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DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR – PRESIDENTE DO EGRÉGIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Eduardo Januário Newton, brasileiro,
divorciado, Defensor Público do estado do Rio de
Janeiro, matrícula nº 969.600-6, vem, com lastro nas
disposições constitucionais, convencionais, legais e
decisórios, em especial o contido no artigo 5º,
incisos XI e LXV, Constituição da República, artigo
11, 2, Convenção Americana de Direitos Humanos e
artigo 17, 1, Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e o decidido nos autos do Recurso
Extraordinário nº 603.616/RO, ajuizar a presente ação
de HABEAS CORPUS, com pedido liminar, em favor de
XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX, e XXXXXXXX, todos mantido
indevidamente no cárcere cautelar por ordem do r.
Juízo de Direito da Central da Audiência de Custódia –
autos do processo nº XXXXXXXX – sendo, por essa razão,
apontada como autoridade coatora, a partir dos fatos e
fundamentos jurídicos a seguir delineados.
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I – DOS FATOS E DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
1. Todos os pacientes tiveram, em 21 de agosto de
2017, as suas liberdades ambulatórias cerceadas,
inicialmente por ordem de militares empregados em
uma das midiáticas Operações do Exército
Brasileiro , em razão de suposto cometimento de
condutas, que, em tese, se amoldariam aos tipos
penais previstos no artigo 35, Lei de Drogas e
artigo 14, Estatuto do Desarmamento.
2. Desde já, é importante ter em mente o que veio a
ser declarado pelo soldado Sueverton da Silva
Virgínio, diante da autoridade policial:
“Que é Militar do Exército Brasileiro – soldado
do 25º BI PQDT; Que acompanhado de seu colega de
guarnição Uoston Toledo Faustino – soldado,
lotado no mesmo BI PQDT, em operação conjunta com
a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, de
nome da ‘PRESSÃO MÁXIMA’; No dia 21AGO2017,
segunda-feira, estavam em patrulhamento pelo
bairro de Manguinhos quando avistaram três
elementos em atitude suspeita próximo a um
barraco de madeira localizado em baixo(sic) do
viaduto; Que devido à atitude suspeita dos
elementos (sic), a guarnição decidiu realizar uma
busca tantos nos elementos (sic), como também, na
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residência, quando então foram encontrados uma
grande quantidade de material entorpecentes, uma
escopeta calibre 12, munições diversas, uma
determinada quantia em dinheiro e um rádio
transmissor.” (destaquei)
3. A referida versão não é diferente daquela que
veio a ser prestada pelo outro militar ouvido
pela autoridade policial. Eis o depoimento do
soldado Uoston Toledo Faustino:
“Que é Militar do Exército Brasileiro – soldado
do 25º BI PQDT; Que acompanhado de seu colega de
guarnição Sueverton da Silva Virgínio – soldado,
lotado no mesmo BI PQDT, em operação conjunta com
a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, de
nome da ‘PRESSÃO MÁXIMA’; No dia 21AGO2017,
segunda-feira, estavam em patrulhamento pelo
bairro de Manguinhos quando avistaram três
elementos em atitude suspeita próximo a um
barraco de madeira localizado em baixo(sic) do
viaduto; Que devido à atitude suspeita dos
elementos (sic), a guarnição decidiu realizar uma
busca tantos nos elementos (sic), como também, na
residência, quando então foram encontrados uma
grande quantidade de material entorpecentes, uma
escopeta calibre 12, munições diversas, uma
determinada quantia em dinheiro e um rádio
transmissor.” (destaquei)
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4. Além da notória dificuldade dos ditos agentes da
lei compreenderem o estado de inocência, tanto
que usaram, e por mais de uma vez, o termo
‘elemento’, os depoimentos indicam que o ingresso
barraco localizado sob um viaduto não se deu de
forma autorizada tampouco precedida da existência
de mandado judicial de busca e apreensão.
5. Em razão desse cenário, quando da realização da
audiência de custódia, a defesa técnica do
paciente apontou para a ilegalidade da prisão,
uma vez que a inviolabilidade do domicílio foi
golpeada fatalmente.
