constitucional teoria da constituicao e jurisdicao constitucional 2006 lenio luiz streck
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8/4/2019 Constitucional Teoria Da Constituicao e Jurisdicao Constitucional 2006 LENIO LUIZ STRECK
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Caderno de Direito Constitucional - 2006 Lenio Luiz Streck
Ficha Tcnica
DireoDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
ConselhoDes. Federal Antnio Albino Ramos de Oliveira
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
AssessoriaIsabel Cristina Lima Selau
Direo de SecretariaEliane Maria Salgado Assumpo
OrganizaoMaria Luiza Bernardi Fiori Schilling
RevisoLeonardo Schneider
Maria Aparecida Corra de Barros BertholdMaria de Ftima de Goes Lanziotti
Capa e EditoraoAlberto Pietro BigattiArthur Baldazzare Costa
Marcos Andr Rossi VictorazziRodrigo Meine
ApoioSeo de Reprografia e Encadernao
ContatosE-mail: emagis@trf4.gov.brFone: (51) 3213-3041, 3213-3043 e 3213-3042
Este Caderno est disponvel para download no site do TRF 4 Regio
(Emagis Currculos Permanentes Mdulo V Dir.Constitucional Cadernos de Direito
Constitucional ou Emagis Publicaes Cadernos de Direito Constitucional )
mailto:emagis@trf4.gov.brmailto:emagis@trf4.gov.br -
8/4/2019 Constitucional Teoria Da Constituicao e Jurisdicao Constitucional 2006 LENIO LUIZ STRECK
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Caderno de Direito Constitucional - 2006 Lenio Luiz Streck
Apresentao
O Currculo Permanente criado pela Escola da Magistratura do
Tribunal Regional Federal da 4 Regio - EMAGIS - um curso realizado emencontros mensais, voltado ao aperfeioamento dos juzes federais e juzes
federais substitutos da 4 Regio, que atende ao disposto na Emenda
Constitucional n 45/2004. Tem por objetivo, entre outros, propiciar aos
magistrados, alm de uma atualizao nas matrias enfocadas, melhor
instrumentalidade para conduo e soluo das questes referentes aos casos
concretos de suajurisdio.
O Caderno do Currculo Permanente fruto de um trabalho conjuntodesta Escola e dos ministrantes do curso, a fim de subsidiar as aulas e atender
s necessidades dos participantes.
O material conta com o registro de notveis contribuies, tais como
artigos, jurisprudncia selecionada e estudos de ilustres doutrinadores
brasileiros e estrangeiros compilados pela EMAGIS e destina-se aos
magistrados da 4 Regio, bem como a pesquisadores e pblico interessado
em geral.
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ndice:
Teoria da Constituio e Jurisdio Constitucional
Ministrante: Lenio Luiz Streck
Ficha Tcnica................................................................................................................................................. 01
Apresentao................................................................................................................................................. 02
Texto: A Concretizao de Direitos e a Validade da Tese da Constituio Dirigente em Pases deModernidade Tardia
Autor: Lenio Luiz Streck1. Notas Introdutrias: sintomas de uma baixa constitucionalidade............................................................... 04
1.1. O dia em que os juzes aplicaram um dispositivo fantasma............. .................................................. 06
1.2. De como ainda a Constituio continua a ser interpretada de acordo com leis infraconstitucionais.. 07
1.3. O problema da no suscitao de incidentes de inconstitucionalidade o enfraquecimento docontrole difuso................................................................................................................................................. 08
1.4. A coexistncia pacfica de leis inconstitucionais com a Constituio: de como estamos longe deconsubstanciar uma autntica filtragem hermenutico-constitucional........................................................... 09
1.4.1. A extino da punibilidade nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor pelocasamento (ou concubinato ou unio estvel) da ofendida com terceiros.................................................. 09
1.4.2. A transformao de crimes de mdia e alta ofensividade em softcrimes.................................... 09
1.4.3. O art. 94 do Estatuto do Idoso e o pragmatismo irresponsvel do legislador ou de comoescravizar um idoso ou deix-lo morrer de inanio passaram a ser crimes passveis de transaopenal............................................................................................................................................................... 11
1.4.4. Do dever fundamental de pagar impostos ao direito inalienvel de soneg-los: a inrcia dajurisdio constitucional ou la ley es como la serpiente; solo pica al descalzos.......................................... 12
1.4.5. As emendas ao Novo Cdigo Civil e a (longa) espera pelo legislador........................................ 13
1.4.6. A obrigatoriedade da presena de advogado no interrogatrio: de como a dogmtica jurdicasomente admitiu a tese depois da aprovao de lei ou de como mais fcil obedecer lei do que Constituio.................................................................................................................................................... 14
1.4.7. As contravenes penais e sua no-recepo pela Constituio ............................................... 15
2. Os dilemas do constitucionalismo - a tenso (inexorvel) entre jurisdio e legislao ............. ........... 18
3 A continuidade da validade da tese do dirigismo constitucional em pases perifricos.............................. 28
4. O papel da hermenutica nesse (necessrio) rompimento paradigmtico e o (novo) papel da jurisdioconstitucional na concretizao dos direitos fundamentais-sociais................................................................ 355. Porque ainda possvel (necessrio) sustentar a tese da Constituio Dirigente e Compromissria(adequada a pases de modernidade tardia) algumas notas conclusivas.................................................. 42
5.1. A Constituio como remdio contra maiorias o papel da regra contramajoritria......................... 43
5.2. A Constituio e sua dimenso material: de como estamos longe de concretizar/cumprir aspromessas da modernidade ......................................................................................................................... 47
5.3. De como devemos capilarizar a fora normativa da Constituio: a necessria antropofagia dasteses importadas as especificidades da crise que obstaculiza o acontecer (Ereignen) da Constituio... 50
5.4. A perda do substrato social do Direito: a cegueira do positivismo normativista ou de como oestablishment jurdico continua refm de um pensamento metafsico.......... ................................................. 54
5.5. O constituir da Constituio: a necessria reao contra a fala falada.......................................... 58
Bibliografia...................................................................................................................................................... 61
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A CONCRETIZAO DE DIREITOS E A VALIDADE DA TESE DA
CONSTITUIO DIRIGENTE EM PASES DE MODERNIDADE TARDIA
Lenio Luiz Streck 1
1. Notas Introdutrias: sintomas de uma baixa constitucionalidade
Nunca se falou tanto em Constituio como nos ltimos cinco ou seis
anos. Congressos, seminrios, dissertaes, teses e ampla produo bibliogrfica
tm apontado para as constitucionalizaes do direito civil, do direito penal, do pro-cesso civil, etc. Se um estrangeiro no versado no estado da arte da crise do direito
no Brasil comparecesse, por estes dias, aos congressos e simpsios ou at mesmo
fizesse parte de bancas na ps-graduao ou ainda passasse os olhos na produo
bibliogrfica, acharia, com toda a certeza, que o Brasil estaria passando por uma
verdadeira Allgegenwart der Verfassung, isto , a onipresena da Constituio em
todo o sistemajurdico.
Na prtica, entretanto, a solido constitucional2 continua e se agrava.
H, efetivamente, um abismo separando o discurso sobre a Constituio da efetivaoperacionalizao/concretizao do Direito Constitucional.
Afinal, o que pensamos da Constituio? O que isto, a Constituio?
E qual o papel da jurisdio constitucional em um pas perifrico e de modernidade
tardia? Uma coisa resta muito clara: quando aprofundamos o debate sobre a fora
1 Doutor em Direito do Estado; Ps-Doutor em Direito Constitucional e Hermenutica; Procurador deJustia-RS; Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da UNISINOS. Professor con-
vidado da UNESA-RJ; Universidad de Valladolid-ES e Faculdade de Direito da Universidade de Lis- boa-PT. Coordenador da parte brasileira do ACORDO INTERNACIONAL CAPES-GRICES entre aUNISINOS e a FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA-PT. Autor deHermenutica Jurdica E(m) Crise (5 ed), As interceptaes Telefnicas e os Direitos Fundamentais,Cincia Poltica e Teoria Geral do Estado, Tribunal do Jri Smbolos e Rituais, entre outras, todas daEditora Livraria do Advogado, RS; tambm Jurisdio Constitucional e Hermenutica Uma NovaCrtica do Direito, 2 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003.2 A expresso solido constitucional vem a propsito do romance de Gabriel Garcia Marquez Cemanos de solido, numa aluso baixa constitucionalidade - representada pelo papel secundrio quetem sido dado Constituio - que tem assolado o pas, desde a independncia aos nossos dias. Ocor-reu, pois, um esquecimento constitucional.
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normativa da Constituio3 e seu papel dirigente e compromissrio, de imediato sal-
tam pesadas acusaes de ativismo judicial, de judicializao da poltica, invaso de
subsistemas, para dizer o mnimo.
No fundo, tais acusaes tm como pano de fundo o contraponto entre
as teorias processuais e as teorias materiais da Constituio, ou se quisermos, o
debate entre procedimentalistas e substancialistas. Ocorre que esse contraponto
no aparece explicitado teoricamente (a partir de matrizes tericas) nem nas discus-
ses da assim denominada dogmtica jurdica no campo da operacionalidade (no
h notcias de que em algum acrdo ou deciso essa temtica tenha sido aborda-
da) - e tampouco nas discusses doutrinrias.
Ou seja, de pouco adianta exaltar a Constituio e fazer uma ode ao
constitucionalismo ou dissertar dogmaticamente sobre o controle de constitucionali-
dade (deve haver mais de trs dezenas de boas obras explicando o que e como
funciona o controle de constitucionalidade no Brasil), se os juzes pouco fazem uso
do controle difuso de constitucionalidade e os tribunais evitam a suscitao dos in-
cidentes de inconstitucionalidade: na verdade, isto ocorre porque ainda somos re-
fns de um senso comum terico no interior do qual vigncia igual a validade e
texto igual a norma, como se um texto carregasse consigo um sentido prprio,
em si (imanente), e que restasse ao intrprete a tarefa de extrair esse sentido, numaespcie deAuslegungde cunho reprodutivo.
