EconomyMcGraw-Hill 2008
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Captulo 9
COMPROMISSOS FINANCEIROS E INSTABILIDADE
A razo principal pela qual nossa economia se comporta de diferentes maneiras em momentos
diferentes o fato de que as prticas financeiras e a estrutura dos compromissos financeiros
mudam. As prticas financeiras resultam em compromissos de pagamentos incorporados nos
contratos e refletem as condies de mercado e as expectativas que serviam de regra quandoforam negociados e assinados. Os compromissos de pagamentos vencem e as dvidas so pagas
na medida em que a economia se move ao longo do tempo, e seu comportamento e,
particularmente, sua estabilidade mudam medida que muda a relao entre os compromissos
de pagamentos assumidos e osfundos disponveis para seu pagamento e medida que evolui a
complexidade dos arranjos financeiros.
No h dvida de que a economia norte-americana era mais instvel nos anos 1970 e 1980
do que nas dcadas de 1950 e inicio da de 1960: na metade dos anos 1960 tornou-se evidente uma
mudana aparentemente significativa nas propriedades estabilizadoras da economia. Uma
estrutura financeira slida - um legado da Segunda Guerra Mundial e do conservadorismo
financeiro induzido pela Grande Depresso que, em conjunto, levaram para a estabilidade - foi
sucedida por uma estrutura financeira frgil, sujeita a instabilidade, e que, frequentemente,
requer intervenes do FED e da cooperao de outras autoridades para abortar crises
financeiras aparentemente incipientes. A evoluo de uma situao financeira slida para uma
frgil no ocorreu em meio a um vcuo. As fontes da mudana podem ser encontradas nas
oportunidades de lucro abertas a inovadores financeiros dentro de um conjunto de regras e
instituies; no impulso inovador das prticas financeiras de famlias, firmas e banqueiros em
busca de lucros; e a intervenes legislativas e administrativas do governo e dos bancos centrais.
O financiamento da atividade econmica resulta num resduo de compromissos
financeiros. O investimento no somente afeta o produto agregado, a distribuio de renda e a
capacidade produtiva, mas, numa economia capitalista, tambm deixa resduos na estrutura
financeira. Alm disso, posies herdadas no estoque de ativos de capital so financiadas por
instrumentos que fazem parte do lado das obrigaes no balano patrimonial. A estrutura de
obrigaes utilizada no financiamento da posse de ativos de capital muda, o que, por sua vez,
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afeta a estrutura das relaes financeiras e dos compromissos de pagamentos: fuses,
transferncia de administrao e aquisies mudam a estrutura de obrigaes sem alterar a
produo agregada ou a capacidade produtiva da economia.1
Os lucros esto disponveis para os que inovam estruturas e instituies financeiras, assim
como para aqueles que inovam produtos, tcnicas de produo e marketing. Muito das grandesfortunas carreia para os que introduzem inovaes financeiras, sejam eles tomadores ou
fornecedores de emprstimos. Bancos, outras instituies financeiras, firmas e famlias esto
sempre buscando novas formas de financiar atividades. Inovaes financeiras bem-sucedidas so
recompensadas com fortunas e exaltadas por imitadores. Quando uma inovao bem-sucedida,
ela pode se difundir rapidamente, uma vez que as inovaes financeiras so quase sempre a
aplicao de alguma idia e no existe patente que impea os imitadores.2
O governo, que uma fonte de mudanas nas prticas e instituies do mercado financeiro,opera por meio de legislao e de decretos ou por intervenes das autoridades, tais como os
bancos centrais. O governo influencia as normas de comportamento e da estrutura financeira. As
leis, os decretos e as intervenes refletem as vises que nossos governantes e seus intelectuais
das cortes judiciais mantm sobre como a economia afetada por instituies e instrumentos
financeiros. Por trs de todas as legislaes e regulamentaes, com exceo das mais
rudimentares favorecendo interesses especiais, encontra-se alguma teoria sobre como os
mercados se comportam e como eles afetam a economia e, portanto, o bem comum.
Mudanas na legislao, tais como as reformas ocorridas durante os anos do governo de
Roosevelt, e a mania da desregulamentao do final dos anos 1970 e 1980, refletem alguma
teoria. Se a teoria est em desacordo com a maneira pela qual a economia se comporta, as
reformas no faro muito bem e podem at causar muito estrago.3
Se, com o passar do tempo, mudar o comportamento da economia, a base
intelectual de uma determinada legislao pode ser solapada. Nesse momento, a legislao,
e as instituies e prticas criadas por ela, pode perder sua legitimidade. A estrutura
1A renda obtida pelos operadores de Wall Street com fuses e aquisies parte da renda e da produonacional. Portanto, embora o significado do dito acima esteja claro, no est tecnicamente correto. Em nossotipo de economia, existe uma produo peculiar que se chama fuso e aquisio. O valor dessas produes nascontas nacionais so as taxas pagas aos profissionais da rea de advocacia e de Wall Street, assim como os custosespeciais que as firmas incorrem que surgem devido as possibilidades de fuses ou aquisies. Os paraquedasdourados" dos anos 1980 geram "receitas" que so difceis de se relacionar com as abordagens econmicaspadro sobre rendas.2Hyman P. Minsky, "Central Banking and Money Market Changes", Quarterly ]ournal of Economics (Maio,
1957), reimpresso em Hyman P. Minsky, Can "IT" Happen Again? Essays on Instability & Finance (Armonk,N.Y.: M.E. Sharpe & Co., 1982), detalha algumas das implicaes de uma inovao nos mercados monetrios. Vertambm Hyman P. Minsky, "Financial Intermediation in the Money and Capital Markets", em G. Pontecorow, R.P.
Shay e G.D. Hart,Issues in Banking and Monetary Analysis (NewYork; Holt Rinehart & Winston, Inc., 1967), p.33-56.3 Sobre este movimento de desregulamentao ver Thomas F. Cargill e Gillian C. Garcia, FinancialDeregulation and Monetary Control (Stanford: Hoover Institution Press, 1982).
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financeira regulada foi assim legitimada pelo colapso de 1929-1933, enquanto a mania da
desregulamentao ocorreu nas dcadas de 1970 e 1980 depois de um longo perodo sem que
houvesse qualquer desastre completo.
Para analisarmos como os compromissos financeiros afetam a economia, torna-se
necessrio observar as unidades econmicas em termos de seus fluxos de caixa. Aabordagem do fluxo de caixa analisa todas as unidades - sejam elas famlias, corporaes,
governos municipais, estaduais ou at mesmo governo federal - como se fossem bancos.
A literatura bancria tradicional enfatizava a necessidade dos banqueiros estarem
lquidos e solventes, e isso deveria ser alcanado pelos bancos que enfatizam emprstimos
comerciais auto-liquidantes. Desse modo, os fluxos de caixa provenientes das vendas
comerciais levariam a pagamentos devidos aos bancos. Estes pagamentos garantiriam a
liquidez e a solvncia do banco. Do mesmo modo, as empresas precisam manter a liquidez ea solvncia. Isto significa que os compromissos de pagamentos acordados em dvidas devem
estar dentro dos limites estabelecidos pelos fluxos de caixa esperados e realizados.
Alguns dos problemas que surgiram nos anos 1970 e no inicio da dcada de 80
podem ser devidos negligncia (ou ignorncia) de regras prudenciais universalmente
aceitas, embora vrias vezes violadas, para operaes de bancos e firmas, preconizadas em
velhos livros-texto do passado. Nos anos mais recentes, a sabedoria tradicional tem sido
frequentemente ignorada pelos administradores de grandes bancos e pelas vrias
autoridades bancrias. Isto se mostrou particularmente evidente nos problemas enfrentados
pelas REITs4 nos anos 1970, no caso Hunt-Bache, tambm no final da dcada de 70, e pela
exposio dos grandes brancos s vicissitudes das finanas internacionais no incio dos
anos 80. Parte dessa negligncia se deve crena dos grandes bancos de que o Tesouro, o
Federal Reserve, e outras agncias governamentais provero ajuda financeira para evitar
uma grande crise. A experincia dos anos 1970 e do inicio dos anos 80 validou a crena de
que as instituies financeiras gigantes sero protegidas. Uma vez que a administrao de
bancos multibilionrios assume que as autoridades sempre agiro para mant-las saudveis e
uma vez que as autoridades validaram essa hiptese, o comportamento dos banqueiros levar
em conta a existncia de uma rede de segurana por meio de salvamento financeiro (bail-outs).5
Contudo, acobertamentos repercutem do mesmo modo que os salvamentos financeiros.
O ato de proteger e de salvar banqueiros afeta o desempenho subsequente da economia. As
4 Em ingls significaReal Estate Investment Trust, isto , fundos mtuos de investimento imobilirio.(N.T)5A potencial quebra do Continental Illinois Bank of Chicago, no qual as autoridades intervieram em larga
escala para prevenir uma falncia "aberta", demonstra a que ponto as autoridades financeiras esto dispostas eprontas a chegar para prevenir quebras bancrias declaradas. Na falncia do Continental Illinois - que seprolongou por dois anos -, acionistas, diretores, gerentes e alguns funcionarios foram punidos, enquanto todosos clientes, independentemente do tamanho de seus depsitos, foram protegidos.
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intervenes, comeando pela crise de crdito em 1966, para proteger as instituies financeiras
de seus prprios comportamentos ameaadores de sua sobrevivncia, tem levado a uma
economia que flutua, dentro de um perodo de durao varivel, entre crises financeiras e
acelerao da inflao. As autoridades, amedrontadas das consequncias desconhecidas da
quebra de grandes bancos, intervm para proteg-los quando esto em perigo, o que significaque os grandes bancos so grandes demais para uma economia no intervencionista e de livre
mercado.
Uma causa da instabilidade observada, no somente nos ltimos quinze anos como tambm
nos ltimos cento e cinquenta, encontra-se nas necessidades financeiras das economias
industrializadas e das economias em processo de industrializao. O financiamento externo ou
bancrio no apenas necessrio, ou mesmo principalmente, para financiar o comrcio e os
estoques. Os investimentos e a posse de ativos de capital com vida econmica longa tambmrequerem financiamento externo. Na medida em que os ativos de capital de vida econmica
longa sejam financiados por obrigaes de curto prazo, uma falta de sincronia pode se
desenvolver entre os pagamentos contratuais contidos nas dvidas e as receitas operacionais
estabelecidas na relao entre os bancos e as firmas.
