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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA E ENSINO – PGLE
ANA PAULA PEREIRA DE ARAUJO ROQUE
ENSINO DA LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO COM LETRAS DE CANÇÕES
JOÃO PESSOA 2014
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ANA PAULA PEREIRA DE ARAUJO ROQUE
ENSINO DA LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO COM LETRAS DE CANÇÕES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Linguística e Ensino, do Departamento Letras, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba em cumprimento aos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística e Ensino. Orientadora: Profª. Drª. Roseane Batista Feitosa Nicolau
JOÃO PESSOA 2014
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R786e Roque, Ana Paula Pereira de Araujo. Ensino da leitura na alfabetização com letras de
canções / Ana Paula Pereira de Araujo Roque.-- João Pessoa, 2014.
73f. : il. Orientadora: Roseane Batista Feitosa Nicolau Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCHLA 1. Linguística aplicada. 2. Leitura. 3. Gênero textual
canção. 4. Alfabetização - ensino - leitura. 5. Letramento. UFPB/BC CDU: 801(043)
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“O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. (...) No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar.”
Paulo Freire
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RESUMO Esta pesquisa fundamenta-se em estudos da linguística aplicada. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e participante que tem por objeto de estudo o ensino da leitura, mediado pelo gênero canção em que a alfabetização desenvolve-se em contexto de letramento. O objetivo geral é investigar como o ensino da leitura desenvolvido com letras de canções pode contribuir para a aprendizagem significativa da leitura e a formação de leitores. E os objetivos específicos: organizar e propor atividades de leitura com letras de canções à luz de fundamentos teóricos a partir da concepção sociointeracionista; verificar, a partir das atividades propostas, como se dá a aprendizagem da leitura pelas crianças do 1º ano com o uso das canções. O estudo bibliográfico desta pesquisa se respalda em uma epistemologia sócio-histórica inspirada nos trabalhos de Vigotsky (1984, 1987), Paulo Freire (1921, 1997) e Bakhtin (1987, 1992 e 2011), contemplando autores como: Schneuwly (1994, 1996) e Dolz (1996); Marcuschi (2008); Moita Lopes (1996); Mary Kato (1985); Kleiman (1989); Solé (1998), Bortoni-Ricardo (2012), entre outros, que contribuíram para a construção teórica da linguística e o desenvolvimento das teorias sobre a leitura. Desenvolvemos uma descrição e análise da proposta com uma sequência de atividades, em que tomamos como base os pressupostos teóricos de Solé (1998) e Bortoni Ricardo (2012). Assim sendo, explicitamos o desenvolvimento das atividades de leitura realizadas no decorrer de quatro encontros. Na análise, foi possível verificar a viabilidade do ensino da leitura com canções, uma vez que as crianças do 1º ano demonstraram que, além de compreender aspectos relacionados à natureza alfabética do nosso sistema de escrita e estabelecer de forma consciente a correspondência grafema-fonema, também experienciaram o gosto pela leitura ao assumirem o papel de leitoras. Palavras-chave: Leitura. Gênero textual canção. Alfabetização. Letramento. Ensino.
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ABSTRACT
This research is based on studies of the applied linguistic. Song is about a qualitative and participant research that has for study object the education of the reading, mediated for the sort where the alphabetization is developed in literacy context. The general objective is to analyze as the teaching of the reading developed with letters of songs can contribute for the significant learning of the reading and the formation of readers. E specific objectives: to organize and to consider activities of reading with letters of songs to the light of theoretical beddings from the sociointeracionista conception; to verify, from the activities proposals, as if of the a learning of the reading for the children of 1º year with the use of the songs. The bibliographical study of this research if it endorses in a partner-historical epistemology inspired in the works of Vigotsky (1984, 1987) Paulo Freire (1921, 1997) and Bakhtin (1987, 1992 e 2011), contemplating authors as: Schneuwly (1994, 1996) and Dolz (1996); Marcuschi (2008); MoitaLopes (1996); Mary Kato (1985); Kleiman (1989); Solé (1998), Bortoni-Ricardo (2012) among others, that they had contributed for the construction theoretician of the linguistic and the development of the theories on the reading. We develop a description and analysis of the proposal with a sequência of activities, where we take as base the estimated theoreticians of Solé (1998) and Bortoni Ricardo (2012). Thus being, we make explicit the development of the carried through activities of reading during four meeting. In the analysis a time was possible to verify the viability of the teaching of the reading with songs that the children of 1º year had demonstrated that beyond to understand aspects related to the alphabetical nature of our system of writing, and to establish of conscientious form the correspondence grapheme-phoneme, also experienciaram the taste for the reading when assuming the paper of readers. Key-words: Reading. Song textual genre. Alphabetization. Literacy. Teaching.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
UFPB Universidade Federal da Paraíba
PGLE Pós-Graduação em Linguística e Ensino
CCHLA Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNLP Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
Profa Programa de Formação de professores alfabetizadores
PRÓ-LETRAMENTO Programa de Formação Continuada de Professores dos
Ano/séries iniciais do Ensino Fundamental em
Alfabetização e Linguagem
MEC Ministério da Educação e Cultura
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
SEA Sistema de Escrita Alfabética
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1: Diálogo sobre preferências das canções............................................ 51
Quadro 2: Registro fotográfico de atividade – cantando e brincando de roda.... 52
Quadro 3: Registro fotográfico – roda de conversa............................................. 55
Quadro 4: Lista de canções preferidas................................................................. 57
Quadro 5: Diálogo sobre conteúdo temático da canção Atirei o pau no gato...... 60
Quadro 6: Canção popular.................................................................................... 61
Quadro 7: Versão reformulada da Cantiga popular.............................................. 61
Quadro 8: Registro fotográfico – atividade de localização de palavras................ 63
Quadro 9: Registro fotográfico – atividade de correspondência fonográfica....... 64
Quadro 10: Diálogo ocorrido durante a atividade de identificação de palavras... 66
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 09
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................... 16
1.1 Abordagens acerca da leitura....................................................................... 16
1.2 Concepções de leitura e implicações pedagógicas................................... 20
1.3 Estratégias de leitura e mediação pedagógica........................................... 27
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO................ 31
2.1 O ensino da língua e os gêneros textuais na perspectiva
do letramento....................................................................................................... 37
2.2 O gênero textual canção e a leitura............................................................. 40
3 DESCRIÇÃO DA SEQUÊNCIA DE ATIVIDADE DE LEITURA
E ANÁLISE DOS RESULTADOS......................................................................... 45
3.1 Primeiro encontro.......................................................................................... 50
3.2 Segundo encontro......................................................................................... 53
3.3 Terceiro encontro.......................................................................................... 56
3.4 Quarto encontro............................................................................................ 65
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 68
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 70
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INTRODUÇÃO
A leitura é de extrema importância à realidade social porque é uma
competência indispensável ao desenvolvimento pleno dos indivíduos, podendo
torná-los, de fato, cidadãos, ou seja, seres capazes de interferir no ambiente em que
vivem e interagir conscientemente com os demais membros da sociedade.
Observamos que a escola, enquanto instituição educacional tem fundamental
importância na capacitação e desenvolvimento humano, por ser uma entidade
prioritariamente constituída para a educação e formação dos indivíduos sociais,
tendo a função de prover-lhes com competências e habilidades que permitam a sua
convivência, comunicação e atuação no grupo social, de forma mais ampla. Assim, o
desenvolvimento da leitura, escrita, oralidade, informatização, compreensão e
aplicação matemática, dentre tantas outras, corresponde a uma tarefa imanente à
escola, à qual deve dedicar-se com prioridade e eficiência.
Especificamente com relação aos processos de ensino e aprendizagem da
capacidade leitora, é certo que estes precisam ser mediados por estratégias
didáticas eficazes e dinâmicas, de modo que os educandos sintam-se atraídos,
motivados, abrindo-se, assim, um campo de estímulos favoráveis ao pleno
desenvolvimento desses processos e à possibilidade concreta de resultados mais
positivos quanto aos objetivos pretendidos. Visando à formação do comportamento
leitor, pode-se lançar mão do trabalho com canções, o que, além de consistir em
uma proposta convidativa devido ao seu caráter lúdico, ainda pode proporcionar
momentos significativos de partilha das experiências advindas do contexto social
imediato.
Esta prática não se restringe apenas ao que está registrado no texto escrito
apresentado e lido, mas, de modo mais amplo, todos os aspectos envolvidos que
auxiliam na compreensão podem ser considerados como ação de leitura: uma
melodia, um gesto, uma expressão, uma imagem, um símbolo. Nessa concepção,
leitura engloba não somente o conhecimento verbal (escrito e oral), mas
principalmente o conhecimento de mundo. Nesse sentido, Koch (2008, p.10) pontua
que o texto é “o próprio lugar da interação e sua compreensão deixa de ser
entendida como simples captação de uma representação mental ou como a
decodificação de mensagem resultante de uma codificação de um emissor para se
tornar uma atividade”.
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Com relação à forma com que a escola vem desenvolvendo o ensino da
leitura, Antunes (2003) lança questionamentos, considerando que, tradicionalmente,
aquele ocorre como prática de decodificação da escrita, sem levar em conta sua
dimensão de interação verbal. Desenvolve, assim, atividades sem conexão com os
usos sociais que se faz da leitura, que institucionalmente deve ocorrer com o
objetivo de servir como meios para outras ações consideradas prioritárias, dentro e
fora da escola, como a interpretação do texto lido ou a produção de um texto pelo
aluno.
As canções assim como as parlendas, adivinhas, trava-línguas, entre outros,
fazem parte da tradição oral e sempre estiveram presentes no imaginário social das
pessoas. Esses textos caracterizam-se pela sua difusão através da oralidade e,
recuperados pela memória, adquirem a função de encantar, divertir, entreter e
cultivar valores.
O presente trabalho está centrado na linha de pesquisa Teorias Linguísticas e
Métodos do Mestrado do Profissional de Linguística e Ensino. Apresenta o texto oral
canção como objeto de ensino da leitura, considerando que este pode favorecer a
compreensão dos processos de ensino e aprendizagem daquela nas séries iniciais.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa e participante que tem por objeto de
estudo o ensino da leitura, mediado pelo gênero canções infantis. A motivação para
esse estudo foi e está sendo (re) construída na nossa prática diária de pedagoga e
docente no Ensino Fundamental na rede pública do Município de João Pessoa,
Estado da Paraíba. Tem, contudo, suas raízes em uma experiência pedagógica
vivenciada em uma turma multisseriada da zona rural de Remígio. Naquela
oportunidade, ficou evidenciada a boa receptividade dos alfabetizandos com a
proposta metodológica de leitura a partir do gênero canções e outros da tradição
oral. Foram também observados avanços significativos daquelas crianças quanto ao
seu processo de aprendizagem da leitura.
A pesquisa ora apresentada foi realizada no Ensino Fundamental, numa
escola da rede pública do Município de João Pessoa, Estado da Paraíba,
especificamente na turma do primeiro ano deste nível de ensino, início do processo
de alfabetização, por entendermos que se trata de um momento crucial na formação
do sujeito leitor, o qual deverá estar imerso em situações significativas de leitura a
partir de práticas motivadoras.
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Ressaltamos, ainda, a necessidade de ampliar reflexões acerca da temática
da formação de leitores, sendo indispensável contextualizá-la no âmbito de
concepções linguísticas que a fundamentam, bem como essa formação nas
propostas teóricas da Linguística Aplicada voltada para a leitura.
É central, portanto, que façamos uma reflexão sobre o papel do professor
polivalente e também de língua portuguesa nas escolas com relação à metodologia
de ensino da língua, considerando, principalmente, as teorias linguísticas que dizem
respeito às diferentes abordagens de leitura.
Buscamos atender às recomendações sugeridas no Programa de Mestrado
de Linguística e Ensino da UFPB e da linha de pesquisa Teoria Linguística e
Métodos, refletindo sobre propostas de ensino da leitura que, ao longo dos estudos
voltados para a língua, contribuirão para o amadurecimento teórico da abordagem
da leitura.
Este estudo está voltado para questões teóricas da leitura em diferentes
facetas. Indo, portanto, dos aspectos descritivos aos aspectos aplicados,
possibilitando a reflexão crítica do ensino da língua, valorizando uma atitude
didático-pedagógica reflexiva no tocante ao ensino da leitura, coerente com a
realidade vivenciada na sala de aula do 1º ano do ensino fundamental. Desta forma,
pretende-se oportunizar a vivência de uma metodologia dialética e interacionista, ou
seja, que tenha compromisso com o ensino da leitura num processo de
alfabetização pautado na perspectiva do letramento.
Para este trabalho, traçamos como objetivo geral:
- investigar como o ensino da leitura desenvolvido com letras de canções
pode contribuir para a aprendizagem significativa da leitura e a formação de leitores.
A proposta ora apresentada partiu do pressuposto de uma experiência
pedagógica de alfabetização vivenciada com uma turma multisseriada da zona rural
de Remígio, como já descrito acima. Desta forma, este objetivo geral apresenta a
intenção de sistematizar a proposta em forma de pesquisa com a aplicação de uma
sequência de atividades de leitura mediada pelo gênero canção.
Traçado o objetivo geral, delimitamos como objetivos específicos:
- organizar e propor atividades de leitura com letras de canções à luz de
fundamentos teóricos a partir da concepção sociointeracionista.
Com este objetivo, pretendemos demonstrar a viabilidade do ensino da leitura
na alfabetização mediado com canções infantis próprias do contexto da turma
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investigada, inclusive, por elas selecionadas a partir de suas preferências. Um
segundo objetivo é:
- analisar, a partir das atividades propostas, como se dá a aprendizagem da
leitura pelas crianças do 1º ano com o uso das canções. Aqui esperamos observar o
comportamento da turma quanto à receptividade da proposta metodológica e
consequente motivação para a leitura.
A relevância do trabalho pedagógico na alfabetização com a mediação de
canções justifica-se por estas estarem presentes no universo cultural das crianças,
uma vez que se trata de um gênero presente na tradição oral, o qual poderia ser
mais explorado no cotidiano escolar em prol da formação de leitores, desde os
primeiros anos de escolarização.
Em virtude da importância da leitura como geradora de competências e
habilidades diversas e, principalmente, de possibilitar a compreensão de mundo e
consequente atuação cidadã, esta tem recebido, nos últimos anos, uma atenção
especial tanto por parte dos órgãos públicos com programas de incentivo à leitura,
quanto por parte da escola que acredita que, através dela, os problemas da
educação serão solucionados.
Há décadas, pesquisadores, de diferentes linhas teóricas, dedicam-se às
pesquisas sobre a formação do leitor na tentativa de auxiliar na construção de um
referencial teórico que explique de que modo as pessoas se aproximam do material
escrito.
É curioso notar que dispomos de uma vultosa produção teórica acerca da
leitura, porém ainda constatamos índices alarmantes de defasagem quanto ao
ensino-aprendizagem desta. No que diz respeito à formação de crianças leitoras,
persiste a busca por metodologias eficientes.
A preocupação com essa questão é que faz com que pesquisadores como
Solé (1998), Kleiman (1999) e Lerner (2002) se debrucem sobre o significado e o
sentido do processo de ensino-aprendizagem da leitura, motivo pelo qual esses
estudiosos compõem o embasamento teórico deste estudo. Nessa perspectiva,
destacamos os trabalhos de Kleiman (1999), Marcuschi (2008) e Koch (2008), que, à
luz da linguística, explicitam as relações entre o material escrito e o leitor,
principalmente nas abordagens de leitura propostas pela escola.
A escola necessita dar um tratamento didático à leitura, considerando-a
efetivamente como prática social relevante desde os anos iniciais, rompendo, desta
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forma, a lógica equivocada de que primeiro se aprende a ler no sentido restrito de
decodificar, isto no início da escolarização, e, depois, se aprende a ler no sentido
amplo de compreender, nos anos posteriores e ao longo da vida.
A relevância social desta pesquisa ratifica-se no cenário educacional
brasileiro em que a Educação Básica ainda precisa avançar muito na formação de
leitores, precisamente, na primeira fase do ensino fundamental. Optamos por
investigar e trabalhar com canções infantis por acreditarmos que estas se
configuram um gênero textual com características que favorecem a descoberta, por
parte das crianças, das relações entre o oral e o escrito. Além disso, rompe com a
lógica da decodificação mecânica de letras em sons, comumente ainda praticada em
muitas salas de alfabetização.
