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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGA
DEPARTAMENTO DE FISICA
Dissertacao de Mestrado
Desenvolvimento do Conceito de Difusao:
De Fourier ao Modelo de Pente
Angel Akio Tateishi
Orientador: Prof. Dr. Ervin Kaminski Lenzi
Maringa, Setembro de 2010.
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGA
DEPARTAMENTO DE FISICA
Dissertacao de Mestrado
Desenvolvimento do Conceito de Difusao:
De Fourier ao Modelo de Pente
Angel Akio Tateishi
Dissertacao de Mestrado
submetida ao Departamento de
Fsica da Universidade Estadual
de Maringa.
Orientador: Prof. Dr. Ervin Kaminski Lenzi
Maringa, Setembro de 2010.
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SOLA SCRIPTURA,
SOLA GRATIA,
SOLA FIDE.
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Fusao, difusao, confusao...
(Captulo LXXIX do livro Esau e Jaco de Machado de Assis)
Era um espetaculo misterioso, vago, obscuro, em que as figuras
visveis se faziam impalpaveis, o dobrado ficava unico, o unico
desdobrado, uma fusao, uma confusao, uma difusao...
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Agradecimentos
Agradeco aos meus pais, Joanita e Aldo, a minha irma Adriana e aos demais familiares
por tudo o que sempre fizeram por mim e pelos meus estudos.
Agradeco aos meus amigos: Alessandro Motter, Alexandre Bandeira, Andre Pasqual,
Eduardo Chielle, Glaydson Freire, Klaus Kowalski, Jean C. Castanho, Joshua Morales
Ullion, Maike Krauser, Miguel Moralles Ullion Junior, Thalisson Piccinato, Thiago Ca-
valcanti, Thiago Sepp, Rafael Baez e Roberto M. Marinho, pela amizade e pelos tempos
de ocio criativo.
Agradeco ao professor Ervin pela oportunidade, paciencia e tempo dedicado para a
orientacao deste trabalho. Agradeco tambem os professores Malacarne, Perseu, Renato e
especialmente o professor Renio, para o qual estudo e diversao sao sempre sinonimos.
Agradeco aos meus inicialmente colegas e agora amigos Roberto Rossato e Rodolfo T.
de Souza pela companhia nos estudos. Em especial agradeco ao meu amigo Haroldo V.
Ribeiro que sempre me motivou a continuar estudando fsica.
Grato sou a Karin Schmidt pela paciencia, companheirismo e por me mostrar que a
felicidade literalmente mora ao lado.
Agradeco o suporte financeiro provido pela Capes e ao Departamento de Fsica da
Universidade Estadual de Maringa por tornar este trabalho possvel.
Por fim, sou muito grato a Deus pela minha vida e por sempre te-la guiado atraves de
seus caminhos, nos quais eu sempre encontrei boas pessoas, algumas das quais eu agradeci
anteriormente.
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ResumoEste trabalho esta divido em duas partes. A primeira esta focada no estudo dos
trabalhos seminais que estao relacionados com as origens do conceito de difusao na fsica,
por exemplo, os trabalhos de Fourier, Einstein, Brown, Rayleigh, entre outros. Na segunda
parte estudamos as origens e as definicoes da difusao anomala. Tambem mostramos
alguns metodos matematicos para obter o comportamento difusivo anomalo. Finalmente,
investigamos as solucoes, utilizando o metodo da funcao de Green, para um sistema
governado por uma equacao de Fokker-Planck que esta relacionada com o modelo de
pente. Para este sistema, consideramos um condicao inicial arbitraria, na presenca de
coeficientes de difusao dependentes do tempo e derivada espacial fracionaria, e analisamos
a conexao com a difusao anomala.
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AbstractThe present work is divided into two parts. The first one is focused on the study of
the seminal works which are related with the origins of the diffusion concept in physics,
for instance, the works of Fourier, Einstein, Brown, Rayleigh, Fick, among others. In the
second part we studied the origins and the definitions of the anomalous diffusion. We
also showed some mathematical approaches to obtain the anomalous diffusive behavior.
Finally, we investigate solutions, by using the Green function approach, for a system go-
verned by a non-Markovian Fokker-Planck equation that are related to the comb model.
For this system, we consider an arbitrary initial condition, in the presence of time depen-
dent diffusion coefficients and spatial fractional derivative, and analyze the connection to
the anomalous diffusion.
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Sumario
Resumo 4
Abstract 5
Introducao 8
I Um passeio nao aleatorio pela historia da difusao 13
1 O mundo macroscopico 14
1.1 O legado de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2 Thomas Graham - Difusao em gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.3 Adolph Eugen Fick - Leis fenomenologicas da difusao . . . . . . . . . . . . 19
1.4 William Chandler Roberts-Austen - Difusao em solidos . . . . . . . . . . . 21
2 O mundo probabilstico 24
2.1 Pierre-Simon de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.2 Thorvald Nicolai Thiele . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.3 Lord Rayleigh . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.4 Francis Ysidro Edgeworth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.5 Louis Jean-Baptiste Alphonse Bachelier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.6 Karl Pearson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3 O mundo microscopico 34
3.1 Robert Brown . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.2 Albert Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.3 Marian Smoluchowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.4 Paul Langevin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.5 Adriaan Daniel Fokker . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
4 Formalismo 49
4.1 Passeio Aleatorio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.2 Equacao de Fokker-Planck . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
6
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II Difusao nao-usual ou difusao anomala 59
5 Classificacoes da difusao anomala 60
5.1 Superdifusao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
5.2 Subdifusao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
6 Os caminhos da difusao anomala 64
6.1 O caminho turbulento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
6.2 O caminho estocastico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
6.3 O caminho nao extensivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
6.4 O caminho de ordem real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
7 Modelo de Pente 73
7.1 O Bebado e a Formiga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
7.2 A equacao de difusao para o modelo de pente . . . . . . . . . . . . . . . . 75
7.3 Generalizacao da equacao de difusao para o modelo de pente . . . . . . . . 79
Conclusoes 91
Apendice 93
Referencias Bibliograficas 95
7
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Introducao
Uma pesquisa etimologica da o vocabulo difusao como originario do latim diffusionem,
que e a forma acusativa de diffusio, sendo que tais palavras estao associadas ao verbo
latino diffundere, composto pelo prefixo dif (separar, em todas as direcoes ) + fundere
(derramar, espalhar). Portanto, difusao remete a ideia de algo que se dispersa, que se
expande ou que se espalha. Uma vez conhecida esta definicao etimologica da palavra
difusao, e natural que surjam as seguintes indagacoes: O que e difusao? Para que serve?
E qual a sua importancia?
Existem diversas possveis respostas para tais perguntas, entretanto as mais convin-
centes sao as que estao relacionadas de maneira intrnseca com os seres vivos. Em con-
cordancia com isso, uma resposta almejada e dada pela fisiologia (ramo da biologia que
estuda as funcoes e os processos vitais dos organismos vivos ou de suas partes e orgaos), na
qual o processo de difusao e, de maneira sucinta, definido como o movimento espontaneo
das moleculas ao longo de um gradiente, que pode ser de concentracao, de potencial
qumico ou de pressao (por exemplo), isto e, de uma regiao com alta concentracao para
uma de baixa concentracao com o objetivo de alcancar o equilbrio, sendo que este pro-
cesso e essencial para o funcionamento e manutencao das celulas vivas. Por exemplo, nas
plantas vasculares a difusao e usada no fluxo de transpiracao estomatica, que consiste na
sada do vapor de agua da planta atraves dos estomatos localizados nas folhas, sendo que
isto ocorre devido a maior concentracao de agua dentro da planta do que no ambiente
externo com baixa umidade atmosferica. Nas especies de plantas nao vasculares, a res-
piracao ocorre por meio do processo de difusao de gases. Nos seres humanos e animais
em geral, o fenomeno da difusao (causado pelas diferencas de concentracao entre CO2 e
O2) tambem e essencial para que seja possvel ocorrer o processo respiratorio.
Alem de respirar, e necessario que os diferentes tipos de celulas especializadas (que
formam os diversos orgaos do corpo humano) saibam especificamente o que fazer e como
fazer e e devido ao sistema nervoso, atraves dos impulsos nervosos, que as informacoes sao
conduzidas ate as celulas. O sistema nervoso nao so e responsavel por mandar informacoes,
como tambem e responsavel por decodificar as informacoes que os orgaos sensoriais rece-
bem do ambiente. Nesse contexto o fenomeno da difusao tambem desempenha um papel
muito importante que sera elucidado a seguir. Os neuronios conduzem informacao por
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meio de um sinal eletrico denominado impulso nervoso (ou potencial de acao), que ocorre
devido a uma diferenca de potencial eletrico entre o meio intracelular do neuronio e o
meio extracelular. As celulas neuronais possuem a capacidade de mudar a carga eletrica
intracelular, assim o potencial de acao e um processo de polarizacao, despolarizacao e
repolarizacao. Sendo a difusao simples de cations de Na+ essencial para que ocorra a des-
polarizacao e a repolarizacao do neuronio, e consequentemente para que o sistema nervoso
funcione de maneira eficaz.
Ate o momento o conceito de difusao abordado foi relacionado as estruturas que
compoem os seres humanos, as celulas. No entanto, transitando para o nvel macroscopico,
tambem existe uma estrutura que as relacoes e interacoes complexas entre as pessoas for-
mam, denominada de sociedade. Sendo a natureza, as causas e os efeitos dessas relacoes
e interacoes os objetos de estudo da sociologia, ciencia humana na qual foi desenvolvido o
conceito de difusao cultural processo, na dinamica cultural, em que os elementos (tracos)
ou complexos culturais se difundem de uma sociedade para outra. Atualmente o processo
difusao cultural acontece principalmente devido aos meios de comunicacao. Fazendo uso
de um jargao, e possvel dizer que hoje nao existem mais fronteiras geograficas para o co-
nhecimento, resultando assim em outro processo bastante conhecido, a globalizacao. No
entanto, se hoje a difusao cultural promove a chamada globalizacao, para alguns econo-
mistas [1, 2] durante o processo historico de formacao das nacoes a capacidade de difundir
cultura e de assimilar cultura (inovacoes cientficas, tecnologicas, filosoficas, etc.) e res-
ponsavel pelo surgimento de diferentes tipos de desenvolvimentos economicos, originando
as nacoes ricas e as nacoes pobres.