O capitalismo pode muito bem funcionar melhor quando os ativos de capital so baratos e
simples. A instabilidade pode muito bem ser exacerbada na medida em que a produo se torna
capital-intensiva, os custos relativos e os perodos gestacionais dos bens de investimentos
aumentam, j que nessa economia capitalista provavelmente aparecero arranjos financeiros
nos quais os devedores pagam suas dvidas no com dinheiro derivado da produo, mas obtido
por meio da emisso de dvidas. Para manter a estabilidade da economia, temos que investigar
as implicaes das dvidas e dos financiamentos externos das estruturas financeiras que todos
sabemos que existem.
TAXONOMIA DOS FLUXOS DE CAIXA
Podemos distinguir trs tipos de fluxos de caixa fluxos de renda, fluxos do balano
patrimonial e fluxos da carteira de ttulos.6 Os fluxos de caixa oriundos de renda - salrios, tanto
pblicos como privados, os pagamentos relativos de um estgio da produo e da
6A classificao de tipos de fluxo de caixa e a relao desses tipos de fluxo com a estabilidade da economiaforam desenvolvidos ao longo de varios anos. Ver Hyman P. Minsky, "Financial Instability Revisited: TheEconomics of Disaster", Board of Governors, Federal Reserve System, Fundamental Reappraisal of the FederalReserve Discount Mechanism (Washington, D.C., 1972); reimpresso em Hyman P. Minsky, Can "IT" HappenAgain? Essays on Instability Finance, op. cit. Ver tambem Hyman P. Minsky, "The Modelling of FinancialInstability: An Introduction", Modelling and Simulation, vol. 5, Proceedings of the Fifth Annual Pittsburghlonference (Pittsburgh: Instrument Society of America, 1974).
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comercializao para outro e os lucros brutos depois de descontados os impostos - resultam do
processo de produo. Dinheiro, com efeito, move-se num circuito de gerao de renda. O
circuito gerador de renda, como aqui definido, inclui todos os pagamentos para produtos
parcialmente terminados e vendidos entre empresas. No est restrito a pagamentos que
surgem da venda final da produo.7
Alm disso, existem fluxos de caixa comandados por obrigaes existentes ou herdadas.
Esses fluxos, que decorrem do pagamento do principal e dos juros, podem ser determinados
pela leitura dos contratos, que so instrumentos de dvida. Tais fluxos sero chamados de
fluxos de caixa do balano patrimonial. Quanto menor a durao dos instrumentos
financeiros, tanto maior o fluxo de caixa desse balano por dlar de obrigao financeira.
Um terceiro conjunto de fluxos de caixa o relativo carteira de ttulos. Esses fluxos
so resultantes de transaes nas quais ativos de capital e financeiros mudam de mos. Essesfluxos de caixa so o resultado de decises de compra ou venda de ativos ou de colocao de
novas obrigaes em circulao. Alguns dos fluxos de caixa oriundos dessas carteiras de ttulos
so funo de compromissos anteriores e ocorrem a qualquer momento no tempo. Isto
particularmente verdadeiro para os fluxos que ocorrem durante a produo de bens de
investimento e na metamorfose desses bens de investimento em ativos de capital.
Ha uma assimetria em relao aos fluxos de caixa envolvendo o investimento. Para os
produtores de bens de investimento, os recebimentos de dinheiro so uma conta de renda. Os
preos de venda dos produtos de investimento recuperam o salrio, o financiamento e os
custos materiais de produo. Para o comprador dos bens de investimento, porm, trata-se de
uma transao de carteira na qual o bem de investimento recm produzido no se diferencia de
um ativo de capital ou instrumento financeiro que pode ser comprado do estoque de ativos da
economia. Esta assimetria reflete um dos modos pelos quais o futuro entra nas decises de
produo. Bens de investimento so assimilados ao estoque de ativos de capital porque se espera
que eles gerem fluxos de caixa suficientemente grandes, na medida que sejam usados na
produo e comercializao, para validar seus custos de produo.
importante tambm distinguir trs tipos diferentes de fluxos de balano patrimonial:
com data determinada, de acordo com a demanda e contingente. O fluxo com data
determinada de fcil compreenso. Um contrato de financiamento de automvel ou hipoteca
imobiliria requer pagamentos mensais de uma quantia estipulada. Esses valores mensais so
compromissos de pagamento.
Tais arranjos se originam claramente como acordos de troca de dinheiro hoje (o valor do
7 Frank H. Knight, "Social Economic Organizations", Syllabus and Selected Readings for the :irst Year Course inthe Social Sciences, 2. ed. (Chicago: University of Chicago Press, 1933), George J. Stigler, The Theory of Price,
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preo de compra financiado) por dinheiro amanh (o estabelecimento do pagamento mensal).
Se o conjunto de pagamentos mensais for descontado com base na data de assinatura do contrato
pela taxa de juros ali estabelecida, o valor presente compromissado se iguala ao dinheiro pago
hoje pelo prestamista.
Qualquer um que tenha adquirido uma casa ou carro por meio de emprstimo sabe que ocontrato divide cada pagamento em uma parte que a reduo do principal, e a outra, que juros.
Isto importante para efeito de imposto de renda e se o contrato precisar ser encerrado antes
do tempo. Portanto, em cada data desse contrato convencional ha um valor contratual do
principal pendente. Se os pagamentos ainda devidos neste contrato forem capitalizados com a
taxa na qual o contrato foi computado, o valor dos pagamentos restantes se iguala ao montante
estabelecido no contrato como saldo ainda devedor (a menos que o contrato tenha alguma
penalidade sobre o pagamento antecipado).
Se, em algum perodo do contrato, a taxa de juros do mercado for diferente daquela da
assinatura do contrato, ento o valor capitalizado do restante dos pagamentos com esta taxa de
mercado ser diferente do valor principal estabelecido no contrato. O valor capitalizado ser
maior se a taxa de juros do mercado for mais baixa do que a taxa inicial do contrato e o valor
capitalizado ser menor se a taxa de juros do mercado for mais elevada. Esta relao inversa
entre os juros de mercado e os valores capitalizados dos retornos contratuais contingentes e
antecipados fundamental para a compreenso das finanas capitalistas.
Dois outros tipos de contratos financeiros com data estabelecida podem ser
distinguidos:o desconto de duplicatas e os ttulos. No caso de uma duplicata descontada, o
tomador concorda em pagar um valor especfico numa data em particular e recebe em troca
um valor percentualmente menor do que aquele o qual ele concordou pagar. Tal
procedimento especialmente importante porque se transforma em proviso contbil, e isto
talvez seja essencial para a existncia de sistemas financeiros no fraudulentos como as
finanas Ponzi, nas quais os fundos para o pagamento de juros e dividendos so obtidos
por meio de emprstimo.8 O mais conhecido instrumento de desconto o ttulo de dvida do
Tesouro. No desconto de ttulos, que ocorre tipicamente para um perodo curto, o principal e
os juros so devolvidos em um s pagamento numa data designada. Nos anos 1970 e 1980,
rev. ed. (New York: Macmillan, 1 952), captulo 1.8O livro de Donald H. Dunn, Ponzi! (New York: McGraw-Hill, 1975), uma narrativa ficcional do casoque apresenta algumas questes relativas prtica de finanas "irresponsveis o que frequentemente ocorreem meios bastantes respeitveis. O uso do termo Ponzi para tratar de relaes financeiras que envolvem acapitalizao de juros era originalmente uma brincadeira, que acabou se tornando um instrumentorecorrente que utilizo para descrever tais ocorrncias. No tern o objetivo de ser "demaggico", como
interpretado por Raymond Goldsmith. Ver comentrios feitos por Raymond Goldsmith em C.P.Kindlebergere J. P Laffaugue, Financial Crises Theory History and Policy (Cambridge: Cambridge University 1982), p.43. Para uma terminologia alternativa ao que chamo aqui de finanas hedge, especulativo e Ponzi, ver P.Davidson,Money and the Real World(New York: John Wiley and Sons, 1972).
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organizaes privadas comearam a experimentardvidas com zero coupon9 que tinham um
desconto maior, pois a data de vencimento era mais longa.
Um tipo de contrato mais tradicional o ttulo: tome, por exemplo, um ttulo que
poderiapagar U$100 ao ano, por vinte e cinco anos, e U$1.000 no final do perodo. O preo de
um ttulo desse tipo subir ou cair dependendo de se a taxa de juros corrente estiver acimaou abaixo dos 10%.
Os exemplos mencionados acima so de contratos com data determinada. Alm
disso, existem contratos financeiros de durao indeterminada, que so redigidos como
contratos que respondem demanda. Os mais importantes contratos deste tipo so os
depsitos em bancos comerciais e em outras instituies financeiras depositrias, tais
como osbancosde poupana. Particularmente importantes, so os depsitos movimentados por
cheques, porque so imediatamente gastos nas atividades correntes, movidos de um banco paraoutro ou trocados por outros ativos. Tais depsitos so a principal forma de dinheiro em nossa
economia.
Os depsitos vista podem ser considerados como os instrumentos financeiros de menor
prazo. Nas prticas comuns a demanda por pagamento e exercida por meio de transferncia de
depsitos para terceiros. Se houvesse apenas um banco emitindo tais depsitos, nenhum
problema surgiria como resultado de tal prtica. Contudo, numa economia com inmeros
bancos, os pagamentos so geralmente transferncias de ativos entre bancos. Num sistema
bancrio em bom funcionamento ha certo acordo entre os banqueiros sobre qual dos dinheiros-
bancrios ser utilizado na liquidao de pagamentos entre bancos, e existem tambm arranjos
pelos quais os bancos podem trocar seus ativos por aquele dinheiro. O ouro j serviu no
passado como dinheiro; no sistema bancrio atual, os depsitos no Banco Central - ou em
bancos correspondentes servem a esta funo. Os arranjos de troca de ativos bancrios por
dinheiro tomam a forma de um mercado monetrio e de acesso aos financiamentos oferecidos
pelo Banco Central.
