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As Definições De Fotojornalismo E Suas Aplicações No Contexto Contemporâneo1
Kaio Moreira VELOSO2
Flávio Pinto VALLE3
Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, MG
Resumo
Trabalho desenvolvido a partir de inquietações relacionadas às definições do termo
“fotojornalismo” enquanto representativo de uma área e prática jornalística. O artigo busca
agrupar, explorar e refletir sobre as definições de fotojornalismo, fotodocumentarismo e foto
ilustração, fazendo leituras breves de imagens fotográficas veiculadas por empresas
jornalísticas, tensionando os conceitos abordados, servindo aos estudantes da área e demais
interessados.
Palavras-chave: Fotojornalismo; fotodocumentarismo; fotografia; jornalismo.
1. Introdução
De desvalorizado a praticamente essencial ao jornalismo, o uso de imagens
fotográficas foi responsável por mudanças dentro da imprensa e se desenvolveu como uma
vertente relevante que não apenas trouxe a fotografia como parte integrante e por vezes
essencial a notícias e reportagens diversas, como revelou grandes talentos e posteriormente
alcançou o seu próprio lugar de destaque no campo da arte e da cultura. O fotojornalismo,
como área e como conceito, no entanto, ainda passa por problemas quando se trata de
definições aprofundadas e atualizadas dentro da academia a fim de classificar a produção e
propagação de imagens através de diferentes mídias de cunho informativo. Diversos autores
buscaram não apenas escrever sobre a história do campo do fotojornalismo como também
propuseram classificações para tal forma de documentar-se o mundo e produzir-se jornalismo.
Fica a dúvida quanto à relevância e real sentido de tais classificações, sobretudo ao levarem-
se em conta as mudanças pelas quais o jornalismo tem passado. Sendo assim, uma vez que se
mostra relevante uma revisão desses textos e uma reflexão quanto aos sentidos do
fotojornalismo hoje, este artigo busca cumprir tal proposta ao apoiar-se em textos de Angie
Biondi, Jorge Pedro Sousa, Margarita Ledo e Pepe Baeza.
1 Trabalho apresentado na IJ04 – Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em
Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Graduando do Curso de Jornalismo do ICSA – UFOP. E-mail: kaio.veloso@aluno.ufop.edu.br 3 Orientador do trabalho. Professor adjunto do curso de Jornalismo da UFOP. Doutor, mestre e graduado em Comunicação
Social pela UFMG. E-mail: flavio.valle@ufop.edu.br
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2. Fotografia e Jornalismo
Antes de apresentar e discutir as diferentes classificações dos autores citados é
necessário uma explicação quanto à desvalorização das fotografias no jornalismo apontada na
introdução deste artigo. Apesar de terem sido vistas originalmente como um “espelho do real”
(SOUSA, 1998, p. 53), houve resistência por parte da imprensa a utilizar as fotografias em
suas publicações, pois os editores não valorizavam a seriedade das informações fotográficas
nem as viam como parte das convenções do jornalismo e da cultura da época. (SOUSA, 2002,
p. 13).
Este cenário começou a mudar a partir da migração de fotojornalistas alemães –
pioneiros no uso das imagens fotográficas na imprensa – para países como França, Inglaterra
e Estados Unidos em decorrência da Segunda Guerra Mundial. Assim, na década de 1930 do
século XX, as fotos já passavam a marcar presença em grandes empresas jornalísticas e
passam a influenciar as demais, como consta no livro Fotojornalismo: Uma introdução à
história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa (2002), voltado a estudantes de
jornalismo, do pesquisador Jorge Pedro Sousa. É neste mesmo livro que Sousa define o
fotojornalismo como uma atividade fotográfica que tem como fim documentar e informar.
Definição aparentemente precisa, mas que carece de aprofundamento.
3. Fotodocumentarismo versus Fotojornalismo
Souza escreve ainda a respeito do fotodocumentarismo, entrando em consonância com
a explicação de Pepe Baeza no livro Por Una Función Crítica de La Fotografía de Prensa
(2001). Ambos (SOUSA, 2002; BAEZA, 2001) abordam o fotojornalismo como uma vertente
do fotodocumentarismo, ambos campos que buscam o registro fotográfico de valor
documental da realidade, sendo que no caso do fotojornalismo, seu valor deve estar alinhado
às demandas editoriais da empresa à qual está vinculado, estando ainda em consonância com
uma matéria de cunho noticioso sem que necessariamente ocupe o mero lugar de ilustração,
mas sim, componha a narrativa dos fatos ocorridos em conjunto ao texto verbal escrito.