O estudo bibliográfico desta pesquisa também se respalda em uma
epistemologia sócio-histórica inspirada nos trabalhos de Vigotsky (1984, 1987),
Paulo Freire (1921, 1997) e Bahktin (1987, 1992 e 2011), contemplando autores
como: Schneuwly (1994, 1996) e Dolz (1996); Marcuschi (2008); Moita Lopes
(1996); Mary Kato (1985); Kleiman (1989); Solé (1998), entre outros, que
contribuíram para a construção teórica da linguística e o desenvolvimento das
teorias sobre a leitura.
Pesquisas e produções científicas voltadas para a alfabetização são
constantes, mas é fato inegável que a Educação Básica ainda precisa avançar muito
na formação de leitores, mais precisamente na primeira fase do ensino fundamental.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN1 (2001), a leitura é um
processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção de significados do
texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, de tudo o
que sabe sobre a língua.
O processo de leitura precisa ser compreendido por sujeitos e agentes
educacionais não como mera decodificação mecânica de letra por letra, palavra por
palavra, mas como uma construção de sentidos, em que a “leitura é um objeto de
conhecimento em si mesmo e um instrumento necessário para a realização de
novas aprendizagens” (SOLÉ, 1998, p. 21), é uma atividade de integração de
conhecimentos.
1 PCN - BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Secretaria
de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
14
A concepção de leitura apresentada nos PCN alerta que, a partir do
desenvolvimento de modelos interativos, a leitura deixou de ser essencialmente
centrada no texto. Segundo Moita Lopes (1996), esta passou a ser compreendida
como um processo que envolve tanto a informação disponível na página impressa
quanto a informação que o leitor traz para o ato de leitura. Dentro desta perspectiva,
a língua está intimamente associada à atividade social em constante uso
comunicativo.
Considerando que a prática de leitura se realiza como interação entre textos e
leitores e deve ter o professor como mediador, durante todo esse processo em sala
de aula, estabeleceremos o uso das estratégias de leitura, tendo como instrumento
principal o gênero canções infantis para atingirmos os objetivos já descritos, em
virtude de acreditarmos que este possa contribuir como estímulo para a
aprendizagem significativa daquela.
Estruturamos este trabalho em três capítulos. No primeiro, situamos o
referencial teórico a respeito das abordagens acerca da leitura, concepções de
leitura implicações pedagógicas, estratégias de leitura e mediação pedagógica. No
segundo, destacamos considerações sobre alfabetização e letramento, sobre o
ensino da língua e os gêneros textuais na perspectiva do letramento, o gênero
textual canção e o ensino da leitura. Ainda, neste capítulo, destacamos a
contribuição dos gêneros textuais como instrumentos de trabalho no ensino da
língua.
Nesse sentido, deu-se destaque em específico ao gênero textual canção, por
ser este um gênero literário de caráter lúdico em que se faz perceber um entusiasmo
do público infantil. Em relação ao ensino da leitura, foram apresentadas algumas
contribuições no sentido de promover um ensino-aprendizado que leve em conta
que a leitura está presente de forma permanente em muitas das nossas atividades
que envolvam a comunicação humana.
No terceiro capítulo, explicitamos como se construiu a proposta,
apresentamos a metodologia mediante a qual se desenvolveu esta pesquisa, bem
como os sujeitos nela envolvidos e a delimitação de etapas e estratégias que
utilizamos para compor o material a ser analisado. No encadeamento textual,
desenvolvemos uma descrição e análise da proposta com a sequência de
atividades, em que tomamos como base os pressupostos teóricos de Solé (1998) e
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Bortoni Ricardo (2012) e outros autores. Assim sendo, explicitamos o
desenvolvimento de atividades de leitura realizadas no decorrer de quatro encontros.
E, por fim, são feitas as considerações finais. Neste momento, destacamos as
contribuições teóricas e pedagógicas do ensino da leitura com o gênero canção em
que a alfabetização pode e deve ocorrer de forma simultânea ao letramento.
16
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Abordagens acerca da leitura
No livro A importância do ato de ler, Paulo Freire (2011) discutiu a temática da
leitura, destacando a indissociável relação entre a leitura do mundo e a leitura da
palavra. Durante o Congresso Brasileiro de Leitura, ocorrido em Campinas, em
novembro de 1981, foi dialogando acerca da importância do ato de ler que Freire
propôs uma concepção de leitura distanciada dos tradicionais entendimentos do
termo como sonorização do texto escrito, defendendo, portanto, que a leitura
começa na compreensão do contexto no qual se vive:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior
leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.
Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão
do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção
das relações entre o texto e o contexto (FREIRE, 1988, p.19-20).
A leitura, enquanto processo complexo que emana de intensa atividade
mental, requer do leitor interações entre informação visual e não visual. A primeira é
fornecida pelo autor por meio do registro gráfico, e, a segunda, pelos conhecimentos
prévios do leitor. “A leitura é um ato de compreensão da vida (...) que se justifica, na
medida em que orienta o leitor para um conhecimento mais profundo da realidade”
(KLEIMAN, 1999, p 55).
Ao entrar em contato com o texto, o leitor apoia-se em seus conhecimentos
prévios, “essenciais à compreensão, pois lhe permitem fazer as inferências
necessárias, para relacionar diferentes partes discretas do texto num todo coerente
e esse tipo de inferência é um processo inconsciente do leitor proficiente”, segundo
Kleiman (1998, p129).
O leitor proficiente compreende que o processo de leitura não resulta da mera
decodificação, pois, além do reconhecimento global das palavras, envolve as
capacidades de inferir e antecipar sentidos.
Freire (2011, p.19) defende a compreensão crítica do ato de ler, visto que
este não se esgota na decodificação pura da palavra escrita, mas abrange
entendimentos da realidade, ou seja, antecipa-se e se alonga na inteligência do
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mundo. Para o referido autor, “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”,
pressupondo, assim, um movimento dialético do mundo à palavra e da palavra ao
mundo, em que texto e contexto entrecruzam-se. Ainda de acordo com Freire
(2011), a decifração da palavra flui naturalmente da leitura de mundo.
Compreendemos que a construção de sentidos não se dá da mesma forma
por diferentes sujeitos, em contextos variados. Conforme diz Koch (2008, p.21),
“considerar o leitor e seus conhecimentos, seu lugar social, seus valores, suas
vivências implica aceitar uma pluralidade de leituras e de sentidos em relação a um
mesmo texto”.
Em oposição a essa pluralidade de sentidos da leitura, lembramos que, nos
primeiros estudos da língua, a leitura era explicada como um ato passivo do leitor,
ou seja, mero processo de decodificação das composições linguísticas de um texto,
considerado como única fonte de sentido.
Na visão mecanicista de leitura, o ensino era focado na aprendizagem de
habilidades que envolviam a “codificação” e “decodificação” do texto, priorizando a
memorização de sílabas, palavras soltas, frases descontextualizadas. O sujeito
aprendia a decodificar bem as palavras, mas não conseguia entender o que estava
lendo. Neste sentido, pondera Rojo (2009, p.76): “Podemos dizer que no início da
metade do século XX, ler era visto – de maneira simplista – apenas como um
processo perceptual e associativo (...) nesta perspectiva aprender a ler encontrava-
se altamente equacionado a alfabetização.” Percebemos, então, que, até meados do
século XX, a leitura era meramente uma atividade mecânica, dissociada das práticas
de letramento, concepção que se afirma nos dias atuais.
As concepções mais atualizadas da língua compreendem a leitura como
processo de interação entre autor, texto e leitor, num movimento dialético de
compreensão e construção de sentidos, rompendo com o mito da interpretação
única, fruto do pressuposto de que o significado está dado no texto. Sendo assim, a
tarefa do professor é apresentar diversidades de leituras diretamente relacionadas
às práticas sociais dos alunos, levando-os a interagir com o texto no seu próprio
contexto social.
No final da década de 1960, já começam a surgir teorias cujo foco de estudos
desloca-se do texto para o leitor, passando este a assumir papel decisivo, de
participante ativo no processo de leitura. Posteriormente, já na década de 1980, o
ensino da leitura centrado no desenvolvimento das referidas habilidades,
18
desenvolvido com o apoio de material pedagógico que priorizava a memorização de
sílabas e/ou palavras e/ou frases soltas, passa a ser questionado com maior ênfase,
surgindo outras práticas no cenário educacional brasileiro.
Compartilhamos do entendimento de Almeida (2008, p. 65), quando afirma
que, nas últimas décadas, os estudos linguísticos avançaram consideravelmente na
área do ensino e enveredaram por diferentes posturas que marcaram o século
passado e trouxeram significativa contribuição, de modo especial, ao ensino da
leitura em Língua Materna no Brasil.
Em estudos mais recentes, a leitura é ratificada como um processo de
interação entre o leitor e o texto mediante o qual “os sentidos do texto são
construídos na interação texto - sujeitos” (KOCH, 2011, p.17). Antes mesmo de a
leitura ser compreendida pelo viés sociocognitivo, esta foi abordada, por meio de
processos cognitivos distintos, contemplando processamentos ora focados no texto,
ora no leitor.
Fundamentamos nosso entendimento acerca desses processamentos
linguísticos com base na distinção estabelecida por Solé (1998, p. 23) e Kleiman
(1996, p.35), quanto aos processamentos dos tipos: bottom-up, top down e o
interativo.
O processamento do tipo bottom-up ou ascendente ocorre com mecanismos
cognitivos que privilegiam as partes do texto, leitura linear de palavra por palavra,
cujo foco do leitor é o domínio do vocabulário. Nessa visão, o leitor será aquele que
constrói o significado do que leu com base exclusivamente nos dados apresentados
no texto, não existindo, praticamente, construção de sentidos, leitura das
entrelinhas.
No processamento descendente ou top down, o leitor aborda o texto
globalmente. Este tipo centra-se, essencialmente, no que o leitor traz para o ato da
leitura, ou seja, as experiências prévias adquiridas.
O processamento interativo, segundo Kleiman (1996, p.35-36) é aquele que
envolve tanto o processamento do tipo bottom-up ou ascendente quanto o
descendente ou top down, ou seja, consiste na interação entre o que está dito no
texto e o conhecimento que o leitor traz para o ato da leitura.
Quando se fala nesta prática interacional, pode-se começar pela leitura de
mundo, ou seja, uma leitura de resgate, que, de acordo com Freire (1988, p. 20),
trata-se da experiência de vida da pessoa, da percepção da sua própria realidade e
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de como vai tomando consciência do que está a sua volta. Este autor exemplifica tal
fato com o seguinte relato:
Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fosse gente tal a intimidade entre nós. A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço – o sítio das avencas de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro mundo. Nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei. Na verdade, aquele mundo especial se dava a mim como o mundo de minha atividade perceptiva, por isso mesmo como o mundo de minhas primeiras leituras (FREIRE, 1988, p. 20).
Em suas palavras, Freire revela como construiu a compreensão do ato de ler
a partir do mundo particular em que vivia. Para este autor “[...] a compreensão crítica
do ato de ler se veio em mim constituindo através de sua prática” (FREIRE, 1988,
p.25).
Esse pensamento traduz bem o real significado da leitura, de como essa deve
ser percebida, em sua essência e com todo o seu potencial de fruição. Ação capaz
de descortinar mundos a partir do universo particular do leitor, levando-o a alçar
voos, viajar na imaginação, transcender a sua própria realidade e voltar a ela com
um novo olhar, uma nova compreensão.
É justamente nesse contexto que cabe chamar a atenção para os desafios
postos à escola de tornar os alunos bons leitores, ou seja, desenvolver neles a
competência do aprender a ler e do ler para aprender; ler para se informar; ler para
se divertir; ler para diferentes finalidades sociais. Nessa perspectiva, destacam-se os
trabalhos de Kleiman (1999), que, à luz da linguística, explicita as relações entre o
material escrito e o leitor, principalmente nas abordagens de leitura propostas pela
escola.
Numa abordagem cognitivo-processual da leitura, Kleiman (1998, p. 7) afirma
que “o papel do professor é criar oportunidades que permitam o desenvolvimento de
processos cognitivos: conhecimento dos aspectos envolvidos na compreensão e das
diversas estratégias que compõem esse processo”. Enfoca, portanto, como se opera
a compreensão do texto, trabalhando a leitura, assim como Freire (1987) e Koch
(2008), como interação, um ato social. Tais afirmações vêm ao encontro do que
acreditamos acerca da leitura. Esta deve ser considerada e inserida dentro do
contexto histórico e cultural do leitor, levando-o a buscar sua experiência passada e
20
as circunstâncias destas num dado momento sócio-histórico, uma vez que o
acionamento dos conhecimentos prévios é indispensável na construção de sentidos
para que a compreensão textual se realize.
Continuaremos a abordagem sobre leitura, buscando compreender o que é
leitura, valendo-nos, para tal, de conceitos apresentados no dicionário e formulados
por alguns teóricos estudiosos dessa temática, como também dos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, doravante PCNLP2, e no Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil, (RCNEI)3.
Mesmo diante do pouco que já foi dito até o momento, podemos constatar a
magnitude e complexidade do tema leitura, haja vista que o ato de ler consolida-se
em entender, interpretar, decifrar, decodificar e compreender. É um tema de
fundamental relevância e, devido a toda sua amplitude, faremos algumas
considerações.
1.2 Concepções de leitura e implicações pedagógicas
Dando continuidade ao movimento de explanação, iniciado no item anterior,
acerca do processo de leitura, consideramos relevante apresentar algumas visões
acerca de definições da leitura, relacionando-a a concepção de língua, texto e
sentido, já que entendemos indispensável situá-la no âmbito da linguística. Dessa
forma, partimos de uma definição mais genérica, apresentada no dicionário de
língua portuguesa Houaiss (2009):
Leitura é ação ou efeito de ler; [...] ler é inteirar-se do conteúdo de; entender ou decifrar o conteúdo de; pronunciar em voz alta, adivinhar, predizer, ver e interpretar o que está escrito; identificar letras ou palavras [...] maneira de compreender de interpretar um texto, uma mensagem, um acontecimento [...] (HOUAISS, 2009, p.11667).
Tais acepções abrangem um universo de conceitos para a leitura que a
definem por perspectivas distintas e, ao mesmo tempo, complementares. São
distintas porque abordam concepções de leitura ora focadas no autor, ora focadas
2 PCNLP - BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua
portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. 3 RECNEI. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial curricular nacional para a educação infantil /Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998.
21
no texto. Complementares porque convergem para a compreensão da leitura como
processo.
De acordo com a concepção focada no autor, a leitura consiste na captação
do pensamento de quem produziu o texto escrito. Por esta perspectiva, leitura é
“decifrar o conteúdo de” (HOUAISS, 2009, p.11667), desconsiderando-se, portanto,
as experiências e os conhecimentos do leitor.
A definição de leitura como “Entender ou decifrar o conteúdo de”, apresentado
pelo dicionário, evidencia a concepção de leitura focada no texto. Nesta
compreensão, a leitura é uma atividade que exige do leitor decodificar o que está
posto no texto, haja vista que o que deve ser lido está dito no escrito, cabendo ao
leitor o reconhecimento do sentido das palavras.
Analisando ainda os conceitos apresentados pelo dicionário, é possível
considerá-los complementares porque, embora sendo a leitura uma atividade de
produção de sentidos, não podemos negar a atividade de decodificação do sistema
notacional também presente nela, que é a realização do objetivo da escrita, e a
escrita tem uma convencionalidade social fundamentada num código (CAGLIARI,
2009).
Ainda de acordo com Cagliari (2009), a leitura é uma decifração e uma
decodificação, pois o leitor primeiro decifra a escrita e depois entende a linguagem
encontrada. Em seguida, decodifica implicações que o texto tem, reflete sobre o
decodificado e forma o próprio conhecimento e opinião a respeito do que leu.
De fato, conceber a leitura como um processo que envolve a construção de
sentidos a partir do texto não é desconsiderar a importância da apropriação do
sistema de escrita alfabética e de convenções da escrita.
Ao empreendermos um estudo sobre a concepção de leitura em que subjaz a
prática pedagógica, carecemos esclarecer questões de cunho teórico, relacionadas
à linguística. Neste viés, dispomos dos estudos de Koch (2008, p.9), alertando para
a importância de percebermos que a “concepção de leitura decorre da concepção de
sujeito, de língua, de texto e de sentido que se adote”.
É sob o enfoque da perspectiva linguística sociointeracionista, para a qual a
língua é considerada atividade de cunho social, voltada para uma prática
enunciativa, que surge uma outra didática de ensino da Língua Portuguesa, devendo
acompanhar-se de práticas docentes de ensino da leitura coerentes com a formação
de leitores.