Os exemplos precedentes, apesar de poucos, sao suficientes para demonstrar de forma
breve o quao importante e o processo de difusao (desde as celulas ate a sociedade) e de
fato seria possvel discorrer por muitas paginas sobre o conceito de difusao em diferentes
contextos, contudo, o objetivo deste trabalho e o estudo do desenvolvimento do conceito
de difusao na fsica, que e a ciencia que faz uso da rigorosidade da linguagem matematica
para tentar compreender e descrever a natureza. Dentro dessa linguagem matematica
destacamos as equacoes diferenciais e as palavras de Richard P. Feynman [3] sobre elas:
There is only one precise way of presenting the laws, and that is by means of diffe-
rential equations. They have the advantage of being fundamental and, so far as we know,
precise.
Consoante a isto, este trabalho versara sobre a equacao diferencial parcial de difusao, com
um enfoque tanto nas origens historicas quanto nas extensoes/generalizacoes e solucoes
matematicas, e em relacao a estrutura, este trabalho esta dividido em duas partes.
Na primeira parte apresentamos um estudo historico direto das fontes originais (sem-
pre que foi possvel o acesso aos manuscritos) de alguns trabalhos que sao considerados
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essenciais no desenvolvimento tanto do conceito de difusao quanto das terminologias que
sao utilizadas atualmente. A motivacao para tal pesquisa e simples: nao e preciso ser
especialista em construcao civil para saber que quanto maior a edificacao, mais solida e
profunda dever ser a base sobre a qual esta sera construda; analogamente isto ocorre
na construcao do conhecimento, pois quanto mais profundo e solido for o nosso
entendimento sobre os fundamentos de determinado assunto maior sera a possibilidade
de podermos contribuir de forma significativa no seu desenvolvimento.
No captulo 1 discorremos sobre a difusao macroscopica, isto e, a difusao na materia.
Inicialmente abordamos o legado de Fourier (1822), que rigorosamente obteve equacao
diferencial parcial hiperbolica para descrever a conducao de calor em solidos, alem de
criar novos metodos matematicos para soluciona-la. Na secao seguinte, relatamos as
pesquisas pioneiras de Thomas Graham sobre difusao em gases (1833). Em seguida,
dedicamos uma secao aos trabalhos de Adolph Fick sobre a difusao em lquidos, de onde
sao oriundas as leis fenomenologicas da difusao (baseadas na analogia com a equacao
de calor de Fourier), conhecidas como leis de Fick. Por fim, na ultima secao tratamos
da difusao entre compostos solidos, com destaque para as pesquisas de Roberts-Austen
(1896).
A difusao de probabilidade e o assunto do segundo captulo, no qual a secao inicial
trata dos trabalhos pioneiros de Laplace sobre variaveis aleatorias. Nas secoes posterio-
res, respectivamente sobre Thiele (1880), Rayleigh (1880), Edgeworth (1883) e Bachelier
(1900), mostramos como cada um destes notaveis pesquisadores, de maneira totalmente
independente, obtiveram a equacao de difusao de probabilidade, que e analoga a equacao
da conducao de calor de Fourier. Na secao final dedicamos alguns paragrafos para elucidar
a origem do termo Random Walk e tambem o motivo pelo qual muitos o relacionam
com o andar de um bebado.
O terceiro captulo e dedicado ao mundo microscopico e referente a este tema o
iniciamos com uma secao sobre o trabalho de Robert Brown, com a finalidade de desmis-
tificarmos o movimento Browniano, ou seja, demonstrar como se desenvolveu a pesquisa
deste botanico escoces e por quais motivos esta se tornou importante para a fsica es-
tatstica. Nas secoes subsequentes tratamos, respectivamente, dos trabalhos de Einstein,
Smoluchowski e Langevin, mostrando o metodo que cada um propos para explicar o mo-
vimento Browniano. E valido ressaltar que quando tratamos de sistemas microscopicos,
compostos por inumeros elementos, nao determinamos especificamente onde se encontra
uma partcula (por exemplo), mas e possvel determinar a probabilidade de encontra-la
em um algum lugar. Portanto, saber como a probabilidade de um dado sistema se difunde
com o tempo, isto e, obter a funcao distribuicao de probabilidade, pode ser muito util
para compreende-lo.
Ainda na primeira parte, diferentemente dos captulos precedentes, o quarto captulo
tem como objetivo uma abordagem matematica mais rigorosa. Assim, na primeira secao
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demonstramos como e possvel obter a equacao de difusao partindo de um passeio aleatorio
e na segunda secao obtemos a Equacao de Fokker-Planck partindo da equacao de Chapman-
Kolmogorov.
Difusao anomala, este e o tema sobre o qual dedicamos a segunda parte deste trabalho.
Na primeira parte estudamos as origens da equacao de difusao e e muito frequente que o
que venha primeiro seja considerado como padrao, como usual, como referencia e isto nao
ocorre somente nas ciencias exatas, consideremos por exemplo o caso das artes (musica,
literatura, etc.). Tambem e natural que as coisas que fogem do padrao sejam destacadas,
muitas vezes criticadas, atraiam a atencao e despertem interesse. Desta forma os processo
difusivos que nao correspondem ao que e considerado usual, normal foram e sao fontes
fecundas da investigacao cientfica.
Assim no quinto captulo abordamos os trabalhos de Richardson (1926), Scher e Mon-
troll (1975), que foram pioneiros em tratar teoricamente de sistemas cuja a difusao nao
correspondia a usual e a partir destes definimos formalmente o que e considerado difusao
normal e consequentemente o que e difusao anomala (e suas classificacoes).
Uma vez definido o que e normal e o que e anomalo (no caso da difusao) e necessario
compreender o que causa determinada anomalia no processo difusivo, isto e, devemos sa-
ber os caminhos da difusao anomala e no sexto captulo de maneira breve apresentamos
alguns desses caminhos, que normalmente sao extensoes ou generalizacoes dos caminhos
da difusao usual. Por motivos historicos a secao inicial e dedicada a extensao da equacao
de difusao proposta para sistemas turbulentos, cujo precursor foi Richardson. Em seguida,
dedicamos uma secao para o estudo do passeio aleatorio e as possveis modificacoes nas
distribuicoes do tempo de espera e comprimento dos passos que resultam em processos
difusivos anomalos. Na secao seguinte mostramos o caminho proposto por Tsallis e Buck-
man, no qual a difusao anomala surge como consequencia da generalizacao da entropia
proposta por Tsallis [106, 106]. Na secao que encerra este captulo discorremos sobre a
equacao de difusao fracionaria, que desde a decada de 1990 tem sido amplamente utilizada
para descrever fenomenos difusivos nao usuais em distintos sistemas.
Do primeiro captulo ate o sexto apenas realizamos um estudo de trabalhos que for-
necem uma boa compreensao do conceito de difusao, tanto usual como da anomala, ou
seja, ate aqui nao existe nada de novo. Contudo, estes seis captulos iniciais servem de
base para uma melhor compreensao do ultimo captulo, que consideramos o mais impor-
tante deste trabalho, pois neste, de fato apresentamos um trabalho proposto e realizado
por nos, que e a obtencao de solucoes analticas para uma generalizacao da equacao de
difusao do modelo de pente. Desta forma, o setimo captulo e dedicado ao estudo do
modelo de pente e a sua respectiva equacao de difusao, sendo este um modelo relacionado
com o estudo de propriedades de transporte em estruturas nao-homogeneas, para o qual
e possvel obter solucoes exatas para a equacao de difusao correspondente e tais solucoes
remetem a difusao anomala. Na primeira secao investigamos as origens deste modelo,
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que e oriundo dos estudos sobre clusters de percolacao e tambem procuramos definir de
maneira simples a origem da denominacao modelo de pente, alem de outras nomenclatu-
ras que lhe sao referentes. Na secao subsequente investigamos de forma detalhada como
foi proposta a equacao de difusao para o modelo de pente e alem disso realizamos uma
breve revisao dos trabalhos que abordam tal equacao. Na ultima secao propomos uma
generalizacao da equacao de difusao para o modelo de pente e obtemos as solucoes exatas
para tres casos: i) derivadas de ordem inteira, ii) coeficientes dependentes do tempo e iii)
dependencia temporal dos coeficientes juntamente com a derivada fracionaria no espaco.
Tais solucoes e as respectivas discussoes sao baseadas nos resultados obtidos em [4], que
demonstram que a difusao anomala e intrnseca a este modelo, ou seja, tambem e um dos
caminhos para a difusao anomala. Para finalizar apresentamos nossas conclusoes gerais
sobre o conteudo aqui pesquisado e tambem as possveis direcoes nas quais pretendemos
continuar nossas pesquisas.
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Parte I
Um passeio nao aleatorio pela
historia da difusao
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Captulo 1
O mundo macroscopico
1.1 O legado de Fourier
Figura 1.1: Joseph Fourier por Louis
Reybaud, Histoire de lexpedition
francaise en Egypte (Paris 1830-36) v.
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Para iniciar o estudo sobre o desenvolvimento
do conceito de difusao na fsica o ponto de partida
escolhido foi a expedicao cientfica de Napoleao Bo-
naparte ao Egito em 1798. Nesta expedicao cerca de
cento e cinquenta savants - cientistas, engenheiros e
estudiosos academicos, acompanharam Bonaparte e
suas tropas militares. Dentre esses eruditos estava
o matematico Jean Baptiste Joseph Fourier, que foi
um dos tres membros da Comissao de Ciencias e Ar-
tes, comissao responsavel por selecionar os estudio-
sos que foram ao Egito. Posteriormente, Fourier foi
nomeado secretario perpetuo do recem formado Ins-
titut dEgypte1 e segundo Narasimhan [5], no Egito
Fourier atuou em cargos administrativos e judiciais.
Em 1799 foi nomeado lder de uma expedicao ci-
entfica com o intuito de investigar monumentos e
inscricoes no Alto Egito. Em novembro de 1801, re-
tornou para a Franca apos a retirada das tropas francesas do Egito sendo entao nomeado
por Napoleao como prefeito do departamento2 de Isere, proximo a fronteira com a Italia,
cuja capital e Grenoble.
Apesar dos encargos burocraticos, durante seu mandato como prefeito Fourier dedicou-
1Instituto cientfico baseado no Instituto Nacional da Franca, principal sociedade cientfica da Francapos-revolucionaria, da qual Bonaparte era membro.
2A Republica Francesa e divida em 26 regioes administrativas, sendo estas regioes subdivididas emdepartamentos.
