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Bocage SINOPSE
Em 1789, Bocage desembarca em Lisboa depois de uma passagem
conturbada por Goa e Macau. A capital do reino está efervescente com o
vendaval da revolução francesa que o Intendente Pina Manique tenta a todo o
custo travar com uma repressão feroz ao comércio de livros proibidos, às
sociedades secretas como a maçonaria e a tudo o que considera que ponha
em causa a ordem estabelecida. É uma época de tumulto e de transição: na
política, com a queda sucessiva das monarquias absolutistas e o avanço das
ideias iluministas; na poesia, com o auge do estilo neoclássico e o anúncio do
romantismo de que Bocage é precursor.
Bocage integra-se rapidamente na vida mundana e literária: em pouco tempo
dá-se com muitas figuras marcantes do seu tempo, desde a futura Marquesa
de Alorna à Rainha D. Maria I. A sua porta de entrada para os salões são as
tabernas e os bordéis: aí reencontra vários amigos que cá deixou, como o
Padre Agostinho Macedo e os irmãos Bersane, personagens que admiram
genuinamente o talento de Bocage na mesma medida em que desejam
explorá-lo. Poucos meses depois de ter chegado a Lisboa, Bocage entra em
glória na Nova Arcádia, uma sociedade literária repleta de génios
autoproclamados e plagiadores com quem se irá rapidamente incompatibilizar,
ganhando ódios que o acompanharão para o resto da vida como o do Padre
Domingos Caldas e, principalmente, do próprio Agostinho Macedo que não
hesita em crucificá-lo às mãos do Intendente.
Bocage adapta-se rapidamente à vida na capital, vivendo de pequenos
estratagemas que lhe garantem as refeições e as primeiras necessidades. As
mulheres dos seus sonetos cruzam-se com ele: de Gertrúria, Marília, da bela
Manteigui e das duas filhas e da própria esposa do amigo António Bersane, à
prostituta Nise com quem vive um amor que Pina Manique tornará impossível
da forma mais cruel.
O Intendente identifica Bocage com todas as ideias que deseja perseguir e faz
dele um exemplo para todos aqueles que afrontam a sua autoridade. Por causa
de uma denúncia, durante três anos, Bocage irá passar por vários juízos: do
Estado, da censura e do Santo Ofício. Entre a prisão do Limoeiro e o hospício
da inquisição, sai “reeducado” e aparentemente desiludido com os
desenvolvimentos da revolução em França, onde Napoleão toma o poder e
ameaça invadir Portugal. Paradoxalmente, é o período de maior êxito, tanto
nas elites como nos analfabetos apreciadores das modinhas fáceis de
Domingos Caldas, do poeta “Magro, de olhos azuis, carão moreno, / Bem
servido de pés, meão na altura, / Triste de facha, o mesmo de figura”
Bocage SINOPSES DOS 8 EPISÓDIOS
1. “CHEGADA A LISBOA”
Bocage, sem dinheiro nem honras, chega a Lisboa depois de alguns anos em
Goa e Macau ao serviço da Marinha Real. Para trás ficou uma caixa cheia com
alguma da sua melhor produção literária de sempre. Acontecimentos graves
ainda por explicar em que se envolveu no Oriente, levam-no a desembarcar às
escondidas e feito cúmplice involuntário de contrabando de livros proibidos.
O Intendente Pina Manique, que dirigia pessoalmente algumas das operações
policiais de controlo alfandegário com o objectivo de estancar a entrada de
ideias perigosas da França revolucionária no Reino, lança uma vasta rusga
policial na noite do desembarque de Bocage que obriga o poeta a esconder-se
no bas-fond de Lisboa, acolhido na cama pela prostituta Nise e no meio literário
por um velho amigo, o Padre Agostinho Macedo.
Pina Manique procura Pierre Marie Auguste Broussonet, do partido de
Robespierre, e põe Lisboa em sobressalto a qualquer hora do dia ou noite. Não
hesita sequer em entrar na casa da Marquesa de Alorna, a quem faz ameaças
veladas apesar desta invocar os nomes do Duque de Lafões e da Rainha. Mal
sucedido nas pistas que segue nos salões da nobreza, Pina Manique vira-se
para outro meio que conhece bem: o bas-fond, as ruas de pior fama de Lisboa.
