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Eixo: História e Historiografia da Educação
EPISTEMOLOGIA E PESQUISA EM EDUCAÇÃO: O PRESENTISMO SOB A
PERSPECTIVA DO FILÓSOFO ADAM SCHAFF E DO HISTORIADOR
AMARILIO FERREIRA JR.
Joice Estacheski (UFSCar)1
Aldrei Jesus Galhardo Batista (UFSCar)2
Jefferson Mercadante (UFSCar) 3
Resumo: Resultado de um trabalho realizado na disciplina de Epistemologia da Educação
II, em nível de doutorado, o presente texto tem por objetivo a análise do presentismo,
atualmente muito utilizado nas pesquisas em História da Educação, sendo considerado
um assunto bastante pertinente, pois estudos apontam que no final dos anos 1980 e década
de 1990 a historiografia na área produzida perdeu a visão de totalidade, instaurando-se
em seu lugar uma visão fragmentária do mundo. Buscando evidenciar a origem e os
fundamentos da teoria em questão, a fim de compreendermos as razões pelas quais o
presentismo configura-se como necessidade atual, utilizamos da produção de Schaff
(1987), caracterizando-se assim como uma análise bibliográfica da obra, bem como a
exposição oral e, posteriormente transcrita, do professor Dr. Amarilio Ferreira Junior
(2015), o qual colabora para a compreensão da perspectiva teórica aqui tomada para
análise de forma histórico-dialética. Consideramos que os estudos sobre a epistemologia
presentista são ainda limitados, mas a perspectiva em si é amplamente utilizada nas
pesquisas em ciências sociais, tendo seu terreno mais frutífero nos estudos históricos. Na
ânsia de se compreender como ser social e historicamente situado em um determinado
contexto, o homem busca diferentes perspectivas para estabelecer a verdade e o
conhecimento científico.
Palavras-chave: Presentismo; Epistemologia da pesquisa em educação; Pesquisa em
História da Educação.
1 Joice Estacheski, Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail: joiceestacheski@gmail.com 2Aldrei Jesus Galhardo Batista, Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail:
aldrei.galhardo@gmail.com 3Jefferson Mercadante, Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, Brasil. E-mail:
jeff_mercadante@yahoo.com.br
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Introdução
O presente ensaio, fruto da conclusão do trabalho final da disciplina de
Epistemologia da Educação II, ofertada pelo Programa de Pós Graduação em Educação,
nível de doutorado, da Universidade Federal de São Carlos, sob a responsabilidade do
professor Dr. Luiz Bezerra Neto, transcorrida durante o segundo semestre letivo de 2015,
tem por objetivo apresentar algumas considerações no que tange os pressupostos do
paradigma epistemológico denominado como presentismo.
A temática tornou-se relevante para o campo de pesquisa em História da
Educação, uma vez que estudos apontam que no final dos anos 1980 e década de 1990 a
historiografia na área produzida perdeu a visão de totalidade, instaurando-se em seu lugar
uma visão fragmentária do mundo, da qual o presentismo é constituinte, “um processo de
pulverização da pesquisa em micro-objetos fragmentados e isolados dos fenômenos
econômicos, sociais e políticos que animam as relações capitalistas de produção”
(FERREIRA JR.; BITTAR, 2009, p.490).
Assim, a pesquisa em História da Educação, muitas vezes cai em uma
recorrência marcada pela pobreza teórica e inconsistência metodológica a que Sanfelice
(1999, p.37) chamou “uma forma de fazer historiografia, mas sem a explicitação dos
fundamentos filosóficos, epistemológicos ou ideológicos deste novo posicionamento”.
Marcando efetivamente os estudos históricos, o presentismo é também
denominado como “história imediata, história próxima ou história do presente”
(CHAUVEAU & TÉTART, 1999, p. 07)4. Segundo Chaveau e Tétart (1999, p. 07), “o
imediatismo do trabalho histórico diante da história a acontecer, do fato, a presença ainda
prenhe dos fatos [...] colocam numerosos problemas metodológicos, epistemológicos e,
em certos aspectos, deontológicos”. Esta assertiva é, sem dúvidas,
um fator instigante à compreensão do pesquisador a respeito do objeto em questão, tendo
em vista a vasta utilização desta concepção de pesquisa no meio acadêmico das
4 Os autores Chauveau & Tétart (1999), classificam semanticamente a legitimidade científica no uso de
cada um dos três termos, ao que definem como epistemologia da história dos tempos atuais, pois não fazem
parte de uma mesma cronologia, no entanto se referem ao campo do muito contemporâneo.