Sousa (2002) aponta características do trabalho fotojornalístico que podem diferenciá-
lo do trabalho fotodocumentarístico em que, no primeiro, a rotina de produção é na maior
parte do tempo acelerada, lidando com acontecimentos muito recentes e, portanto,
necessitando de agilidade para que os registros sejam produzidos e veiculados, enquanto no
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segundo há uma maior profundidade de apuração e desenvolvimento, contando com prazos
mais espaçados.
Baeza cita o autor Eugene Smith que afirma ser o fotojornalismo um “documentarismo
com propósito” (SMITH apud BAEZA, 2001). Smith é em si mesmo um grande exemplo de
fotodocumentarista, sendo inclusive conhecido como o inaugurador do gênero ensaio
fotográfico com a publicação do ensaio Country Doctor, na revista Life em 1948. No ensaio
fotográfico, Smith acompanhou o Dr. Ernest Ceriano, um clínico geral do Colorado,
retratando os desafios da profissão enquanto Ceriano deslocava-se para atender seus pacientes
onde quer que estivessem, realizando desde partos à amputação de membros.
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Ainda sobre o campo do fotojornalismo, Baeza (2001) esclarece que alguns termos são
usados de forma ambígua e tal uso deve ser rompido a fim de uma melhor compreensão. O
autor problematiza o termo “Fotografia de Imprensa”, que é constantemente usado como
sinônimo para “Fotojornalismo”, quando na verdade, inclui o “conjunto de imagens
publicadas pelos meios da imprensa, desde os ‘planejados e executados’ aos ‘comprados e
publicados’” (BAEZA, 2001, p. 34-35). Sendo assim, “Fotografia de Imprensa” compreende
todo o conjunto de imagens que são publicadas pela imprensa, onde se subdividem os campos
do fotojornalismo e da foto ilustração.
Enumerando as características de ambas a fim de diferenciá-las, Baeza (2001, p. 35-
43) define que o fotojornalismo possui uma função profissional, informativa, noticiosa e ainda
acompanha ideias classificatórias do jornalismo, como a ideia de informação imediata
4 Figura 1: Fotos de Eugene Smith de seu ensaio fotográfico Country Doctor, na revista Life, em 1948.
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(notícia) e reportagem (“tratamento interpretativo, sequencial e narrativo” (BAEZA, 2001, p.
36)), enquanto a foto ilustração tem uma função ilustrativa, com o intuito de promover uma
melhor compreensão do objeto, conceito ou ideia apresentado, sendo criada a partir de texto
prévio que a justifique. Além disso, o autor enumera suas possíveis sub definições, sendo elas:
os seus usos, os tipos de noção representadas, os modos básicos de representar e os estilos,
temáticas e origem dos autores.
Já Angie Biondi, em sua contribuição para o livro Para Entender o Jornalismo (2014),
define os termos Spot News e Feature Photos como respectivamente, fotos de flagrantes em
que o jornalista sequer tem tempo hábil para pensar de forma detalhada sobre a foto,
realizando um registro no momento em que a ação ocorre, e fotos que tem o intuito de
“ilustrar, exemplificar ou comprovar” (BIONDI, 2014, p. 172), havendo, portanto, elaboração
prévia destas imagens. É claro que tal forma de classificação acompanha a noção clássica de
notícia e reportagem e poderia ainda ser comparada à classificação que Baeza propõe com o
fotojornalismo e a foto ilustração.
Até então, o fotojornalismo foi colocado em um local de testemunho e
instantaneidade, trazendo além das características citadas por Baeza, a ideia que se trata de
um registro fiel da realidade, dos eventos que registra, sendo a relação do fotógrafo e esses
eventos meramente técnica, como se a atividade profissional do fotojornalista se resumisse a
estar no local certo e na hora certa para apontar a sua câmera e apertar um botão.
Características de evocação estariam ligadas ao campo da foto ilustração que, para
Baeza (2001), está mais própria à publicidade que ao jornalismo. Já no livro Fotojornalismo
Performativo: O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação (1998), uma versão
resumida da tese de doutorado de Jorge Pedro Sousa, esta percepção é questionada: o autor
esclarece que fotojornalistas não deixam de ter estilo próprio, trazendo assim marcas de
subjetividade para imagens que, pelas classificações até então apresentadas, deveriam ser
meros registros da realidade.