É aí que se vai cruzar com Bocage, que se adaptou rapidamente à vida na
capital, vivendo de pequenos estratagemas que lhe garantem as refeições e as
primeiras necessidades. Bocage não era uma figura desconhecida: tinha
deixado alguma fama como poeta antes da sua partida para a Índia e José
Pedro das Luminárias, que de dia trabalha no Nicola e à noite no Botequim das
Parras (lugar de encontro de poetas pertencentes à sociedade literária Nova
Arcádia), conhece-lhe a reputação e incentiva-o a aparecer por lá.
Em casa dos seus amigos Bersane, Bocage consegue facilmente roupa nova,
dinheiro no bolso e a atenção encantada das duas filhas de António Bersane.
Os dois irmãos têm grande consideração por ele: põem-no ao corrente dos
acontecimentos políticos e literários e introduzem-no no meio intelectual, no
Botequim das Parras. Numa noite de glória, espicaçado pelo Padre Agostinho
Macedo, Bocage rouba o protagonismo ao Padre Domingos Caldas, o mais
célebre autor da moda de então, as modinhas brasileiras, achincalhando-o.
Mais: canta os ideais da revolução francesa, leva a plateia ao delírio e é
aclamado.
Ao mesmo tempo, graças aos irmãos Bersane, Bocage começa a contactar
com os salões da alta burguesia e nobreza. Conhece o inglês William Beckford
que o convida para uma exibição equestre de D. Tomás de Meneses onde,
encantado, vê a Marquesa de Alorna defender o revolucionário francês
Broussonet da ira de Pina Manique.
Meneses, para quem Bocage nem sequer olhara no picadeiro, morre numa
procissão de barcos no Tejo. O poeta compõe-lhe uma elegia fúnebre que tem
enorme sucesso numa sociedade lisboeta abalada pelo trágico
desaparecimento. Bocage é saudado nas ruas e elogiado nas críticas. Tudo
parece correr-lhe bem mas, inesperadamente, desembarca em Lisboa a
misteriosa Manteigui, uma paixão exacerbada de Bocage em Goa.
2. “MONTE MÉNALO”
A chegada de Manteigui atormenta-o e Bocage vê-se novamente em Lisboa
com os fantasmas que o levaram a abandonar Goa. Tenta por breves dias
ignorá-la mas não suporta a angústia. Bocage vê-se conduzido por uma
obsessão amorosa exacerbada que, quando transposta para os sonetos, faz
dele um precursor do romantismo. Rapidamente manda a prudência às urtigas
e resolve seguir Manteigui.
Quando finalmente chega à fala com ela, é mais uma vez rejeitado, como,
percebemos agora, o foi na Índia. Bocage não lida bem com a rejeição e culpa-
-a por ter deixado lá a famosa caixa repleta com alguma da sua melhor
produção literária de sempre. Furioso, inicia febrilmente a redacção de um
“poema num só canto” com o título “A Manteigui”. Por uma vez, a paixão leva a
melhor e não passa das primeiras estrofes.
Estes factos coincidem com a sua admissão na Nova Arcádia. O êxito da elegia
fúnebre a D. Tomás de Meneses é a porta de entrada de Bocage neste grupo
de poetas e intelectuais que se reunia no palácio do Conde Pombeiro para
“declarar guerra ao mau gosto”. Bocage é admitido com o nome pastoril de
Elmano Sadino, resultado de um anagrama com o seu primeiro nome e de uma
referência ao Rio Sado, nas margens do qual nascera.
A Nova Arcádia era, a princípio, um grupo despretensioso, sem nenhuma
preocupação com os ventos políticos que sopravam do lado de lá dos Pirinéus.
A chegada de Bocage coincide com a efervescência do período revolucionário
em França e com a entrada de novas ideias em Portugal, que Pina Manique
tentava a custo dominar.
No Monte Ménalo, denominação arcade do local onde se encontravam,
juntavam-se o Padre Domingos Caldas Barbosa, Severino Ferraz de Campos,
Curvo Semedo e Francisco Joaquim Bingre, poetas que não se imortalizaram,
ao contrário de Bocage a quem os mais próximos, como os irmãos Bersane e o
Padre Agostinho Macedo, começam a tratar como “o maior…depois de
Camões.”