Isto perfeitamente constatvel se examinarmos nosso sistema jurdi-
co, em que convivemos de h muito com normas inconstitucionais, sem que a juris-
dio constitucional da qual tanto se fala tenha sido acionada para a devida fil-
tragem hermenutico-constitucional. Mais do que isto, muitas vezes a Constituio
interpretada de acordo com os Cdigos ou de acordo com smulas. Veja-se, para
tanto, de forma exemplificativa, os seguintes casos que atestam aquilo que venho
denominando de baixa constitucionalidade4
, sendo despiciendo, a toda evidncia,recordar o destino dado ao mandado de injuno e a supresso - inconstitucional -
da legitimidade ativa em favor do cidado na argio de descumprimento de precei-
3 No se deve olvidar que, quando falamos de fora normatica da Constituio, estamos falando em levar oseu texto a srio, na medida em que a fora normatica tem o condo de superar o problema (ideolgico) dadiviso entre Constituio formal e Constituio real, questo que tem atravessado o debate acerca doconstitucionalsmi desde Lassale Konrad Hesse.4 Ver, para tanto, meu Jurisdio Constitucional e Hermenutica uma Nova Crtica do Direito. 2.Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2003.
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to fundamental (ADPF), e tampouco parece necessrio fazer maiores referncias ao
efeito avocatrio inconstitucionalmente introduzido na prpria ADPF e na ao decla-
ratria de constitucionalidade (ADC), alm das inconstitucionalidades constantes na
Lei 9.868/99. Assim, de forma exemplificativa:
1.1. O dia em que os juzes aplicaram um dispositivo fantasma
No deixa de ser elucidativo o episdio que envolveu a aplicao, por
centenas de juzes, de um dispositivo fantasma introduzido de forma clandestina no
corpo da Lei 9.639/98 (pargrafo nico do art. 11). Naquela ocasio, o CongressoNacional aprovou projeto do Poder Executivo concedendo anistia aos agentes pbli-
cos que retiveram contribuies previdncias dos segurados da Previdncia Social.
Tal matria constou no art. 11. Antes que fosse sano presidencial, foi introduzido
um pargrafo nico fantasma, estendendo a anistia aos sonegadores de tributos. O
Presidente da Repblica sancionou a Lei sem perceber o dispositivo introduzido
socapa. Constatado o equvoco, o ato foi republicado no dia seguinte. Pois bem:
com base na vigncia do pargrafo fantasma por um dia, comearam a ser con-
cedidas anistias a todas as pessoas envolvidas nos crimes alcanados por esse a-crscimo, sob fundamentos do tipo em nome da segurana jurdica, o texto publi-
cado, apesar de erro, existe e entrou em vigor..., etc., aduzindo-se ainda citaes
doutrinrias (sic) acerca da interpretao do art. 1o. pargrafo 4o. da LIIC...! Em face
disso, o Ministrio Pblico Federal teve que ingressar com milhares de recursos ex-
traordinrios, a ponto de o Min. Marco Aurlio deferir, em seo plenria, liminar com
efeito ex tunc(HC n. 77724-3), comunicando nao a coisa mais prosaica do mun-
do: a de que uma lei fantasma no pode gerar efeitos no mundo jurdico...! O inusi-
tado da questo que um grupo expressivo de juzes no conseguiu resolver o
problema gerado por uma lei fantasma; o STF teve que ser chamado para solver o
litgio; pior do que isto que ficou patente a crise de baixa constitucionalidade, pela
metafsica equiparao entre vigncia e validade que serviu de base para as deci-
ses que determinaram o arquivamento (sic) dosprocessos .
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1.2. De como ainda a Constituio continua a ser interpretada de a-
cordo com leis infraconstitucionais
Parece inconcebvel que a Constituio possa vir a ser interpretada de
acordo com uma lei ordinria ou com uma Smula. Parece que ningum admitia tal
possibilidade. Entretanto, o prprio Supremo Tribunal Federal recentemente decla-
rou a inconstitucionalidade de dispositivo de medida provisria tendo como parame-
tricidade uma Smula de origem anterior Constituio.5 Mais ainda, em vrias o-
casies o Supremo Tribunal Federal deixou de apreciar inconstitucionalidades, sob
pretexto de que a violao, antes de ser da Constituio, da lei ordinria ( o caso,
por exemplo, dos casos em que a parte alega violao do dispositivo do art. 5 o. da
CF, que trata do direito adquirido, ocasio em que o STF remete a discusso da in-
constitucionalidade para o plano da resoluo de antinomia, uma vez que o direito
adquirido tambm est previsto na Lei de Introduo ao Cdigo Civil sic). Em linha
similar, veja-se o caso do julgamento do processo n. 70006855142, no qual a 5a.
Cmara Criminal do TJ-RS, unanimidade, rejeitou preliminar que suscitava o inci-
dente de inconstitucionalidade do inciso IV do pargrafo 3o. do art. 10 da Lei n.
9.437/97, que a mesma Cmara, de h muito, vinha julgando inconstitucional, massem a remessa ao full bench, nos termos do art. 97 da CF. Ao arrepio da Constitui-
o, o rgo fracionrio entendeu que, antes de violar a Lei Maior, o dispositivo em
tela entrava em choque com o dispositivo do Cdigo Penal que estabelece o princ-
pio da reserva legal, verbis: ...o inciso IV do par. 3. do art. 10 da Lei n. 9.437/97no
padece necessariamente de inconstitucionalidade. Seu vcio outro e est relacio-
nado com o princpio da reserva legal, este tambm consagrado na legislao ordi-
nria (art. 1o. do CP), situao a fazer dispensvel o incidente de inconstitucionali-
dade para arredar a aplicao do dispositivo legal identificado. Mutatis mutandis, apartir de tal raciocnio, seria (ou ) possvel afirmar que, acaso o Cdigo Penal repe-
tisse todo o contedo da Constituio, no haveria mais inconstitucionalidades...!
5 Informativo do STF n. 240/2001.
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1.3. O problema da no suscitao de incidentes de inconstituciona-
lidade o enfraquecimento do controle difuso
A dificuldade em operacionalizar o controle difuso visvel em alguns jul-
gamentos, como o caso da deciso proferida pela 9a. Cmara de Frias do Tribu-
nal de Justia de So Paulo, em data de 24 de janeiro de 2003, cujo mrito teve re-
percusso nacional, porque tratou da inconstitucionalidade do foro privilegiado insti-
tudo pela Lei n. 10.628/02. Equivocadamente, o rgo fracionrio declarou in-
constitucional dispositivo legal, sem suscitar o incidente. 6 H casos em que o Tribu-
nal ignora at mesmo que seja possvel controlar a constitucionalidade de lei em se-de de habeas corpus, in verbis:
(...) A inconstitucionalidade de uma lei, ou ato normativo, sabida-
mente, no se presume, nem seria possvel declar-la no mbito restrito do
habeas corpus(sic).7
Em linha similar, veja-se a equivocada viso sobre o controle difuso de
constitucionalidade proveniente do TJRS:
Embora no Regimento Interno deste Tribunal seja possvel um r-
go Fracionrio levar ao rgo Especial uma possvel argio de inconstitu-cionalidade de lei municipal ou mesmo estadual, frente a Constituio Esta-
dual, o rgo Especial no tem competncia para decidir matria de lei esta-
dual que fira a Constituio Federal. Ento, a matria no est na competn-
cia deste Tribunal nem deste rgo Fracionrio.8
Tais decises representam, simbolicamente, a crise exsurgente da his-
trica baixa aplicao do controle difuso de constitucionalidade pelos tribunais da
Repblica.
6Agravo de Instrumento 313.238-5/1-00, Rel. Des. Antonio Rulli.
7Ac. 94.116 TJDF, DJU 14.5.97, p. 9.378. No mesmo sentido, o acrdo n. 94.117.
8 Apelao e Reexame Necessrio n. 70000205609 4a. Cmara Cvel TJRS; incorrendo no mesmoequvoco, o acrdo 70003602152 Primeira Cmara Cvel TJRS.
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1.4. A coexistncia pacfica de leis inconstitucionais com a Constitu-
io: de como estamos longe de consubstanciar uma autntica filtragem her-
menutico-constitucional
1.4.1. A extino da punibilidade nos crimes de estupro e
atentado violento ao pudor pelo casamento (ou concubinato ou unio estvel)
da ofendida com terceiros
O sistema jurdico brasileiro convive h dcadas com um dispositivo que
afronta o princpio da dignidade da pessoa humana e no h notcias de que algum
Tribunal o tenha declarado inconstitucional. Trata-se do art. 107, VIII, que estabelecea extino da punibilidade (sic) dos crimes sexuais pelo casamento da vtima com
terceiro. Mais grave que o disposto no aludido dispositivo so as decises de alguns
tribunais, que estendem a benesse aos casos de concubinato e de unio estvel
(RHC 79.788-1, STF, julgado em 02/05/2000). O dispositivo nunca havia sofrido con-
testao no plano da aferio da constitucionalidade9 e tampouco teve restries por
parte da doutrina. Constata-se facilmente, tambm aqui, o problema positivista-
normativista da identificao entre vigncia e validade (ou, se se quiser, entre texto e
norma). De qualquer modo, alvissareira a notcia de que a correo dessa anoma-lia legislativa foi, agora, finalmente efetivada, com a edio da Lei 11.106, de 2005,
que revogou o malsinado inciso VIII do art. 107 do Cdigo Penal.
1.4.2. A transformao de crimes de mdia e alta o-
fensividade em softcrimes
Outro exemplo ilustrativo da crise de baixa constitucionalidade advm
da aprovao da Lei 10.259/01, que passou a considerar crimes de menor potencialofensivo (soft crimes) todos aqueles a que a lei comine pena mxima no superiora
9 Confrontado pela vez primeira com um caso concreto em que um pai, condenado a 12 anos de reclu-so por ter estuprado sua filha, solicitava o benefcio, suscitei a inconstitucionalidade (no-recepo)do aludido dispositivo (70006451827 5a Cmara Criminal do TJRS), com base no princpio da pro-
porcionalidade, em face da violao da proibio de proteo deficiente (Untermassverbot). Ver,paratanto, Streck, Lenio Luiz. Da Proibio de excesso (bermassverbot) proibio de proteo defici-ente (Untermassverbot): de como no h blindagem contra normas penais inconstitucionais. In: Re-vista IHJ, n. 2, pp. 243-284.