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ciências humanas em geral e, mais especificamente, no âmbito da história e da
historiografia.
No primeiro eixo do texto, apresentamos uma breve menção sobre o campo
epistemológico e as concepções teórico-metodológicas idealistas e materialistas sobre o
fazer ciência nas humanidades como fator essencial à produção do conhecimento
científico. Abordamos, portanto, questões gerais que envolvem a epistemologia da
pesquisa em educação, salientando sua origem a partir de duas grandes correntes
filosóficas: o idealismo e o materialismo, considerados como a gênese do pensamento
científico ocidental, das quais emergiram diferentes paradigmas epistemológicos, dentre
estes, aquele que é nosso objeto de análise: o presentismo.
No eixo seguinte buscamos explorar a abordagem do presentismo sob a análise
de Adam Schaff (1987), autor este que, tecendo ferrenha crítica aos presentistas, aponta
diferentes formas de compreensão de suas bases. Dessa forma procuramos explicitar a
concepção presentista do italiano Benedeto Croce, do britânico Robin George
Collingwood, e dos americanos Charles Austin Beard, John Herman Randall Jr., Carl
Lotus Becker e Conyers Read; este último, representante da geração seguinte. Sob a
alusão de Schaff (1987), o texto aborda os principais pontos de convergência e
divergência das diferentes perspectivas.
No terceiro e último eixo socializamos as contribuições do historiador Prof. Dr.
Amarilio Ferreira Junior, cuja exposição referente à concepção abordada se deu, sob
nosso convite, em uma das aulas da disciplina de Epistemologia da Educação II. Na
ocasião se discutiu as reais possibilidades em se produzir a história do tempo presente,
bem como as formas de apropriação desta concepção.
Tendo em vista a limitada produção publicada a respeito da epistemologia
presentista, muito embora sua aplicação seja bastante comum nas pesquisas acadêmicas,
o texto auxilia na compreensão da utilização da abordagem, bem como dos riscos que se
corre ao adotá-la de forma acrítica, ou seja, desconhecendo sua gênese, pressupostos e
princípios que a norteiam.
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O campo epistemológico e as concepções teórico-metodológicas idealistas e
materialistas sobre o fazer ciência nas humanidades
Ao considerar que a denominação de ‘campo epistemológico’ faz referência
direta ao conhecimento, então é preciso pensar sobre o que seja o próprio conhecimento;
especialmente, nas formas como este se constitui como tal. Nas ciências humanas parece
que os caminhos são muitos e que cada um deles produz verdades que são legitimadas
por paradigmas, ora hegemônicos, ora não hegemônicos. Percorrer os caminhos da
ciência não é sinônimo de neutralidade do sujeito da pesquisa. Tal afirmativa já anuncia
um posicionamento epistemológico que considera as decisões do sujeito como algo
composto por um conjunto de construções que determinaram o seu próprio
posicionamento político diante de seu objeto de pesquisa, assim como de seu
envolvimento assumido a partir de sua seleção. O sujeito pesquisador, determinado pelas
condições objetivas e subjetivas da sociedade, acaba por se constituir num ser composto
pela doxa – pensamento opinativo/do senso comum; gnósis – conhecimento de modo
geral; sofia – decorrente de longa experiência vivenciada e pela episteme – conhecimento
metódico e sistematizado, ou seja, ciência.
Na busca por compreender as diferentes epistemologias da ciência, portanto, da
pesquisa, o estudioso das ciências humanas se depara com correntes ou escolas de
pensamentos diversos, que decorrem basicamente de concepções de base idealista versus
os de base materialista. Algumas dessas escolas tentam articular uma interlocução, a
nosso ver um tanto perigosa, entre as duas bases que, em essência, são excludentes entre
si, portanto opostas.
Das concepções teórico-metodológicas sobre o fazer ciência nas humanidades,
tais como as racionalistas, empiristas, positivistas, existencialistas, fenomenológicas,
irracionalistas, dialéticas e as materialistas-dialéticas, nos deparamos com a escola dos
estudos que tomam por base os acontecimentos do presente para o olhar ao passado ou,
como alguns preferem, a corrente do presentismo ou, ainda, do fazer pesquisa da história
do tempo presente. É sobre esse assunto que nos debruçaremos com maior ênfase em
nossa exposição.
