como eu vivo é a maior homenagem para meu filho
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Bianca Mocci Passaro
Clecia Bastos Gerardi
Como eu vivo é a maior homenagem para meu filho...
Universidade São Marcos
São Paulo, 2006
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Bianca Mocci Passaro
Clecia Bastos Gerardi
Como eu vivo é a maior homenagem para meu filho...
TCC- Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao curso de
Psicologia da Universidade São
Marcos sob orientação da Profª
Drª Silvia Ancona - Lopez.
Universidade São Marcos
São Paulo, 2006
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Como eu vivo é a maior homenagem para meu filho...
Bianca Mocci Passaro
Clecia Bastos Gerardi
BANCA EXAMINADORA ___________________________
Profª. Ivana Moraes de Alencar
____________________
Profª. Drª Gabriela Casellato
_______________________________ Profª. Drª Silvia Ancona - Lopez
Trabalho apresentado e aprovado em: _04_/_12_/2006
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AGRADECIMENTOS
A colaboradora desta pesquisa, pela sua disponibil idade e carinho em
relatar sua experiência, permitindo que parti lhássemos de seus
conteúdos mais íntimos, para que, de maneira ética, pudéssemos
elaborar nosso trabalho.
A nossa querida orientadora Silvia Ancona - Lopez que nos guiou nessa
trajetória, apontando-nos sempre com precisão, cuidado e
compreensão a uma direção a seguir.
A Professora Ivana Moraes de Alencar, grande responsável por ter
plantado o interesse e a possibil idade de levarmos à frente nosso tema.
A nossa querida amiga Daniela Tramujas, por ter proporcionado o
contato com a nossa colaboradora.
Aos nossos f iéis companheiros e famil iares, que conviveram
diariamente com as conseqüências deste trabalho. Para vocês o nosso
profundo agradecimento.
A todos os nossos amigos, que de maneira distante ou próxima, sempre
estiveram ao nosso lado quando foi preciso.
Bianca M. Passaro e
Clecia B. Gerardi
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DEDICATÓRIA - 1
Dedico este trabalho a meus pais que sempre me apoiaram e
acima de tudo acredi taram e embarcaram neste meu sonho. A
vocês dois, o meu profundo e eterno agradecimento. Ao meu
namorado Fernando Azevedo, companheiro leal , que por meio
da sua paciência e compreensão, me ajudou a real izar esta
obra com prazer e segurança. Agradeço em especial a minha
amiga e parceira, por ser uma mulher de mente br i lhante e
cr iat iva, que sempre me convidou a correr r iscos e ousar,
d iante das dúvidas e incerteza, encontradas em nosso
caminho.
In Memória: À minha avó Aida, que ao perder seu f i lho me
inspirou, através do nosso eterno laço de afeto. “Vó, a
saudade é grande, mas o amor é para sempre”. Ao meu
quer ido amigo Renato de Cicco Porto, um muito obr igado, por
ter me ensinado a viver, apesar das barreiras e da sociedade.
Bianca M. Passaro
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DEDICATÓRIA - 2
Dedico este trabalho ao amigo, companheiro e amado marido
Alessandro Gerardi , por sempre estar ao meu lado. Obrigado
pelo car inho, pela compreensão e pr inc ipalmente pela
cumpl ic idade. Aos meus quer idos e amados f i lhos, L ino e
Alessandro, pessoinhas que me inspiram a v iver . Aos meus
adorados pais, pessoas que sempre acreditaram e apoiaram
meus sonhos, por mais d i f íceis que parecessem. E, em
especial , agradeço a minha quer ida amiga e parceira deste
t rabalho. Pessoa maravi lhosa. Obr igada pela amizade
incondicional e por ter apostado neste trabalho.
Clecia B. Gerardi
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“Cada um que passa em nossa vida, passa sozinho, pois cada
pessoa é única e nenhuma substitui a outra. Cada um que
passa em nossa vida, passa sozinho, mas não vai só, nem nos
deixa sós; leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si
mesmo. Há os que levam muito, mas não há os que levam
nada; há os que deixam muito, mas não há os que deixam
nada. Essa é a maior responsabilidade de nossas vidas e a
prova evidente que duas almas não se encontram por acaso”.
Antoine de Saint-Exupéry
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GERARDI, C. B. PASSARO, B. M., Como eu vivo é a maior homenagem para meu filho . Trabalho de Conclusão de Curso de
Psicologia da Universidade São Marcos, 2006. p 114.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é compreender a vivência de uma mãe
que perdeu seu fi lho, juntamente com sentimentos e signif icados dessa
experiência. O interesse por este tema partiu da dif iculdade que
observamos das pessoas ao falarem da morte, principalmente quando
se trata de entes queridos. Para conhecermos essa vivência, uti l izamos
abordagem qualitativa, e como instrumento uma entrevista semi-
dirigida, sendo uma única mãe entrevistada, relatando a experiência de
perder seu único f i lho. Uti l izamos uma perspectiva fenomenológica,
seguindo as etapas de investigação apresentadas por Yolanda C.
Forghieri, tendo como base, envolvimento existencial e distanciamento
reflexivo, a f im de uma possível compreensão de signif icados. Por meio
da fala dessa mãe procuramos subsídios para uma melhor
compreensão daquilo que ela vivenciou ao perder seu fi lho. Na busca
de um referencial teórico que embasasse nosso trabalho nos
deparamos com alguns autores, que nos auxil iaram para uma melhor
compreensão do tema e análise dos dados. Entendemos que para essa
mãe a vida ganhou um novo sentido, ela vive por amor ao seu fi lho, e,
esse amor trouxe a necessidade de comparti lhar a sua experiência com
outras mães, levando-a a escrever um livro. Ela encontrou na religião
apoio para aliviar seu medo e sua dor. Sentiu o despreparo da
sociedade em lidar com a perda e também a dif iculdade em encontrar
mais profissionais que l idem com esta questão.
Palavras Chave: Morte de um fi lho, Perda, Luto.
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SUMÁRIO RESUMO INTRODUÇÃO 10 Capítulo I CAMINHO DA PESQUISA 17 Objetivo 17 1.1. – Caminhos 17 1.2. – Colaboradora 20 1.3. – Entrevista 20 1.4. – Trabalhando com o Depoimento 21 Capítulo II
MEDO DO DESCONHECIDO 25 Capítulo III POR QUE COMIGO? 30 Capítulo IV RITUAL: UMA DOR NECESSÁRIA 37 Capítulo V LUTO: PROCESSO DE ELABORAÇÃO 42 5.1. – Luto não complicado 45 5.2. – Luto complicado 48 5.3. – O quê acontece após o luto? 49 Capítulo VI ANÁLISE DA ENTREVISTA 52 6.1. – Encontro 52 6.2. – Relações: Filho e Amigos 53 6.3. – Sociedade e Psicoterapia 56 6.4. – Reações e Sentimentos 62 6.5. – Rituais 71 6.6. – O que fazer? 74 CONSIDERAÇÕES FINAIS 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 83 Anexo I - Transcrição da Entrevista 88 Anexo II - Termo de consentimento l ivre e Esclarecido 109 Anexo III - Grupos de Apoio ao luto 113
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INTRODUÇÃO
ealizar este trabalho com uma mãe que perdeu seu fi lho
signif ica uma experiência rica e penosa. Rica por entrar em
um mundo desconhecido e cheio de sentimentos, e penosa
por comparti lhar de uma dor considerada entre outras, a mais sofrida
de todas.
Para Bowlby (2004) a perda de uma pessoa amada é considerada
uma das experiências mais intensas e dolorosas, que o ser humano
pode sofrer. É penosa não só para quem a vivencia, mas também para
quem está próximo. É um ato de nos confrontarmos com a nossa
própria impotência.
O objetivo dessa pesquisa, por meio da abordagem qualitativa, é
chegar o mais próximo possível da vivência de uma mãe que perdeu
subitamente seu fi lho (em um acidente de carro) e também
compreender sentimentos e reações, para um possível entendimento do
luto enquanto processo. Essa proximidade e a busca de compreensão
surgiram como uma tentativa de responder a algumas questões iniciais
que tínhamos, sendo elas: Como seria possível sobreviver à morte de
um fi lho? O que mudaria na mãe após a perda? Quando uma mãe perde
um fi lho, o que realmente ela perde? Após o luto, a morte ganharia um
novo sentido?
R
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O interesse sobre o tema parte também da dif iculdade que
observamos nas pessoas ao falarem da morte, principalmente quando
se trata da perda de entes queridos. Não se fala em morte e se pensa o
menos possível.
Na busca de um embasamento teórico que nos auxil iasse a
compreender o tema escolhido, nos deparamos com alguns autores,
entre eles Kovács (2003), Casellato e Motta (2002), Worden (1998),
entre outros, que nos levaram a um conhecimento mais profundo sobre
o assunto.
A princípio é necessário entendermos que não há somente um
tipo de morte durante o processo evolutivo. Segundo Kovács (1992)
cada indivíduo traz consigo uma representação da morte, pois cada
sujeito é inserido em uma cultura, em uma crendice.
Um outro aspecto importante para autora é a representação que
cada indivíduo atribui a morte. Freqüentemente a morte amedronta, é
vista como fim, como perda de consciência que vem acompanhada pelo
medo da solidão, da separação de quem se ama, o medo do
desconhecido e muitos outros.
A morte de um ente querido associa-se ao luto. Conforme Kovács
(2003) o luto trata-se de um processo que afeta o signif icado que se dá
à vida, já que nela provoca profundas transformações. De acordo com
Kuhn (apud Parkes, 1998) o enlutado traz a sensação de que não foram
os mortos que partiram, mas os que ficaram é que foram ejetados do
mundo, que até então, lhes era famil iar.
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Kovács (2003) ressalta a idéia da perda e da elaboração como
sendo elementos contínuos no processo de desenvolvimento humano. A
morte nos fala de um vínculo, de uma perda real e concreta, de uma
irreversibil idade.
Conforme Bowlby (apud Casellato e Motta, 2002) a maneira de
enlutar-se seria, portanto, uma resposta à separação que mudaria
dependendo da qualidade dos vínculos estabelecidos primariamente.
Para Bromberg e Kovács (1996):
A inf luência é mutuamente recíproca entre o luto e o c ic lo v i ta l da famíl ia. O ajustamento à real idade após a morte de um dos elementos da famíl ia é um trabalho a ser resolvido a curto e longo prazo. (p. 116)
Após a descrição de algumas implicações da morte e do luto,
cabe nesse momento falarmos especif icamente da morte de um fi lho.
Pois, há diferenças de luto a partir do t ipo de morte.
De acordo com Casellato e Motta (2002) podem ocorrer vários
t ipos de perda, porém a morte de um fi lho é reconhecida socialmente
como a mais intensa, é algo inigualável. Para as autoras:
Esta mãe vive um fracasso social e, sente-se cobrada em seu contexto social , como se t ivesse falhado em sua função materna de proteger o f i lho e com isso garant ir a sua sobrevivência a qualquer custo. (p. 101)
Segundo Casellato (1998) quando ocorre a morte de um fi lho por
acidente, esse evento apresenta-se precoce e inesperado, sendo um
13
processo de elaboração bastante difíci l que causa uma potencialidade
de desorganização, paralisação e impotência.
Conforme Viorst (2004) a perda de um fi lho é sentida como um
golpe. O que leva os pais a se perguntarem, como continuar a viver
com este fato?. Neste momento a mente f ica imobil izada com o choque
e, assim, a uma dif iculdade de compreender o sentido das palavras. Há
uma vaga sensação de uma imensa perda, porém, será somente com o
tempo, que a mente e a memória se reunirão, e assim, talvez
compreenderão a verdadeira extensão daquilo que ocorreu.
Segundo Bromberg e Kovács (1996) a morte de um fi lho tem
efeitos sobre o sistema famil iar. O luto dos pais é freqüentemente
misturado com a raiva, culpa e a auto-reprovação por sua inabil idade
em impedir a morte, bem como a sensação de estarem sendo vít imas
de uma injustiça.
Sou pr is ioneira da v ida. É assim que as horas se arrastam a cabeça a mi l , o coração em chamas. Eu imploro para a noi te chegar e eu esquecer, nas poucas horas que consigo dormir , que estou v iva e que meu amado f i lho morreu. L indo, amado! (KELLER, 2005, p. 33)
É provável, que neste momento da vida a mãe tenha uma
sensação de fracasso, até mesmo de pecado, só pelo fato de continuar
a viver depois da morte de seu fi lho. Não se sente merecedora de estar
vivendo quando o seu fi lho está morto, e surge a sensação de não ter
encontrado um meio de dar sua própria vida pela dele.
Para Viorst (2004) a culpa é um dos sentimentos que
possivelmente aparecem nas mães, levando-as a pensamentos de
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falhas em relação a pessoa amada e que agora está morta. Surge
também uma culpa por sentimentos negativos perante o f i lho que
morreu. Neste momento apegar-se a dor pode parecer um ato de
fidelidade, ao passo que ceder ao tempo pode parecer uma traição.
Como dissemos anteriormente, tudo que narramos a respeito da
morte enquanto f initude, do luto e da perda de um fi lho, nos mostra ser
um fenômeno importante a ser estudado, e para isso pensamos em nos
aproximarmos de uma pessoa envolvida neste processo, para então
questioná-la sobre o sentido particular de sua vivência.
Encontramos na uti l ização do método fenomenológico, aplicado à
pesquisa de caráter psicológico, uma forma de investigação que
suspende toda e qualquer hipótese ou teoria existente sobre o assunto.
Buscamos nos dirigir ao fenômeno, para poder entender e captar seus
signif icados.
A partir dessa abordagem, é necessário falarmos da preocupação
que tivemos ao escolher essa mãe. Acreditamos que para uma melhor
elaboração deste trabalho, partindo do princípio de sermos graduandas
de Psicologia, seria importante que a mãe escolhida já t ivesse exposto
de alguma forma a sua vivência, e, junto a isso, seria fundamental que
ela já t ivesse passado por um processo psicoterápico. A partir desses
critérios pudemos prosseguir com a pesquisa.
Entendemos que seria possível realizar esse trabalho, mesmo
sabendo que é um assunto difíci l a ser tratado, por isto, mobil izamo-
nos para desenvolver esta pesquisa com tanto rigor, não apenas por
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ser um trabalho de conclusão de curso, mas também por considerarmos
que chegar próximo a essa dor é também compreender o luto enquanto
processo ocasionado após uma perda.
Esperamos que com este trabalho possamos de alguma forma
contribuir para a Psicologia, pois acreditamos que este assunto seja de
extrema relevância para a sociedade que deseja compreender melhor
essa experiência, e para os profissionais que trabalham diretamente
com seres humanos, que a qualquer momento da vida perderam ou
perderão alguém. Para isso, a informação e o conhecimento são
fundamentais.
Antecipando o que se segue, adiantamos que nosso trabalho se
constitui a partir de quatro capítulos teóricos, no qual apresentaremos
alguns conhecimentos que já foram expressos a respeito da morte; do
luto materno e suas características; discutiremos também sobre rituais,
e, f inalizando nossa parte teórica, falaremos sobre o luto e suas
vertentes.
Apresentaremos também um capítulo específico descrevendo a
nossa metodologia de abordagem fenomenológica, descrita passo a
passo, como procedemos com a pesquisa. Desenvolvemos nossa
análise baseada nas falas da nossa colaboradora, e por f im
apresentaremos as nossas considerações finais, onde discutiremos a
experiência dessa mãe, juntamente com o embasamento teórico
descrito nos capítulos a seguir.
16
“O ponto de partida, na maioria das vezes não será o mesmo
ponto de chegada. Nem mesmo pode-se esperar ser o mesmo
ser, no ponto final da caminhada”.
Cléa Rubiane
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CAPÍTULO I
CAMINHO DA PESQUISA
BJETIVO: Buscar compreender, a partir de uma
perspectiva fenomenológica a vivência de uma mãe que
perdeu seu fi lho e procurar compreender sentimentos e
reações para um possível entendimento do luto enquanto processo
derivante após uma perda.
1.1. CAMINHOS Inicialmente, a única certeza que tínhamos era de estudarmos o
tema luto e também de que gostaríamos de trabalhar com pessoas e
suas vivências. No início não havia caminhos e nem perspectivas. Foi
por meio de muitas leituras, conversas e pesquisas que começamos a
nos famil iarizarmos e a nos interessarmos mais pelo tema.
Realizamos um estudo qualitativo, pois aprendemos que no
mundo da investigação é interessante não seguir caminhos já traçados,
como também é fundamental ter em mente a certeza do que queremos,
deixando de lado as análises e interpretações racionais, sejam elas
científ icas ou não. Foi assim, que nos deparamos com a
O
18
fenomenologia, abordagem esta, que nos trouxe a clareza de como
prosseguirmos com nossa pesquisa.