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dois anos, ou multa. Com isto, dezenas de infraes passaram, por um passe de
mgica, a fazer parte do rol de crimes de menor potencial ofensivo, como: infraes
previstas no Cdigo Penal: exposio ou abandono de recm nascido (art. 134) e
subtrao de incapazes que equivale, mutatis mutandis, a um seqestro (art. 249);
violao de domiclio, cometido durante a noite ou em lugar ermo, ou com o empre-
go de violncia ou de arma ou por duas ou mais pessoas (art. 150, par. 1 ); atentado
ao pudor mediante fraude (art. 216); desacato (art. 331), desobedincia (art. 359) e
fraude processual (art. 347); infraes previstas em leis esparsas: crimes contra a
ordem tributria (art. 2 da Lei n. 8.137); crimes ambientais (art. 45 da Lei n. 9.605);
crimes cometidos contra criana e adolescente (arts. 228, 229, 230, 232, 234, 235,
236, 242, 243 e 244 da Lei n. 8.069); crime de porte ilegal de arma
10
(art.10, caput,e pargrafo primeiro, incisos I, II e III, da 9.437); crimes ocorridos nas licitaes (arts.
93, 97 e 98 da Lei n. 8.666); crimes de abuso de autoridade11. Embora a contrarie-
dade de parte da comunidade jurdica, que demonstrou, inicialmente, uma certa per-
plexidade de ndole pragmtica, pelo choque que representou o rebaixamento de
determinadas infraes, nada foi feito em termos de jurisdio constitucional - para
corrigir essa anomalia. Novamente a crise aparece pela metafsica equiparao en-
tre vigncia e validade. Inconformado, suscitei a inconstitucionalidade de parte da
lei12
, a partir da propositura de uma nulidade parcial sem reduo de texto (Teilni-
10No crime de porte ilegal de arma que se pode aquilatar a dimenso da crise do direito. Com efeito,como que para demonstrar o total afastamento da materialidade da Constituio, o legislador, primeiroatravs da Lei n. 10.259/01, rebaixou o delito categoria crime de menor potencial ofensivo (sic),
para, depois, pela recentssima Lei n. 10.826/03, catapultar o mesmo delito ao rol dos crimes degrande potencial ofensivo, a ponto de coloc-lo como inafianvel (sic). Como no h critrio,nada surpreenderia se, amanh, o legislador optasse por descriminalizar o porte de arma. De qualquersorte, tais idas e vindas do legislador no encontrar(i)am qualquer obstculo de ndole constitucionalno seio dos operadores jurdicos. Afinal, lei vigente lei vlida...! Epronto!11 A justificativa constitucional encontra-se em Streck, Lenio Luiz. Juizados Especiais Criminais Luz da Jurisdio Constitucional. A filtragem hermenutica a partir da aplicao da tcnica da nulida-
de parcial sem reduo de texto, in Caderno Jurdico, v. 2, n. 5, So Paulo: ESMP, 2002.12 Na 5 Cmara Criminal do Tribunal de Justia do RS, a tese da inconstitucionalidade parcial semreduo de texto tem sido rejeitada sob o fundamento de que, na medida em que a norma (art. 2 da Lein. 10.259/01) traz benefcios ao cidado-ru, a declarao da inconstitucionalidade parcial de algumasincidncias importa em afronta aos princpios bsicos do direito penal e inverso da leitura constitu-cional da legislao penal interpretao restritiva de norma para beneficiar o dbil: dirigida paradentro, na direo autoritria! (sic) (v.g., por todos, o Processo n. 70005655584, Rel. Des. AmiltonBueno de Carvalho). possvel perceber um ntido vis iluminista na tese esboada pelo aludido r-go Fracionrio, que nitidamente obstaculiza as possibilidades de extenso da funo de proteo pe-nal aos bens de interesse para alm da relao inter-individual. No fundo, trata-se da assuno davelha oposio (iluminista) entre Estado e Sociedade (Ferreira da Cunha, Maria da Conceio. Consti-
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chtigerklrung ohne Normtextreduzierung). A argio foi rechaada. E a lei continua
em vigor ... e vlida ..., fazendo suas vtimas, a partir da banalizao da teoria do
bem jurdico, isto para dizer o menos!
1.4.3. O art. 94 do Estatuto do Idoso e o pragmatismo ir-
responsvel do legislador ou de como escravizar um idoso ou deix-lo morrer
de inanio passaram a ser crimes passveis de transao penal
Outra irresponsabilidade legislativa no corrigida atravs da jurisdio
constitucional foi a edio da Lei n. 10.741/03 (Estatuto do Idoso), pela qual (art. 94)
inacreditavelmente foram rebaixados categoria de crimes de menor potencial o-fensivo todos os crimes previstos naquela lei, desde de que a pena, abstratamente
considerada, no ultrapasse h 4 anos.13 Isto faz com que crimes como deixar de
prestar assistncia a idoso, com resultado morte, expor a perigo a integridade e a
sade, fsica ou psquica, do idoso, submetendo a condies desumanas, com a
sujeio deste a trabalho escravo e disso resultando leso corporal grave, sejam
levados aos juizados especiais criminais, estando aptos a receber benesse da tran-
sao penal, atravs da qual, mediante o pagamento de uma ou algumas cestas
bsicas, a persecutio criminis estar esgotada! O art. 94 absolutamente inconstitu-cional por violao da clusula de proibio de proteo deficiente (Untermassver-
bot). Tambm aqui aparece a crise de baixa constitucionalidade, como se houvesse
uma blindagem protegendo o legislador ordinrio, obstaculizando a fora normativa
da Constituio.
tuio e Crime uma perspectiva da criminalizao e da descriminalizao . Porto: Universidade
Catlica Portuguesa, 1995, p. 274-275) , no interior da qual o Estado visto como intrinsecamen temau e o cidado intrinsecamente bom.13 Em face da perplexidade gerada pela nova lei, amplos setores da dogmtica jurdica ao invs de admitir ainconstitucionalidade optaram pelo tangenciamento. Com efeito, passou-se a entender que aos crimesestabele- cidos no Estatuto do Idoso apenas se aplica o procedimento (sumarssimo - arts. 77 a 83) da Lei n.9.099/95, expungindo-se a possibilidade de composio civil e transao penal. Ou seja, fez-se uma releitura tambminconstitucional - do procedimento previsto na referida lei, como se a transao e a composio no fizessemparte do procedimento. Ora, se existe uma ordem (primeiro possibilitada a composio civil e depois ofertadaa transao), parece bvio que se est diante de um procedimento. O que quero registrar que, a pretexto deresol- ver paradoxos de uma lei , no se pode tangenciar o necessrio exame de constitucionalidade, que
precede qual- quer exame no plano infraconstitucional. Por isto, apesar da interpretao que a dogmticajurdica tem conferi- do ao aludido dispositivo (art. 94), continuo a entender que o mesmo inconstitucional.
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1.4.4. Do dever fundamental de pagar impostos ao direito
inalienvel de soneg-los: a inrcia da jurisdio constitucional ou la ley es
como la serpiente; solo pica al descalzos
Recentemente foi promulgada a Lei n. 10.684/03, que, seguindo a tradi-
o inaugurada pela Lei n. 9.249/95 (que, no art. 34, estabelecia a extino de puni-
bilidade dos crimes fiscais pelo ressarcimento do montante sonegado antes do rece-
bimento da denncia), estabeleceu a suspenso da pretenso punitiva do Estado
referentemente aos crimes previstos nos arts. 1o. e 2o. da Lei n. 8.137/90, e nos arts.
168-A e 337-A do Cdigo Penal, durante o perodo em que a pessoa jurdica rela-
cionada com o agente dos aludidos crimes estiver includa no regime de parcela-mento( art. 9o.). Mais ainda, estabeleceu a nova lei a extino da punibilidade dos
crimes antes referidos quando a pessoa jurdica relacionada com o agente efetuaro
pagamento integral dos dbitos oriundos de tributos e contribuies sociais, inclusive
acessrios. De pronto, cabe referir que inexiste semelhante favor legal aos agentes
acusados da prtica dos delitos do art. 155, 168, caput, e 171, do Cdigo Penal, i-
gualmente crimes de feio patrimonial no diretamente violentos. Fica claro, assim,
que, para o establishment, mais grave furtar e praticar estelionato do que sonegar
tributos e contribuies sociais. Da a pergunta: tinha o legislador discricionariedade(liberdade de conformao) para, de forma indireta, descriminalizar os crimes fiscais
(lato sensu, na medida em que esto includos todos os crimes de sonegao de
contribuies sociais da previdncia social)? Poderia o legislador retirar da rbita da
proteo penal as condutas dessa espcie? Creio que a resposta a tais perguntas
deve ser negativa. No caso presente, no h qualquer justificativa de cunho emprico
que aponte para a desnecessidade da utilizao do direito penal para a proteo dos
bens jurdicos que esto abarcados pelo recolhimento de tributos, mormente quando
examinamos o grau de sonegao no Brasil. No fundo, a previso do art. 9 da Lei n.10.684/03 nada mais faz do que estabelecer a possibilidade de converter a conduta
criminosa prenhe de danosidade social em pecnia, favor que negado a outras
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condutas.14 Tambm aqui com rarssimas excees no tem havido qualquer
resistncia constitucional no plano da operacionalidade do Direito.
pelo legislador
1.4.5. As emendas ao Novo Cdigo Civil e a (longa) espera
A dogmtica jurdica tem se sustentado historicamente na (metafsica)
equiparao entre vigncia e validade (o que equivale hermeneuticamente a equipa-
rar texto e norma e vigncia e validade). Com isto, a Constituio fica relegada a um
segundo plano, porque sua parametricidade perde importncia na aferio da vali-
dade de um texto. Ora, um texto pode ser vigente e, ao mesmo tempo, invlido, nulo,porque inconstitucional. Assim, todos os juzes e os tribunais podem deixar de apli-
car leis inconstitucionais; podem, tambm, aplicar as tcnicas da interpretao con-
forme e da nulidade parcial sem reduo de texto, para salvar determinados textos
jurdicos de sua expulso do sistema. O recente episdio da entrada em vigordo
Cdigo Civil em 2003 d mostras concretas da condio de refm de um pensamen-
to dogmtico que parte considervel da doutrina e da jurisprudncia ainda conser-
vam. Como o Cdigo demorou quase trs dcadas para ser aprovado, inexorvel
que o produto final estivesse eivado de erros (de simples incompatibilidades no pla-no das antinomias at flagrantes inconstitucionalidades). Assim, j nos primeiros
meses centenas de emendas foram encaminhas ao Congresso Nacional, esperando
que este venha a corrigir as anomalias. O que causa maior estranheza que deze-
nas dessas emendas so absolutamente despiciendas, uma vez que os alegados
vcios so perfeitamente sanveis a partir de um adequado manejo da interpretao
constitucional, mediante a aplicao da jurisdio constitucional. evidente que
sempre melhor que uma lei seja corrigida pelo prprio legislador. Entretanto, a ci-
dadania no pode ficar merc dessa longa espera pelo legislador. O inusitado ad-vm do fato de que, em alguns casos, os juzes continuam aplicando determinados
dispositivos, mesmo que haja emendas propondo a derrogao dos mesmos, por
violao da Constituio (v.g., art. 1.621, pargrafo 2o., art. 1641, II, art. 1614, 1694,
pargrafo segundo, para citar to-somente algumas incidncias). Em outros casos,
14 Vale lembrar que o Procurador-Geral da Repblica ingressou com Ao Direta de Inconstitucionali-dade contra o aludido art. 9 (ADIn n. 3002).