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O presentismo na perspectiva do filósofo materialista polonês Adam Schaff
Adam Schaff, filósofo polonês, estudou também direito e economia e se filiou
ao partido comunista polonês. Professor, que assumiu o materialismo histórico como
referencial em suas pesquisas e práticas, viveu no século XX, vindo a falecer no ano de
2006, aos 93 anos. Das escolas de pensamento filosófico-marxistas-polonesas, Schaff
escolheu a humanística-antropológica à científica. Sua escolha o colocou mais próximo
das bases alemãs do pensamento filosófico.
Em uma de suas obras, “História e Verdade”, publicada originalmente em 1913,
buscou esclarecer e discutir as pesquisas da área da História. Inicialmente o filósofo
introduz as diferentes interpretações históricas sobre o fenômeno da Revolução Francesa,
para explicar que as diferentes posições epistemológicas do pesquisador produzem
resultados distintos, próximos ou opostos, sobre um mesmo fato (SCHAFF, 1987).
Em seguida, a obra explicita os processos de conhecimento e a busca pela
verdade para depois fazer uma exposição de algumas das escolas epistemológicas:
positivista, presentista, historicista e relativista versus a pesquisa pela perspectiva de
classe para o conhecimento histórico (SCHAFF, 1987). A última análise de Schaff (1987)
traz uma reflexão acerca da objetividade da verdade histórica.
Especificamente para discutir o presentismo da ciência, Schaff (1987) disserta
sobre algumas correntes epistemológicas tais como o positivismo, o materialismo e o
presentismo. O autor define como negativo para esta última o fato de se desconsiderar os
fatos do passado como se fossem meras invenções do presente. Segundo sua análise, no
positivismo o conhecimento histórico se torna possível, simplesmente, pelo reflexo dos
acontecimentos passados e, para o presentismo, decorrente do relativismo subjetivista, o
conhecimento histórico não é possível, uma vez que a história é uma projeção do
pensamento influenciado pelos interesses do presente sobre os do passado (SCHAFF,
1987).
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É possível compreender melhor essas diferenciações quanto mais se observa a
construção de Schaff (1987). Sob sua análise, nas bases do positivismo, estão as
elaborações de Leopold Von Ranke, cuja formulação teórica anuncia a não relação de
interdependência entre sujeito (historiador) e objeto de pesquisa (SCHAFF, 1987). Ou
seja, a relação não existe pois a história é pré-determinada por meio de uma estrutura
definida e acessível ao conhecimento. Entende-se, portanto, que como a história é algo
previsível e determinado, naquilo que se denomina como uma Teoria do Reflexo, a
relação cognitiva de conhecimento é algo bastante mecanicista por considerar que o
sujeito da pesquisa é capaz de imparcialidade. Para que essa garantia seja resguardada e
para que o processo de conhecimento histórico não seja contaminado, a filosofia deve,
necessariamente, separar-se da história, haja vista que apresenta um caráter especulativo
e moralizante.
Mas, o que leva Schaff voltar ao positivismo quando quer explicar o
presentismo? A justificativa é simples: o presentismo se coloca como uma corrente
diametralmente oposta ao positivismo. A origem do presentismo, para Schaff (1987), está
no pensamento de Hegel que, enquanto condenador do dogma e exímio crítico ao
pragmatismo, pode ser considerado fonte de inspiração a este paradigma, pois proclama
a necessidade de reescrever continuamente a história, compreendido como o presente
projetado sobre o passado. Contudo, é preciso diferenciar Hegel dos presentistas, uma
vez que este nunca definiu a história como projeção do pensamento do presente,
característica fundamental, segundo Schaff (1987), da respectiva corrente. Desta forma,
o sentido de origem do presentismo em Hegel está explícita na seguinte assertiva:
Desse modo uma história refletora substitui-se a uma outra; os materiais são
acessíveis a qualquer escritor, e cada um pode facilmente considerar-se apto a
ordená-los e elaborá-los, fazendo neles o seu espírito como o espírito de
diversos períodos. (G. W. F. Hegel. Leçons sur la philosophie de I’histoire.
Apud: SCHAFF, 1987, p. 107).
Nessa linha de raciocínio, Adam Schaff (1987), conclama o italiano Benedetto
Croce como o grande pai do presentismo. O autor anuncia que Croce compreende a
história como atividade intuitiva excluindo o conceito de que ela é conhecimento do que
se produziu no passado, para substituí-lo pela tese de que a história é o pensamento da
contemporaneidade projetado no passado. É o mesmo que dizer que o pesquisador escreve
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a história apenas do ponto de vista de seu presente, sem poder saber sobre o que de fato
ocorreu em outro tempo.