Forghieri (1993) ressalta que em uma pesquisa fenomenológica
existam dois momentos: o envolvimento existencial que requer que o
pesquisador, a princípio procure colocar fora de ação os
conhecimentos por ele já adquiridos sobre a vivência que está
pretendendo investigar, para então nela penetrar de modo espontâneo
e experimental. A autora (1993) descreve que:
A part i r daí , é necessár io deixar surgir à intuição, percepção, sent imentos e sensações que brotam em uma total idade, proporcionando uma compreensão global, intui t iva e pré-ref lexiva dessa vivência. (p. 60)
Em um segundo momento deve ocorrer um distanciamento
reflexivo, para permitir uma reflexão sobre sua compreensão e tentar
captar e enunciar, descr it ivamente, o seu sentido ou o signif icado
daquela vivência em seu existir. Porém, o distanciamento não chega a
ser completo, pois ele deve sempre manter um elo com a vivência.
Partindo da necessidade de compreensão, procuramos ir o mais
próximo possível do fenômeno. Este é o método da fenomenologia que
pressupõe que não haja nenhum conhecimento e nenhum conceito
anterior sobre a questão a ser investigada, buscando-se, então,
possíveis signif icados. Para Josgri lberg (apud, Oliveira, 2006):
Retomar as coisas mesmas s igni f ica retomar onde elas são v iv idas e onde elas cobram sentido para a v ida e para existência. (p. 34)
19
Segundo Forghieri (1993) o psiquismo humano é muito amplo e
complexo, apresenta aspectos que não podem ser atingidos
diretamente, pela observação externa. Tal é o caso da vivência, ou das
experiências vividas, que só podem ser alcançadas diretamente, pelo
próprio sujeito.
Por meio da experiência vivida pela mãe entrevistada, buscamos
compreender como ela sobreviveu a uma morte que é t ida como um
percurso não natural da vida. A partir daí desenvolvemos capítulos,
versando sobre: “Medo do Desconhecido”; “Por que comigo?”; “Ritual:
uma dor necessária”; “Luto: Processo de Elaboração”.
Conforme Noé (apud Oliveira, 2006) quando um fenômeno se
apresenta ele ocorre sob três aspectos em relação a quem o observa:
sua relativa ocultação, sua gradativa revelação e sua relativa
transparência. A esses três aspectos correspondem, igualmente, três
formas de apreensão: a vivência, a compreensão e o testemunho.
Compreender e testemunhar são as tarefas principais do pesquisador.
Para Forghieri (1993) o sentido que uma situação tem para a
própria pessoa é uma experiência íntima que geralmente escapa à
observação do psicólogo, pois, o ser humano não é transparente e para
desvendar sua experiência o pesquisador precisa de informações a
esse respeito, fornecidas pela própria pessoa, por isso o método
fenomenológico é um recurso apropriado para pesquisar a vivência.
20
1.2. COLABORADORA A fim de atingirmos nosso objetivo, foi entrevistada Márcia (nome
fictício) de 48 anos, moradora da cidade de São Paulo. Perdeu seu
fi lho Pedro (nome fictício) aos 23 anos de idade em um acidente de
carro, há três anos. Conhecemos esta mãe através de uma amiga de
sala, que nos proporcionou o contato com a entrevistada.
Esta mãe foi escolhida por ser autora de um livro no qual relata a
experiência que teve ao perder seu f i lho. É importante falarmos que
esta mãe também já participou e trabalhou como organizadora de um
projeto, onde mães e pais enlutados participam para comparti lhar suas
vivências. Desta forma, consideramos que Márcia seria passível de ser
incluída em nossa pesquisa sem que isso lhe proporcionasse maiores
danos.
O encontro ocorreu em seu apartamento, pois entendemos que
este seria um local mais apropriado para a entrevistada narrar sua
vivência. Procuramos esclarecer a Márcia do que se tratava, o objetivo
da pesquisa, e o porquê da escolha do tema. Foi também explicada
toda a questão ética que envolve o trabalho através da apresentação
do Termo de Consentimento. (Anexo - II)
1.3. ENTREVISTA Usamos a entrevista como procedimento, uma vez que ela explora
a compreensão que o indivíduo tem da sua experiência e procura saber
qual o sentido que tem para ele. Optamos pela modalidade de
21
entrevista semi-dirigida, pois esta favorece a narrativa l ivre do
participante, com o discernimento de manter a temática da pesquisa.
Para que a entrevista se desenvolvesse, partimos inicialmente de
uma única questão: Conte-nos sobre a sua vivência ao perder seu
fi lho? A partir desta, trabalhamos os seguintes temas: Sobrevivência;
Luto e Sentimentos.
Segundo Queiroz (apud Oliveira, 2006) a entrevista busca o
depoimento pessoal, o qual é definido como relato de algo que o
informante presenciou, experimentou ou de alguma forma conheceu.
A entrevista foi conduzida de modo que favorecesse a descrição
da vivência dessa mãe, respeitando o tempo de discurso e de
sentimentos vigentes no momento da entrevista.
Uti l izamos como instrumento a gravação, sendo previamente
questionada à entrevistada a autorização para tal procedimento, e se
esta poderia ser uti l izada. A entrevista encontra-se no Anexo – I.
1.4. TRABALHANDO COM O DEPOIMENTO
Foi feita a transcrição l i teral do depoimento, para que a partir da
textualização do conteúdo gravado pudéssemos penetrar nessa
experiência, a f im de tentarmos entender os fatos da maneira como foi
vivenciado. Como o discurso é apresentado tal qual nos foi relatado,
convidamos o leitor a atribuir novos signif icados que considerem
pertinentes.
22
Antes de iniciarmos o processo de análise propriamente dito,
procuramos ler atentamente o relato, fazendo assim, um mergulho nas
falas. Colocamo-nos a mercê do discurso para acompanhar o
movimento do outro, deixamo-nos envolver, ver e ouvir com os olhos e
os ouvidos do outro. Para isso saímos de nós mesmas, das nossas
idéias, sentimentos e crít icas, para podermos estar no outro, como se
fosse um processo de identif icação com a fala do outro. A partir deste
momento, iniciamos o “envolvimento existencial”, o pesquisador
suspende qualquer teoria e passa a mergulhar na vivência do sujeito
entrevistado.
Após entrarmos em contato com a entrevista, iniciamos o
“distanciamento reflexivo”, por meio do qual procuramos retirar daquilo
que foi falado alguns possíveis elementos signif icativos para o sujeito.
Buscamos também chegar o mais próximo possível dos fenômenos
pesquisados, para então, podermos verif icar aquilo que mais se
sobressaiu, e objetivar todo o mergulho anterior. Procuramos dialogar
com autores cujas idéias e posições nos serviram de auxíl io à
compreensão da vivência.
Ao analisarmos as falas da entrevistada, elegemos temas que
foram ligados a certos termos ou afirmações que apareciam com
freqüência no relato. São eles: Encontro; Relações: Filho e Amigos;
Sociedade e Psicoterapia; Reações e Sentimentos; Rituais e O que
fazer? A organização dos temas foi uma tarefa bastante difíci l, pois em
23
alguns casos nos atrevemos a fazer interferências, interpretações ou
tentativas de explicação do que nos afigurava no relato.
Após a realização deste trabalho, esperamos oferecer aos nossos
futuros colegas psicólogos e às mães, o nosso modo de olhar e
compreender o fenômeno, como graduandas de psicologia, objetivando
colaborar na compreensão do tema.
24
“Quando em um relacionamento estão envolvidos um conjunto
de fenômenos psíquicos, vivenciados e experimentados na
forma de emoções, sentimentos, com estima, apego, ternura e
carinho, desenvolve-se o que se denomina de afeto: em
diferentes graus de complexidade, amor e paixão. É o
sentimento existente em relação a nosso entes queridos,
amigos e pessoas amadas”.
Dr. Lunardi (apud Ebadi, 2003, p. 45)
25
CAPÍTULO II
MEDO DO DESCONHECIDO
Todo ser humano reconhece a possibi l idade de sua própria morte, mas apenas em raros momentos a percebe como verdadeiro. Por outro lado, para não viver angustiado perante esta certeza, para ocultar seu destino, ele se volta para a vida cotidiana, ocupando-se e preocupando-se com seu dia a dia ( . . .) (ANCONA-LOPEZ, 1996, p. 31)
ara Kovács (1992) a morte sempre aparece envolta pelo
medo, medo este, definido pela autora como um valor
signif icante e uma reação emocional envolvendo sentimentos
subjetivos de desagrado, preocupação e uma antecipação de quaisquer
das várias facetas relacionadas à morte.
A autora descreve um lado vital da morte, uma presença
necessária em certa medida, representada como uma expressão do
instinto de auto-conservação, uma forma de proteção à vida e uma
possibil idade de superar os instintos destrutivos.
Segundo Coelho (2000) as pessoas gostam de estar aqui,
conspiram-se a favor da vida, por isso, sobrevive-se a dores imensas,
porque a vida é nosso único espaço de pertencimento. Entende-se a
idéia de morte como não sendo bem vinda, pois ela faz f indar a vida,
P
26
impondo o desconhecido, a f initude, a cisão e o rompimento diante de
cada um. A morte coloca em risco toda uma construção de vida, porque
não diz quando chega e com isso as pessoas passam todo seu tempo
tentando estar aptos para a vida, e não para a morte.
Seguindo as idéias da autora, a morte é a grande angústia
humana, l imita o existir de todos os homens e, apesar das crenças e
religiões, coloca um limite à vida na terra da forma como foi concebida,
é um evento universal.
Para Heidegger (2002):
No domínio públ ico, pensar na morte já é considerado um temor covarde, uma insegurança da pré-sença e uma fuga s in is tra do mundo. O impessoal não permite a coragem de se assumir a angúst ia com a morte. (p. 36)
Viorst (2004) fala do medo da morte como sendo sem dúvida um
sentimento que a maioria das pessoas não pode suportar. Vive-se em
uma sociedade na qual a morte é negada, é deixada de lado, porém,
não se nega a mortalidade. No entanto, a conscientização dessa
mortalidade poderia enriquecer o amor pela vida, sem fazer da morte, a
nossa morte, e sim algo aceitável, natural do ciclo humano.
Negar a morte, conforme Viorst (2004), signif ica jamais permitir a
nós mesmos o confronto com a ansiedade provocada por visões dessa
últ ima separação. Esta negação facil i ta a caminhada através dos dias e
das noites sem que pensemos no abismo diante de nossos pés.
A autora fala também de uma dif iculdade em encarar a nossa
própria morte sem ficarmos apavorados. Há um medo do aniquilamento
27
e do não-ser. Temos medo de ir rumo ao desconhecido. Medo de ficar
sozinhos e desamparados. Por isso, é tão difíci l pensar em nossa
própria morte, e, também, a de nossos entes queridos.
Conforme Heidegger (apud Coelho, 2000) a morte não é apenas o
f im da existência, mas um dos elementos constitutivos da própria vida.
Seria a única possibil idade existencial que independeria de quaisquer
forças sociais, para atuar. Assim, a morte nos iguala a todos, é
inexorável, irrevogável, direito e destino de todo ser vivo. É o f im
colocando a vida enquanto existência restrita num espaço, que a
avalia. É o l imite, que verdadeiramente ordena a ação humana no
tempo. Para Heidegger (2002):
A morte vem ao encontro como um acontecimento conhecido, que ocorre dentro do mundo. Como ta l , e la permanece na não-surpresa caracterís t ica de tudo aqui lo que vem ao encontro na cot idianidade. (p. 35)
Ao se perder um ente querido, aquele de que se amava passa
agora a ser um desconhecido, a vida toma a forma de um grande vazio
no lugar deixado pela pessoa que não está mais presente. Nesse
momento, aquele que partiu, pode ser visto, por muitos, como se
estivesse descansando ou abandonando as pessoas que faziam parte
de sua vida. Quem morre si lencia a tudo, pois a palavra não mais o
atingirá. O morto deixa quem o amou, sem aviso, e numa hora sempre
imprópria.
Segundo Kovács (1989) a morte nos fala de representações que
envolvem duas pessoas, uma que é perdida, e a outra que lamenta esta
28
falta, um pedaço de si que se foi. O morto, em parte, é internalizado
nas memórias e lembranças. A morte como perda supõe um sentimento,
uma pessoa e um tempo.
Conforme Parkes (apud, Coelho, 2000) aos enlutados caberá
viver um difíci l momento, cumprindo as chamadas tarefas do luto,
contando com o tempo para aplacar a dor da perda. À família caberá
reorganizar-se, redistribuindo tarefas ou mesmo pontuando o lugar
vazio deixado pelo membro que se foi.
Morrer é certo. Kübler-Ross (2004) fala de uma defesa crescente
que o homem tem contra a morte e contra a incapacidade de prevê-la,
e precaver-se contra ela. Em nosso inconsciente não é concebida a
idéia de morte, somente a crendice de sermos imortais. Mas a autora
acredita que enfrentar a realidade da morte é a chave para viver uma
vida signif icativa. Para Kübler-Ross (apud Papalia, 2000):
É a negação da morte que é parcialmente responsável pela vida vazia e sem propósito das pessoas; pois quando você vive como se fosse viver para sempre, torna-se muito fác i l adiar as coisas que você sabe que deve fazer. Em contraste, quando você compreende plenamente que cada dia em que você desperta poder ia ser seu úl t imo dia, você aprovei ta o tempo deste dia para crescer, para tornar-se mais quem você realmente é, para estender a mão a outros seres humanos.
(p. 577)
Para Leis (2003) é no meio da massa, vivendo uma existência
inautêntica, que se aprende a não enfrentar a morte. Com isso a morte
está frequentemente acompanhada por uma idéia. Então, ninguém
morre sem ter uma idéia do que ela signif ica. Este mesmo autor
descreve:
29
Cada um tem que morrer sua própr ia morte, mas que isso só é possível no confronto com a cul tura de uma época que transforma o autênt ico em inautênt ico, na luta contra uma cul tura da massi f icação e do anonimato, na luta de uma cul tura que, a inda gostando de chamar-se ref lexiva, atenta permanentemente contra o desenvolv imento do eu. (p. 06)
A morte faz parte da vida humana, ela é a f inalização de toda
uma existência, é algo que não se pode fugir ou se l ivrar. Conforme
Jamaril lo (2006) a morte é um tema profundo, dramático e misterioso,
pois faz parte de algo desconhecido e impensável. Contudo, se o ser
humano deseja tornar-se dono de sua própria morte, assim, como sua
l iberdade e autonomia, é indispensável pensar previamente nela, e
assimilá-la na vida como uma realidade presente.
30
CAPÍTULO III
POR QUE COMIGO?
Uma das coisas mais dif íceis de aceitar é a morte de um fi lho. Você cogita: por que eu? Por que ele? É um rude lembrete: a morte não segue horário previsível, ela escolhe seu próprio tempo e lugar. Embora dolorosa esta experiência possa ser um impulso para o amadurecimento dos que lhe aceitam o desafio. Há duas escolhas quando morre o ser amado: viver sofrendo, com remorsos e culpa mal distorcido por uma fachada: ou enfrentar tais sentimentos, superá-los e deles emergir com a aceitação da morte e um compromisso com a vida. (MIZE apud FREITAS, 2000, p. 56)
ste capítulo discutirá algumas características do processo de
enlutamento materno em diferentes dimensões. A partir de
algumas leituras, deparamo-nos com o termo “mito do amor
materno”, entendemos que seria cabível oferecer um outro olhar em
direção ao amor de uma mãe pelo seu f i lho.
Segundo Casellato e Motta (2002) o mito da mãe sagrada,
devotada, unicamente ao fi lho, resisti há tempos. É algo construído
historicamente, apesar dos insistentes movimentos das mulheres.
As autoras descrevem: A maternidade é um fato social total que só se desvela se compreendido histor icamente nas suas vertentes bio lógicas e psicológicas, cul turais e sócio-econômicas e não de um modo essencial ista seja qual for a “essência” e le i ta ou a sua just i f icação. (p. 98)
E
31
Conforme Badinter (1985) o amor materno não é apenas
instintivo. É um sentimento sujeito a imperfeição, dependente não só
da história da mãe, mas também da humanidade.
Para Casellato e Motta (2002) instaurou-se socialmente que as
mães eram consideradas a “dona do saber”, levando-as a uma
tendência de culpá-las por tudo de bom ou ruim que acontecesse aos
seus f i lhos.
Quando uma mãe perde seu fi lho, com toda essa bagagem
emocional envolvida, o luto será determinado pelo vínculo estabelecido
nessa relação. Entendemos que a morte de um fi lho, em geral é intensa
e trata-se da interrupção, de um corte na seqüência esperada.
Para Freitas (2000) o desejo dessa mãe é, então, de reunir-se ao
f i lho querido, ou sair da vida por não suportá-la. Como houve uma
quebra no processo evolutivo, ela se pergunta: para que continuar
vivendo? O porquê dessa injustiça? Estas são questões que procuram
respostas muitas vezes não encontradas.
Segundo Casellato e Motta (2002) ao perder um fi lho, a mãe
passará por um grande impacto que se divide em quatro dimensões:
individual; conjugal; famil iar e social.
