ao vencedor as batatas (roberto schwarz)
Post on 11-Jul-2015
1.452 Views
Preview:
TRANSCRIPT
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 1/23
Roberto Schwarz
AOVENCEDOR
AS BATATASForrn a.Iite ra ria e p ro ce sso so cia l
nos inicios do romance brasileiro
[ftl Livrarla
I J 1 j Du a s Oldades
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 2/23
I -
A s ideias
for·a do lugar
I"
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 3/23
Toda ciencia tern principios, de que deriva 0 seu sisrema,
Om dos ErincfEios 4 a Econo_9}_ia~r2J!!~s:~~.trabalho liv re . Ora,.,. -_ - ~...""...,_.. ~ ....-. !v ........ ........._---,-_ ........... ."--! u'l"f.f"-
no B rasil dom ina 0fato "im polfrico e ab ornindvel '1, da escravidao,
Esre argumento ~ resume de urn panlleto liberal.contern-
poraneode Machado de. Ass i sI- poe fora t) Brasil do sistema
da ciencia, Estavamosaquern da realidade a que esta se re fe re;
eramos antes urn fata, Inoral, "irnpolftico e abom inavel". G ran-
de degradacio, considerando-se que a ciencia erarn as Luzes, 0Progresso, a Hurnanidade etc. Para as artes, Nabuco expressa um
sentirnento cornparavel quando protesta contra 0assunto escra-
vo no teatro de Alencar: "Se isso ofen de a estrangeiro, como nao
humilha 0 brasileiror~~2.Outros auto res naturalrnente fizeram 0
raciocinio inverse, Una vez . que nao se referent a nossa realida-
d e, cien cia econo rn ica e dema is id eo logias lib erais e que sao) elas
sim , aborn inaveis, impo lltic as e.e strange ira s, alem de vulneraveis .
iA..R. de.Torres Bandeira, e C A liberdade do rrabalho e a concorrencia, seu/ -
efeito, sao prejudiciais a classe operdria?", in 0 Futuro , nO 9, 1 5/0 .1 /1 86 3 ..Macha-
do era co labor ado r cons tan t! '; nesta revista ..2 A p ole-m ic a A lm c e r -N ab u c o { o rg ; :L l li z a< _ ; :a o e introducao de Afranio Cou-
tinho}, Rio de JaneiroJ Tempo Brasileiro, 1965, p, 106.
11
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 4/23
A o vencedor as batatas
"A ntes bons negros da costa daA frica para felicidade sua e nos-
sa, a .despeito de todaa rnorb ida filantropia briranica, que, e s-
quecida de su a propria casa , deixa m orrer de fom e 0 pobre ir-
mao branco, escravo scm senhor que dele se cornpadeca, e h ip o-
crira o u esto lid a chora, exposta ao ridlculo da verdadeira filan-
tropia, 0 fado de n O S S Q escravo f e l i z " . 3
Cada urn a seu modo, estes autores reflerem a disparidade
entre a sociedade brasileira, escravista, e as ldeias do Iiberalisrnc
europeu , Envergonhando a uns, irritando a outros, qu e in sis te n tna sua hipocrisia , estas ideias - em que gregos e tro ianos nao
reconhecem 0 Brasil- sao referencias para todos. Sumariarncnte
esta m ontada urna cornedia idcologica, di feren te da europe ia . E
claro que a Iiberdade do trabalho, a igualdade perante a leie, de
m odo geral, 0 universalismo erarn ideologia na E uropa tambem:
;mas la correspondiamas aparencias, enccbrindo 0 essencial --.