Uma terceira categoria de instrumentos financeiros engloba direitos condicionais ou
contingentes. Um conjunto de direitos contingentes surge do endosso de notas promissrias de
terceiros. Os emprstimos da Lockheed e da Chrysler garantidos pelo governo, os casos do
Moral Obligatio Bond do Estado de Nova Iorque e do Federal Home Loan Banks Garantee
(Freddie Mac) sobre hipotecas imobilirias, e os aceites bancrios so exemplos de direitos
contingentes com base em endosso de terceiros.
Alm disso, seguros de vida, de bens e de acidentes, e as aes de corporaes so tambm
direitos contingentes, embora sejam bastante distintas daquelas endossadas. O direito
9Ttulos que no pagam juros peridicos. So comprados com um desconto sobre o valor de face.
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contingente das aes, por exemplo, proporcional a uma parte dos rendimentos, se estes
existirem e forem distribudos, ou a uma parte proporcional do valor da empresa se esta for
vendida ou liquidada. O valor das aes est, portanto, intimamente relacionada ao curso
esperado do fluxo de caixa que restar a uma empresa aps os pagamentos de compromissos
contratuais das dividas.Existe um tipo especial de direito contingente em contratos com datas determinadas, nos
quais se o devedor no cumprir seus compromissos pendentes de pagamento de dvida, toda a
dvida vincenda se torna vencida. Esse arranjo desenhado para proteger os direitos dos
possuidores de dvidas de longo prazo. Se este instrumento no existisse, os ativos de uma
organizao, cujas dvidas excedessem o valor de seus ativos, poderiamser dissipados antes do
vencimento das dividas de longo prazo.
A instabilidade financeira est ligada importncia relativa dos fluxos de caixasoriundos da renda, do balano patrimonial e da carteira numa economia. Os fluxos de caixa
de rendas - os salrios e ordenados, e os pagamentos por produtos finalizados eem elaborao
so a base sobre a qual os fluxos de caixa do balano patrimonial e de carteira se assentam. Se
os fluxos de caixa de rendas esperadas e realizadas so suficientes para honrar todos os
compromissos de pagamento das obrigaes de uma unidade, ento esta unidade estar com as
finanas slidas (hedge financing). Entretanto, o fluxo de caixa do balano de uma unidade pode
ser maior do que a renda esperada, de modo que a nica forma de os compromissos serem
honrados por meio do rolamento da dvida ou pela emisso de novas dvidas. Unidades
que rolam dvidas esto envolvidas em finanas especulativas, e aquelas que aumentam suas
dvidas para pagar dvidas preexistentes se envolvem em finanas Ponzi. Portanto, unidades
envolvidas em finanas especulativas e Ponzi precisam fazer uso de transaes de carteira -
vendendo ativos ou dvidas - para pagar seus compromissos, enquanto unidades que possuem
hedge finance podem honrar suas dividas sem recorrer a transaes de suas carteiras de ttulos.
E, sem dvida, unidades hedge tambm podem fazer transaes com sua carteira para adquirir
ativos, mas essa uma estratgia de crescimento e no o resultado de uma queda no fluxo de
renda em relao ao vencimento de compromissos.
importante notar que a necessidade de se rolar ou aumentar uma dvida para honrar
compromissos e manter o negcio em funcionamento pode ter sido contemplada pela empresa
e pelo banqueiro quando os contratos foram assinados. Entretanto, enquanto as unidades hedge
no so dependentes das condies do mercado financeiro para honrar suas obrigaes, as
unidades especulativas e Ponzi o so. O peso relativo dos fluxos de renda, de balano e de
carteiras numa economia determina a suscetibilidade do sistema financeiro a distrbios. Uma
economia na qual os fluxos de renda so dominantes para honrar compromissos assumidos no
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balano relativamente imune a crises financeiras: ela financeiramente slida. Uma economia
na qual as transaes com carteiras de ttulos so amplamente usadas para obter meios para
honrar pagamentos assumidos no balano pode estar pr-disposta a crises: ela uma economia,
pelo menos, potencialmente frgil financeiramente.
FLUXOS DE CAIXA OPERACIONAIS E DE DVIDAS
As expectativas de receitas de uma unidade se baseiam em suas operaes e em
ativos financeiros. So as receitas obtidas por uma empresa que tornam a posse de ativos de
capital compensadora. Do ponto de vista de Wall Street, os ativos de capital tem valor no
pelo fato de serem produtivos no sentido fsico, mas porque geram lucros. Para Wall Street, a
capacidade tcnica de um Boeing 747 de cobrir distncias de importncia secundria. O que
vale a habilidade de uma organizao num determinado mercado e numa determinadasituao econmica de operar Boeings 747 lucrativamente. Do mesmo modo, o fato de uma
instalao nuclear produzir eletricidade, causar danos ao ambiente ou ser segura no
relevante para Wall Street. O que vital o clculo de custos e receitas esperados. Como j
mencionado, em nossa economia a lucratividade prospectiva dos ativos de capital listados
sob o controle de uma firma crtica na determinao do investimento, pois isto determina se
a produo e posse de ativos de capital so financiveis.
Se for verdade que os ativos de capital tem valor porque geram lucros, ento o preo demercado de um ativo de capital depender das expectativas presentes dos lucros futuros e do
modo como esses lucros so transformados em valor presente. Porm, alm da capitalizao
de receitas futuras, existem duas outras formas de se avaliar os ativos de capital - o preo de
oferta dos bens de investimento, que podem ser substitudos em processes produtivos por
ativos de capital j existentes, e o valor contbil, que o preo original de compra do ativo
de capital menos a depreciao sofrida.
Desses trs mtodos de avaliao, o valor contbil um conceito fundamentalmente
histrico e fiscal. Entretanto, no importa muito o que um ativo de capital custou no passado
e qual o valor corrente, aps a depreciao, que aparece nos registros de uma organizao, se
ele no for capaz de gerar rendas vlidas. Do ponto de vista de Wall Street, se um conjunto
de ativos de capital no capaz de gerar receitas para seus proprietrios atuais ou futuros,
ele simplesmente no tem valor. Num mundo em que prticas contbeis podem ser criativas
e no qual as corporaes so combinaes complexas de diferentes tipos de operaes, o
valor contbil dos ativos de capital pode ter pouca relao com o valor dos ativos de capital
em produo.
O custo de produo de um novo ativo de capital - o preo de oferta de um bem de
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investimento - um determinante significativo do comportamento da economia. O
comprador do bem de investimento acredita que haver lucros - e o valor dos ativos de
capital existentes o resultado desse mesmo pensamento. Se os retornos futuros esperados
forem capitalizadas e gerarem um valor para os itens no estoque de ativos de capital que seja
maior do que o preo do bem de investimento, ento espera-se que os bens de investimentosgerem lucros tanto quanto os ativos de capital para garantir sua produo: a deciso de comprar
ou no bens de investimento baseia-se na relao entre as avaliaes dos ativos de capital e o
preo de oferta de bens de investimento.
O fluxo de caixa que se espera que um conjunto de ativos de capital listados numa firma
venha a gerar denominado quase-rendas.10 Como j utilizado por Alfred Marshall e John
Maynard Keynes, este termo evoca a idia de que os retornos dos itens no estoque dos ativos
de capital produzidos so anlogos, mas no idnticos, renda da terra. Para David Ricardo,a contribuio que a terra faz a produo atribuda a uma original e indestrutvel qualidade
da natureza, e a renda o valor desse servio na produo. Entretanto, os ativos de capital
diferem do conceito Ricardiano no sentido de que eles so produzidos e se espera que sejam
exauridos quando em uso produtivo.
Uma empresa com uma estrutura de obrigaes pode ser concebida como uma mquina de
gerao de quase--rendas a partir de suas operaes e de pagamento de seus credores.
Enquanto o pagamento de compromissos (tanto o valor principal quanto os juros)
estabelecido em contrato e, portanto, conhecido, principalmente se o contrato tiver data
definida, as quase-rendas so inerentemente conjecturais e subjetivas. Os compromissos
contratuais so o resultado dos contratos de dinheiro hoje por dinheiro amanh. O dinheiro-
hoje foi obtido para financiar a aquisio de ativos ou para financiar a atividade econmica. Os
ativos financiados so bens de capital fixo, matria-prima e produtos parcialmente processados
que so comprados e utilizados na produo. A validao (ou no validao) do uso de ativos de
capital caros e de vida longa na produo ocorre quando as margens entre as receitas e os custos
correntes de produo so (ou no) alcanadas.
Nas prticas bancrias mais antigas, esperava-se que os emprstimos dos bancos
comerciais liquidassem a si prprios, o que significava que o valor proveniente de um
emprstimo seria utilizado para a aquisio de um estoque especifico de produtos, e que a
venda deles - com ou sem a necessidade de processamento ou transporte - geraria os fundos
para a liquidao da dvida. Isto significava que o fluxo de caixa para honrar os
compromissos contratuais era claramente visvel quando o emprstimo era tomado,
10Quase-rendas so receitas menos despesas correntes ajustados ao crdito fiscal. Para uma discusso sobrequase-rendase preos de ativos de capital, ver Apndice A.
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significando que a finalizao de transaes bem definidas iria fornecer os meios de
pagamento. Ademais, essas transaes ocorriam rapidamente. boa prtica empresarial um
banco se especializar em emprstimos que liquidam a si mesmos. Em particular, qualquer
banqueiro competente tem uma viso bastante clara de como seus clientes tomadores de
emprstimos iro operar para arrecadar fundos para pagar suas dvidas.11
Num sistema em que os compromissos contratuais so realizados para financiar os
produtos no comrcio, o movimento desses produtos por meio dos canais de distribuio gera
o montante para o pagamento tanto do principal como dos juros da dvida. O pagamento da
dvida est proximamente ligado ao fluxo de renda. Num sistema em que os compromissos
contratuais so usados para financiar ativos de capital de longa durao, os fluxos de caixa de
curto prazo geram um lucro bruto que insuficiente em relao ao valor do ativo de capital. A
menos que os contratos de financiamento sejam de longo prazo para que possam levar emconta o tempo necessrio em que o ativo de capital gerar rendas, o funcionamento normal
da economia no gerar caixa suficiente para honrar o pagamento dos compromissos. Nessas
circunstncias, o pagamento de dvidas s poder ser realizado pela combinao de fluxo de
renda e fluxos de carteiras de ttulos. Em particular, os fundos para a quitao de algumas
dvidas, pelo menos, sero obtidos pela contratao de novas dvidas.