22
Nesta perspectiva, conforme Antunes (2003), podemos afirmar que:
Toda proposta de ensino do português tem subjacente, de forma explicita ou apenas intuitiva, uma determinada concepção de língua. Nada do que se realiza na sala de aula deixa de estar dependente de um conjunto de princípios teóricos, a partir dos quais os fenômenos linguísticos são percebidos e tudo consequentemente se decide. Desde a definição dos objetivos, passando pela seleção dos objetos de estudo, até a escolha dos procedimentos mais corriqueiros e específicos, em tudo está presente uma determinada concepção de língua, de suas funções, de seus processos de aquisição, de uso e de aprendizagem (ANTUNES, 2003, p.39).
Compreendemos que todo professor, mesmo que não seja de modo
consciente, conduz sua prática pedagógica de ensino da língua ancorado em
alguma perspectiva teórica, uma vez que o que se realiza nas aulas e nas atividades
fluiu de suas experiências e concepções acerca da língua. Alertamos que o trabalho
com a leitura em sala de aula pressupõe estratégias didáticas coerentes com a
perspectiva teórica adotada pelo professor, que deve ter consciência de suas
escolhas pedagógicas para construir o conhecimento e incentivar a participação do
educando.
Acerca das diferentes concepções da língua, Koch (2011, p.14) faz uma
distinção entre as que abordam a língua como representação do pensamento, a
língua enquanto estrutura e como lugar da interação.
Na primeira visão, o texto é concebido como produto lógico das ideias do
autor, nada mais cabendo ao leitor, senão captar essa manifestação externa,
configurando-se em um receptor passivo, que apenas capta as mensagens e
intenções do autor. Ou seja, o sentido está centrado no autor e suas intenções.
Neste sentido, a língua é representação do pensamento de um sujeito psicológico,
individual, que constrói uma representação mental a ser transmitida, devendo ser
captada pelo interlocutor da maneira como foi mentalizada.
Na segunda abordagem, que compreende língua como estrutura/código, esta
é concebida como uma ferramenta empregada para transmitir uma mensagem
codificada por um emissor. Nesse caso, o texto é um produto posteriormente
decodificado pelo leitor, bastando a este o conhecimento do código utilizado. O
sentido do texto está nas palavras e estruturas do texto, determinados por um
código regulado por um sistema de signos pré-determinados, exterior ao sujeito.
23
Na terceira concepção, a língua como lugar da interação, esta é entendida
como um processo, e não um produto. Os sujeitos são vistos como atores
construtores sociais que, dialogicamente, constroem e são construídos no texto.
Exige-se do leitor bem mais que o conhecimento do código linguístico, uma vez que
o texto não é simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado por
um receptor passivo. O sentido é construído na interação texto-sujeito, não é algo
que preexista a essa interação.
Diferentemente das duas primeiras concepções de língua apresentadas, na
interacional, “a língua é uma atividade interativa altamente complexa de produção de
sentidos” (KOCH, 2011, p.17). A intrínseca relação entre concepção de língua,
leitura e produção de sentidos assenta-se na identificação da pluralidade de leituras
e sentidos em que o ato de ler se estabelece como uma atividade guiada pela
bagagem sociocognitiva do leitor, que, por sua vez, tem conhecimento da língua e
das coisas do mundo.
É importante observar que, conforme pontua Koch (2011), a visão de língua
adotada tem implicações diretas na concepção de leitura. Isso, por sua vez, reflete
diretamente nas propostas de ensino desenvolvidas pelo professor. Ao tomar
consciência acerca de concepções que fundamentam sua prática pedagógica, o
professor adquire, para a sua atuação profissional, uma maior segurança quanto à
definição de estratégias didáticas, concorrendo para que se efetive um ensino de
melhor qualidade.
Dando continuidade ao que nos propusemos apresentar, discutiremos o
conceito de leitura à luz do referencial curricular nacional para a educação básica,
PCN. Conforme os PCN (2001), a leitura é o processo no qual o leitor realiza um
trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de objetivos, de
seus conhecimentos sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a
linguagem.
Neste sentido, a leitura de um texto é uma atividade interativa que exige muito
mais que o conhecimento linguístico compartilhado entre autor, texto e leitor. No ato
da leitura, o leitor mobiliza estratégias tanto de ordem linguística como de ordem
cognitivo-discursiva, participando ativamente da construção de sentidos (KOCH,
2013). O significado do texto não está apenas no leitor, nem no texto, mas na
cooperação e interação entre ambos.
24
Desta forma, para os PCN:
Não se trata simplesmente de extrair informação da escrita, decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão na qual os sentidos começam a ser constituídos antes da leitura propriamente dita (BRASIL, 2001, p.53).
Nessa concepção, a leitura é uma atividade complexa que extrapola a
decodificação. O processo de compreensão demandado na leitura é influenciado
pelo conhecimento de mundo que o leitor tem. Desta forma, pode-se identificar que
a perspectiva de leitura adotada nos PCN de Língua Portuguesa está ancorada na
concepção sociointeracionista da língua, sendo o leitor e o autor agentes que
dialogam num processo de construção de significados, e a linguagem é tida como
uma forma de interação social.
O texto dos PCN sugere também que algumas concepções de leitura devem
ser superadas, sendo uma delas a leitura como decodificação. Pois, uma prática de
leitura na escola, focada na formação do leitor crítico, deve admitir várias leituras,
rompendo com o mito da interpretação única, fruto do pressuposto de que o
significado está dado no texto. Nesta seara, cabe a pergunta: se um dos seus
objetivos é formar leitores competentes, estaria a escola dando um lugar de maior
prestígio à leitura desde o início do processo de escolarização?
Algumas concepções de leitura que subjazem o fazer pedagógico do
professor ao ensinar a ler refletem de forma relevante na formação do leitor.
Tomemos como exemplo o aprendizado inicial desta prática, orientado por materiais
preparados exclusivamente para ensinar a ler, na perspectiva de apenas uma das
estratégias, a decodificação.
Ao decidir conduzir o ensino da leitura apenas com esse entendimento, a
escola concorre para constituir um público de leitores capazes de decodificar e com
significativas dificuldades de compreender o que lê.
Solé (1998) alerta e considera que o problema do ensino da leitura na escola
não se situa no nível do método, mas na própria conceitualização, na forma como é
avaliada pelas equipes de professores, no papel que ocupa no projeto curricular da
escola, nos meios que se arbitram para favorecê-la e, naturalmente, nas propostas
metodológicas que se adotam para ensiná-la. Portanto, aprender a ler perpassa uma
construção de sentidos, a partir de objetivos claros para o que se pretende alcançar.
25
A leitura significativa é realizada de acordo com o objetivo que se tem diante
de um texto, uma vez que os leitores reagem a um determinado texto de modos
distintos à medida que buscam tirar proveito e compreender o que estão lendo, de
acordo com os objetivos pretendidos.
O gosto pela leitura e o despertar pelo prazer de ler constrói-se na produção
de sentido, da mesma forma que ocorre em outras atividades humanas e podem ser
estimuladas desde o início da escolarização através de momentos de interação
entre professor e alunos, e entre alunos e alunos, por meio de diálogos com textos
lidos, da escuta e valorização à leitura do outro. Presumimos que, para que ocorra
essa evolução no processo de formação de leitores, é importante buscar condições
que a favoreçam: facilitar o acesso a livros e a outros suportes textuais, planejar
atividades diárias de leitura, envolver os alunos em atividades interativas, alegres e
lúdicas com a leitura, entre outras.
Moita Lopes (1996), ao defender o modelo interacional de leitura no campo de
ensino de línguas, considera que modelos linguísticos oriundos de correntes
tradicionais da linguística não dão conta de fatores que são relevantes para tal
propósito. O ato de ler é visto como um processo que envolve tanto a informação
impressa no papel, quanto a que o leitor traz para o texto. Este autor presume que
modelos interacionais oferecem uma maneira mais adequada de se compreender a
ação leitora, de forma que possa haver progressos verdadeiros no ensino da leitura.
Portanto, ler é um processo que envolve sujeitos e sentidos em busca de
significados. No momento em que vivemos, as mudanças estão acontecendo
rapidamente, e o nosso objetivo, enquanto educadores conscientes é ressignificar a
prática de leitura presente no cotidiano escolar. Ela precisa ser repensada, precisa
ser concebida como uma prática que ultrapasse os muros da escola e que possibilite
ao aluno utilizá-la em situações diversas do seu próprio cotidiano. Precisa motivá-lo,
estimular a sua criatividade, favorecer e suscitar nele o gosto de ler diferentes
gêneros textuais e possibilitar, ainda, reflexões a partir de sua realidade e tomadas
de decisões no seu contexto histórico social. Assim: “A leitura como prática social, é
sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta a um objetivo, a uma necessidade
pessoal” (PCNLP, 2001, p.57).
26
Na perspectiva de Vygotski4 (1991), a interação social torna-se o espaço de
constituição e desenvolvimento da consciência do ser humano desde que nasce,
residindo, nesse processo de interação, a importância da linguagem.
É importante destacarmos que, na fase de seis, sete anos, na infância, mais
que em outras fases da formação do leitor, ler é uma atividade partilhada, na qual se
confirmam sentidos e funções da leitura, construídos pela curiosidade de quem
descobre o significado do que lê em situações concretas de interação social. Este
entendimento fundamenta-se no RECNEI (Referencial Curricular Nacional Para a
Educação Infantil), que esclarece que a educação infantil também tem seu
referencial curricular, no que diz respeito à linguagem oral e escrita, estando em
consenso com os PCNLP.
De acordo com o RECNEI, a linguagem oral possibilita comunicar ideias,
pensamentos e intenções de diversas naturezas, estabelecer relações interpessoais
e intrapessoais, em que as palavras só têm sentido em enunciados e textos que
significam e são significados através de situações concretas, nas quais as crianças
entram em contato com a escrita, mas não precisam ler convencionalmente para
compreender o que estão lendo, pois elas fazem a leitura de mundo, indo além das
entrelinhas.
O texto é, então, considerado como a unidade máxima do funcionamento da
língua. Assim, o processo de compreensão textual não é uma decodificação de
sequência de palavras escritas ou faladas, mas um “evento interativo e não se dá
como um artefato monológico e solitário, sendo sempre um processo e uma
coprodução (coautorias em vários níveis)” (MARCUSCHI, 2008, p. 80).
Com base na concepção de língua, de leitura e de ensino e aprendizagem,
foram ocorrendo mudanças também no processo de alfabetização (discutido neste
estudo), que, até fins dos anos 80 do século XX, consistia em memorizar
mecanicamente as famílias silábicas, juntá-las para ler e formar palavras, e as
crianças poderiam ter contato com textos mais “longos” e “difíceis” somente depois
de “alfabetizadas”.
4 As interações entre os indivíduos e com o objeto de conhecimento desempenham um papel
fundamental no desenvolvimento cognitivo em um espaço colaborativo, a que Vygotski denominou zona de desenvolvimento proximal (ZDP), consiste no espaço entre o que o aprendiz pode realizar sem nenhum auxílio e o que ele realiza com a ajuda de uma pessoa mais experiente.
27
Assim, não fazia parte do discurso escolar da época trazer para as salas de aulas o mundo da escrita real, em seus diversos gêneros, e era também igualmente incomum se falar em leitura e produção de textos antes do final da alfabetização formal. Textos eram habitualmente banidos da educação infantil e, na melhor das hipóteses, as crianças ouviam contos de fada ou histórias de livros infantis contados ou lidos pelo (a) professor (a). Não raramente, as crianças apenas estavam “autorizadas” a ler os textos presentes nas cartilhas (BRANDÃO; LEAL, 2005, p. 28).
Neste contexto, quando ocorriam atividades de leitura pelos aprendizes em
sala de aula, não acontecia na perspectiva de uma leitura interativa e não se
estabelecia um sentido ao que lia, a linguagem escrita. Muitas vezes, a criança tinha
como atrativo para a leitura apenas os textos cartilhados, que seguiam uma
sequência aleatória de palavras e frases, sem nenhuma lógica, semântica ou
discursiva necessária. Os “textos” eram pré-textos para somente estabelecer a
relação grafema/fonema.
1.3 Estratégias de leitura e mediação pedagógica
O desafio que se coloca hoje para os professores alfabetizadores é o da ação
pedagógica que contemple, de maneira articulada e simultânea, a alfabetização e o
letramento5, e, nesse ínterim, a leitura assume papel preponderante, e a mediação
pedagógica com intervenções adequadas pode funcionar como valioso instrumento
para facilitar o aprendizado da leitura e a compreensão de textos desde os anos
iniciais da escolarização.
De acordo com Solé (1998), a criança pode aprender e, de fato, aprende, à
medida que for capaz de utilizar diversas estratégias de forma integrada, e essas
estratégias devem ser ensinadas. Ao mobilizar tais estratégias, o leitor envolve-se
num processo de previsão e inferência contínua, apoiado na informação
proporcionada pelo texto e em sua própria bagagem e em um processo que permite
encontrar evidência ou rejeitar as previsões e inferências antes realizadas.
A leitura é uma atividade que se realiza individualmente, mas que se insere
num contexto social, envolvendo disposições atitudinais e capacidades que vão
desde a decodificação do sistema de escrita até a compreensão, a produção de
5 Letramento - De acordo com Soares(2012, p.47) é a palavra recém-chegada ao vocabulário da
educação e das ciências linguísticas que significa estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita.
28
sentido para o texto lido. Abrange, pois, desde capacidades desenvolvidas no
processo de alfabetização stricto sensu até capacidades que habilitam o aluno à
participação ativa nas práticas sociais letradas que contribuem para o seu
letramento.
A meta principal do ensino da leitura é a compreensão dos textos. Ler com
compreensão inclui, além da leitura linear, a capacidade de fazer inferências. A
leitura linear, por sua vez, inclui a capacidade de construir um “fio da meada” que
integra e inter-relaciona os conteúdos lidos, compondo um todo coerente. Por
exemplo: ao acabar de ler uma narrativa, o sujeito deve ser capaz de dizer quem fez
o quê, quando, como, onde e por quê. Já a capacidade de produzir inferências diz
respeito a ler nas entrelinhas, compreender os subentendidos, os não ditos,
realizando operações como associar elementos diversos, presentes no texto ou que
fazem parte das vivencias do leitor, para compreender informações ou inter-relações
entre informações que não estejam explicitadas no texto.
A esse respeito, Marcuschi (2008) chama a atenção para a complexidade do
processo de compreensão da leitura, demonstrando como o leitor trabalha
inferencialmente com informações textuais, conhecimentos pessoais e suposições.
Segundo ele, as inferências são produzidas com o aporte de elementos
sociossemânticos, cognitivos, situacionais históricos e linguísticos de vários tipos
que operam integradamente. Para o supracitado autor, compreender exige
habilidade, interação e trabalho, é essencialmente uma atividade de relacionar
conhecimentos, experiências e ações num movimento interativo e negociado.
Como a capacidade de compreensão não vem automaticamente, nem
plenamente desenvolvida, precisa ser exercitada e ampliada, em diversas
atividades, que podem ser realizadas antes mesmo que a criança tenha aprendido a
decodificar o sistema de escrita. O professor, enquanto mediador no processo de
aprendizagem, contribui para o desenvolvimento dessa capacidade dos alunos
quando: lê em voz alta e comenta ou discute com os alunos os conteúdos e usos
dos textos lidos; proporciona a eles familiaridade com os gêneros textuais diversos,
(histórias, poemas, trovas, canções, parlendas, listas, entre outros), instiga os alunos
a prestarem atenção e explicarem os nãos ditos do texto, a descobrirem e
explicarem os porquês, a explicitarem as relações existentes no texto.
A mediação do professor tem importância crucial e muito contribui para o
desenvolvimento da capacidade leitora. As intervenções podem funcionar como
29
valioso instrumento para facilitar a leitura e a compreensão de textos durante os
anos iniciais de escolarização quando propõe, antes da leitura, questionamentos que
suscitem a elaboração de hipóteses interpretativas que poderão ser verificadas,
confirmadas ou não, durante e depois dela.