6. A autoridade coatora, após ouvir os argumentos
defensivos que apontavam para a necessidade de
deferir o relaxamento da prisão, proferiu a
seguinte decisão:
“O Ministério Público se manifestou pela
conversão da prisão em flagrante em prisão
preventiva, conforme mídia. Pela Defesa foi
requerido o relaxamento da prisão dos
custodiados, e, subsidiariamente, pela liberdade
provisória dos mesmos, conforme registro e mídia.
Pelo MM. Dr. Juiz foi proferida a seguinte
DECISÃO: Inicialmente, cumpre consignar que não
foi relatada agressão física no ato prisional,
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pelos custodiados. A regularidade do flagrante
encontra-se presente, na forma dos artigos 302 e
seguintes do Código de Processo Penal.
Compulsando os autos, verifico que os custodiados
foram presos em flagrante delito pela prática, em
tese, do crime de associação para o tráfico de
drogas e porte de arma de fogo, tratando-se,
portanto, de crimes punidos com pena privativa de
liberdade máxima superior a quatro anos (artigo
313, I, do CPP). O fumus delicti comissi,
consubstanciado na prova da materialidade e os
indícios suficientes de autoria decorrem dos
termos de declaração das testemunhas em sede
policial, e pelo Auto de Apreensão que acompanha
a documentação da comunicação de flagrante.
Segundo consta do caderno policial, as forças
policiais e militares que atuavam na operação
denominada ´PRESSÃO MÁXIMA´, com o objetivo de
repressão ao tráfico de drogas na Comunidade do
Jacaré avistaram os três custodiados em atitude
suspeita próximo a um barraco de madeira. Quando
da busca pessoal e domiciliar arrecadaram naquela
residência uma farta quantidade de material
entorpecente, ou seja, 100,2 gramas de crack,
271,7 gramas de cocaína e 7.593 gramas de
maconha. A droga estava dividida em nada menos do
que 1.340 unidades de maconha, 547 unidades de
cocaína e 417 unidades de crack. Mais ainda, no
interior daquela residência havia uma escopeta,
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calibre 12, além de um carregador de pistola
calibre .40, 7 munições também de calibre .40 e 1
munição de calibre 7,62mm. Em que pese o
brilhantismo da fala defensiva, deve-se observar
que o só fato dos custodiados apresentarem
aparência de usuários de drogas, aliás, aparência
de severo vício quanto ao uso de entorpecentes,
tal fato em nada descaracteriza a situação a eles
imputada, qual seja, a posse ou depósito daquele
aparato bélico e da grande quantidade de drogas.
Parece óbvio que não eram os custodiados quem
detinham o domínio final do fato se aquelas armas
seriam empregadas ou se a droga seria
comercializada. Sem sombra de dúvidas, tais
decisões incumbiam invariavelmente aos grandes
traficantes que chefiam o movimento de
traficância de drogas naquela localidade do
Jacaré. Entretanto, em razão do grande aparato
militar mobilizado, com o emprego de blindados do
Exército e da Polícia, e de efetivo de mais de
mil homens, fato este amplamente divulgado pela
mídia, resta claro que os traficantes daquela
localidade utilizaram todos os meios possíveis
para escamotear as drogas e armas que eram
utilizadas pela organização criminosa local. O
caderno inquisitorial ilustra os indícios
suficientes de autoria e a prova da materialidade
delitiva de que os custodiados tenham sido
angariados, ainda que de última hora, para
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auxílio da organização criminosa. É uma hipótese
retratada pela autoridade policial e que ao menos
neste primeiro exame típico de uma cognição
rarefeita realizada em audiência de custódia, não
pode ser de plano descartada. Além disso,
inequívoca a presença do periculum libertatis, o
que atesta a necessidade da custódia cautelar
para a garantia da ordem pública e a fim de
assegurar a aplicação da lei penal. A ordem
pública há de ser preservada, mormente em se
considerando que a utilização daquele aparato
bélico e a comercialização daquela grande
quantidade de entorpecente pelo grupo criminoso
que opera no local, somente é efetivada em
virtude da dificuldade de ingresso das forças
policiais naquele local. Aliás, segundo De
Plácido Silva, ela representa a situação e o
estado de legalidade normal em que as autoridades
exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos
os respeitam e acatam, sem constrangimento ou
protesto (Vocabulário jurídico, Rio de Janeiro,
Forense, v. 3, p. 1101). De certa forma, correta
se nos afigura a arguta advertência do eminente
professor Weber Martins, de que a ´decretação da
medida como garantia da ordem pública não tem
relação direta com o processo. Em vez disso, está
voltada para a proteção de interesses estranhos a
ele, tem nítidos traços de medida de segurança´.