FINANAS TIPOHEDGE, ESPECULATIVAS E PONZI
Em nossa economia, caracterizada pela tomada e concesso de emprstimos baseados
em margens de segurana tanto para os prestatrios quanto para os prestamistas, as posies
das empresas em ativos de capital, dos quais se espera a gerao de fluxo de caixa na medida
em que so usados na produo, so financiadas por combinaes de lanamento de aes e
dvidas. Similarmente, as posies em instrumentos financeiros possudos por bancos
comerciais, companhias de seguro, bancos de poupana e assim por diante, so financiadaspor combinaes de capital prprio, supervits e dvidas. As dvidas das instituies financeiras
podem estar na forma de depsitos vista ou a prazo, valores de resgate de aplices etc.
Espera-se que os ativos financeiros gerem fluxos de caixa conforme estabelecido nos
contratos.
Ha trs tipos de financiamento de posies em ativos que podem ser identificados na
estrutura financeira de nosso sistema: a posio hedge, a posioespeculativa e a postura
11 Lloyd W. Mints,A History of Banking Theory in Great Britain and the United States (Chicago: University ofChicago Press, 1945), um relato definitivo e uma crtica sobre a teoria de emprstimos comerciais bancrios e doutrina real bills a ela associada.
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Ponzi. Esses regimes financeiros caracterizam-se por diferentes relaes entre os
compromissos de pagamentos de dividas e as receitas esperadas devido s quase-rendasobtidas
pelos ativos de capital, ou os compromissos contratuais do devedor sobre os instrumentos
financeiros possudos.
Unidades com hedge finance e seus banqueiros (aqueles que arranjam o financiamentomesmo quando no ficam de posse dos instrumentos utilizados) esperam que o fluxo de caixa
oriundo de operaes com os ativos de capital (ou a partir dos contratos financeiros
possudos) seja mais que suficiente para a quitao dos compromissos contratuais correntes e
futuros. Consequentemente, uma unidade hedge no pode ter um grande volume de dvidas
vista. As dvidas contingentes, a menos que essas contingncias sigam algumas regras atuariais
bem conhecidas - como no caso dos seguros -, tambm no podem ser uma grande parte das
obrigaes de uma unidade hedge. Portanto, um banco comercial no pode ser uma unidadehedge.
Unidades que adotam posturas financeiras especulativas, e seus banqueiros, esperam que
o fluxo de caixa oriundo da operao com ativos (ou da posse de contratos financeiros) seja
menor do que os compromissos de pagamento em alguns perodos, tipicamente no curto prazo.
Entretanto, se as receitas e os pagamentos forem separados em renda e retorno do principal (como
ocorre, por exemplo, com os pagamentos mensais sobre uma hipoteca), ento a renda esperada
excede os compromissos de pagamentos de renda (juros) existentes em cada perodo. As
deficincias de fluxo de caixa surgem porque os compromissos de pagamento do principal so
maiores do que as receitas sobre o principal durante o mesmo perodo. A finana especulativa
envolve o rolamento de dvidas que esto vencendo.
Uma unidade (e seus banqueiros) que se envolve em finanas especulativas espera que as
receitas nos perodos subsequentes excedam os compromissos de pagamentos, devidos s dvidas
hoje existentes nos balanos, naqueles perodos. As finanas especulativas envolvem o
financiamento de curto prazo das posies de longo prazo. Os bancos comerciais so o prottipo
das organizaes financeiras especulativas. Uma unidade hedge finance pode se tornar uma
unidade especulativa se houver uma queda na renda, e uma unidade especulativa pode se tornar
uma unidade hedge se ocorrer um crescimento na renda ou se as dvidas forem "fundadas".12
Uma unidade Ponzi similar a uma unidade especulativa uma vez que, em alguns perodos
de curto prazo, os compromissos de pagamento excedem a receita esperada com os ativos
possudos. Contudo, por pelo menos alguns perodos curtos, os compromissos de pagamentos de
rendas excedem as rendas esperadas. Enquanto os fluxos de caixa de curto prazo das unidades
12 Abrir falncia uma maneira de transformar unidades especulativas e Ponzi em unidades hedge e
especulativas, respectivamente.
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especulativas so suficientes para que os custos financeiros no aumentem as dvidas pendentes,
nas unidades Ponzi os custos financeiros so maiores do que a renda de modo que a quantidade
nominal de dvida pendente aumenta. As unidades Ponzi capitalizam juros em sua estrutura de
obrigaes.
Devedores e banqueiros que se envolvem em finanas especulativas e Ponzi esperam queos compromissos de pagamento assumidos nas dvidas sejam honrados com refinanciamentos,
com aumento das dvidas ou se desfazendo de estoques de ativos financeiros considerados
suprfluos. Enquanto as unidades hedge so vulnerveis a dificuldades de pagamentos de
compromissos financeiros pendentes somente se suas receitas realizadas estiverem abaixo
das expectativas, as unidades especulativas e Ponzi, por seu turno, se encontram vulnerveis
aos desenvolvimentos nos mercados financeiros. Dessa forma, as unidades especulativas e
Ponzi precisam enfrentar condies de mercado que se alteram constantemente, enquanto asunidades hedge estaro imunes a essas mudanas.13
A finana Ponzi frequentemente associada a prticas financeiras marginais ou
fraudulentas, mesmo quando a inteno no seja necessariamente a de trapacear. Unidades
pagadoras de juros e dividendos que tomam dinheiro emprestado para investir e obter renda
esto engajadas numa variedade de finanas Ponzi. Um arranjo financeiro especulativo pode ser
transformado num esquema financeiro Ponzi por meio do aumento na taxa de juros ou de
outros custos ou pela queda na receita.14 Por outro lado, se os ganhos so melhores ou os custos,
especialmente os juros, caem, um esquema Ponzi pode ser transformado em finana
especulativa. O refinanciamento, que reestrutura os de prazos para pagamentos, pode
tambm mudar a postura do balano patrimonial de uma unidade.
A reestruturao das dvidas com freqncia um esforo em transformar uma finana
especulativa em uma hedge. Concesses nos termos de financiamento aceitas pelos prestamistas
podem ser feitas num esforo de promover a transformao de unidades de finanas Ponzi em
unidades com finanas especulativas. O refinanciamento e a reestruturao de dvidas de
entidades to distintas quanto a Chrysler, a cidade de Nova Iorque, Baldwin-United, e o Brasil,
que ocorreu na ltima dcada, so esforos para mudar as finanas de organizaes especficas
em direo a relaes financeiras do tipo hedge.
O Peso dos Tipos de Posturas Financeiras
13 Por este critrio, uma unidade que toma emprstimo a taxas flutuantes est engajada num tipo de finanaespeculativa, embora ao operar com taxas de juros ela esteja envolvida em finanas hedge.14 Isto obviamente o que aconteceu com as instituies de poupana na medida em elas caminharam para umainsolvncia generalizada no incio dos anos 1980.
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Os arranjos do tipo hedge finance so de forma que os compromissos financeiros
sero honrados a menos que as quase-rendasobtidas com os ativos de capital fiquem abaixo
dos nveis esperados. Uma unidade com postura financeira tipo hedge vulnervel apenas
a elevaes de custos ou a declnios na receita, de forma que seus compromissos de
pagamentos no sero diretamenteafetados por eventos nos mercados financeiros. Umaunidade com postura financeira do tipo especulativa precisa levantar fundos em vrios
mercados financeiros para honrar os pagamentos compromissados em dvidas pendentes.
Portanto, unidades especulativas no so apenas vulnerveis a eventos em mercados de
produtos e de fatores - como ocorre com as unidades hedge -, mas tambm aos eventos em
mercados financeiros. Consequentemente, aumentos da taxa de juros e mudanas nas
condies do mercado de crdito podem afetar a viabilidade, tanto medida pelo fluxo de
caixa quanto pelo valor presente, das unidades engajadas em finanas especulativas.
Uma unidade com finanas tipoPonzi no est vulnervel apenas aos eventos que
afetariam uma unidade de finana especulativa, como seu balano patrimonial se
deteriora tambm com os juros ou mesmo os dividendos pagos sobre dvidas crescentes.
Assim, o fluxo de caixa, que deve ser ganho para pagar os compromissos financeiros
assumidos, torna-se maior, e a razo da dvida pelo patrimnio se deteriora. As
condies para a plena validao das dvidas se tornam mais restritas e a queda nas
receitas ou o aumento nos custos com juros tornam ainda mais improvvel que os
pagamentos dos compromissos sejam satisfeitos. Embora perodos de finanas Ponzi
possam fazer parte das experincias cclicas normais das empresas, serem foradas a entrar
em uma postura financeira Ponzi devido a quedas na renda ou aumentos nos custos com
juros uma parte sistmica do processo que leva a falncias generalizadas.
A composio de posturas financeiras hedge, especulativa e Ponzi de uma economia
um importante determinante de sua estabilidade. A existncia de um grande montante de
posies financiadas de maneira especulativa ou Ponzi necessria para a instabilidade
financeira. Uma questo que precisa ser respondida : o que determina a mudana na
proporo entre as unidades em cada tipo de postura financeira? Para responder a esta
questo, preciso separ-la em dois elementos: o que determina a postura desejada e o que
determina a postura financeira realmente assumida ou realizada?