Solé (2008, p. 62) esclarece que um enfoque amplo, não restritivo, do ensino
inicial da leitura e da escrita pressupõe o seguinte:
a) aproveitar os conhecimentos que a criança já possui e que costumam envolver o reconhecimento global de algumas palavras – caso contrário, a primeira tarefa da escola será de proporcionar oportunidades para que esses conhecimentos e outros se construam;
b) aproveitar as perguntas das crianças sobre o sistema para aprofundar sua consciência metalinguística, o que permitirá introduzir as regras de correspondência;
c) aproveitar e aumentar seus conhecimentos prévios em geral, para que possam utilizar o contexto e aventurar-se no significado de palavras desconhecidas;
d) utilizar e integrar simultaneamente todas essas estratégias em atividades que tenham sentido ao serem realizadas. Só desta maneira, meninos e meninas poderão se beneficiar da instrução recebida
Isso quer dizer que o papel do professor enquanto agente letrador será de
atuar em sala de aula de forma dinâmica e interativa, desenvolvendo “andaimagem6”
junto aos alunos, auxiliando-os numa produção conjunta de reconceptualização e
ressignificação do conhecimento. De acordo com Bortoni-Ricardo (2010), todo
professor precisa familiarizar-se com metodologias voltadas para as estratégias
facilitadoras da compreensão leitora, estabelecendo um constante intercâmbio entre
conhecimento teórico e prática pedagógica. Desta forma, compreendemos que é
tarefa indispensável de toda escola buscar mecanismos para ajudar os alunos a
construírem habilidades de leitura como ferramenta indispensável de apreensão do
conhecimento.
No ato da leitura, usamos várias estratégias que nos ajudam a ter agilidade e
rapidez no processo, portanto, é importante propor situações em que os alunos
possam desenvolvê-las. Ao lermos, sabemos, inconscientemente, que não é
necessário identificar letra por letra em todas as palavras para concretizar a leitura e
entender o sentido do texto. 6 “andaimagem” é a tradução do termo inglês scaffolding termo metafórico, introduzido pelo psicólogo
norte americano Jerome Bruner (1983), que se refere à assistência visível ou audível que um membro mais experiente de uma cultura presta a um aprendiz.
30
De acordo com Soares (2010), o processo de leitura não resulta da mera
decodificação, uma vez que o leitor experiente, além de realizar instantaneamente o
reconhecimento global das palavras, a seleção, também utiliza as capacidades de
inferir e antecipar sentidos. A estratégia de inferência, ainda segundo a autora,
baseia-se nas suposições que o leitor faz a partir das informações obtidas na
antecipação.
Por sua vez, a estratégia de antecipação consiste em fazer previsões do que
ainda está para ser lido, baseando-se em suposições e em informações explícitas no
texto. É a partir das antecipações que o leitor realiza inferências, estratégia que
consiste em fazer suposições, com base nas informações obtidas na antecipação.
No ato da leitura, o leitor também realiza a verificação, estratégia que consiste em
confirmar ou não as hipóteses levantadas sobre o conteúdo do texto, levando-se em
consideração as antecipações e as inferências feitas durante o processo de leitura.
Para alcançar a compreensão textual, o leitor precisa articular
estrategicamente seu conhecimento de mundo, o conhecimento que tem acerca do
tema específico abordado no texto e ter familiaridade com o gênero. No entanto, não
é o bastante para atingir a compreensão – para tal, é necessário, ainda, apreender
os significados do texto, algo que requer desde a identificação de grafemas até a
realização de inferências.
Segundo Bortoni-Ricardo (2010, p.55), para ocorrer a compreensão, o leitor
deve relacionar o que traz de conhecimento prévio com a informação textual. Assim,
na mesma direção, Palacios (2003, apud BORTONI-RICARDO, 2010, p. 56)
esclarece quão complexa é a compreensão de textos, pois requer do leitor diversas
habilidades: decodificação, reconhecimento do vocabulário, utilização de
conhecimentos prévios, capacidade de usar o texto para gerar novas aprendizagens.
A esse respeito, cabe destacar o papel de mediador que o professor deve
desempenhar.
31
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
O processo de alfabetização no Brasil traz, na sua trajetória, desafios
constantes, especialmente, em relação aos resultados negativos, pois, apesar das
mudanças ocorridas após 1980, apresentando novos estudos e consequentemente
um novo paradigma, atualmente, ainda permanecem as limitações nas nossas
escolas em alfabetizar.
Até meados desta década, as práticas de alfabetização eram fundamentadas
em métodos, chamados, na atualidade, de “tradicionais”, em que, para aprender a
ler e a escrever, os alunos precisavam apresentar a prontidão necessária,
desenvolvendo habilidades perceptivo-motoras, como: coordenação motora,
discriminação visual, entre outros. Por ser o Brasil um país que ainda vem
reincidindo no fracasso em alfabetização, recentemente, em 2012, o MEC lançou o
Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa, PNAIC7, com o objetivo de
assegurar às crianças brasileiras o direito de se alfabetizar até os oito anos de
idade.
Em outras circunstâncias, do ano 2000 até o atual momento com o PNAIC, o
MEC já havia lançado outros programas voltados para os anos iniciais. No ano de
2001, lançou o Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - Profa8, cujo
objetivo era oferecer aos professores alfabetizadores o conhecimento teórico e
didático da alfabetização a partir dos estudos da Psicogênese da língua.
Posteriormente em dois mil e oito o MEC apresenta o Pró-letramento Programa de
Formação continuada de Professores dos anos/séries iniciais no qual o principal
objetivo era oferecer suporte à ação pedagógica dos professores para melhoria da
qualidade de aprendizagem da leitura, escrita e matemática.
Mesmo assim, em termos de alfabetização de crianças até 8 anos de idade, o
atual cenário do Brasil revela que 15,2% desse público ainda não são alfabetizadas
conforme dados do censo 2010 do IBGE (PORTAL DO MEC, 2014).
7 PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, Portaria 867 de julho de 2012),
compromisso pactuado entre MEC, estados e municípios na luta para alfabetizar as crianças até no máximo, 08 (oito) anos de idade ao final do 3
o ano do Ciclo de Alfabetização. Compreendemos que o
PNAIC configura-se uma política pública educacional de abrangência nacional focada na necessidade de garantir uma educação de qualidade para todos 8 Profa - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - Profa, cujo objetivo era oferecer
aos professores alfabetizadores o conhecimento teórico e didático da alfabetização a partir dos estudos da Psicogênese da língua.
32
Confrontando os dados coletados apresentados no portal do MEC com a
realidade vivenciada no contexto da escola pública, podemos constatar que, de fato,
algumas práticas de alfabetização desenvolvidas nas séries iniciais ainda não
atingiram seu principal objetivo, ensinar a ler e a escrever. Com esta constatação,
confirmamos a necessidade premente de se investir cada vez mais em ações
focadas na educação básica, especialmente no processo de alfabetização na
perspectiva do letramento.
Os métodos ditos tradicionais subsidiam práticas de alfabetização que
artificializam as práticas escolares de ensino da leitura e escrita, em que são
utilizados “textos”, ou melhor, pseudotextos, muito comuns em cartilhas utilizadas
para ensinar os alunos a aprenderem o código alfabético. Como abordado por
Albuquerque e Morais:
Os diferentes métodos controlavam e garantiam a aprendizagem quando existia prontidão. O controle era feito a partir da apresentação das unidades que deveriam ser memorizadas- letras/ fonemas/padrões silábicos, no caso dos métodos sintéticos, ou textos/frases com um repertório de palavras que deveriam ser memorizadas, no caso dos métodos analíticos-sempre com base em uma sequência a ser seguida. O aluno só poderia ser apresentado a novas unidades uma vez que tivesse memorizado as anteriores. (ALBUQUERQUE; MORAIS, 2006, p. 129)
Subjacente a qualquer método de ensino e aprendizagem, existe uma
concepção teórica que o concebe. Neste sentido, os métodos tradicionais de
alfabetização trazem a visão empirista/associacionista de aprendizagem, que é
concebida como “simples acumulações das informações recebidas do exterior, sem
que o sujeito precisasse em sua mente, reconstruir esquemas ou modos de pensar,
para poder compreender os conteúdos” (MORAIS, 2012, p. 27).
Como consequência desta concepção de aprendizagem supramencionada, a
escrita é considerada meramente como um código de transcrição que converte as
unidades sonoras em unidades gráficas, e a leitura, consistindo apenas na
decodificação das unidades gráficas em unidades sonoras, sem reflexão ou
questionamento sobre a natureza do objeto de conhecimento, no caso aqui, o
sistema alfabético de escrita.
A partir da década de 1980, novos estudos foram realizados na área de
alfabetização à luz das teorias construtivistas e interacionistas de ensino, os quais
33
passaram a criticar as práticas tradicionais baseados nos métodos analíticos e
sintéticos, como também o contexto de evasão e repetência no ensino público,
especialmente o fenômeno da retenção nas séries iniciais.
Nesta conjuntura, podemos apontar os estudos de Ferreiro e Teberosky
(1988), os quais contribuíram para o incremento de novas práticas de alfabetização,
que muitos educadores passaram a ressignificar, considerando-os como processos
de construção do conhecimento. A teoria da psicogênese da escrita, assim como foi
denominada, concebe a escrita alfabética como um sistema notacional de
representação, e não como um código:
A distinção que estabelecemos entre sistema de codificação e sistema de representação não é apenas terminológica. Suas consequências para a ação alfabetizadora marcam uma nítida linha divisória. Ao concebermos a escrita como um código de transcrição que converte as unidades sonoras em unidades gráficas coloca-se em primeiro plano a discriminação perceptiva (visual e auditiva). Os programas de preparação para a leitura e a escrita que derivam desta concepção centram-se, assim exercitação da discriminação, sem se questionarem jamais sobre a natureza das unidades utilizadas (FERREIRO, 1998, p. 14-15).
Portanto, segundo Ferreiro e Teberosky (1988), para a criança ou adultos
analfabetos se apropriarem da leitura e da escrita, eles partem de hipóteses
elaboradas a partir da convivência no contexto grafológico, afinal, a leitura e a
escrita são produtos culturais, e não necessariamente estes sujeitos precisam ir à
escola para pensar em como se lê e se escreve.
A teoria da psicogênese da escrita apresenta diferentes níveis acerca do
Sistema de Escrita Alfabética (SEA), tais como: a) Nível Pré-silábico (caracterizado
principalmente pela inexistência de qualquer correspondência entre grafia e som); b)
Nível Silábico (já estabelece esta correspondência, porém no nível da sílaba,
adotando uma letra para cada sílaba, que poderá ter um valor sonoro convencional
ou não); c) Nível Silábico-alfabético (considerado um nível de transição no qual ora
se escreve silabicamente, ora se escreve alfabeticamente) e finalmente o Nível
Alfabético (quando inicia a fonetização de cada sílaba, percebendo-a constituída por
mais de uma letra, apesar de apresentar problemas de ortografia).
Diante do exposto, a teoria da psicogênese da escrita mostra o percurso
evolutivo, de construção e reconstrução de conceitos e princípios que compõem o
34
SEA, os quais precisam ser compreendidos e não tratados como um conhecimento
pronto na mente dos aprendizes, ou que bastaria ser transmitidos, como é tratado
pelos métodos tradicionais de ensino da alfabetização (MORAIS, 2012).
Esta perspectiva evolutiva desconstrói a ideia de que muitas das dificuldades
que os aprendizes apresentavam, durante a alfabetização (como, por exemplo, troca
e/ou omissão de letras ao escrever), os quais eram vistos como patológicos, nada
mais eram do que as hipóteses que os aprendizes constroem para compreender o
SEA, e o desvio, antes temido e necessariamente evitado, neste contexto, passa a
ser um indício revelador dos níveis de aprendizagem, no sentido de se buscar
estratégias e intervenções para que estes avancem em suas aprendizagens. Deste
modo, o desvio, nesta perspectiva, é considerado construtivo, ou seja, o que, à
primeira vista, parece ser um desvio, na verdade, é a tentativa de um alargamento
do campo de conhecimento linguístico.
Mais uma contribuição desta teoria diz respeito à necessidade de permitir que
as crianças se apropriassem do SEA, a partir da inserção da diversidade textual na
sala de aula, com atividades significativas de leitura e escrita, oportunizando a
interação com os diferentes gêneros textuais que circulam na sociedade.
Para Morais (2012, p. 75):
A teoria da psicogênese da escrita, desde seu anúncio, nos chamou atenção para a natureza social dos objetos da língua escrita e sistema de escrita alfabética. Assim evidenciou que as oportunidades de vivenciar práticas de leitura e escrita influenciam muitíssimo o ritmo do processo de apropriação do sistema alfabético e dos conhecimentos sobre a linguagem usada ao escrever.
Porém, adverte que uma compreensão equivocada da psicogênese da escrita
e a tendência em focar somente no letramento fizeram com que muitos
pesquisadores e educadores considerassem que qualquer trabalho em que
houvesse a sistematização da apropriação do sistema de escrita alfabética, como,
por exemplo, trabalhar com as palavras e suas unidades menores (sílabas e letras),
fosse enfrentado como um retrocesso aos métodos tradicionais de alfabetização.
Neste sentido, difundiu-se um discurso no sentido de que, somente com a
inserção das crianças em práticas sociais de leitura e de escrita, elas aprenderiam a
ler e a escrever, espontaneamente, discurso este apontado por Magda Soares
(2004), com certo apagamento da alfabetização, ao que ela denominou de
35
desinvenção da alfabetização, haja vista desconsiderar especificidades que são
inerentes e indispensáveis na alfabetização quanto à apropriação do SEA.
Pondera esta autora:
O neologismo desinvenção pretende nomear a progressiva perda da especificidade do processo de alfabetização que parece vir ocorrendo na escola brasileira ao longo das últimas décadas. Certamente essa perda da especificidade da alfabetização é fator explicativo- evidentemente não é o único, mas talvez um dos mais relevantes- do atual fracasso na aprendizagem e, portanto no ensino da língua escrita nas escolas brasileiras, fracasso hoje tão reiterado e amplamente denunciado (SOARES, 2004, p. 8).
Deste modo, este apagamento da alfabetização, como pontua a autora, é o
prejuízo acarretado quando se desconsidera sua especificidade, fato ocorrido
especialmente com a mudança de paradigma, evidenciado entre os anos 1980, com
o paradigma cognitivista discutido em 1990, e com o paradigma sociocultural em que
houve um exagero no foco da faceta psicológica da alfabetização (processo de
construção do sistema de escrita), em detrimento da faceta linguística (fonética e
fonologia), deixando ofuscarem-se os conhecimentos específicos do SEA.
Neste contexto, Soares (2004) defende a reinvenção da alfabetização, porém
não se trata de uma volta aos métodos tradicionais, mas sim considerar a
alfabetização numa perspectiva de letramento, em que os dois processos ocorrem
simultaneamente, entretanto, cada um apresenta suas especificidades.
Ainda de acordo com a referida autora:
Dissociar alfabetização de letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita ocorre simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita - a alfabetização - e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita - o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2004, p.14).
Assim, a autora enfatiza a necessidade do trabalho específico do ensino da
Alfabetização (ação de ensinar/aprender a ler e a escrever), porém inserido nas
36
práticas de letramento (o sujeito faz uso social da leitura e da escrita, ou seja, exerce
as práticas sociais que usam a leitura e a escrita), apesar de serem processos
indissociáveis e interdependentes. Acrescenta ainda que só assim poderão ser
garantidas aos alunos, ao final do Ciclo de Alfabetização, as ações de ler e produzir
textos em diferentes situações.
A alfabetização e o Letramento, enquanto fenômenos diferentes e
complementares, revelam-se como faces indissociáveis de uma mesma moeda, pois
o domínio dos sistemas alfabético e ortográfico da escrita, por si só, não garante ao
usuário da língua a conquista e o usufruto pleno desse conhecimento.
Romper com uma perspectiva na qual se focalizava no ensino, os passos da
cartilha, o método, que geralmente recomendava partir do que era considerado
simples – as letras, sílabas, fonemas – para o que se julgava mais complexo – os
textos, não é possível passar a uma perspectiva que negligencie o processo de
apropriação do SEA em prol do letramento apenas.
É indispensável garantir o domínio do sistema alfabético, que se consolida
progressivamente, através das reflexões que a criança faz, em suas interações com
este objeto de conhecimento e com os outros, a respeito da natureza e
funcionamento da escrita, em toda sua complexidade, focando seus variados níveis,
as diversas unidades da língua – fonemas, sílabas, palavras, frases, textos – e os
diversos sistemas semióticos que a acompanham.
Sabemos que as crianças aprendem a falar espontaneamente, interagindo no
universo familiar, porém a aprendizagem da leitura e da escrita não ocorre da
mesma forma, e, neste sentido, uma das funções principais da escola é alfabetizar,
o que não significa, necessariamente, desconsiderar a experiência em linguagem da
criança e tornar o processo de alfabetização mecânico e sem sentido.