(Liberdade Provisória, Rio, Forense, 1981m o,
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77.). Sendo a medida de segurança também uma
forma de resposta penal, não é estranho que a
custódia preventiva possa visar a torna-la
possível ao final do processo de conhecimento.
Esta colocação pode superar a questão
satisfatoriamente. Por isso mesmo dizia Faustin
Hélie: ´A prisão preventiva é, ao mesmo tempo,
uma medida de segurança, uma garantia da execução
da pena e um meio de instrução´ (Traité, cit.,
t.4, p. 606). A aplicação da lei penal por sua
vez decorre da verificação de que não consta dos
autos qualquer comprovante de endereço ou
ocupação lícita dos custodiados. No que diz
respeito à conversão da prisão, considerados os
requisitos previstos nos artigos 312 e 313 do
CPP, entendo presentes os elementos necessários à
conversão da prisão em flagrante em prisão
preventiva, conforme requerido pelo Parquet.
Presentes os elementos que amparam a decretação
da prisão preventiva dos custodiados. Na hipótese
não se demonstra como razoável e cabível
imposição de medidas cautelares, substituindo a
prisão preventiva. Ante o exposto, CONVERTO A
PRISÃO EM FLAGRANTE DOS CUSTODIADOS, EM PRISÃO
PREVENTIVA. Expeçam-se mandados de prisão. Façam-
se as anotações de praxe. Em seguida, remetam-se
os autos ao Juízo competente por distribuição,
bem como acautele-se a mídia em local próprio
neste Cartório. Cientes e intimados os presentes.
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Encaminhe-se o custodiado EDIVALDO DA SILVA
FERREIRA ao IML para que realize com a máxima
urgência o exame de idade óssea com o fito de
apurar se o custodiado ostenta mais de 18 anos de
idade, diante da incerteza, em sua qualificação
quanto à sua data de nascimento, e o fato de que
nem mesmo o custodiado é capaz de precisá-la.
Nada mais havendo, foi determinado o encerramento
da presente que, após lido e achado conforme, vai
devidamente assinado.” (destaquei)
7. Eis a ilegalidade praticada!
8. A presente provocação do Poder Judiciário, que se
materializa por intermédio desta ação
mandamental, não se volta contra a argumentação
metajurídica empregada pela autoridade coatora,
uma vez que o integrante do Poder Judiciário não
possui competência para agir como se agente de
segurança pública fosse.
9. Muito embora não seja esse o ponto, é relevante
colacionar preciso entendimento decisório
assumido por esse Egrégio Tribunal de Justiça,
que repudia a confusão entre as funções de
magistrado e daquelas próprias de um “xerife”, in
verbis:
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“A justiça criminal acaba consagrando um
apartheid racial nos presídios, sem se preocupar
com o direito de defesa dessas pessoas e tudo em
nome de uma política de economia, celeridade
processual e de segurança pública como se dentro
dos autos do processo criminal não houvesse
GENTE, ser humano.
O juiz se transforma em secretário de segurança.
Ele passa a ser o responsável pela segurança
pública mantendo os indivíduos encarcerados numa
postura típica de um juiz Hércules, isto é, ‘um
juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-
humanas, que aceita o direito como integridade’.
A necessidade de dar segurança à sociedade sai
das mãos do poder executivo (secretário de
segurança) e passa às mãos do juiz que se
transforma no juiz/Batman: o defensor da
sociedade. O homem que amedronta os bandidos com
sua capa preta, depois de assistir ao assassinato
dos seus pais, quando criança, lutando contra o
crime. É este o papel que os magistrados
criminais estão exercendo e não se dão conta:
juiz/Batman.