As posturas financeiras, tanto a desejada como a real, para uma unidade diferem
porque os recebimentos e pagamentos em qualquer perodo so amplamente resultados de
compromissos e atividades de perodos anteriores. Uma vez que compromissos financeiros,
com ativos de capital e com investimentos so assumidos eles no podem ser desfeitos, a no
ser talvez a um custo muito alto.
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Compromissos e prticas financeiras esto ligados aos compromissos de recursos reais
feitos na forma de posse de ativos de capital e na produo de bens de investimentos. No
agregado, as perspectivas dos ativos financeiros na economia no podem ser melhores do
que as perspectivas financeiras das unidades subjacentes famlias, empresas e governos.
Entretanto, o financiamento de dvidas privadas mais importante est ligado posse ecriao, por meio de investimentos, de ativos de capital. A srie temporal de fluxos de caixa
que se espera gerar com o uso dos ativos de capital na produo de renda um determinante
fundamental das dimenses temporais dos instrumentos financeiros.
A solidez ou a fragilidade de um sistema financeiro depende do tamanho e da fora
das margens de segurana e da probabilidade de que distrbios iniciais sejam ampliados.
Todas as unidades, independente de suas posturas financeiras - hedge, especulativa ou Ponzi
- esto vulnerveis aos desenvolvimentos econmicos que reduzem o fluxo de caixa dosativos. Uma queda na renda operacional ou o no recebimento de crditos concedidos pode
levar uma unidade hedge a se transformar em uma unidade especulativa. Para que algo saia
errado numa unidade do tipo hedge, preciso primeiro que outras reas da economia no
estejam indo bem tambm - a menos que as caractersticas hedge do financiamento inicial
tenham sido baseadas em expectativas eufricas irrealistas em relao a custos, mercados e
seus desenvolvimentos ao longo do tempo. Note que nas unidades hedge, at mesmo as
expectativas eufricas dizem respeito aos mercados de produtos e dos fatores.
Por outro lado, as unidades de finanas especulativas ou Ponzi esto vulnerveis a
mudanas nas taxas de juro - ou seja, aos desenvolvimentos no mercado financeiro - assim
como a eventos relativos aos mercados de produtos e de fatores: elevaes das taxas de juro
iro aumentar os compromissos de fluxo de caixa sem aumentar as expectativas de
receitas. Alm disso, uma vez que elas precisem constantemente financiar suas posies,
elas se tornam vulnerveis a distrbios nos mercados financeiros. Quanto maior o peso das
finanas especulativas e Ponzi, menor as margens gerais de segurana na economia e maior a
fragilidade da estrutura financeira.
O Impulso em Direo s Finanas Especulativa e Ponzi
A experincia nos indica que nossa economia oscila entre estruturas financeiras slidas e
frgeis, e crises financeiras exigem a pr-existncia de uma estrutura financeira frgil.
Precisamos explicar como emerge a fragilidade e a forma como uma posio slida
reconstituda.
Num sistema dominado por posturas financeiras hedge, o padro de taxas de juro
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(sendo as taxas de curto prazo significativamente mais baixas do que as de longo prazo) tal
que lucros podem ser realizados por meio da introduo de arranjos especulativos. A
introduo de relaes especulativas num sistema cujas unidades tem posio financeira
predominantemente hedge aumenta a demanda por ativos e, portanto, o valor dos ativos -
ou seja, leva a ganhos de capital. Um regime no qual ganhos de capital esto sendo obtidos eso esperados um ambiente favorvel para se envolver em finanas especulativas e Ponzi.
As oportunidades de lucros dentro de uma estrutura financeira robusta torna a mudana da
solidez para a fragilidade um fenmeno endgeno.
Aps uma crise financeira, banqueiros e empresrios que passaram por maus
momentos ficam bem longe de finanas especulativas e Ponzi. Depois de uma crise, renda,
emprego e lucros so mantidos por dficits governamentais, de modo que os lucros
aumentem relativamente aos investimentos. Isto diminui o peso do financiamento externode posies em ativos de capital, ao mesmo tempo em que operaes de refinanciamento a
taxas de juro mais baixas do ps-crise permitem transformar dvidas de curto prazo em
aes e dvidas de longo prazo. Simultaneamente, devido aos dficits, as dvidas
governamentais passam a fazer parte das carteiras bancrias e outras unidades financeiras,
o que faz cair a exposio dos sistemas bancrio e financeiro ao calote. A economia
emerge da recesso que segue a crise financeira com uma estrutura financeira mais slida
do que no incio da crise.15
Em nossa economia, a esmagadora maioria dos ativos de capital propriedade de
corporaes. As aes, os ttulos e o endividamento de curto prazo das corporaes so
ativos financeiros que as famlias possuem diretamente ou por meio de intermedirios. As
quase-rendas obtidas por ativos de capital dependem do desempenho da economia; como
resultado, as quase-rendas realizadas podem tornar a relao receitas-compromissos de
pagamentos de uma unidade diferente daquela antecipada. Aes para ajustar essa diferena
levam a mudanas na carteira de ttulos e nas encomendas de produo de bens de
investimento. Alm disso, os compromissos de pagamentos aceitos mudam na medida em que
o desempenho da economia afeta a percepo sobre a forma como a economia ir se
comportar no futuro. Num mundo dominado pela postura financeira hedge eno qual pouco
valor colocado sobre a liquidez, pois existe em abundncia, a estrutura de taxas de juro
gera oportunidades de lucro no financiamento de posies em ativos de capital utilizando
obrigaes lquidas de curto prazo. Essa estrutura de taxa de juros existir se a estrutura de
ativos herdada estiver carregada de dinheiro ou de ativos lquidos ou se o dficit do governo
for grande o bastante para gerar quase-rendas elevadas em relao aos gastos correntes em
15Ver Apndice A para uma discusso sobre estes termos.
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ativos de capital. Se os investimentos e os dficits governamentais gerarem amplos lucros
numa economia com estrutura financeira robusta, as taxas de juro de curto prazo sobre
instrumentos seguros sero significativamente menores do que os prmios oriundos da posse
de ativos de capital. Alm disso, o pagamento do principal e dos juros sobre dividas privadas
de longo prazo, cujos pagamentos esto sincronizados com as quase-rendas esperadas dosativos de capital, ser mais baixo comparativamente do que essas quase-rendas. A taxa de juros
utilizada para capitalizar os compromissos de pagamentos assumidos por uma empresa hedge
ser menor do que a taxa de juros usada para capitalizar as quase-rendas de um ativo de capital.
Ademais, a taxa de juros sobre obrigaes quase-moeda de curto prazo de empresas e
instituies financeiras ser menor do que aquelas cobradas em obrigaes de mais longo prazo
utilizadas no financiamento hedge de posies em ativos de capital. Existem expectativas de
lucros que induzem unidades a entrarem em finanas especulativas.
Com este padro de taxas algum pode conseguir financiar posies em ativos de
capital com dvidas de longo e de curto prazo, e posies em ativos financeiros de longo prazo
com dvidas de curto prazo, presumivelmente lquidas. Consequentemente, um duplo
conjunto de oportunidades de lucro existe. Nossas instituies e prticas financeiras so tais
que o financiamento disponvel para o investimento e posse de ativos de capital encontra-se
dentro de limites determinados grandemente por decises de carteira dos banqueiros em busca
de lucratividade. A existncia de uma ampla variedade de instrumentos financeiros por meio
dos quais os banqueiros podem levantar dinheiro significa que eles esto aptos a financiar a
posse de ativos de capital e o investimento sempre que a estrutura dos preos dos ativos e
das taxas de juro tornar rentvel faz-lo. Num mundo dominado por finanas hedge,
oportunidades de lucros existem tanto para os tomadores de emprstimos como para os
bancos que fizerem maior uso de dvidas de curto prazoparafinanciar posies em ativosde
capital e em dvidas de longo prazo.
A existncia de oportunidades de lucro no significa necessariamente que padres
financeiros frgeis emergiro imediatamente Os compromissos de pagamento em dinheiro
sobre as dvidas privadas e as quase-rendasque se espera obter com os ativos de capital so
menos garantidos do que os fluxos de caixa associados moeda e a outras dvidas de curto
prazo. Os riscos dos prestamistas e dos prestatrios correntemente avaliados estabelecem
limites sobre a rapidez com a qual as oportunidades de lucros com o gerenciamento de
passivos so exploradas.16
16Os termos "risco do prestamista" e "risco do prestatrio" foram cunhados por Michael Kalecki, SelectedEssays on the Dynamics of the Capitalist Economy (Cambridge: Cambridge University Press, 1971), e JohnMaynard Keynes, The General Theory of Employement,Interest and Money (New York: Harcourt Brace,1936). Ver tambem Hyman P. Minsky, John Maynard Keynes (New York: Columbia University Press, 1975).
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Outra barreira a rpida explorao de diferenciais de taxas de juros emergentes aps
um trauma financeiro encontra-se na necessidade do desenvolvimento de instituies que
absorvam as obrigaes preferidas pelos proprietrios dos ativos de capital e que emitam
instrumentos que satisfaam a necessidade de liquidez e de ativos seguros dos
proprietrios de riqueza ou de outras instituies financeiras. Os banqueiros - utilizando otermo de modo genrico para incluir vrios operadores do mercado financeiro - esto sempre
em busca de inovaes nas prticas financeiras. Contudo, a ortodoxia e o conservadorismo
podem erguer uma barreira assimilao de inovaes a qualquer tempo atuando como um
"governo" que limita o ritmo da transformao.
Uma terceira barreira ao surgimento imediato de padres financeiros frgeis, que
emergem do aproveitamento de oportunidades de lucro com finanas especulativas e
Ponzi, a necessidade de refinanciamento garantido por organizaes que se envolvamem finanas especulativas. A garantia de refinanciamento pode tomar a forma de um
mercado amplo e profundo para um determinado instrumento ou linhas de crdito bancrio
ou de outras instituies. Leva tempo para uma instituio e prtica se espalharem pelo
mercado. A velocidade com a qual as inovaes financeiras, tais como os commercial
papers, ocorrem e se propagam tambm um regulador do ritmo da mudana de uma finana
hedge para uma finana especulativa.