.a exp lo ra cao do traba lho, Entre nos, as rnesmas ideias seriam falsas
n urn se ntid o diverse, p or assim dizer, original. A Dedara§ao dos
I2itcitus-do.1io..m~.InlC1?.Q1'~~~m12 12,1~transcritaemj}W!Jla CQDS-
tHll_h;ao.Brasileir~d.e,.L824) nao 56 naoescondia nada, corno.ter-
. .a . .t n a i s . ~ , a b . J e t . . Q . 9 jn$Jj!wJQ_,d~~§~_~~Y. ! f l~ rnesrna coisa para
. p rofessada universalidade dos principios, que~.ran~f9rfQ§va em
~§c!n4aJ()_~p n U i c g ( ., g e . r a l . .ciQfol'.et. Que valiarn, nestas circuns-
t a n c i; : l , s , a s g r a n d e s abst racces burguesas q u e usivamos tanto? Naa
descrev iam a existencia - m as nern so dissovivern as ideias.Re-
1epoimento de u rn a firm ac or ne rc ia l, M . Wr ight &Cia" cornrespeito a .
crise finan ceira d os an os 5 '0 . C irado po t Joaq uim N ab uco, Um. es tadis ta do Imp t -
r iAvo I . 1 , S a o P au lo , 1 93 6, P : 188, e retornade p o t S . B . de H olanda, R il iz e s d o
BrtlSi4 Rio de Janeiro,.Jose O lym pic, 19 56, p . 96 .
4 . E. Viotti d a Co sta , " Io ere du cao ao estudo da.emanoipacio polftica", in
G G. Mota (arg.), Bras i l p ,mpe rpe c t i v a , S.ao Pau lo , D l fe l, 196.8.
12
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 5/23
As ida ia s fo ra -do luqar
flerindo em d irecao parecida, S ergio B uarque observ a: "Trazen- \
do de pafses d istan tes n ossas fo rm as de vida, nossas instituicoes Ie nossa visao do rnundo .ctimbrando em manter tudo isso ern]
ambiente rnuiras vezes desfavoravel e hostil, somas uns dester-]
rados em nossa t er ra ;; 5 . Essa im p rop ried ade d e n osso pensam ento , 1
que n a o e acaso, c o m o se vera, foi de faro urna presenca assidua,
a rr av e ssando e desequ ilib rando , ate no d eta lh e, a v id a id eo lo gi-
ca do S egundo R einado . Freqiienternentc inflada , au rasteira, ri-
dlcula au crua, e so raramente justa n o torn, a prosa literaria do
tempo e uma das muitas testemunhas disso.
Embora sejarn lu gar-comum em nossa hisroriogra fia, as ra -
z6es desse qu adro foram pouco estu dad as em seus efeitos, Como
e sabido, traffiOS urn pais agd.rio e indeeengente, d iv idi~ ~~ ~
la~~f4D:_4!_Q_~~lJi~.2FOdl:1g~9"dep'~~~.~~.~9. raE,alho escravo por urn ;
lado, e P9f outre ..do.,.roercadp~efClc;.rJ1P~~Mg.itg_~."p'enosdrretameii-~' l., . -'~~··''--''''~''''''''''''''''' __ '''''''~n'''''''''_'''''_'''''·
te, v e _ l P . q < J : 1 _ ~s_s.illg.\Jl.4ridild~~;.g¥.~xp!l~~!Eg.~.ra inevitavel, por i
exem plo , a presen<;a entre nos do ra cio cin io econornico burgues
- a prioridade do lucre, com seus corolarios sociais - uma vez
que dominava no comercio intemacional, para onde a . n os sa e co -
n om ia era v oltada, A p ratica p errn an enre das transaccesescolava,
nesre.sentido, quando f f i £ : _ n o s um a pequena m ultidao . A lern d o
que, hav ~Q §.feitQ .. a r r n : : : 4 ~ ~ r i ~ £ l ~ Q _ q ~ < ~ o u c o ,rn nOll}e de idei~ __. . . . . . . . . . . . . ..,.- . .. , . . . , . , . . . . . . . . . . . . ...-,.: . .~-.-
(f'!nc~sa~?ingl.t;sas~_~t,_n~T!E~_~?:~j.~?,!~~~~~~~.E~.}!,~erais,ue assim
faziam p'a~tede _Q.2§ .~_~iA~! l~ ic ! f ._<i~_Elac i<_>~~~or o u r f o I a d c ; , 7 c ) f f i
igual fa ta lidade, este conjunto ideol6gico iria ch oear-se contra ae scrav id ao eseu s d efen so rcs, eo q uee mais , v iv er c om e le s.PNo