Bocage não se dá bem. A sua vivacidade, acidez crítica e orgulho
destemperado chocam com a hipocrisia ali reinante dos elogios mútuos e dos
textos a metro repletos de futilidades. O génio do vate sadino começa a
despertar invejas entre os outros arcades e o ambiente, a pouco e pouco, vai
se degradando. Muitos deles acabam em confronto físico e cabeças rachadas.
A princípio, o Padre Agostinho Macedo, uma força da natureza, defende-o e
permite-lhe saídas airosas. Até que, numa noite, farto da vaidade de Bocage,
invejoso do seu génio e sabendo que no Botequim das Parras estão os moscas
(informadores de Pina Manique), Agostinho deixa-o entregue à sua sorte.
Bocage vê-se sozinho e sente-se ameaçado pela intelectualidade de Lisboa, a
inquisição da igreja e pelos polícias de Pina Manique.
Reage como melhor sabe: impetuosamente, para a frente. O despeito por
voltar a ser rejeitado por Manteigui, que o diminui e humilha como Bocage
diminui e humilha os seus rivais, inspira-o a escrever um poema violentíssimo
contra Manteigui; Bocage arrasta o nome de uma mulher que diz adorar para a
lama e dedica-lhe os piores insultos de que se consegue lembrar. Este ímpeto
transmite-se ao resto do seu trabalho: os seus poemas são cada vez mais
agressivos, o que só ajuda a aumentar o número de adversários no seio da
Nova Arcádia. A Guerra dos Vates estava prestes a começar.
3. “GUERRA DOS VATES”
A carreira de Bocage como poeta ganha fôlego com a sua admissão na Nova
Arcádia. Em Maio de de 1791, publica “Idílios Marítimos recitados na Academia
de Belas Letras” e “Queixumes do Pastor Elmano Contra a Falsidade da
Pastora Urselina”. É também deste período a impressão das suas rimas que
irão merecer uma crítica feroz do até aí seu amigo, o Padre Agostinho Macedo
no Jornal Enciclopédico, que se referiu a Bocage como “frio, monótono e pouco
feliz no uso dos epítetos, servindo-se de muitos deles forçadamente e contra o
génio e estilo da nossa língua.”
A 29 de Abril de 1793, a Arcádia é convidada para uma sessão extraordinária
no Paço da Ajuda em comemoração pelo nascimento de Maria Teresa,
primeira filha do príncipe D. João. Pina Manique repara em Bocage, em quem
julga detectar a influência da revolução francesa, que combate ferozmente.
Começa a ver a Nova Arcádia como uma potencial ameaça à estabilidade do
reino, um viveiro de ideias perigosas que convém ter sob a sua alçada para
mais facilmente os poder controlar.
A sessão não podia correr pior: Joaquim Francisco Bingre é testemunha de
uma disputa que começa ainda no caminho para o palácio, na sege da Casa
Real: Agostinho propõe-se improvisar algo em prosa, ao que Bocage contrapõe
desdenhosamente uma empresa ainda de maior dificuldade: improvisar em
verso. Sob o olhar admirado da família real, Bocage e Macedo fazem um ajuste
de contas em forma de verso, acabando com o que restava de uma já frágil
amizade.
O desentendimento entre Bocage e Agostinho alastra para os encontros
seguintes da Nova Arcádia no Palácio de Pombeiro. O “Almanaque das
Musas”, espécie de boletim oficial, começa a encher-se de poemas cada vez
mais ácidos, onde Bocage critica e satiriza os arcades. Com Curvo Semedo, o
Abade de Almoster e outros do seu lado, Agostinho isola Bocage que reage
ainda mais violentamente.
Em 1794, a polémica está no auge e a Nova Arcádia transformada num campo
de batalha. Pina Manique assiste sentado, sem mexer um dedo, àquilo que
acredita ser a rápida implosão de uma gangrena de ideias perigosas. Diverte-o
ver que o choque da vaidade dos arcades faz sozinho o trabalho de muitos
polícias.
Bocage não poupa nada nem ninguém. Elabora sátiras demolidoras ao Padre
Caldas, Curvo Semedo, Abade de Almoster, Freire Barbosa e muitos outros.