14
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se a dois trabalhos academicos completamente distintos. Um estava relacionado com a
organizacao e publicacao dos resultados da expedicao cientfica ao Egito, resultando em
varios volumes da obra Description de lEgypte, que viria a se tornar a base para o
desenvolvimento da egiptologia. E o outro foi um trabalho de muita importancia para o
desenvolvimento da fsica-matematica, Theorie de la Propagation de la Chaleaur dans les
Solides (Teoria da Propagacao de Calor em Solidos). Neste trabalho Fourier descreve o
processo transiente da conducao de calor em termos de uma equacao diferencial parcial
parabolica, que de acordo com a notacao por ele utilizada, e dada por
dT
dt=
K
CD
[d2T
dx2+d2T
dy2+d2T
dz2
], (1.1)
sendo T a temperatura; t o tempo; K a condutividade termica; C o calor especfico;
D a densidade do solido; e x y e z as coordenadas espaciais. Para resolver tal equacao
Fourier considerou corpos solidos simetricos com superfcies bem definidas - cubo, cilindro
e esfera - consequentemente desenvolvendo novos metodos matematicos. O que Fourier
fez foi aplicar o metodo de separacao de variaveis obtendo solucoes em termos de series
trigonometricas infinitas. Alem disso, ele tambem gerou solucoes na forma de integrais
que posteriormente viriam a ser conhecidas como integrais de Fourier.
O manuscrito deste trabalho foi submetido a Academia Francesa no ano de 1807, sendo
o comite avaliador composto por Lacroix, Monge, Lagrange e Laplace. O trabalho nao foi
muito bem recebido, particularmente por Lagrange e Laplace, pois Fourier obteve solucoes
em termos de series trigonometricas infinitas e a oposicao destes revisores a estes tipos
de series estava baseada em razoes puramente matematicas: convergencia e periodicidade
algebrica. Possivelmente influenciado por Laplace, Fourier estendeu seus estudos para
domnios infinitos, nos quais a difusao estava submetida simplesmente pelas condicoes
iniciais. Os estudos de Fourier sobre a conducao do calor chegaram ao conhecimento da
comunidade cientfica somente em 1822, quando publicou a sua grande contribuicao para
a fsica, Theorie Analytique de la Chaleur [6] (Teoria Analtica do Calor).
Inicialmente Fourier tentou formular sua teoria para a conducao de calor como um
problema de n corpos, decorrente da filosofia Laplaciana de acao a distancia entre os
corpos, ou seja, tentou utilizar a teoria mais em evidencia na epoca, a mecanica racional.
Entretanto, como ele mesmo diz nos discursos preliminares da obra Theorie Analytique
de la Chaleur :
Mais quelle que soit letendue des theories mecaniques, elles ne sappliquent point aux
effets de chaleur. Ils composent un ordre special de phenomenes que ne peuvent sexpliquer
par les principes du mouvement et de lequilibre. 3
3Mas qualquer que seja a extensao das teorias mecanicas, elas nao se aplicam aos efeitos do calor. Elescompoem uma ordem especial de fenomenos que nao podem ser explicados pelos princpios do movimento
15
-
Desta maneira, Fourier teria que encontrar um novo caminho para formular a teoria da
conducao do calor e isto conseguiu combinando notaveis conhecimentos em matematica
pura com observacoes empricas do comportamento macroscopico da materia. Alem de
propor novos metodos de analise matematica, o trabalho de Fourier elucida muito bem
o que e fazer fsica e sobre a importancia da observacao dos fenomenos da natureza e a
descricao matematica destes, ele ressalta:
Letude approfondie de la nature est la source la plus feconde des decouvertes mathema-
tiques. Non seulement cette etude, en offrant aux recherches un but determine, a lavantage
dexclure les questions vagues et les calculs sans issue; elle est encore un moyen assure de
former lanalyse elle-meme, et den decouvrir les elements quil nous importe le plus de
connaitre, et que cette science doit toujours conserver: ces elements fondamentaux sont
ceux qui se reproduisent dans tous les effets naturels. 4
Por meio da observacao do comportamento do calor em corpos solidos Fourier bus-
cou distinguir e definir as propriedades basicas que determinam a acao do calor. Apos
um longo estudo emprico concluiu que para realizar a analise matematica dos variados
movimentos do calor e suficiente considerar tres observacoes fundamentais, isto e, que os
corpos possuem as seguintes faculdades:
conter o calor;
receber ou transmitir calor atraves de suas superfcies;
conduzir o calor no interior da materia.
Entao rompendo com as convencoes da epoca e evitando a discussao sobre a natureza do
calor, considerou os solidos como meios contnuos nos quais o calor se propaga por meio
de conducao. Em vez de assumir que a temperatura em algum ponto do solido depende
de todos os pontos da vizinhanca, Fourier assumiu que a temperatura de um elemento
infinitesimal depende somente das condicoes dos elementos imediatamente adjacentes a
ele, ou seja, os seus primeiros vizinhos, por conseguinte formulando o problema da difusao
do calor no contnuo por meio de uma equacao diferencial parcial e das condicoes iniciais
e de contorno, conhecida como equacao da conducao de calor transiente. A transcricao,
a seguir, de um paragrafo do trabalho de Fourier explica de forma simples como ocorre
e do equilbrio.4O estudo aprofundado da natureza e a fonte mais fecunda das descobertas matematicas. Nao so-
mente este estudo, que oferece buscas para uma finalidade especfica, tem a vantagem de excluir perguntasvagas e calculos sem fim, e ainda uma maneira certa de formar a propria analise, e para descobrir elemen-tos que nos sao os mais importantes de se conhecer, e que a ciencia deve sempre manter: Os elementosfundamentais sao aqueles que se reproduzem todos os efeitos naturais.
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processo fsico da propagacao de calor e tambem, deixa claro que se trata do que atual-
mente e conhecido como problema de contorno:
Lorsque la chaleur est inegalement distribuee entre les differents points dune masse
solide, elle tend a se mettre en equilibre, et passe lentement des parties plus echauffees
dans celles qui sont moins; en meme temps elle se dissipe par la surface, et se perd dans
le milieu ou dans le vide. Cette tendance a une distribution uniforme, et cette emission
spontanee qui sopere a la surface des corps, changent continuellement la temperature des
differents points. La question de la propagation de la chaleur consiste a determiner quelle
est la temperature de chaque point dun corps a un instant donne, en supposant que les
temperatures initiales sont connues.5
Para uma melhor compreensao do trabalho de Fourier, ou seja, os motivos que o influ-
enciaram a estudar a propagacao do calor, alem de uma bela apologia a fsica-matematica,
eis as palavras do proprio autor:
Les effets de la chaleur sont assujetis a des lois constantes que lon ne peut decouvrir
sans le secours de lanalyse mathematique. La Theorie que nous allons exposer a pour
objet de demontrer ces lois; elle reduit toutes les recherches physiques, sur la propaga-
tion de la chaleur, a des questions de calcul integral dont les elemens sont donnes par
lexperience. Aucun sujet na des rapports plus etendus avec les progres de lindustrie et
ceux des sciences naturelles; car laction de la chaleur est toujours present, elle penetre
tous les corps et les espaces, elle influe sur les procedes des arts, et concourt a tous les
phenomenes de lunivers.6
A influencia deste trabalho de Fourier ocorreu em dois caminhos distintos segundo [5]:
Fsicos experimentais em eletricidade, difusao qumica e fluxo de fluidos em materi-ais porosos interpretaram seus experimentos fazendo analogias com a fenomeno da
conducao de calor.
5Quando o calor e distribudo de forma desigual entre os diferentes pontos de uma massa solida,ele tende a alcancar o equilbrio, e passa lentamente das partes mais aquecidas para aquelas que saomenos; ao mesmo tempo ele se dissipa pela superfcie, e se perde no meio ou no vacuo. Esta tendenciapara uma distribuicao uniforme, e esta emissao espontanea que ocorre na superfcie do corpo, mudandocontinuamente a temperatura de pontos diferentes. A questao da propagacao do calor e determinar atemperatura de cada ponto de um corpo em um dado momento, assumindo que as temperaturas iniciaissao conhecidas.
6Os efeitos sao sujeitos a leis constantes que nao podem ser descobertas sem o auxlio da analisematematica. A teoria de que vamos apresentar tem como objetivo demonstrar essas leis, que reduztodos as pesquisas fsicas sobre a propagacao do calor, a questoes de calculo integral, cujos elementossao dados pela experiencia. Nenhum assunto possui relacao mais extensa com o progresso da industriae os interesses da ciencia natural; pois a acao do calor e sempre presente, ele penetra todos os corpos eespacos, influencia os processos das artes, e contribui para todos os fenomenos do universo.
17
-
Pesquisadores em outros campos tais como mecanica estatstica e teoria da proba-bilidade indiretamente estabeleceram conexoes com a equacao de conducao de calor
reconhecendo similaridades entre o comportamento de seus sistemas e as solucoes
matematicas da equacao de conducao de calor.
De fato, a equacao de calor de Fourier continua constituindo o fundamento conceitual
no qual se baseia a analise de muitos sistemas fsicos, biologicos e sociais.
1.2 Thomas Graham - Difusao em gases
O primeiro estudo sistematico sobre difusao foi realizado pelo qumico Thomas Graham
(1805-1869). Nasceu em Glasgow na Escocia e e considerado como o principal qumico
de sua geracao, pois Graham alem de ser o inventor da dialise, que ele definiu como um
metodo de separacao por difusao atraves de uma membrana (1854), e tambem frequente-
mente chamado de Pai da qumica coloidal [7]. A sua pesquisa sobre difusao de gases foi
realizada entre os anos de 1828 e 1833, cujos resultados foram publicados na Philosophical
Magazine em 1833. No que se refere aos resultados de seus estudos sobre a miscibilidade
dos gases Graham escreveu [8]:
Figura 1.2: Thomas GrahamRealizou
os primeiros estudos sistematicos sobre
difusao.
the experimental information we possesson the subject amounts to little more than the
well established fact, that gases of different na-
ture, when brought into contact, do not arrange
themselves according to their density, the hea-
viest undermost, and the higher uppermost, but
they spontaneously diffuse, mutually and equally,
through each other, and so remain in the inti-
mate state of mixture for any lenght of time.
Graham demonstrou experimentalmente que a
taxa na qual cada um dos gases difunde e inversa-
mente proporcional a raiz quadrada de suas respec-
tivas densidades. Esta observacao e conhecida como
lei de Graham. Posteriormente, tambem realizou pesquisas sobre a difusao em lquidos e
em 1850 apresentou sua Bakerian Lecture7 intitulada On the Diffusion of Liquids, no qual
7Bakerian Lecture e uma palestra premio devotada as ciencias fsicas. E patrocinada pela RoyalSociety e ocorre desde 1775.