plano das conv iccoes, a incornpatibilidade e clara, e j a v imos
5 S . B . d e H oland a, a p . c it ., p. 1 5 .
6 E . V ie tti c ia C o sta , o p . ci t .
13
1',,/I'
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 6/23
Ao ve nc_ edo r as batatas
exem plos. M a s tam bem no plano pratico ela se faz ia sentir, Sen-
, 9 9 . _ Y l l l iL p W _ p r ie . d a d e , _ u _ m escravo P Q ~ 5 ~er y ~ _ n E ~ . 4 g 2.P_~~,E.ao~~R ~ ( U 9 . o .Q trabalhador livn~ ,p~§§.~ P9J )tQ.>."g~._rp~i§J!,~,~.!E~~~_~uP~J_r~9J._~~m..4~__mobilizar menoscapital, Este aspe-cto - urn
l e~tre ~ui~os- ih~ica 0 limite que a escrav~.tura opunha ara-
cionalizacao produ tiv a. C ornenrando a que vita numa fazenda,
urn viajante escreve: "nao ha especializacao do trabalho, porque
se procura econom izar a m ao-de-obra", A o citar a passagern, F.
H. Cardoso observa que ccecono~i"~:,~I)_[Q_s.~_desJin_a...aq.u.4-p.clg
_~ontex.t02_9-..f~z_r;!..),tr<:lP.alhQ.)JYffi,_m!.I2!mg,.e~tempQ_,-m.aLI}Jl1P_
maxim_Q :_!pr~c iso espicha-lo. ji f !~ A ~ _ e E ~ h _ ~ ~_. 1 i _ ~ . c : . i p J i n a radia
d ~ L ~ § . ~ E ~ : _ r " ? ~ " Oposto exato do q _ ~ ~ e~~_l11:?E_~E1!9J~~E:.Jl! . !2~
naviolencia ~_ ~a.disc;ipU na , m j Ji .t ! !f '_ a _ P t 9 _ 9 W ; :, a 9 _ -~s .~~~y' i~~,~En~~fl .4ia
daautoridade, rnais q~~..~~eficacia.? 0 estudo racional do pro-
~esso produtivo, assim co~ ~-;;;~ a m odernizacao continuada,
com todo 0 prestigio qu~ lhes advinha da rev olu cao q ue ocasio-
navam na Europa, eram sem proposiro no Brasil. Paracornpli-
car ainda ° quadro, considere-se que 0 la tif undio esc ravis ta ha-
v ia-sido n a origem umempreendimentodo capital <::g_~ercial,er-: .-,,'-~, _,_,,-~_· . .. ,. .. .r a . .. .' _. , C . . . . ,.~-.* ,- _.,"." A . ,..". . '. A
g_l!_~_p,?rtanto0 11l_q9_[QJ~_4~.~g,~_S.~l] lPT~.9 ~,~~.R~vo.ra, 2~
C?m.:~J?:}_~rida~e subjetiva _ e cornum a s [orma~..ap-_t~q~!ldasdocapital e a s mais modernas. De sorte que os incu ltos e abornin a -
veis-escravistas a t e cerra data - quando esta forma de p roducao,_ t
L . _ veio a se r rnenos rentavel que 0 tra ba lh o a ssa la ria do - foramno
essencial capitalistas mais consequences do que nossos defense-
re s de A dam Sm ith , que no capitalismo achavarnantes que tudo
a l iberdade . Esta-se vendo que para a v ida intelecrual 0 n o esta-
7 F , H . C ard oso , Ca p it a li sm o e e sc ra u id d o, S a o P au lo ~ ,D if el, 1 9 62 , pp. 189 -
9 ] e 198 ,
14
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 7/23
As ideiasfora do lugar
- -
va armado. Em m ateria de racionalidade, a s : p apeis se ern bara-
lh av am e trocav am norrnalm ente: a ciencia era fantasia e m oral,o ohscu rantism o era reali;m o e responsabilidade, a tecnica nao
e ra p ra tic a, 0 altru ism o im plan tav a a m ais-v alia etc . E , de rna-