Nesse sentido, qual seria o objetivo de se buscar fontes e dados empíricos, se os
resultados são sempre algo dado pelo pensamento do presente? Daí o desprezo por fontes
e documentos, essencialmente o centro das pesquisas positivistas 5. O conhecimento
histórico é sempre uma resposta a uma necessidade determinada e, nesse sentido, é
sempre comprometido:
As compilações dos fatos são apenas crônicas, notas, memórias ou anais, e não
obras históricas; mesmo se os fatos foram submetidos à crítica, as fontes de
todos os dados mencionados e os testemunhos seriamente verificados,
quaisquer que sejam os esforços utilizados, é impossível ultrapassar o caráter
exterior da fonte ou do testemunho que ficarão sempre nos “diz-se” ou
“escreve-se”, e nunca poderão se tornar a nossa verdade. A história, pelo
contrário, exige de nós uma verdade extraída do mais interior da nossa
experiência. (B. Croce. Die Geschichte als Gedanke und als Tat. Apud:
SCHAFF, 1987, p. 111).
Em continuidade à tese de Croce, está o seu seguidor Robin George
Collingwood, responsável por popularizar as ideias presentistas no mundo anglo-saxão.
Para Collingwood, as atividades cuja história estuda constituem não um espetáculo que
se observaria, mas uma experiência que lhe é preciso reviver no seu espírito. Assim
proclama que “[...] cada presente tem o seu próprio passado e, com a ajuda da imaginação
realizando a reconstrução do passado, visa-se a reconstruir o passado de um dado presente
[...].” (R. G. Collingwood. The Idea of History. Apud: SCHAFF, 1987, p. 115).
Se a origem das bases presentistas esteve em Hegel e o pai da corrente foi Croce,
certamente no presentismo norte-americano, os seus representantes foram os responsáveis
por influenciar muitas pesquisas da atualidade, a contar da segunda metade do século XX
para os anos dois mil. Charles Austin Beard, John Herman Randall Jr. e Carl Lotus Becker
reforçaram as principais ideias presentistas: 1) de que não é possível escrever a história
tal como ela aconteceu; e 2) de que a história recria o passado pelo presente e que por ser
criação e imaginação de cada um seria, portanto, propriedade particular de quem imagina
conforme suas experiências pessoais.
5 Nesse caso, ainda pior, toda fonte levantada pelo pesquisado acaba por se apresentar confiável e legítima.
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Segundo Schaff (1987), Conyers Read também ataca o conceito de verdade
objetiva como uma espécie de inimiga, já que, para este, a história é uma ressurgência na
memória das experiências humanas passadas (subjetividade). A história escrita é,
portanto, emanação das necessidades atuais – cada geração deve reescrever a história. A
história é o PENSAMENTO SOBRE a história (pensamento para CRIAR a história). Para
Read “[...] o historiador pode continuar a estudar todos os fenômenos, ‘mas devemos
apercebermo-nos de que o que se passa no laboratório não se presta a ser divulgado em
todos os pormenores e em todas as esquinas’” (READ apud SCHAFF, 1987, p. 129).
Torna-se claro o poder altamente ideológico na manutenção elitista do conhecimento
histórico, pois para este autor há eminente necessidade em “[...] admitir o princípio do
controle social. [...] é importante que aceitemos e que sustentemos um tal contrôle: é
essencial para salvaguardar nosso modo de vida” (READ apud SCHAFF, 1987, p. 129,
grifos nossos). Certamente o autor defende o modo de vida americano, em outras
palavras, o modo de produção capitalista fundamentado na exploração do homem pelo
homem. Podemos afirmar que para Read, o presentismo é um antídoto contra o sistema
comunista e a qualquer tentativa que coloque em risco os princípios do liberalismo, o que
se evidencia em sua assertiva “[...] devemos afirmar os nossos próprios objetivos e definir
os nossos próprios ideais, os nossos próprios modelos, e organizar todas as forças da
nossa sociedade para a sua conservação” (READ apud SCHAFF, 1987, p. 128, grifos
nossos).