Superar a tradicional separação entre “alfabetização em sentido estrito” e “alfabetização em sentido amplo” ou, para dizê-lo com nossas palavras, entre “apropriação do sistema de escrita” e “desenvolvimento da leitura e da escrita”. Essa separação é um dos fatores responsáveis pelo fato da educação do ensino fundamental centrar-se na sonorização desvinculada do significado, e da compreensão do texto ser exigida nos níveis posteriores de ensino sem que haja tido uma preparação dos alunos para isso, já que a compreensão é avaliada, mas raramente tomada como objeto de ensino. O manejo do sistema alfabético é um requisito prévio para a utilização da linguagem escrita como tal, para a interpretação e produção de textos escritos correspondentes aos diferentes gêneros que circulam na sociedade (LERNER, 2002, p.40).
37
É necessário, portanto, que o usuário da língua, dotado destes
conhecimentos, possa participar da cultura escrita socialmente produzida,
desenvolvendo atitudes e capacidades necessárias para usar a língua em práticas
sociais diversas.
No entanto, é importante destacar que, mesmo diante da contribuição destes
estudos sobre o processo de alfabetização e letramento ao longo das décadas, com
mudanças nas práticas de leitura e escrita referendadas pelas novas perspectivas
teóricas, muitos dos alunos do Sistema Público de Ensino chegam ao 3o ano do
Ensino Fundamental, sem consolidar seu processo de alfabetização e, mais grave
ainda, chegam aos anos finais do Ensino Fundamental semianalfabetos.
Neste sentido, o trabalho e a função precípua do professor alfabetizador
são de “alfabetizar-letrando”. Para isso, ele precisa saber ensinar os conhecimentos
linguísticos necessários ao domínio do processo de codificação e decodificação e,
ao mesmo tempo, desenvolver o processo de letramento, por meio do contato e
exploração das características e peculiaridades dos gêneros de escrita.
De acordo com Soares (2004, p.14) alfabetização e letramento não são
processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização
desenvolve-se no contexto de, e por meio de práticas sociais de leitura e escrita, isto
é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode se
desenvolver no contexto da, e por meio da aprendizagem das relações fonema-
grafema, isto é, em dependência da alfabetização.
Compreendemos que a alfabetização está interligada ao letramento não pelo
fato de ser superior ou posterior a sua condição, mas por ser mediadora do processo
de letramento. Neste sentido, a alfabetização intermedeia o acesso do indivíduo a
cultura escrita visto que necessita utilizar a leitura e escrita em diversas práticas
sociais.
2.1 O ensino da língua e os gêneros textuais na perspectiva do letramento
O ensino da língua pautado na perspectiva do Letramento considera que os
discursos se organizam em textos – orais ou escritos – e que estes se constituem
em gêneros textuais diversos que circulam socialmente. Sendo assim, a escola deve
tomar para si a tarefa de promover a aprendizagem significativa, a partir desses
38
textos, da linguagem em uso, de modo a desenvolver nos educandos capacidades
de leitura e produção textual com funções e formas distintas, condizentes com os
contextos de circulação e uso dos gêneros textuais.
De acordo com Marcuschi (2008), o estudo dos gêneros textuais é hoje uma
fecunda área interdisciplinar, com atenção especial para a linguagem em
funcionamento e para as atividades culturais e sociais. Portanto, além de
reconhecer que os gêneros textuais estão vinculados à vida social e cultural dos
indivíduos, influenciando-os nas mais diversas atividades comunicativas, trabalhar
em sala de aula com gêneros textuais tem muito a contribuir para o propósito do
professor de fazer com que seus alunos sejam leitores fluentes e escritores de bons
textos.
Depreendemos que o trabalho didático com os gêneros textuais, além de
favorecer o conhecimento e a familiaridade sistemática com os diversos textos, deve
possibilitar ao aluno o desenvolvimento de uma postura crítica frente à realidade
social que a ele se apresenta.
“Acreditamos que, ao levar o aluno a aprender a ler as estratégias discursivas
com que se tecem os diferentes gêneros, o professor estará contribuindo com sua
parcela para formar o cidadão no sentido pleno” (BRANDÃO, 2000, p.43). Ou seja, a
garantia de acesso aos conhecimentos da língua que permita a este cidadão atuar
nas diversas esferas da atividade humana, de modo que, de fato, possa participar e
intervir. Portanto, é indispensável à escola trabalhar os gêneros textuais a partir de
uma concepção de linguagem como interlocução e da escrita como prática
sociocultural e discursiva, o que implica principalmente em favorecer a ampliação
das possibilidades de letramentos.
Nesse sentido, de acordo com os PCNLP.
O domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso a informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 2001, p.23).
39
Diante do exposto, podemos constatar que o trabalho didático com os
gêneros na escola constitui-se, sem dúvida, numa contribuição das mais
importantes, pois, conforme Marcuschi (2008), o estudo dos gêneros textuais é uma
fértil área interdisciplinar, com atenção especial para a linguagem em funcionamento
e para as atividades culturais e sociais. Desta forma, possibilita ao aluno conhecer e
dominar práticas sociais de linguagem reais e usuais.
Ao refletirmos sobre as possibilidades do trabalho pedagógico de leitura com
os gêneros textuais voltados para as turmas de alfabetização, constatamos que este
se vincula à perspectiva interacional e sociodiscursiva de caráter psicolinguístico,
uma vez que se ocupam com o ensino dos gêneros em língua materna.
Do ponto de vista dos estudos advindos da psicolinguística, esta também
procurou desvendar as dificuldades relativas à competência de leitura e constatou
que muitas delas estão ainda ligadas à fase inicial do processo de alfabetização, em
que se procura desenvolver atitudes e disposições favoráveis ao ato de ler. Com os
subsídios de estudos advindos, principalmente, do campo da psicologia e das
ciências linguísticas, discussões relevantes insurgiram em relação ao estudo dos
textos na sala de aula, acontecendo, com isso, modificações em algumas salas de
alfabetização.
Tais estudos reconhecem, portanto, que a capacidade de identificação global
das palavras é indispensável para a aquisição da fluência na leitura, bem como a
capacidade de antecipar e confirmar hipóteses relativas ao conteúdo dos textos a
serem lidos e a capacidade de buscar pistas textuais para a construção de
inferências e também a capacidade de construir compreensão global do texto lido,
utilizando pistas explícitas e implícitas, fazendo extrapolações. Nenhuma dessas
capacidades é facilmente automatizada, necessitando das intervenções do professor
alfabetizador. Percebemos que, em alguns contextos de sala de aula, os alunos
ficam ainda presos à informação visual do texto, lentos na decodificação, pouco
fluentes (KLEIMAN, 1989; KATO, 1995).
Depreendemos que, em se tratando do ensino e aprendizagem da leitura e
escrita, estes, quando desenvolvidos mediante o uso de textos, concorrem para
alfabetizar letrando. Mesmo sendo processos independentes, estes são
indissociáveis, portanto, compete à escola considerar leitura e escrita como práticas
sociais.
40
2.2 O gênero textual canção e a leitura
A alfabetização, na perspectiva do letramento, insere-se na prática
pedagógica de trabalhar com gêneros textuais, pois estes, conforme (DOLZ;
SHNEUWLY, 2004, p.44), assumem a função de “(mega) instrumento para agir em
situações de linguagem” e permitem relacionar diferentes áreas de conhecimento,
contribuindo para o aprendizado e a aplicação da escrita e da leitura nas diversas
situações da atividade humana.
Destarte, compreendemos que os gêneros emergem dos processos de
interação social, cabendo à escola buscar se aproximar e levar para a sala de aula
os gêneros já conhecidos pelo aluno e outros que, gradativamente, devem ser
ensinados e poderão ser utilizados por eles. É preciso ir além das vivências. “É
necessário um trabalho progressivo e aprofundado com os gêneros textuais orais e
escritos, envolvendo situações em que essa exploração faça sentido” (PNAIC,
2012).
Assim, o estudo do gênero canção pelos alunos do 1° ano do ensino
fundamental é notadamente atraente para este público, tanto pela sua função social
como pela forma composicional9. O convívio das crianças com canções inicia-se
bastante cedo, algumas desde o ventre materno, uma vez que grávidas ouvem
música para relaxar.
De acordo com Veríssimo de Melo (1985), as primeiras canções são os
Brincos, caracterizados, por este estudioso do folclore, como: “as mais fáceis, as
primeiras que ouvimos na infância, ditas ou recitadas para entreter ou aquietar
meninos” (MELO, 1985, p. 38). Ainda conforme este autor, existem infinitas
manifestações folclóricas na primeira infância. Depois dos acalantos, cuja função é
adormecer as crianças, seguem-se os brincos, nos quais elas participam de modo
menos passivo, cabendo aos adultos a iniciativa de realizá-los.
As crianças gostam de ouvir várias vezes a mesma canção, ao ponto de
memorizar, e os gêneros da tradição oral configuram-se como atrativos para brincar
com as rimas e as palavras. Além das canções, as parlendas, trava-línguas e
adivinhações são ótimas propostas de leitura para o leitor iniciante desenvolver
9 Expressão utilizada com base nos escritos de Bakhtin que define gêneros textuais como enunciados
relativamente estáveis compostos por três elementos básicos: conteúdo temático, o estilo e a construção composicional.
41
competências linguísticas e o gosto pela leitura. Chamarelli (2007, p.11) esclarece
que, no caso das cantigas de roda, mais do que fazer com que as crianças cantem
ou coreografem, estas lhes ensinam a própria língua, suas nuances, suas formas. E
ainda pondera: “a maneira como os signos nelas estão dispostos talvez nos
indiquem como a mente processa as línguas” (CHAMARELLI, 2007, p.12).
Por entendermos que a leitura insere-se em práticas sociais significativas
quando parte do contexto cultural dos alunos, nosso trabalho contempla canções
conhecidas das crianças do 1º ano B. Desta forma, a leitura de mundo das crianças
as conduzirá para a leitura da palavra através da mediação pedagógica do professor
alfabetizador.
Gêneros são modelos de “enunciados relativamente estáveis” (BAKHTIN,
2012), ou seja, embora possuam uma configuração própria, estão sujeitos às
modificações que o intercâmbio com outros gêneros produz como também, as
mudanças históricas, sociais e até mesmo tecnológicas.
A canção pertence aos gêneros privilegiados para a prática da escuta e leitura
de textos de linguagem oral e se insere na esfera literária de comunicação. De
acordo com D`onofrio (2005, apud RAMIRES, 2010), a canção, em sua origem, é
toda poesia relacionada com a música e o canto. Inicialmente, era composta por um
número variado de estrofes, cada uma com versos oscilantes entre sete e vinte, o
tema poderia ser o amor, o sentimento patriótico, preceitos morais, sátira social,
humorismo.
Nelson Barros da Costa (2002, apud RAMIRES, 2010), em seu livro As letras
e a letra: o gênero canção na mídia literária, alerta para a particularidade do gênero:
A canção é um gênero hibrido de caráter intersemiótico, pois é resultado da conjugação de dois tipos de linguagens, a verbal e a musical (ritmo e melodia). Defendemos que tais dimensões têm de ser pensadas juntas, sob pena de confundirmos a canção com outro gênero. Assim a canção exige uma tripla competência, a verbal, a musical, e a lítero musical, sendo esta ultima a capacidade de articular as duas linguagens (COSTA, 2002, p.107).
Neste mesmo sentido, destacamos as orientações apresentadas nos PCNLP
para o trabalho com gêneros orais, sendo a canção um gênero textual oral previsto
para o ciclo de alfabetização, uma vez que este articula os elementos linguísticos a
42
outros de natureza não verbal, tais como ritmo, melodia e a identificação de marcas
discursivas para o reconhecimento de intenções e valores presentes no texto.
Para Bakhtin (2012, p. 261), todos os diversos campos da atividade humana
estão ligados ao uso da linguagem, com caráter e formas tão multiformes quanto os
campos da atividade humana, efetuando-se o emprego da língua em forma de
enunciados:
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional- estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação (BAKHTIN, 2012, p.261).
Porém, com as mudanças conceituais sobre o ensino da língua ocorridas a
partir destes estudos, a leitura e a escrita tornaram-se o seu conteúdo central, e não
mais consideradas somente atividades de decodificação e codificação, mas práticas
sociais, que devem ser implantadas no cotidiano escolar, desde muito cedo,
independente de a criança estar alfabetizada ou não. Pois é justamente no convívio
com a diversidade textual existente na sociedade que os aprendizes vão
desenvolver capacidades para escrever, antes mesmo que saiba ler e escrever com
autonomia.
Portanto, observou-se que é possível, sim, a criança ler textos nos primeiros
anos de escolarização, mesmo antes de ter o domínio pleno da base alfabética,
antes de “saber ler”, no sentido convencional, assim explicita o caderno de
Alfabetização e Linguagem do Programa de Formação Continuada de Professores
dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (Brasil, 2008, p. 50).
Compreendemos que dar visibilidade aos textos da tradição oral na sala de
aula do 1º ano favorece a valorização e a apreciação da cultura popular, assim como
o estabelecimento de um vínculo prazeroso com a leitura e a escrita. As canções
enquanto textos, pertencentes à tradição oral e dos quais as crianças conhecem de
memória, possibilitam o avanço nas hipóteses a respeito da língua escrita e o
envolvimento ativo na leitura, mesmo que elas ainda não a dominem.
43
Dentro dessa perspectiva, o estudo do gênero canção pelos alunos do 1° ano
do ensino fundamental é especialmente interessante tanto pela sua função social
como pela forma composicional. Pois, no caso específico deste gênero,
encontramos uma zona fronteiriça com o texto literário, em especial, o texto poético.
O que tentaremos mostrar, nesse trabalho, é a particularidade dele, no que toca à
articulação entre texto e canção para aprendizagem significativa da leitura.
Ao propor o ensino da leitura com gêneros textuais proporciona-se ao
estudante um contexto de aprendizagem situada, neste sentido, de acordo com
Marcushi (2002) gêneros são formas verbais de ação social realizadas em textos
situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos.
O trabalho com gêneros textuais propicia uma leitura interpretativa, reflexiva e
crítica, guiada pelo contexto e pelas finalidades do texto.
Consideramos fundamental trabalhar o ensino da leitura com textos
conhecidos de memória pelas crianças porque este trabalho pedagógico favorece o
estabelecimento de correspondências entre o falado e o escrito, possibilitando,
assim, o uso de antecipações e inferências desde o início da aprendizagem da
leitura. De acordo com os estudos do Programa de Formação de Professores -
PROFA:
Embora os alunos não saibam ler convencionalmente, podem e devem ser colocados no papel de ‘leitores’. Para que estejam construindo a idéia de que a escrita é uma representação do falado, estabelecer uma relação entre o que é falado e que está escrito coloca problemas que ajudam a refletir sobre as partes escritas. Portanto, propor atividades de leitura utilizando textos que os alunos sabem de cor, (...) significa propor situações de aprendizagens significativas (BRASIL, 2001, p.1).
Procuraremos lançar mão do argumento de que o gênero canção pode tornar-
se cada vez mais presente em sala de aula, especialmente no 1º ano do ensino
fundamental. A recomendação dos PCN é que os livros didáticos contemplem
grande variedade de gêneros textuais, entre eles, a canção.
Os PCN (2001, p.114) definem o gênero canção como um gênero textual que
envolve um elemento linguístico (verbal) e dois extralinguísticos (a melodia e o
ritmo). Vejamos alguns objetivos que justificam a presença da canção em sala de
aula:
44
trabalhar com a materialidade texto (letra), com a música (ritmo, melodia);
resgatar a cultura;
sensibilizar e trabalhar o aspecto crítico-social dos educandos;
constituir mediação entre sujeito e mundo, entre imagem e objeto.
A princípio, torna-se relevante selecionarmos canções que sejam de interesse
comum e conhecidas pelas crianças porque conscientes da importância de valorizar
a cultura infantil e o que é próprio da infância, devemos mediar o ensino a partir dos
que elas sabem para facilitar a aprendizagem do que elas ainda não sabem acerca
do que está escrito na canção.
Ao trabalhar com o ensino da leitura nesta perspectiva, é possível
desenvolver o gosto pela leitura com uma aprendizagem prazerosa através do
cantar e brincar, como também se colabora para que as crianças pensem sobre o
funcionamento do sistema de escrita alfabética, uma vez que é possível que
observem e reflitam sobre a segmentação das palavras e sua grafia.
A criança, quando é levada a relacionar leitura e escrita com as práticas
sociais e com o prazer de aprender a ler e escrever, participando de atividades
prazerosas, lúdicas e diferenciadas, consegue estar completamente envolvida com
esses dois processos e compreende a utilização das diversas funções da linguagem
escrita, por isso, as metodologias de ensino da leitura, fundamentadas na
perspectiva sociointeracionista, revelam-se enriquecedoras para o trabalho docente.