neira geraL na au sen cia d o interesse organ iz ad o d a escrav aria , 0
confronto entre humanidade e inumanidade, por justa q ue fos-
s e, a cab ava encontrando um a rra du ca o rn ais rasreira n o conHi to
entre dais m odos de em preg-ar os capitais - do qual era a im a-
gem que convinha a um a das partes.f
Im pugnada a todo instante pela escrav idao a ideologia li-
beral, qu e era a d as jov ens n aco es ernan cip adas da America, des-
c arrilh av a . S e ria faci! deduzir 0 sistem a de seus corirra-sensos,
to d-o s v erd ad eiro s, mu ito s d os q ua is a gita ram a c on sc ien cia tea-
rica e m oral de nosso secu lo XJX . ja v im os um a colecao deles.
N o entan ro , estas d ificu ld ad es perm a neciam cu tio sam e nte in es-
senciais. 0 teste da realidade nao parecia importantcE como se
coerencia e gene ra li dade nao pesassern muito, au como se a es-fera da cultu ra ocupasse um a posicao alterada, cu jos criterios
fossem outros - mas outros em rclacao a que? Por sua rnera
presen£a, a escravidao ind icav a a im p ro pried ad e d as id eias lib e-
rais; a que entretanto e menos que o r ien ta r- lhes 0 movimento ,
S en do ernb ora a relacao prod utiv a fundam ental a escravidao nao
era 0 n ex o e fe tiv o cia vida ideologica, A chav e desta e ra d iv e rsa ,
Para desc reve . ..a e p re cis e r eto rn ar 0 p ais c omo todo, g_..§..quergg.-
t i z a n d o , j 2od_~: ' $e_d i~~L9Ll !~) ;1. .Q!9 .1}!~g<;~9_.Pfq_g~~~~,o .~ _ ~ a , ~ . en ,< _ : >>
8 Conforrne observa Lu iz Felip e de Alencasrro em sua. tese de doutorado,
o tr ata da s u iu en te s: t rd f ico de esc ra uo s e 'Pa x Lusuana 'n o A tld ntic o Su i , se cu l os XVI-
XIX (Universidade -de Paris, Nanterre, 1985-1986), a verdadeira questao nacio-
nalde nossoseculo XIX toia defesa do trafico negreiro contra a pressao ingiesa.
U ma quesrao que nao podia ser menosprcpfcia ao entusiasmo inrclecrual.
•
1 5
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 8/23
":... , . . ', .. "": ..."",,,,.~~~.~" .~;!" :~*
~.~
Ao vencsdor as bstatas
/
monop61io da terra) tres classes.de populat;ao: 0 larifundiario, 0••_", •.• , •• -'. ;O'--'-.•-'''.' .... ' '',,_'- .. ,....'-,.,..-~~ .... _•...•...• - ' ....,..---,.--.---------
,~scravo e q,.r~"omem ~iv r~("'}!a.".Y.er_9? de.4.~p~ni~.!! . t~.ntre osprirneiros dois a relacao e clara, e a multidao dos tctceiros que
nos interessa, Nemproprietarios nem proletarios, seu ace$s9_~,yi~a
social e a se~s bens dependernaterialmente ~ 'q~~~rJ j~d~~~ou 1 \ . .
direto, .d e u rn g( a,nd ~" p agreg~do ~ a sua .c.aricatur.a/Q_fuyoI:lJ i : A '
portanto, 0mecanisme arraves do qual se reproduz uma das gran-
des classes da sociedade, envolvendo tambern outra, a dos que
tern. Note-sc ainda que entre estas duas classes e qu e ira aconte- .