18
-
expos dados sobre a difusibilidade de uma variedade de solutos e solventes. Apesar da ri-
queza dos dados coletados, Graham nao tentou obter a partir destes uma lei fundamental
do processo de difusao em lquidos.
1.3 Adolph Eugen Fick - Leis fenomenologicas da di-
fusao
Figura 1.3: Adolph Fick Propos o
que conhecemos hoje como leis de Fick
da difusao.
Em 1855 o fisiologista alemao Adolf Eugen Fick,
com 26 anos, publicou seu primeiro artigo nas
ciencias fsicas. Uber Diffusion [9] foi publicado
enquanto Fick estava trabalhando com seu orienta-
dor e amigo Carl Ludwig na Universidade de Zuri-
que. No entanto, antes de discorrer sobre os detalhes
deste trabalho - que e um dos pilares do desenvolvi-
mento do conceito de difusao - e valido dedicarmos
algumas linhas a este grande cientista. Antes de in-
gressar na faculdade de medicina em Berlin, cursou
dois anos de fsica na universidade de Marburg, a
qual abandonou por influencia do irmao mais velho.
Devido a este interesse por fsica e matematica nao
e uma surpresa que o primeiro tratado publicado
sobre fsica medica, Die medizinische Physik (1856)
tenha sido escrito por ele. De acordo com Philibert
[8], nesta obra sao discutidos problemas biofsicos tais como a mistura de ar nos pulmoes,
o funcionamento do coracao, a economia de calor do corpo humano, os mecanismos da
contracao muscular, a hidrodinamica da circulacao sangunea, entre outros. Alem disso,
realizou significantes contribuicoes na fisiologia medica - sendo um nome de referencia na
historia da cardiologia - e tambem desenvolveu uma serie de dispositivos, incluindo as
primeiras lentes de contato [10].
Contudo, na fsica, Fick e memoravel pelas leis que receberam seu nome. O trabalho
da qual essas leis sao oriundas, Uber Diffusion, possui uma traducao feita pelo proprio
autor em forma de resumo para a lngua inglesa, On liquid diffusion [11]. Ja na introducao
Fick elucida como a pesquisa de Graham o influenciou e quais os seus objetivos a partir
desta:
A few years ago Graham published an extensive investigation on the diffusion of salts
in water, in which he more especially compared the diffusibility of differents salts. It appe-
19
-
ars to me a matter of regret, however, that in such an exceedingly valuable and extensive
investigation, the development of a fundamental law, for the operation of diffusion in a
single element of space, was neglected, and I have therefore endeavoured to supply this
omission.
E eis, no paragrafo seguinte, a exmia intuicao de fazer a analogia entre a difusao de
especies qumicas em solucoes aquosas com a conducao de calor ou eletricidade, que Fick
escreve da seguinte forma:
It was quite natural to suppose, that this law for the diffusion of a salt in its solvent
must be identical with that, according to which the diffusion of heat in a conducting body
takes place; upon this law Fourier founded his celebrated theory of heat, and it is the same
which Ohm applied with such extraordinary sucess, to the diffusion of electricity in a con-
ductor. According to this law, the transfer of salt and water occurring in a unit of time,
between two elements of space filled with differently concentrated solutions of the same
salt, must be, caeteris paribus,8 directly proportional to the difference of concentration,
and inversely proportional to the distance of the elements from one another.
Fick expressou isso matematicamente, desprezando os efeitos da gravidade e conside-
rando um recipiente vertical de forma arbitraria com solucao salina. Sendo y a concen-
tracao inicial da solucao salina situada em uma camada entre dois planos horizontais x e
x+ dx, com y = y(x). A limitacao por ele feita e que a funcao y deve diminuir conforme
x aumenta, ou seja, cada camada superior deve ser menos concentrada do que todas as
subjacentes. Entao a partir camada entre x e x + dx (com concentracao y), durante um
elemento de tempo dt, passara para a camada imediatamente adjacente, x+dx e x+ 2dx,
(com concentracao y + dydxdx) uma quantidade de sal Qk dy
dxdt, na qual Q e a superfcie
atraves da qual ocorre a difusao e k e uma constante que Fick define como sendo depen-
dente da natureza das substancias. Ele tambem ressalta que e evidente que um volume
de agua igual ao de sal passa simultaneamente da camada superior para a inferior. Em
outras palavras, a taxa de difusao para especies qumicos em uma solucao aumenta com a
diferenca na concentracao entre duas regioes adjacentes. Essa diferenca atua como uma
forca motriz para o movimento espontaneo das partculas do soluto em direcao da regiao
de menor concentracao (1a Lei de Fick).
Exatamente de acordo com o modelo matematico de Fourier desenvolvido para a
conducao de calor, Fick obteve, a partir desta lei fundamental para a difusao, a seguinte
equacao diferencial, (segundo a notacao utilizada por Fick em seu artigo)
8Caeteris paribus e uma expressao em latin usada para indicar a invariabilidade das demais variaveisna explicacao de um modelo teorico ou pratico.
20
-
y
t= k
(2y
x2+
1
Q
dQ
dx
y
x
)(2a Lei de Fick), (1.2)
quando a secao Q do recipiente e uma funcao da altura do mesmo acima do fundo. Quando
Q e constante (i.e. um recipiente cilndrico ou prismatico), a equacao fica simplificada
y
t= k
2y
x2. (1.3)
Fick resolveu a equacao (1.2) considerando (i) um recipiente cilndrico no equilbrio
dinamico, isto e, dydt
= 0 e Q constante, e (ii) um recipiente em formato conico tambem no
equilbrio termico. Na segunda parte de seu artigo Fick descreve os varios experimentos
que realizou sobre difusao com membranas semipermeaveis e nada melhor a transcricao
do ultimo paragrafo desse artigo para compreendermos seus resultados:
The comparison of the experiments adduced above with the hypothesis developed on
the foundation of the diffusion law, shows, though not absolutely, that the truth of this
hypothesis may be determined; and it is in fact highly probable that, with or without mo-
dification, such an hypothesis may serve as the foundation of a subsequent theory of these
very dark phenomena.
De acordo com Fick e muito natural supor que a concentracao e analoga a tempe-
ratura, o fluxo de calor e analogo ao fluxo do soluto e a difusividade termica e analoga
a difusividade qumica. Se a concentracao na fase aquosa e definido como massa por
volume, entao a capacidade qumica especfica (analoga ao calor especifico) e igual a
unidade e a difusidade qumica e igual a condutividade qumica. Desta maneira, suas
hipoteses alcancaram a expectativa almejada e realmente se tornaram fundamentais para
a compreensao e desenvolvimento da difusao.
1.4 William Chandler Roberts-Austen - Difusao em
solidos
Atualmente a difusao no estado solido e considerada [12] um processo fundamental na
industria e na ciencia de materiais, tornando-se assim um topico importante na fsica do
estado solido, na metalurgia fsica, na ciencia dos materiais e tambem na geologia. Pro-
cessos difusivos sao relevantes na dinamica de diversas mudancas microestruturais que
ocorrem durante a preparacao, processamento e tratamento termico de materiais. En-
tretanto, na epoca de Graham e Fick as pesquisas sobre difusao estavam confinadas aos
fluidos e ate o final do seculo XIX o paradigma corpora non agunt nisi fluida prevaleceu
21
-
na comunidade cientfica. De acordo com Barr [13], Robert Boyle (1627 - 1691) talvez
tenha sido o primeiro a demonstrar uma evidencia experimental da difusao em solidos no
seu estudo chamado The Porosity of Bodies. Destacam-se ainda os trabalhos de W.
Spring (1880) - que relata que finas camadas de uma liga composta por dois metais sao for-
madas por difusao solida - e de Albert Colson (1881) que estudou a difusao do carbono em
ferro [14] e ainda salientou a profunda analogia entre a difusao nos solidos e nos lquidos.
Figura 1.4: Roberts-Austen Estudou
a difusao no estado solido.
As primeiras medidas quantitativas da difusao
no estado solido foram realizadas pelo metalur-
gista britanico William Chandler Roberts-Austen.
Tendo sido ele assistente pessoal de Thomas
Graham, nao e nenhuma surpresa o seu in-
teresse por estudar difusao e isto fica evi-
dente nas proprias palavras de Roberts-Austen
[15]:
...My long conection with Grahams rese-
arches made it almost a duty to attempt to
extend his work on liquid diffusion to me-
tals.
Alem disso, analisou suas medidas experimentais
tendo como base as ideias de Fick:
It appears probable that the law of diffusion of salts, framed by Fick, would also apply
to the diffusion of one metal with another.
Fundamentado nisto Roberts-Austen propos a equacao de difusao unidimensional (notacao
das derivadas utilizadas pelo autor em seu artigo):
d
dt= k
d2
dx2, (1.4)
sendo a concentracao da materia e k o coeficiente de difusao.
Os seus experimentos sobre difusao foram realizados com metais nobres. Ele estu-
dou a difusao de ouro, platina e rodio em chumbo lquido, de ouro e prata em estanho
lquido e de ouro em bismuto. Ainda mais importante foi seu estudo sobre difusao de
ouro em chumbo solido [16], no qual finas placas de ouro foram fundidas no fundo de
barras cilndricas de chumbo. As amostras solidas eram cortadas em secoes finas e a con-
centracoes dos compostos, resultantes do processo de difusao, eram analisadas por meio
22
-
de pesagens. Para determinar o coeficiente de difusao k, Robert-Austen usou as tabelas
calculadas por J. Stefan para a difusao de sais, formalmente estudada por Graham. Stefan
(1835 - 1895) obteve a solucao da equacao de difusao em termos de series trigonometricas
e tambem em termos da funcao erro complementar. E de acordo com [8] e [17], os valores
dos coeficientes de difusao obtidos por Roberts-Austen sao proximos aos determinados
pelas tecnicas modernas.
Neste captulo mostramos a abordagem Fickiana da difusao, entretanto esta aborda-
gem pode nao ser adequada para descrever fenomenos como a difusao reversa (que ocorre
na direcao do gradiente) ou a difusao osmotica (difusao sem gradiente). Sem entrar em
detalhes, e valido citar que existe outra abordagem para o estudo do transporte difusivo,
que e o metodo de Maxwell-Stefan [18, 19] para a difusao de multicomponentes, bastante
utilizado na engenharia qumica [20].
