caetano tem razão?

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Entrevista com Caetano Veloso. Jornal de Brasília.

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VivaJornal de Brasília

!BRASÍLIA, SÁB ADO, 16 DE MAIO DE 2009

Editor: Guilherme LobãoE-mail: globao@jornaldebrasilia.com.brSubeditor: Gustavo FalleirosE-mail: falleiros@jornaldebrasilia.com.brTel: (61)3343-8059/Fax: (61)3226-6735/3226-7084

CA N TO R E C O M P O S I TO R B AIANO

INICIA EM BRASÍLIA S UA N OVA

TURNÊ, OBRA EM PRO G R E S S O , COM

DISPOSIÇÃO PA R A QUESTIONAR OS

VELHOS CÂNONES DA MÚSIC A

POPULAR BRASILEIRA

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ULG

ÃO

ENTREVISTA / CAETANO VELOSO

Caetano tem razão?

O crossover "samba’n’roll" soa bemnos dois últimos álbuns. Em certas can-ções, dá até para fazer um air guitar...Ges-to revelador da aderência da música. E,por ser aderente, pop. Você concorda comisso: houve também a busca pelo "popadesivo" em Zii e Zie?

Sou pop. Mas nunca esperaria que Zii eZie fosse aderente. Até o David Byrne medisse ter tido dificuldades de atravessar aprimeira faixa. O (diretor) Estevão Chiavatta,ao ouvir o disco, me disse: "É muito bom, maspor que você não volta a ser doce?".

Qual a sua canção predileta dessedisco?

L apa. Gosto muito também de Ta r a d oNi Você. Mas estou perto demais para nãogostar de todas. Por quem é uma lindacanção. E muito original.

O que você estava ouvindo enquanto oálbum era produzido?

Ouvi Animal Collective, Mariana Aydar,Rodrigo de Campos e Moreno – cantandoHow deep is the ocean (Irving Berlin) emversão brasileira de Carlos Rennó. Ouvitambém coisas antigas de que gosto: JoãoGilberto, Francisco Alves, Mário Reis. Ouvialgumas vezes a ópera Moses and Aron, deSchoenberg, autor que acho genial. É umapeça muito forte.

Acha que, volta e meia, a MPB carecede boas camadas de guitarras para cha-coalhá-la da pasmaceira que a acomete?

Nunca pensei nesses termos. Na ex-plosão do tropicalismo, notamos que gui-tarras – entre outras coisas – podiam servirpara quebrar a pasmaceira crítica e criativaque nos ameaçava. Mas essa pasmaceiranunca foi maior do que a vitalidade naturalda música brasileira. Adoro nossas gui-tarradas da banda Cê. Mas detesto a reaçãocostumeira contra tudo o que o Brasilconsegue encorpar. Décio Pignatari diz quenão fala brasileirês. Eu acho justamente queo brasileirês é essencial.

Você disse que São Paulo não saía dasua cabeça durante a concepção de Zii eZie, embora a gravação tenha sido no Rio.E compor pensando em Brasília, é umapossibilidade?

Adoraria entrar mais fundo na sen-sibilidade candanga. Só fiz, que eu lembre,uma música explicitamente sobre Brasília:Flor do Cerrado. Mas Brasília é a imagempor trás de Tro p i c á l i a ("eu inauguro omonumento no planalto central do País").Sou apaixonado pela força de sonho que háaí. Odeio "mordomias" e vida chapa-branca.Mas adoro o sonho de futuro, a elegânciadas linhas e a enormidade do céu. Gostariade dedicar mais tempo a decifrar Brasília.

O que Brasília tem de legal?Posso acrescentar que adoro a inti-

midade de grupos de jovens (não de gan-gues) nas superquadras. Adolescentes ecrianças amam Brasília. Não gosto do as-pecto Los Angeles: a impressão de que setem de andar sempre de carro, a sensaçãode estar na estrada e não dentro de umacidade. Mas adoro as conversas, o lago àtarde, as bandas que surgiram aí nos anos80, o rap zangado das cidades-satélites.

E qual sonoridade teria um disco seugravado na cidade?

Acho que teria som de guitarra. Mas seeu fosse passar um tempo em Brasília, creioque faria um disco eletrônico. Com sons deguitarra sampleados. Seria um disco maisespacial do que temporal.

Seu gosto pela crítica escrita é bemconhecido. Você até mesmo redigiu orelease de seu disco. Redigir é um prazertão grande quanto escrever canções?

Escrevo meus próprios releases desde osanos 70. Não todos, mas a maioria. Gostode redigir. Gosto mais de ler do que de ouvirmúsica. O livro Verdade Tropical é longo porcausa do meu prazer de escrever. No blogtive uma oportunidade especial de escrevercom frequência. Mas não preciso rebatercríticas. Gosto disso também, mas não éuma necessidade. Antigamente, eu respon-dia do palco do show, de viva voz. Masprefiro me comunicar por escrito. Res-ponder a entrevistas por e-mail, por exem-plo, é uma delícia.

Após o lançamento desse álbum "mui-to claro e denso, nascido num ano dechuvas no Rio, um ano de nuvens pesadase escuras", pensa em lançar, agora, umdisco "leve e solar"?