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bastaria a aplicao da interpretao conforme e as emendas se tornariam dispen-
sveis (v.g. art. 1602, art. 1.638, inc. III, 1566, inc. I e II, art. 1727-A, para ficarape-
nas em alguns dos casos objetos de emendas). Ou seja, uma adequada filtragem
hermenutico-constitucional do novo Cdigo eliminaria, de imediato, a maiorparcela
de suas anomalias.
1.4.6. A obrigatoriedade da presena de advogado no in-
terrogatrio: de como a dogmtica jurdica somente admitiu a tese depois da
aprovao de lei ou de como mais fcil obedecer lei do que Constituio
At o advento da Lei 10.792, de 1o. de dezembro de 2003, embora a
Constituio deixe claro o princpio da ampla defesa, o devido processo legal e ou-
tras garantias, eram raros os tribunais15 que admitiam a tese da obrigatoriedade da
presena do advogado no interrogatrio e, conseqentemente, da nulidade dos in-
terrogatrios realizados sem essa formalidade. Mais do que isto, os acrdos que
anulavam interrogatrios realizados sem a presena de advogado eram atacados via
recursos especial e extraordinrio. No h notcias de que os manuais de direito
processual penal, neste espao de quinze anos de vigncia da Constituio, tenhamapontado na direo de que seria nulo qualquer interrogatrio sem a presena do
defensor. Bastou que a nova Lei viesse ao encontro da jurisprudncia forjada inici-
almente na 5a. Cmara do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, para que a po-
lmica se dissolvesse no ar. Trata-se, a toda evidncia, de uma demonstrao sim-
blica da crise de baixa constitucionalidade: os juristas preferiam no obedecer a
Constituio, da qual era possvel extrair, com relativa facilidade, o imprio do prin-
cpio do devido processo legal e da ampla defesa; mas, com o advento da lei n.
10.792/03, estabelecendo exatamente o que dizia a Constituio, cessaram os pro-blemas.
15 A 5. Cmara Criminal do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, junto a qual tenho acento comoProcurador de Justia, j de h muito vinha aplicando a tese da obrigatoriedade da presena do defen-sor no interrogatrio, afervel, facilmente, do princpio constitucional da ampla defesa.
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pela Constituio
1.4.7. As contravenes penais e sua no-recepo
O advento de uma nova Constituio necessariamente provoca profun-
das alteraes no ordenamento jurdico de um pas. Leis incompatveis com o novo
fundamento de validade deve(ria)m ser expungidas. Se forem anteriores Constitui-
o, ocorre o fenmeno da no recepo (como se sabe, o Brasil adota a tese da
impossibilidade da existncia de inconstitucionalidade superveniente). Assim, v.g.,
parece evidente que o Decreto-lei n. 3.688/41, tambm denominado de Lei das
Contravenes Penais, bem como os demais crimes de mera conduta, mostram-se
absolutamente incompatveis com o Estado Democrtico de Direito institudo pela
Constituio Federal de 1988. As contravenes penais, ao punirem meras condu-
tas, vcios e comportamentos, entram em rota de coliso com o princpio da securali-
zao, nsito ao Estado Democrtico de Direito. Com efeito, na esteira do que lecio-
na Ferrajoli, afirma-se que o princpio da secularizao (separao entre direito e
moral), inerente ao direito e ao processo penal do Estado Democrtico de Direito,
exige que os juzos emitidos pelo julgador no versem acerca de la moralidad, o el
carter, u otros aspectos substanciales de la personalidad del reo, sino slo acercade hechos penalmente proibidos que le son imputados y que son, por outra parte, lo
nico que puede ser empiricamente probado por la acusacin y refutado por la de-
fensa. El juez, por conseguiente, no debe someter a indagacin el alma del imputa-
dado, ni debe emitir veredictos morales sobre su persona, sino slo investigar sus
comportamientos prohibidos. Y un cidaudano puede ser juzgado, antes de ser casti-
gado, slo por aquello que ha hecho, y no, como en el juicio moral por aquello que
es. 16 Desse modo, sob os auspcios da teoria garantista, desde a promulgao da
Constituio j deveria ter havido uma filtragem hermenutico-constitucional de taisnormas, adequando-as ao novo fundamento de validade, afastando dezenas de in-
16 Cfe. FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razn: Teora del garantismo penal. Madrid: Editorial Trotta,1995, p. 223. No se est tratando, neste ponto, da questo positivista da separao entre direito emoral. O que se est a tratar a questo de o direito penal no ingressar na esfera da moralidade (jo-gos, prostituio, ato obceno, etc.), estabelecendo criminalizaes behavioristas.
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fraes bagatelares que assolam as prateleiras da justia brasileira.17 Em sntese: o
direito penal deve estar voltado somente punio de condutas que violem, concre-
tamente, bens jurdicos relevantes e especificados, e no de vcios e comportamen-
tos! Afinal, no h crime sem vtima. Assim, somente pode haver crime se, no caso
concreto, ficar provado que houve risco, para um determinado bem jurdico. Em su-
ma: o Estado Democrtico de Direito, ao mesmo tempo em que necessita de um
processo de penalizao de delitos que pem em risco a cidadania e os objetivos da
Repblica como a sonegao de impostos e contribuies sociais, contrabando,
crime organizado, etc. tem, do mesmo modo, a necessidade de promover a des-
penalizao de condutas que, inegavelmente, tornaram-se, atravs da prpria soci-
edade, desmerecedoras da reprimenda penal. Assim, na medida em que o legislador
longe est de (r)estabelecer a prevalncia do fundamento superior de validade ad-
vindo da (nova) Constituio, a jurisdio constitucional, a partir da assuno da di-
ferena (ontolgica) entre texto e norma e vigncia e validade, poderia (e pode) rea-
lizar essa importante tarefa, expundindo, no plano do controle de constitucionalida-
de, tipos penais e contravencionais incompatveis com a validade constitucional. A
sua prevalncia vai mostrar como mostra a crise de baixa constitucionalidade.18
Estes so, pois, alguns exemplos que representam simbolicamente aproblemtica aqui apontada. Na operacionalidade quotidiana do Direito ainda esta-
mos muito distantes de uma efetiva aplicao da Constituio, entendida em sua
materialidade. Tantos outros poderiam ser aqui elencados. Mas , talvez, nas pala-
vras de um Desembargador do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul que este-
jam presentes e novamente necessria a invocao da importncia do simblico
os ingredientes que engendram a crise de baixa constitucionalidade que pretendo
discutir nesta obra: instado pelo advogado de defesa, em sustentao oral, a aplicar
princpios constitucionais, sua excelncia afastou-os com base no Cdigo de Pro-
17 Do conjunto de tipos contravencionais, apenas dois restam compatveis com a Constituio: disparode arma de fogo e perturbao do sossego. A retirada de tais tipos deixaria sem proteo penal bens
jurdicos que podem ser considerados relevantes.18 Despiciendo referir a inconstitucionalidade (no recepo) de tipos penais como casa de prostitui-o, rufianismo, etc, bem como os crimes de dano, esbulho possessrio, incompatveis com os fins aque se destina o Direito Penal do Estado Democrtico de Direito.
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cesso Penal.19 Trago a lume, ainda, alguns episdios que, pela sua dramaticidade,
procuram chamar a ateno da comunidade jurdica para aquilo que pode ser cha-
mado de a necessria republicanizao do Direito em nosso pas e a resistncia
constitucional como compromisso tico do jurista: recentemente, na cidade de Tra-
manda-RS, ocorreu a priso em flagrante de uma mulher acusada de tentarfurtar
uma tampa de lata de lixo. Note-se que essa mulher tirava seu sustento do recolhi-
mento de materiais na rua para vend-los. O flagrante foi homologado, sendo a indi-
ciada recolhida Penitenciria Estadual Feminina Madre Pelletier, em Porto Alegre,
distante mais de cem quilmetros, onde permaneceu presa durante longos seis dias.
Somente por intermdio de habeas corpus deferido pela 5a. Cmara Criminal do TJ-
RS que a autora do delito foi posta em liberdade ( Processo nq 70004159984
Rel. Des. Aramis Nassif). Comparece-se este caso com a recente estatstica que d
conta de que, durante a vigncia da lei da lavagem de dinheiro (Lei n. 9.613/98), por-
tanto, entre 1998 e 2004, somente ocorreu uma condenao por esse crime com
trnsito emjulgado.
A pretenso destas reflexes, assim, restringe-se a insistir na tese de que
a Constituio ainda constitui e que a Constituio constitui-a-ao do Estado. Tra-
ta-se, tambm, de fincar p na defesa da continuidade do perfil dirigente e compro-missrio da Constituio de 1988, construindo o debate a partir daquilo que venho
denominando de Teoria da Constituio Dirigente Adequada a Pases de Moderni-
dade Tardia. E o ferramental para esse desiderato a fenomenologia hermenutica,
centrado na hermenutica filosfica. As reflexes so, portanto, muito breves. Para
o mais, permito-me remeter o leitor aos meus textos mais robustos, como Jurisdio
Constitucional e Hermenutica Uma Nova Crtica do Direito e Hermenutica Jurdi-
ca e(m) Crise uma explorao hermenutica da construo do Direito, que buscam
aprofundar o que aqui apenas aponto de forma provocativa.Numa palavra: as presentes reflexes so um auto de f na Constituio,
entendida no seu sentido dirigente-compromissrio e ontologicamente (no sentido da
hermenutica que defendo) comprometida com a realizao daquilo que a Constitui-
19 Ver, para tanto, nota n. 2 da dissertao de mestrado intitulada Os Princpios do Direito Administra-tivo e a Hermenutica da Constituio Brasileira de 1988, de autoria de Everton Luis Mendes de Je-sus. So Leopoldo, Ps-Graduao em Direito da UNISINOS, 2000.