Bocage entra num período frenético de produção de versos que usa tanto para
se defender das críticas que fazem às suas “Rimas”. O padre Agostinho
chama-lhe “Sultão do Parnaso” e não lhe perdoa que ele tente “ditar a lei aos
seus colegas”. Mas para Bocage, se a Nova Arcádia nascera para promover a
guerra ao mau gosto, acabara ela própria por se tornar seu emblema. Corolário
lógico: Bocage é expulso. Epílogo: pouco depois, era a própria Arcádia que
fechava as portas.
4- “A ASCENSÃO DE LUNARDI”
Ao contrário do que julgara, a expulsão da Nova Arcádia não belisca a sua
relação com os irmãos Bersane. Bocage continua a frequentar a sua casa e,
aos poucos e à vez, as camas das duas filhas de António, Vicência e Perpétua.
Bocage interessa-se particularmente por Vicência a quem dedica versos, sem
citar o seu nome. No entanto, num deles, fala dos seus amores por “Márcia”,
uma ficção pastoril mas tão real que faz desconfiar a mãe de Vicência. Bocage
sabe que, apesar de serem companheiros de boémia, ou sobretudo pelo facto
de o serem, Bersane nunca lhe dará a mão da filha. Bocage tem ciúmes
doentios dela que tenta apaziguar metendo-se na sua cama, e na cama da
irmã, sempre que pode e ameaçando de pancada os jovens mancebos que a
cortejam.
Numa noite chega a sair furioso de uma festa de Bersane, e sem pensar duas
vezes salta para um barco em que parte com pescadores para o Tejo. Bocage
passa a noite com eles a gabar-se das suas aventuras de alcova e elabora
versos despeitados e ordinários sobre as mulheres com quem se cruzou,
incluindo Vicência. Ao desembarcar, já de dia, encontra por acaso a mais
inacessível, para ele, de todas as mulheres: a Marquesa de Alorna que vem
receber alguns convidados de um barco acabado de chegar de França. A
Marquesa reconhece-o e convida-o a acompanhá-la e apresenta-lhe o
embaixador Derbault.
Bocage, numa época em que saber francês já era suspeito, começara a
trabalhar na tradução de “Eufemia” de monsieur D’Arnaud, para ganhar
dinheiro depois da sua saída na Nova Arcádia. Ao mesmo tempo, as Coroas de
Portugal e Espanha assinaram um tratado de auxílio mútuo contra a França, e
o Intendente Pina Manique recusou a entrada do embaixador Derbault
alegando irregularidades nas suas credenciais.
Os tripulantes do navio francês, atracado defronte do Cais de Belém, vêm a
terra e entoam uma canção revolucionária pelas ruas. Inspirado pela tripulação
do navio, Bocage junta-se a alguns afrancesados e sobe a Calçada da Ajuda
para cantar debaixo das sacadas do Palácio, todos os domingos e dias santos,
na presença da Guarda Real: “Vive la Liberté!”.
É este clima agitado que o capitão Vicente Lunardi encontra quando chega a
Lisboa. O aeronauta italiano instala-se no Terreiro do Paço e começa a
construir um balão gigantesco, com o qual promete elevar-se nos ares. A
atenção de toda a cidade, incluindo Bocage e Pina Manique, concentra-se
então na missão de Lunardi.
O capitão afirma ter investido da sua algibeira 3300$500 reis, e estava disposto
a recuperar boa parte desse dinheiro vendendo bilhetes ao público para
assistirem à construção da fantástica aeronave. Lunardi espalha centenas de
cartazes por Lisboa, e tem o estaleiro sempre cheio de curiosos.
Pina Manique começa a desconfiar que Lunardi pretende adiar indefinidamente
a subida do seu balão, para facturar mais dinheiro na venda dos bilhetes, e
acaba por impôr um prazo para que o italiano ponha a sua máquina a
funcionar, de contrário será expulso e talvez preso. A rixa com o Intendente
aproxima ainda mais Bocage de Lunardi. O poeta encontra inspiração para os
seus poemas na vontade que o capitão tem de levantar voo. O poeta encontra
um qualquer tipo de simbologia naquele balão, relacionando com as “ideias
novas” vindas de França...