É com base nesses estudiosos e teóricos que, Adam Schaff (1987), critica o que
denomina de presentismo como algo que possui sentido negativo para o historiador e para
a história, pois suas características essenciais são nocivas à descoberta do conhecimento
histórico científico, quais sejam: na construção do conhecimento histórico, sujeito e
objeto constituem uma totalidade orgânica, agindo um sobre o outro; a relação cognitiva
nunca é passiva, contemplativa, mas ativa por causa do sujeito que conhece; o
conhecimento e o comprometimento do historiador estão sempre socialmente
condicionados. Com referências às bases marxistas, Schaff (1987) conclui que o
presentismo está inelutavelmente associado ao relativismo já que para as correntes
9
epistemológicas de busca pelo conhecimento é verdadeiro o que é útil, o que corresponde
às necessidades e interesses determinados.
O nosso juízo é essencialmente negativo. Toda a apreciação exige um sistema
de referência e só pode ser feita a partir de posições escolhidas. Se rejeitamos
o presentismo, apesar de aprovarmos a orientação de sua crítica dirigida contra
o positivismo, fazemo-lo a partir da posições filosóficas determinadas, porque
o que nós rejeitamos, é precisamente o fundamento filosófico desta doutrina.
[...] Os principais pontos de litígio entre positivismo e o presentismo dizem
respeito a problemas essencialmente filosóficos. É preciso pois considerá-los
explicitamente como tal, [...]. No caso contrário, como previu Engels, faz-se
isso inconscientemente, com risco de praticar a pior das filosofias, o ecletismo
(SCHAFF, 1987, p. 133).
Schaff (1987) evidencia assim a aproximação filosófica entre os dois
paradigmas, afirmando que sob o presentismo existe a prevalência do pensamento sobre
a história. Dessa forma “[...] a história como processo histórico objetivo (res gestae) e
como descrição desse processo, ou seja, a historiografia (historia rerum gestarum)” (
SCHAFF, 1987, p. 134), deixam de existir. Uma vez que o pensamento sobre o processo
histórico não permanece e o que se segmenta é o pensamento criando a história,
percebemos claramente um problema deontológico, pois a história é sempre produzida
sob determinadas condições reais e objetivas. Se, ao contrário, a história passa ser criada
sob diferentes perspectivas, a partir do pensamento que a cria, não há, portanto, verdade
a ser conhecida, sendo “[...] a posição teórica mais estranha que um historiador pode
adotar [...]” (Schaff, 1987, p. 134).
É possível escrever uma história do presente? O presentismo para o historiador
brasileiro Amarílio Ferreira Jr.
Na perspectiva do historiador Prof. Dr. Amarilio Ferreira Jr., do Departamento
de Educação do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos, o
debate acerca do presentismo se polemiza já na conceituação de sua terminologia. Para o
historiador, o termo presentismo deve ser relativizado a partir de uma proposta de
superação do sufixo “ismo”, uma vez que este elemento pode estar carregado no sentido
pejorativo, qual seja, “[...] o de fazer uma crítica de fora para dentro e movida por
interesses inevitavelmente, por exemplo, de caráter ideológico” (FERREIRA JR.,
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2015). Assim, o professor de História da Educação, opta pela utilização do termo
“História do Tempo Presente”.
Ferreira Jr. (2015), parte de uma questão preliminar para discutir o que ele chama
de “História do Tempo Presente”: a divisão do campo da História em dois grandes campos
– 1) a Filosofia da História, tendo como seu grande expoente o intelectual alemão Hegel,
seguido por importantes nomes como o do italiano Benedetto Croce no século XX, o que
se evidencia na leitura de inúmeras passagens dos Cadernos de Gramsci, nas quais o autor
estabelece interlocuções sistemáticas de Croce, uma vez que se torna impossível pensar
o próprio marxismo sem o sistema dialético desenvolvido por Hegel, guardadas as
devidas diferenças entre a interpretação idealista hegeliana e a interpretação materialista
desenvolvida por Marx e Engels; e 2) a Teoria da História, com destaque para o
historiador britânico E. P. Thompson, de grande influência na segunda metade do século
XX, notadamente a partir da publicação de “A Miséria da Teoria” ou “Um Planetário de
Erros”, em que o autor tece uma crítica ao pensamento de Althusser e à Filosofia da
História do ponto de vista de uma Teoria da História.
Resumidamente, como demonstra a Figura 1, Ferreira Jr. (2015) descreve a
Filosofia da História como o campo que apresenta uma concepção universal teleológica
da história; enquanto a Teoria da História, no momento em que vivemos, em função da
pós-modernidade, apresenta uma fragmentação desconexa. Assim, enquanto a Filosofia
da História se prende ao continuum (passado-presente-futuro), a Teoria da História se
permite apresentar fenômenos isolados em si mesmos no passado ou no presente,
descontextualizados da totalidade histórica. Essa totalidade histórica, presente na
concepção universal teleológica da Filosofia da História, é apresentada por Ferreira Jr.