A dimensão individual é uma construção subjetiva, e só
experienciada pela mãe que sofreu a perda de um fi lho. A mãe enlutada
perde um pedaço de si mesma, a esperança, a perspectiva de um
futuro, a função de cuidadora e sua própria identidade. As autoras
ressaltam que (2002):
32
Para a maior ia das pessoas o f i lho é a cont inuidade dos pais e de sua imorta l idade, por meio da perpetuação dos genes. E o s igni f icado dessa relação será inf luenciado pela caracter ís t ica do sujei to e pelas projeções dos pais por ele. (p. 107)
Segundo Weiss (apud Coelho, 2000) o luto individual transcreve
três principais tarefas de elaboração: - ser capaz de conviver com a dor
da memória; - achar meios de ter uma vida de qualidade e responder
adequadamente a demanda dos papéis sociais a serem cumpridos.
As autoras Casellato e Motta (2002) descrevem que na dimensão
conjugal, a morte de um fi lho tem efeitos no relacionamento afetivo do
casal, cada um possui uma forma de experienciar o seu pesar;
freqüentemente, também, ocorrem problemas sexuais, e em muitos
casos o divórcio acontece permeado por essas mudanças signif icativas.
Estes pais apresentam uma gama de sentimentos ambivalentes,
evidenciando que a morte de um fi lho quebra de maneira definit iva um
padrão estabelecido pondo em risco a estabil idade possível e
necessária para se conviver.
Conforme Parkes (1998) muitas vezes a morte é personif icada
como algo que foi feito para elas e procuram alguém para culpar. A
culpa é dirigida contra qualquer pessoa que possa ter contribuído para
o sofrimento ou para a morte. Essa forma de pensar ocorre com a
maioria dos casais, quando um coloca a culpa sobre o outro.
Para Casellato e Motta (2002) a dimensão famil iar também é
afetada, pois a perda de um fi lho é uma transição que implica em uma
reorganização famil iar. Surge a necessidade dos membros da família
33
desenvolver regras, papéis e expectativas que refletem diretamente em
suas crenças e principalmente nas estratégias de enfrentamento do
luto.
Segundo Bromberg e Kovács (1996) após a crise, mudanças
ocorrem, surge a necessidade de um rearranjo do sistema famil iar,
como conseqüência haverá a construção de uma nova identidade de
cada membro e a busca eterna por um novo nível de equilíbrio.
De acordo com Coelho (2000):
Relata que algumas pessoas descobrem no processo de luto uma força que desconheciam ter , assim como mecanismos fac i l i tadores e soluções cr iat ivas podem surgir após a dor in ic ial da perda, como uma forma de reorganização. Na medida em que cot id ianamente se reage a perdas e frustrações; o luto é entendido como um contexto de vida e não um processo isolado. (p. 30)
Seguindo as idéias das autoras, Casellato e Motta (2002), na
dimensão social, a perda de um fi lho é um evento signif icativo, por ser
algo ameaçador e impactante. A sociedade reage muitas vezes
inadequadamente por não saber l idar com os pais enlutados, e por
acrescentarem expectativas místicas erronias, em relação a qualquer
t ipo de luto. Alguns exemplos descrevem como alguns destes mitos são
seguidos pela sociedade: todos os pais reagem da mesma forma; o luto
dos pais diminui com o tempo e os enlutados deveriam sentir-se melhor
porque outras pessoas amadas estão vivas.
34
Conforme Coelho (2000) o sofrimento do luto está relacionado às
alterações da saúde física e mental. O luto ainda é uma dor sem nome,
nem lugar na sociedade.
É estritamente importante neste momento falar do sentimento de
“culpa” que tende a aparecer ao perder um fi lho. Conforme D’
Assumpção (2001) a culpa frequentemente acompanha a morte e o
enlutado. Este sentimento por vezes vem acompanhado de palavras
infelizes, por culpar-se de ter sido incompetente para impedir a morte
de seu fi lho, ou até mesmo por questionar a atenção que foi dada ao
fi lho quando vivo.
Segundo Casellato e Motta (2002) a morte desmascara a
onipotência, atando todo e qualquer movimento da mãe em torno da
salvação de seu fi lho. Muitas mulheres abandonam suas vidas e se
castigam pela incapacidade de manter seu fi lho vivo e, principalmente
por estarem vivas.
Um outro sentimento presente no processo de elaboração da
perda será a “raiva”. Sentimento este, que adequadamente expresso
com o decorrer do tempo retornará a períodos de tranqüil idade, até
minimizar esses confl i tos.
De acordo com D’ Assumpção (2001) a compreensão da raiva
muda com o tempo, em um primeiro momento gera-se uma carga
emocional bastante intensa. No entanto, essa expressão deve ser
esgotada e vivenciada corretamente para que esse sentimento não se
35
perpetue. Caso isso não ocorra, poderá ocorrer a repressão desse
sentimento.
A “tr isteza”, também, é um sentimento que provavelmente
qualquer enlutado irá sentir. Para Markham (2000) a diferença será a
profundidade dessa tristeza e do período que ela perdura. Não se sabe
se a tr isteza desaparece um dia, porém esta pode tornar-se mais
suportável. O fato é que o enlutado se acostumará com esse
sentimento permanente ou não.
Reogarnizar a vida, de acordo com Jaramil lo (2006) é um desafio
de reconstrução e de reaprendizagem de um ambiente que foi
modif icado, é um compromisso que se faz para continuar a viver. O
reinserir-se no mundo ocorre lentamente e gradativamente.
Conforme Tavares (2003) é na aceitação que se dá o encontro
com a gratidão e a alegria que a presença física da pessoa que
perdemos nos possibil i tou. A abertura é a aposta no futuro de que
ainda é possível viver. A fel icidade é momentânea, tem aspectos
circunstanciais. A alegria é diferente, e será nela que poderemos
assegurar que a qualidade de vida não será apenas sobrevivência. A
culpa, a raiva e a tr isteza são sentimentos intensos no decorrer deste
processo de elaboração até a aceitação. De acordo com Pires (2005):
A cada dia que passa a perda avoluma-se, o sofr imento aumenta, o vazio, a ausência e a saudade tornam-se insuportáveis. Temos um medo de enlouquecer, ju lgamos não sermos capazes de agüentar tamanho sofr imento. Parece-nos impossível vol tar a sair desta s i tuação. (p. 23)
36
Mas, é importante saber, que aceitar todo esse sofrimento não é
conformar-se, não é esquecer da pessoa amada, mas, sim, uma
possibil idade de continuar a viver dignamente.
O capítulo a seguir discutirá sobre rituais, pois acreditamos que
este apresentará aspectos relevantes para um processo de elaboração.
37
CAPÍTULO IV
RITUAL: UMA DOR NECESSÁRIA
Veio à missa de um mês, é só assim que a gente se dá conta do tempo passando. Que horror, que susto, quando o Padre Franco disse a intenção da missa: levei um choque. Como se eu estivesse recebendo a notícia naquele minuto. Consegui entender porque os r ituais são sábios e necessários; e existem, nas mesmas épocas, em todas as rel igiões. Eles têm uma razão de ser; desde o velório, a missa de sétimo dia, de um mês, tudo. É através deles que a gente vai se dando conta do que aconteceu, vai absorvendo a tragédia, realizando a perda ( . . . ) As cerimônias são como um tranco que a gente leva para despertar para a real idade. É dif íci l demais; mas são importantes, já que precisamos, efet ivamente, voltar à realidade. (PACIORNIK; PACIORNIK, 2004, p. 55)
o realizarmos esta pesquisa, nos deparamos com os rituais,
sendo eles diferentes maneiras de concretizar a perda. Porém
salientamos que o ritual também possui um aspecto de
cronif icação do luto, ele pode atrapalhar dependendo do estado
psíquico da pessoa. Uma outra questão importante a ser evidenciada é
a dif iculdade da sociedade em suportar a morte e suas manifestações.
Há uma supressão do luto, e também há uma exigência de domínio e
controle desta situação de perda.
De acordo com Firth (apud Bowlby, 2004) uma questão
importantíssima a ser abordada são as práticas de rituais funerais,
principalmente quando se trata de um processo de luto. O autor fala em
A
38
um benefício aos vivos e não aos mortos, já que são realizados para os
que ficam.
Para Heidegger (2002):
O f inado que, em oposição ao morto, fo i ret i rado do meio dos que f icaram para trás é objeto de ocupação nos funerais, no enterro, nas cer imônias e cul tos dos mortos. E isso porque, em seu modo de ser, e le é ainda mais do que um instrumento dado no mundo c ircundante e passível de ocupação. Junto com ele, na homenagem do cul to, os que f icaram para trás são e estão com ele, no modo de uma preocupação reverencial . O f inado deixou nosso mundo e o deixou para t rás. É a part i r do mundo que os que f icam ainda podem ser e estar com ele. (p. 18-19)
Segundo Firth (apud Bowlby, 2004) estes rituais proporcionam
aos enlutados a l idar com suas incertezas, a expressar publicamente
seu pesar e a introduzi- los a um novo papel social que passam a
desempenhar. Permite a todos os outros membros da comunidade
tomar conhecimento público de sua perda e também o direciona a uma
complexa troca de papéis.
Este mesmo autor, fala destes rituais como sendo uma
oportunidade para os vivos ainda expressar gratidão aos mortos, e
praticar certos atos considerados benéficos para a pessoa que se foi. É
uma maneira de acreditar que tudo esteja conforme os desejos da
pessoa, pois é neste últ imo encontro que ainda se tem uma presença,
mesmo que esta já seja ausente.
Essas práticas levam a um reconhecimento das perdas e dão o
suporte correspondente, além de poderem expressar seu luto
abertamente e proporcionar o tempo necessário para a compreensão de
tais perdas. Casellato e Motta (2002) falam da importância das pessoas
39
participarem desses rituais que envolvam a perda, já que a morte física
ou social não ocorre concomitantemente. Vivenciar um ritual
proporciona a chance de uma despedida, um meio aceitável. É
fundamental tanto para reorganização pessoal, quanto para a família
em geral.
Para Coelho (2000) o luto é um evento individual e coletivo, um
momento de crise pessoal e famil iar que demonstra sua importância
simbólica para a coletividade, na medida em que é ritualizado na
maioria das sociedades.
As autoras, Casellato e Motta (2002), abordam também a
possibil idade de ausência de rituais. Neste caso, poderá haver um
prejuízo ou até mesmo o adiamento do processo de elaboração da
perda. Esta ausência, bem como a negação em participar dos eventos,
pode oferecer um comprometimento ou dif iculdade em torno da
aceitação ou compreensão da morte.
Seguindo as idéias das autoras, a sociedade apresenta um
importante papel na elaboração desta perda. No entanto, por ela definir
a duração do luto, encorajar os enlutados a l imitar seu isolamento e
voltar a juntar-se à comunidade, corre-se o risco de prejudicar o
processo de elaboração desta perda.
Conforme Tavares (2003) a criação de rituais de elaboração pode
favorecer a cada componente da família enlutada uma singular forma
de expressão.
Para McGoldrick; Walsh (apud, Tavares, 2003):
40
A perda envolve três partes fundamentais: pr imeiro um r i tual para reconhecer e fazer o luto da perda; segundo um r i tual para simbol izar o que os membros da famíl ia incorporam ou levam com eles da pessoa morta e o terceiro um r i tual para s imbol izar o prosseguimento da vida. (p. 81)
As datas possuem um importante signif icado para os
sobreviventes em relação à pessoa falecida. De acordo com Casellato
e Motta (2002) o luto pela morte de um fi lho reacende-se com maior
intensidade em datas de aniversário de vida e de morte, e também nos
encontros famil iares. Embora não seja algo que aconteça
especif icamente na morte de fi lhos, mas também na morte de outras
pessoas queridas.
Para D’ Assumpção (2001):
A ocorrência dessas datas durante os pr imeiros anos de luto, são extremamente s igni f icat ivas af inal será o pr imeiro natal , o pr imeiro aniversár io da pessoa, sem a pessoa. Geralmente a opção das pessoas é de não comemorar aquela data; Isso não é o melhor que se pode fazer, pois desconhecer que é natal , f ingir que não é páscoa poderá ser p ior do que assumir a real idade dessas celebrações. (p. 51)
Segundo Tavares (2003) não existem rituais que sejam
considerados certos ou outros que sejam errados, as referências são
de ações que façam sentido para que a situação possa ser
gradualmente assimilada.
Kovács (2003) nos fala da compreensão da função destes rituais.
Os ritos fúnebres funcionam como uma possibil idade de exercício
comunitário para um comparti lhamento de sentimentos, ajudando a
compreender a separação do corpo e o do f im.
41
Para os enlutados, a compreensão de que sua vida não será mais
a mesma será essencial para uma boa elaboração do luto, tema
apresentado no capítulo a seguir.
42
CAPÍTULO V
LUTO: PROCESSO DE ELABORAÇÃO
O luto não contém fórmulas mágicas, porque elas não existem. Não traz regras específ icas, porque cada pessoa é diferente das outras. Não existem dores iguais, não existem sofrimentos iguais, não existem formas de superação da dor, também iguais. (D’ ASSUMPÇÃO, 2001, p. 12)
luto surgirá por meio de uma perda, de um rompimento
signif icativo na vida de uma pessoa, em cada cultura e em
cada momento do desenvolvimento individual.
Tavares (2003) descreve o luto como sendo uma contingência, um
processo de assimilação da perda, um ritual de expressão de alguns
sentimentos mais profundos e íntimos de nossa existência. Está ao
lado da morte, como evento, e também da vida, como um processo. É
aprender a se separar sem se perder.
Neste momento é importante falarmos do termo pesar, pois é
necessário apontarmos a diferença que existe entre o luto. De acordo
com Tavares (2003) o pesar é um sentimento de perda diante de uma
conexão interrompida ou quebrada. São todos aqueles sentimentos que
aparecem envoltos a perda.
O pesar é uma reação psicológica da perda. O primeiro sentido
do pesar é a perda do objeto perdido que se torna insubstituível,
O
43
enquanto que a dor em alta dimensão toma incontáveis espaços na
vida do enlutado.
Para as autoras Bromberg e Kovács (1996) o luto só ocorre
quando houver um vínculo signif icativo que tenha sido rompido, que
ocorrerá a partir de uma relação previamente existente que determinará
a qualidade do luto.
Ao falarmos em vínculos, é estr itamente importante citarmos a
teoria do apego de Bowlby (apud Worden, 1998). Nesta construção o
autor fala dos fortes laços afetivos que o ser humano tende a ter, e da
forte reação emocional que ocorre quando estes laços f icam
ameaçados ou são rompidos.
Esses laços surgiriam de uma necessidade de segurança e
proteção, iniciando-se cedo na vida, dir igindo-se a poucas pessoas
específicas e tenderiam a durar por grande parte do ciclo vital. Esses
laços, ao sofrerem situações de perigo, dariam origem a determinadas
reações muito específicas, levando a uma resposta de intensa
ansiedade e de forte protesto.
Segundo Worden (1998) depois que alguém passa por uma perda,
há certas tarefas do luto que deveriam ser realizadas para que
houvesse um restabelecimento do equilíbrio, para então, o processo do
luto ser completo. O essencial seria que a pessoa enlutada cumprisse
tais tarefas antes que o luto fosse realizado.
Para o autor estas tarefas se classif icam em quatro processos.
São elas: “aceitação a realidade da perda”, envolvendo não só a
44
aceitação intelectual, mas também a emocional; “elaboração da dor”,
levando-se em conta que nem todas as pessoas vivenciam a dor na
mesma intensidade, sendo mais difíci l de l idar na época da perda;
“ajustamento a um ambiente onde está faltando a pessoa que faleceu”,
há diferentes signif icados para as pessoas, isso depende da relação
com a pessoa falecida e dos vários papéis que o morto desempenhava,
e, por f im, o “reposicionamento da pessoa que sofreu a perda
relacionada a termos emocionais à pessoa que faleceu e, assim,
continuar a viver”, não signif ica que as lembranças de uma relação
signif icativa simplesmente caiam no esquecimento. Esses processos
não se apresentam em uma seqüência certa, eles podem ocorrer em
uma outra ordem, o importante é que a pessoa passe por eles.
Worden (1998) também fala de uma defesa que pode aparecer em
todas as tarefas. Dependendo do grau, já é esperada. Porém, quando
aparece de maneira muito intensa, pode vir a interferir no
desenvolvimento destas tarefas.
Achamos importante ressaltar que apresentaremos somente dois
t ipos de lutos Luto Não Complicado, e Luto Complicado, pois estes são
necessários ao nosso trabalho. Mas, é importante salientarmos, que há
outros t ipos de lutos, tais como: Luto Antecipatório; Luto não
Franqueado; Luto Crônico; Luto não autorizado, entre outros.
45
5.1 – Luto não complicado Para Casellato e Motta (2002):
As mães sentem-se roubadas e trapaceadas, exib indo como caracter ís t icas especialmente intensas do luto a obsessão em querer contro lar e entender o que aconteceu; o sent imento de culpa, a recorrência de sent imentos de pesar, a ident i f icação com o f i lho morto e a necessidade de expressar a dor e fa lar sobre a exper iência viv ida. (p. 109)
Tavares (2003) acredita que facil i tar o luto é abrir espaço,
motivar e inspirar a troca de sentimentos favorecendo todas as
gerações para que possam ter modelos que lhes facil i tem integrar as
perdas posteriores.