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o elegeu como prioridade do Estado: a construo do Estado Democrtico de Di-
reito, para o qual o Estado Social, claramente constante no art. 3, constitui-se em
condio de possibilidade.20
2. Os dilemas do constitucionalismo - a tenso (inexorvel) entre
jurisdio e legislao
No ano de 2003 comemorou-se a passagem dos duzentos anos do caso
Marbury v. Madison21, marco fundamental na instituio do que hoje denominamos
20 Ficam evidentemente ressalvadas as inmeras decises implementadoras de direitos proferidas por juzes e pelos Tribunais da Repblica. No decorrer desses quinze anos, houve significativos avanosna doutrina e na jurisprudncia. No se pode esquecer, de todo modo, que cumprir a Constituio ,mais do que um dever, um compromisso tico.21 Em 1801 o Presidente Adams, do Partido Federalista, no conseguiu se reeleger, sendo derrotado
por Thomas Jefferson, do Partido Democrata Republicano (que mais tarde redundaria no Partido De-mocrata). Antes de entregar o poder, Adams fez uma srie de nomeaes para cargos do Poder Judici-rio. Entre essas nomeaes, estava a de John Marshall para a Supreme Court. Em 17 de fevereiro de1801, Jefferson foi eleito Presidente. Embora indicado para a Suprema Corte, Marshall permanece nocargo de Secretrio de Estado do governo Adams at a posse de Jefferson, em 03 de maro de 1801.Logo aps a eleio de Jefferson, o Congresso Federalista iniciou seus esforos para manter o controledo Judicirio Federal. A lei conhecida como Circuit Court Act, de 13 de fevereiro de 1801, criou de-zesseis cargos de Juiz Federal de Apelao os Circuit Court Judges. Como esperado, todos os novoscargos foram para Federalistas. Foram chamados midnight judges, por terem sido nomeado no apa-gar das luzes da administrao de Adams. William Marbury, o protagonista do caso em exame, noestava entre os midnight judges. Ele foi nomeado ainda mais tarde: o Organic Act of the District ofColumbia foi aprovado em 27 de fevereiro de 1801, menos de uma semana antes do fim do mandatode Adams. Aquela lei autorizava o Presidente a nomear juzes de paz para o Distrito de Columbia.Adams nomeou 42 juzes em 02 de maro de 1801 e o Senado confirmou as nomeaes em 03 demaro, o ltimo dia de Adams no cargo. As nomeaes dos Juzes de paz que ajuizaram a ao, inclu-indo William Marbury, foram assinadas de imediato por Adams assim como assinadas e carimbadas(sealed) por seu Secretrio de Estado, Marshall mas nem todos tomaram posse antes do fim do dia..Ento, o novo Presidente, Jefferson, recusou-se a dar posse a eles, por considerar as nomeaes nulas.Esse foi o contexto da deciso Marbury v. Madison (5 U. S.)137, 2 L. Ed. 60 (1803). Como a novaadministrao de Jefferson decidiu desconsiderar as nomeaes do governo Adams, Marbury e algunscolegas desapontados decidiram ir diretamente Suprema Corte, visando compelir o Secretrio deEstado de Jefferson, James Madison, a lhes dar posse. Em 24 de fevereiro de 1803, saiu a deciso pro-ferida pelo Chief Justice (John Marshall). A Corte no negou que Marbury tivesse direito nomeao.O que no existia era um remdio jurdico para garantir essa nomeao. A lei (act) que estabelece ascortes judiciais dos Estados Unidos autorizam a Suprema Corte a expedir ordens mandamentais(writs of mandamus) em casos garantidos pelos princpios e costumes de direito, a qualquer corte ofi-cial, ou a pessoas no exerccio de cargos, sob a autoridade dos Estados Unidos. Sendo o Secretrio deEstado (Secretary of State) uma pessoa exercendo um cargo sob a autoridade dos Estados Unidos, eleest precisamente dentro da descrio do texto legal; a se esta corte no estiver autorizada a emitirummandado contra tal oficial, s poder ser por que a lei (o Judiciary Act) inconstitucional e,portanto,absolutamente incapaz de conferir a autoridade e as obrigaes que seus termos buscam conferir edeterminar. Ou seja, se a Constituio estabelece que a Suprema Corte um rgo recursal (appellate
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de controle (jurisdicional) da constitucionalidade das leis. Muito embora a maioria
dos pases tenha optado, contemporaneamente, por um controle concentrado a ser
realizado por tribunais constitucionais ad hoc(Alemanha, ustria, Espanha, Portugal,
Itlia e mais dezenas de pases do leste europeu, da frica e da Amrica Latina), o
Brasil segue fiel ao modelo implementado pela Constituio Republicana de 1891:
um sistema de controle misto, que congrega a forma difusa e a concentrada.
O leading case norte-americano, malgrado a ineludvel distncia temporal
de dois sculos, continua a ensejar as mais complexas discusses acerca do valor
do constitucionalismo e das condies de possibilidade de sua sobrevivncia nesta
quadra da histria. Afinal, a discusso do constitucionalismo implica o enfrentamento
de um paradoxo, representado pelo modo como esse fenmeno engendrado na
histria moderna. Com efeito, a Constituio nasce como um paradoxo porque, do
mesmo modo que surge como exigncia para conter o poder absoluto do rei, consti-
tui-se igualmente como um necessrio mecanismo de conteno do poder das mai-
orias. que se denomina, pois, de contramajoritarismo.
Talvez na existncia de uma regra contramajoritria que resida o grande
dilema da democracia naquilo que ela finca razes histricas no direito (constitucio-
nal) e com ele guarda um profundo dbito. neste ponto, alis, que Laurence Tribe
comea seu influente tratado sobre direito constitucional22
, procurando enfrentar es-se dilema fundamental representado pela discrdia entre a poltica majoritria e os
anteparos previstos no texto constitucional: em sua forma mais bsica, a pergunta
por que uma nao que fundamenta a legalidade sobre o consentimento dos gover-
nados decidiria constituir sua vida poltica mediante um compromisso com um pac-
to/acordo original estruturado deliberadamente para dificultarmudanas.
jurisdiction), no poderia a lei ordinria dizer mais do que a Lei Suprema do pas. Se o Congressomantm a liberdade de atribuir Corte jurisdio recursal, onde a Constituio declarou que sua juris-
dio deve ser original; e atribuir jurisdio originria onde a Constituio declarou que deveria ser jurisdio recursal; ento, a distribuio de jurisdio feita na Constituio forma sem substncia.No h meio termo: ou a Constituio uma lei superior, direito supremo, imutvel por meios ordin-rios, ou estar no mesmo nvel de leis ordinrias e, como tais, poder ser alterada segundo a vontadedo Legislativo. Por isto, a norma deve ser anulada (The rule must be discharged). Para um examemais aprofundado, ver o excelente trabalho de Paulo Klautau Filho. A primeira deciso sobre controlede constitucionalidade: Marbury v. Madison (1803).22 Cfe. Tribe, Laurence. American Constitutional Law. Foundation Press, Meneola, 1978, p.9,; tb. Oscomentrios feitos por Holmes, Stephen. El precompromisso y la paradoja de la demcoracia. In:Constitucionalismo y Democracia. Jon Elster y Rune Slagstad (org). Mxico, Fondo de Cultura Eco-nmica, 2003,pp.217.
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De diversas maneiras este problema tem sido apresentado, aduz Tribe,
indagando: como se pode reconciliar o consentimento dos governados com a garan-
tia de um consentimento ulterior mediante uma conveno constitucional? Por que
um marco constitucional, ratificado h dois sculos, deve exercer to grande poder
sobre nossas vidas atuais? Por que somente alguns de nossos concidados possu-
em a faculdade para impedir que se faam emendas Constituio? A reviso judi-
cial, quando est baseada em uma lealdade supersticiosa em relao inteno de
seus criadores, compatvel com a soberania popular?23
Se se compreendesse a democracia como a prevalncia da regra da mai-
oria, poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo antidemocrtico, na medida em
que este subtrai da maioria a possibilidade de decidir determinadas matrias, re-
servadas e protegidas por dispositivos contramajoritrios. O debate se alonga e pa-
rece interminvel, a ponto de alguns tericos demonstrarem preocupao com o
fato de que a democracia possa ficar paralisada pelo contramajoritarismo constitu-
cional, e, de outro, o firme temor de que, em nome das maiorias, rompa-se o dique
constitucional, arrastado por uma espcie de retorno a Rousseau.
Da que, desde logo, considero necessrio deixar claro que a contraposi-
o entre democracia e constitucionalismo um perigoso reducionismo. No fosse
por outras razes, no se pode perder de vista o mnimo, isto , que o Estado Cons-titucional s existe e tornou-se perene a partir e por meio de um processo poltico
constitucionalmente regulado (Loewestein). Na verdade, a afirmao da existncia
de uma tenso irreconcilivel entre constitucionalismo e democracia um dos mi-
tos centrais do pensamento poltico moderno,24 que entendo deva ser des-
mi(s)tificado. Frise-se, ademais, que, se existir alguma contraposio, esta ocorre
necessariamente entre a democracia constitucional e democracia majoritria, ques-
to que vem abordada em autores como Dworkin, para quem a democracia constitu-
cional pressupe uma teoria de direitos fundamentais que tenham exatamente afuno de colocar-se como limites/freios s maiorias eventuais.25
A regra contramajoritria, desse modo, vai alm de estabelecer limites
formais s assim denominadas maiorias eventuais; na verdade, ela representa a ma-
23Idem, ibidem.
24Cfe. Holmes, op.cit.,p.219.