Nesse sentido, características que seriam próprias ao fotodocumentarismo ou à foto
ilustração estariam também presentes no fotojornalismo. É interessante pensar que o
fotodocumentarismo como também o fotojornalismo não apenas circulam pelos meios
tradicionais de informação como jornais e revistas de cunho jornalístico, como também
ocupam espaços voltados à memória e apreciação, como publicações em livros e exposições
em museus e galerias. Assim, mais do que um caráter de informação, noticiabilidade, registro
do real e documentação, estas imagens também são dotadas de características estéticas e de
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estilo que as aproximam de um campo até então bastante distinto de seus objetivos iniciais - a
arte.
Dessa forma, uma vez que imagens fotojornalísticas possuem também valor artístico e
logo, revelam que a relação entre o fotojornalista e sua produção vai além do disparo da
câmera, mas incluem sua percepção particular sobre os assuntos e acontecimentos, tais
imagens apresentam um recorte que além de ser subjetivo, pode influenciar quem as vê.
No livro Documentalismo Fotográfico: Éxodos e Identidad (1998), a autora Margarita
Ledo faz uma declaração reveladora sobre o caráter subjetivo de fotos documentais (na qual
se inclui o fotojornalismo):
A foto documental não é a verdade nem é a única possibilidade fotográfica. Mas é um dos
caminhos visíveis do papel da subjetividade, da doxa, como parte da nossa capacidade
cognitiva e de aprendizagem, da percepção do mundo e sua organização em esquemas, em
patterns que nos permitem operar com abstrações tão práticas como a racionalidade.
(LEDO, 1998, p.40-41)5
A fim de propor formas de caracterizar as imagens, Sousa (1998) apoia-se em diversos
autores buscando compreender o fotojornalismo não como um mero registro da realidade,
dada a sua subjetividade, mas como parte de uma linguagem e como parte do corpo editorial
da empresa para a qual é produzida e onde é inicialmente veiculada. Assim, compreende-se
que o sentido da fotografia de imprensa depende da máquina fotográfica e outros suportes
fotossensíveis; os processos de sensação/percepção tanto do fotógrafo quanto do leitor; a foto
literacia aplicada de ambos; o contexto global da produção e o contexto da imagem e sua
leitura. Assim, entendemos que a imagem é fotojornalística não apenas por um suposto
flagrante sem maiores pretensões que não a de informar, mas também da interpretação de tal
imagem através de sua leitura e de seus contextos.
4. Leituras de imagens fotográficas jornalísticas
Neste processo de leitura, questões como o enquadramento entram em cena, uma vez
que uma imagem não é apenas o que ela mostra, mas também aquilo que ela oculta. O fato de
uma foto jamais revelar todo o entorno e possíveis pontos de vista de um mesmo
acontecimento é um indício para que sua concepção como espelho da verdade seja, mais uma
5 Tradução autoral a partir do texto no idioma original.
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vez, tida como equivocada. Diversos fatores como ângulo, iluminação e cores de uma
fotografia influenciam sua leitura e percepção adicionando possíveis significações a ela.
Como exemplo, tomemos duas imagens produzidas para capas da revista Isto É. Na
capa da edição número 2.417, de 1º de Agosto de 2016, a ex-presidente Dilma Rousseff é
retratada como uma mulher histérica tendo em vista seu temperamento visto como explosivo,
em especial devido ao processo de Impeachment pelo qual o seu mandato estava passando,
sendo oficialmente cassado no dia 31 daquele mesmo mês. Igualmente conhecido por seu
temperamento e discursos agressivos, o presidente Jair Bolsonaro é retratado na edição 2.601,
dia 1º de Novembro de 2019, como um “leão fora de controle”.
Na primeira, é possível identificar a foto utilizada como um flagrante, tendo congelado
a expressão facial de Rousseff em um momento em que parece estar gritando, com um
enquadramento e possível tratamento que destaca as suas linhas de expressão. Já na capa que
apresenta Bolsonaro, a foto recebeu uma quantidade exorbitante de tratamento, mesclando
digitalmente o rosto do presidente à face de um leão (Tomou-se como referência para a
imagem assim como as fontes escolhidas para o título a adaptação do filme “O Rei Leão” que
estava sendo lançado à época).