45
3 DESCRIÇÃO DA SEQUÊNCIA DE ATIVIDADE DE LEITURA E ANÁLISE DOS
RESULTADOS
Pautados pelos princípios metodológicos da pesquisa qualitativa, priorizamos
a pesquisa participante, em que nos propomos desenvolver uma sequência de
atividades pedagógicas para ensinar a ler com o gênero canção; e, em seguida,
analisar como se dá a aprendizagem da leitura a partir dessas atividades em uma
turma do 1º ano.
Reconhecemos que, no caso da pesquisa participante, o processo pelo qual o
pesquisador adota para entrada em campo é crucial, pois, nesta etapa, ocorre a
sensibilização do grupo para a participação na pesquisa. Todo processo foi
permeado concomitantemente à realização das etapas previstas pelo estudo
bibliográfico. A pesquisa bibliográfica permite a compreensão e a explicitação dos
processos de aprendizagem e de uso da língua, bem como a concepção linguística
que subjaz o ensino da leitura.
A seleção do gênero canção como recurso mediador foi resultado da
compreensão de que a interação dos alunos do 1º ano com as práticas de
linguagem presentes nas canções infantis pode contribuir para a aprendizagem
significativa da leitura. A relevância deste ponto reside na premissa de que é preciso
partir de textos que façam parte do contexto sociocultural desse público, podendo o
conhecimento de mundo e as experiências pessoais ser ativados para a construção
de outros conhecimentos.
Para tanto, o estudo bibliográfico respalda-se em uma epistemologia sócio-
histórica inspirada nos trabalhos de Vigotsky (1984, 1987) e Bahktin (1987, 1992 e
2011). Será centrado em autores como Schneuwly (1994, 1996) e Dolz (1996);
Marcuschi (2008); Moita Lopes (1996); Mary Kato (1985); Kleiman (1989); Solé
(1998), entre outros, que contribuíram para a construção teórica da linguística e o
desenvolvimento das teorias sobre a leitura.
Ancorados na perspectiva sociointeracionista de ensino e aprendizagem da
língua em que o ensino da leitura para seu aprendizado inicial deve se desenvolver
dentro de uma prática ampla não fragmentada e não hierarquizada, levantamos o
seguinte problema: será que o ensino proposto a partir das letras de canções numa
perspectiva sociointeracionista pode favorecer o processo de aprendizagem da
leitura pelas crianças do 1° ano do ensino fundamental?
46
A escolha da turma do 1º ano B selecionada para esta pesquisa teve como
principal elemento motivador o fato de o 1º ano constituir-se o início do processo de
alfabetização, também por entendermos que se trata de um momento crucial na
formação do sujeito leitor, o qual deverá estar imerso em situações significativas de
leitura a partir de práticas motivadoras.
A turma do 1º ano B, selecionada para esta pesquisa, funcionou no turno
matutino, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Nazinha Barbosa, situada no
Bairro de Manaíra, na cidade de João Pessoa, Paraíba, unidade escolar em que a
pesquisadora leciona. Apesar de não ser professora titular da turma, esta a escolheu
pelo fato de se constituir o primeiro ano do ciclo de alfabetização e o marco formal
de iniciação das crianças no processo de escolarização. A referida turma era
composta por vinte e cinco alunos dos quais dezoito do gênero masculino e sete do
feminino.
A pesquisa foi realizada no mês de julho e agosto do ano de 2013, sempre
com a participação direta da pesquisadora participante, também sujeito da pesquisa,
em se considerando a experiência e o envolvimento profissional estabelecido no
decorrer dos quatro anos atuando como professora das séries iniciais da escola
citada acima. A escola e a professora da turma deram consentimento prévio para a
realização da pesquisa, por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE), para que estes tivessem conhecimento sobre o tema do estudo, finalidade,
bem como o desenvolvimento do mesmo em sala de aula e, depois desse
consentimento, deu-se a realização das oficinas que contemplam o tema abordado.
Utilizada a técnica da observação direta do desempenho em leitura dos
alunos, por meio da aplicação das atividades de leitura dirigidas a eles, com o
objetivo de colhermos dados qualitativos relacionados ao comportamento leitor das
crianças frente às propostas de leitura, adotamos o diário de bordo e a gravação de
algumas atividades. O diário de bordo foi um recurso utilizado para o registro do
processo de pesquisa, constituiu-se ferramenta importante nas anotações das
observações realizadas durante a aplicação das atividades com a turma pesquisada.
E ainda auxiliando no processo de descrição da prática e da interpretação dessa
prática à luz de teorias em estudo.
O planejamento da proposta de ensino da leitura com canções para alunos do
1º ano foi organizado numa sequência de atividades por compreendermos que a
sistematicidade no ensino da leitura implica também preparar tarefas de acordo com
47
o estágio de desenvolvimento e o nível linguístico dos alunos de modo que eles
possam avançar. Concordamos com Solé (1998) quando esclarece que, na verdade,
não ensinamos leitura, conduzimos o aluno para que possa desenvolver e aplicar
estratégias de leitura. Desta forma, a intervenção positiva na mediação pode
funcionar como valioso instrumento para facilitar a leitura e a compreensão de textos
desde o 1º ano, na alfabetização.
Com o intuito de mediar o processo de ensino-aprendizagem da leitura,
considerando os aspectos graduais inerentes ao desenvolvimento da competência
leitora, a vivência das atividades de leitura desenvolveu-se em quatro encontros com
duração média de noventa minutos para cada momento, distribuídos um por
semana.
Ancorados no objetivo geral, que é investigar como o ensino da leitura
desenvolvido com letras de canções pode contribuir para a aprendizagem
significativa da leitura e a formação de leitores, buscamos organizar e propor uma
sequência de atividades de leitura com letras de canções. Tais atividades foram
planejadas à luz de fundamentos teóricos a partir da concepção sociointeracionista.
Buscamos demonstrar a possível viabilidade do ensino da leitura na
alfabetização mediado por canções infantis pelo fato de entendermos que estes
textos são próprios ao universo das crianças da turma de 1º ano e se constitui um
gênero adequado para se estimular desenvolver a competência leitora, contando,
ainda, com o incentivo da ludicidade inerente a esse gênero textual.
Solé (1998) e Bortoni-Ricardo (2012) propõem atividades que visam às
habilidades leitoras dependentes do conhecimento do mundo, do conhecimento
acerca do tema tratado, da familiaridade com o gênero, considerando também que,
para se chegar à compreensão de um texto, seja na sua decodificação ou na
produção do seu sentido, é necessário inferir no texto escrito. Baseados em tais
pressupostos, propomos atividades desenvolvidas de forma sequenciada. As
atividades da proposta que serão apresentadas foram desenvolvidas de forma
sequenciada no decorrer de quatro encontros, tendo como objetivos principais:
vivenciar a brincadeira de roda, fazendo com que os alunos interajam
com seus pares, os colegas de sala;
ler a canção e estabelecer uma relação entre o falado e o escrito.
48
refletir e dialogar numa roda de conversa sobre o tema apresentado na
canção escolhida pela turma;
conduzir o aluno a fazer inferências, levantar hipóteses e testá-las,
assumindo, assim, uma postura ativa diante do texto;
dar ao aluno a oportunidade de assumir uma postura ativa de leitor
diante do seu processo de alfabetização;
Quanto à execução da proposta, esta foi desenvolvida a partir das seguintes
ações:
exploração do conteúdo temático da canção através de uma roda de
conversa;
exploração do texto escrito para localizar as partes da canção/texto
ouvidas ao cantar;
utilização do conhecimento construído pelos alunos sobre o sistema de
escrita e a familiaridade que têm com o gênero canção que sabe de
memória para fazer o ajuste entre a canção, o texto que canta, e o texto
escrito;
leitura do texto, apontando palavra por palavra, para que as acompanhe
à medida que canta. Chamar a atenção para a direção do texto, os
limites gráficos das frases e os espaços existentes entre as palavras;
realização de atividades de procura e localização de palavras no texto
conhecido, ou seja, isolamento das palavras como meio para que a
criança possa refletir sobre as características da escrita com sua
atenção focalizada em uma unidade linguística do texto, a palavra.
Um dos pressupostos das atividades é favorecer que os alunos desenvolvam
atitudes e disposições favoráveis à leitura, de forma que esta seja libertada do
caráter formal, obrigatório, realçando seu aspecto lúdico e prazeroso.
Defendemos o ensino da leitura na alfabetização com textos, ou seja,
alfabetização em contexto de letramento que consiste em usar os textos de acordo
com seus propósitos sociais. Alguns dos objetivos do letramento no tocante à leitura
é ler para usufruir de sua leitura, para se informar, para se divertir, para conhecer,
para aprender, dentre outras funções. Em outras palavras, o texto serve para
49
ampliar conhecimentos, letrar-se e também para pensar e aprender sobre o sistema
de escrita alfabética. Para formar um bom leitor, entre tantos outros cuidados, é
necessário que a decodificação seja realizada de forma correta e fluente, que é
também o que possibilita as práticas de leitura e escrita autônoma e a ampliação das
possibilidades de letramentos.
Na intenção de aprofundar a compreensão acerca de estratégias pedagógicas
de ensino da leitura na alfabetização na perspectiva do letramento e na formação do
leitor, buscaremos, neste trabalho, destacar uma experiência de ensino da leitura
nas quais foram propostas situações didáticas por meio de uma sequência de
atividades de leitura com canções, onde as crianças da turma do 1º ano B puderam
ler, cantar e brincar, para atender a diferentes propósitos da leitura. À medida que
formos apresentando neste texto as atividades realizadas, discutiremos,
concomitantemente, as possíveis aprendizagens dos alunos quanto à utilização de
estratégias de leitura.
A turma objeto da pesquisa compreendida por 25 crianças, da faixa etária
entre cinco e sete anos, conforme Piaget encontra-se no período pré-operatório,
estágio do desenvolvimento humano que compreende o período de dois a sete anos
e fase em que se evidencia o aparecimento da função simbólica ou semiótica da
linguagem. Para Piaget, a linguagem é uma função cognitiva semiótica10 de
representação no pensamento dos elementos presentes no contexto social,
ocorrendo na fase dos cinco aos sete anos, especialmente através do jogo simbólico
de imitações e faz-de-conta. Neste sentido, Chamarelli (2007, p.11) esclarece que
uma cantiga de roda, mais do que fazer com que as crianças cantem ou
coreografem, ensina-lhes a própria língua, suas nuances, suas formas. E ainda
pondera: “a maneira como os signos nelas estão dispostos talvez nos indiquem
como a mente processa as línguas” (CHAMARELLI, 2007, p.12).
No decorrer da pesquisa, destacamos que o ato de ler, o gosto pela leitura e a
formação do leitor crítico são passíveis da intervenção do professor e da escola
como elementos desencadeadores do processo. Partindo dessa premissa,
entendemos que a escola e o professor, com a utilização de uma metodologia
adequada, podem oportunizar situações didáticas significativas para o
desenvolvimento do gosto pela leitura, por meio de canções. Neste sentido, foi dada
10
é a ciência geral dos signos e da semiose que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas sígnicos, isto é, sistemas de significação.
50
continuidade à proposta de ensino da leitura com canções. A vivência das atividades
desenvolveu-se em quatro encontros com duração média de 90 minutos para cada
momento, distribuídos um por semana.
3.1 Primeiro encontro 18.07.2013
Atividade proposta: Roda de conversa. Cantar e brincar de roda.
Objetivos:
levantar informações sobre o que os alunos do 1º ano sabem a respeito
do gênero canção
organizar as crianças da turma, em um círculo, sentadas no chão da
sala, para uma roda de conversa
vivenciar uma roda de conversa conduzida por algumas perguntas em
torno do tema canção
cantar e brincar de roda, de modo a fortalecer a interação das crianças
Questões para estimular o diálogo na roda de conversa
Pergunta 1: Quem aqui gosta de cantar?
Pergunta 2: Alguém da turma sabe cantar?
Pergunta 3: Vocês cantam e brincam de roda?
Finalizar o encontro com uma canção escolhida pela turma.
Planejado o primeiro contato direto em sala de aula com as crianças da
turma, agendamos com a professora titular, para o dia 18 de julho do ano de 2013 o
início da execução de nossa proposta. No primeiro encontro, ao entrar na sala de
aula, a pesquisadora cumprimentou a turma com um bom dia e explicou que
pretendia desenvolver algumas atividades de leitura com eles, esclareceu que
precisaria frequentar a sala outras vezes.
Durante o primeiro encontro, recuperamos os conhecimentos prévios das
crianças, acerca de canções, com o objetivo de levantar informações sobre o que
elas sabiam a respeito desse gênero. Para este momento, o primeiro
encaminhamento dado foi organizar as crianças da turma, em um círculo, sentadas
51
no chão da sala, para uma roda de conversa, e ainda cantar e brincar de roda, de
modo a fortalecer a interação das crianças. A preparação prévia para a leitura
desenvolveu-se num processo de contextualização em que os alunos foram
instigados a falar sobre o tema a ser lido.
O levantamento dos conhecimentos prévios da turma deu-se através da roda
de conversa conduzida por meio de perguntas, cuja temática foi canções. A escolha
da roda de conversa como estratégia pedagógica de mediação fundamentou-se no
que preconiza a perspectiva vygotskyana, uma vez que essa perspectiva considera
o papel relevante da interação social no desenvolvimento infantil e sua intrínseca
relação entre pensamento linguagem no processo de desenvolvimento linguístico do
sujeito, conduzindo o aluno a ampliar sua competência comunicativa. Para ele, a
gênese do desenvolvimento humano resulta do processo conversacional dialógico,
mediado pela interação verbal.
Vejamos no quadro 1 a transcrição de parte do diálogo estabelecido com a
turma:
Pergunta 1: Quem aqui gosta de cantar?
Alunos: Eu, eu, eu! (todos falam ao mesmo tempo)
Aluno x - Quando eu crescer tia eu vou ser cantor.
Pergunta 2: Alguém da turma sabe cantar?
Alunos: Sei... Eu sei tia! Deixa eu cantar?
Pesquisadora: Deixo sim, daqui a pouco vamos cantar.
Aluno x –
Ciranda, cirandinha...
Vamos todos cirandar.
Vamos dar a meia volta...
Volta e meia vamos dar!
O anel que me destes
era vidro e se quebrou!
O amor que tu me tinhas era
pouco e se acabou!
(O aluno X começa a cantar e as outras crianças acompanham).
Pesquisadora: Em que momentos, quando é que, vocês cantam ou escutam alguém cantar?
Aluna M11
: Vejo manhinha balançando meu irmão pra dormir aí ela canta. Ah, ah, ah... oh, oh,
oh... vai dormir nenenzinho senão a cuca vai pegar!
Pergunta 3: Vocês cantam e brincam de roda?
Aluno N: Sim, tia. Às vezes brinco na rua!
Pesquisadora: Quem mais quer falar?
Aluno M: Na creche eu também cantava e assistia o Patati - Patatá...
Quadro 1: Diálogo sobre preferências das canções Fonte: Autora.
11
Presença de marcas da linguagem oral não padrão.
52
A partir da análise desse diálogo estabelecido durante a roda de conversa
com a turma, pudemos constatar que os alunos se mostraram estimulados a falar.
Num dado instante, todos queriam falar ao mesmo tempo. Diante desta situação,
combinamos que seria bom nos organizarmos de modo que cada um pudesse falar
e ser ouvido. Assim, pedia a palavra quem sentia necessidade de expor algo, este
deveria levantar a mão, sinalizando que precisava falar, e os demais alunos
deveriam ficar atentos para ouvir e respeitar os turnos de fala. Dessa maneira,
conseguimos prosseguir com a atividade.
As respostas das crianças evidenciam que existe uma relação significativa na
infância com as canções, conforme ilustra o quadro 1. Desde a mais tenra idade, as
crianças mantêm contato com as canções. Elas já estão familiarizadas com este
gênero, seja no meio familiar, seja na pré-escola ou em outros espaços sociais. Ao
ajudar o aluno a expor o que sabe através de perguntas, a pesquisadora possibilitou
a este estabelecer uma relação de sentidos entre o texto e os conhecimentos
prévios ou conhecimento de mundo, que se referem às vivências pessoais do leitor,
acionadas no momento da leitura.
Desta forma, para mediar o ensino da leitura com o gênero canção, não é
necessário o alfabetizador exigir que as crianças decorem textos trazidos por ele,
pois as próprias crianças e seus familiares têm um repertório rico em canções e
brincadeiras que podem possibilitar a alfabetização e também valorizar aspectos
culturais e afetivos da comunidade.