Adicionalmente, as condies de taxas de juro que conduzem a um crescimento da
finana especulativa podem predominar sem que o movimento acima mencionado ocorra,
devido resistncia de participantes do mercado em acreditar em previses otimistas sobre
lucros potenciais. Keynes, na Teoria Geral, observou que a disposio dos homens de
negcio em tomar emprstimos depois de uma dificuldade financeira se recupera antes da
disposio dos banqueiros em conceder emprstimos se recuperar. A relutncia dos
banqueiros torna mais lento o ritmo da transio para um regime dominado por finanas
especulativas e Ponzi.17
Durante o processo de alavancar financiamentos por meio de instrumentos que
introduzem novas prticas, ocorre um crescimento endogenamente determinado de criao
de dinheiro e de e ativos lquidos. Os banqueiros respondem a vises otimistas da
viabilidade das estruturas de dividas financiando posies com aumento de suas prprias
obrigaes - moeda. Instrumentos financeiros como os commercial papers permitem que o
volume de quase-moedas cresa mais rpido do que a quantidade de moeda.
17Da mesma forma que Joan Robinson escreveu a respeito de uma barreira inflacionria, podemos pensar emuma barreira financeira ortodoxa. Um perodo de sucesso econmico, durante o qual perdas em instrumentosfinanceiros devem-se claramente a circunstncias especiais, levar a uma diminuio dos obstculos sinovaes financeiras, enquanto um perodo de falncias e de necessidade de intervenes com emprstimos
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A criao endgena de dinheiro e de ativos lquidos aumenta o preo dos ativos de
capital relativamente moeda e aos preos da produo corrente. Isto faz aumentar a
diferena entre os preos dos ativos de capital e os dos bens de investimento. Numa
estrutura financeira robusta, a oferta de financiamento de curto prazo responde demanda,
de modo que o investimento cresce, elevando o prmio do estoque de ativos de capitalexistentes. Dessa forma, no apenas o preo de um ativo de capital de para um conjunto
determinado de quase-rendasaumenta, mas a mdia das quase-rendas de todos os ativos de
capital tambm aumenta.
Isso significa que o financiamento interno por meio da reteno de lucros maior do que o
esperado, e o impulso em direo a uma maior utilizao de dvidas de curto prazo nas estruturas
de obrigaes frustrado. O aumento nos lucros e nos fundos internos disponveis para o
financiamento do investimento outra razo pela qual leva tempo para uma estrutura financeirarobusta ser transformada numa frgil. Isso especialmente verdade na medida em que o
aumento dos lucros, que so a imagem espelhada de um boom nos investimentos, eleva a
capacidade aparente de endividamento de empresas lucrativas. Quando uma mudana em
direo aocrescimento do financiamento externo e especulativo ocorre, as reaes do mercado
validam a deciso de se envolver em tais finanas.
As tcnicas de financiamento aceitveis no so limitadas pela tecnologia. Elas dependem
da preferncia subjetiva e das perspectivas dos banqueiros e dos homens de negcio. Com a
estrutura financeira comandava nos anos 1950, era correto que os homens de negcio e os
banqueiros aumentassem seus endividamentos de curto prazo. Entretanto, o sucesso alimenta a
desconsiderao da possibilidade de falhas. A falta de srias dificuldades financeiras durante
um perodo longo de tempo leva ao desenvolvimento de uma economia eufrica, na qual a
elevao da dvida de curto prazo para financiar posies de longo prazo se torna um estilo de
vida normal.18
Na medida em que uma crise financeira evanesce com o tempo, bem natural que os
bancos centrais, os agentes de governo, os banqueiros, os homens de negcio e at mesmo os
economistas acreditem que uma nova era chegou. Conselhos de Cassandras de que nada de fato
mudou e de que existe um ponto de reverso financeira que levar a uma profunda depresso so
naturalmente ignorados nessas circunstncias. Uma vez que os incrdulos no possuam
documentos que provem a validade de seus pontos de vista, bem apropriado que as
autoridades estabelecidas ignorem argumentos baseados em teorias no convencionais, na
de ltima instncia tem o potencial de aumentar tais obstculos.18Ver Hyman P. Minsky, "Financial Instability Revisited: The Economics of Disaster", reimpresso no captulo6 do livro Can "IT" Happen Again? Essays on Instability & Finance, op. cit.; Charles P. Kindleberger,Manias,Crashes and Panics (New York: Basic Books, 1978).
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histria e em anlises institucionais. No obstante, num mundo de incertezas, considerando
ativos de capital de longo perodo de gestao, a propriedade privada e as sofisticadas prticas
financeiras de Wall Street, o funciona-mento bem-sucedido de uma economia dentro de uma
estrutura financeira inicialmente robusta levar para uma situao de fragilidade com o passar do
tempo. Forasendgenas tornam instvel uma situao dominada por finanas hedge, e forasdesequilibrantes ficaro mais fortes na medida em que aumentarem o peso das finanas
especulativas e Ponzi.
O FINANCIAMENTO DO INVESTIMENTO
O investimento um processo que toma tempo e tipicamente envolve um grande nmero
de empresas que fornecem insumos para os ativos de capital finalizados. O investimento,
portanto, envolve um sistema complexo de pagamentos que precisam ser financiados. Essespagamentos precisam ser realizados mesmo que os projetos de investimento no gerem receita ao
seu proprietrio at que entrem em operao. O valor dos projetos de investimento depende dos
preos colocados nos ativos de capital resultantes. Estes preos, por seu turno, dependem das
quase-rendasesperadas e da forma como as posies em ativos de capital recm-produzidos podem
ser financiadas. O investimento em nossa economia uma transao do tipo dinheiro agora em
troca de dinheiro mais tarde. Nesse sentido, como um ttulo ou a compra de um peclio.
Contudo, o dinheiro que se consegue mais tarde com um investimento depende da sorte de umesforo frequentemente bastante especfico - os lucros so contingentes ao desempenho.
O investimento uma atividade peculiar no sentido de que a fora de trabalho, o ao e
outros itens so adquiridos aos preos correntes de mercado e combinados para a criao de algo
novo - um ativo de capital que tem valor somente na medida em que gerar quase-rendas. Tanto o
ato de investir, que tem um perodo gestacional, quanto a posse de ativos de capital, que geram
renda num perodo de tempo, so atividades econmicas inevitavelmente ligadas ao tempo.
O preo dos ativos de capital, que depende das quase-rendas esperadas, entra na
determinao do preo de demanda (e ritmo) do investimento. O perodo de gestao e a
capacidade de produo dos bens de investimentos estabelecem limites ao nvel que o preo dos
ativos de capital pode chegar relativamente ao preo da produo j que em ltima instncia os
ativos de capital podem ser disponibilizados ao preo de oferta dos bens de investimento. Um
aumento nos ativos lquidos ou o impacto da experincia sobre as preferncias que diminuem o
valor da liquidez iro aumentar o preo dos ativos de capita, mas no necessariamente ao nvel que
ocorreria se o investimento no pudesse acontecer. o investimento que faz com que os preos
dos ativos de capital produzidos se comportar diferentemente dos preos da terra conforme
descrito pelos economistas clssicos.
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Sempre que o preo de um ativo de capital excede o custo do investimento, um ganho de
capital implcito realizado no momento em que um projeto de investimento incorporado ao
estoque de ativos de capital. Tais ganhos de capital torna-se um atrativo que induz a atividades
de investimento.
A instabilidade de um regime financeiro fortemente sobrecarregado com finanasespeculativas e Ponzi se deve ao impacto das alteraes nas taxas de juro que ocorrem na
medida em que o boom de investimento se desenvolve. Como os mercados financeiros e de
produtos reagem s oportunidades de lucro durante um boom de investimento, a demanda por
financiamento aumenta as taxas de juro. Consequentemente, a margem entre o valor presente
dos ativos e o preo dos bens de investimento declina. Se isto se sustentar por tempo
suficiente ocorrer uma reverso no valor presente: ou seja, o valor dos ativos de capital cair
abaixo do preo de oferta de bens de investimento. O aumento nas taxas de juro diminui ouelimina as margens de segurana que tornam o financiamento do investimento possvel. Isto
tende a forar unidades a diminuir seus investimentos ou vender posies. Sempre que a
necessidade de se tentar estabelecer posio pela venda de posies prevalece, o nvel de preo
dos ativos de capital e de instrumentos financeiros cai, de modo que os preos dos ativos de
capital reduzem relativamente aos custos de produo dos bens de investimento. Um profundo
declnio nos preos dos ativos o que ocorre nas quebras na bolsa de valores. Quedas instveis
dos preos de ativos podem levar a uma espiral declinante de investimentos, de lucros e de
preos de ativos.19
Historicamente, um sistema financeiro extremamente robusto, dominado finanas hedge e
com abundncia de ativos lquidos nas carteiras, criado aps ou de uma oscilao, ou de uma
deflao de dvidas traumticas e de uma profunda depresso. A experincia desde a metade da
dcada de 1960 nos mostra que os dficits governamentais massivos e asintervenes do banco
central como emprestador de ltima instncia aumentaram a robustez do sistema financeiro. Ou
seja, na economia moderna, o trabalho realizado por uma profunda depresso pode ser feito sem
que a economia passe pelo trauma da deflao dedvida e profunda depresso. Entretanto, o dficit
governamental e as intervenes de emprestador de ltima instncia que abortam as consequncias
das estruturas financeiras frgeis levam a inflao. A inflao possibilita as empresas, as famlias e
as instituies financeiras honrarem seus compromissos denominados em dlares que no
poderiam ser honradas com os preos estveis.
O investimento, seu processo de financiamento e validao (primeiramente por
financiamentos externos eento pelo ganho de quase-rendas) so pontos chave no desempenho
19 O caso Hunt-Bache com a prata na primavera de 1980 urn exemplo clssico da instabilidade das finanasespeculativas. Ver Stephen Fay,Beyond Creed(New York: Penguin, 1983).