Em ambos os casos, mesmo que se tratem originalmente de flagrantes, as imagens
parecem aproximar-se conceitualmente mais da foto ilustração, pois evocam sentimentos e
atribuem sentidos às personagens retratadas utilizando artifícios diferentes para isso. Mesmo
que em ambos os casos o assunto tratado seja o temperamento dos políticos, devido às
escolhas estéticas, Rousseff tem sua imagem ridicularizada enquanto Bolsonaro ganha ares de
poder.
As diferenças percebidas apontam para o machismo nas coberturas jornalísticas, tanto
ao ridicularizar Rousseff quanto ao representar Bolsonaro de maneira intimidadora, sobretudo
ao considerar que o flagrante de Rousseff ocorreu, na verdade, durante um jogo de futebol,
precisamente no momento em que comemorava um gol da seleção brasileira na Copa do
Mundo no Brasil, no ano de 2014 (dois anos antes da veiculação na capa da revista), ou seja,
deslocada de seu contexto.
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Tomemos mais alguns exemplos, desta vez, imagens produzidas durante o enterro de
jovens vítimas do incêndio que ocorreu na Boate Kiss em Janeiro de 2013. Imagens daquele
que ficou conhecido como o maior desastre da história do Rio Grande do Sul foram
largamente divulgadas pela imprensa, tanto em mídias impressas quanto na televisão e na
internet. Uma dessas imagens ocupou a capa da revista Veja em sua edição 2.307, do dia 6 de
Fevereiro de 2013. A foto mostra Yasmin Muller com a cabeça apoiada pelas mãos sobre o
caixão de seu namorado, Lucas Dias, que faleceu na tragédia. Como é narrado no livro Todo
Dia a Mesma Noite (2018), da jornalista Daniela Arbex, muitos leitores criticaram a revista,
pois acreditaram que se tratava de uma modelo contratada para o registro. Isto porque a jovem
é vista usando esmalte na foto. O chapéu que ela aparece usando pertencia à Dias, que
apreciava o tradicionalismo da cultura gaúcha na qual tal adereço é utilizado.
Podemos observar que aqui, uma foto que se encaixa nos parâmetros fotojornalísticos
como a ideia de flagrante da vida real e que atende aos critérios de noticiabilidade foi
interpretada por muitos leitores como uma construção, uma ilustração, dada a natureza da
fotografia em consonância com o acontecimento sobre o qual ela comunicava. As
características da personagem, como seu esmalte, vestimenta e pose, aliadas ao tratamento
visível da imagem, iluminada e com o fundo artificialmente anulado parecem ter interferido
na sua leitura como foto da “realidade”, o que talvez não tivesse ocorrido caso uma versão
sem retoques tivesse sido utilizada ou uma das outras fotos produzidas, que mostram o rosto
de Muller.
6 Figura 2: Capas da revista Isto É representando a ex-presidente Dilma Rousseff e o presidente Jair Bolsonaro. Em cada
caso, escolhas estéticas das fotografias influenciam a leitura imagética.
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7 Figura 3: Capa da revista Veja sobre o incêndio na boate Kiss. Leitores acusaram a revista de ter usado uma modelo
quando, na verdade, tratava-se da namorada de uma das vítimas. (Foto: Lauro Alves/ VEJA) 8 Figura 4: Versão da fotografia onde é possível ver o fundo e o entorno. Possivelmente, traria maior realidade caso tivesse
sido utilizada. 9 Figura 5: Outra imagem produzida na mesma ocasião. Nesta, é possível ver o rosto de Yasmin Muller, sua expressão
corporal demonstra a sua dor e não deixa dúvidas quanto a sua veracidade.
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Tomemos ainda uma fotografia utilizada em uma reportagem publicada pela revista
Veja em decorrência dos cinco anos do incêndio. Nela, Muller é vista posando junto ao
chapéu que utilizou na ocasião da foto de capa previamente mostrada. Neste caso, a intenção
da fotógrafa não foi fazer um registro de um momento específico, mas sim, evocar um
acontecimento passado, recorrendo a uma imagem anterior e apelando à memória dos leitores
para construir sentidos sobre o novo registro, sendo assim uma foto planejada antes de ser
executada. A fotógrafa Jonne Roriz realizou um ensaio com sobreviventes e parentes de
vítimas para a reportagem em questão.