A mesma autora descreve que a dor de perder, não precisa ser
sinônimo de amargura, é algo que nos atinge, nos deixa impactados,
feridos, abatidos, e não tem necessariamente que nos derrotar. A dor
também oferece a oportunidade de um mergulho interior, levando a
revisão de valores, projetos e propósitos de vida. A grande
ultrapassagem é desenvolver a capacidade de transformação dentro de
nós mesmos, sem trapacearmos.
Para Worden (1998) um luto não complicado engloba uma gama
de sentimentos e comportamentos que são comuns depois de uma
perda. Entre os sentimentos esperados estão:
- Tristeza, é o mais comum encontrado no luto.
- Raiva, pode ser um dos sentimentos mais confusos para a
pessoa que ficou, derivado da frustração ou de uma vivência
regressiva.
46
- Culpa e auto-recriminação , freqüentemente irracional, há uma
diminuição com o decorrer da realidade.
- Ansiedade , pode variar desde uma leve sensação de
insegurança a um forte ataque de pânico.
- Solidão, sentimento freqüentemente expresso pelas pessoas
que ficaram.
- Fadiga, se assemelha a apatia ou indiferença, desamparo
presente com freqüência nas primeiras fases da perda.
- Choque, geralmente ocorre em casos de morte súbita, porém, é
possível ocorrer em outras situações de perda.
- Anseio, normal ao luto, quando diminui pode ser um sinal de
que o luto está terminado.
- Emancipação, sentimento posit ivo depois da morte.
- Alívio, frequentemente associado à culpa.
- Estarrecimento , funciona como uma espécie de defesa a tantos
sentimentos que surgem ao mesmo tempo.
Worden (1998) também fala das sensações físicas que vêm
associadas às reações agudas ao luto. As mais comuns são: vazio no
estômago, aperto no peito, nó na garganta, hipersensibil idade ao
barulho, sensação de despersonalização, falta de ar, fraqueza
muscular, falta de energia e boca seca.
Também é importante ressaltar os pensamentos comuns nas
primeiras fases do luto e que geralmente desaparecem depois de pouco
47
tempo. Entre eles: a descrença, confusão, preocupação, sensação de
presença e as alucinações.
O autor também descreve comportamentos específicos que
aparecem associados a reações normais do luto, sendo eles: distúrbio
do sono ou despertar precoce; distúrbio do apetite, manifestando-se
tanto em termos de comer excessivamente, quanto de comer pouco;
comportamento aéreo, tendendo a esquecer das coisas, ou agir de
forma distraída, ou fazer coisas que possam prejudicar; isolamento
social levando a uma possível perda de interesse pelo mundo externo;
sonhos com a pessoa que faleceu; evitar coisas que levam a pessoa
que faleceu a desencadear sentimentos dolorosos ; procurar e chamar
pela pessoa que faleceu; suspiros; hiperatividade, na tentativa de
aliviar a inquietação; choro, alívio do estresse emocional; visitar
lugares ou carregar objetos que lembram a pessoa que morreu e usar
objetos preciosos que pertenciam a pessoa que faleceu.
Conforme Tavares (2003) ignorar ou apressar essas tarefas é
correr o risco de f icar preso ao luto mal elaborado.
Para Papalia (2000) é fundamental saber que o luto assume
diversas formas e padrões para cada pessoa. Será a partir destas
representações que acontecerá as diversas maneiras de l idar com as
perdas, sem fazer com que essas pessoas pensem que suas reações
são atípicas.
48
5.2 – Luto Complicado
Segundo Casellato e Motta (2002):
Todos os processos de luto contr ibuem para a reorganização do sujei to diante da cr ise instalada em sua v ida após a perda. Estes mesmos fatores inadequados ou insuf ic ientes podem di f icul tar o processo de adaptação e elaboração da perda, chegando a trazer comprometimentos psiquiátr icos que deverão ser cuidados por prof iss ionais da área. (p. 117)
De acordo com Worden (1998) os fatores relacionais definem o
tipo de relacionamento que a pessoa tinha com aquele que morreu. O
tipo que mais impede um luto adequado é aquele que é altamente
ambivalente com hosti l idade não-expressa, aquele que é altamente
narcísico. Ainda, há casos, que a morte pode abrir velhas feridas.
O autor relaciona o luto complicado a fatores circunstanciais ,
como por exemplo, a perda sendo incerta; a fatores históricos, como
pessoas com tendência para um luto complicado; a fatores de
personalidade , como pessoas que não toleram extremos de estresse
emocional; e a fatores sociais, a perda seria socialmente não
comentada, negada ou agiria como se nada tivesse ocorrido. Um outro
fator importante, também, é a ausência de uma rede de apoio social.
Conforme Worden (1998) as reações de um luto complicado,
podem ser denominadas como: “crônicas”, sendo aquelas que têm uma
duração excessiva e nunca chegam a um término satisfatório;
“retardadas”, seriam aquelas inibidas, suprimidas ou postergadas;
“exageradas”, a pessoa se sentir ia sobrecarregada e recorreria a
conduta mal-adaptada, sendo possível levar a transtornos psiquiátricos
49
maiores e as “mascaradas”, seriam aquelas mascaradas por sintomas
físicos, ou por algum tipo de conduta aberrante ou mal-adaptada.
Segundo Casellato e Motta (2002) os fatores de risco de um luto
complicado iniciam primeiramente como fatores predisponentes e
intrapsíquicos da pessoa enlutada, juntamente com as circunstâncias
da perda, como a causa e o t ipo de morte. Posteriormente seriam as
características da relação prévia com a pessoa falecida e por f im a
ausência do suporte social e a intensidade do sofrimento farão a
diferença.
5.3 – O que acontece após o luto?
A partir do andamento da pesquisa, compreendemos que seria
importante falarmos das conquistas que podem ocorrer após o luto.
Enfatizando que sempre dependerá de como a pessoa l idará com o seu
processo de luto. Compreendemos que é difíci l passar por ele, mas é
necessário para uma boa resignif icação de vida.
Conforme Jaramil lo (2006) conseguir vivenciar bem o luto implica,
antes de mais nada, em um compromisso pessoal com a mudança na
vida, considerando o tempo, esforço e paciência. Refazer a vida,
recuperar seu sentido e reorganizá-la são tarefas penosas, mas
pertencentes ao processo de luto.
Seguindo as idéias do autor, passar por este caminho implica
possivelmente em sentir uma nova força interior e poder arriscar e
50
descobrir novos propósitos para a vida. O luto bem elaborado pode ser
um fator de enriquecimento pessoal, uma possibil idade de
transformação e uma perspectiva diferente de compreensão da vida e
da morte. De acordo com Jaramil lo (2006):
Uma tragédia é uma l ição de humildade, de f lexibi l idade, de humanidade, que em geral nos obr iga a reestruturar o nosso s is tema pessoal de crenças para inc lu ir a possibi l idade de perdas e da própr ia morte. (p. 215)
De acordo com Agostinho (apud Pires, 2005) a vida passa a ter
um outro signif icado. Aprende-se a l idar melhor com os problemas, com
as angústias e com os medos. O sofrimento ensina a dar valor às
pequenas coisas da vida, é importante não fugir dele, pois será através
do sofrimento, que, possivelmente, chegar-se-á a algo benéfico para si
e para os outros.
51
“Há duas formas de viver a sua vida. Uma é acreditar que não
existe milagre, a outra é acreditar que todas as coisa são um
milagre”.
Albert Einstein
52
CAPÍTULO VI
ANÁLISE DA ENTREVISTA
6.1- Encontro
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. (Vinicius de Moraes)
encontro com Márcia ocorreu em sua residência, em um
final de semana, na cidade de São Paulo. Ao chegarmos ao
local, Márcia nos recebeu com muita receptividade e
disposição. Sua primeira fala foi: “demorei para chegar, pois passei no
mercado para comprar algumas coisinhas para tomarmos um lanche,
que mãe que não se preocupa com essas coisas...”
Neste momento f icamos surpreendidas. Como uma mãe que perde
seu único f i lho, ainda sente-se mãe? É estranho de pensar e
principalmente de ouvir.
Essa frase de Márcia justif ica-se por meio de uma compreensão
que Rando (apud Fonseca, 2004), ao analisar esse tipo de
comportamento, faz de pessoas que perdem alguém querido. Para o
autor a pessoa que passa por uma perda necessita reajustar-se a um
novo mundo sem esquecer-se do velho, é uma procura de adaptar-se a
novos modos de ser no mundo, e a partir de novos conceitos buscar
O
53
uma nova identidade. O autor descreve esse tipo de comportamento
como sendo uma forma saudável de l idar com a perda.
Junto a isso, entendemos que há algo que aparece como
irrevogável, “não existe ex-mãe, nem ex-fi lho”. Não há definição no
dicionário para quem perde um fi lho. Neste momento, percebemos que
Márcia não abdicou de seu papel materno. E foi a partir daí, que o
nosso trabalho começou a ganhar sentido.
A entrevista transcorreu tranqüilamente. Somente em alguns
momentos Márcia se mostrou emocionada ao decorrer de suas falas.
6.2- Relações: Filho e Amigos É natural que a maioria das mães sinta seus fi lhos como um
pedaço de si, é uma relação que se pode denominar como um amor
incondicional que acompanha toda a gestação e todo desenvolvimento
humano. Márcia mostra-nos, por meio da sua entrevista, uma forte
relação com seu fi lho.
Para trabalhar a relação de que ele era meu filho, que podia até ser
meu amigo, mas principalmente ele era meu filho; eu era mãe dele
(...) O homem que eu mais amei na minha vida, incondicionalmente.
Esse tipo de relação segundo Badinter (1985) foi construído ao
longo da história, há uma nova concepção de mãe. A maternidade
tornou-se um papel gratif icante na sociedade, trazendo consigo
sentimentos de desejos, de ideais e superações, sendo, ao mesmo
54
tempo, uma experiência complexa e repleta de sentimentos
contraditórios.
Mas acreditamos que o amor de uma mãe, não é somente uma
construção social, vai muito além do que uma racionalização. É um
amor que já faz parte de uma relação entre mãe e f i lho, é um
sentimento incondicional, não há “por quê” e nem “para quê”.
O Pedro, às vezes falava para mim: mãe me ama menos, eu não
tenho culpa que sou só eu (...)
Para Badinter (1985) atualmente as mães passam muito mais
tempo com seus fi lhos do que ocorria antigamente. Estabelecem-se
laços nestas relações que se tornam cada vez mais difíceis de serem
rompidos.
É neste contexto, que Márcia demonstra uma intensa relação com
seu fi lho. Pode-se falar que essa angústia, que Pedro sentia, poderia
ser ocasionada por questões que Márcia acreditava ter falhado, e que
já vinha ao longo de sua história. Geralmente são questões
psicológicas e que, dentre outros fatores, podem levar a uma relação
excessiva de amor e culpa. De modo que Márcia ao expressar seu amor
por seu f i lho sufocava-o.
Entendemos que quando o amor é direcionado a alguém que não
se encontra preparado para recebê-lo, possivelmente gera uma culpa
por não conseguir amar de forma recíproca.
55
(...) o filho tem que romper com a mãe para crescer, mas eu acho
que é muito difícil romper com filho.
Alguns autores, como Winnicott, falam que mães deveriam
frustrar seus f i lhos para que eles se percebessem como sujeitos.
Porém, fala-se pouco das dif iculdades que essas mães têm em
executar essa tarefa, principalmente quando esse rompimento é algo
definit ivo.
Um outro t ipo de relação que aparece de maneira muito
signif icativa na entrevista, é a relação de Márcia com os amigos de
Pedro, principalmente depois de sua morte. Para ela, esses encontros
tornaram-se uma possibil idade de alegrias, recordações, e
principalmente momentos de redescobertas sobre seu f i lho.
Eu falei, pô, se eles amaram tanto o meu filho, e eles são também
importantes para meu filho, então, têm muito Pedro neles, e têm
muito deles no Pedro, então foi uma cena “não” de substituição,
nunca fiz isso, nunca....
Pires (2005) fala de um contorno e uma aceitação para se
continuar a viver. O encontro, com pessoas que fizeram parte desta
relação de amizade, torna-se uma maneira de recordar momentos
vividos no passado.
Márcia deixa claro que essas relações não substituem seu fi lho,
mas complementam, fortalecem e distraem sua vida. Alguns pais
56
buscam nos amigos do fi lho que faleceu, uma parte de sua história que
para eles f icou perdida. Questionar atitudes, travessuras, momentos
fel izes é uma das formas de manter a memória e a lembrança de seu
fi lho ativa em sua mente. Fazendo isso, não se permite que essa
lembrança caia no esquecimento, no vazio e na escuridão.
E aí óbvio! éramos cinqüenta e quatro, e agora(...) mas têm uns
vinte e três que são assim, dos “jantares da tia Márcia” (...) Têm
vários tipos [pessoas] e todos eles são possibilidades de vida, né!
então é muito bom estar com eles. [amigos]
Para Tavares (2003) a criação de rituais pode favorecer a
elaboração do enlutado, sendo eles uma singular forma de expressão.
Não existem rituais que sejam certos ou errados, o importante é que
façam sentido e assim, possam gradualmente ser assimilados.
6.3- Sociedade e Psicoterapia
Uma outra questão que aparece de forma muito intensa, é o
despreparo da sociedade em relação às pessoas em processo de
perda. Márcia fala da dif iculdade que as pessoas têm em lidar com a
morte. Acreditamos que essa dif iculdade venha do próprio medo de
morrer e também de saber que a morte é para todos, ninguém está
desprovido dela.
57
E, aí você começa aprender a ouvir merda e não registrar, quando a
coisa é boa eu registro, quando não é... eu ouvi: “você parece à
família Kennedy”, “quem mandou não ter outros filhos”, “eu acho
que agora você não vai agüentar”, então a gente escuta isso na
hora da fila de condolências (...) então eu ouvia e pensava... A
pessoa está falando meleca no seu ouvido, certeza. “Ah! ele está
melhor aonde tá”, “Deus dá, Deus tira”, então as pessoas falam,
porque a gente não sabe lidar com a vida, imagina lidar com a
morte, né!
Segundo Leis (2003) no renascimento e nas primeiras fases da
modernidade, conservavam-se os ensinamentos para aprender a morrer
por meio da leitura de textos e tratados medievais. Incorporavam-se
rituais, pois se acreditava que existia a arte de morrer. As pessoas
sofriam, sentiam e reflet iam sobre a própria morte na ocasião da morte
dos outros. Hoje, a morte é apontada em outra direção, ela é vista
como um buraco negro, uma zona obscura e mal resolvida da condição
humana. Com isso, a morte não foi substituída por nada, apenas pelo
si lêncio.
Eu fico ouvindo, mas eu não escuto, porque eu não consigo mais.
A minha tolerância para a ignorância ficou, que para a pessoa não
é ignorância, mas para mim é!(...)
Márcia mostra-nos a diferença que faz quando ouvi e quando
escuta. O seu ouvir está apenas na sua presença física, enquanto que
58
o seu escutar é a junção entre a presença física e a psíquica. Quando
se refere a sua tolerância para ignorância, percebemos que para ela,
alguns aspectos da vida cotidiana do ser humano, não fazem mais
sentido para sua vida. Desta forma ela nomeia essa falta de sentido
como ignorância.
De acordo com Coelho (2000) a vida de quem já perdeu alguém
certamente f ica alterada. Porém, essa rotina, com o passar do tempo, e
o distanciamento da perda, levará a mudanças de características,
transformando-as em uma nova dinâmica e uma nova forma de existir.
Portanto, haverá um processo de remodelação emocional e cognit ivo,
de modo a adaptá-los à sua vida.
(...) Então é muito difícil, porque as pessoas não sabem o que fazer
com você; você não sabe o que fazer com você (...)
Leis (2003) ressalta que para a sociedade moderna
contemporânea a morte esta sendo transformada numa representação
externa ao nosso eu. Assim a morte é um espetáculo, pois evidencia a
crescente falta de contato físico e espiritual dos seres humanos com a
experiência da morte, ela torna-se apenas uma representação
simbólica, onde a nossa cultura mostra uma profunda rejeição em falar
sobre ela.
Observamos também, que Márcia, pós a perda de seu fi lho,
mudou a sua forma de relação com o mundo. Ela passou a atribuir
59
outros t ipos de signif icados e de sentidos a fatos que antes eram
desapercebidos.
(...) depois da morte do Pedro, a morte dele teve um impacto
tamanho na minha vida, que NUNCA mais NADA que aconteça
comigo ou com qualquer pessoa, não que eu não tenha compaixão,
mas até isso ficou comprometido, eu sou honesta!(...) Então você
fica um pouco amarga, um pouco cética, e ao mesmo tempo, você
fica vendo a vida sem cor, você não tem mais filtro, mas é isso que
eu tenho que trabalhar em mim, porque se eu for falar tudo que eu
penso para as pessoas na hora, eu acho que eu não teria “uma
relação”, em termos de trabalho, de amizade, nem de nada (...)