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de nossa economia.20 Os investimentos afetam a estrutura financeira da economia de duas
maneiras: os projetos precisam ser financiados e as atividades de investimento geram lucros
para as corporaes - as quase-rendas sobre as quais a viabilidade dos compromissos
financeiros privados depende. Um projeto de investimento equivale, em termos de
compromissos de fluxo de caixa, a aceitao de dvidas, por um grande nmero deorganizaes, que vencero em datas mais ou menos precisamente definidas: o valor devido
mudar de acordo com alteraes no custo domaterial, da mo de obra e do financiamento. Os
fundos para a quitao dessas dvidas podem vir de fontes internas - como nas alocaes de
lucros brutos lquidos de impostos - ou externas - em troca de obrigaes, tais como as aes e
dvidas com indivduos, bancos e outras instituies financeiras. As dvidas com fornecedores -
as organizaes que produzem os componentes para a produo de bens de investimento -
tambm fazem parte desse quadro.O pagamento a fornecedores - que financiam o aumento de recebveis por meio de algum
tipo de combinao de fundos e dvidas internas - e da mo de obra so feitos antes que o bem de
investimento esteja apto a gerar produo til, e em muitos casos, demora vrios anos.
Consequentemente, o investimento leva a um aumento inicial na demanda por bens de consumo
sem compensar com qualquer aumento na habilidade de oferta: isto leva a margens de lucro
maiores.
Um crescimento dos investimentos leva a um aumento das promessas de pagamento de
curto prazo. O impacto do investimento, alm daquele que pode ser financiado por lucros brutos
lquidos de impostos e dividendos, sobre os mercados financeiros equivalente ao impacto
provocado por dvidas pendentes que precisam ser refinanciadas. O impacto financeiro geral do
investimento financiado com recursos externos equivale a um aumento no peso das finanas
especulativas e Ponzi nas estruturas de obrigaes. Como a extenso relativa das finanas
especulativas e Ponzi determina a fragilidade e, portanto, a suscetibilidade instabilidade
financeira, um aumento na proporo dos dispndios de investimento em relao aos fundos
corporativos internos aumenta a fragilidade da estrutura financeira. O excesso do investimento
sobre fundos corporativos internos leva a um aumento no endividamento. Entretanto, se alguma
parte do investimento for financiada por fundos internos, o balano mostrar que o patrimnio
lquido est aumentando.
Projetos de investimento em andamento levam a uma demanda bastante inelstica por
fundos em relao s taxas de juro. Isso ocorre porque um investimento no finalizado ainda
no produz valor, como o determinado por lucros futuros, at que o projeto seja completado e
passe a gerar receita. As vrias fases do projeto devem ser pagas e financiadas dentro de um
20 Ver Apndice A para uma investigao sobre investimento e finanas.
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cronograma. Os atrasos so custosos, pois as obrigaes usadas no financiamento do investimento
acumulam juros. Com juros compostos, mudanas nas taxas de juro tm efeitos sobre os custos dos
projetos, com perodos de gestao significativos, bem maiores do que a simples alterao na taxa
indica. Sendo assim, as mudanas nas taxas de juros trn um impacto maior sobre o investimento
com projetos de longo tempo de finalizao e de vida til esperada longa do que sobreinvestimentos de curto prazo. Os custos irrecuperveis aumentam na medida em que os juros so
aplicados. O fluxo de renda que se espera com o projeto, quando usado na produo, precisa ser
grande o suficiente para que seu valor capitalizado exceda o custo do projeto finalizado, incluindo
os pagamentos de juros.
As taxas de juro, portanto, entram tanto nos custos do projeto como na determinao do
valor do ativo de capital. O valor presente das quase-rendasesperadas determina o preo mximo
que o projeto completado poderia conseguir se fosse vendido. Isto tambm servir de base paraqualquer processo de hipoteca. Para que um projeto seja financeiramente vivel o valor presente
das quase-rendasdeve exceder seu custo.
Consequentemente, uma vez que um projeto de investimento esteja em andamento, seu
custo e o valor presente das quase-rendasfuturas (e, desse modo, sua viabilidade financeira) so
afetados por mudanas nas taxas de juro. O custo total e o valor presente do projeto so calculados
com base em alguma taxa de juros corrente e esperada para se determinar se um projeto dever
ser iniciado. Depois de comeado, se as taxas de juros carem, o custo do projeto finalizado ser
menor e o valor presente do projeto ser maior do que os clculos iniciais indicavam. Se as taxas
subirem, o inverso ocorrer.
Se um investimento estiver sendo financiado com recursos prprios da corporao, os
custos correntes no sobem com o aumento das taxas de juros. Neste caso, o valor presente
pode no ser recalculado quando as taxas de juros mudarem. Por causa disso, uma empresa em
funcionamento com lucros positivos no se v forada a reconhecer que um projeto se tornou
um mau negcio. Entretanto, se os fundos para um projeto forem levantados nos mercados
financeiros e o repagamento dos financiamentos de curto prazo utilizados para a construo
dependerem de recursos externos, ento aumentos nas taxas de juro, enquanto os projetos
estiverem em andamento, podero transformar um projeto inicialmente vivel num projeto que
precisa ser interrompido.
Duas margens de segurana para uma empresa que financia um investimento com fundos
externos so os ativos lquidos mantidos em carteira e o excesso do valor presente das quase-
rendasesperadas com o projeto em relao aos custos totais de sua finalizao. O ganho de
capital esperado o que torna possvel para uma empresa levantar fundos para um projeto. O
tamanho e a garantia das margens de segurana determinam a categoria de riscos dos
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prestatrios. A classificao explcita ou implcita de uma empresa e a avaliao do crdito,
em termos do prmio cobrado sobre as garantias primrias e secundrias, dos analistas dos
bancos prestamistas dependem da margem de segurana que for considerada necessria.
Para um projeto de investimento, uma elevao na taxa de juros diminui o ganho de capital
que pode ser atingido aps a finalizao. Esse um fator sistmico que diminui a capacidadecreditcia de empresas com projetos de investimento andamento. Isso pode aumentar ainda
mais os custos do financiamento e reduzir ainda mais o valor presente do capital implcito a
ser ganho aps a finalizao do projeto. As reaes do mercado financeiro a uma reduo nas
margens de segurana fazem com que as margens de segurana caiam ainda mais. Um
aumento nas taxas de juros e as restries impostas sobre a obteno de emprstimo seguida
de uma reavaliao dos riscos so como uma profecia auto-realizvel uma vez que elas
induzem a mudanas que aumentam ainda mais os custos de financiamento.Durante um boom de investimento os custos de material e de mo de obra tambm
aumentam. Alm disso, a escassez de material, ou outros obstculos, ocorre e causam atrasos
no trmino dos projetos. O efeito bvio de uma elevao nos custos materiais e de mo de
obra o aumento dos custos de um projeto finalizado. O efeito mais sutil a queda dos ganhos
de capital esperados com a finalizao do projeto. As margens de segurana, que ajudam a
determinar a categoria de risco de um projeto e as condies de financiamento, so reduzidas
e podem at desaparecer.
Na medida em que as taxas de juros, o custo dos materiais e os atrasos aumentam os custos
do investimento, a proporo de fundos internos disponveis para custear o projeto reduzir,
mesmo que o fluxo de fundos internos permanea constante. Entretanto, um projeto de
investimento que tenha fundos internos disponveis deve ter sido iniciado por uma empresa
j em operao, que tenha dvidas independentes do projeto de investimento. Se essas dvidas
forem de curto prazo, ou se foram contratadas a taxas de juros flutuantes, seus custos
aumentaro junto com a taxa de juro de mercado. Assim, a quantidade de dividas de um
projeto em andamento aumenta e a proporo do total que pode ser financiado com fundos
internos cai, enquanto as taxas de juro sobem durante uma expanso.
Quando isso ocorre, empresas usam seus "cash-kickers" - ouseja, seus fundos lquidos
mantidos para emergncias - para atender ao aumento de custos. Esse esvaziamento da
liquidez das unidades uma maneira crucial pela qual o aumento dos compromissos de
pagamento vista (devido a elevao nos custos financeiros dos projetos em andamento) leva
a um aumento na fragilidade do sistema financeiro e econmico.
Em suma, um aumento notvel na fragilidade de uma economia ocorre quando ha
um boom de investimentos financiados com recursos externos. As relaes financeiras
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asseguram que um boom nos investimentos conduzir a um ambiente com nmero
elevado de posturas financeiras especulativas, o que, por seu turno, criar condies que
levam a uma crise. Ou seja, uma estrutura financeira na qual uma deflao de dvidas pode
ocorrer e eventos que provocam o incio desse processo so resultados normais das relaes
financeiras que conduzem a e que ocorrem durante um boom de investimentos.
MERCADOS FINANCEIROS E REGIMES FINANCEIROS
Quando projetos de investimento de longo perodo de gestao so decididos, analistas
financeiros e banqueiros precisam acreditar que os fundos solicitados viro de fontes
internas e externas. Para que uma postura financeira especulativa e de financiamento de
investimentos por dvida sejam escolhidos, homens de negcio e banqueiros devem assumir
que os mercados financeiros funcionaro de modo que as dvidas possam ser emitidas ou
ativos podem ser vendidos sob condies que no faam com que os custos do investimento
sejam maiores do que o valor do ativo de capital resultante.
Uma vez que as inovaes financeiras so um importante atributo da economia
capitalista, uma parte significativa da evoluo financeira da economia se concentra no
desenvolvimento de instrumentos e mercados que tornam possvel o financiamento de
nveis mais altos de atividade. Esses mercados criam instrumentos que parecem assegurar
tanto aos usurios quanto aos fornecedores de financiamento de curto prazo que dinheiroestar disponvel quando necessrio enquanto esses agentes mantenham ativos apropriados ou
tenham perspectivas de lucros suficientes. A efetividade dessa garantia depende do
funcionamento normal dos mercados financeiros. Inovaes financeiras resultam na
existncia de proprietrios de ativos e tomadores de emprstimo em potencial que dependem
do funcionamento normal e continuo de algum novo mercado financeiro ou instituio.