23
-
Captulo 2
O mundo probabilstico
2.1 Pierre-Simon de Laplace
Figura 2.1: Pierre-Simon de Laplace
Estudos pioneiros na teoria da proba-
bilidade.
Como mencionado anteriormente, Fourier foi um
homem de confianca de Napoleao Bonaparte, assu-
mindo diversos cargos importantes durante a era na-
poleonica. No entanto, se Fourier foi escolhido por
Napoleao, o fsico e matematico Pierre-Simon de La-
place enquanto trabalhava no cargo de recrutador
da artilharia real francesa teve a sorte de exami-
nar um promissor candidato de 16 anos chamado
Napoleao Bonaparte [21]. Alem disso, Laplace re-
cebeu o ttulo de conde em 1806 do entao imperador
Napoleao Bonaparte. Contudo, o fato de conhecer
Bonaparte nao era o unico elo que Fourier e La-
place possuiam. Enquanto um estudava a conducao
do calor em solidos, o outro dedicava-se a teoria da
probabilidade.
Mais especificamente, Laplace estava estudando
como aplicar a probabilidade para corrigir os erros instrumentais nas observacoes fsicas,
ou seja, o problema era o seguinte [21]: dada uma serie de medicoes, qual e o melhor pal-
pite que podemos dar sobre o verdadeiro valor da grandeza medida, e qual a probabilidade
de que esse palpite esteja proximo do valor real, por mais exigentes que sejamos em
nossa definicao do valor de proximo? Em uma linguagem mais formal: como inferir a pro-
babilidade de que a soma de uma quantidade grande de variaveis aleatorias identicamente
distribudas obtenha um determinado valor?
Em 1809 Laplace formulou uma equacao diferencial com a mesma forma da equacao
24
-
de conducao de calor de Fourier, (na notacao de Laplace)
d2y
dx2=
dy
dx. (2.1)
Nesta equacao, yxx representa a probabilidade de que a soma de x variaveis aleatorias
distribudas identicamente obtenha um valor x. Comparada com a equacao de calor, a
probabilidade y corresponde a temperatura; a magnitude da soma das variaveis aleatorias,
x, corresponde a distancia; e o numero de variaveis aleatorias, x, corresponde ao tempo.
Laplace entao demonstrou que
y =
ez2
(x+ 2zx)dz, (2.2)
sendo uma funcao arbitraria, satisfaz a equacao (2.1) para domnios ilimitados, i.e.,
< x < . Tambem como dito anteriormente, Fourier provavelmente influenciadopor Laplace estendeu seus estudos sobre conducao de calor para domnios infinitos, e
mostrou que a equacao (2.2) tambem era uma solucao do problema da conducao de calor
para tais domnios.
Nesta epoca Laplace estava mais concentrado [22] em obter uma prova matematica
para o teorema do limite central. De fundamental importancia na teoria da probabilidade,
este teorema afirma que a soma de n variaveis aleatorias distribudas independentemente
e identicamente x1, x2, xn, com valor medio e variancia 2 assintoticamente se apro-ximam de uma distribuicao normal ou Gaussiana1 com valor medio n e variancia n2:
f(x, n) =1
2ne(x)
2/2n2 . (2.3)
Laplace conseguiu demonstrar a prova para variaveis aleatorias de distribuicoes arbitrarias.
Fourier, em sua grande obra de 1822, por exemplo, considerou uma linha infinita
contendo uma certa quantidade de calor distribuda num pequeno segmento localizado
em x = 0 em t = 0, na qual a temperatura aumenta para um valor f . Em qualquer
outra regiao a temperatura e zero. Fourier demonstrou que a equacao diferencial para
este problema e satisfeita por
T =f4t
ex2/4, (2.4)
sendo f e o forca da fonte e = K/CD e a difusividade termica. Se escolhermos f = 1
na equacao precedente, entao por analogia com a equacao (2.3) com = 1, a difusividade
1O matematico alemao Karl Friedrich Gauss foi o primeiro a reconhecer que a distribuicao normaldescreve a distribuicao de erros de medicao. Gauss teve essa percepcao, ao menos no que concerne asmedicoes astronomicas, enquanto trabalhava no problema dos movimentos planetarios. Foi Laplace oresponsavel por tirar a distribuicao normal da obscuridade. Ele encontrou o trabalho de Gauss em 1810,pouco depois de apresentar a sua prova do teorema do limite central. Laplace usou o trabalho de Gausspara aperfeicoar o seu teorema.
25
-
termica e igual a metade da variancia 2.
Nos estudos de Fourier (conducao de calor) e Laplace (teoria da probabilidade) re-
pousam as bases para o desenvolvimento dos conceitos de difusao fsica e de difusao
estocastica2 (difusao de probabilidade), respectivamente. O caminho inicial tracado pela
difusao fsica ja foi descrito anteriormente, tendo como referencia os estudos de Graham,
Fick e Roberts-Austen, entao a partir de agora revisaremos como foram dados os primeiros
passos da teoria do Random Walk (ou caminhada aleatoria).
2.2 Thorvald Nicolai Thiele
Figura 2.2: Thorvald Nicolai Thiele
Estudou a influencia das flutuacoes
nos erros observacionais.
Nascido na Dinamarca, o astronomo Thorvald
Nicolai Thiele foi professor da Universidade de Co-
penhaga por mais de tres decadas (na qual lecionou
para Niels Bohr). Durante sua carreira academica
foi obrigado a renunciar a astronomia observacional,
devido uma progressiva perda de visao causada pelo
astigmatismo. Devido a este infortunio dedicou-
se a matematica e a estatstica, e de acordo com
[23], contribuiu de forma significativa na teoria de
interpolacao, analise residual, estimativa de densi-
dade nao parametrica (via cumulantes empricos) e
tambem no metodo dos mnimos quadrados, no qual
foi um verdadeiro virtuoso.
Em 1880 Thiele publicou um artigo [24] no qual
propoe um modelo para descrever os erros observa-
cionais que surgem de uma serie de medicoes obtidas atraves do tempo. Inicialmente
discute o fato emprico de que tais erros aparecam como se tivessem um componente sis-
tematico, mas enfatiza que isso e falso uma vez que nenhum procedimento de correcao
parece remover esse fenomeno. Portanto a explicacao deve ser mais apropriada e Thiele
atribui esse fenomeno a componente aleatoria de erro que e acumulada atraves do tempo.
Mais precisamente ele considerou medidas realizadas por um instrumento no qual
parte dos erros e oriunda da flutuacao na posicao do proprio instrumento. Se x(t) e a
posicao do instrumento no tempo t, a mais provavel posicao do instrumento no tempo
t+ t devera ser a posicao imediatamente anterior, que e x(t) e os desvios a partir desta
devem ser governados pela lei da distribuicao normal. Ele entao conclui que qualquer
2O termo estocastico foi introduzido na matematica por Henri Poincare, recuperando a palavragrega stochastikos, que designa aquele que acerta bem no alvo, pois stochos e precisamente objetivo oumira.
26
-
sequencia de posicoes do instrumento x(t), x(t1) x(tn), deve possuir a propriedade deque seus incrementos sao independentes e normalmente distribudos com
E(x(ti) x(ti1)) = 0 e V (x(ti) x(ti1)) = titi1
2(u)du = 2i ,
sendo 2(u) uma funcao que descreve o tamanho do quadrado das flutuacoes no tempo.
2.3 Lord Rayleigh
Figura 2.3: Lord Rayleigh
O fsico ingles John William Strutt - que foi no-
meado terceiro Barao de Rayleigh em 1873 - durante
sua vida publicou 446 artigos [25], os quais abran-
gem areas distintas da fsica que vao desde a analise
matematica de sistemas vibrantes e opticos ate os
fundamentos da fsica moderna. Em 1880 publica o
artigo On the resultant of a large number of vibra-
tions of the same pitch and of arbitrary phase [26],
no qual aborda o problema de estimar a amplitude
e a intensidade da mistura de n vibracoes de mesmo
perodo e amplitude mas com fases escolhidas ale-
atoriamente. O problema em questao foi por ele
resolvido a partir das ideias do teorema de Bernoulli (conhecido tambem como Lei dos
Grandes numeros), obtendo uma expressao em termos da exponencial de x/2n para aprobabilidade de que a amplitude resultante poderia estar entre x e x+ x, isso apos um
serie suficientemente grande de realizacoes e ainda reconheceu a similaridade da solucao
obtida com a equacao de calor de Fourier. Em 1894, Rayleigh no seu livro Theory of
Sound [27] expoe o mesmo problema, contudo, resolvendo-o por um metodo diferente e
obtendo os mesmos resultados, assim demonstrando que a mistura aleatoria de fases sa-
tisfaz a equacao de conducao de calor de Fourier se houver uma quantidade consideravel
de realizacoes.
Rayleigh comecou com o simples caso no qual somente duas fases sao possveis, positiva
e negativa. Neste caso, se todas as n vibracoes tiverem a mesma fase, a intensidade
resultante seria n2, mas se a metade delas possusse uma fase e a outra metade possusse
a outra, a intensidade seria 0. Rayleigh investigou a seguinte questao: Qual a expectativa
de que a amplitude esteja entre x e x+x, quando n e grande? Aqui expectativa significa
valor medio que pode ser esperado de um numero grande N de tais experimentos, com o
numero de ondas misturadas em cada caso sendo n. Seja f(n, x) o numero de combinacoes
nas quais a amplitude resultante e x. Suponha que o numero de ondas misturadas aumente
27
-
com n+ 1. Qual e o numero de combinacoes cuja a resultante e x? Se a fase esta restrita
a +1 e 1, o numero de combinacoes que podem ter um valor x apos n + 1 misturasdependera de f(n, x 1) e f(n, x + 1). Realmente, se a escolha e puramente aleatoria,devemos ter,
f(n+ 1, x) =1
2f(n, x 1) + 1
2f(n, x+ 1). (2.5)
Subtraindo f(x, n) de ambos lados da equacao (2.5), obtem-se
f(n+ 1, x) f(x, n) = 12f(n, x 1) + 1
2f(n, x+ 1) f(x, n). (2.6)
Note que a equacao (2.6) e a forma diferencial finita classica da equacao de difusao.
Portanto no limite para n grande, a equacao (2.6) torna-se,
df
dn=
1
2
d2f
dx2. (2.7)
Sobre a equacao obtida Rayleigh escreve:
The analogy with the conduction of heat is indeed very close; and the methods deve-
loped by Fourier for the solution of problem in the latter subject are at once applicable.