Para Casellato (1998) esses sentimentos que Márcia descreve,
podem ser explicados por ela ainda não ter superado velhos padrões
de pensamentos, e ainda não ter desenvolvido um novo tipo de relação
com seu fi lho, dif icultando a busca de novos modelos.
É quase inevitável que a pessoa enlutada sinta-se em certos
momentos desesperada, pelo fato de não ter impedido a morte da
pessoa querida, e conseqüentemente o enlutado pode tornar-se
deprimido e apático. Isso pode implicar em uma resignif icação de si
mesma, de sua função e de seu papel social.
Conforme já foi visto nos capítulos anteriores, Casellato e Motta
(2002) ressaltam que uma mãe ao perder um fi lho, perde também sua
função de cuidadora e sua própria identidade. Acreditamos que Márcia
60
em alguns momentos sente-se arrancada do mundo, algo foi retirado de
si mesma.
Um outro t ipo de relação que Márcia diz ser de extrema
importância a todos que passam por um processo de enlutamento
referente à morte, é o papel do psicólogo frente a essas situações de
perda.
Eu acho que é “ESCUTAR”. Agora, por exemplo, [acha] que os
psicólogos poderiam ajudar escutando as pessoas. Poucas
pessoas, tem a pré-disposição de ouvir, não é só escutar (...) É a
nossa morte enquanto mãe, né! Então eu acho que deve ter mais
livros, mais terapeutas que saibam da vida para poder saber da
morte.
Márcia nos faz refletir sobre as questões referentes às
experiências que apenas quando alguém passa por elas, descobre o
seu sentido. Porém, não é necessário ter passado por algo similar, mas
é importante pelo menos, estar abertos à questão da morte.
Para Casellato e Motta (2002) a dor dessas mães deveria ter uma
forma de expressão e um tipo de acesso, para que de algum modo
pudessem ser aliviadas e atendidas por diferentes profissionais da
saúde. Esses profissionais deveriam ser auxil iados para que de alguma
forma aprendessem a l idar com essas mães.
61
Kovács (2003) comenta sobre uma outra “visão” que ela traz
desses profissionais da saúde. Eles também sofrem por não conseguir
adiar a morte, ou por não ser capaz de aliviar o sofrimento do
moribundo ou do enlutado. Esses profissionais vivenciam os seus
l imites, sua impotência e sua finitude, nesse momento eles imaginam a
sua própria terminalidade, e vivenciam a possibil idade de passar pela
mesma situação do seu paciente, o que para ele pode ser
extremamente doloroso. Por isso todos os profissionais, sejam eles de
diferentes áreas, deveriam passar por um processo de reumanização
da morte, o que na verdade é uma reumanização da vida, gerando,
assim, uma revisão de suas práticas profissionais.
Nesse momento, cabe dizermos que hoje, existem mais trabalhos
nessa área, é um dos campos da psicologia que vem se desenvolvendo
de forma intensa, porém, ainda necessita de maiores seguidores e
aprofundamentos.
(...) eu era uma sombra andando, aí eu falava assim: Eu não sei por
que eu estou aqui? E ela [psicóloga] falava: “Nós, não sabemos,
mas nós vamos descobrir, e aí me fala, como você está”? Ela me
escutava. Às vezes eu nem escutava o que eu estava falando, às
vezes eu não falava, e às vezes eu não escutava o que ela estava
falando. Mas eu voltava, e isso me tirou de uma puta depressão (...)
É importante falarmos do papel do psicólogo nesse caso, pois por
meio da cumplicidade de Márcia com a sua terapeuta, ela conseguiu
62
entender a necessidade de encontrar um espaço para a expressão de
sua dor, e também reorganizar seus confl i tos e angústias, onde
possivelmente poderia ocorrer uma melhor forma de elaboração.
Kovács (2003) ressalta que após a perda de pessoas
signif icativas, há um aumento da freqüência com que os enlutados
procuram cuidados psicológicos e psicoterâpicos. Esses são processos
bastante intensos, que têm de ser abordados por diversos ângulos,
porque necessitam de apoio e ajuda no processo de reorganização e
elaboração da perda.
6.4- Reações e Sentimentos
Achamos importante falar de reações e sentimentos, pois eles
aparecem muito fortes no ser humano, principalmente quando se trata
da morte e da vida. Em sua entrevista, Márcia mostra-nos sentimentos
e reações intensas e confusas ao mesmo tempo.
(...) porque o amor que uma mãe tem pelo filho, NÃO TEM
SUBSTITUTO (...)
Mesmo seu fi lho não estando mais presente, Márcia não deixou
de amá-lo. Conforme Nuno (apud Pires, 2005) nada nem ninguém
poderá substituir um fi lho perdido, ele apenas deixará de ser algo
concreto, mas ainda continuará existindo para ela.
63
Márcia continua a viver mesmo sem desejar, continua a eleger
novos objetivos, novos desejos, mas nada substituirá seu amor pelo
seu fi lho, mesmo perdendo sua função de mãe.
(...) você não quer mais viver e você está viva, você acorda e
respira, você dorme e a última coisa que você lembra (não que
você não lembrou o dia inteiro), a última coisa (...)
Esta frase remete-nos a idéia de existência. Para Sapienza
(2004) a existência é ser-no-mundo, é poder ser atingido, ser tocado o
tempo todo por tudo. É sempre um poder adiante de um “para quê”, de
um “a f im de quê”, e quando este se rompe, ou está ameaçado, a
existência f ica machucada.
Isso leva-nos a acreditar que Márcia, mesmo estando viva e não
desejando estar, continua a ser afetada pelas suas lembranças,
trazendo em si, dor e sofrimento.
Eu acho que a gente fica totalmente enlouquecida, ensandecida,
porque eu consegui fazer tudo [enterro]! Eu tinha a obrigação de
fazer o melhor para o meu filho (...)
Conforme Didion (2006) quando se pensa em enterro, f ica-se
imaginando como enfrentar essa situação. Sabe-se que o enterro e o
velório são práticas úteis para a saúde mental de todos. Nesse
momento os familiares se mostram com uma força que geralmente é
associada a uma relação correta a morte.
64
De acordo com Kovács (1989) o f inado é a evidência concreta da
morte e da perda, o que no caso é difíci l de suportar. Há também um
confl ito l igado à perda e ao corpo apresentando-se como uma
concretude. Surgindo possivelmente uma cisão de corpo e de pessoa.
Para Pincus (apud Fonseca, 2004) há vários sintomas no pesar, e
também diferentes formas de expressão, umas delas é a fase
“controlada”, onde é preciso fazer arranjos, encarar e resistir ao
funeral. O enlutado nesta fase é apoiado e cercado por amigos e
parentes. De acordo com a tradição e a cultura, este período poderá
ser diferente para cada pessoa.
E, quando uma pessoa me diz: “assume isso”, “vai passar”, eu
quero bater na pessoa, porque eu não quero que passe, se tivesse
uma loboterapia para tirar só a dor que eu sinto pela falta do meu
filho, assim mesmo eu não faria. Por quê? Porque têm o reforço
das coisas boas e porque têm a “PRESENÇA NA AUSÊNCIA”.
Para Kovács (1989) o ganho da perda, pode ser o outro
internalizado como figura boa, nas lembranças e na memória. E, está
internalizado é uma forma de não se perder.
Entendemos também que para Márcia a loboterapia seria uma
forma negativa de perder toda a lembrança de seu fi lho, sendo elas
boas ou ruins. Márcia agarra-se ao seu amor pelo f i lho e nas
lembranças para não perder a sua sanidade. Este é um ato de
65
enfrentamento, pois o medo de enlouquecer e perder sua memória
torna-se uma possibil idade maior de sofrimento.
(...) existe um grau muito forte de culpa, quando eu fui a primeira
vez arrumar o meu cabelo, eu pensava, eu estou arrumando o meu
cabelo..., o meu filho está morto (CHORAVA) ia no cinema, assistir
televisão, qualquer coisa, ouvir uma música, mas meu filho está
morto (...)
Como já discutimos em nossos capítulos anteriormente, a raiva, a
culpa e a sociedade, fazem com que essa mãe, oscile entre esses
sentimentos que de modo geral, já são esperados por alguém que sofre
esse tipo de perda. Mas a sociedade faz com que esse processo, se
torne algo extremamente culposo e acarrete na pessoa uma dif iculdade
em continuar a viver e principalmente continuar a exercer situações do
cotidiano. Conforme Paciornik e Paciornik (2004):
Acho que o luto é um processo de absorção de uma perda; cada um tem seu tempo e seu je i to. É preciso respeitar . Não dá para f ingir que a dor não existe. Também não dá para se entregar e la. Tem que i r administrando. Melhor mesmo é a gente ser humi lde e tentar aprender com o sofr imento. É só através dele mesmo que a gente cresce. (p. 104)
De acordo com Rando (apud Fonseca, 2004) uma forma de reagir
a separação é experimentar a dor e o sofrimento. É identif icar, aceitar
e dar alguma forma de expressão, a todas reações psíquicas da perda.
66
Porque a gente [mãe] perde o medo, o único medo que eu tenho, é
de não encontrar meu filho, eu não tenho mais nenhum medo (...)
Esta fala nos remeteu ao l ivro “Amor Perfeito Amarelo”. É um livro
que relata a experiência de uma mãe que também perdeu seu fi lho, e
em uma de suas falas nos deparamos com a semelhança da vivência de
Márcia.
Sabe f i lho, a morte, para mim, deixou de ser assustadora, não tenho o menor medo da morte; e la signi f ica para mim, uma alegre perspect iva de reencontrar você. É só. É uma perspect iva tranqüi la, eu dir ia alegre. Não me causa o menor medo. (PACIORNIK; PACIORNIK, 2004, p. 59)
Porque existe uma culpa tamanha pela perda de um filho, que eu
acho que tem vários momentos que eu engessei para sensações,
então o que era muito importante, mudou para mim.
Para Kübler-Ross (2004) a culpa se fundamenta na condenação
de nós mesmos, ela aparece na sensação de que algo deu errado, é
quando a raiva se volta para dentro de si própria, surgindo
freqüentemente na violação de crenças. Essa culpa l iga o ser humano
às partes mais obscuras, é uma l igação com a fraqueza, com a
vergonha, com a incapacidade de perdoar, geralmente l igado a algo
que foi feito. A culpa e o tempo estão estritamente l igados. Ela sempre
vem acompanhada do passado, assim, mantendo-a viva.
Pode-se falar que a culpa é uma maneira de evitar a realidade do
presente. Mas, que certamente precisa ser trabalhada e eliminada. O
67
passado precisa ser aceito, para aprender com ele e desapegar-se
dele.
(...) o seu cérebro, eu acho que não registra tanto, é que eu tremia
quando lembrava, porque você dorme e você esquece, aí quando
você lembra vem aquele choque, porque é uma coisa que não é
natural, né! A mesma coisa deve ser ou parecido, alguém quando
amputa a perna, ela não continua sentindo?
Conforme já foi dito anteriormente por Pincus (apud Fonseca,
2004) uma outra fase relacionada a formas de expressão, é a fase do
“choque”. Ela encontra expressão no colapso físico com explosões, no
torpor, na recusa e na incapacidade de aceitar a realidade da morte. A
pessoa sente-se confusa e a reação varia de acordo com seu
temperamento e a situação que ela se encontra, possivelmente
oscilando de acordo com o estado de torpor, apatia, ou até mesmo a
superatividade.
No começo eu acordava muitas vezes, eu tremia quando eu
lembrava. Então é uma violência psíquica que atinge todo físico,
com certeza, absurdo! Então você se sente louca, a vida está sem
cor, você não sabe o porquê, como, aonde, o que eu estou fazendo
aqui (...) E quando você começa a procurar algum livro, alguém,
não tem.
68
Para Didion (2006) a dor que é associada pela perda de uma
pessoa querida, é um estado que ninguém conhece antes de ter
passado por ele. Não se espera que esse choque seja aniquilador
causando uma desordem tanto para o corpo quanto para a mente. Não
se imagina ficar inconsolável com a perda, e nem literalmente malucos.
Percebe-se que este choque inicialmente proporciona uma falta
de perspectiva de futuro, não há projetos e nem desejos. Tudo se torna
um grande vazio.
O Ser humano é IGUAL no AMOR e na DOR (...)
O ser humano possui característ icas diferentes, porém o amor e a
dor estão diretamente l igados à natureza humana. Ao perder alguém, a
dor torna-se a própria morte. A morte nesse momento será a
companheira do amor, e ambas irão reger esse novo mundo.
Então eu quero retribuir o amor, né! Então como que eu posso
retribuir, primeiro eu não vou me matar, porque eu tenho medo de
ir para inferno, sei lá para onde.
Márcia mostra-nos uma questão que aparece com muita
freqüência em falas de pessoas que também já perderam alguém que
amava. É comum que essas pessoas procurem algo que de algum modo
as sustentem neste momento. Ela demonstra um medo, que junto a
este, evidência a sua própria f initude, buscando assim uma tentativa de
sobreviver.
69
Para Kübler-Ross (2004) este t ipo de medo baseia-se no
passado, impulsionando a um medo do futuro. Mas, ele também serve a
um propósito, é uma oportunidade de optar pelo amor e não pelo medo,
é uma possibil idade de enxergar a realidade e não o passado.
(...) como eu posso dizer uma desculpa para isso [chorando]
entender que ele era tão bom que foi antes, que essa vida é
passageira, que a eternidade é o que vale..., mas é tudo mentira,
para mim na verdade... eu dava tudo para estar com ele, mas
PORRA! Aí vem assim, uma coisa muito louca, ou eu acredito que
vou reencontrá-lo, porque aí é a minha grande salvação para minha
alma, para minha dor, ou então eu DESISTO de tudo.
Márcia busca uma maneira de entender o que de fato aconteceu,
pois, ainda há uma oscilação entre sentimentos que levam a aceitação
ou a negação. Poderíamos falar que neste momento seria uma
possibil idade de aceitação, mesmo que inconsciente.
Para não Enlouquecer, ela agarra-se ao reencontro com o fi lho
para poder sobreviver, e também salvar-se de um vazio existencial que
só ela poderia elaborar.
Para Tavares (2003) será no processo de aceitação que surgirá
uma possibil idade de olhar para o futuro e acreditar que ainda é
possível viver.
70
(...) porque mãe não vai entender nunca isso, né! Nem aceitar,
acho! A gente talvez finja uma certa resignação, né! (...)
Conforme Jaspard (2004) esta resignação que Márcia fala, pode
estar l igada a uma força de conviver com o sofrimento. Neste
sofrimento pode-se encontrar dois signif icados: um deles seria o
recebimento de diversas formas de experiência para aqueles que a
vivem; e o outro seria um distanciamento, para que então, houvesse
uma perspectiva de sentido.
Entendemos que Márcia em sua fala, possivelmente nega a
imposição da morte de seu fi lho, embora busque formas de expressão
para compreender a gama de sentimentos que envolvem essa perda, e
que jamais será totalmente sucumbida.
De acordo com Markham (2000) nenhum tipo de perda gera tantos
sentimentos quanto a morte. A elaboração torna-se um processo ao
longo da vida que dependerá de diferentes fatores para ser aceita ou
não.
Aí quando eu soube, eu infelizmente não morri (...) O primeiro
pensamento que veio era assim: “Agora não existe a possibilidade
de vida sem meu filho”; isso passou pela minha cabeça, eu me
mato e vou encontrar com ele.
Na visão de Kovács (2003) embora a morte seja uma experiência
universal e vivida conscientemente, ela pode, em momentos, ser levada
a um potencial considerável de desestruturação e depredação.
71
Neste momento, seu projeto de vida é interrompido, não há mais
perspectiva de futuro. O desespero passa pela mente de Márcia, de
forma que a morte mostra um caminho de alívio para dor e também
para a possibil idade do reencontro com seu fi lho.
(...) eu acho que tem que ter alguma função a DOR, a não ser
massacrar o ser humano.
Esta fala nos levou a pensar em uma reflexão de Kübler-Ross
(2004): “A perda é um buraco no coração, mas também é um buraco
que desperta o amor e pode despertar o amor de outras pessoas”.
(p.71)
Esta colocação nos faz pensar que Márcia ao escrever um livro,
possivelmente tenha direcionado a sua dor. Ela encontra uma maneira
de falar sobre seu fi lho, de aliviar seu sofrimento e também de
comparti lhar sua experiência com outras mães que já tenham passado
por esta experiência. Surgindo neste momento um novo sentido para
sua dor.
6.5- Rituais
Muitas pessoas que vivenciam uma perda buscam nos rituais, na
fé, na religião, formas de minimizar seus confl itos e entender mais
sobre a morte; principalmente quando se trata da morte de uma pessoa
querida.
72
Agora o que mais ficou para mim, que de repente eu fico nisso é
assim, no padre, meu padre! O padre né, eu chamo ele de meu
padre, porque ele é muito querido, um senhor lindo, hiper culto, um
padre normal que sabe que a gente não tem fé, que aí, a gente
acorda para fé, um padre que nunca tinha visto, padre perfeito! Ele
falou: “Márcia, se você tivesse em uma cela, com a pessoa que
você mais ama no mundo no caso, o seu filho, e ele fosse libertado
antes que você. Como você ia ficar”?.