5. “O ALMOCREVE DAS PETAS”
Em Setúbal, os tios, irmãos e primos de Bocage nomeiam procurador o
advogado Simão Ferreira para se opor à execução de penhora dos bens do
bacharel José Luis Soares de Barbosa, sob o argumento de que pertenceriam
aos herdeiros de Clara Francisca Lustoff du Bocage, já falecida, e não ao
executado, como alegava o Estado. O irmão de Bocage toma a iniciativa de
obter procuração de todos os interessados na preservação da herança do pai,
e consegue-o de todos, menos de Bocage. Desvendam-se as razões do
afastamento de Bocage da sua família, um caso mal resolvido de amores do
poeta por Maria Gertrudes, esposa actual do irmão (nas suas “Rimas”, Bocage
refere-se a ela como Gertrúria), na mesma altura que o seu pai era levado para
a prisão do Limoeiro, vítima de uma trama política.
Ao mesmo tempo que o passado regressa para assombrá-lo, Bocage depara-
se com uma situação que o deixa indignado: o poeta José Daniel Rodrigues da
Costa, cuja linha de actuação não diferia muito da linha de Domingos Caldas
(compunha modinhas), era o poeta mais popular de Lisboa. Estava sobre a
protecção de António Joaquim de Pina Manique, administrador da Alfândega
das Sete Casas, irmão e ajudante do Intendente. Nomeado administrador das
Quatro Portas da Cidade e ramo de Belém, por favorecimento político, José
Daniel levava uma vida folgada e tinha muito tempo para se dedicar aos
versos. Juntara-se à Nova Arcádia depois de Bocage sair, revelando os
primeiros indícios do que viria a ser uma aproximação efectiva do Intendente à
agremiação. Começa a publicar o Almocreve das Petas, obra em folheto que
saía sem periodicidade, mas em intervalos curtos, contando em versos casos
que aconteciam na cidade e que se ouviam à porta das boticas e botequins.
Como criticava os poetas que cultivavam a língua, Bocage irritou-se com José
Daniel, a quem chamou de “machucho poetarrão”.
O Almocreve das Petas inunda botequins e casas de pasto, e a Gazeta de
Lisboa anuncia a sua publicação, ao mesmo tempo que Bocage começa a
traduzir do francês o primeiro volume do romance História de Gil Brás de
Santilhana, livro que Pina Manique considerara impróprio para a instrução da
mocidade. Inspirado por Rousseau, Bocage entendia que os homens não eram
maus por natureza, e que o pecado original não passava de uma “vã ficção”.
Meter-se directamente com o irmão do Intendente não ajuda à causa de
Bocage. Desligado da família, ostracizado pelos intelectuais, esquecido por
muitos amigos e desprezado pelas mulheres, Bocage invectiva tudo e todos,
dos “fradalhões” ao despotismo, elogia Napoleão e põe em causa alguns
dogmas da igreja. Pina Manique coloca Bocage sob a sua especial atenção.
6. “A SOCIEDADE DA ROSA”
“Vive-se época perigosa e triste”, são as palavras de Pina Manique quando
recebe, por correio, três caricaturas que o ridicularizam. Para fazer frente à
Academia das Ciências do Duque de Lafões, Pina Manique inicia uma cruzada
contra os partidários das “ideias do século”.
A tradução que Bocage fizera de Eufemia está à venda por 200 reis na loja da
Gazeta, na Viúva Bertrand, e na do francês João André Dubié, exactamente o
mesmo livreiro que havia sido preso várias vezes por vender livros incendiários.
O livreiro Diogo Borel é suspeito de ter mandado imprimir 12 mil volumes da
“Constituição Francesa” em português e outros 12 mil da “Folhinha do Pai
Gerardo”, livro que, segundo Pina Manique, trazia “doutrinas erróneas e
sedições”. Com todos estes livreiros Bocage tem relações, o que o faz ficar
cada vez mais mal visto aos olhos do Intendente.
Até ao final de 1796, Bocage continuava à margem da aproximação de Pina
Manique aos poetas e intelectuais. Num reencontro fugaz que tem com
Bocage, Macedo vangloria-se de ter saído vitorioso da “Guerra dos Vates” –
afinal, antes ainda de obter o breve da secularização, gozava desde 1793 das
honras de pregador da Real Capela.