A partir dos metodos de Fourier, a solucao para a funcao densidade de probabilidade
obtida por Rayleigh foi
f(n, x) =12n
ex2/2n. (2.8)
O valor medio da intensidade de um numero grande de realizacoes e dado por
12n
x2ex2/2ndx = n. (2.9)
Rayleigh tambem considera o problema mais geral no qual as n fases sao escolhidas
aleatoriamente sobre todo o perodo, i.e., de 0 a 2. Usando as devidas transformacoes
entre coordenadas cartesianas e coordenadas polares, Rayleigh demonstra que a equacao
(2.9) assume a forma da equacao da conducao de calor de Fourier em duas dimensoes,
df
dn=
1
4
[d2f
dx2+d2f
dy2
]. (2.10)
2.4 Francis Ysidro Edgeworth
The constituents of the normally fluctuating average must form a republic, but not
28
-
necessarily a perfect democracy. [28]
Figura 2.4: Francis Ysidro Edgeworth
A lei dos erros.
A frase acima e uma boa maneira de resumir
quem foi Francis Ysidro Edgeworth, estas palavras
foram escritas por este estatstico irlandes para se
referir as condicoes sob as quais o teorema do limite
central se sustenta para numeros distribudos nao
identicamente, utilizando termos polticos. Com
formacao em ciencias humanas, era um profundo co-
nhecedor de literatura, filosofia, sociologia e direito
sendo New and Old Methods of Ethics (1887) a
sua primeira publicacao. Contudo, seus interesses
voltaram-se para a matematica e para estatstica, e
como primeira consequencia dessa simbiose de co-
nhecimentos distintos em 1881 publicou Mathema-
tical Psychis: An Essay on the application of Mathe-
matics to the Moral Sciences. Edgeworth e con-
siderado [28] como essencial para o desenvolvimento da econometria por incorporar a
probabilidade e a estatstica na analise de dados socio-economicos.
O artigo de Edgeworth a ser destacado nesta discussao e The law of error [29], no
qual ele obtem uma equacao diferencial que governa o comportamento do erro composto,
tal equacao foi por ele chamada de lei dos erros. Ele comeca assumindo que o erro com-
posto e uma funcao linear de elementos indefinidamente numerosos, cada elemento sendo
proveniente de uma funcao (facility function) f(z) assumida como simetrica e possuindo
somente potencias pares de z, tal que
f(z2)dz = 1. (2.11)
Sendo ux,s a funcao que descreve o erro composto, com x representando a amplitude
(tamanho) do erro e s o numero de elementos. Dada esta definicao de u, Edgeworth
expressou ux,s+1 em termos de ux,s como,
ux,s+1 =
f(z)ux+z,sdz. (2.12)
O lado esquerdo desta equacao pode ser representado como, u+ du/ds. Por outro lado, o
lado direito da igualdade pode ser expandido em serie de Taylor. Desta maneira equacao
(2.11) torna-se
29
-
u+du
ds= ux,s
f(z)dz +dux,sdx
zf(z)dz +1
2
d2ux,sdx2
z2f(z)dz + . (2.13)
Os termos mpares da expansao somem devido a hipotese inicial. Neste ponto Edgeworth
relata que usa o argumento que DeMorgans postulou e que Crofton chamou de usual
assumption, no qual a media dos erros elementares deve ser finita. Neste caso uma
solucao aproximada da equacao (2.12) e dada por uma solucao da equacao diferencial
du
ds=c2
4
d2u
dx2, (2.14)
com c2 = 2z2f(z)dz. A equacao (2.14) e conhecida como lei dos erros, que e analoga a
equacao de conducao de calor de Fourier. Edgeworth reconhece isso e escreve posterior-
mente:
If the limits of the elemental errors are finite, the proof of the Law of Errors by way
of equation (2)3 becomes rigorous - analogous to Fouriers reasoning, Theorie de Chaleur,
art 377qq.
2.5 Louis Jean-Baptiste Alphonse Bachelier
O pai era comerciante de vinhos e vice-consul da Venezuela em Le Havre, a mae era
filha de banqueiro. Com apenas 19 anos assumiu os negocios da famlia, apos a morte
de seus pais. Tambem prestou servico militar compulsorio e posteriormente trabalhou na
Bolsa de valores de Paris enquanto cursava matematica na Universidade Sorbonne. Esses
acontecimentos ocorreram na vida de Louis Jean-Baptiste Alphonso Bachelier e talvez o
tenham influenciado na hora de aplicar a teoria da probabilidade para estudar o mercado
financeiro. Theorie de La Speculation [30] foi a tese defendida por Bachelier em 1900,
sendo esta considerada [31] uma analise pioneira do mercado financeiro, contendo ideias
de enorme importancia tanto para o desenvolvimento da matematica financeira quanto
para a teoria da probabilidade.
A parte da tese de Bachelier, que e de notavel importancia para o desenvolvimento
do nosso estudo sobre passeio aleatorio, foi denominada por ele como: Les probabilites
dans les operations de Bourse (As probabilidades nas operacoes da Bolsa). Nesta parte
encontra-se uma secao sobre Irradiacao ou difusao de probabilidade, cuja transcricao
3Equacao (2.14) no nosso texto.
30
-
(traducao) foi feita uma vez que Bachelier e sucinto e objetivo em sua explicacao.
Figura 2.5: Louis Jean-Baptiste
Alphonse Bachelier Pioneiro em apli-
car a teoria das probabilidades no es-
tudo da economia.
Irradiacao da probabilidade - Vou buscar di-
retamente a expressao da probabilidade P de queo preco x seja alcancado ou ultrapassado no tempo
t. Vimos precedentemente que dividindo o tempo
em intervalos muito pequenos t, podemos consi-
derar, durante um intervalo t, o preco como uma
variacao de uma quantidade fixa e muito pequena
x.
Suponho que, no tempo t, os precos xn2, xn1,
xn, xn+1, xn+2, difiram entre eles pela quanti-dade x, possuindo as respectivas probabilidades:
pn2, pn1, pn, pn+1, pn+2, . Conhecendo a distri-buicao de probabilidade no tempo t, deduzimos fa-
cilmente a distribuicao de probabilidade no tempo
t + t. Supondo, por exemplo que o preco xn seja
cotado no tempo t; no tempo t + t serao cotados
os precos xn+1 ou xn1. A probabilidade pn, de que
o preco xn seja cotado no tempo t, se decompoe em
duas probabilidades no tempo t + t; o preco xn1 podera acontecer com probabilidadepn2
, e o preco xn+1, igualmente, podera acontecer com probabilidadepn2
.
Se o preco xn1 e cotado no tempo t + t, entao, no tempo t, os precos xn2 ou xn
foram cotados; a probabilidade do preco xn1 no tempo t + t e portantopn2+pn
2; a do
preco xn e, no mesmo tempo,pn1+pn+1
2, a do preco xn+1 e
pn+pn+22
, etc.
Durante o tempo t, o preco xn, de alguma maneira, emite em direcao ao preco xn+1
a probabilidade pn2
; o preco xn+1, emite em direcao ao preco xn, a probabilidadepn+1
2. Se
pn e maior que pn+1, a troca de probabilidade epnpn+1
2de xn em direcao a xn+1.
Portanto, podemos dizer :
Cada preco x irradia durante um elemento de tempo em direcao ao preco vizinho uma
quantidade de probabilidade proporcional a diferenca de suas probabilidades.4
Digo proporcionalmente, pois devemos ter em conta a relacao de x a t.
A lei acima pode, por analogia com certas teorias fsicas, ser chamada de lei da irra-
diacao ou de difusao de probabilidade5.
Considerei a probabilidade P de que o preco x encontre-se no tempo t em um intervalo[x,) e estimei o crescimento dessa probabilidade durante o tempo t.
4Chaque cours x rayonne lelement de temps vers le cours voisin une quantite de probabilite propor-tionnelle a la difference de leurs probabilites.
5La loi qui precede la loi du rayonnement ou de diffusion de la probabilite
31
-
Seja p a probabilidade P do preco x no tempo t, p = dPdx
. Calculando a probabilidade
que, durante o tempo t, passe, de alguma maneira, atraves de x; isto e, conforme o que
foi dito,
1
c2
(p dp
dx p)
t = 1c2dp
dxt =
1
c2d2Pdx2
t, (2.15)
c representa uma constante.
Este aumento da probabilidade e tambem representado pela expressao dPdt
t. Por isso
c2Pt
2Px2
= 0. (2.16)
Esta e uma equacao de Fourier.
2.6 Karl Pearson
Figura 2.6: Karl Pearson Introduziu
o termo Random Walk.
O estatstico ingles Karl Pearson publicou mais
de 300 trabalhos, que nao estavam relaciona-
dos apenas as ciencias exatas, pois devido a
sua versatilidade intelectual escreveu tambem so-
bre religiao, poltica, crtica literaria, biologia,
historia, evolucao, genetica, socialismo e antropolo-
gia. Sendo The Grammar of Science (1892) con-
siderada como a sua grande obra. Apesar desta
extensa obra, tanto em numeros quanto em diver-
sidade de areas do conhecimento humano, e em
uma breve carta de Pearson, publicada na revista
Nature na edicao de Julio de 1905 [32], que es-
tamos interessados. Eis entao a transcricao da
carta:
The Problem of the Random Walk
Can any of your reader refer me to a work wherein I should find a solution of the fol-
lowing problem, or failing the knowledge of any existing solution provide me with original
one? I should be extremely grateful for aid in the matter.
A man starts from a point O and walks l yards in a straight; he then turns through
any angle whatever and walks another l yards in a second straight line. He reports this
process n times. I require the probability that after n of these stretches he is at a distance
between r and r + r from his starting point, O.
32
-
The problem is one of the considerable interest, but I have only suceeded in obtaining
an integrated solution for two stretches. I think, however, that a solution ought to be
found, if only in the form of a series of powers of r/n, when n is large.
KARL PEARSON
The Gables, East Ilsley, Berks.
A resposta para o problema de Pearson nao demorou a chegar, ja na edicao seguinte
da mesma revista (3 de agosto de 1905) Lord Rayleigh escreve:
The problem of the random walk
This problem, proposed by Prof. Karl Pearson in the current number of NATURE, is
the same as that of the composition of n iso-periodic vibrations of the unit amplitude and
of phases distributed at random, considered in Phil. Mag., x., p.73, 1880; xlvii., p.246,
1899; (Scientific Papers, i., p. 491, iv, p. 370).