Márcia apega-se ao padre como algo reconfortante e auxil iador. É
uma possibil idade de compreender aquilo que havia ocorrido. Percebe-
se que o padre procura fazer com que ela encontre na fé uma forma de
elaborar a sua perda, tornando-se uma pessoa muito especial para ela.
Segundo Jaspard (2004) o sofrimento humano pode transforma-se
em uma representação religiosa havendo uma relação direta da fé com
a atitude religiosa. Portanto, esta atitude, é preferível ser
compreendida através de um enfrentamento posit ivo do sofrimento, do
que reprimi-lo e negá-lo. Para este autor:
O sofr imento pode susci tar a dúvida, como pode al imentar a confiança. Deus não é, em geral , reconhecido diretamente como responsável por e le, mas alguns não hesitam em levantar- lhe a questão de sua impl icação ou do sentido que ele própr io dá ao sofr imento. (p. 11)
Então baseado nisso, que eu todo dia peço a Deus para me dar fé,
força, coragem, humildade e que eu faça com essa dor, alguma
73
coisa pelo mundo, não de forma megalomaníaca, se eu puder
ajudar a quem está do meu lado...
Leis (2003) discute três formas de enfrentar a morte. A primeira
seria através da religião, onde há uma interpretação da morte, como
uma passagem para outra vida, o que nem sempre é associado a uma
boa notícia. Uma outra forma de entender a morte é considerá-la como
nossa finitude, essencial para existência humana. E uma terceira forma
seria a compreensão da morte como um aprendizado de vida.
Essa fé que Márcia demonstra é uma força interna que ela
deseja expor para o mundo de forma a ajudar aos outros e a si mesma,
não pelo lado da dor, mas pelo amor, pela reciprocidade com o ser
humano. Assim, o seu sofrimento toma um lugar posit ivo, nesse
contexto psicológico, e a sua atitude religiosa estabelece um vínculo
direto com seus elementos internos.
Márcia busca outras formas de entender a morte de seu fi lho, e
acredita que uma delas é por meio dos rituais, pois eles elucidam
signif icados e concretizam a perda.
[Márcia é convidada a plantar uma árvore em homenagem ao filho]
Mas eu entendo isso [plantar uma árvore] como um ritual, então eu
fiz, aí escolhemos, junto com os amigos o Jatobá, é uma árvore
forte, nome indígena (...) Mas foi Horrível! (...) A atitude de
devolver para a terra, do pó que veio, do pó voltarás... foi um
74
exercício, um ritual para fazer a morte do meu filho de forma
concreta. (...) Porque no dia do enterro, com certeza eu, não estava
lá! Meu corpo estava, minha alma deveria de estar em qualquer
planeta (.. .)
Conforme também já foi visto nos capítulos anteriores, essa fala
mostra-nos claramente como é importante o processo de enterrar o
corpo da pessoa, pois é um meio de concretizar e aceitar o ocorrido.
No caso de Márcia, percebe-se que ela só se deu conta da sua perda,
nesse “enterro simbólico”, essencial para uma tomada de consciência e
de enfrentamento.
Neste momento cabe salientarmos que ao realizar este ri tual,
Márcia inicialmente não imaginava o tamanho da dor que sentir ia ao
fazê-lo, mesmo sendo planejado e não imposto. Havia uma tentativa de
simbolizar este momento, no entanto, esse ritual, foi mais sofrido do
que o próprio dia do enterro.
6.6- O que fazer? Toda pessoa que já experienciou uma perda, têm uma forma
própria de enfrentá-la. A subjetividade nesse momento irá fornecer
diferentes recursos internos e externos para sobreviver.
Então nossos valores são muito deturpados, nossos valores como
seres humanos, hoje, eu me questiono muito, então eu tenho que
vestir a minha persona de comprar relógio suíço, de fazer cabelo,
75
de passar esmalte da moda, porque se eu não fizer isso, eu perco o
meu trabalho, simplesmente isso (...) então eu uso essa persona, e
uso de uma forma bem assim... (...)
Entendemos que nesta fala para uma melhor compreensão do
leitor, cabe conceituar o signif icado de persona. De acordo com Silveira
(apud Jung, 2000):
Para estabelecer contatos com o mundo exter ior , para adaptar-se às exigências do meio onde vive, o homem assume uma aparência que geralmente não corresponde ao seu modo de ser autênt ico. Apresenta-se mais como os outros esperam que ele seja, ou como ele desejar ia ser, do que realmente é. (p. 79)
Conforme Coelho (2000) a sociedade determina um tempo e
alguns comportamentos esperados em relação à perda. Com isso o luto
não tem nome e nem lugar na sociedade.
Casellato e Motta (2002) ressaltam que frequentemente a mãe
passa a ser isolada, pois a sociedade não sabe o que fazer com seu
sofrimento. A partir disso, essa mãe vive um processo de
estigmatização social, sente-se, em vários momentos, incompreendida
e isolada.
Márcia questiona-se sobre a razão humana, e expressa o quanto
a sociedade exige logo o seu retorno, há um tempo pré-determinado
para o luto, há hora para começar e hora para terminar.
Mas onde, como que eu posso acessar ele? Eu não tenho um último
celular para falar com ele (...) aquele abraço apertado que eu dei de
monte, mas eu queria dar mais um, e falar fica bem meu filho (...)
76
Então eu acho que é mais uma promessa pelo amor. Mas têm dia
que eu não consigo viver o dia, mas eu não penso mais no futuro
(...) então no começo o “viver um dia por vez”, é porque você
pensa assim, até a noite eu tenho que sobreviver (...)
Para Kübler-Ross (2005) quando se perde alguém por morte
súbita, possivelmente f ica-se com uma imensa carga de ressentimento,
pesar, tr isteza e culpa. Uma forma de mudança desses sentimentos
seria comparti lhar e exteriorizar essa dor, para a partir daí direciona-la
a uma possibil idade de mudança de pensamento.
Compreendemos também que para Márcia a experiência do seu
sofrimento fez com que ela modif icasse seu sentido de vida. Viver um
dia por vez e pensar a possibil idade de futuro, poderia ser entendido
como sua própria f initude.
“Toda noite, quando vou dormir, morro. E, na manhã seguinte,
quando acordo, renasço”. (GANDHI)
(...) então, agora, eu tenho válvulas de escape que eu trabalho, mas
não é apego. Eu acho que o barato de tudo isso, que aí geram as
válvulas de escape, é o AMOR.
Esta frase de Márcia nos faz pensar o quanto sua vida após a
perda de seu fi lho f icou sem sentido. No entanto, percebe-se que junto
a sua dor, outras possibil idades começam a surgir. O “trabalhar”, o
“escrever” um livro, poderíamos pensar como meios de extravasar seu
sofrimento. É o amor pelo seu fi lho que a impulsiona a viver.
77
(...) Mas eu hei de agüentar a viver de forma digna. (...) como eu
vivo é a maior homenagem para meu filho.
Conforme Tavares (2003) a dor de perder um fi lho não precisa ser
sinônimo de ressentimento, é algo que nos afeta e nos deixa
desolados, marcados e feridos por toda vida. Porém, esses sentimentos
não necessariamente precisam nos enfraquecer. Pode-se pensar nesta
dor como um resgate de si mesmo, e também, como uma possibil idade
de abertura para novos signif icados e projetos de vida.
Apesar de toda dor e sofrimento, Márcia, ao escrever um livro
sobre sua vivência, se permitiu abrir para uma possibil idade de re-
signif icar sua vida de forma intensa e l ibertadora. Esta construção
direciona um novo olhar para tudo que foi vivido anteriormente e que
agora passa a ter um novo sentido.
“Esse amor é o que me sustenta e suavemente me sopra a andar
para frente...” (KELLER, 2005)
78
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A essência da angústia humana é a extinção; o medo da morte, da destruição do eu e do próprio corpo. O homem é o único ser vivo que é consciente de sua morte, da f initude, trazendo então a angústia de sua l imitação, de nada poder fazer contra ela. A essência da motivação humana é a busca do signif icado para a vida, para o sofrimento e para a morte. (BOSS apud, KOVÁCS, 1989, p. 01)
pós o processo da pesquisa que inclui: elaboração de um
objetivo, exploração de bibliografias, definições
metodológicas, realização da entrevista, coleta e análise de
dados, chegou o momento de expressarmos nossas considerações
sobre essa experiência.
Este trabalho foi uma oportunidade de chegarmos o mais próximo
da experiência que é considerada o desequilíbrio da existência
humana. Entendemos que perder alguém é sofrido, mas perder um fi lho
é desumano, principalmente quando ocorre de forma brusca e
inesperada.
Foi a partir da morte de Pedro, que este trabalho ganhou sentido
e através da vivência de Márcia, buscamos apreender o fenômeno
como ele se mostra.
Por meio de uma única entrevista, este estudo buscou
compreender os sentimentos e mudanças de uma mãe frente à morte
de seu fi lho. Acreditamos que apesar das dif iculdades que
encontramos, esta pesquisa poderá contribuir para uma maior
A
79
compreensão de sentimentos e dif iculdades encontradas nestas
situações.
Este trabalho nos permitiu entrar em contato com os nossos
próprios medos e angústias. Por vezes nos sensibil izamos com a
história de Márcia e nos encantamos pela sua dignidade de viver. O
amor pelo seu fi lho é o que a impulsiona para vida. Valores pessoais e
sociais, que cotidianamente passavam despercebidos, ganham uma
nova possibil idade de sentido.
Percebemos que Márcia, após o sofrimento inicial e a
reorganização da sua identidade, passa a compreender que seus
signif icados de vida não são mais os mesmos. Surge a necessidade de
organizar-se e adaptar-se para não desist ir de viver. Ela deixa de atuar
como mãe, mas não abdica de sua função materna.
Após a morte de seu fi lho f icou amarga e intolerante às questões
que afetam o ser humano no seu cotidiano, porém entende a
necessidade de elaborar esses confl i tos sem que eles afetem suas
relações.
Na religião, ela encontra mais uma possibil idade de força e apoio
para enfrentar a sua dor, assim como em seu processo psicoterápico,
onde busca formas de expressar e elaborar seus sentimentos sem que
haja interferências do meio.
80
Ao escrever um livro, plantar uma árvore em homenagem a seu
fi lho, e participar de um Projeto* referente a pais enlutados, leva-nos a
pensar que ela encontrou maneiras de expor seus sentimentos e sua
experiência. Procurou transformar seu sofrimento em algo úti l para si e
para a sociedade. Percebemos que foram tentativas de alívio para sua
dor e também possibil idades de uma maior compreensão de sua
experiência.
Por meio desta pesquisa pudemos perceber que há duas
possibil idades de caminhos quando se perde alguém: uma é entregar-
se à dor e continuar a viver sem propósito, e a outra, é caminhar para
uma aceitação serena, permitindo que a vida f lua dentro de si,
possibil i tando novos signif icados.
Cada pessoa possui um tempo e uma forma de elaborar a sua dor.
Mas acreditamos que para uma mãe que perde seu fi lho, cria-se um
vazio que nada e nem ninguém poderá substituir. É um vazio que nunca
se preencherá, é uma cicatriz na alma.
Para agostinho (apud Pires, 2005):
Para uma alma fer ida o único remédio ef icaz é o amor, a cumpl ic idade e a magia da esperança. São precisamente estes três sent imentos que nós mais aprendemos com o nosso sofr imento e que poderemos transmit i r a todos os que in ic iam agora o seu longo e doloroso caminho. (p. 159)
______________
* Anexo I I I : Endereços de grupos de apoio que trabalha com o luto.
81
Durante este trabalho nos defrontamos com uma grande
dif iculdade em relação às bibliografias sobre luto materno. Assim,
uti l izamos diferentes pensadores para chegarmos próximo ao nosso
objetivo inicial. Salientamos a importância de surgirem mais pesquisas
sobre este tema, como meio de facil i tar a compreensão para essas
mães.
Observamos também a necessidade de se compreender mais da
morte, para se entender mais sobre o processo de luto. As pessoas
estão despreparadas para a questão da morte e da sua finitude,
embora todos estejam fadados a ela.
( . . . ) hoje a morte fo i def inida como in imiga a ser derrotada, e com isto nos tornamos surdos ao que ela pode nos ensinar e com isto perdemos o que poder ia se tornar conselheira sábia, se torna uma in imiga que nos devora por trás. . . pode-se recuperar a sabedor ia se nos tornássemos discípulos e não in imigos da morte. (ALVES apud, KOVÁCS, 2003, p. 32)
Gostaríamos que a partir de nosso olhar, este trabalho pudesse
contribuir com um pouco mais de conhecimento para a Psicologia e
para todos que tiverem contato com seu conteúdo.
Esperamos que haja um despertar para novos interesses de
pesquisa, pois acreditamos que este assunto seja de extrema
importância para a sociedade e para os profissionais em geral. Tanto a
morte quanto a perda são fatos que estão no caminho de todos nós.
Embora este trabalho não seja conclusivo, pudemos perceber que
além de ser um assunto difíci l e doloroso, o contato direto com esta
82
experiência nos proporcionou enxergar, que apesar de tanto
sofrimento, há também, a possibil idade da magnitude de uma
transformação. O ser humano pode chegar ao máximo de seu
sofrimento, mas também renascer para novos signif icados.
83
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89
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA
Entrevistadora – Márcia (nome fictício), não faremos perguntas
fechadas, nós gostaríamos que você contasse um pouco da sua história
e no decorrer das suas falas, abordaremos alguns temas, que mais nos
chamaram atenção, ao lermos seu livro.
Márcia - Como que eu posso começar? Primeiro eu falo que meu fi lho,
assim, o Pedro, ele me salvou, eu acho, em várias vezes... assim, me
ajudou a me construir, porque muito do que eu sou, eu devo graças a
ele , as coisas boas, as ruins são culpas minhas é obvio, mas assim,
meu fi lho nasceu no dia do meu aniversário (domingo), eu estava
fazendo vinte e dois anos, então, o homem que eu mais amei na minha
vida, “incondicionalmente”, apesar das rabugices, sei lá... das mães
que a gente fala, mas eu sempre o amei assim de uma forma, que
quem é mãe entende, né! E ele sempre foi um grande amigo e eu
trabalhava muito para fazer uma relação, que como eu tive ele muito
nova, para trabalhar a relação de que ele era meu fi lho, que podia até
ser meu amigo, mas principalmente ele era meu f i lho; eu era mãe dele.
Como eu me separei do pai dele muito cedo, eu f iz a cena pai-mãe, que
não dá para fazer, as modernas que me perdoem, mas precisa de
mulher, de mãe, de pai e então o Pedro, teve uma vida não muito
maravilhosa nesse centro famil iar, né! Mas meus pais supriram o que
90
puderam, meus irmãos, ele foi crescendo um menino, muito adorado, e
muito tímido a princípio, e muito recatado com as coisas dele.
Respeitava qualquer t ipo de opinião, prezava o não pré-conceito, então
ele era um menino extremamente diferenciado e eu sentia isso
diariamente, né! Talvez a gente não dê o tempo para os f i lhos de dar
beijo, ou a gente fala to com pressa, agora não dá..., então tudo isso,
eu falei que a gente tem que se recondicionar pelo amor, né! Porque
pelo poder do PCC está aí, mostrando o que a gente ta fazendo com a
gente, e então, o grande barato é sacar as relações e como a gente se
desenvolve com elas, né! Então meu fi lho por ser o meu único fi lho,
porque eu perdi depois o outro na gestação de sete meses, era outro
menino também e tive alguns abortos, que eu fiz. O Pedro às vezes
falava para mim: “mãe me ama menos, eu não tenho culpa que sou só
eu”, mas ao mesmo tempo, ele era um puta cara legal, assim, sabe te
dava beijo, não na frente dos amigos, não na frente do Shopping
Iguatemi, mas em fim, ele era um menino muito revolucionário e
sempre passou a idéia de que essa vida era muito pouca para ele, e
ele passou isso para outras pessoas, para mim não, porque eu ia bater
nele com certeza, ou gritar né! De que ele estava de passagem ele
falou isso até para Daniele, se não me engano, e para mãe, ele não ir ia
falar isso né! Mas ele t inha uma melancolia, um menino que gostava de
ouvir Coll Potter, qual o nome daquele lá..., em fim, eu já vou lembrar,
um outro que ele gosta, ou gostava muito de ouvir, que tocava no Ritz
era uma música bem melancólica, uma coisa para dentro e ao mesmo
91
tempo ele era extremamente festeiro, extremamente para fora. Então,
de repente, a minha vida e a dele, talvez mais a minha com a dele, do
que a dele comigo, né! Porque o f i lho tem que romper com a mãe para
crescer, mas eu acho que é muito difíci l romper com fi lho. Então
quando eu soube do que aconteceu eu fui lá com um terço na mão, e
eles não falavam nada, porque não podem né! Falar por telefone e
quando eu cheguei tava chegando no hospital, era um sábado, o terço
partiu, e eu entendi de uma forma simbólica aquilo, mas eu não queria
entender, porque mãe não vai entender nunca isso, né! Nem aceitar
acho! A gente talvez f inja uma certa resignação, né! Aí quando eu
soube, eu infelizmente não morri, minha pressão subiu, porque eu
nunca tive pressão alta, eu desmaiei, mas não morri... Aí o primeiro
pensamento que veio era assim: “Agora não existe a possibil idade de
vida sem meu fi lho”; isso passou pela minha cabeça, eu me mato e vou
encontrar com ele. Só que vieram fi lmes, veio religião, veio judaísmo,
veio catolicismo, veio tudo! E se é verdade que quem se mata vai para
outro lugar...(olha que louco!) eu vou desencontrar com ele
eternamente, então é mais fácil, não que é mais fácil ! Mas eu hei de
agüentar a viver de uma forma digna, para quando eu morrer, ele já
conversa com nosso senhor Jesus Cristo e com nossa senhora todos os
santos e anjos, que ele venha me buscar para nunca mais perder dele.
