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Itabuna 2017
GENILSON OLIVEIRA SILVA
ASPECTOS TERAPÊUTICOS E TOXICOLÓGICOS NO SISTEMA ENDOCANABINÓIDE EM PORTADORES DE
EPILEPSIA
Itabuna 2017
ASPECTOS TERAPÊUTICOS E TOXICOLÓGICOS NO SITEMA ENDOCANABINÓIDE EM PORTADORES DE
EPILEPSIA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à União Metropolitana de Educação e Cultura, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Farmácia.
Orientador: MSc. Flávia Debiagi
GENILSON OLIVEIRA SILVA
GENILSON OLIVEIRA SILVA
ASPECTOS TERAPÊUTICOS E TOXICOLOGICOS NO SISTEMA
ENDOCANABINÓIDE EM PORTADORES DE EPILEPSIA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à União Metropolitana de Educação e Cultura, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Farmácia.
BANCA EXAMINADORA
Prof(ª). MSc. Ana Carolina Moraes de Santana
Prof(º). Esp. Glesley Vito Lima Lemos
Prof(º). MSc. Márcio Amorim Tolentino Lima
Itabuna, 5 de dezembro de 2017
Dedico este trabalho à minha família,
aos acadêmicos do curso de
farmácia e amigos, em especial
Linda Marta, Rita, Jai e Danillo pelas
palavras de incentivo e apoio.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, ao Universo, às forças vitais e, aos meus ancestrais
pela carga genética a mim transferida.
Às professoras Íris Terezinha e Fernanda Azevedo pela iluminação e
esclarecimentos transmitidos durante a elaboração desse trabalho.
Aos colaboradores e amigos Uesquianos pela disponibilização ao acesso
gratuito à artigos científicos.
À tutora/orientadora Flávia Debiagi pelo rigor técnico e arguições que
foram imprescindíveis para a melhoria desse trabalho.
Obrigado!
SILVA, Genilson Oliveira. Aspectos toxicológicos e terapêuticos no sistema endocanabinóide em portadores de epilepsia. 2017. 32. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Farmácia) – União Metropolitana de Educação e Cultura, Itabuna, 2017.
RESUMO
A epilepsia é uma síndrome caracterizada por convulsões recorrentes oriundas de alterações cito elétricas asincrônicos. A relação entre a epilepsia com a Cannabis sativa se dá pela semelhança no agonismo de CB1 dos fitocanabinóides com os endocanabinóides. Estas substâncias exercem agonismo em grupos específicos de neurônios pós-sinápticos, sobretudo no sistema nervoso central e periférico, desenvolvendo respostas inibitórias e/ou excitatórias na transdução de importantes mensageiros bioquímicos no organismo com sinalização às respostas fisiológicas. Acredita-se que essas interações desenvolvam efeitos clínicos significativos em pacientes portadores de epilepsia. Sendo assim, o objetivo geral desse trabalho foi abordar sobre os efeitos tóxicos e terapêuticos da C. sativa em epilépticos, para isso utilizou-se como metodologia o método de revisão integrativa conforme preconizado por Cooper (1984), utilizando como critério de inclusão artigos disponíveis nas bases de dados do Google Schollar, PubMed e Scielo, publicados em inglês, português ou espanhol, além de livros, monografias e pareceres técnicos de agências regulatórias. Os dados na literatura são conflitantes quanto aos efeitos tóxicos da cannabis. Com os parâmetros pesquisados não foram encontrados estudos relacionando dose/efeito em pacientes portadores de epilepsia. Assim, para corroborar a ideia dos efeitos terapêuticos da C. sativa são necessários delineamentos e estudos pré-clínico com diferentes dosagens de canabinóides em modelos portadores da síndrome epiléptica, para garantir maior segurança e garantir efetividade na terapêutica destes pacientes. Palavras-chave: Cannabis sativa; Canabinóide; Canabidiol;
Tetraidrocanabinol; Epilepsia.
SILVA, Genilson Oliveira. Therapeutic and toxicological aspects in the endocanabinoid system in epilepsy patients. 2017. 32. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Farmácia) – União Metropolitana de Educação e Cultura, Itabuna, 2017.
ABSTRACT
Epilepsy is a syndrome characterized by recurrent seizures arising from asynchronous cytoelectric changes. The relationship between epilepsy and Cannabis sativa is due to the similarity in the CB1 agonism of phytochanabinoids with endocannabinoids. These substances exert agonism on specific groups of postsynaptic neurons, mainly in the central and peripheral nervous system, developing inhibitory and / or excitatory responses in the transduction of important biochemical messengers in the organism with signaling to the physiological responses. These interactions may develop significant clinical effects in patients with epilepsy. Therefore, the general objective of this work was to address the toxic and therapeutic effects of C. sativa in epileptics. For this purpose, the method of integrative review as recommended by Cooper (1984) was used as a criterion of inclusion articles available in the Google Schollar, PubMed and Scielo databases, published in English, Portuguese or Spanish, as well a books, monographs and technical opinions of regulatory agencies. The literature data are conflicting about the toxic effects of cannabis. With the parameters searched, no dose / effect studies were found in patients with epilepsy. Highlighting this prospections, to confirm the idea of the therapeutic effects of C. sativa, it is necessary to design and pre-clinical trials with different dosages of cannabinoids in models with epileptic syndrome, in order to guarantee greater safety and ensure effectiveness in the therapeutics of these patients.