Segurança pública não é função do juiz. Não é
papel a ser desempenhado pelo magistrado enquanto
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guardião dos direitos e garantias fundamentais no
processo criminal.”1 (destaquei)
10. O fato de a indevida, custosa e desastrosa
“operação militar” ter sido divulgada pelos
diversos canais midiáticos em nada justifica a
prisão preventiva dos pacientes, pois, além de
permitir o questionamento do fumus comissi
delicti que será realizado em momento oportuno
deste writ, o Poder Judiciário, ao exercer a
função contramajoritária para a efetivação dos
direitos e garantias fundamentais, não pode se
tornar um refém da mass media.
11. Aliás, sobre essa questão já se manifestou
Alexandre Morais da Rosa e não deve ser olvidada:
“Devemos apostar no Direito e nas Instituições,
as quais devem confirmar ou rever as decisões,
sem que a mídia possa tomar lugar do julgamento
conforme o Direito. Criticável, portanto, é o
julgamento pela mídia e não o julgamento com a
mídia. Direito de informação não transfere o
lugar da Jurisdição para o ‘Jornal Nacional”2
(destaquei)
1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Agravo regimental no habeas corpus nº 0011249-‐55.2015.8.19.0000 julgado, em 15 de abril de 2014, pela 3ª Câmara Criminal. 2 ROSA, Alexandre Morais. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 4. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 348.
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12. Superada esse obter dictum, é forçoso volver
os olhares para a ilegalidade da prisão, uma vez
que não observou um intransponível mosaico
normativo composto por normas constitucional e
convencionais.
13. E sequer se mostra possível arguir a natureza
permanente do crime de tráfico como manobra
hermenêutica para reconhecer a legalidade do
ingresso dos militares no barraco debaixo de um
viaduto, uma vez que o Colendo Supremo Tribunal
Federal, ao apreciar o RE 603.616/RO, traçou
limites para o afastamento da norma fundamental
contida no artigo 5º, inciso XI, Constituição da
República.
14. Eis a ementa do decisório:
“Recurso extraordinário representativo da
controvérsia. Repercussão geral. 2.
Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da
CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado
judicial em caso de crime permanente.
Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado
judicial para ingresso forçado em residência em
caso de flagrante delito. No crime permanente, a
situação de flagrância se protrai no tempo. 3.
Período noturno. A cláusula que limita o ingresso
ao período do dia é aplicável apenas aos casos em
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que a busca é determinada por ordem judicial. Nos
demais casos – flagrante delito, desastre ou para
prestar socorro – a Constituição não faz
exigência quanto ao período do dia. 4. Controle
judicial a posteriori. Necessidade de preservação
da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da
Constituição. Proteção contra ingerências
arbitrárias no domicílio. Muito embora o
flagrante delito legitime o ingresso forçado em
casa sem determinação judicial, a medida deve ser
controlada judicialmente. A inexistência de
controle judicial, ainda que posterior à execução
da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da
garantia contra a inviolabilidade da casa (art.
5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra
ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de
São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori
decorre tanto da interpretação da Constituição,
quanto da aplicação da proteção consagrada em
tratados internacionais sobre direitos humanos
incorporados ao ordenamento jurídico. Normas
internacionais de caráter judicial que se
incorporam à cláusula do devido processo legal.
5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio,
sem uma justificativa prévia conforme o direito,
é arbitrária. Não será a constatação de situação
de flagrância, posterior ao ingresso, que
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justificará a medida. Os agentes estatais devem
demonstrar que havia elementos mínimos a
caracterizar fundadas razões (justa causa) para a
medida. 6. Fixada a interpretação de que a
entrada forçada em domicílio sem mandado judicial
só é lícita, mesmo em período noturno, quando
amparada em fundadas razões, devidamente
justificadas a posteriori, que indiquem que
dentro da casa ocorre situação de flagrante
delito, sob pena de responsabilidade disciplinar,
civil e penal do agente ou da autoridade e de
nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto.
Existência de fundadas razões para suspeitar de
flagrante de tráfico de drogas. Negativa de
provimento ao recurso.”3 (destaquei)
15. Ainda nesse momento expositivo, é
imprescindível ter em mente trechos do voto do E.
Relator proferido no citado Recurso
Extraordinário, sendo essa a justificativa da
transcrição nas linhas que se seguem.