Então com essa fantasia minha, com essa crença, eu não sei o quê que
isso, eu engolir. E aí tem a cena. IML tem a cena de contar para minha
mãe, tem a cena l igar para os avós dele por parte de pai, l igar..., em
92
fim. Eu acho que a gente f ica totalmente enlouquecida, ensandecida,
porque eu consegui fazer tudo! Eu tinha a obrigação de fazer o melhor
para o meu fi lho. Eu fui escolher a roupa, mas eu fiquei assim, não que
eu chorasse, eu chorava muito, mas eu pensava assim: agora eu tenho
que fazer isso, eu tenho que... Sabe assim, uma coisa de..., a gente
f ica meio louca... Acho que é louco mesmo, meio fora do ar. E aí, eu
t ive que segurar a onda da minha mãe, né! Porque ela falava: eu não
aceito! E hoje eu entendo perfeitamente essa frase; falava eu não
aceito, vocês podem falar, mas eu não aceito, e é uma coisa que eu
falava, mas mãe... Aí meu irmão, a gente foi escolher o caixão, uma
coisa que você nunca pensa escolher, né! E lá comecei a querer
vomitar, porque o cara parecia que esta vendendo..., as pessoas não
tem a menor, né! Entendimento, respeito, então ele estava vendendo
um carro para mim, esse aqui tem, um quase assim, ar –condicionado
esse aqui a madeira é isso..., aquilo foi me dando um “bode” que eu
peguei e falei para o meu irmão: “eu não agüento você faz isso”. E eles
chegam ao ponto de falar que quando a pessoa morre, ela f ica mais
alta porque endurece os músculos... Eu não tinha que ouvir isso! Não é
verdade! Mas eu não tinha que ouvir isso, uma mãe não tem que ouvir
isso, tem? Mas eu ouvi, e aí eu chamei meu irmão mais velho (eu tenho
três irmãos) ele fez tudo. Aí eu falei: “Fábio, eu não quero ir no IML”; e
aí... porque é demais! Porque no hospital quando eu fui vê-lo, meu
irmão falou: “eu vou antes, para ver como ele está e ver se você pode
ir”. E eu fiquei em desespero, porque eu queria ver, al iás eu não queria
93
largar nunca mais meu fi lho, mas eu morria de afl ição de vê-lo
machucado, só que ele estava só com uma batidinha aqui...(testa), é
claro! Quebrou inteiro, perna tudo..., mas ele estava coberto com um
lençol. Ele t inha acabado de tomar banho, ele saiu de casa, tomou
banho, ele ia ver um fi lme e ia trabalhar, e então, ele estava l indo!
Como sempre foi. Não sei se a Daniele mostrou alguma foto dele,
depois eu mostro, se vocês quiserem. Então gente, na verdade o que
eu posso falar é que a gente tem que aceitar, tem que achar...
cacetadas, ganhei nove “Violetas na Janela”; não falei para as
pessoas, olha esse é oitavo! Essa é a sétima, né! Eu respeitava cada
um que me deu, porque foi a forma de me ajudar. Mas eu não sou
espírita, aí você começa assim: será que eu tenho que ser espírita
para, né! Conversar. Aí você recebe carta psicografada do fi lho que
não é do fi lho, só se ele morre, bate a cabeça, bateu a cabeça e virou
outra pessoa, porque eu nunca chamei ele de “Pedrinho”, mas de
Pedro, então assinava “seu Pedrinho”, minha mãe chamava ele de
Pedrinho, só que as carta era destinada à mim, e outras coisas t ipo
assim, que ele estava fazendo artesanato no céu, sabe para ajudar
criança, e falava , aí meu Deus do céu, tá! Mas eu agradecia f icava
emocionada, ele sempre falava nas cartas (a pessoa que escrevia), que
era a hora dele, ele já t inha cumprido o tempo dele. Então você..., fui
até no espirit ismo não vou falar que não fui, fui lá, aí o cara, médium,
foi que ele estava muito bem, que, ele era um ser de luz, aí outro
vidente também falou que ele já era um anjo, falei que bom. Agora o
94
que mais f icou para mim, que de repente eu fico nisso é assim, no
padre, meu padre! O padre né, eu chamo ele de meu padre, porque ele
é muito querido, um senhor l indo, hiper culto, um padre normal, que
sabe que a gente não tem fé, que aí, a gente acorda para fé, um padre
que nunca tinha visto, padre perfeito! Ele falou Márcia, se você tivesse
em uma cela, com a pessoa que você mais ama no mundo no caso, o
seu fi lho, e ele fosse l ibertado antes que você. Como você ia f icar?
Então, eu falei assim, eu tenho, eu tenho certeza agora, cada vez mais,
à mesma pergunta, mas a maioria dos dias, eu penso também, que isso
aqui é uma passagem, nós somos seres espirituais, estamos tendo uma
passagem humana, e não seres humanos, que de vez em quando,
temos experiências espirituais. Então baseado nisso, que eu todo dia
peço a Deus para me dar fé, força, coragem, humildade e que eu faça
com essa dor alguma coisa pelo mundo, não de forma megalomaníaca,
se eu puder ajudar a quem está do meu lado, né! Se eu puder me
melhorar um pouco; porque eu acho que tem que ter alguma função a
DOR, a não ser massacrar o ser humano. Agora a minha vida, não é
mais minha vida, eu acho que nunca mais vai ser igual. Ah! momentos
de felicidade, aquela coisa de vamos tomar um chopp, só se for para
eu afogar a minha mágoa com ela, né! Não é humano você, falar
vamos. E, quando uma pessoa me diz assumir isso, vai passar, eu
quero bater na pessoa, porque eu não quero que passe, se t ivesse uma
loboterapia, né! Para tirar só a dor que eu sinto pela falta do meu fi lho,
assim mesmo eu não quero. Por quê? Porque tem o reforço das coisas
95
boas e porque tem a “PRESENÇA NA AUSÊNCIA”. Então, eu não
toparia isso, e também porque existe um grau muito forte de culpa,
então às vezes quando eu fui à primeira vez arrumar o meu cabelo, eu
pensava, eu estou arrumando o meu cabelo..., o meu fi lho tá morto
(CHORAVA) ia no cinema, assistir televisão, qualquer coisa, ouvir uma
música, mas meu fi lho tá morto... Então, uma coisa, então é muito
complicado administrar isso né! Porque é um grande problema, é um
holocausto particular e que o mundo não está nem aí!!! Os mais
próximos sim, óbvio, mas até os mais próximos, enche o saco de ver
você chorar, eles querem que você volte a uma vida normal, passe
batom, né! Aí, um dia eu peguei e passei batom (ah! Seu fi lho não pode
te ver assim, ele não vai evoluir), ele vai f icar... Aí, passei batom, aí a
mesma pessoa que falou para eu passar batom, no dia seguinte que me
viu, de batom falou assim: “mas você esta negando o seu luto, você
está passando batom... E, aí você começa aprender a ouvir merda e
não registrar, quando a coisa é boa eu registro, quando não é... eu ouvi
você parece à família Kennedy, quem mandou não ter outros f i lhos, eu
ouvi, eu acho que agora você não vai agüentar então a gente escuta
isso na hora... f i la de condolências (pode ser isso?) então eu ouvia, eu
falava, a pessoa tá falando, mas eu acho que tenho uma iluminação
divina, né! Porque a pessoa ta falando meleca no seu ouvido, certeza.
Ah! Ele tá melhor aonde tá, Deus dá, Deus tira, então as pessoas
falam, porque a gente não sabe l idar com a vida, imagina l idar com a
morte, né! Aí, eu peguei um livro, que eu já t inha l ido, ele é bem denso
96
sobre a morte, t ibetano – “A arte de viver e de morrer”, é um que vocês
tem que ler, mas é uma cena em cima da orientação budista, então o
quê que a gente tem que fazer para atravessar... é como se fosse uma
margem, passagem, né! É o “Divisor das Águas”, né! Você passa de
uma margem para outra, então é tudo uma grande i lusão, se a gente
começar a observar pela física quântica, f icar pensando quem somos
nós, então, a gente observa, assim que, a gente vê, a gente têm um
condicionamento, né! Diferente dos indígenas, por exemplo. Então, a
agente enxerga a vida de uma forma muito mais condicionada pela
cultura ocidental, do que pelos indígenas, ou pelos monges budistas,
ou pelos indianos, entendeu?! Então nossos valores são muito
deturpados, então nossos valores como seres humanos, hoje eu me
questiono muito, então eu tenho que vestir a minha persona de comprar
relógio suíço, de fazer cabelo, de passar esmalte da moda, e tal...
porque se eu não fizer isso, eu perco o meu trabalho, simplesmente
isso, se eu f izer uma trança rippe e chegar de sandalinha de dedo, não
vai rolar!! o meu trabalho não pode ser que role outro, né! Abrir um
restaurante vegetariano, mas aonde eu trabalho não cabe isso, então
eu uso, essa persona, e uso de uma forma bem assim... quase às
vezes, a maioria da consciência para poder sobreviver a dor, então eu
trabalho, trabalho, trabalho... Telefone tocou... e quando voltou...
Entrevistadora - Então, Márcia, em seu l ivro, você fala em: “Viver um
dia por vez”, como é isso? Nos fala mais um pouquinho.
97
Márcia - Olha, isso aí eu acredito nisso, porque se não você não
consegue sobreviver, né! Então eu pensei... O Pedro me achava muito
bacana, ponto. Agora, eu acho que, qualquer lugar que ele esteja, que
ele está melhor no céu, ele me vê, aí ele vai olhar para mim e falar
assim... poxa ! A minha mãe era fraquinha né! Todo dia eu estava com
ela. Então eu quero retribuir o amor, né! Então como que eu posso
retribuir, primeiro eu não vou me matar, porque eu tenho medo de ir
para inferno, sei lá para onde. Dois, eu acordo, meu pulmão enche de
ar, meu coração bate, eu tenho fome, eu tenho vontade de fazer xixi.
Então, a minha vida, ela foi interrompida, mas não no nível do real, que
as pessoas olham... Eu existo, eu ponho calça, eu deito, eu durmo,
trabalho, pago conta, mais... Então, o que acontece! Eu pensei, eu não
vou..., porque eu pensava assim, se eu viver dez anos, eu vou fazer
quarenta e oito anos, como que eu vou ficar dez anos sem ver o Pedro,
porque no começo..., agora é uma coisa não faço mais, me dá medo
não fazer às vezes, eu f icava assim, hoje faz um mês e três dias, faz
dois meses, faz três meses, faz setenta e dois dias, né! Agora eu sei
que é dois anos e oito meses, que dia tr inta faz dois anos e nove
meses, eu sei todo dia tr inta, mas eu não fico contando o dia, faz doze
dias e uma hora que eu não vejo o meu fi lho, eu f icava assim. Porque
eu nunca, eu sabia que ele estava em Maresias, que ele estava
trabalhando, que ele estava namorando alguém, que estava em algum
lugar e eu poderia acessá-lo, ou por telefone, e ele f icava mãe, que
98
mico, ou um dia encontrar com ele, cara! Mas não que..., aonde meu
fi lho está! Hoje? No céu, no melhor lugar do céu, com Deus nossa
senhora, com minha mãe, com meu pai, com todos antepassados. Mas
aonde, como que eu acesso ele? Eu não tenho um últ imo celular para
falar com ele, uma vizinha para falar uma frase que você não falou,
aquele abraço apertado, que eu dei de monte, mas eu queria dar mais
um, e falar f ica bem meu fi lho, isso eu falava sempre, f ica bem, que a
mamãe vai f icar bem. Então eu acho que é mais uma promessa pelo
amor. Mas tem dia que eu não consigo viver o dia, mas eu não penso
mais no futuro. Outro dia quando um médico falou, ah, você tem uma
saúde de ferro, eu quis matar o médico, não pode falar isso para mim!
Então eu tento não evitar, eu fumo de vez em quando, eu falo besteira
de vez em quando, porque a sensação que eu tenho, é que às vezes eu
vou sair do corpo (gozado isso!), então no começo o “viver um dia por
vez”, é porque você pensa assim, até a noite eu tenho que sobreviver,
aí você toma um Rivotri l , né! Porque a pessoa que não toma nada, vai
tomar pinga, ou uísque, a maioria dos pais, tem uma pesquisa, que
quando são casais, se separam após a perda do fi lho e se drogam, ou
viram alcoólatras, ou se matam, ou tudo junto. Então você vê, aí eu
falei Jesus, ele não me quer ver, bêbada, cocainada, nem... né! Porque
de repente tudo que você criou, assim, não tem mais chão, então você
fala, para quê? Então aí eu peguei e falei para o mundo, ele amava o
mundo, pelo amor..., então comecei a transmutar isso, entendeu? Mas
essa parte do viver a cada dia por vez, eu acho que é mais signif icativo
99
principalmente se você tiver consciência a todo o momento do que você
está fazendo como opção, né! Ação e reação.
Entrevistadora - Márcia, ao lermos seu l ivro, percebemos uma grande
importância em relação aos amigos de Pedro. Gostaríamos, então de
saber um pouco mais desta relação, porque, o quê dá para perceber, é
que eles te complementaram e te fortaleceram bastante.
Márcia - Olha, eu no dia do enterro, eu recebi os meninos do jeito que
meu fi lho gostaria que eu recebesse, então, eu me armei de força
divina e recebi todos. Aí, depois, eu comecei a querer encontrá-los,
porque eu gosto muito de criança, de menino de vida, né! Eu falei, pô,
se eles amaram tanto o meu fi lho, e eles são também importantes para
meu fi lho, então, têm muito Pedro neles, e têm muito deles no Pedro,
então foi uma cena não de substituição, nunca fiz isso, nunca... E aí
obvio! Éramos cinqüenta e quatro, agora... continuam se falando, e
tal..., mas têm uns vinte e três que são assim, dos jantares da “Tia
Márcia”, e cada um reagiu de uma forma muito especial, todos são
especiais, então têm um DJ (vários), tem o certinho, tem o que trabalha
com finanças, tem o publicitário, tem a psicóloga , têm vários t ipos e
todos eles são possibil idades de vida, né! Então, é muito bom estar
com eles, no começo eu fui em Rave, fui no Manga Rosa, aí eu
comecei a me sentir mal nesses lugares, porque eu comecei a sacar
que eu estava indo buscar o Pedro e eu não ia encontrá-lo. Têm um
100
livro que saiu esse ano, é o “Ano do pensamento Mágico”, é uma
jornalista que perdeu o marido e a f i lha depois de um ano, e ela fala
que no primeiro ano, ela f icou esperando, não deu os sapatos, ela
sabia que estava louca, mas ela achava que ele ia voltar. Então, você
começa a ver mães parecidas, ou mães que são totalmente diferentes,
o cabelo, o corpo, a nuca, no meio da mult idão... Você esta na
Espanha, e então começa a olhar uma nuca, e você começa a perseguir
a pessoa, você sabe que não é o seu fi lho, então, eu vivi esse ano do
pensamento mágico. Eu acho que se ele escreveu isso, outras pessoas
também devem viver, porque o seu cérebro, eu acho que não registra,
tanto, é que eu tremia quando lembrava, porque você dorme e você
esquece, aí quando você lembra vem aquele choque, porque é uma
coisa que não é natural, né! A mesma coisa deve ser ou parecido,
alguém quando amputa a perna, ela não continua sentindo?
Entrevistadora - Uma outra coisa que nos chamou atenção...
Márcia - Mas não substituí o dia das mães, eu passei com os amigos
do meu fi lho, mas não substitui, mas distrai, é como minha terapeuta
fala: eu tenho que me distrair, porque a vida é uma distração, boa e
enlouquece menos.
Entrevistadora - Márcia, fala para gente um pouco sobre o plantio da
árvore...