(2015) a partir de uma alegoria:
É como se o historiador estivesse em uma autoestrada, dirigindo um carro.
Então ele olha pelo para-brisa e vê o futuro e olha pelo retrovisor e vê o
passado. Se considerarmos uma autoestrada tortuosa, à beira de um abismo, é
impossível o historiador transitar sem o para-brisa e sem o retrovisor, pois
aumenta a dificuldade de visualização tanto do passado quanto do futuro. A
beira do abismo nessa alegoria representa as grandes crises que a humanidade
vivencia.
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Fig. 1 – Filosofia da História versus Teoria da História
Fonte: elaborado por Amarilio Ferreira Jr. (2015).
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Desse modo, Ferreira Jr. (2015) aponta o comprometimento da Filosofia da
História em projetar o futuro a partir do presente e olhando para o passado, afirmando
que “[...] talvez nós pudéssemos comprimir o presente entre o futuro e o passado. O
presente é apenas um ponto de passagem, um ponto de inflexão, quando o que se quer
resolver, na verdade é o futuro. Nós somos obcecados pelo futuro”. Um exemplo para a
compreensão da prática historiográfica desse continuum, segundo Ferreira Jr. (2015),
pode se dar pela leitura dos escritos de Lênin datados de véspera de 1917 e os datados
logo após 1917. Segundo o historiador, há nos textos um esforço intelectual de Lênin em
compreender o presente na perspectiva do passado e projetando o futuro no sentido de
dirigir a Revolução.
A Teoria da História, por sua vez, segundo Ferreira Jr. (2015), abandona o
continuum da história, por considerar esse processo passível de resultar em uma
inexorabilidade do tempo futuro e consequentemente na produção de uma dogmática,
mesmo que se parta de objetividades do tempo presente. Assim, Ferreira Jr. (2015),
ressalta que, notadamente depois da Segunda Guerra Mundial e das primeiras invasões
soviéticas no leste europeu, uma ala muito significativa de intelectuais dos partidos
comunistas do ocidente, como o próprio Hobsbawn e o filósofo Adam Schaff, abandonam
a Filosofia da História, ainda que não se tenha abandonado a objetividade, elemento
fundamental do marxismo.
A mudança do paradigma de como escrever história está fundamentada, para
Ferreira Jr. (2015), na percepção de que as utopias não estão somente projetadas no futuro,
mas também estão colocadas no passado e cercadas por subjetividades: “o presente
inventa idealmente um passado e luta por ele”.
Tal constatação nos traz à discussão o conflito “objetividade x subjetividade” na
escrita da história. Segundo Ferreira Jr. (2015), a questão é complexa e envolve um
cuidado em não se tornar prisioneiro da ideologia e um entendimento de que é impossível
produzir conhecimento no âmbito das ciências humanas sem ideologia. A questão que se
coloca é:
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De onde parte o pesquisador? De uma materialidade ou de uma
subjetividade? No que se pese que, transitar da materialidade para a
subjetividade é possível, uma vez que a dialética o possibilita. Já o
trânsito da subjetividade para a materialidade apresenta complicações
quando partimos do princípio de que a materialidade engendra a
subjetividade. Entretanto, é possível capturar a essência de certas
manifestações subjetivas produzidas historicamente pela humanidade,
por determinadas sociedades historicamente dadas, e chegar a uma
determinada materialidade.
Ferreira Jr. (2015) explica, conforme se observa na Figura 2, que quando se parte
de uma materialidade, três elementos são fundamentais e constituem as bases da
materialidade societária: o caráter da propriedade dos meios de produção, a estrutura de
classes sociais e o Estado. De outro lado, quando se parte da subjetividade, as
manifestações societárias dessa subjetividade humana podem ser a cotidianidade, a
cultura, o poder, o gênero, a etnia; fazendo desaparecer o conceito de classes. E coloca:
A simplificação do processo histórico exclusivamente a uma das duas
concepções implica, não necessariamente, em uma interpretação
dogmática da História. A produção historiográfica fecunda é aquela
fundada em uma concepção teórico-metodológica que compreende a
manifestação de uma relação dialética entre base material de existência
e subjetividade individual ou coletiva no âmbito das sociedades
historicamente dadas.
Fig. 2 – Princípios Fundamentais das Divergências Metodológicas
Fonte: elaborado por Amarilio Ferreira Jr. (2015).