Como já mencionamos, de acordo com Veríssimo de Melo (1985), as
primeiras canções são os Brincos, caracterizados como “as mais fáceis, as primeiras
que ouvimos na infância, ditas ou recitadas para entreter ou aquietar meninos”
(MELO, 1985, p. 38). Ainda conforme este autor existem infinitas manifestações
folclóricas na primeira infância. Depois dos acalantos, cuja função é adormecer as
crianças, seguem-se os Brincos, nos quais elas participam de modo menos passivo,
cabendo aos adultos a iniciativa de realizá-los.
Nessa atividade proposta, constatamos que atendemos ao que sugerem os
referenciais curriculares nacionais. De acordo com o RECNEI (1998), a linguagem
oral possibilita comunicar ideias, pensamentos e intenções de diversas naturezas,
estabelecer relações interpessoais e intrapessoais, em que as palavras só têm
sentido em enunciados e textos que significam e são significados através de
situações concretas.
53
Finalizamos o primeiro encontro cantando e brincando com a canção Ciranda
cirandinha. Na ocasião, foi possível observar a ansiedade dos alunos, seus olhinhos
brilhavam, todos ficaram animados e faziam questão de participar desse momento.
Isso comprova o que tanto os PCN quanto a teoria da alfabetização na perspectiva
do letramento colocam, que é importante trabalhar com textos reais que façam parte
do contexto sociocultural dos alunos, despertando neles o gosto pela leitura. Nesse
momento da brincadeira, mediado pelo gênero canção, podemos verificar o
entrosamento dos alunos e o interesse pela atividade, tendo a ludicidade como
desencadeadora para o processo de leitura.
3.2 Segundo encontro 25.07.2013
Atividade proposta: Produzir coletivamente com a turma um cartaz com a
lista das canções conhecidas/ preferidas e apontadas pelas crianças. Diálogo acerca
do tema apresentado na canção escolhida.
Objetivos:
Recuperar conversa inicial estabelecida no encontro anterior
Vivenciar uma produção textual com apoio de escriba/ registrar lista de
canções conhecidas /preferidas
Cantar e brincar de roda, de modo a fortalecer a interação das crianças
Finalizar o encontro com canção escolhida pela turma
No segundo encontro, recuperamos um pouco da conversa inicial
estabelecida no encontro anterior com a roda de conversa em que as crianças
mostraram-se muito motivadas. Lembramos a turma que a canção escolhida pela
maioria para ser cantada naquele momento havia sido Ciranda cirandinha. Na
ocasião, perguntamos qual eles gostariam de cantar, e as crianças decidiram brincar
novamente com Ciranda cirandinha. Organizados em círculo, de pé, no centro da
sala, iniciamos a canção. Ao longo da atividade, percebemos o quanto as crianças
apreciavam e conheciam a brincadeira. Durante esta vivência, contamos com a
54
colaboração da professora da turma, que solicitou junto aos alunos a formação de
rodas, para fazerem uma brincadeira muito divertida.
Nesta atividade, as crianças brincaram umas com as outras, promovendo a
interação através do contato físico - brincando com o corpo, girando, agachando,
realizando movimentos de acordo com os sugeridos pela canção, algo que eles
demonstraram já conhecer bem, é o que pode ser observado e constatado através
das imagens abaixo.
Quadro 2: Registro fotográfico de atividade – cantando e brincando de roda. Fonte: Autora.
Foi no clima de animação, entusiasmo e respeito às inclinações naturais da
infância para o lúdico que brincamos e cantamos Ciranda cirandinha. A ludicidade foi
o ponto de partida do ensino da leitura com as canções infantis, em que
movimentos, como dar as mãos em um círculo, ouvir e cantar, seguindo o que
sugere a música, girando para a esquerda ou para a direita, levantar ou abaixar,
proporcionaram a interação da turma. Isto serve de incentivo para o
desenvolvimento infantil, promovendo a socialização e colaborando para a
conscientização do espírito de grupo. A esse respeito, Vigotski (1988) constata que
o desenvolvimento cognitivo da criança se dá por meio da interação com outros
indivíduos em que a aprendizagem é, portanto uma experiência social mediada pela
linguagem.
O interessante é que muitas crianças verbalizaram já terem brincado em casa
com essa canção, com o pai ou a mãe, ou na rua com crianças da vizinhança de
onde moram. Após a brincadeira, solicitamos que elas sentassem no chão da sala
de aula em círculo e falassem as canções que conheciam para registrarmos num
55
cartaz. Foi uma agitação, todos falando ao mesmo tempo. Na ocasião, intervimos
mais uma vez, orientando-os a respeitarem os turnos de fala. E também, mais uma
vez, estabelecemos um acordo para organizar a turma de modo que todos
pudessem falar e ser ouvidos, produzindo, assim, coletivamente, um cartaz com a
lista das canções conhecidas e apontadas pelas crianças da turma. A pesquisadora
explicou às crianças do 1º ano B que era necessário registrar na cartolina os títulos
das canções por elas citadas para que depois pudessem ler e realizar uma outra
atividade no próximo encontro.
Quadro 3: Registro fotográfico – roda de conversa Fonte: Arquivo da autora.
Compreendemos que a mediação pedagógica é uma ação de apoio
indispensável para a aprendizagem da leitura pelos principiantes uma vez que
mediar o desenvolvimento da leitura no aluno implica estimulá-los a exercitar a
compreensão, conduzindo-o a leitor ativo. Isso pressupõe desenvolver nele sua
capacidade de ler com segurança, de decodificar com clareza e reconhecer com
rapidez as palavras para uma leitura fluente. Como também realizar previsão,
formular e responder questões a respeito do texto, extrair ideias centrais, identificar
conteúdos novos e dados. Relacionar o que ler com sua realidade social e particular,
ler o que está subjacente ao texto, valer-se de pistas para fazer inferências,
sumarizar, ser capaz de dialogar com outros textos são habilidades que vão
constituindo o sujeito leitor em formação em leitor proficiente.
Assim, defendemos que a mediação na leitura deve acontecer na dinâmica da
interação em que o mediador apoia o leitor iniciante auxiliando-o a mobilizar
56
conhecimentos anteriores para desenvolver as habilidades específicas para aquela
tarefa.
3.3 Terceiro encontro 01.08.2013
Atividades propostas: Finalizar a construção da lista e quantificar as preferências
com tampinhas. Leitura e exploração da lista. Primeira leitura da canção escolhida.
Atividade de localizar e destacar as palavras no texto.
Objetivos:
Organizar as informações e marcar coletivamente na lista as
preferências com tampinhas
Ler e interpretar a lista produzida
Localizar a canção mais votada pela turma
Ler, cantando a canção com o apoio do texto escrito na lousa
Cantar e brincar com a canção escolhida.
Dialogar sobre o que entendemos da canção Atirei o pau no gato,
Finalizar o encontro cantando uma canção escolhida pelo grupo
Os momentos que sucederam o primeiro e o segundo contato formal com a
turma estão descritos abaixo. Após listarmos e registrarmos num cartaz as canções
conhecidas e elencadas pelas crianças da turma, foi proposta uma atividade de
quantificação das canções por elas apontadas.
Com o objetivo de organizar as informações, construímos coletivamente uma
lista de títulos de canções. Na atividade realizada no encontro anterior, produção
textual da lista de títulos de canções conhecidas da turma, a pesquisadora foi a
escriba, fazendo o registro escrito na cartolina dos títulos das canções citadas pelos
alunos da turma. Em seguida, eles teriam que complementar a construção da lista
sinalizando com tampinhas de garrafa pet, e, assim, encaminhamos a finalização da
construção coletiva lista, cujo objetivo era facilitar a identificação da canção preferida
do 1º ano B por meio da leitura.
57
A atividade consistiu em marcar com tampinhas no cartaz, a canção escolhida
por cada criança da turma. É interessante observar que a escolha padronizada das
cores realizada pelas crianças não seguiu um critério específico orientado pela
pesquisadora. As crianças ficaram livres para marcar com a cor que quisessem,
porém foram seguindo a marcação da lista com tampas da cor escolhida pela
criança anterior. Como por exemplo, o que aconteceu com a marcação da canção
Ciranda cirandinha, em que um dos alunos realizou a marcação com a tampinha de
cor amarela e os outros alunos, que também escolheram a mesma canção,
marcaram com a tampinha da mesma cor, a amarela (ver quadro 4). Esclarecemos
para a turma que o que determinaria o resultado não seria a cor, mas sim, a
quantidade de tampinhas colocadas em cada canção. Então, a lista sinalizada com
tampinhas indicando as preferências ficou da seguinte forma, como mostra o quadro
4:
Quadro 4: Lista de canções preferidas Fonte: Arquivo da autora.
Depois da construção coletiva da lista, solicitamos que as crianças lessem e
localizassem nele a canção com mais tampinhas, ou seja, a mais apreciada pelas
crianças da turma. Fizemos uma leitura exploratória da lista, comentando acerca da
canção que teve maior número de tampinhas, a que teve menos e se houve empate
entre as canções, Em seguida, afixamos a lista de canções na parede da sala para
posterior consulta.
As crianças participaram ativa e prontamente com motivação e entusiasmo,
desenvolvendo atitudes e disposições favoráveis à leitura. As atividades de
produção coletiva e de leitura da lista inserem-se na proposta de alfabetizar letrando,
58
uma vez que estimulou e colocou os alunos numa prática social e real de leitura e
escrita, contribuindo, desta maneira, para o letramento.
Os alunos leram da lista e verbalizaram que a canção escolhida pela turma foi
Atirei o pau no gato, conforme mostra o quadro 4. Após solicitarmos que lessem e
localizassem, na lista escrita no cartaz, o nome da canção preferida da turma, todas
as crianças já foram prontamente se organizando em círculo, de mãos dadas, para
cantar e brincar, pois estes já sabiam que se tratava de Atirei o pau no gato, a
canção apontada pela maioria da turma. Dessa maneira, encaminharam-se
rapidamente para o centro da sala de aula, já que estavam muito ansiosas para
começar a brincadeira.
Portanto, observou-se, nesta atividade, que é possível, sim, a criança ler
textos nos primeiros anos de escolarização, mesmo antes de ter o domínio pleno da
base alfabética, antes de “saber ler”, no sentido convencional, assim explicita o
caderno de Alfabetização e Linguagem do Programa de Formação Continuada de
Professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL, 2008, p.50).
Para trabalharmos o ensino da leitura com letras de canções, nos inspiramos
também nos estudos de Solé (1998, p.19) acerca de estratégias de leitura a partir do
modelo interativo. Esta autora, ao tratar do ensino inicial da leitura, isto é, do que
acontece quando uma criança pequena aprende a ler, alerta que os estudos acerca
do aprendizado inicial da leitura não devem suscitar a expectativa de que primeiro se
aprende a ler e depois se aprende a compreender, mas defende a simultaneidade
desses processos.
Contudo, a etapa inicial de aprendizado da leitura apresenta especificidades
que demandam tratá-la didaticamente de modo peculiar. Por isso, o alfabetizador
precisa compreender o papel das habilidades de decodificação quando nos
referimos ao ensino da leitura das crianças de 6 e de 7 anos do 1º ano que estão
aprendendo a ler.
Os PCNLP (2001) abordam essa questão, ressaltando que é possível que a
criança não alfabetizada leia e escreva, desde que seja colocada em situações
didáticas que favoreçam a reflexão sobre o sistema alfabético de escrita e sua
correspondência fonográfica. Nessa direção, a leitura pode acontecer de duas
formas: pelo ajuste de leitura de texto que a criança sabe de cor as sequências
escritas e pela estratégia de antecipação, por meio de pistas oferecidas pelo próprio
texto.
59
Para Solé (1998, p.52), “Ler não é decodificar, mas para ler é preciso saber
decodificar.” Isto significa que a dimensão maior da leitura não reside apenas na
estratégia de decodificação de símbolos gráficos, mas na articulação entre as
estratégias de leitura que culminará na compreensão do que foi lido, sem
necessariamente seguir um processo linear. A esse respeito, esclarece a autora
supramencionada:
Durante muito tempo consideramos a atividade de ler como uma sequência, na qual o aprendiz passa por certas etapas que poderíamos caracterizar mais ou menos da seguinte maneira: 1º, a criança não sabe nada sobre a leitura (= não sabe o código); 2º a criança aprende o código (= mecanismo); 3º, a criança já pode compreender (= mistério). Esta sequência não é válida, porque1º, a criança sabe coisas relevantes sobre a leitura embora não saiba o código (= conhecimentos prévios relevantes); 2º, se a deixarmos, a criança pode se basear nestes conhecimentos para aprender a leitura (= se ensina e se aprende a compreender e se ensina e se aprende o código em atividades significativas de leitura) e 3º, a criança pode aprender a utilizar a leitura como meio de aprendizagem e de prazer (= situações de ensino especificamente dirigidas para esse fim) (SOLÉ, 1998.p. 171).
Isso significa que mediar o acesso ao sistema de escrita, visando ao processo
de construção da autonomia pessoal do leitor, pode funcionar como valioso
instrumento para facilitar a leitura e a compreensão de textos durante os anos
iniciais de escolarização. Concorre, ainda, para que ele aprenda as
correspondências que existem entre os sons da linguagem e os signos ou o conjunto
de signos gráficos – letras e conjunto de letras que representam.
Foi no clima de alegria, propício à aprendizagem, que cantamos, brincamos
de roda e, em seguida, dialogamos sobre o que entendíamos da canção Atirei o pau
o gato, como mostra o quadro 5.
Pesquisadora: De quem será o gato que aparece na canção?
Aluna D: Não é de ninguém. É da música.
Pesquisadora: Como assim? Por quê?
Aluna D: Porque é de mentirinha tia!
Aluno C: Acho que é da Dona Chica, tia!
Pesquisadora: Porque você acha que é da Dona Chica?
Aluno C: Ah! Porque é ela que tá lá na hora que o gato deu miau!
Pesquisadora: Vocês imaginam que é quem que atira o pau no gato?
60
Aluno M: Dona Chica.
Pesquisadora: Por que ela atiraria o pau no gato?
Aluno M12
: Porque ele tava aperreando ela. Para ele sair do lugar onde ele estava...
Ah! Porque ele tava incomodando.
Pesquisadora: A canção diz que o gato não morreu. O que será que pode ter
acontecido que o gato não morreu mesmo alguém atirando um pau nele?
Aluno M: Porque ele tem sete vidas... é muito esperto e correu.
Quadro 5: Diálogo sobre conteúdo temático da canção Atirei o pau no gato Fonte: Autora.
Observamos que, quando instigamos os alunos a refletir, provocamos neles o
pensamento crítico, a argumentação, além de incentivar a formação de opinião.
Verificamos que essa situação de leitura favoreceu a construção progressiva do
significado da canção Atirei o pau no gato pelos alunos a partir de comentários por
eles explicitados acerca do conteúdo temático apresentado no texto e deduções
acerca do que o texto não apresenta de forma direta, mas que estão relacionadas a
ele. Comprovamos o que Mesquita (2012) constatou em seus estudos a mediação
pedagógica deve conduzir a discussão, ao debate, e não limitar-se à socialização
das opiniões. Deve contribuir para que o aluno entenda que ler não é apenas um
processo de decodificação de palavras.
Perseguindo o propósito de desenvolver o pensamento reflexivo das crianças
para a compreensão do texto, intervimos com questionamentos que foram
levantados de acordo com as respostas apresentadas pelos alunos exatamente por
entendermos que, para ler, não basta apenas conhecer o alfabeto e decodificar
letras em sons da fala, mas sim compreender o que se lê, acionando o
conhecimento de mundo para relacioná-lo com os temas do texto, incluindo o
conhecimento de outros textos/discursos (intertextualizar), de modo a prever,
hipotetizar, inferir, comparar informações, generalizar. Um exemplo foi a resposta
dada pelo aluno M quando a pesquisadora questionou por que o gato não morreu.
Na ocasião, o aluno respondeu: Porque ele tem sete vidas... (como mostra o quadro
5). É preciso também interpretar, criticar, dialogar com o texto. Todos estes fatores
estão subsidiados na concepção sociointeracionista escolhida para fundamentar
esta experiência.
12
Presença de marcas da linguagem oral não padrão.
61
Atirei o pau no gato tô tô
Mas o gato tô tô
Não morreu reu reu
Dona Chica cá
Admirou-se se
Do berro, do berro que o gato deu:
Miau!
Quadro 6: Canção popular Fonte: Domínio público.