O show já é mais leve e solar do que odisco. Mas ainda não tenho ideia de quedisco poderei fazer daqui a um ano.

O Lobão vive tocando na tecla da"monomania da bossa nova". Em dezem-bro, fez 10 anos da morte de NelsonGonçalves e ninguém lembrou. A coisaque ele mais temiaera morrer esqueci-do... A "monomaniada bossa" causou umlapso na memóriamusical brasileira?

Nelson Gonçalvesmerece muito. Ele não se-rá esquecido. Chico Alvesnão foi esquecido (aliás, ele écitado numa letra do Zii e Zie). Abossa nova deu mais força à tra-dição da música brasileira. João Gil-berto não só diz que Orlando Silva é omaior cantor do mundo: ele nos pôs todospara ouvi-lo. Sem a bossa nova não te-ríamos o selo Revivendo. Sei por que abossa nova teve papel de bússola: JoãoGilberto é um dos maiores artistas dacanção em qualquer tempo e lugar e TomJobim é o maior compositor brasileiro e umdos grandes do mundo desde sempre. Mastanto Nelson Cavaquinho quanto MárioReis saíram ganhando com isso. TantoLupicínio quanto Ciro Monteiro. E mesmoPaulinho da Viola e toda revitalização dosamba exclusivamente carioca se benefi-ciaram das conquistas da bossa. Não sei doque o Lobão se queixava. Talvez de falta deespaço para o rock? Bem, não há nada nomundo que mais se pareça com uma mo-nomania crítica do que a aristocracia dorock’n’roll. Nada jamais vendeu tanto portanto tempo quanto o rap. Mas o rock é maisnobre – e o rap é um dos seus derivativos.

Como flui a comunicação tocandocom músicos tão jovens?

Minha comunicação musical com Pe-dro, Ricardo e Marcelo é a mais direta erápida que já experimentei em toda a minhavida musical. Nada demora a ser enten-dido. E, uma vez entendido, nada tarda a

ser realizado melhor do que a encomenda.Eles conhecem tudo a que me refiro –inclusive Nelson Gonçalves.

O que promete seu show em Brasília?Clareza e inspiração. Nossas apresen-

tações têm sido muito límpidas, calmas eprofundas. Estamos muito orgulhosos donosso trabalho. Mais ainda do que no Cê.

O que você tem a dizer sobre a farradas passagens aéreas?

Odeio a tradição das "mordomias".Tem a ver com o modo como Juscelinoconduziu a mudança para Brasília ecom a tradição grotesca dos privi-légios presumidos que os brasileirosque escapam à miséria se arrogam.É uma desgraça. Não tanto o

escândalo das passagens – que é sintoma dainadequação desses hábitos à vida política aque aspiramos – mas a tradição em simesma. Precisamos mudar muito para che-gar perto de ser o que verdadeiramentesomos: um país grande, original, generoso,transformador do mundo.

Fora Lobão, quem mais nesse paístambém tem razão?

Lobão tem razão ao me dizer "chega deverdade". Ele também tem muita graça quan-do não tem razão – o que já justifica parte desuas falas. Ele tem também razão estética aofazer certas escolhas. É um artista curiosocom quem precisei ter um diálogo no nível dacriação. Mas quem de fato tem razão no Brasilé Antonio Cicero (que citei extensamente emenrevista à revista Cult, que, uspiana que é,extirpou toda minha observação sobre a im-portância da razão dele).

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Odeio a tradição das"mordomias". Tem a ver

com a tradição dosprivilégios presumidos queos brasileiros que escapam

à miséria se arrogam"

Cristiano Bastos

C aetano Veloso é um apaixonado pelacapital do Brasil. Para o baiano, queescolheu a cidade para estrear a

temporada nacional de shows do álbumZii e Zie, Brasília é "a imagem por trás daemblemática Tro p i c á l i a – "Eu inauguro omonumento no planalto central do País",como diz a canção. "Sou apaixonado pelaforça de sonho que há aí", confessa o

baiano, em entrevista por e-mail ao JBr.Em outra canção, Flor do Cerrado –

essa explicitamente sobre Brasília –, elecanta: "Mas da próxima vez que eu for aBrasília/Eu trago uma flor do cerrado pravocê". "Adoraria entrar mais fundo nasensibilidade candanga", filosofa.

A formação que toca hoje à noite é amesma do disco Cê: Pedro Sá nas guitarras,Ricardo Dias Gomes nos teclados e con-trabaixo, Marcello Callado na bateria. À

frente desse grupo jovem e explosivo, paira opróprio Caetano – em voz e violão.

ISE RV I Ç O

Caetano Veloso – Hoje, às 21h, no Auditório Máster

do Centro de Convenções Ulysses Guimarães (Eixo

Monumental). Ingressos: poltrona vip, R$ 400 e R$ 200

(meia); poltrona especial, R$ 200 e R$ 100 (meia);

poltrona superior R$ 160 e R$ 80 (meia). Ponto de

venda: loja VR (Brasília Shopping) e bilheteria do

auditório. Não recomendável para menores de 16 anos.

I Veja a entrevistana íntegra no

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