25 Cfe. Dworkin, Ronald. Uma questo de Princpio. So Paulo, Martins Fontes, 2000, pp. 80 e segs.
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terialidade do ncleo poltico-essencial da Constituio, representado pelo compro-
misso no caso brasileiro, tal questo est claramente explicitada no art. 3o. da
Constituio do resgate das promessas da modernidade, que apontar, ao mesmo
tempo, para as vinculaes positivas (concretizao dos direitos prestacionais) e
para as vinculaes negativas (proibio de retrocesso social), at porque cada
norma constitucional possui diversos mbitos eficaciais (uma norma pode ser, ao
mesmo tempo, programtica no sentido clssico, de eficcia plena no sentido pres-
tacional ou servir como garantia para garantir o cidado contra os excessos do Esta-
do).26 Por isto, o alerta que bem representa o paradoxo que a Constituio: uma
vontade popular majoritria permanente, sem freios contramajoritrios, equivale
volont gnrale, a vontade geral absoluta propugnada por Rousseau, que se reve-laria, na verdade, em uma ditadura permanente.27
nesse contexto, e levando em conta o forte contedo contramajoritrio
representada por Marbury v. Madison, que pretendo sustentar a tese da absoluta
possibilidade de convivncia entre democracia e constitucionalismo. Mais do que
isto, a Constituio, nesta quadra da histria, a partir da revoluo copernicana que
atravessou o direito pblico depois do segundo ps-guerra, passa a ser em de-
terminadas circunstncias condio de possibilidade do exerccio do regime demo-
crtico, naquilo que a tradio (no sentido que Gadamer atribui a essa expresso)nos legou.
Afinal, a Constituio no obstrui a democracia, questo que j estava
bem clara nas crticas de James Madison a Thomas Jefferson. Pelo contrrio: regras
contramajoritrias no so necessariamente ataduras, mas podem, sim, vir a pro-
mover a liberdade, dizia ele. A tese de que, pela regra contramajoritria, os vivos
passam a ser governados pelos mortos igualmente j encontrava em Madison a ne-
cessria crtica. Com efeito, por uma parte o repdio ao passado uma espcie de
26 Tambm nesse sentido, ver Sarlet, Ingo. A Eficcia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre, Livra-ria do Advogado, 2003.27 Com propriedade, Koselleck assevera que Rousseau, sem perceber, desencadeou a revoluo per-manente em busca de um verdadeiro Estado. Buscava a unidade da moral e da poltica, mas acabouencontrando o Estado total, a revoluo permanente sob o manto da legalidade. A vontade geral, que absoluta e no tolera exceo, reina sobre a nao. Soberana pelo simples fato de existir, sempre etotalmente o que deve ser. A vontade geral que no tolera exceo a exceo pura e simples. As-sim, a soberania de Rousseau revela-se uma ditadura permanente. congnita da revoluo permanen-te em que seu Estado se transformou. Cfe. Koselleck, Reinhart. Crtica e Crise. Trad. de Luciana Vil-las-Boas Castelo Branco. Rio de Janeiro, Contraponto, pp. 141 e 142.
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espada com dois fios. As decises atuais, tomadas tendo em mente o futuro, logo
pertencero ao passado. E o mesmo Madison pergunta: se podemos estabelecer
que geraes subseqentes trataro com soberano desprezo nossas escolhas feitas
pensando no futuro, por que haveramos de pensar mais no futuro do que nopassa-
do? Desejamos atuar de maneira responsvel acerca das geraes sucessivas en-
quanto tendemos a rechaar o conceito de que as geraes anteriores so porns
responsveis. Porm, congruente adotar essa atitude? A resposta dada porJon
Elster, em forma de paradoxo: cada gerao deseja ser livre para obrigar as suas
sucessoras, sem estar obrigada por suaspredecessoras .28
Na verdade e a tradio que engendrou o constitucionalismo nas suas
diversas fases aponta para esse desiderato a democracia constitucional o siste-
ma poltico talhado no tempo social que vem tornando-o a cada dia mais humano
porque se enriquece com a capacidade de indivduos e comunidades para reconhe-
cer seus prprios erros.29 A Constituio uma inveno destinada democracia
exatamente porque possui o valor simblico que, ao mesmo tempo em que assegura
o exerccio de minorias e maiorias, impede que o prprio regime democrtico seja
solapado por regras que ultrapassem os limites que ela mesma a Constituio
estabeleceu para o futuro. Esta, alis, e a sua prpria condio de possibilidade. Ve-
ja-se, e a lembrana vem novamente de Holmes, que Locke, Kant e tantos outrosaprovaram as regras constitucionais duradouras ainda que no inalterveis. E assim
fizeram porque reconheciam que tais regras podiam fomentar o futuro aprendizado.
Os mortos no devem governar os vivos; devem, sim, facilitar a que os vivos se go-
vernem a siprprios.30
Por tudo isto, a discusso acerca do constitucionalismo contemporneo
e de suas implicaes polticas - tarefa que (ainda) se impe. O constitucionalismo
no morreu. As noes de fora normativa da Constituio e de Constituio dirigen-
te e compromissria no podem ser relegadas a um plano secundrio, mormente emum pas em que as promessas da modernidade, contempladas nos textos constitu-
cionais, carecem de uma maior efetividade. Da a pergunta: como relegar a um se-
28Ver, para tanto, Holmes, op.cit., p. 262.
29Idem, ibidem, p. 262.
30 Idem, ibidem.
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gundo plano as promessas que fizemos a ns mesmos (para utilizar as palavras de
Franois Ost31)?
Nesse sentido, torna-se fundamental discutir, para uma melhor compre-
enso de toda essa problemtica, o papel da Constituio e da jurisdio constitu-
cional no Estado Democrtico de Direito, bem como as condies de possibilidade
para a implementao/concretizao dos direitos fundamentais-sociais a partirdesse
novo paradigma de Direito e de Estado. Afinal, o Estado Democrtico de Direito trs
nsita a pactuao que aponta para o resgate das promessas da modernidade, re-
presentada pela concretizao dos direitos sociais (Estado Social - art.3 da CF),
que, a toda evidncia, constituem direitos fundamentais prestacionais, como bem
lembra Sarlet. Nesse sentido, a preocupao primordial com a esfera dos direitosfundamentais a prestaes, que tem por objeto uma conduta positiva por parte do
destinatrio, consistente, em regra, numa prestao de natureza ftica ou normativa.
Assim, aduz Sarlet, enquanto os direitos de defesa se identificam por sua natureza
preponderantemente negativa, tendo por objeto abstenes do Estado, os direitos
sociais prestacionais (portanto, o que est em causa aqui precisamente a dimen-
so positiva, que no exclui uma faceta de cunho negativo) tm por objeto precpuo
uma conduta positiva do Estado ou particulares destinatrios da norma. 32
Parece que a insero da Constituio na noo de paradoxo pelos in-teresses contraditrios que nasceu para albergar trs implcita a discusso da
problemtica da tenso entre legislao e jurisdio, pela simples razo de que a
primeira fruto da vontade geral (majoritria) e a segunda coloca freios nessa mes-
ma vontade geral.
31Ver, para tanto, Ost, Franois. O Tempo do Direito. Lisboa, Piaget, s/d.
32 Cfe. Sarlet, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais, op.cit., pp. 272 e segs. Relati-vamente vinculao dos particulares (eficcia inter privatos) aos direitos fundamentais, consultar
Bilbao Ubillos, Juan Maria. Los derechos fundamentales em la frontera entre pblico y lo privado.Madrid, Estdios Cincias Jurdicas, 1997. Essa problemtica horizontalidade dos direitos funda-mentais vem muito bem desenvolvida na sentena 122/1970 do Tribunal Constitucional Italiano,dando conta de que os direitos subjetivos garantidos pela Constituio includos a os direitos deliberdade no so direitos pblicos no sentido da doutrina alem do sculo XIX, isto , direitosfrente ao Estado; pelo contrrio, so direitos garantidos erga omnes, frente a qualquer um. Isto signi-fica que as normas constitucionais so aplicveis no somente nas controvrsias que oponham umcidado frente a um poder pblico, seno tambm nas relaes entre particulares, entre cidados. Porconseqncia, todos os juzes tm o poder e o dever de aplicar diretamente as normas constitucio-nais nas controvrsias que se encontram por julgar. Cfe. Guastini, Ricardo. La constitucionaliza-cin del ordenamiento juridico.In:Neoconstitucionalismo(s), op.cit., p. 68.
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Talvez seja por isto que Bachof tenha chamado ateno para a inevitabili-
dade do surgimento de uma certa relao tensionante entre o direito e a poltica. O
juiz constitucional aplica certamente direito; mas a aplicao deste direito acarreta
consigo necessariamente que aquele que a faz proceda a valoraes polticas. 33
E parece que disto no podemos escapar. Afinal, a evoluo da Teoria do
Estado que no pode existir margem da Constituio (Bercovici) - implica o sur-
gimento da politizao da Constituio. Afinal, do normativismo constitucional sal-
tamos para a Teoria Material da Constituio. Este o momento da imbricao entre
Constituio e poltica. E o Estado Democrtico de Direito ser o locus privilegiado
deste acontecimento.
Por isto, possvel afirmar que a dimenso poltica da Constituio no uma dimenso separada, mas, sim, o ponto de estofo em que convergem as dimen-
ses democrtica (formao da unidade poltica), a liberal (coordenao e limitao
do poder estatal) e a social (configurao social das condies de vida) daquilo que
se pode denominar de essncia do constitucionalismo do segundo ps-guerra. Por-
tanto, nenhuma das funes pode ser entendida isoladamente. exatamente por
isto que Hans Peter Schneider vai dizer que a Constituio direito poltico: do, so-
bre e para o poltico. 34
Decorre da a importncia que deve ser dada discusso acerca do tipode justia constitucional encarregada de realizar o controle da constitucionalidade do
ordenamento jurdico de cada pas. O deslocamento do plo de tenso relacionado
clssica questo da diviso-separao de Poderes recebe, destarte, uma nova con-
cepo a partir do estabelecimento de tribunais que no fazem parte stricto sensu
da cpula do Poder Judicirio, trazendo consigo, em sua estruturao, a efetiva
participao do Poder Legislativo. Registre-se, desde logo, que o Brasil, durante o
33 Cfe. Bachof, Otto. Estado de Direito e Poder Poltico. Boletim da Faculdade de Direito de Coim-bra, vol. LVI. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 10.34 As trs dimenses das funes da Constituio podem ser encontradas em Schneider, Hans Peter. LaConstituicin Funcin y Estrutuctura. In: Democracia y Constituicin. Madrid, CEC, 1991, pp. 35-52; tb. Bercovici, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituio. So Paulo, Max Limo-nad, 2002, p. 288. Importa registrar que, se a Constituio direito poltico e, portanto, se o direitoconstitucional direito poltico, isto no pode significar e a advertncia vem de Eloy Garcia e Ber-covici que a Constituio venha a resumir ou abarcar em si a totalidade do poltico, para que no secaia em um positivismo jurisprudencial, a partir da despolitizao das questes constitucionais. AConstituio deve ser compreendida tambm de acordo com o papel que desempenha no processo
poltico, ou seja, o pensamento constitucional precisa ser orientado para a necessria reflexo sobrecontedos polticos.