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5. Novo Fotojornalismo
Partindo para questões atuais, há ainda que se considerar o fato que cada vez mais
fotos utilizadas por meios jornalísticos não são produzidas por profissionais da área, mas sim,
pelas mesmas pessoas que antes consumiam passivamente tais imagens. Sousa (1998), já ao
final dos anos 90 fala sobre como a imprensa recorre a fotografias de amadores e também de
organizações para veicularem ao público. Esta pode ser a solução para quando o fotógrafo não
consegue registros do acontecimento por motivos diversos. Assim, abre questões quanto a real
necessidade de haver um fotógrafo para que tais registros sejam feitos. Afinal, se qualquer um
10 Figura 6: Fotografia produzida para a reportagem de cinco anos do incêndio na boate Kiss feita pela revista Veja.
Sobreviventes e parentes das vítimas foram convidados para um ensaio fotográfico em memória do desastre. (Foto: Jonne
Roriz/ VEJA)
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pode, mesmo que de forma leiga, produzir fotografias noticiosas, qualquer uma destas
imagens pode ser considerada fotojornalística?
A respeito da crise do fotojornalismo e do fotodocumentarismo, Pepe Baeza (2001, p.
57-61) comenta sobre como os valores destes dois gêneros fotográficos tem sido
desacreditados, sendo apontados como culpados a tecnologia digital e suas possibilidades de
criação e tratamento de imagens. Baeza faz questão de esclarecer que o jornalismo já
começou a ser desacreditado quando passou a ser visto como um meio de favorecer discursos
e interesses de determinados grupos políticos e econômicos em sua disputa de poder, portanto,
o desenvolvimento de tecnologia aplicado às imagens seria apenas algo mais para que tais
críticas se apoiassem no contexto contemporâneo para sustentarem a ideia de que o jornalismo
não necessariamente corresponde a uma verdade.
Essa desconfiança tem suas razões de ser, afinal, como apontado, estas formas de
produção de imagens fotográficas não é isenta de propósitos e valores subjetivos. Na verdade,
tanto Baeza (2001) quanto Sousa (1998) dizem quanto aos interesses que existem por trás da
produção e disseminação destas imagens, aliados ao corpo editorial, aos interesses da empresa
e sua relação com seus anunciantes publicitários. Baeza inclusive comenta sobre como estas
relações sufocam o fotojornalismo já que, caso usadas em todo o seu potencial, as “imagens
de realidade” (BAEZA, 2001, p.14) poderiam interferir na eficácia das imagens publicitárias.
Se há desconfiança quanto aos meios de comunicação devido à suas relações políticas
e econômicas, o jornalismo independente – dentro do qual há massiva produção fotográfica –
cresce e conquista a confiança e credibilidade que parte do público perdeu com a imprensa
tradicional. Feito tanto por jornalistas por formação quanto por leigos, os textos, vídeos e
fotos produzidos alcançam milhares de pessoas e renovam a ideia de imagem de realidade
uma vez que, produzidas de forma amadora, sem grandes cuidados ou tratamentos,
transmitem a sensação de veracidade e espontaneidade que o fotojornalismo a alguns bons
anos parece ter perdido.
Em uma entrevista para a revista Zum, em 2014, Fred Ritchin, crítico e professor de
fotografia da Universidade de Nova York, falou sobre a crise no fotojornalismo e a perda da
credibilidade nas fotografias citando a escolha de Barack Obama, ex-presidente dos Estados
Unidos, de não divulgar a foto de Osama Bin Laden morto uma vez que “não faria diferença”,
podendo despertar a ira de grupos de pessoas e seria desacreditada como um registro verídico
de qualquer maneira.
Ritchin critica a maior parte das fotografias fotojornalísticas por não buscarem formas
de expressão novas que sejam capazes de mobilizar aqueles que se deparam com elas; acusa-
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as de buscarem apenas atenderem demandas e critérios editoriais, o que permite aos
fotógrafos 11ende-las às empresas jornalísticas e até ganharem prêmios, mas caem em clichês
e, portanto, perdem a capacidade de tocar as pessoas, lembrando muito os desdobramentos
argumentativos de Susan Sontag em Diante da Dor dos Outros (2003), em que é apontado
que o excesso de imagens – imagens violentas, no caso – podem causar o efeito contrário ao
que deveriam, insensibilizando quem as vê e gerando inércia.