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Desse modo, Ferreira Jr. (2015), coloca que, ainda que a pesquisa em história
prescinda da escolha de um ponto de partida, o pesquisador deve manter-se atento durante
todo o processo investigativo com ambas as dimensões, a fim de evitar os reducionismos
ideológicos.
Feita a exposição dessas questões, consideradas introdutórias, Ferreira Jr. (2015)
parte de uma crítica do presentismo para uma exposição de elementos indispensáveis para
a escrita de uma “História do Tempo Presente”. A princípio, o historiador destaca, dentro
desta concepção de História, o rompimento com a rígida separação cronológica,
demarcada por uma data e imposta arbitrariamente pela concepção positivista da história.
Metodologicamente, como se daria a “História do Tempo Presente”? Segundo
Ferreira Jr. (2015), a primeira consideração é a de que essa concepção de História
constitui-se enquanto um campo de pesquisa multidisciplinar, formado por historiadores,
sociólogos, cientistas políticos, economistas, educadores. Entretanto, Ferreira Jr. (2015)
ressalta a vantagem do historiador de ofício em comparação a profissionais de outras
áreas:
Por via de regra, o historiador de ofício valoriza muito mais a
experiência histórica, ao passo que o pesquisador de outra área não tem
por finalidade explicar seu objeto do ponto de vista histórico, ao
contrário, a história aparece na pesquisa presentista como uma etapa,
uma necessidade para poder falar do tempo presente. Por exemplo: é
impossível falar de fenômenos educacionais contemporâneos no âmbito
da política se você não retoma a reforma do Estado que operou durante
os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso.
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A superficialidade de um ponto de vista histórico resulta, segundo Ferreira Jr.
(2015), na expressão de uma ideologia, pois “[...] quanto menor o conhecimento histórico,
maior o índice ideológico de uma pesquisa. A História apresenta um componente objetivo
que as outras áreas não apresentam: o passado”. Ainda que a crítica ideológica possibilite
ao pesquisador fazer reflexões sobre determinados fenômenos e atingir a essência do
objeto, Ferreira Jr. (2015) ressalta que sem estar atrelada ao conhecimento histórico, a
ideologia pode tomar um tom dogmático, determinista “[...] de certa dogmática
apriorística independente da complexidade das contradições inerentes ao próprio
fenômeno analisado”.
A “História do Tempo Presente” depende, portanto, daquilo que sobrevive no
imaginário contemporâneo, “o que nos move no presente, fenômenos brutalmente
impactantes” (FERREIRA Jr., 2015). Identificar, contudo, esses fenômenos é um
processo extremamente subjetivo e depende, segundo Ferreira Jr., do imaginário coletivo
e individual. Juntam-se a isso outros elementos metodológicos:
a) O acontecimento, que pode ser objetivamente a temática de pesquisa.
Por exemplo, um determinado acontecimento do campo educacional
pelo viés das políticas públicas. Reúne-se, portanto, tudo de
materialidade possível (fontes empíricas, fontes primárias) que dê
consistência para uma análise objetiva do fenômeno a ser analisado; b)
As demandas sociais, uma variante ligada ao ponto de partida. Portanto,
podem estar ligadas às manifestações societárias da subjetividade
humana, como podem advir das bases da materialidade societária, como
por exemplo, a luta de classes: as ocupações das escolas do estado de
São Paulo no segundo semestre de 2015, por exemplo, representam
demandas sociais que partem da luta de classes no Brasil; e a c) A
testemunha.
Em síntese, Ferreira Jr. (2015) apresenta o seguinte esquema (Figura 3):
16
Fig. 3 – História do Tempo Presente
Segundo Ferreira Jr. (2015), com base nesses elementos você pode, portanto,
desenvolver uma metodologia da “História do Tempo Presente”, mas que implica sempre
em desvelar seu ponto de partida.
Assim, é comum nos depararmos com pesquisas acadêmicas que, inseridas em
teorias pós-modernas, recortam de cada paradigma epistemológico produzido em
contextos históricos específicos, determinados pressupostos e princípios adaptando-os à
realidade atual, ou seja, busca-se sempre, apressadamente, aderir ao ‘modismo do
patchwork’. Em alguns casos, a tentativa de adaptação da teoria ao objeto de estudo e ao
problema de pesquisa acaba por ser tão inviável quanto calçar uma bota menor que o
tamanho dos pés.