“A proteção contra a busca arbitrária exige que a
diligência seja avaliada com base no que se sabia
antes de sua realização, não depois. Esse
princípio é adotado pelo direito norte-americano,
na medida que não dispensa o mandado em situações
de crime em curso, salvo se a busca imediata
3 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 603.616/RO julgado, em 05 de novembro de 2015, pelo Tribunal Pleno. Relator Ministro Gilmar Mendes.
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decorrer de circunstâncias exigentes – ‘exigent
circumstances’ –, assim consideradas ‘as
circunstâncias que levariam uma pessoa razoável a
crer que a entrada era necessária para prevenir o
dano aos policiais ou outras pessoas, a
destruição de provas relevantes, a fuga de um
suspeito, ou alguma outra consequência que
frustre indevidamente esforços legítimos de
aplicação da lei’ – ‘Those circumstances that
would cause a reasonable person to believe that
entry (or other relevant prompt action) was
necessary to prevent physical harm to the
officers or other persons, the destruction of
relevant evidence, the escape of a suspect, or
some other consequence improperly frustrating
legitimate law enforcement efforts’ [United
States v. McConney, 728 F. 2d 1195, 1199 (9th
Cir.), cert. denied, 469 U.S. 824 (1984)].”
(destaquei)
16. Ora Excelências, o ingresso na casa se
efetivou porque militares afirmaram que os
pacientes apresentavam atitude suspeita.
17. Indaga-se: o que é uma atitude suspeita?
18. Encarar um militar fardado é uma atitude
suspeita?
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19. Assustar-se com um blindado transitando pelas
vias urbanas, o que não é comum, se amoldaria
nesse conceito jurídico indeterminado?
20. A resposta, para todos esses questionamentos,
é de fácil obtenção: não se sabe!
21. Aliás, a doutrina já se manifestou sobre esse
verdadeiro conceito jurídico indeterminado que
flerta, e de maneira intensa, com o
autoritarismo, in verbis:
“A coluna fala sobre o festival de horrores da
atitude suspeita que (não) justifica a abordagem
pessoal, nos termos do art. 240 do CPP. A ideia
de que a liberdade é o pressuposto somente
justifica a abordagem policial em face do que se
denomina atitude suspeita. Não raro se indagados
em alguma audiência os policiais repetem: estava
em atitude suspeita. Mas no que consistia a
atitude suspeita? Podemos afirmar que existem
duas respostas possíveis. A primeira, de fato, o
policial teve uma intuição. A pergunta é: pode a
intuição justificar a violação de direitos? (...)
Assim é que a denominada intuição (perícia
intuitiva) se desenvolve porque com o tempo nos
adaptamos a reconhecer os elementos familiares em
dada situação e a responder de modo apropriado,
com aversão ao risco. De fato, o policial não
sabe explicar, mas intuiu que deveria agir.
DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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A segunda é uma mescla entre ingenuidade e
prevalência dos estereótipos. Os estereótipos são
verdadeiras próteses linguísticas: os cúmulos de
artifício. Já apresentamos no livro ‘In dubio
pro helll: profantando o sistema penal’ que a
tendência a se tomar a decisão mais intuitiva e
fácil prevalece. Exemplo disso acontece no livro
‘Policiamento Ostensivo, com ênfase no processo
motorizado’, do Capitão Élio de Oliveira Manoel,
aqui citado com todo o respeito, utilizado no
treinamento de policiais militares, verifica-se a
seguinte indicação de pedestres suspeitos:
‘- Homens que vagueiam próximos a escolas,
playground, banheiros públicos e piscinas podem
ser pervertidos sexuais;
‘- Homens vagando em locais de grande frequência
de mulheres, como empresas, lojas, hospitais,
podem ser pervertidos sexuais; (…)
‘Na cena de um incêndio qualquer pessoa que
mostre sinais de excitação ou emoção cujas calças
mostrem traços de urina recente ou ejaculação
podem ser piromaníacos.’
Salvo na última hipótese, nas demais, a
abrangência da descrição, de fato, autoriza a
prevalência do arbítrio e da intuição,
incompatíveis com o Estado Democrático de
Direito. Aceitar que situações genéricas possam
servir de justificativa para busca e apreensão é
algo que não se concebe por ser incontrolável.