Ritchin ainda usa o Mídia Ninja – coletivo brasileiro de jornalismo independente –
como um exemplo do que o fotojornalismo deve ser a fim de se reinventar e recuperar a sua
credibilidade e importância. Conhecido pela cobertura da onda de protestos no Brasil em
2013, o coletivo trabalha de forma muito próxima dos acontecimentos e faz constantemente
registros que fogem do óbvio e promovem uma aproximação com os personagens e eventos
retratados que o fotojornalismo em seu sentido tradicional – ilustrando, comprovando e dando
veracidade – já não atendem. Seria, portanto, uma forma de “Novo Fotojornalismo”, fazendo
analogia ao movimento New Journalism (Novo Jornalismo) que foi responsável por rupturas
na maneira tradicional de escreverem-se matérias nos anos 1960-70 nos Estados Unidos.
Quanto ao amadorismo, o professor defende que a prática deste Novo Fotojornalismo
estaria ligada aos registros amadores e aproveita para lembrar que grandes momentos da
história e grandes registros tidos como fotojornalísticos são, na verdade, registros feitos por
pessoas com um dispositivo fotográfico à mão, não necessariamente um profissional seguindo
os mandos de editorias jornalísticas. Inclui-se aí a ideia de que aqueles que vivem no calor dos
acontecimentos e participam ativamente deles tem o poder de trazer autenticidade às imagens
por eles produzidas.
Em conclusão, os novos desafios para o fotojornalismo residem em questões como o
alerta ao público quando uma foto trata-se de uma montagem, uma vez que, com as novas
tecnologias, é possível tanto usar tais técnicas para compor novas formas de representar
quanto de enganar – justamente o motivo pelo qual a foto de Osama Bin Laden morto seria
questionada caso tivesse sido publicada – além do limite necessário entre o jornalismo
cidadão e o ativismo político, uma vez que na produção amadora de imagens em que um
único lado da história é mostrado poder-se-ia levar ao ceticismo por parte dos leitores. Ritchin
defende, portanto, a necessidade de curadoria para os amadores, capazes de servir como filtro
e oferecer contextos para as produções fotográficas.
6. Considerações Finais
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Apesar de, em uma visão geral, o fotojornalismo se constituir como uma prática
jornalística dentro das propostas editorias da empresa na qual e/ou para a qual as imagens
serão publicadas, é possível concluir que não apenas estas conseguem ir além do registro de
acontecimentos, mas conseguem construir sentidos sobre eles, além de encontrarem hoje na
colaboração dos próprios sujeitos que participam da ação, e não na figura estritamente
profissional do fotojornalista, a solução para a crise da área no que diz respeito a sua
credibilidade frente aos leitores, fugindo assim de certa frieza que parece ter se instaurado no
meio. No entanto, a necessidade de curadoria para que os princípios editorias e até mesmo
éticos sejam seguidos, evitando a mistura de um jornalismo cidadão com ativismo político,
como apontado por Ritchin (2014), mostram que as empresas, independente de serem
tradicionais ou independentes, continuam a exercer seu poder sobre a circulação dessas
imagens e seu consequente reconhecimento enquanto fotojornalísticas, o que pode
provavelmente constituir um dos maiores paradigmas para a área na contemporaneidade e
pode indicar novas inquietações para pesquisas na área do jornalismo, editoração e
comunicação visual.
7. Referências
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Janeiro: Editora Intrínseca, 2018
BAEZA, Pepe. Por Una Función Crítica de La Fotografía de Prensa. 1ª ed. Barcelona: Editora
Gustavo Gili, 2001
BIONDI, Angie. Fotojornalismo: um campo, uma atividade ou um objeto. In: LEAL, Bruno;
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NEVES, Rita de Araujo; NEVES, Helena de Araujo. A Representação Da “Mulher
Descontrolada” Na Imagem De Capa Da Revista Istoé Que Retratou A Presidenta Dilma
“Gritando”. In: 13º MUNDOS DE MULHERES E FAZENDO GÊNERO 11 TRANSFORMAÇÕES,
CONEXÕES E DESLOCAMENTOS. 2017, Florianópolis. Anais Eletrônicos… Seminário
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<http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499348124_ARQUIVO_TextoComp
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SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: Uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da
fotografia na imprensa. 1ª ed. Porto: Editora Letras Contemporâneas, 2002
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