Por intermédio do seu amigo Pedro José Solano, teólogo, poeta e acusado
publicamente por Macedo de ser um pedreiro-livre, Bocage acaba por
pertencer, ainda que por pouco tempo a uma loja maçónica, ao mesmo tempo
que, para impressionar a Marquesa de Alorna, que tanto admira, se filia na
Sociedade da Rosa, associação criada pela Marquesa com o fim de combater
as sociedades maçónicas e as ideias da Revolução Francesa. A Marquesa de
Alorna odeia maçonaria e detesta jacobinos porque tem sempre presente as
cenas de horror que presenciou em Paris e Marselha, onde esteve na época de
terror da Revolução Francesa.
A trama política adensa-se: Pina Manique, com o propósito de comprometer a
antiga aristocracia, faz o príncipe crer que se tramava uma conspiração,
promovida pelos governos francês e espanhol, para o derrubar e promover a
princesa Carlota Joaquina regente do reino.
Indiferente a isto, ao frequentar a casa do amigo Pedro José Solano, Bocage
conhece a sua irmã, Maria Margarida, mulher de muita educação literária e
beleza, que cativa imediatamente o poeta. O pai de Maria Margarida, o
cirurgião Manuel Constâncio, conhece os versos em que Bocage se referia aos
médicos como “antiga peste do género humano”, e não o tem em grande conta.
Quando percebe que a sua filha se está a apaixonar por ele, Manuel
Constâncio resolve agir.
Uma denúncia anónima chega à sede da Intendência Geral de Polícia, dizendo
que Bocage era não só autor de alguns papéis subversivos que, nos últimos
tempos, se tinham espalhado pela Corte e Reino, bem como de ser
“desordenado nos costumes”, a ponto de não cumprir as obrigações da religião
católica e nem sequer satisfazer ao preceito que obrigava qualquer súbdito a ir
“todos os anos buscar os sacramentos da penitência e eucaristia à freguesia
onde vive”. O Intendente manda prender Bocage.
7. “O POETA CENSURADO”
Bocage é avisado de que os esbirros de Pina Manique estão atrás de si. O
poeta, a morar num andar da Praça da Alegria na companhia do amigo André
da Ponte de Quental, cadete do Regimento da Armada (e que seria avô de
Antero de Quental), prepara-se para escapar rumo ao Brasil (Bahia) a bordo da
corveta Aviso. Quando o juíz de crime do bairro do Andaluz e os seus homens
chegam ao andar da Praça da Alegria, só se deparam com André da Ponte, a
quem prendem, e encontram no local um texto de Bocage intitulado “Verdades
duras”, onde o poeta descrevia o horror que sentira ao testemunhar o
enforcamento de um homem condenado por Pina Manique.
É apanhado. No dia 7 de Agosto, Bocage dá entrada da prisão do Limoeiro,
depois de ser preso pelo juíz de crime do bairro da Rua Nova. Para o
Intendente, a tentativa de fuga só servia para fornecer ainda mais claros
indícios de que o acusado era mesmo culpado de todos os delitos de que havia
sido denunciado e de ser autor de “papéis ímpios, sediciosos e críticos”.
No Limoeiro, Bocage é conduzido ao segredo, nome que se dá à casa forte e
onde são metidos os presos indisciplinados. O segredo do Limoeiro fica nos
subterrâneos do edifício sob o corredor que dá para a antiga prisão do
carrasco. Bocage suporta agora aquilo que o pai sofrera 26 anos antes, e
começa a colocar no papel tudo o que passa na sua alma atormentada.
Quando recebe a notícia de que o seu amigo, André da Ponte, também foi
preso, por sua causa, escreve-lhe alguns versos.
Na prisão, desesperado, Bocage tenta obter o favorecimento de conhecidos
ilustres, como a Marquesa de Alorna, José Seabra da Silva, ministro do Reino,
que conhecera as agruras do cárcere na mesma altura que seu pai, mas sem
sucesso. Ao juiz do Crime do bairro do Andaluz, Inácio José de Morais, o
responsável directo pela sua detenção, Bocage tece rasgados elogios em
sonetos de homenagem, tentando ganhar a simpatia do juiz, mas também sem
sucesso.