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processo constituinte de 1986-88, optou por permanecer com o modelo do judicial
review de inspirao norte-americana, rejeitando a frmula dos tribunais constitucio-
nais, de tanto xito na Europa continental.
Dizendo de outro modo, o constitucionalismo engendrado a partir da revo-
luo copernicana que atravessou o direito pblico implica uma abertura participa-
o da justia constitucional ao menos isto tem se mostrado bem presente na Eu-
ropa - de modo que, se o que o Estado de Direito ganha por um lado no querper-
der de outro, esta frmula poltica reclama entre outras coisas uma depurada teoria
da argumentao capaz de garantir a racionalidade e de suscitar o consenso em
torno das decises judiciais,35 questo que ser examinada mais adiante.
razovel afirmar, nesse contexto, que a fora normativa da Constituio
e, se assim se quiser, o seu papel dirigente e compromissrio sempre teve, as-
sim, uma direta relao com a atuao da justia constitucional na defesa da imple-
mentao dos valores substanciais previstos na Lei Maior. Para uma tal constatao,
basta um exame na jurisprudncia dos tribunais constitucionais mormente a dos
primeiros anos de pases como Alemanha, Espanha e Portugal, sem olvidar, aqui,
a importncia do assim denominado ativismo judicial da Supreme Court dos Esta-
dos Unidos, por exemplo, do Tribunal Warren.
No h dvidas, pois, que esse novo modelo de justia constitucional omodelo de tribunais ad hoc introduzido stricto sensu a partir da ustria e reafirmado
nas Constituies da Itlia, Alemanha, Portugal e Espanha, para falar apenas nas
principais , deixa marcas indelveis no constitucionalismo contemporneo. A dou-
trina alem, especialmente ela, em grande medida baseada no estudo da Lei Fun-
damental e da atuao do Bundesverfassungsgericht, influenciou todo o pensamen-
to constitucional, mormente no que se relaciona ao estudo da eficcia dos direitos
fundamentais e dos mecanismos interpretativos que sustenta(va)m as teses advin-
das da idia de fora normativa do texto constitucional e seu carter dirigente (dirigi-erende Verfassung).
Claro que sempre haver temores em relao a esse intervencionismo
da justia constitucional, questo que aparece nitidamente nas posturas de autores
de claro perfil procedimentalista como Jrgen Habermas e John Hart Ely, para citar
35 Cfe. Prieto Sanchis, op.cit., p. 157.
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apenas estes, aos quais se opem os tericos de perfil substancialista,36 como Gar-
cia Herrera,37 para quem cuando se defiendem los princpios constitucionales no se
36 Para uma melhor compreenso acerca do debate entre procedimentalismo e substancialismo, isto ,entre as teses processuais-procedimentais e as materiais-substantivas acerca da Constituio, remeto oleitor para o meu Jurisdio Constitucional e Hermenutica, op.cit., em especial captulos III e IV; naespecificidade, Habermas, Jrgen. Direito e Demcoracia entre faticidade e validade. Rio de Janeiro,Tempo Brasileiro, 1997, vol. I e II; The Constitution, the Court and Human Rights. An Inquiry into theLegitimacy of Constitutional Policymaking. Yale University Press, New Haven and London, 1982;Ms all del Estado Nacional. Madrid, Trotta, 1997; Ely, J.H. Democracy and Distrust. A theory of
Judicial Review. Cambridge, Mass, 1980; Tribe, L. H. The Puzzling Persistence of Process-BasedConstitutional Theories, in The Yale Law Journal, vol. 89, 1073, 1980, p. 1065 e segs.; Ibidem,American Constitutional Law. The Foundation Press, Mineola, New York, 2a. ed., 1988; IbidemTaking Text and Structure Seriously: reflection on free-form method in constitutional interpretation,
In Harvard Law Review, vol. 108, n. 6, 1995. Conferir, tambm, Diaz Revorio, Francisco Javier. La
constituicin como orden abierto. Madrid: Estudios Ciencias Jurdicas, 1997. p. 161 e segs; Perry,M.J. The Constitution, the Courts and Human Rights. An Inquiry into the Legitimacy ofConstitu-tional Policymaking by the Judiciary. Yale University Press, New Haven and London, 1982; tb. Wel-lington, H. H. Common Law Rules and Constitutional Double Standards: Some Notes on Adjudica-tion. The Yale Law Journal, vol. 83, n. 2, dezembro de 1973; Bercovici, Gilberto. Desigualdades
Regionais, op.cit., p. 278; Estevz Arajo, Jos Antonio. La Constituicin como Proceso y laDes-obediencia Civil. Madrid, Trota, pp. 139-143; Leite Sampaio, Jos Adrcio. A Constituio reiventa-da. Belo Horizonte, Del Rey, 2002. Tenho, assim, a convico de que o papel da Constituio, suafora normativa e o grau de seu dirigismo vo depender da assuno de uma das duas teses (eixostemticos) que balizam a discusso do constitucionalismo e da democracia: de um lado, os defensoresdas teorias processuais-procedimentais, e, do outro, os que sustentam posies materiais-substanciaisacerca da Constituio. Parece no haver dvidas, tambm, que esse debate de fundamental impor-tncia para a definio do papel a ser exercido pela jurisdio constitucional. A toda evidncia, as
teses materiais reforam a regra contramajoritria, colocando freios s vontades de maiorias eventuais,o que, do lado dos substantivistas s vem a reforar a relao Constituio-democracia, e do lado dosdefensores das teorias procedimentalistas, enfraquece a democracia, pela falta de legitimidade da justi-a constitucional. No Brasil, h um elenco considervel de juristas que contrapondo-se s teoriasprocessuais- procedimentais - defendem uma atuao mais efetiva da justia constitucional, questoque assume maior visibilidade em face da notria inefetividade da Constituio e da omisso dos po-deres legislativo e executivo na execuo de polticas pblicas, circunstncia que demanda a utilizaodos mecanismos (aes constitucionais, controle de constitucionalidade, etc) aptos realizao dosdireitos substantivos previstos na Constituio (veja-se, nesse sentido, Paulo Bonavides, Fabio K.Comparato, Lenio Streck, Clmerson Clve, Ingo Sarlet, para citar apenas alguns). Do outro lado, asteses procedimentais ganham corpo a cada dia, a partir das posturas self restraint assumidas pelosTribunais Superiores e pela acusao de judicializao da poltica que sofrem as teses que sustentam a
possibilidade de reviso judicial de atos parlamentrios e do prprio poder executivo - que dizem
respeito s questes diretamente relacionados dimenso assumida pela omisso no disciplinamento ena efetivao das polticas relacionadas ao cumprimento dos direitos de ndole prestacional. Minhacrtica s teses procedimentais vai no sentido de que, em nome de uma democracia de perfil nivelador
e estou fazendo uso aqui do contraponto feito por Ackerman entre o dualismo e as posturas nivela-doras - , e em nome de uma leitura procedimental da Constituio, relega-se direitos fundamentais-sociais a um plano secundrio, o que enfraquece a noo de Constituio compromissria. Na verdade,determinadas teses procedimentais, como as advogadas por Juan Carlos Bayn, (Derechos, Demcora-cia y Constituicin. In: Neoconstitucionalismo(s) , op.cit., p. 211 e segs) apontam para um constitu-cionalismo dbil, pelo qual a Constituio tem a funo de somente limitar o poder existente, sem
prever especificamente uma defesa material dos direitos fundamentais. Nesse sentido, talvez no sejadesarrazoado afirmar que o problema fundamental das teorias processuais reside no fato de procura-
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hace poltica sino defensa juridiscional de la Constitucin. Talvez por isto alguns
autores aduzem ser el Tribunal Constitucional el protector ltimo de los derechos
fundamentales.38
Parece inexorvel e isto no deveria causar nenhuma surpresa - que
ocorra um certo tensionamento entre os Poderes do Estado: de um lado, textos
constitucionais forjados na tradio do segundo ps-guerra estipulando e apontando
a necessidade da realizao dos direitos fundamentais-sociais; de outro, a difcil
convivncia entre os Poderes do Estado, eleitos (Executivo e Legislativo) pormaiori-
as nem sempre concordantes com os ditames constitucionais.
Da o constante questionamento da legitimidade de o Poder Judicirio
(justia constitucional) deter o poder de desconstituir atos normativos do PoderExe-cutivo ou declarar a inconstitucionalidade de leis votadas pelo parlamento eleito de-
mocraticamente pelo povo, questo que assume ainda maior complexidade em pa-
ses (Brasil, por exemplo) que mantm o sistema difuso de controle de constituciona-
lidade.
Esse tensiosamento assume contornos mais graves quando o sistema se
depara com decises do Poder Judicirio (brasileiro) tidas como invasoras de sub-
sistemas ou epitetadas como tpicas decises que judicializam a poltica, como o
caso de sentenas emanadas pelos juzes e tribunais brasileiros determinando aincluso/criao de vagas em escolas pblicas, fornecimento de remdios com fun-
damento no art. 196 da Constituio, a extenso, com base no princpio da isonomi-
a, de benefcios a categorias de trabalhadores no contempladas em ato normativo,
rem colocar no procedimento o modo (ideal) de operar a democracia, a partir de uma universalizaoaplicativa. Com isto, o procedimento acaba sendo uma espcie de novo princpio epocal, na tenta-tiva de superar aquilo que na fenomenologia hermenutica podemos denominar de diferena ontol-
gica, afastando qualquer possibilidade de interveno substantiva-subjetiva, uma vez que calca oresultado final nos valores adjetivos. Afinal, como afirma Luhmann, nas sociedades complexas a
natureza das decises deve ceder lugar aos procedimentos, que generalizam o reconhecimento dasdecises; os procedimentos (processo legislativo e o prprio processo judicial) tornam-se a garantia dedecises que tero aceitabilidade. Por tudo isto, alinho-me aos defensores das teorias materiais-substanciais da Constituio, porque trabalham com a perspectiva de que a implementao dos direi-tos e valores substantivos afigura-se com condio de possibilidade da validade da prpria Constitui-o, naquilo que ela representa de elo conteudstico que une poltica e direito.37 Cfe. Garcia Herrera, Miguel Angel. Prlogo a la segunda edicin del Manual de Derecho Constitu-cional. Benda, Maihofer, Vogel, Hesse, Heide. Madrid: Marcial Pons, 2001.38 Cfe. Juan Antonio Doncel Luengo. El modelo espaol de justicia constitucional. Las decisionesms importantes del tribunal constitucional. Sub judice, janeiro/junho, 20/21. Coimbra: Docjuris,2001, pp. 79 e segs.