Key-words: Cannabis sativa; Canabinoid; Cannabidiol; Dronabinol; Epilepsy.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
2-AG – 2-araquidonil-glicerol
AMPc – Monofosfato cíclico de Adenosina
ANVISA – Agencia Nacional de Vigilância Sanitária
CBD – Canabidiol
cDNA - Ácido Desoxirribonucleico complementar
CID-10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados a Saúde
DCB – Denominação Comum Brasileira
FTN – Formulário Terapêutico Nacional
ILAE – International League Against Epilepsy
IUPHAR – International Union of Basic and Clinical Pharmacology
LBE – Liga Brasileira de Epilepsia
NADA – N-araquidonil- dopamina
OMS – Organização Mundial de Saúde
PCDT – Protocolo Clinico e Diretrizes Terapêuticas
PET – Tomografia por Emissão de Pósitrons
PRM – Problema Relacionado ao Medicamento
RDC – Resolução da Diretoria Colegiada
RENAME – Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
RM – Ressonância Magnética
SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
SIM – Sistema de Informação sobre Mortalidade
SNC – Sistema Nervoso Central
TC – Tomografia Computadorizada
Δ9 -THC – Tetraidrocanabinol
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1 CANNABIS SATIVA E O SISTEMA ENDOCANABINÓIDE .................................. 12
2 USO DE DERIVADOS CANABINÓIDES EM PACIENTES PORTADORES DE EPILEPSIA .......................................................................................................... 17
3 RESPOSTAS FARMACOLOGICAS E POSSIVÉIS EFEITOS TÓXICOS NO USO DE CANABINÓIDES EM PORTADORES DE EPILEPSIA .............................. 22
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 27
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 28
9
INTRODUÇÃO
A epilepsia é uma síndrome caracterizada por alterações cito elétricas
em um ou mais conjunto de células neuronais ocasionando descompensações
nas transmissões sinápticas.
Essas alterações podem ser classificadas em: generalizada, quando a
origem tem início em algum ponto cortical e distribui-se bilateralmente para
outras regiões; focal, originada dentro de redes limitadas a um hemisfério
cerebral; combinada, pode apresentar características tanto da generalizada
quanto da focal, ou desconhecida.
Nas subclassificações das crises generalizada ou focal as principais
denominações atualmente aceitas pela Liga Internacional Contra Epilepsia
(International League Against Epilepsy – ILAE) e adotadas pela Liga Brasileira
de Epilepsia (LBE), inclui: crises de ausência, a pessoa se desliga da realidade
por alguns segundos; crises parciais simples, existe distorção das percepções
ou ocorre movimento descontrolado de uma parte do corpo, se evoluir com
perda de consciência denomina-se como parcial complexa; crises tônico-
clônicas, há perda de consciência, queda e tremor. Sua etiologia pode ser
estrutural, genética, infecciosa, metabólica, tumoral, de doenças neurológicas,
abuso de drogas ou ser de origem idiopática.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017), cerca de
70% dos pacientes respondem satisfatoriamente ao tratamento
farmacoterapêutico convencional. Contudo, 30% dos portadores desta
síndrome apresentam recorrência das crises epilépticas, gerando
comorbidades como problemas de aprendizagem e/ou comportamental,
desconforto psicossocial e agravos neurológicos.
Sendo assim, a busca por terapias alternativas vem comovendo a
comunidade cientifica no propósito de sanar as lacunas existentes no processo
fisiopatológico desta doença. Neste cenário, merece destaque o uso dos
fitocanabinóides derivados da planta Cannabis sativa, por existirem relatos da
sua eficácia terapêutica.
Embora existam relatos de melhorias clinicas com os usuários de
canabinóides, esses dados são carentes de estudos que corroborem sua
10
segurança e eficácia terapêutica sobretudo, com descrições acerca dos efeitos
farmacológicos e toxicológicos dos fitocanabinóides em pacientes portadores
de epilepsia.
Nesse sentido, o objetivo geral desse trabalho foi abordar sobre os
efeitos tóxicos e terapêuticos da C. sativa em pacientes portadores de
epilepsia. Para isso utilizou-se como objetivos específicos: a) Relacionar o
sistema endocanabinóide com a planta Cannabis sativa; b) Contextualizar o
uso de canabinóides em pacientes portadores de epilepsia; c) Abordar sobre as
respostas farmacológicas e possíveis efeitos tóxicos no uso de canabinóides
por portadores de epilepsia.
Diante à recente inclusão da C. sativa na Denominação Comum
Brasileira (DCB), e a liberação do registro do primeiro medicamento a base de
Δ9-THC e CBD no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA) para a terapêutica da esclerose múltipla, abre-se a oportunidade de
inclusão de medicamentos contendo estes compostos, que também podem ser
utilizados no tratamento de outras doenças, inclusive da epilepsia, uma vez que
estes produtos até então não são registrados no país. No entanto, surge a
necessidade de adequação na utilização desta droga com delineamentos às
respostas biológicas no processo patológico quanto a inserção de um ou mais
canabinóides na terapêutica dos pacientes.
Para o desenvolvimento do presente trabalho foi utilizado o método de
revisão integrativa, conforme preconizado por Cooper (1984) os critérios dessa
metodologia apresentam a vantagem de possibilitar uma redução de incertezas
pois permite a inclusão de referências experimentais ou não experimentais
ampliando a compreensão do tema de interesse. Sendo assim, foram
realizados estudos de materiais bibliográficos publicados em compêndios
científicos disponíveis nas bases de dados do Google Schollar, PubMed e
Scielo. Também foram considerados livros, monografias, publicações de
agências regulatórias e seus pareceres técnico científicos.
As coletas de dados foram direcionadas após análise crítica de leituras
de títulos e resumos de artigos de autores de referência na área.