Considerações finais
Conforme afirmamos, os estudos sobre a epistemologia presentista são ainda
limitados, mas a perspectiva em si é amplamente utilizada nas pesquisas em ciências
sociais, tendo seu terreno mais frutífero nos estudos históricos. Na ânsia de se
compreender como ser social e historicamente situado em um determinado contexto, o
homem busca diferentes perspectivas para estabelecer a verdade e o conhecimento
científico.
Dessa forma, nossas contribuições emergiram da necessidade em ampliar a
discussão do presentismo e das formas como é denominado – história do tempo presente
(FERREIRA, 2015), história imediata, história, próxima ou história do presente
Fonte: elaborado por Amarilio Ferreira Jr. (2015).
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(CHAUVEAU & TÉTART,1999) e, mais do que isso, as diferentes interpretações que
se permite fazer de um mesmo paradigma.
Refutando os princípios objetivos do positivismo, entendidos como um modelo
mecânico, os presentistas possuem suas divergências, no entanto convergem para a
resolução das necessidades emergentes do presente.
Evidenciamos assim o quanto Schaff (1987) defende a objetividade do
conhecimento e desconsidera fielmente qualquer tipo de subjetividade, pois segundo o
autor, “[...] o presentismo é ele próprio atingido pelo subjetivismo e pelo relativismo,
doença incurável que o conduz à catástrofe científica” (SCHAFF, 1987, p. 135).
Apontado como um propósito de se criar a história calcado em várias lacunas sem suas
respectivas respostas, o autor acusa que o presentismo assume a história como “[...] uma
projeção dos interesses e das necessidades presentes sobre o passado, é sempre função de
um presente variável [...] a verdade do conhecimento histórico é sempre posta em relação
com circunstâncias de lugar e de tempo” (SCHAFF, 1987, p.137), ou seja, são produzidas
muitas histórias. Daí o desprezo do autor pela subjetividade presentista.
Na interpretação do professor Amarilio Ferreira Junior (2015) não há como
desconsiderar no trabalho com o conhecimento a objetividade, tampouco a subjetividade,
uma vez que
[...] o tempo presente é muito complexo, pois são muitas determinações
históricas que estão em jogo e elas não são só objetivas, elas são
também subjetivas e é difícil você mensurar a subjetividade humana
(como mensurar ódio, fé, paixão?). Os elementos da subjetividade
também estão presentes na construção do tempo histórico (FERREIRA,
2015).
Desconsiderar a subjetividade é, portando, um erro tosco, uma vez que poderá
levar o pesquisador a se tornar refém de processos ideológicos e/ou dogmáticos,
defendendo-os sem a devida cautela. É nesse sentido que o professor, não
desconsiderando o trato ideológico do pesquisador, nos faz um alerta incisivo: é essencial
o desvelamento do ponto de partida, ou seja, ao olhar para o presente, não devemos
desconsiderar os elementos materiais que o compõe e, no caso do objeto pertencer ao tipo
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de sociedade capitalista, não desconsiderar a categoria da luta de classes (FERREIRA Jr.,
2015).
A partir do exposto, podemos concluir que o pesquisador da história, ao assumir
um objeto do tempo presente deve ser coerente, inicialmente, às suas concepções
filosóficas, de modo a não ser seduzido pelo canto da sereia, ou seja, ao se utilizar
aleatoriamente do subjetivismo e do relativismo, poderá incorrer em inconsistências
teóricas e/ou metodológicas.
Referências Bibliográficas
CHAUVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe. Questões para a história do presente. In: ______
(Org.). Questões para a história do presente. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
FERREIRA JR, Amarilio. É POSSÍVEL ESCREVER UMA HISTÓRIA DO PRESENTE? [dez.
2015]. Aldrei Jesus Galhardo Batista; Jefferson Mercadante; Joice Estacheski. São Carlos
UFSCar. 1 gravação em vídeo. Entrevista concedida durante o 14º encontro da disciplina de
Epistemologia da Educação II.
FERREIRA JR., Amarilio; BITTAR, Marisa. História, epistemologia marxista e pesquisa
educacional brasileira. Educação & Sociedade, Campinas, v.30, n.107, p.489-511, maio/ago.,
2009.
SANFELICE, José Luis. A pesquisa histórico-educacional: impasses e desafios. In: LOMBARDI,
José Claudinei (Or.). Pesquisa em Educação: História, Filosofia e Temas Transversais. Campinas,
SP: Autores Associados: HISTEDBR; Caçador; SC: UnC, 2000.
SCHAFF, Adam. História e verdade. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
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