A verdade é que todos eles acabam por ser, de uma maneira ou de outra,
conquistados pelo poeta, e todos tentam convencer Pina Manique a libertá-lo.
Mas o Intendente não cede a pressões, e não deixa de manter Bocage na
prisão. Primeiro tinha de ter a certeza de que Bocage se “reeducara”... Em
Dezembro de 1797, Bocage é transferido, a pedido de Pina Manique, para o
cárcere da Inquisição de Lisboa, no Palácio dos Estaus, no Rossio. Lá, é
submetido ao interrogatório de praxe, acusado de “compor obras heréticas”.
Meses depois, Bocage é finalmente dado como “confesso”, e transferido para o
Convento de São Bento da Saúde. Embora privado da sua liberdade, Bocage
encontra no mosteiro consolo dos tormentos sofridos na prisão do Limoeiro, e
no cárcere de Inquisição. O convento é grande, e das suas janelas pode ver o
Tejo. Encontra, além de boas refeições, livros importantes e interlocutores
cultos entre os beneditinos. Apesar de continuar a resistir aos dogmas da
religião católica, encontra ali paz e silêncio para longos períodos de reflexão,
quebrados apenas por algumas escapadelas que promove junto com Silva de
Oliveira Rolim para visitas proibidas aos botequins da cidade.
Bocage, apesar de preso pela Inquisição, começa a gozar de cada vez mais
prestígio público, e a ser bem visto pelo poder; os elogios que o poeta dedica
“aos faustíssimos anos do sereníssimo príncipe regente de Portugal chega a
ser recitado, a 13 de Maio de 1799, no Teatro do Salitre. Elogios deste tipo são
escritos pelo poeta com o intuito de “comprar” a sua liberdade.
Por insistência de José de Seabra Silva, Pina Manique acaba por permitir que
Bocage saia do convento, mas não ainda para a liberdade, ainda tinha mais um
passo a dar para a sua “reeducação”. Numa carta enviada ao corregedor do
bairro dos Remolares, o Intendente determina que Bocage fique recluso no
Real Hospício das Necessidades.
8. “A PENA DE TALIÃO”
Nove meses depois da sua entrada, Bocage abandona o Hospício e encontra
trabalho na Oficina Tipográfica, Calcográfica, Tipoplástica e Literária do Arco
do Cego. Em troca de traduções, revisões de provas, e aperfeiçoamento de
textos alheios, Bocage recebia o suficiente (24 mil reis mensais) para garantir o
pagamento de um ano de aluguer de um andar no Bairro Alto.
Entusiasmado pelo sucesso que o segundo volume de Rimas atinge, o
impressor Simão Tadeu Ferreira apresenta à Real Mesa da Comissão Geral
sobre o Exame e a Censura de livros pedido de licença para republicar o
primeiro tomo do Rimas. O volume acaba por cair nas mãos do censor
Francisco Xavier de Oliveira. A decisão de Bocage de subtrair algumas peças
publicadas na edição anterior e substituí-las por outras mais recentes fazem o
poeta entrar em polémica com o funcionário régio. O erotismo de alguns
sonetos – inadmissível na poesia dos arcades agora sob a alçada do
Intendente, mas marca registada do pré-romantismo de Bocage – acabou por
ser mal recebido pela Real Mesa de Censura. Bocage defende-se, dizendo que
na Ilha dos Amores, nos Lusíadas de Camões, há mais nudez e mais
indecência. De todas as objecções da Real Mesa, a uma Bocage não cedeu: a
de trocar a palavra “duro” quando se referia num soneto ao tribunal que o atirou
para a prisão do Limoeiro. Depois de um braço de ferro, a censura acaba por
permitir que a obra seja enfim publicada.
Ao mesmo tempo, em França, o general Napoleão Bonaparte toma conta do
poder em França, e começa a pressionar cada vez mais Carlos IV, rei de
Espanha e sogro do príncipe D. João, com o objectivo de isolar e aniquilar
Portugal, que insistia em manter-se fiel a Inglaterra.