If n be very great, the probability sought is
2
ner
2/nrdr
Probably methods similar to those employed in the papers referred to would avail for the
development of an approximate expression applicable when n is only moderately great.
RAYLEIGH
Terling Place, July 29.
Pearson entao escreveu uma segunda carta para a Nature, na qual agradece a Rayleigh e
aos demais que o responderam sobre o problema do Random Walk, finalizando a carta da
seguinte maneira:
The lesson of Lord Rayleighs solution is that in open country the most probable place
to find a drunken man who is at all capable of keeping on his feet is somewhere near his
starting point.
O interesse de Pearson sobre o problema do Random Walk surgiu da tentativa de
criar um modelo para descrever migracao aleatoria, tendo como ilustracao concreta o
caso de mosquitos que invadem regioes desflorestadas. De certa maneira, Person ao fazer
uma analogia do movimento aleatorio com o caminhar do bebado, sem querer, intro-
duziu/criou o termo Random Walk, alem de apresentar de maneira simples o problema
em questao.
33
-
Captulo 3
O mundo microscopico
3.1 Robert Brown
Figura 3.1: Robert Browm Estu-
dou o movimento irregular e incessante
de partculas diminutas suspensas na
agua.
Em 1828 o botanico escoces Robert Brown
publicou uma descricao de suas observacoes mi-
croscopicas [33] realizadas nos meses de junho, ju-
lho e agosto de 1827. Brown estava estudando o
processo de fertilizacao da planta Clarkia pulchella
e para tal finalidade utilizou um microscopio para
visualizar os graos de polen desta planta imersos na
agua. Enquanto observava a forma destas partculas
na agua, Brown percebeu que muitas delas realiza-
vam um movimento muito evidente. Apos repetidas
observacoes percebeu que esses movimentos nao sur-
gem das correntes no fluido, nem a partir da eva-
poracao deste, mas pertencem a partcula em si.
Em seguida pegou os graos de polen desta mesma
flor apos ela se abrir e ao observa-los encontrou
partculas menores que as anteriores, aparentemente
esfericas e que estavam em um movimento oscilatorio rapido. O botanico denominou estas
partculas de Moleculas (Molecules).
Brown estendeu as observacoes para plantas da mesma famlia das Onagraceas, e ve-
rificou a mesma forma geral das partculas, as quais tambem apresentavam movimentos
similares. Nao satisfeito examinou o polen de diversas especies das famlias das plantas
Fanerogamas; em todas observou movimentos similares manifestados pelos graos de polen.
Neste ponto da investigacao Brown escreve:
34
-
Having found motion in the particles of the pollen of all the living plants which I had
examined, I was led next to inquire whether this property continued after the death of the
plants, and for what lenght of time it was retained.
Plantas secas, imersas no alcool por alguns dias, especies de plantas secas e preserva-
das em herbarios1 por mais de vinte anos, tambem apresentaram pequenas partculas
esfericas em movimento evidente, igual ao observado em plantas vivas.
Nesse estagio da pesquisa Brown achava que esses movimentos eram peculiares dos
graos de polen2 e para testar essa hipotese examinou plantas da famlia das Cripto-
gramas, os musgos, que sao plantas de estrutura mais simples. No entanto, observou
partculas esfericas diminutas em movimento vvido, assim como o observado nas plantas
Onagraceas. Isso tambem ocorreu com amostras de musgos secos com mais de cem anos.
Alem disso, Brown triturou todas as partes destas plantas e ao observa-las imersas na
agua viu que as partculas tambem estavam em movimento. Estas observacoes fizeram
Brown abandonar a hipotese de que do movimento era uma peculiaridade do orgao mas-
culino das plantas, e escreve a sua nova hipotese:
Reflecting on all the facts with which I had now become acquainted, I was disposed
to believe that the minute spherical particles or Molecules ... were in reality the supposed
constituent or elementary Molecules of organics bodies...
Entao Brown examinou varios tecidos animais e vegetais, vivos ou mortos, triturando-os e
imergido-os na agua, onde observou partculas de tamanho, forma e movimento similares
aos graos de polen; encontrou estas partculas tambem em resina de latex, em substancias
de origem vegetal e ate mesmo em carvao. No entanto, ao examinar madeira petrificada
fossil ou madeira silicificada, tambem encontra partculas diminutas com comportamento
similar. Devido a isso, outra vez muda de ideia e escreve:
But hence I inferred that these molecules were not limited to organic bodies, nor even
to their products.
Eis alguns dos materiais inorganicos analisados por Robert Brown: vidro; varios tipos
de solo; metais (nquel, manganes, bismuto, antimonio e arsenio); cada um dos consti-
tuintes minerais do granito; materiais de origem aquosa e gnea (travertino, estalactites,
obsidiana, lava, cinzas vulcanicas, meteoritos); minerais de estrutura fibrosa (asbestos,
actinolite, tremolite, zeolite e esteatite) e ate um fragmento da esfinge. Brown resume
isso da seguinte maneira:
1Colecao cientfica de plantas secas.2Responsavel pela formacao dos gametas masculinos (celulas espermaticas)
35
-
In a word, in every mineral which I could reduce to a powder, sufficiently fine to be
temporarily suspended in water, I found these molecules more or less copiously.
Em seguida Brown inquiriu se o calor poderia afetar a existencia destas partculas que
apresentam movimento incessante. Para verificar queimou madeira, linho, algodao, la,
seda, cabelo, e estes quando imersos na agua, apresentavam partculas em um movimento
evidente igual ao das substancias que nao foram queimadas. Brown relata tambem as
substancia que nao pode examinar: oleo, resina, cera, enxofre, metais que nao conseguiu
triturar e substancias soluveis em agua. Alem de evitar fazer qualquer conjectura a
respeito da forma e magnitude absoluta dessas Moleculas, que parecem existir tanto em
corpos inorganicos como nos organicos, o botanico escoces tambem teve a preocupacao de
deixar claro que os fatos apresentados a respeito do movimento das partculas de polen
ja foram observados por outros pesquisadores, citando Needham, Gleichen e Adolphe
Brongniart.
Posteriormente, Brown publicou Additional Remarks on Active Molecules [34] para
explicar e modificar algumas das suas declaracoes, para discutir sobre a veracidade e
originalidade das observacoes, alem de refutar as causas consideradas como suficientes
por alguns, para explicar o fenomeno do movimento incessante.
Inicialmente diz que muito leitores erroneamente afirmaram que ele havia dito que
as partculas (Moleculas) era animadas, possivelmente porque Brown relata os fatos na
ordem em que foram ocorrendo acompanhados pelas respectivas hipoteses formuladas.
Em seguida cita as supostas causas que varias pessoas escreveram para descrever tais
movimentos: atracao e repulsao entre as partculas; equilbrio instavel do fluido no qual
as partculas estavam suspensas; acao higrometrica ou capilar das partculas; e tambem
diminutas bolhas de ar. Brown demostra que essas e demais explicacoes estao erradas
descrevendo um experimento no qual gotas de agua de tamanho microscopico, contendo
algumas ou ate mesmo apenas uma partcula de polen, sao imersa em oleo (que possui
gravidade especfica inferior a da agua). Em todas as gotas o movimento das partculas
acontecem com atividade incessante, enquanto as principais causas atribudas ao movi-
mento (evaporacao, atracao e repulsao mutua) sao materialmente reduzidas.
Brown nunca chegou a nenhuma conclusao em seu trabalho, entretanto sua pesquisa foi
de extrema importancia ao demonstrar que este movimento irregular e incessante ocorre
tanto em partculas organicas como tambem nas inorganicas, e ao refutar com um simples
experimento as possveis explicacoes mecanicas para este fenomeno. Nao e por acaso que
hoje esse fenomeno e denominado como movimento Browniano.
36
-
3.2 Albert Einstein
Figura 3.2: Albert Einstein Em seu
ano miraculoso publicou um artigo
sobre o movimento Browniano.
A explicacao satisfatoria para o fenomeno de-
nominado movimento Browniano foi dada somente
em 1905 no artigo Uber die von der molekular-
kinetischen Theorie der Warme geforderte Bewe-
gung von in ruhenden Flussigkeiten Suspendier-
ten Teilchen [35], cuja autoria e de Albert Eins-
tein. Neste trabalho Einstein tem como obje-
tivo mostrar que de acordo com a teoria cinetica-
molecular do calor, corpos de dimensoes mi-
croscopicas suspensos em um lquido, por causa
do movimentos termicos moleculares realizam mo-
vimentos de tal magnitude que podem ser fa-
cilmente observados em um microscopio. Alem
disso, Einstein nao tinha conhecimento do tra-
balho de Robert Brown e sobre isso escre-
veu:
Es ist moglich, da die hier zu behandelnden Bewegungen mit der sogenannten ,,Browns-
chen Molekularbewegung identisch sind, die mir erreichbaren Angaben uber letztere sind
jedoch so ungenau, da ich mir hieruber kein Urteil bilden konnte.3
Na terceira secao do artigo Einstein descreve a sua teoria de difusao de pequenas
esferas em suspensao. Ele considera partculas irregularmente dispersas em um lquido
no estado de equilbrio dinamico, sobre as quais atua uma forca K, que depende somente
da posicao. Por simplicidade Einsten considera o caso unidimensional.
Sendo o numero de partculas suspensas por unidade de volume; entao na condicao
de equilbrio dinamico e uma funcao de x na qual a variacao da energia livre desaparece
para um deslocamento arbitrario x da substancia. Temos, portanto,
F = E TS = 0.
Assumindo que o lquido tem uma area unitaria de secao transversal perpendiculares ao
eixo x e e delimitada pelos planos x = 0 e x = l. Desta maneira, temos
3E possvel, que os movimento tratado aqui seja identico ao chamado movimento Browniano. Asinformacoes que chegaram a mim sobre este sao tao imprecisas, que eu nao poderia fazer nenhuma notaa respeito.
37
-
E = l
0
Kxdx
e
S =
l0
R
N
x
xdx = R
N
l0
xxdx.
A condicao de equilbrio exigida e portanto
K + RTN
x= 0 ou K p
x= 0. (3.1)
A equacao anterior estabelece que o equilbrio com a forca K e provocado pela forca de
pressao osmotica.