Foi considerado como critério de inclusão os dados literários publicados
nos idiomas português, inglês ou espanhol utilizando os seguintes descritores:
11
Cannabis sativa, Canabinóide, Receptores de canabinóides, Canabidiol,
Tetraidrocanabinol e Epilepsia.
12
1 CANNABIS SATIVA E O SISTEMA ENDOCANABINÓIDE
A cannabis sativa L. (1753), é uma angiosperma dióica, herbácea,
arbustiva, da família Cannabaceae, gênero Cannabis, com distribuição global e
predileção por regiões tropicais (IPNI.ORG, 2017). A planta masculina
geralmente morre após a polinização da feminina (HONÓRIO; ARROIO; da
SILVA, 2006).
As flores da planta fêmea possuem tricomas glandulares que secretam
resina. Esta secreção é o produto mais utilizado sendo conhecida como
“haxixe” na Europa. Contudo, também podem ser utilizadas outras partes da
floração do topo da erva com finalidade recreacional. Assim, denomina-se de
“ganja” na Índia, “Kinf” na África do Norte, “dagga” na África do Sul,
“marihuana” na América do Norte e “maconha” no Brasil (MECHOULAM;
GAONI,1967).
Historicamente diversos povos exploram a C. sativa por suas
propriedades medicinais há milhares de anos. Os registros são datados de
cerca de 3000 a.C com relato de uso pelos chineses para tratamentos de
reumatismo, beribéri, malária e problemas de memória (EARLEYWINE, 2002).
Mechoulam e Carlini (1978) frisam a utilização da C. sativa na Índia
como agente hipnótico, analgésico e espasmolítico em condições mentais e
também para aumentar a resistência do corpo ao estresse físico.
O desenvolvimento de pesquisas envolvendo os fitocanabinóides era
direcionado apenas para o isolamento e caracterização química destes
compostos. Assim, muitos dos principais canabinóides não tiveram suas
estruturas elucidadas até a década de 1960 devido às dificuldades impostas
pelas restrições legais (PERTWEE, 2004).
Em consequência destas restrições o sistema endocanabinóide
permaneceu desconhecido. No entanto, Carlini et al. (1973) relataram a
propriedade anticonvulsivante do CBD e até meados da década de 1980
quando Devane et al. (1988), publicaram um trabalho intitulado “Determinação
e caracterização de um receptor canabinóide em cérebro de ratos” tornou-se
possível elucidações e teorias sobre os mecanismos de ações e respostas
fisiológicas dos canabinóides.
13
Posteriormente, Herkenham et al. (1991) mapearam estes receptores no
cérebro de camundongos, onde são expressos massivamente, com
autorradiografas. A partir de então, com viés nos trabalhos de Matsuda et al.
(1990), que caracterizaram estas proteínas como heterodímeros acoplados a
proteína G, com atividade inibitória da enzima adenilatociclase, estes alvos
moleculares ganharam potencial à farmacoterapia uma vez que diminui a
produção nos níveis de monofosfato cíclico de adenosina (AMPc).
Estes receptores foram denominados pela União Internacional de
Farmacologia Básica e Clínica (International Union of Basic and Clinical
Pharmacology - IUPHAR), como receptores CB1 e CB2 levando em
consideração sua ordem de descoberta (HOWLETT et al., 2002).
O receptor CB1 foi localizado em grandes concentrações no sistema
nervoso central (SNC) nos terminais pré-sinápticos (HERKENHAM et al.,
1991). Já o CB2, inicialmente foi descoberto nos tecidos imunológicos
periféricos (MUNRO; THOMAS; ABU-SHAAR, 1993), e posteriormente no
SNC, porém em pequenas quantidades (VAN SICKLE et at., 2005).
Nas sinapses glutamátergica e GABAérgica, local de grande
concentração dos receptores canabinóides, sobretudo o CB1, a ligação com os
canabinóides tendem a reduzir a probabilidade de ligação do ácido γ-
aminobutírico ou glutamato, modulando a neurotransmissão excitatória ou
inibitória de acordo com a região de ligação (DI et al., 2005).
A ativação do CB1 inibe os canais pré-sinápticos de cálcio através da
inibição da proteína G (WILSON; KUNOS; NICOLE, 2001), abertura dos canais
de potássio e estimulação de proteínas quinases (MATOS et al., 2006), em
consequência dessa ação há um decréscimo drástico na probabilidade de
liberação de neurotransmissores e transmissão do impulso nervoso. Contudo,
Carvalho e Van Backstaele (2012), relatam a modulação para liberação de
outros tipos de neurotransmissores como a norepinefrina.
Originalmente o termo "canabinóide" fazia referência a um grupo de
compostos terpenofenólicos, os fitocanabinóides, contendo vinte e um átomos
de carbono, encontrados exclusivamente na Cannabis sativa (MECHOULAM;
GAONI, 1967) e seus produtos de transformação bem como seus análogos
estruturais e ácido carboxílico (OGA, 2014). Então, surge a necessidade de
14
tirar a restrição farmacognóstica e adotar um termo mais amplo, considerando
a farmacologia e rotas de síntese química. Nesse aspecto, sua atual
nomenclatura faz referência a todos os ligantes aos receptores CB1 e/ou CB2,
incluindo análogos sintéticos, compostos relacionados e os ligantes endógenos
(OGA, 2014).