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Ademais, todos podem ser pervertidos sexuais pela
descrição acima: a abrangência da atitude
suspeita parece ampliar o poder discricionário do
policial para alcançar qualquer um.”(destaquei)
22. É necessário prosseguir a partir do decidido
pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no Tema 280
da sistemática de repercussão geral, o que se
efetivou no RE 603.616/RO.
23. Não se trata, portanto, de qualquer exagero
em afirmar que não se encontravam presentes as
apontadas exigent circumstances, o que indica
para a ilegalidade do ingresso na mencionada casa
e, por via de consequência, da prisão em
flagrante.
24. Da forma como veio a ser apresentada no curso
da audiência de custódia, o reconhecimento da
ilegalidade da prisão em flagrante há de ser tido
como um marco para o Poder Judiciário.
25. Explico: um direito fundamental, qual seja, a
inviolabilidade do domicílio, para a sua
efetivação, não pode depender do CEP.
26. O mais humilde casebre, o barraco, a casa de
palafita também se encontram protegidos pela
norma fundamental prevista no artigo 5º, inciso
XI, Constituição da República.
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27. Pensar e, o pior, decidir em sentido
contrário, tal como o realizado pela autoridade
coatora, representa a permissão de outra
seletividade no controle penal. Ao lado da
seletividade de bens jurídicos, estará se
legitimando uma seletividade de classes sociais,
isto é, a depender do status social a
Constituição da República poderá, ou não, ser
observada para determinada pessoa.
28. Na verdade, a seletividade na observância do
direito fundamental da inviolabilidade do
domicílio representa privilégio odioso.
29. Independentemente de suposta culpa dos
pacientes, o que deverá ser objeto de
investigação no curso do devido processo legal,
não podem direitos e garantias fundamentais lhe
serem suprimidos, sob pena de soçobrar o
prometido Estado Democrático de Direito.
30. Em assim sendo, postula o impetrante pelo
reconhecimento da ilegalidade existente, qual
seja, ingresso em domicílio de maneira ilegal,
não sendo sequer possível enquadrar nos limites
excepcionados pelo Colendo Supremo Tribunal
Federal – autos do Recurso Extraordinário nº
603.616/RO - , o que implicará no relaxamento da
prisão imposta ao paciente.
DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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II – DA COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A
CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA
31. Para a concessão da tutela de urgência,
conforme iterativo entendimento jurisprudencial e
doutrinário, é imprescindível a comprovação
cumulativa de 2 (dois) requisitos: a
plausibilidade do direito invocado e o real
perigo na demora da prestação da tutela
jurisdicional.
32. O primeiro dos requisitos é aferido no curso
desta petição inicial, sendo relevante apontar,
por mais enfadonho que esse labor possa
representar, que o ingresso no casebre debaixo do
viaduto não foi consentido tampouco precedido de
autorização judicial.
33. Ademais, o caso em tela não se enquadra nos
limites excepcionados nos parâmetros
estabelecidos pelo Colendo Supremo Tribunal
Federal.
34. E que não se invoque o fato de a prisão em
flagrante ter sido convertida em preventiva, uma
vez que a alteração do título prisional não
afasta a mácula existente.
DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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35. A alegada ausência de comprovantes de
residência e ocupação lícita, argumentos
apresentados pela autoridade coatora para
fundamentar o ergástulo cautelar, com o devido
respeito tangencia o absurdo, quer seja por não
existir previsão legal nesse sentido, quer seja
pelo fato de os pacientes serem moradores de rua.
36. Em meio a uma evidente crise econômica,
exigir comprovante de ocupação lícita, o que se
daria por meio de cópia da CTPS, chega as raias
do absurdo, surreal e perverso.
37. A ordem pública, que veio a ser invocada pela
autoridade coatora, a despeito de ser um conceito
jurídico indeterminado, não constitui um
verdadeiro cheque em branco disponível para o
hermeneuta, ainda mais quando se considera a
previsão constitucional do estado de inocência.
38. Até o presente momento, não se pode afirmar
que risco a liberdade dos pacientes representaria
à ordem pública.
39. A plausibilidade jurídica do pedido liminar
possui, entre outros lastros, a ausência de
periculum libertatis.
DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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40. Muito embora não seja comum nas ações
mandamentais valer-se de fotos; no presente caso,
mostra-se necessário empregar desse expediente
para abalar um dado importantíssimo e submetido a
“drible hermenêutico” realizado pela autoridade
coatora, qual seja, o perfil dos pacientes
demonstra já no plano indiciário, e de maneira
cabal, incontestável e inquestionável, que não
são traficantes, associados ou portadores de
apetrechos bélicos.
41. Tal como apontado na audiência de custódia, o
comprometimento dos pacientes com o uso de
entorpecentes é gritante. Não constituindo,
portanto, qualquer exercício próprio de um
profeta ou exagero retórico afirmar que se os
pacientes, de fato, possuíssem o vasto material
de entorpecente, o teriam utilizado e,
provavelmente, antes mesmo da atuação militar já
teriam sido encaminhados para algum nosocômio em
razão do quadro de overdose.
42. Eis a foto dos pacientes extraídas logo após
a prisão-captura:
XXXXXXXXX
DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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43. Ainda no âmbito de demonstração da
fragilidade do fumus comissi delicti, e por via d
consequência reforça a presença da plausibilidade
do direito necessária para a concessão da tutela
de urgência, é de suma relevância destacar que o
caso tratado nestes autos veio a ser exposto nos
mais diversos canais de mídia e redes sociais com
a captura dos pacientes, custodiados em um jipe
do Exército Brasileiro e com a apreensão de um
“pé de maconha”.
44. Eis a foto:
DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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45. O pé de maconha não foi apresentado à
autoridade policial, tanto que não consta nos
bens apreendidos no APF, e, mesmo que se tivesse
sido, somente demonstra que a tipificação
realizada em sede policial e encampada pela
autoridade coatora sequer se mostra a mais
adequada.
46. O outro requisito exigido para a concessão da
tutela de urgência decorre da caótica situação do
sistema prisional fluminense, o que, inclusive,
ensejou a criação de Comitê Interinstitucional de
Enfrentamento à Superpopulação Carcerária.
47. De nada adianta criar um comitê e requerer a
participação de outras instituições públicas, se
o estado das artes não for alterado.
48. Aliás, não se pode desprezar o fato de que,
de acordo com dados elaborados pela SEAP, somente
no mês de janeiro de 2017, dentro do sistema
prisional fluminense ocorreram 22 (vinte e duas)
mortes.
49. O risco na demora da prestação da tutela
jurisdicional é, portanto, decorrente da concreta
ameaça existente à integridade física dos
pacientes, que se encontram ilegalmente presos.
50. Forte nessas considerações, postula pela
concessão de medida liminar, no sentido de que
DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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seja reconhecida a ilegalidade da prisão, o que
implicará no relaxamento da prisão.
51. Caso o E. Relator entenda que o pedido
liminar se confunda com o mérito desta ação
penal, requer a revogação da prisão preventiva
pela cautelar de comparecimento periódico em
juízo, tal como previsto no artigo 319, inciso I,
Código de Processo Penal.
III – DOS PEDIDOS
Em face de todo o exposto, postula o impetrante:
a. Pela concessão da ordem e habeas corpus, no
sentido de que seja reconhecida a ilegalidade da
prisão, uma vez que ocorreu patente violação de
domicílio, não sendo possível enquadrar a atuação
dos militares em qualquer das exceções previstas
no Recurso Extraordinário nº 603.616/RO, o que
implicará no relaxamento das prisões dos
pacientes;
DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS DOS NECESSITADOS
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b. A título subsidiário, uma vez que não se
encontram presentes os requisitos da prisão
preventiva, isto é, ausência do fumus comissi
delicti e periculum libertatis, pela substituição
da medida cautelar mais gravosa pelo
comparecimento periódico em juízo;
c. Pela admissão da documentação que acompanha a
presente petição inicial, até mesmo como forma de
elidir eventual alegação que aponte para a
necessidade de uma indevida dilação probatória;
e,
d. Pela intimação do E. Defensor Público em
exercício junto a esse Colendo Colegiado para,
querendo, acompanhar o presente feito, apresentar
memoriais, realizar sustentação, interpor
recursos e adotar quaisquer outras medidas que,
nos limites de sua independência funcional,
entender adequadas e necessárias para a
efetivação da ampla defesa.
Pede deferimento.
São Sebastião do Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2017.
Eduardo Januário Newton
Defensor Público do estado do Rio de Janeiro
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