A teoria econmica padro pressupe que a demanda por moeda esteja relacionada ao
nvel de renda, pois a moeda liga os intervalos entre o recebimento e as despesas. Na visoconvencional, o dinheiro valioso porque torna bvia a necessidade da coincidncia de
desejos para que transaes possam ocorrer. Entretanto, vivemos num mundo onde os ativos de
capital existem, podem ser comercializados e so financiados por alguma combinao de
instrumentos de dvidas e emisso acionrio. Considerando que existe uma extensa rede de
compromissos de pagamentos resultantes do financiamento direto ou indireto de posies em
ativos e investimento, existe uma demanda por dinheiro para se realizar pagamentos dos
contratos financeiros. Uma vez que os fluxos de caixa que os ativos de capital geram soincertos, ou seja, dependem de desenvolvimentos na economia e nos mercados, o dinheiro e os
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instrumentos financeiros de fcil negociao so desejados por oferecerem uma margem de
segurana que garanta o cumprimento dos contratos. As margens de segurana mantidas na
forma de ativos lquidos, de modo que os compromissos possam ser honrados mesmo quando
surpresas ocorram, no precisa estar na forma de moeda ou de depsitos vista. Elas podem
estar na forma de instrumentos que possam ser trocados por dinheiro ou depsitos vistarapidamente ou quando necessrio.
Uma vez que a finana especulativa leva a necessidade de reservas precaucionais, existe
uma demanda por instrumentos que possam ser rapidamente negociados. Uma oportunidade
de lucro no sistema financeiro existe sempre que a liquidez for ampla, enquanto os ativos de
capital geram altos retornos. Qualquer conjunto de instrumentos financeiros ou organizaes
de mercado que possam financiar posies em ativos de capital e oferecer uma boa medida da
proteo oferecida pela posse de dinheiro pode tomar emprestado com taxas baixas eemprestar com taxas altas: ou seja, pode lucrar por meio de arbitragem das taxas. Como os
capitalistas abominam oportunidades de lucro no exploradas, instrumentos e prticas de
mercado so desenvolvidos para explorar diferenas de taxas de juros.
Portanto, uma hierarquia de ativos lquidos passa a existir. Por exemplo, um revendedor de
automveis pode tomar emprestado de uma instituio financeira para manter seu estoque de
carros. A instituio financeira pode utilizar commercial papers para tomar emprestado de uma
companhia de seguros que tern promessas de pagamentos pendentes em hipotecas com
terceiros, e assim por diante. Consequentemente, uma elaborada rede de compromissos
financeiros passa a existir e sua viabilidade depende da habilidade das empresas em tomarem
emprestado a taxas que sejam consistentes com a lucratividade subjacente dos ativos de capital.
As relaes financeiras podem ser caracterizadas como um malabarismo cujo funcionamento
normal depende de crena - e do reforo da crena por meio do desempenho - de que o
refinanciamento de curto prazo estar disponvel. Uma vez que um boom de investimentos tenha
incio, o volume de fundos demandado aumenta na medida em que os projetos se movem em
direo finalizao. Se em algum estgio a elasticidade no fornecimento de fundos diminui em
funo da queda na disponibilidade devolume de financiamento dos bancos comerciais, ento
uma forte elevao nas taxas de juro ocorrer.
Considerando-se que as instituies financeiras que geram ativos lquidos
frequentemente se envolvem em finanas especulativas, uma elevao nas taxas de juros que
elas pagam causar uma queda no seu patrimnio lquido na medida em que os valores dos
ativos carem e os lucros tambm desaparecerem. As presses sobre as finanas especulativas
diante de taxas de juro em elevao so geralmente sentidas de forma aguda por
intermedirios financeiros, e uma deteriorao em sua habilidade de estabelecer posies ir
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afetar adversamente os balanos dos proprietrios de obrigaes. Ha um potencial para
contgio, o que foi claramente percebido na onda de quebradeira bancria no colapso de 1929-
33. A interveno de bancos centrais, incluindo as organizaes seguradoras de depsitos,
serve para abortar o desenvolvimento de contgios.
CONCLUSO
Nossa economia instvel devido s finanas capitalistas. Se uma combinao especifica de
finanas hedge eespeculativa de posies e de financiamento interno e externo de investimentos
comanda por algum tempo, ento existir, dentro da economia, incentivos para alterar tal
combinao. Qualquer tranquiliade transitria transformada em expanso na qual o
financiamento especulativo de posies e o financiamento externo de investimento aumentam.
Um boom de investimento que reduza a liquidez e aumenta a proporo de dvida para o capital
prprio das instituies financeiras. As margens de segurana so destrudas enquanto o sucesso
leva a uma crena de que as margens anteriores e at as presentes so grandes demais.
Uma interrupo no boom ocorre sempre que as taxas de juro de curto e longo prazo
sobem suficientemente de modo que atenuaes e reverses nas relaes dos valores
presentes ocorram. Geralmente isso acontece depois que um aumento nademanda financiada
por finanas especulativas aumenta as taxas de juros, os salrios da mo de obra e os preos de
material de modo que as margens de lucro e, por conseguinte, a capacidade de validar o passado,
sejam dissipadas.
Se a interrupo do boom levar a uma crise financeira, a uma deflao de dvida e a uma
profunda depresso ou a uma recesso no traurntica, isso depender da liquidez geral da
economia, do tamanho relativo do setor governamental e da extenso da ao dos bancos
centrais como emprestador de ltima instncia. Portanto, o resultado de uma contrao
determinado por caractersticas estruturais e pela poltica.
Contudo, as tendncias em direo s finanas especulativas e ao financiamento do
investimento por meio de dvidas so por si mesmas o resultado de uma estrutura institucional e
de expectativas das polticas. possvel que com outras organizaes institucionais e sistemas
polticos a suscetibilidade de nossa economia a crises financeiras se torne menor do que no
presente.
A evidncia indica que desde a metade da dcada de 1960 uma progresso na gravidade das
crises financeiras tem ocorrido. A poltica, para se tornar efetiva, deve refletir um entendimento
das razes pelas quais essa tendncia existe.
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Captulo 10
O SISTEMA BANCRIO NUMA ECONOMIA CAPITALISTA
Os ciclos econmicos so naturais em uma economia capitalista que investe. Entretanto, para se
entender isto, faz-se necessrio lidar explicitamente com o financiamento do investimento e
com as posies em ativos de capital. Os financiamentos que no os realizados com reteno
de ganhos envolvem contratos denominados em dinheiro e os bancos so as organizaes que
arranjam e se engajam no financiamento dos negcios. O sistema bancrio, portanto, inclui maisdo que os bancos comerciais. O limite entre bancos comerciais, cujas obrigaes incluem
depsitos vista, outras instituies depositrias como as sociedades de poupana, empresas
que gerenciam o dinheiro (como seguradoras, fundos de penso e fundos de investimento), e
bancos de investimentos mais um reflexo do ambiente legal e da histria institucional do que da
funo econmica de tais instituies.
A clara distino entre bancos comerciais e bancos de investimento, que predominou
nos Estados Unidos no perodo ps Segunda Guerra Mundial, surgiu das reformas que se
seguiram Grande Depresso. Esta distino esta atualmente caindo em desuso e, de fato,
nunca existiu em outras economias capitalistas como na Alemanha, por exemplo. Alm disso,
desde que o financiamento da atividade e da posse de ativos bem como o gerenciamento do
dinheiro ficaram mais sofisticados, em resposta aos perodos turbulentos desde 1960, a linha
divisria entre bancos comerciais, outras instituies depositrias e gerenciadores de dinheiro
tornou-se tnue.
Podemos antever uma evoluo do sistema bancrio na qual as caractersticas de produtos
mltiplos no mbito dos ativos, das obrigaes e das taxas por servios sero totalmente
atingidas. Os bancos individuais estaro localizados num espectro que variar desde bancos
universais ou mltiplos at os altamente especializados, organizaes quase
unidimensionais (um Citibank, por exemplo, ir coexistir com um Lazard Freres).
Entretanto, o modo como o sistema bancrio se encontra atualmente organizado,
existe um grupo de bancos - os comerciais - que permanecem com uma importncia especial
por conta do tamanho agregado e porque seus passivos constituem grande parte da oferta de
dinheiro. Em uma economia capitalista, o dinheiro est associado ao processo de criao e
controle dos ativos de capital. O dinheiro no apenas cupom universal racionado que torna o
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comrcio possvel sem a necessidade da dupla coincidncia de desejos. Dinheiro um tipo de
titulo que surge quando os bancos financiam a atividade econmica e as posies em ativos de
capital e em ativos financeiros. Por conta da importncia especial da relao entre bancos e
dinheiro em nossa economia, esses agentes depositrios sero enfatizados neste captulo,
com observaes secundrias sobre as instituies no bancrias e os bancos deinvestimentos.
Em 1931, enquanto a Grande Depresso estava em andamento no mundo capitalista,
Keynes afirmou que o sistema bancrio interps "sua garantia entre seus depositantes, que
cederam emprstimos aos bancos, e seus clientes, para quem os bancos emprestam o
dinheiro, que financiam a compra de ativos reais [...] Este vu do dinheiro... uma
caracterstica especialmente marcante do mundo moderno".21 O dinheiro criado na medida
em que os banqueiros fazem seu negcio que disponibilizar financiamento do comrcio,dos investimentos e das posies em ativos de capital. Um aumento na quantidade de dinheiro
para os negcios, por meio de emprstimos bancrios, transforma um desejo por investimento
ou ativo de capital em demanda efetiva. A criao de dinheiro parte do mecanismo por meio
do qual um excedente forado e alocado na produo de bens de investimento especficos.22
Quando dinheiro criado um prestatrio assume um compromisso contratual de pagar o
emprstimo ao banco credor no futuro. A habilidade dos tomadores de emprstimo em
cumprir este compromisso reside, em ltima instncia, nas quase-rendas que o ativo de capital
ganhar quando usado na produo, embora a fonte imediata de caixa possa ser a rolagem dos
emprstimos pelo tomador do financiamento ou por uma unidade prestatria que compre do
devedor. O funcionamento normal da economia capitalista depende do sistema de produo
gerando lucros para pagar os servios dos emprstimos e do sistema financeiro que realize
emprstimos para que haja investimentos e da lucros
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