A equacao (3.1) pode ser usada para encontrar o coeficiente de difusao da substancia
suspensa. Podemos olhar para a condicao de equilbrio considerando-o aqui como a su-
perposicao de processos que ocorrem em direcoes opostas, ou seja:
1 Um movimento da substancia suspensa sob a influencia da forca K age em cada
partcula suspensa.
2 Um processo de difusao, o qual e visto como o resultado do movimento irregular das
partculas produzido pelo movimento termico molecular.
Se as partculas possurem forma esferica (de raio P ), e se o lquido possuir um coefi-
ciente de viscosidade k, entao a forca K causa em uma partcula a velocidade
K
6kP(3.2)
e em uma unidade de area por unidade de tempo passarao
K
6kP
partculas.
Se, alem disso, D significa o coeficiente de difusao da substancia suspensa, e a
massa da partcula, como resultado da difusao passarao por uma unidade de area em uma
unidade de tempo,
D()x
gramas ou Dx
partculas.
Considerando o estado de equilbrio dinamico, devemos ter
K
6kPD
x= 0. (3.3)
Podemos calcular o coeficiente de difusao a partir das duas condicoes (3.1) e de (3.3),
encontrado para o equilbrio dinamico. Obtemos
38
-
D =RT
N
1
6kP. (3.4)
Desta maneira Einstein demonstra que o coeficiente de difusao depende (exceto pelas
constantes universais e da temperatura absoluta) somente do coeficiente de viscosidade
do lquido e do tamanho das partculas suspensas.
Na secao seguinte Einstein relaciona o movimento irregular das partculas suspensas
em um lquido com a difusao, considerando que esses movimentos irregulares surgem do
movimento termico molecular. Einstein inicialmente assume duas consideracoes funda-
mentais:
Cada partcula executa um movimento que e independente do movimento de todasas outras partculas;
Os movimentos da mesma partcula em intervalos de tempo diferentes sao processosmutualmente independentes (em intervalos de tempo pequenos, mas suficientemente
grandes para dar margem a observacoes).
Seja um intervalo de tempo, que e muito pequeno comparado com o intervalo de
observacao, mas, de tal magnitude que os movimentos executados por uma partcula em
dois intervalos de tempo consecutivos seja considerados como fenomenos mutualmente
independentes. Considere que existam n partculas suspensas em um lquido. Em um
intervalo de tempo a coordenada x de uma partcula aumentara com , possuindo
valores diferentes (positivo ou negativo) para cada partcula. Para o valor de uma
certa lei de probabilidade existe; o numero dn de partculas que sofrem no intervalo um
deslocamento localizado entre e + d, pode ser expresso por uma equacao na forma
dn = n()d
sendo
()d = 1
e difere somente de zero para valores muito pequenos de e possui a seguinte condicao
() = ().
Einstein a partir de entao investiga como o coeficiente de difusao depende de , consi-
derando o caso no qual o numero de partculas por unidade de volume depende somente
de x e t.
Sendo = f(x, t) o numero de partculas por unidade de volume, a distribuicao das
partculas no tempo t+ sera calculada a partir da distribuicao no tempo t. A partir da
definicao da funcao (), e facil obter o numero de partculas que estao localizadas no
39
-
tempo t+ entre dois planos perpendiculares ao eixo x, com abcissas x e x+ dx. Desta
maneira, temos
f(x, t+ )dx = dx
==
f(x+ )()d.
Agora, desde e muito pequeno, podemos escrever
f(x, t+ ) = f(x, t) + f
t.
Alem disso, podemos expandir f(x+ , t) em potencias de :
f(x+ , t) = f(x, t) + f(x, t)
x+
2
2!
2f(x, t)
x2 .
Uma vez que somente valores muito pequenos de contribuem, obtemos
f +f
t = f
()d +f
x
()d +2f
x2
2
2()d + .
No lado direito da equacao acima o segundo termo, o quarto termo, etc., devem desapa-
recer, pois (x) = (x); enquanto o primeiro termo, o terceiro terceiro, etc., cada termoseguinte e muito pequeno comparado ao anterior. Tendo em mente que
()d = 1,
tambem assumindo que1
2
2()d = D,
e considerando somente termos ate a segunda ordem de , obtemos
f
t= D
2f
x2. (3.5)
Esta e a equacao diferencial para a difusao, e reconhecemos que D e o coeficiente de
difusao.
Na sequencia de seu artigo Einstein argumenta que nao e necessario escolher o mesmo
sistema de coordenadas para todas as partculas, pois os movimentos destas sao mutual-
mente independentes. Portanto, a funcao f(x, t), devidamente normalizada,
f(x, t)dx = n, (3.6)
representa a densidade de partculas cujas posicoes sofreram um acrescimo x entre o
instante inicial e o tempo t. Einstein tambem aponta que a solucao da equacao de difusao
(3.5), com condicoes iniciais apropriadas, e dada pela forma Gaussiana
40
-
f(x, t) =n
4Dte
x2
4Dt . (3.7)
Da qual Einstein enfatiza que as constantes do termo exponencial estao relacionadas
com o coeficiente de difusao. Alem disso demonstra que o desvio quadratico medio dos
deslocamentos e proporcional ao coeficiente de difusao, comportando-se linearmente com
o tempo, ou seja, 2x = x2 = 2Dt.Por meio deste raciocnio probabilstico Einstein obtem a expressao do percurso quadratico
medio no movimento irregular das partculas suspensas em um lquido,
x2 = 2Dt = RTN
1
3kPt. (3.8)
Tal expressao forneceu um caminho para determinar o numero de Avogadro. Segundo [36]
as experiencias de Jean Perrin e colaboradores consistiram em registrar a observacao, no
microscopio, do movimento de um conjunto grande de partculas em suspensao, cuja forma
esferica podia ser muito bem controlada. Nas suspensoes utilizadas, essas experiencias
verificaram o comportamento ideal da pressao osmotica e a lei de forca de Stokes, ingre-
dientes importantes na teoria de Einstein. Alem disso produziram uma nova estimativa
para o numero de Avogadro. Em 1926 Perrin ganhou o premio Nobel de fsica devido
ao trabalho intitulado Discontinuous Structure of Matter [37] no qual encontram-se as
medidas do movimento Browniano baseados nos trabalhos de Einstein e Smoluchowski.
3.3 Marian Smoluchowski
O fsico teorico polones Marian Smoluchowski, independentemente de Einstein, desen-
volveu uma teoria para explicar o fenomeno do movimento Browniano. Os trabalhos de
Smoluchowski publicados em 1906 sobre difusao [38] e o movimento Browniano [39, 40]
apresentam uma criativa aplicacao da teoria da probabilidade para descricao do fenomeno
fsico e alem disso, sao de fundamental importancia para a consolidacao da teoria atomica
da materia. Para compreender a importancia e a influencia dos trabalhos de Smolu-
chowski, em 1917, no obituario do fsico polones, Sommerfeld escreveu [41]:
His name will, forever, be associated with the first flowering of atomic theory.
Alem disso, Chandrasekhar considera Smoluchowski como um dos fundadores da fsica
dos fenomenos estocasticos [42] e Kac expressa o fato de que [42]
...it was Smoluchowski whose work, perhaps more than that to any other man brought
about the ultimate reconciliantion of the seemingly irreconcilable and victory to the ato-
41
-
mistic view.
Figura 3.3: Marian Smoluchowski
Propos um metodo mais direto para
explicar o movimento Browniano.
No seu artigo Zur kinetischen Theorie der
Brownschen Molekularbewegung und der Suspeni-
onen [40] Smoluchowski, no primeiro paragrafo,
cita os trabalhos de Einstein sobre o mo-
vimento Browniano e diz que os resultados
de Einstein concordam plenamente com os re-
sultados obtidos por ele alguns anos atras
por meio de um linha de pensamento to-
talmente diferente e que sao um forte argu-
mento para explicar a natureza cinetica destes
fenomenos. Smoluchowski ainda relata que origi-
nalmente pretendia esperar a comprovacao expe-
rimental, mas que decidiu publicar suas pesqui-
sas para contribuir para o esclarecimento deste
assunto interessante e finaliza o paragrafo di-
zendo:
...insbesondere da mir meine Methode direkter,
einfacher und darum vielleicht auch uberzeugender zu sein scheint als jene Einstein.4
Smoluchowski ressaltou que nao e possvel estimar a velocidade de uma partcula ao
observa-la no microscopio e que somente e possvel observar a sequencia das posicoes
medias da partcula, resultante da soma de uma enorme quantidade de segmentos di-
minutos e totalmente invisveis, ao longo do qual a partcula realiza movimento termico
rapido. Tendo resultado visvel o movimento difusivo no espaco da posicao com mudancas
de direcao, permitindo a descricao em termos de um aparente caminho livre medio. Ou
seja, o movimento de uma partcula Browniana e resultado da flutuacao no numero de
colisoes com os atomos do fluido e enquanto Einstein obteve o percurso medio quadratico
partindo de leis gerais da mecanica estatstica e da difusao, Smoluchowski obteve por
meio de uma analise detalhada do mecanismo da partcula Browniana.
Em seus trabalhos posteriores, sobre teoria do movimento Browniano, e da coagulacao,
na presenca de campos externos [43, 44], foram formuladas as equacoes que receberam o
nome do fsico teorico polones. Inicialmente Smoluchowski encontrou que a probabilidade
(condicional) na ausencia de um campo externo, de uma partcula suspensa que comeca
do ponto x0 alcance o ponto x no tempo t e:
4particularmente o meu metodo e direto, simples e portanto poderia parecer mais convincente do queo de Einstein.
42
-
W (x)dx =1
2Dt
e(xx0)
2
4Dt dx, (3.9)
sendo D o coeficiente de difusao.
Em seguida, Smoluchowski encontrou formas explicitas para a probabilidade condici-
onal do movimento Browniano para alguns casos simples de campos externos (as solucoes
para os campos gravitacional e centrfugo sao importantes para a teoria da coagulacao).
Em particular, para uma forca elastica f(x) = x:
W (x, t|x0, 0) =
2D(1 e2t)exp
{
2D
(x x0et)2
1 e2t
}. (3.10)
Sendo = kBT/D (T e a temperatura e kB a constante de Boltzmann).
Smoluchowski percebeu que as expressoes (3.9) e (3.10) podem ser obtidas como
solucoes da seguinte equacao de difusao:
W
t= D
2W
t2
x[Wf(x)], (3.11)
sendo f(x) relacionada com a forca externa que atua sobre a partcula Browniana. A
equacao de difusao precedente e tambem conhecida com equacao de Smoluchow
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