Embora, a Cannabis sativa seja uma droga ilícita com adeptos ao seu
consumo recreativo por todo o mundo, existe um crescente interesse em seus
potenciais terapêuticos (CILIO; THIELE; DEVINSKY, 2014; MAA; FIGI, 2014;
SUMANASEKERA; SPIO, 2016), uma vez que essa espécie vegetal possui
mais de 100 compostos denominados de fitocanabinóides que são únicos dela
(BRENNEISEN, 2007).
Os principais fitocanabinóides com atividade no sistema nervoso central
são os monoterpenos, o delta-9-tetraidrocanabinol (Δ9-THC) e canabidiol (CBD)
(SANTOS et al., 2015).
O Δ9-THC é responsável pela produção dos efeitos psicoativos enquanto
o CBD é isento desta psicoatividade (CARBUTO et al., 2011; MORGAM et al.,
2010). Estes compostos estão sob a forma de ácidos carboxílicos,
correspondentes na planta in natura, cuja a atividade farmacológica só ocorre
após a descarboxilação oriunda de processos de ressecamento, durante a
estocagem ou após a pirólise (OGA, 2014).
A relação entre o sistema endocanabinóide e os fitocanabinóides só se
tornou possível devido aos estudos de caracterização de receptores
canabinóide publicado por Devane et al. (1988) demostrando a afinidade
especifica do Δ9-THC, substância elucidada por Mechoulam e Gaoni em 1967,
pelos receptores canabinóides no sistema nervoso central. Assim, com base na
clonagem utilizando arranjos de cDNA, por Matsuda et al. (1990), e
mapeamento dessas proteínas, como demostrado por Herkenham et al. (1991),
foi possível associar a capacidade de ligação dessas substancias modulando
as vias da dor, do controle motor (gânglios basais e cerebelo), da memória e
aprendizagem (hipocampo), e do prazer (núcleo accumbens) (OGA,2014).
O sistema endocanabinóide consiste das rotas metabólicas, dos
agonistas endógenos, dos receptores, das enzimas que catalisam a
biossíntese e degradação de reações de todos os mecanismos de ajustes
15
fisiológicos responsáveis pela sinalização e transdução do sinal bioquímico
dessas substâncias no organismo (SAITO; WOTJAK; MOREIRA, 2010).
A descoberta e caracterização dos receptores canabinóides foi um
marco revolucionário no campo das ciências biológicas e da saúde pois até
então não se sabia da ocorrência dos moduladores endógenos. Assim,
levantada a possibilidade de existência de canabinóides sintetizados pelo
próprio organismo, uma série de estudos foram direcionados para elucidar as
funções dos endocanabinóides.
Merece destaque, pelo pioneirismo, um grupo de pesquisadores liderado
por Devane, em 1992, que isolaram e caracterizaram a estrutura de um
componente cerebral que se ligava ao receptor canabinóide. Esse componente
foi o araquidoniletanolamida, denominado anandamida, palavra oriunda do
sânscrito ananda, que significa “felicidade”, derivado do ácido araquidônico em
tecidos do cérebro suíno.
No referido estudo, a estrutura desse composto foi determinada por
espectrometria de massas e espectrometria por ressonância magnética nuclear
e confirmada por síntese.
Após a caracterização, foi sugerido que a anandamida funciona como
um ligante natural para o receptor canabinóide, demostrando um efeito
característico de canabinóides psicotrópicos (DEVANE et al., 1992).
Posteriormente, Mechoulam et al. (1995) identificaram o 2-araquidonil-
glicerol (2-AG) em intestino canino. Dando seguida a essas descobertas,
também foram identificados o 2-araquidonil-éter-glicerol (noladina), a N-
araquidonil-dopamina (NADA) e a O-araquidonil-etanolamida (virodamina)
(PETROCELLIS; MARZO, 2009). Contudo, ao contrário do esperado os
endocanabinóides são estruturalmente diferentes do Δ9-THC embora
apresentem uma elevada similaridade na interação com os receptores CB1,
desencadeando a mesma via de sinalização intracelular (OGA, 2014).
Esses ensaios indicaram a origem dos endocanabinóides proveniente de
precursores membranares do ácido araquidônico, derivados de lipídios poli-
insaturados de cadeia longa.
Um ponto crucial que difere os endocanabinóides de outros
neurotransmissores clássicos a exemplo da acetilcolina, do glutamato, do
16
GABA, da dopamina e da serotonina, é que estes não são armazenados em
vesículas, ou seja, não necessitam de influxo de cálcio para serem liberados na
fenda sináptica e existem mecanismos específicos que determinam sua
captação e degradação, tendo o início em ações fisiológicas dependentes da
síntese e não da liberação vesicular (MARZO et al., 1998).
Outra característica particular aos endocanabinóides é a
neurotransmissão retrógrada, eles são originados nos neurônios pós-sinápticos
e se ligam nos receptores canabinóides inseridos na membrana dos pré-
sinápticos, essa sinalização sugere que os canabinóides tenham um papel
importante na modulação da liberação ou bloqueio de uma grande variedade
de neurotransmissores (PIOMELLI, 2003). Essa atividade promove uma
homeostase nas variações excessivas possivelmente controlando a excitação
ou inibição neuronal (PIOMELLI, 2003).
O perfil bioquímico destes receptores permite uma ampla variedade de
interações com os compostos exógenos, sobretudo com os derivados
fitocanabinóides. Nesse sentido, o padrão da resposta farmacológica merece
uma atenção especial dada a complexidade e amplitude de distribuição desses
sítios de ligação em regiões especificas de controle motor, emocional, da
memória, do aprendizado, entre outras, no sistema nervoso central.