Na ocasião, ainda conversamos acerca do modo como os humanos se
relacionam com os animais, chamando a atenção das crianças para a questão dos
maus tratos a eles. E, assim, o assunto prosseguiu, e as crianças continuaram
compartilhando opiniões, enriquecendo seus discursos. Durante a conversa, um dos
alunos começou a cantar outra versão de Atirei o pau no gato, confirmando-se,
assim, os pressupostos da leitura na perspectiva sociointeracionista apresentados
por koch e indicados nos referenciais curriculares nacionais. Tais pressupostos
esclarecem que é possível acionar o conhecimento de mundo, relacionando-o com
os temas do texto, inclusive, o conhecimento de outros textos/discursos
(intertextualizando), comparando informações, sendo o leitor e o autor do texto
agentes que dialogam num processo de construção de significados, e a linguagem,
uma forma de interação social. As demais crianças da turma também cantaram:
Não atire o pau no gato tô, tô,
Porque isso sô, sô
Não se faz, faz, faz.
O gatinho nhô, nhô
É nosso amigo gô, gô.
Não devemos maltratar os animais.
Jamais!
Quadro 7: Versão reformulada da Cantiga popular Fonte: Domínio público.
62
Esta versão adaptada da cantiga de roda Atirei o pau no gato surgiu a partir
de um movimento que se instalou na educação, chamando a atenção dos
educadores em relação à suposta violência expressa pela canção, o que acabou
incentivando o ensino dessa outra versão: "Não atire o pau no gato, porque isso não
se faz. O gatinho é nosso amigo. Não devemos maltratar os animais". Nessa
música, a letra foi reformulada com o objetivo de torná-la politicamente correta.
Lembramos que a mudança no conteúdo temático da canção, apresentada
por um dos alunos e mostrada no quadro 7 condiz com os estudos baktinianos, em
que os gêneros textuais são modelos de “enunciados relativamente estáveis”
(BAKHTIN, 2012), ou seja, embora possuam uma configuração própria, estão
sujeitos às modificações que o intercâmbio com outros gêneros produzem, como
também às mudanças históricas, sociais, ideológicas e até mesmo tecnológicas.
Através do diálogo com os alunos, percebemos que, mais do que encantar e
envolver por seu aspecto lúdico, a canção contribuiu para que as crianças
expusessem seus pensamentos e refletissem criticamente, distinguindo o imaginário
e o real, uma vez que não se atira o pau no gato, como propõe a canção. Neste
sentido, comprova-se o que pontua Koch em seus estudos quando esclarece que,
no texto, há lugar para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos,
somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo
[...] dos participantes da interação (KOCH; ELIAS, 2011). Dito em outras palavras,
no ato da leitura, o leitor mobiliza estratégias tanto de ordem linguística como de
ordem cognitivo-discursiva em que o leitor participa ativamente da construção de
sentidos.
Depois da roda de conversa, na frente dos alunos, registramos o texto na
lousa, para que eles se familiarizassem com mais uma atividade de escrita. Em
seguida, realizamos uma primeira leitura, cantando a canção com o apoio da leitura
do texto ora escrito na lousa. Em uma segunda leitura, o texto foi lido
pausadamente, passando-se o dedo embaixo de cada palavra, com o objetivo de
mostrar aos alunos que cada palavra pronunciada estava escrita no texto e que,
entre essas palavras, havia um espaço. Com essa atividade, deu-se a oportunidade
aos alunos de perceber aspectos formais da escrita, como limites das frases, das
palavras e também que se escreve da esquerda para a direita, de cima para baixo,
ordem, início e fim de cada palavra e frase escrita.
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Com o objetivo de favorecer a utilização do domínio do texto, pelos alunos
como recurso para apropriação da base alfabética, requisito necessário para a
aprendizagem da leitura, algumas crianças foram incentivadas a encontrar no texto,
escrito na lousa, palavras ditadas pelos colegas da turma (cf registro fotográfico no
quadro abaixo).
Quadro 8: Registro fotográfico – atividade de localização
de palavras Fonte: Arquivo da autora.
Observamos que, no ato da leitura do texto escrito na lousa, uma das
crianças procurava relembrar a ordem em que a palavra fora apresentada ao ser
cantada, cantando baixinho e pausadamente, para encontrar a palavra indicada
pelos colegas. Quando se confundiu, recomeçou a leitura, sinalizando para a palavra
correta, o que a deixou muito feliz.
Depois dessa atividade de destacar as palavras, distribuímos o texto impresso
para cada um e pedimos que lessem a canção Atirei o pau no gato em voz alta,
fazendo o ajustamento ao texto escrito, buscando fazer a correspondência entre a
pauta sonora e a escrita. Cada criança recebeu uma cópia escrita da canção com
letra bastão, leu e apontou com o dedo cada palavra lida. Desta forma,
identificávamos quem já estava atento em acompanhar a canção, fazendo a relação
fonográfica. Em seguida, realizou-se o seguinte procedimento: falava-se uma
palavra que havia no texto, e as crianças eram estimuladas a encontrar e pintar.
Solicitamos também que pintassem com lápis de cor verde os espaços
existentes entre cada palavra do texto. Dessa forma continuamos, realizando outra
atividade de reconhecimento e destaque de palavras, com os seguintes comandos:
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pinte de azul a palavra que se repete; pinte de vermelho a palavra que tem o mesmo
som de pau, com o intuito de estimular o reconhecimento global de algumas
palavras, como também provocar o exercício da decodificação, o que acabou
contribuindo para a consciência fonológica das crianças, além da reflexão sobre
regularidade ortográfica, por exemplo, quando a pesquisadora solicitou que se
pintasse de vermelho a palavra que tinha o mesmo som de pau, situação em que o
Aluno L, antes de pintar, perguntou: - Tia, gato é O ou U? Observamos que ao
lançar este questionamento o aluno L o fez a partir de processos metalinguístico em
que ele reflete sobre as diferenças entre falar e escrever. A explicação dada foi que
algumas palavras que são escritas com ‘o’ no final tem som de ‘u’, são
pronunciadas, faladas com som de u.
Através da observação do comportamento leitor das crianças, pudemos
constatar estratégias que elas utilizaram para descobrir o que estava escrito, mesmo
sem saber ler convencionalmente. Apoiam-se em pistas, tais como; o som inicial e
final das palavras que é um recurso comumente utilizado pelos aprendizes, processo
este que resulta de certa consciência fonológica advinda da análise progressiva da
criança quando fixa sua atenção/reflexão na língua falada/escrita. Um exemplo é
quando propusemos a correspondência fonográfica. Sempre que a pesquisadora
ditava uma palavra, e as crianças buscavam identificá-la na canção, lendo/cantando
por meio do ajustamento do oral ao escrito. Utilizando a estratégia da decodificação,
mesmo com dificuldades ainda, elas conseguiam encontrar as palavras ditadas
conforme revela imagem apresentada no quadro abaixo.
Quadro 9: Registro fotográfico – atividade de correspondência fonográfica Fonte: Arquivo da autora.
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Corroboramos com o entendimento de Solé (1998) quando esclarece que,
mesmo reconhecendo globalmente algumas palavras, ainda há muito a ser
aprendido pela criança para que, de fato, adquira autonomia leitora. Sendo assim,
ressalta a autora que a capacidade de decodificar, caracterizada pela
correspondência entre os sons da língua e sua representação gráfica convencional,
adquire valor fundamental quando o alfabetizador coloca ao alcance da criança
situações significativas de exploração do sistema da língua escrita.
3.4 Quarto encontro 08.08.2013
Atividade proposta: Leitura do texto conhecido de memória.
Objetivos:
ler a canção e estabelecer uma relação entre o falado e o escrito;
explorar partes da canção no texto escrito para localizar palavras;
estimular a percepção e reflexão das crianças sobre certas relações
som/grafia;
ajustar o cantado ao escrito e estabelecer de forma consciente a
correspondência grafema-fonema.
Finalizar o encontro com a avaliação
Após a leitura da canção, finalizar a sequência de atividades com uma roda
de conversa para expor o que foi possível aprender, o que foi bom e o que não foi.
Noutra atividade de leitura semelhante à realizada no terceiro encontro,
constatamos que as crianças puderam perceber e refletir sobre certas relações
som/grafia, usando todo o conhecimento que tinham dos valores sonoros das letras,
sílabas ou de partes das palavras para tentar reconhecer palavras e usando
estratégias de leitura (seleção, antecipação, inferência, verificação, decodificação),
para ler sem ainda saber convencionalmente, ajustando o oral (que sabe de cor) ao
escrito diante de si. Foi o que demonstrou o aluno ao afirmar:
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Aluno Z: achei, tia, a palavra pau!
Pesquisadora: Por que você acha que aqui está escrito a palavra pau?
Aluno Z: “Ah! Porque termina com u”.
Pesquisadora: Mas, e estas palavras aqui... indicando para as palavras miau,
deu e morreu na canção... também terminam com U?
Aluno Z: Olha aqui tia... Atirei o P A U no gato tô to.
Quadro 10: Diálogo ocorrido durante a atividade de identificação de palavras Fonte: Autora.
Neste momento em que a pesquisadora problematiza, questionando o aluno
sobre a existência no texto de outras palavras também terminadas em u, o
alfabetizando retoma a canção escrita, cantando-a novamente, de modo a ajustar o
cantado ao escrito, o que favoreceu o reconhecimento global da palavra.
Constatamos que a sonoridade ajuda a lembrar do que já passou e, ao mesmo
tempo, a antecipar o que virá.
A esse respeito, Kleiman (1996) explica que o leitor iniciante usa
predominantemente o processamento ascendente, ou seja, a decifração. O aluno
que lê sílaba por sílaba terá dificuldade para lembrar o que estava no início da linha.
Ele deve, portanto, ser capaz de reconhecer instantaneamente as palavras: se a
palavra for a unidade reconhecida, ele poderá ler mais rapidamente, conseguindo,
assim, lembrar unidades passíveis de interpretação, unidades às quais podemos
atribuir significado.
Após a leitura da canção, finalizamos a sequência de atividades com uma
roda de conversa para expor o que foi possível aprender, o que foi bom e o que não
foi. Os alunos argumentaram que “foi legal brincar de roda e aprender a fazer tarefa
assim...”.
Ao trabalhar com as canções, observamos que as crianças tiveram a
oportunidade de mobilizar estratégias variadas de leitura, como a antecipação,
localização, inferência, verificação. Bem como pensar sobre a relação entre o
cantado e o escrito, de modo que puderam compreender aspectos relacionados à
natureza alfabética do nosso sistema de escrita, como também estabelecer de forma
consciente a correspondência grafema-fonema, conforme ilustrado acima na
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transcrição de trecho da atividade. As letras das canções mostram o sentido e a
função social da escrita.
De acordo com os estudos do Programa de Formação de Professores -
PROFA:
Embora os alunos não saibam ler convencionalmente, podem e devem ser colocados no papel de ‘leitores’. Para que estejam construindo a idéia de que a escrita é uma representação do falado, estabelecer uma relação entre o que é falado e que está escrito coloca problemas que ajudam a refletir sobre as partes escritas. Portanto, propor atividades de leitura utilizando textos que os alunos sabem de cor, (...) significa propor situações de aprendizagens significativas (BRASIL, 2001, p.1).
Fundamentados nestes pressupostos e nas constatações ora apresentadas,
consideramos fundamental trabalhar o ensino da leitura com textos conhecidos de
memória pelas crianças porque, com este trabalho pedagógico, favorece-se o
estabelecimento de correspondências entre o falado e o escrito, possibilitando,
assim, o uso de antecipações e inferências desde o início da aprendizagem da
leitura.
Ao trabalhar com o ensino da leitura nesta perspectiva interacionista, é
possível desenvolver o gosto pela leitura com uma aprendizagem prazerosa através
do cantar e brincar, como também se colabora para que as crianças pensem sobre o
funcionamento do sistema de escrita alfabética, uma vez que é possível que
observem e reflitam sobre a segmentação das palavras e sua grafia.
A criança, quando é levada a relacionar leitura e escrita com as práticas
sociais e com o prazer de aprender a ler e escrever, participando de atividades
prazerosas, lúdicas e diferenciadas, consegue estar completamente envolvida com
esses dois processos e compreende a utilização das diversas funções da linguagem
escrita, por isso, as metodologias de ensino da leitura, fundamentadas na
perspectiva sociointeracionista, são enriquecedoras para o trabalho docente.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo, que tomamos como eixo temático: Ensino da leitura com letras
de canções na alfabetização, não apresenta propostas definitivas, únicas para os
desafios que a prática na alfabetização impõe e o processo de ensino da leitura
demanda. A intenção é, principalmente, contribuir para a reflexão sobre as
alternativas que o ensino da leitura, mediado com o gênero canção, pode oferecer.
Alguns resultados deste estudo apontam para a possibilidade de trabalhos futuros
para maior aprofundamento acerca do tema, pois ainda podem ser elaboradas
outras atividades.
Destacamos que a competência de ler e de escrever colabora,
consideravelmente, para a constituição do cidadão crítico, participativo e autônomo.
A escola, enquanto instituição responsável pelo desenvolvimento da capacidade de
ler e escrever, dever priorizar a importância de trabalhar em sala de aula, de
apresentar a seus alunos, “textos reais”, que façam parte da vida dos educandos,
textos que favoreçam a compreensão das funções da leitura na vida de cada um e
da sociedade.
Com o conhecimento atualmente disponível a respeito do processo de leitura,
indica-se que não se deve ensinar a ler através de práticas centradas na
decodificação, mas pelo contrário: é preciso oferecer aos alunos inúmeras
oportunidades de aprenderem a ler usando os procedimentos que os bons leitores
utilizam. É preciso que estes antecipem, que façam inferências a partir do contexto
ou do conhecimento prévio que possuem que verifiquem suas suposições.
A mediação da aprendizagem e o processo de leitura do gênero textual
canção aqui foram tratados, a partir de alguns princípios:
a) Uma concepção sociointeracionista que toma a língua como uma
atividade sócio-histórica, considerada como um “sistema de práticas
sociais e históricas sensíveis à realidade sobre a qual atua”
(MARCUSCHI, 2008, p. 61), que tem como centro a interação verbal, a
interlocução entre os sujeitos.
b) Alfabetização na perspectiva do Letramento, quando a Alfabetização é
considerada como a ação de ensinar/aprender a ler e a escrever, porém
inserida nas práticas de Letramento em que o sujeito faz uso social da
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leitura e da escrita, ou seja, exerce as práticas sociais que usam a leitura
e a escrita.
E, com base nestes princípios, é possível tecer algumas considerações. De
acordo com o desenvolvimento da sequência de atividades propostas neste estudo
com a canção Atirei o pau no gato, evidenciamos que a utilização de um gênero
textual já conhecido pela maioria dos alunos da turma tenha sido fator importante na
obtenção dos resultados. As crianças puderam compreender aspectos relacionados
à natureza alfabética do nosso sistema de escrita, como também estabelecer de
forma consciente a correspondência grafema-fonema. Para isso, as crianças
puderam buscar indicadores disponíveis no texto escrito quando focalizaram a
sonoridade da linguagem presente na canção como: ritmo, rima, repetições,
permitindo, assim, a elas localizar o que diz a canção em cada linha.
Constatamos também, no desenvolvimento das atividades, que a sonoridade
ajuda a lembrar o que já passou, e ao mesmo tempo, a antecipar o que virá. A esse
respeito, Kleiman (1996, p.36) explica que o leitor iniciante usa predominantemente
o processamento ascendente, ou seja, a decifração. O aluno que lê sílaba por sílaba
terá dificuldade para lembrar o que estava no início da linha. Ele deve, portanto, ser
capaz de reconhecer instantaneamente as palavras: se a palavra for a unidade
reconhecida, ele poderá ler mais rapidamente, conseguindo, assim, lembrar
unidades passíveis de interpretação, unidades às quais podemos atribuir significado.
Verificamos que, ao adotar um gênero para conseguir determinado objetivo
pedagógico, não o desvinculando do objetivo comunicativo que o produziu, ou seja,
significa reconhecer que ele tendo uma forma e uma função determinadas, pode-se
dar conta de uma ação social que se pretenda empreender através da linguagem.
No caso da nossa experiência ora apresentada, identificamos que o trabalho com as
canções na escola, especificamente com o 1º ano, além de contribuir como uma
forma de aproximação das crianças com a cultura popular através deste gênero oral,
possibilita a socialização do conhecimento linguístico armazenado na memória das
crianças. Por isso, favorece o ensino e aprendizado significativo da leitura,
resultando simultaneamente na aprendizagem de diferentes habilidades, tais como:
domínio da “mecânica da leitura”, que implica a transformação dos signos escritos
em informações e formação do leitor enquanto sujeito que lê para atender a
diferentes finalidades, fazendo-o com prazer.
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