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o problema das ocupaes de terras improdutivas por movimentos sociais que cla-
mam pelo cumprimento do dispositivo constitucional que estabelece a funo social
da propriedade, s para citar alguns exemplos.
3. A continuidade da validade da tese do dirigismo constitucional em
pases perifricos
O debate acerca dos limites do Direito e do grau de vinculariedade da
Constituio, embora j tenha o seu fim anunciado pelos defensores das teorias
processuais-procedimentais, continua absolutamente atual. Afinal, ainda possvel
falar em Constituio compromissria? Pode um texto constitucional determinar oagir poltico-estatal? Ainda possvel sustentar que a Constituio especifica o que
fazer e o governo lato sensu estabelece o como fazer? A vontade geral popu-
lar, representada por maiorias eventuais, pode alterar substancialmente o contedo
da Constituio, naquilo que o seu ncleo poltico? Ainda possvel falar em sobe-
rania dos Estados? Quais os limites do constituir da Constituio? Para o enfren-
tamento desses questionamentos, parece apropriado lembrar, de pronto, com Eros
Grau,
que a Constituio do Brasil no um mero instrumento de go-verno, enunciador de competncias e regular de processos, mas, alm disso,
enuncia diretrizes, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela
sociedade. No compreende to somente um estatuto jurdico do poltico,
mas um plano global normativo da sociedade e, por isso mesmo, do Estado
brasileiro. Da ser ela a Constituio do Brasil e no apenas a Constituio da
Repblica Federativa do Brasil. Os fundamentos e os fins definidos em seus
artigos 1 e 3. So os fundamentos e os fins da sociedade brasileira. Outra
questo, diversa dessa, a relativa a sua eficcia jurdica e social e a sua a-plicabilidade. De tal modo, o legislador est vinculado pelos seus preceitos,
ainda que sob distintas intensidades vinculativas, conforme anotava Canotilho
j na primeira edio de sua tese, ao cogitar genericamente dessa questo.39
39 Cfe. Grau, Eros Roberto. Canotilho e a Constituio Dirigente. Jacinto N.M. Coutinho (org). Rio deJaneiro, Renovar, 2003.
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Da a perene importncia daquilo que se convencionou chamar de diri-
gismo constitucional ou Constituio Dirigente, tese elaborada inicialmente porPeter
Lerche (dirigierende Verfassung)40 e devidamente adaptada doutrina constitucional
portuguesa por J.J. Gomes Canotilho.41 No decorrer dos anos, a tese do dirigismo
constitucional tem sofrido crticas das mais variadas, mormente a partir do fortaleci-
mento da globalizao e neoliberalismo. De outra banda, o engendramento das te-
ses processuais-procedimentais acerca da Constituio vem, paulatinamente, enfra-
quecendo o papel compromissrio-vinculante dos textos constitucionais. O prprio
Canotilho, principal articulador da tese do dirigismo constitucional em terras portu-
guesas no que foi seguido por vrios constitucionalistas brasileiros -, tem colocado
srias reservas prevalncia da tese da Constituio dirigente.Embora Canotilho reconhea, v.g., que o texto constitucional continue a
constituir uma dimenso bsica da legitimidade moral e material e, por isso, possa
continuar sendo um elemento de garantia contra a deslegitimao tica e desestru-
turao moral de um texto bsico atravs de desregulamentaes, etc., por outro
lado considera que esse texto bsico (a Constituio) no mais pode servir de fonte
jurdica nica e nem tampouco pode ser o alfa e o mega da constituio de um Es-
tado.42
evidente que tais afirmaes devem ser contextualizadas. Com efeito, aafirmao de Canotilho vem acompanhada de uma explicao, no sentido de que a
Constituio dirigente est morta se o dirigismo constitucional for entendido como
normativismo constitucional revolucionrio capaz de, s por s, operar transforma-
40 Cfe. Lerche, Peter. bermass und Verfassungsrecht: Zur Bildung des Gezetzgebers an die Grund- stze der Verhltnismssigkeit und der Erforderlichkeit. 2a. Goldbach, Keip Verlag, 1999, pp. 60 esegs.41 Ver, nesse sentido, Canotilho, J.J. Gomes. Constituio Dirigente e Vinculao do Legislador. 4 ed.Coimbra, Coimbra Editores, 1994.42 Em vrios textos Canotilho tem feito a reviso da tese da Constituio Dirigente. Para tanto, remetoo leitor para os seguintes: O Direito Constitucional na Encruzilhada do Milnio. De uma disciplinadirigente a uma disciplina dirigida. In: Constitucin y Constitucionalismo Hoy. Caracas, FundacinManuel Garca-Pelayo, 2000, pp. 217-225; Rever ou Romper com a Constituio Dirigente? Defesade um constitucionalismo moralmente reflexivo. In: Cadernos de Direito Constitucional e Cincia
Poltica, n. 15, pp. 7-17; O estado Adjetivado e a teoria da Constituio. In: Revista daProcurado-ria Geral do Estado RS, n. 56, dez/2002; ainda Canotilho e a Constituio Dirigente. Jacinto NelsonMiranda Coutinho (org). Rio de Janeiro, Renovar, 2002.
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es emancipatrias. Entendo, assim, que a afirmao de Canotilho no elimina e
tampouco enfraquece a noo de Constituio dirigente e compromissria.43
Observe-se, nesse ponto, e desde logo, que no possvel falar, hoje, de
uma teoria geral da Constituio. A Constituio (e cada Constituio) depende de
sua identidade nacional, das especificidades de cada Estado Nacional e de sua in-
sero no cenrio internacional. Do mesmo modo, no h um constitucionalismo,
e, sim, vrios constitucionalismos .
Ou seja, para uma melhor compreenso da problemtica relacionada
sobrevivncia ou morte da assim denominada Constituio dirigente, necessrio
que se entenda a teoria da Constituio enquanto uma teoria que resguarde as es-
pecificidades histrico-factuais de cada Estado nacional. Desse modo, a teoria daConstituio deve conter um ncleo (bsico) que albergue as conquistas civilizat-
rias prprias do Estado Democrtico (e Social) de Direito, assentado, como j se viu
saciedade, no binmio democracia e direitos humanos-fundamentais-sociais.44
Esse ncleo derivado do Estado Democrtico de Direito faz parte, hoje, de um n-
cleo bsico geral-universal que comporta elementos que poderiam confortar uma
teoria geral da Constituio e do constitucionalismo do Ocidente. J os demais subs-
tratos constitucionais aptos a confortar uma teoria da Constituio derivam das es-
pecificidades regionais e da identidade nacional de cada Estado.Dito de outro modo, afora o ncleo mnimo universal que conforma uma
teoria geral da Constituio, que pode ser considerado comum a todos os pases
que adotaram formas democrtico-constitucionais de governo, h um ncleo espec-
fico de cada Constituio, que, inexoravelmente, ser diferenciado de Estado para
Estado. Refiro-me ao que se pode denominar de ncleo de direitos sociais-
fundamentais plasmados em cada texto que atendam ao cumprimento das promes-
sas da modernidade.
O preenchimento do dficit resultante do histrico descumprimento daspromessas da modernidade pode ser considerado, no plano de uma teoria da Cons-
tituio adequada45 a pases perifricos ou, mais especificamente, de uma Teoria da
43Ver, para tanto, meuJurisdio Constitucional, 2
ed., op.cit., cap. 3.
44 Ver, para tanto, Morais, Jos Luis Bolzan de. Do Direito Social aos Interesses Transindividuai s.Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1996.45 A idia de um constitucionalismo adequado aparece, de certa maneira, em Ernst-WolfgangBckenfrd. Los Metodos de la Interpretacin Constitucional. Inventario e Critica. Escritos sobre
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Constituio Dirigente Adequada aos Pases de Modernidade Tardia (TCDAPMT) ,
como contedo compromissrio mnimo a constar no texto constitucional, bem como
os correspondentes mecanismos de acesso jurisdio constitucional e de partici-
pao democrtica .
Uma Teoria da Constituio Dirigente Adequada a Pases de Modernida-
de Tardia, que tambm pode ser entendida como uma teoria da Constituio dirigen-
te-compromissria adequada a pases perifricos,46 deve, assim, cuidar da constru-
o das condies de possibilidade para o resgate das promessas da modernidade
incumpridas, as quais, como se sabe, colocam em xeque os dois pilares que susten-
tam o prprio Estado Democrtico de Direito.
A idia de uma Teoria da Constituio Dirigente Adequada a Pases deModernidade Tardia TCDAPMT implica uma interligao com uma teoria do Es-
tado, visando construo de um espao pblico apto a implementar a Constituio
em sua materialidade. Dito de outro modo, uma tal teoria da Constituio dirigente
no prescinde da teoria do Estado,47 apta a explicitar as condies de possibilidade
para a implantao das polticas de desenvolvimento constantes de forma dirigen-
te e vinculativa no texto da Constituio. No se deve olvidar que Estado e Consti-
tuio esto umbilicalmente ligados.
Parece evidente, assim, que, quando se fala em Constituio dirigente,no se est e nem se poderia sustentar um normativismo constitucional (revolu-
cionrio ou no) capaz de, por si s, operar transformaes emancipatrias. O que
permanece da noo de Constituio dirigente a vinculao do legislador aos di-
tames da materialidade da Constituio, pela exata razo de que, nesse contexto, o
Direito continua a ser um instrumento de implementao de polticas pblicas.
Por isso, possvel afirmar a continuidade da validade da tese da Consti-
tuio dirigente (uma vez adequada a cada pas, com nfase em pases como o
Brasil, em que o coeficiente de promessas da modernidade incumpridas extrema-mente elevado). necessrio levar em conta, assim, as e
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