17
2 USO DE DERIVADOS CANABINÓIDES EM PACIENTES PORTADORES
DE EPILEPSIA
A epilepsia é uma síndrome caracterizada por convulsões recorrentes
oriundas de alterações cito elétricas em um ou mais conjunto de células
neuronais ocasionando descompensações excessivas e asincrônicos nas
transmissões sinápticas (WHO, 2017).
A Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE, 2017) classifica essa
síndrome em três grandes grupos. São denominadas de síndromes
generalizadas quando a origem da descarga elétrica tem início em um ponto
cortical e distribui-se bilateralmente para outras regiões do cérebro; focal,
originada dentro de redes limitadas a um hemisfério cerebral e a combinada,
que pode apresentar características tanto da generalizada quanto da focal, ou
ser desconhecida.
O termo desconhecido é utilizado em situações que o clinico não detém
evidências suficientes para enquadrar a síndrome em focal ou generalizada,
contudo denota a presença do quadro epiléptico no paciente (FISHER et al.,
2017).
Em crises generalizadas o indivíduo pode apresentar uma variedade de
sinais e sintomas ocasionados por crises de ausência, crises mioclônicas,
crises atônicas, crises tônicas e tônico-clônica (FISHER et al., 2017). Já na
descompensação focal pode ser encontrada crises focais perceptivas, crises
desperceptivas ou com comprometimento da percepção, crises focais motoras
e não motoras que podem inclusive evoluir para uma crise tônico-clônica
(FISHER et al., 2017).
Nas subclassificações das crises generalizadas ou focal as principais
denominações atualmente aceitas pela ILAE e adotadas pela LBE inclui:
- Crises de ausência ou pequeno mal: a pessoa se desliga da realidade
por alguns segundos;
- Crises parciais simples: existe distorção das percepções ou ocorre
movimento descontrolado de uma parte do corpo;
- Parcial complexa (grande mal): inicia-se com distorção das percepções
ou movimentos asincrônicos evoluindo com perda de consciência;
18
A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados a Saúde (CID-10) enquadra a epilepsia em nove grupos com
critérios de definição de G40.0 à G40.8 conforme os códigos abaixo:
- G40.0: Epilepsia e síndromes epilépticas idiopáticas definidas por sua
localização (focal) (parcial) com crises de início focal;
- G40.1: Epilepsia e síndromes epilépticas sintomáticas definidas por sua
localização (focal) (parcial) com crises parciais simples;
- G40.2: Epilepsia e síndromes epilépticas sintomáticas definidas por sua
localização (focal) (parcial) com crises parciais complexas;
- G40.3: Epilepsia e síndromes epilépticas generalizadas idiopáticas;
- G40.4: Outras epilepsias e síndromes epilépticas generalizadas;
- G40.5: Síndromes epilépticas especiais;
- G40.6: Crise de grande mal, não especificada (com ou sem pequeno
mal);
- G40.7: Pequeno mal não especificado, sem crises de grande mal;
- G40.8: Outras epilepsias.
A etiologia destas síndromes pode ser de origem congênita estrutural,
genética, infecciosa, metabólica, tumoral, de doenças neurológicas, abuso de
drogas, de origem idiopática ou multifatorial (SHORVON, 2011).
Segundo o Protocolo Clinico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) publicado
em 2010 com atualização para 2015, a estimativa da prevalência de epilepsia
ativa está em torno de 0,5 a 1,0% da população mundial.
Os dados epidemiológicos no Brasil remota há cerca de duas décadas
atrás. Em levantamento de informações de obituários no período de 1980 a
2003 realizados por Ferreira e Silva (2009) estima-se que 1,4% da população
brasileira portavam epilepsia, nesse mesmo intervalo de tempo foram
registrados 32.655 óbitos decorrentes ou ocasionadas por eventos inerentes às
complicações da epilepsia. Desse total 3,98% ocorreram na região Norte,
17,28% no Nordeste, 51,02% no Sudeste, 20,70% no Sul e 7,02% no Centro
Oeste.
Ferreira e Silva (2009) supõem que esse índice estatístico elevado de
mortalidade na região Sudeste seja decorrente de limitações na alimentação de
19
dados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) oriundos de
subnotificações, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
O diagnóstico desta síndrome segue as normas do PCDT (2015)
podendo ser clinico ou complementar de acordo com alguns critérios de
inclusão.
No diagnóstico clinico é realizada uma avaliação psiquiátrica e
neurológica detalhada baseadas em exames físicos e história detalhada do
período de início das crises, da duração e frequência das ocorrências entre as
crises. Para o diagnóstico complementar o exame principal é o
eletroencefalograma, porem a ressonância magnética (RM) e a tomografia
computadorizada (TC) podem ser solicitadas quando a suspeita da causa for
estrutural (PCDT, 2015).
Após o fechamento do diagnóstico o paciente é direcionado para a
prescrição da terapia medicamentosa que inclui drogas anticonvulsivantes
(PCDT, 2015). Essas drogas atuam no sistema nervoso a nível central por
quatro mecanismos, bloqueando canais de cálcio dependentes de voltagem;
bloqueio de canais de sódio; ligação com a proteína SV2A e por aumento do
influxo de íons cloreto nos neurônios (BRUNTON, 2012).
A lista de medicamentos conforme o nome de registro genérico
disponível na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME, 2017)
indicados à terapêutica para melhoria da qualidade de vida e menor incidência
de reações adversas aos pacientes portadores de epilepsia (PCDT, 2015) inclui
os barbitúricos (fenobarbital e primidona), os benzodiazepínicos (clobazam,
clonazepam e diazepam), hidantoínas (fenitoína), iminoestilbenos
(carbamazepina), succinimidas (etossuximida), o valproato de sódio e o sulfato
de magnésio e outros (gabapentina, lamotrigina, topiramato e vigabatrina).