Neste ambiente politicamente conturbado, Bocage parece ter definitivamente
deixado para trás a sua vida dissoluta de tardes e noites perdidas em
bebedeiras no Rossio. Enquanto as suas publicações anteriores à sua prisão,
em 1797, circulam clandestinamente de mão em mão por todo o Reino, Bocage
parece cada vez mais adaptado à situação de áulico do regime, até porque não
tinha outra hipótese: o contrário significava voltar para os calabouços.
Lisboa, no final de 1801, vive um dos seus Invernos mais rigorosos. Bocage
parece aos olhos do poder tão regenerado que o Intendente Pina Manique o
convida a participar de uma festa no Teatro de São Carlos. Mesmo doente, e
incapaz de sair da sua casa, o Intendente cuidou de tudo: não houve cobrança
de ingressos, mas a plateia foi escolhida a dedo: estavam presentes o príncipe
regente com D. Carlota Joaquina.
Habituado a desfrutar praticamente sozinho das atenções dos poderosos, já
que Bocage sempre fora visto como inimigo do regime, Agostinho Macedo não
suportou ter de dividir a condição de poeta favorito da Corte com Bocage.
Feroz defensor do trono e do altar, Macedo representa o próprio movimento
contrário ao das Luzes. Ao mesmo tempo, Bocage começa a radicalizar a sua
opção em favor dos ideiais iluministas, a ponto de se tornar uma das maiores,
senão a maior, do Iluminismo português. Os dois antigos amigos envolvem-se
novamente numa disputa literária. Agastado com os constantes ataques de
Macedo, Bocage regressa anos depois ao Aguilheiro dos Sábios, no Botequim
das Parras, para escrever de um fôlego a sátira “Pena de Talião”, em vésperas
da sua morte...
Bocage - Equipa Artística Bocage Miguel Guilherme
Nise Carla Bolito
Intendente Pina Manique Henrique Viana
Condessa Oyenhausen Margarida Marinho
José Pedro das Luminárias João Saboga
Padre Agostinho Macedo Manuel João Vieira
Cecília Bersane Mª João Luís
José David Bruno Bravo
António Bersane Fernando Luís
José Bersane João Vaz
Mantegui Anabela Teixeira
Mª Vicência Diana Costa e Silva
Ana Perpétua Filomena Cautela
Lunardi Rui Reininho
Padre Domingos Caldas Raul de Orofino
Pichelim Carlos Paca
Conde Pombeiro Filipe Crawford
Manuel Constâncio Filipe Ferrer
Duque de Lafões Rui Morrison
Diogo Borel João Didelet
Curvo Semedo Paulo Filipe Monteiro
Rainha D. Maria I Mª Emília Correia
Ana de Jesus Maria Sandra Faleiro
Joaquim Bingre Alvaró Correia
Padre Manuel Abreu e Lima Augusto Portela
Mª Francisca Patrícia Galiano
Toineta Antónia Terrinha
André da Ponte Dinarte Branco
Príncipe D. João André Gomes
Pedro José Solano Miguel Romeira
Maria Margarida Margarida Miranda
Pirré Carlos António
Gil Francisco Álvaro Faria
William Beckford Filipe Cary
Cambeiras João Pedro Benárd
Chicarro José Lopes
Resina Adelino Tavares
Baltazar Teófilo Pedro Lacerda
José Daniel Francisco Nascimento
Superior Padre Damião José Manuel Mendes
Juiz Inácio José Francisco Pestana
Frei Mariano João Ricardo
Velha do Rossio Teresa Madruga
Bocage – Ficha Técnica Realizador Fernando Vendrell Directora de Produção Patrícia Almeida Chefe de Produção Ivo Moura Alves Coordenador de Produção Alberto Cardoso Director de Fotografia José António Loureiro Director de Som José Barahona ECORAÇÃO | GR Chefe Decoração Fernando Areal Aderecista Jorge Silva Chefe Guarda Roupa Silvia Grabowski Chefe Maquilhagem Sandra Pinto Chefe Cabelos Marian de Graef LECTRICISTA | GRUPISTA Chefe Iluminador / Controlador de Imagem Helder Loureiro MAQUINARIA Chefe Maquinista Afredo Ramalho (Alchê) Conceito Produções Fictícias e Fernando Vendrell Guião: Mário Botequilha e Filipe Homem Fonseca
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