101
Márcia - Olha, eu plantei; uma amiga minha me convidou, ela é mãe de
lama Michele (t ibetano), mas eu fiz isso, mais por homenagem, não por
signif icado do budismo, que você tem que plantar uma árvore, tem que
fazer alguma coisa boa... Eu acho que essas coisas específicas, elas
signif icam rituais, mas o que importa é como eu escovo o dente, como
eu trato zelador, é como eu me trato. Isso é a maior homenagem, como
eu vivo, é a maior homenagem para meu fi lho, né! Mas eu entendo isso
como um ritual, então eu fiz, aí escolhemos, junto com os amigos o
Jatobá, é uma árvore forte, nome indígena, e ela tem uma sombra que
acolhe várias pessoas, e as sementes dela têm uma área dinâmica que
vai muito longe à semente, e ela alimenta diversos pássaros e animais
si lvestres, e é uma coisa que cresce rápido, mas que dá uma ..., ela
recebe todo mundo de baixo da sombra, então, é uma das árvores mais
bonitas que eu já vi na minha vida. Agora! Eu não consegui voltar lá,
porque eu estou sempre falando para mim..., primeiro porque eu não
priorizei isso e segundo porque eu falo assim, não tem que ser em
março, quando fizer um ano, já fez... como eu não sou budista, eu não
vivo lá no sít io “Vida de Clara Luz”, ou eu estaria vivendo lá... mas eu
tenho curiosidade de ir, o lama que veio, não é, nem lama..., depois de
lama... É lama, depois é Dalai lama, o lama que veio visitar, estão em
um lugar de energia muito forte, mas foi Horrível! Porque na hora que
eu fui jogar a pá, porque primeiro se põe a muda, e aí cada um, eu fui
chamando, a gente, pois a música... Atos falhos, eu não estou
conseguindo lembrar, aí eu pus a música, um dos caras que ele
102
gostava, e agente fez um círculo sagrado, e cada um, eu chamava na
ordem que estava, e jogavam uma pá de terra, Putz!! Os meninos
babavam, teve gente que não conseguiu, porque a atitude de devolver
para a terra, do pó que veio, do pó voltarás... foi um exercício, um
ritual para fazer a morte do meu fi lho de forma concreta; Porque no dia
do enterro, com certeza eu, não estava lá! Meu corpo estava, minha
alma deveria de estar em qualquer planeta, e os meninos também, e
muitos não agüentaram, né! Mas..., depois cada um levou um
sanduíche, a gente fez uma cena, né..., aí eu falei não! Japonês
quando enterra faz um festão, então vamos fazer! Porque meu fi lho era
muito baladeiro, alegre, fel iz, melancólico, tudo misturado. Tinha todas
as indagações do mundo e todas as certezas, era normal, um ser
humano normal. Mas ele não era mórbido, ele gostava de me ver fel iz.
Então agente fez lá... mas foi assim..., difíci l !
Entrevistadora - Márcia, você fala da questão de se apegar. Você se
apega a alguma coisa para sobreviver?
Márcia - Ao meu amor por ele! Aí eu me apego pelo amor por ele, eu
f iz um scrípte da minha religião que eu aprendi, né! Que é a católica e
aí tem o scripte assim: ele foi antes de mim, mas um dia eu vou, não
vou virar esterco, terra, né! Eh, então eu acho assim, o que eu tiver
que fazer aqui, eu tenho que fazer direito, porque o meu tempo ainda
não acabou, o dele sim! Por algum motivo “X”, o dele acabou; Mas o
103
meu ainda não... E como eu acho que ele é um menino muito, muito
bom..., eu e muitas pessoas, né! Eu quero me apegar a isso, então,
agora, eu tenho válvulas de escape que eu trabalho, mas não é apego.
Eu acho que o barato de tudo isso, que aí geram as válvulas de
escape, é o AMOR.
Entrevistadora - Márcia, no decorrer das nossas pesquisas,
percebemos um grande déficit, em relação a apoio para estas mães. E
quando acham, é pouco e não o suficiente. Então gostaríamos de saber
de você com a sua experiência, o que seria possível fazer para que
isso mudasse?
Márcia - Eu acho que é “ESCUTAR”, e, é o que a “Casulo” faz. O que
eu percebi, que é uma ajuda sim! Não é receita de bolo, sabe? Doze
passos, igual ao AA. Então, eles fazem uma coisa tá que eu não me
vejo naquilo, e acho que como eu, muitas não, né! Porque a maioria
não quer falar sobre isso, mas ao mesmo tempo, eu acho que tem que
ter um apoio à “família”, porque, eu no caso, era minha mãe... Mas tem
gente que tem marido, outros f i lhos, e aí acaba esquecendo, porque a
dor é tamanha..., não duvido se surgir raiva do outro f i lho, entendeu?
Porque existe uma culpa tamanha pela perda de um, que..., eu acho
que tem vários momentos que eu engessei para sensações, então o
que era muito importante, mudou para mim. Então, às vezes uma
pessoa tá falando uma bobagem, que para ela não é, mas para mim é...
104
aí que roupa eu vou pôr; Meu namorado brigou comigo..., e eu falo...,
para ela é um problema, né! Eu fico ouvindo, mas eu não escuto,
porque eu não consigo mais. A minha tolerância para a ignorância
f icou, que para a pessoa não é ignorância, mas para mim é! Se o cara
é casado, ela tá namorando com ele, e ele voltou para mulher e ela vai
f icar chorando..., ela é ignorante, que ela vá para terapia, power yoga,
entendeu! Mas eu tenho que ouvir ao mesmo tempo que é, um
problema para ela. Porque se não, dá vontade de falar assim: “eu perdi
meu fi lho”, dá vontade de andar com uma camiseta, “eu perdi meu
fi lho”, não me enche o saco! Sabe, porque às vezes as pessoas falam
umas coisas para você, que eu penso assim: “Não! Eu não preciso
ouvir isso...”; quando falam mal de fi lho para mim..., todo f i lho têm
razão, para mim. Então, têm uma amiga minha que falou assim: o meu
fi lho não tem ambição por dinheiro... Eu falei, olha, você nunca mais
fale mal de seu fi lho para mim; porque ela estava crit icando, que ele
não tinha vontade de ter dinheiro, e tal... mas o seu fi lho é saudável,
personal-trainner, come direito, dorme cedo, te ama, tem saúde, tá
vivo, pensa direito... O que você quer dele? Quer que ele seja você?
Não! Ele é ele. Ela nunca mais falou sobre o f i lho dela, óbvio! Que ela
viu que eu ia matar ela, isso aconteceu várias vezes; Entendeu? Agora,
por exemplo, os psicólogos poderiam ajudar escutando as pessoas,
poucas pessoas, têm a pré-disposição de ouvir, não é só escutar; É
OUVIR, e dar menos conselhos, porque que conselho você vai dá.
Então, a minha terapeuta, eu comecei depois, porque fazia tempo que
105
eu não fazia, eu voltei depois de dois meses que o Pedro morreu, ela
fazia eu ir lá a pé, daqui de casa no consultório, e ela falava assim:
você tem que andar rápido para suar. Então, no começo eu ia três
vezes por semana para lá; eu ia arrastada pelo chão, chorando, eu era
uma sombra andando, aí eu falava assim: “Eu não sei por que eu estou
aqui?”, e ela falava: Nós, não sabemos, mas nós vamos descobrir, e aí
me fala, como você está? Me escutava. Às vezes eu nem escutava o
que eu estava falando, às vezes eu não falava, e às vezes eu não
escutava o que ela estava falando. Mas eu voltava, e isso me tirou de
uma puta depressão, eu não sei, nem se eu sairia. Porque eu fiquei
deitada na cama quando eu voltei do “Caminho de Santiago”, não
conseguia levantar. Então, eu acho, é menos assim: Olha você faz isso,
faz aquilo. Mas eu acho também que têm que ter l i teratura abundante
sobre o tema, porque morte existe, e é a morte para o irmão, a morte
para o pai é a morte para mãe, é a morte para avó, é a morte... Então a
gente tem que falar: “Como que a gente vai organizar esse assunto,
contando relato de experiência dos outros. Porque aí, você observa
que você não é uma extra-terrestre, porque você olha! ninguém perdeu
um fi lho na sua cabeça, depois que você organizar você começa a
saber de quinhentas que perderam fi lhos, mas eu não sei onde eles
vivem, porque a sociedade, né!... Então tem pai que fica no cemitério
até o guarda por para fora, para não deixar o f i lho de sete até onze
anos não ficar sozinho, e não passar fr io. Agora! quem que vai acudir
esse homem? Porque ele como macho acha que tem que segurar a
106
onda da mulher em casa, e ela não sabia. Até que um dia l igaram para
ela e disseram que ele não queria sair do cemitério. Então, a gente tem
que ter o carinho, porque é um processo de dor muito... , é uma morte!
É a nossa morte enquanto mãe, né! Então, eu acho que deve ter mais
l ivros , mais terapeutas que saibam da vida para poder saber da morte,
né! Isso tudo se chama bom senso. Para te escutar, vai te sugerir... Eu
acho também, que trabalhar é vital, a pessoa tem que trabalhar! Dona
de casa que perde fi lho... a minha empregada, que criou a gente,
empregada da minha mãe, perdeu um fi lho, depois de dois meses ela
morreu ela enfartou, ela não conseguiu, porque né!... Eu faço ginástica,
agora eu to treinando corrida, então eu falo: “vamos lá...” Então, eu
faço coisas, e eu falo tô me arranjando em você Pedro, oh! Eu to
vivendo, às vezes, eu dou umas derrapadas, aí eu falo: “olha fi lho, hoje
não me vê, tá! Porque hoje não estou legal”, entendeu? Mas eu acho
que é muito isso..., é a gente continua em uma conversa, mas o
trabalhar, cuidar de crianças com câncer, essas crianças invisíveis, as
aidéticas, as pessoas não olham. Idoso dá raiva, não para mim, mas a
maioria das mães falam que tem muito ódio de vó, de vô, e fala, como
que sobreviveu, e ainda vai viver um monte, porque depois não sai
mais de casa, então a probabil idade de ter acidente, né! Então, eu
tenho uma amiga minha que falou: Eu não suporto velho e nem jovem,
aí eu falei, então tá difíci l, né! Porque aí, ela não vai em casamentos
de f i lhos de seus amigos, porque a f i lha nunca se casou, ela não vai
em maternidade. Ela fala que está bem, eu f injo que não acredito,
107
porque ela também finge, né! Porque não é assim, ah! eu vou nas
formaturas... já nasceu um neném da turma do Pedro, não é meu neto,
mas é um querido! Então eu quero isso, eu quero contar histórias, eu
quero que as pessoas me contem, sabe contar historinha, é isso que eu
quero fazer. Agora! f icar com raiva, será que isso que o Pedro queria?
Ficar com raiva do mundo, amarga, o dia do casamento, o dia do velho,
duvido! Que isso que ele queria.
Entrevistadora - Márcia, gostaríamos de agradecer a você pela
disponibil idade de contar a sua história e pela oportunidade de
enriquecer o nosso trabalho.
Márcia - Agora eu vou emprestar para vocês, o l ivro “O Ano do
Pensamento Mágico”, pois têm coisas que ela fala, que eu poderia ter
escrito, eu senti igual; o Ser humano é IGUAL no AMOR e na DOR,
agente f ica totalmente idiota quando está apaixonada, totalmente
insegura na adolescência. Isso que é louco é uma coisa que está para
sempre, como o ser humano é rico e refinado nas sensações e nos
sentimentos, e nas percepções. E, como a gente menospreza isso!
Acho que isso é o mais importante, porque o amor que uma mãe tem
pelo f i lho, NÃO TEM SUBSTITUTO, eu já fui casada um monte de
vezes, olha! Minha mãe morreu um ano e meio depois da morte do
Pedro, a morte dele teve um impacto tamanho na minha vida, que
NUNCA mais NADA que aconteça comigo, ou com qualquer pessoa,
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não que eu não tenho compaixão, mas até isso f icou comprometido, eu
sou honesta! Um tio meu estava doente, minha mãe veio e falou, ah! O
seu tio..., eu peguei e falei, mãe ele está velho, um dia todo mundo
morre, né! Então você f ica um pouco amarga, um pouco cética, e ao
mesmo tempo, você fica vendo a vida sem cor, você não tem mais
f i l tro, mas é isso que eu tenho que trabalhar em mim, porque se eu for
falar tudo que eu penso para as pessoas na hora, eu acho que eu não
teria “uma relação”, em termos de trabalho, de amizade, nem de nada.
Ou só f icaria, ah t ia é louca, ela fala o que dá na telha, então eu tenho
que melhorar isso. Porque a gente perde o medo, o único medo que eu
tenho, é de não encontrar meu fi lho, eu não tenho mais nenhum medo,
do PCC, seqüestro, do desemprego, de mudar para Europa...
Entrevistadora - Márcia, levantou-se e foi pegar os l ivros....
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (Resolução CFP 016/2000 e Resolução CNS nº 196/96)
Eu , portador do documento de identidade nº concordo com a utilização das informações fornecidas por mim, de acordo com as condições, descritas abaixo.
1. Nome da pesquisa: “Como eu vivo é a maior homenagem para meu
fi lho...”.
2. Orientadora Responsável: Silvia Ancona - Lopez, psicóloga inscrita
no Conselho Regional de Psicologia, nº 06/2862. Responsável pela
orientação das alunas Bianca Mocci Passaro, RG 30.710.595 e Clecia
Bastos Gerardi, RG 28.761.797- X. Sendo, estas responsáveis pela
pesquisa integrante da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, do
7º e 8º semestre do Curso de Psicologia, da Universidade São Marcos.
3. Justificativa: A justif icativa deste trabalho é ampliar o olhar para
esse assunto pouco discutido, porém de suma importância para os
profissionais da área de saúde. E principalmente contribuir para
subsídios de construção para diferentes alternativas de espaços para
essas mães se colocarem e relatarem suas experiências que são tidas
como a maior dor que alguém possa sentir.
4. Objetivo da Pesquisa: É chegar o mais próximo possível das
vivências de mães que perderam seus fi lhos, buscando compreender o
sentido da vida diante destas perdas.
111
5. Método e Procedimento a serem utilizados: Entrevistas gravadas
sobre as suas vivências e aos sentidos atr ibuídos a elas.
6. Acompanhamento: A orientadora e as alunas comprometem-se a
indicar apoio psicológico, caso necessite.
7. Liberdade de Recusa: O entrevistado é l ivre para recusar participar
das entrevistas ou retirar seu consentimento em qualquer momento do
trabalho SEM SOFRER PENALIZAÇÃO de nenhuma espécie.
8. Garantia de Sigilo: É garantido ao entrevistado o sigi lo das
informações que considerem necessárias, referentes à sua vida
pessoal, de modo a garantir sua privacidade. Os resultados da
pesquisa somente poderão ser divulgados sob a forma de trabalho
científ ico.
9. Avaliação do Risco: Há probabil idade que o sujeito apresente
algum sofrimento ao reviver momentos dolorosos.
No sentido de minimizar danos maiores, o sujeito da pesquisa, terá que
de alguma forma já ter relatado publicamente suas vivências.
Em caso de necessidade serão fornecidas indicações para busca de
apoio psicológico. Fica garantido aos sujeitos de pesquisa o acesso a
qualquer tempo, às informações sobre os procedimentos, riscos e
benefícios relacionados à pesquisa, inclusive para minimizar eventuais
dúvidas.
10. Informações de Nomes, Endereços e Telefones dos Responsáveis pelo Acompanhamento da Pesquisa, para Contato em Caso de Dúvidas. Unidade João XXII
Rua: Clóvis Bueno de Azevedo, 176
Ipiranga – São Paulo – SP
112
CEP: 04266-040
Tel – (11) 3491-0500
11. Consentimento Pós-Esclarecido: Declaro que, depois de
convenientemente esclarecido (a) pelas pesquisadoras e de ter
entendido o que me foi explicado, consisto em participar do presente
Protocolo de Pesquisa.
Declaro que recebi uma cópia do presente Termo de Consentimento.
São Paulo, de de .
________________________ Entrevistada
_________________ ___________________ Bianca M. Passaro e Clecia B. Gerardi
Sob a orientação da Professora:
_________________________ Drª Silvia Ancona - Lopez
CRP 06/2862
114
Grupos de Apoio ao Luto
CASULO - Associação Brasileira de Apoio ao Luto Telefone: (11) 5549-9963 E-mail: a.casulo@uol.com.br Site: www.grupocasulo.org
Grupos de auto-ajuda em três locais:
* Espaço Nova Era Dias: primeiras e terceiras quartas-feiras de cada mês Horário: das 20h às 21h30h Endereço: Rua José de Magalhães, 671 - V. Clementino - São Paulo (SP).
* Igreja do Perpétuo Socorro Dias: primeiras e terceiras quintas-feiras de cada mês Horário: das 19h às 20h30h Endereço: Rua Sampaio Vidal, 1055 - Jd. Paulista - São Paulo (SP).
* Casulo da Zona Norte Dias: segundas e quartas quartas-feiras de cada mês Horário: 20h Endereço: Salão da Igreja N.S. das Neves, Rua Maestro Villa Lobos, 681 (altura da Av. Guapira, 1054) - Tucuruvi.
As reuniões são abertas a todos interessados. Pedimos apenas que as pessoas confirmem sua primeira participação por e-mail ou telefone.
4 Estações – Instituto de Psicologia S/C Ltda. Suporte Psicológico em situações de perda e luto. Site: www.4estaçoes.com e-mail: info@4estações.com tel: (11) 3891-2576 R. Caçapava, 130 – Jardim Paulista/ SP
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