Conforme indicam o Formulário Terapêutico Nacional (FTN, 2010) e o
PCDT (2015) o início do tratamento com anticonvulsivantes deve ter como
base a avaliação de alguns critérios de risco que incluem a possibilidade de
recorrência das crises, os efeitos adversos do medicamento que será escolhido
e as consequências que poderão ser geradas para o paciente caso as crises
continuem.
20
Seguindo as normas clinicamente estabelecidas e aplicáveis ao portador
de epilepsia, a terapia medicamentosa adotada pode ser em monoterapia ou
em combinações de dois ou mais fármacos de acordo com a necessidade do
paciente (PCDT, 2015). Essa diretriz informa o que preconiza a ILAE (2017), a
escolha da farmacoterapia é realizada com base em evidências sobre eficácia
e efetividade da terapia de acordo a classificação da síndrome e o grupo etário
seguindo os critérios:
- Carbamazepina para crianças acometidas com epilepsia focal;
- Associação de carbamazepina, fenitoína e ácido valproico para adultos
com crises focais;
- Gabapentina e lamotrigina para pacientes a partir da sexta década de
vida;
- Critérios indeterminados para adultos e crianças com crises tônico-
clônicas generalizadas, crianças com crises de ausência e epilepsia juvenil
mioclônica.
Após o início do tratamento a maioria dos pacientes necessitam de
ajuste de dosagens para evitar a estreitamento entre a frequência das crises
convulsivas ocasionadas sobretudo por tolerância aos medicamentos (PCDT,
2015), ou efeitos de indução enzimática (BRUNTON, 2012). Nesse sentido, o
paciente ou o acompanhante são orientados a tomarem cautelas quanto aos
hábitos de vida evitando exposição a situações que viabilizem o início das
crises como a privação de sono ou o uso abusivo do álcool (PCDT, 2015).
O critério determinante a não adesão ao tratamento prescrito é o
surgimento das reações adversas pois irá interferir diretamente na comodidade
posológica e qualidade de vida do paciente (BISSON, 2016) podendo
ocasionar danos graves e irreversíveis (PCDT,2015). Esse problema
relacionado ao medicamento (PRM) enquadra-se no critério de PRM de
efetividade quando o medicamento não é efetivo ou está em dosagem
subterapêutica ou, PRM de segurança quando ocorre reações adversas ou a
dosagem é elevada de mais atingindo níveis tóxicos cabendo intervenção da
equipe multiprofissional para solucionar esse caso (BISSON, 2016).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2017) cerca de
70% dos pacientes epilépticos respondem satisfatoriamente ao tratamento
21
farmacoterapêutico convencional. Contudo, 30% dos portadores desta
síndrome apresentam recorrência das crises epilépticas (OMS, 2017), gerando
comorbidades como problemas de aprendizagem e/ou comportamental,
desconforto psicossocial e agravos neurológicos (FISHER et al., 2005).
Mediante ao grande número de pacientes que não respondem
satisfatoriamente às alternativas terapêuticas atualmente disponíveis (OMS,
2017) no Brasil surge a necessidade de adequação de terapias alternativas
para essas pessoas (ANVISA, 2015).
A Cannabis sativa tem atraído amplamente os olhares da comunidade
cientifica que visam sua aplicação em potenciais propriedades terapêuticas.
Nesse sentido a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) cria a RDC
número 17 de 2015 que permite, mediante prescrição médica, a importação de
produtos à base de CBD em associação com Δ9-THC para tratamentos de
saúde.
A autorização de compra do medicamento expedido pela Agencia
necessita de controle supervisionado em atendimento a critérios do acordo
internacional de drogas proscritas uma vez que até o momento da publicação
da RDC 17/2015 não existiam medicamentos à base do composto registrado
no pais (ANVISA, 2015).
Contudo, recentemente houve a inclusão da C. sativa na Denominação
Comum Brasileira (DCB), seguido da liberação do registro do primeiro
medicamento a base de CBD e Δ9-THC no Brasil pela ANVISA para a
terapêutica da esclerose múltipla (ANVISA, 2017). Esses acontecimentos
abrem a oportunidade de inclusão de medicamentos contendo estes
compostos para o tratamento da epilepsia. No entanto, surge a necessidade de
adequação na utilização desta droga com delineamentos às respostas
biológicas no processo patológico quanto a inserção de um ou mais
canabinóide na terapêutica dos portadores de epilepsia.
22
3 RESPOSTAS FARMACOLOGICAS E POSSIVÉIS EFEITOS TÓXICOS NO
USO DE CANABINÓIDES EM PORTADORES DE EPILEPSIA
Canabinóide é um termo amplo que engloba uma série de moléculas
dentro de uma família de compostos químicos estruturalmente diversificados
com grande potencial em desenvolver respostas biológicas a nível de sistema
nervoso central e periférico (ALVES; SPANIOL; LINDEN, 2012). Essas
substâncias podem ser divididas em quatro grupos de acordo com sua
classificação química (PERTWEE, 2008).
Alves, Spaniol e Linden (2012) definem esses grupos em quatro classes,
sendo elas:
- Canabinóides clássicos: têm em comum a estrutura tricíclica dos
canabinóides. Nessa classe os mais estudados são o Δ9-THC, o canabinol e o
canabidinol atuando respectivamente nos receptores CB1 e CB2 como
agonista parcial, agonista fraco e antagonista;
- Ciclo-Hexilfenóis: compõem os canabinóides análogos dos
canabinóides clássicos bicíclicos ou tricíclicos. Os principais representantes
sintéticos são CP-55,940, CP-47,497 e seus homólogos;
- Aminoalquilindóis: neste grupo os principais representantes sintéticos
são o WIN-55,212-2, o JWH-015 e o JWH-018. Apesar de possuírem estrutura
química completamente diferente dos demais canabinóides ainda assim
produzem resposta canabiméticas;
- Endocanabinóides: são compostos endógenos derivados de
precursores de fosfolipídios de membrana celular. Os mais estudados são o 2-
AG, a nalodina, a anandamida e a oleamida.
Nesse sentido, os canabinóides clássicos merecem destaque devido ao
curso de pesquisas que sugerem seus possíveis potenciais terapêuticos.
Sendo assim, o Δ9-THC e o CBD são substâncias inclusas nessa classe
(ALVES; SPANIOL; LINDEN, 2012) que merecem um direcionamento especial
pois possuem propriedades contrastantes, os dois agentes desempenham
atividade neuromoduladora, contudo o segundo é isento de desenvolver efeitos
psicoativos (CILIO; THIELE; DEVINSKY, 2014).
23
Além de não desenvolver eventos psicoativos, segundo Schubart et al.
(2013) existe uma possível relação entre a capacidade antipsicótica do CBD
com seu potencial em ampliar a biodisponibilidade de anandamida na fenda
sináptica bloqueando a sua recaptação e degradação.
A capacidade do CBD em ser utilizado em ampla faixa de concentração
por diferentes vias de administração sem desenvolver, significativamente,
eventos adversos, eventos tóxicos ou tolerância é um aspecto positivo da sua
aplicação (BERGAMASCHI et al., 2011). Esta evidencia torna-se atraente ao
se fazer um cruzamento de dados com estudos desenvolvidos por Morgan e
Curran (2008) utilizando amostras de cabelos de pessoas que utilizaram a
cannabis fumada.
No referido estudo, foi detectado que a presença de CBD em cepas de
cannabis tem ação protetora contra os efeitos psicóticos induzidos por Δ9-THC
(MORGAN; CURRAN, 2008).
Assim, tendo em vista os ensaios desenvolvidos por Hampson et al.
(1998) a associação do uso de CBD e Δ9-THC é uma possibilidade a ser
considerada na terapêutica de inúmeras desordens psíquicas e motoras
causadas por descompensações neuronais.
Para corroborar a perspectiva os pesquisadores fizeram uma cultura de
células neuronais de ratos expostas a níveis tóxicos de glutamato, constatou-se
que a toxicidade do glutamato foi reduzida tanto pelo CBD quanto pelo Δ9-THC,
porem o grau de proteção do primeiro canabinóide foi maior. Esses dados
possibilitou a confirmação das propriedades neuroprotetoras e antioxidantes do
CBD E Δ9-THC inibindo a excitotoxicidade mediada por receptores N-metil-D-
asparto e por receptores de ácido 2-amino-3-propinóico em situações de
trauma e doenças neurodegenerativas (HAMPSON et al., 1998).
Embora existam estudos dos benefícios da associação do Δ9-THC e o
CBD modulando o equilíbrio na resposta neuronal, Cilio, Thiele e Devinsky
(2014) direcionam seus olhares para o segundo composto pois os estudos
básicos e pesquisas fornecem evidências de segurança e suas propriedades
anticonvulsivantes.
Em modelos animais o Δ9-THC mostrou-se eficiente na resposta
anticonvulsivante, mas para algumas espécies a substancia é proconvulsivante
24
(MARTIN; CONSROE, 1976). Já o CBD apresenta atividade anticonvulsivante
mais consistente e os dados recentes indicam que sua efetividade é dose
dependente seguindo um padrão sinusoidal (MECHOULAN et al., 2007).
Cunha et al. (1980) utilizando um ensaio duplo-cego com pacientes
epilépticos que não respondiam satisfatoriamente ao tratamento convencional à
terapia antiepiléptica sugeriu a atividade potencializadora do CBD a outros
fármacos utilizados na terapêutica destes pacientes. Essa atividade foi
delineada por Maa e Figi (2014) ao descreverem o caso Charlote, a paciente foi
diagnosticada com epilepsia tônico-clônica generalizada com uma frequência
de até 50 crises convulsivas por dia e não respondia ao uso do clobazam.
Sendo assim, a paciente começou a utilizar um extrato de alta
concentração de CBD (CBD: Δ9-THC) aumentando a dosagem gradativamente
e após 20 meses do uso a frequência das crises tinham diminuído em 90%,
apresentando apenas 2 a 3 convulsões noturna. Dessa maneira, iniciou-se o
desmame do clobazam, e após um mês ela fazia apenas o uso do CBD
sublingual 2 mg por quilo por dia, contudo suas crises convulsivas começaram
a retornar numa frequência de 5 a 10 crises por dia (MAA; FIGI, 2014).
O caso Charlote dá consistência as evidencias observadas por Cunha et
al. (1980) e Mechoulam et al. (2007) demostrando que o CBD em dosagens
habituais não tem potencial em desenvolver eventos adversos significativos
além de atuar, conforme descrito por Russo (2011), de forma sinérgica à
terapêutica quando associado ao Δ9-THC.
De acordo com Fonseca et al. (2012) os principais agentes terapêuticos
utilizados na modulação do sistema endocanabinóide são:
- Dronabinol e Nabilona: agem estimulando o apetite e como antiemético
em doentes oncológicos e com Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(SIDA);
- Δ9-THC + CBD: atua no tratamento da rigidez muscular e dor
neuropática em doentes com esclerose múltipla e analgesia em doentes
oncológicos terminais;
- Rimonabant: utilizado no tratamento de obesidade e redução do
apetite.
25
As atividades terapêuticas do canabidiol inclui sua capacidade em atuar
como agente ansiolítico e suas propriedades antipsicóticas (ZUARDI et al.,
2005).
Entretanto, em uma revisão de literatura feita por Bergamaschi et al.
(2011) outros autores citam que este canabinóide pode induzir alterações
hepáticas no metabolismo de fármacos diminuindo as concentrações
sanguíneas da substancia, diminui a atividade de proteínas transportadoras de
drogas, sobretudo as fosfoglicoproteinas (P-glicoproteina), diminui a fertilidade
e pode diminuir a viabilidade de células in vitro.
Por outro lado, o uso terapêutico do Δ9-THC inclui sua capacidade em
desenvolver ação analgésica, baseado na supressão de neurônios nociceptivos
presentes nos nervos espinhais, no tálamo e nos nervos periféricos
(ZOGOPOULOS et al., 2012), na estimulação do apetite em pacientes que
desenvolvem caquexia, em atividade antiemética e ansiolítica (FONSECA et
al., 2013).
Os efeitos tóxicos do Δ9-THC são mais expressivos, podendo incluir uma
series de alterações a curto e a longo prazo. Segundo Hall e Degenhardt
(2013) esses efeitos resultam da ativação do receptor CB1 e incluem efeitos
psicotrópicos, potencial em desenvolver dependência além de outros efeitos
adversos como sedação, disfunção cognitiva, taquicardia, hipotensão postural,
ataxia, infertilidade, imunossupressão e xerostomia.
De acordo com Radhakrishnan, Wilkinson e D’Souza (2014) uma
estimulação excessiva ou não fisiológica desse sistema, durante a
adolescência pode aumentar o risco de desenvolvimento de esquizofrenia em
pacientes que apresentam histórico familiar para a doença. Essas
complicações são relatadas por Teixeira (2016) sobretudo pela interferência
dos canabinóides no sistema endógeno pois o sistema endocanabinóide tem
um papel essencial no processo de desenvolvimento e neuroplasticidade que
se inicia no útero e completa na fase adulta.
Radhakrishnan, Wilkinson e D’Souza (2014) embasam a afirmação de
Teixeira (2016) ao relatar que o período da adolescência é uma fase que o
sistema endocanabinóide ainda se encontra em processo de amadurecimento,
26
com flutuações nos níveis de receptores CB1, expor o sistema aos efeitos dos
fitocanabinóides levaria ao aparecimento de perturbações psicóticas graves.
Quanto os efeitos do uso da cannabis no déficit cognitivo, na capacidade
de abstração, fluência verbal e capacidade de aprender e recordar novas
informações visuais, os dados na literatura são conflitantes (POPE et al., 2001;
BOLLA et al., 2002).
Pope et al. (2001) relataram que em usuários de Cannabis, após 28 dias
de abstinência, não houve diferença significativa entre grupos de usuários e
não usuários em nenhum dos padrões neurocognitivos acima citados e
nenhuma associação significativa entre o uso cumulativo da Cannabis.
Contudo, Bolla et al. (2002) afirmaram que o uso intenso da Cannabis fumada
está associado a diminuição persistente no desempenho neurocognitivo
mesmo após 28 dias de abstinência.
Já em estudos subsequentes, Quickfall e Crockford (2006) demostraram
em amostras de imagem funcional que regiões cerebrais envolvidas na
memória e atenção tem atividade reduzida em usuários crônicos de Cannabis
após 28 dias de abstinência. Essas evidências são reforçadas por Hirvonen et
al (2012) ao detectar por tomografia por emissão de pósitrons (PET), que o uso
regular da Cannabis promove uma regulação negativa dos receptores
canabinóides persistindo por até um mês após a abstinência.
27
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem duas hipóteses amplamente discutidas sobre o uso de
derivados fitocanabinóides em pacientes portadores de epilepsia. Contudo,
elas se resumem no agonismo de receptores CB1/CB2 com modulações
excitatórias ou inibitórias e nos potenciais em desenvolver efeitos psicóticos e
não psicóticos do Δ9-THC e CBD, respectivamente.
Os dados sobre os efeitos tóxicos ou farmacológicos no uso da
Cannabis sativa apresentam uma miscelânea de informações que são
baseadas de acordo ao padrão de estudo adotado por alguns autores. Sendo
assim, o uso da C. sativa pode alterar os padrões neuromorfofisiológicos dos
impulsos elétricos neuronais dos usuários de fitocanabinóides, de forma
benéfica ou não.
Embora existam relatos de melhorias clinicas significativas em usuários
que apresentam crises convulsivas não responsivas a atual terapêutica
disponibilizada pelo Ministério da Saúde no Brasil, estudos são necessários
para confirmar ou até mesmo quantificar essa eficácia pois existe uma grande
variedade de causas para os eventos epilépticos.
Nos compêndios científicos pesquisados, utilizando os critérios
metodológicos especificados, não foram encontrados estudos científicos, no
Brasil, que fizeram ensaios de dose efeito em pacientes portadores de
epilepsia. Assim, para corroborar a ideia dos efeitos terapêuticos da C. sativa
são necessários delineamentos e estudos pré-clínico com diferentes dosagens
de canabinóides em modelos portadores de uma ou mais das várias síndromes
epilépticas, para garantir maior segurança e assegurar efetividade na
terapêutica destes pacientes.
28
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