cer a vida ideologica, regida, em consequencia, por este mesmo /
mecanisme. 1 0 Assirn, com milforrnas e nornes, 0 favor atraves- ! 'sou e afet~u no con~unto a existencia nacional, ress,alvada ..ern-
pre a relacao produtiva de base, esta assegurada pela forca. Este-
ve presente por toda parte, combinando-se a s rnais variadas ati-
~ida,des: mais e ,m~nos.afins dele, como admini st. rac ;a .o ,)polfti~a, Iindustria, cornercio, vida urbana, Corte etc. Me smo profissoes
liberals, como a medicina, au qualificacoes operarias, como a !tip 0grafia,. que , na accpcao europeia, nao dev ia rn nada a ninguem, \
entre nos eram governadas por ele. E assim como 0 profissional \
depcndia do fav or para 0 exercfcio de sua profissao, 0 pequeno
p ro prie ta rio d ep en de d ele p ara a seg uran <;a d e su a: pro prie da de ,
eo funcionario para 0 seu posto. Q f i ! ~ ~ r l ' ! : , , ! ! : ! ? ~ { q _ ' n ! , ~ c j ~ ' ! : f i ! q ! 1 ! : ! : ~ . ~
seJ1JEyer_{ tJ i - e sen do mais simpatico do que a nexo escravista, Ia Dutra relacao que a colonia nos legara, ¢ compreenstve] , q1L~_Q~-&
9 Para urna exposicao rnais cornplera do assunto.Maria Sylvia de Carvalho
Franco, H om e ns liu res n a o rdem esc ra uo cra ta , S ao Paulo, Instituto.de Estudos Bra-
sileiros, 1969.
10 S abre os efeitos ideologicosdo I ar if iind io , ve r 0 cap. III de R aize s do B ra -
si 4 "A h era nc a rural".
16
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 9/23
As ideias fora d o lu gar
.-~ ,>4 :__ • ~--- _
If~qj~9,~e~~~~gh~m_b@."~~~d.bLjl .eLc.- , .a ,_sJ . ta. in, tetp.reJa~~9_dg_rasil,
. .~~r~~u~:a~;::~~~~~WWlqO~aYiolw Ci~nesempre r_~_i'lo~~;
o e sc ra vismo . d csmenre a s id eia s lib era is: mais insidlosa-
m enteo favor, tao incornpatfvel com elas quanta 0p rirn eiro , a s
a bso rv e e d eslo ca , o r.ig in ando urn padrao particular. 0 elem en-
to de arb frrio, 0 jogo fluido de estim a e auto-estim a a que 0 fa -
vor submete 0 interesse material, nao podem ser integralmente
racionalizados. Na Europa, ao ataca-los, 9_{~~J.~~~s"i[isi.ii.9jvisara
o privilegio feudal. No processo de sua afirmacao histories, a ci-
v i li zacao burguesa postulara a autonomia da pessoa, a universa-
lidade da lei, a cu ltu ra desinteressada, a rcmuncracao o bje tiv a, a
e tic a do tra ba lh o etc. - contra.as prerroga tivas do An c i e n R e g i J n e .
o f a v o L .R D . n t o 1 10UJ 0n tQ , . _ J 1 ! i l . J i.C ; :~ , _ ~ _ £ ~ R ~ J ) .A ~ f l .c . :! 2 :_ ~ o ~ E S , ~ . ~ . Q < ; l ; } ~ .e _ ~ ~ - I - d /c,~~~£.J~:.E~g~~L~_ultura .i~teressada},r~.~une,rara~ ~servicospes-
s.o.ais.Entretanto, nao estavamos para a Europa como 0 feuda-
lismo p ara 0 ca pita lismo , p elo co nrrario , era rn os se us tributaries
em toda linha, alem de.nao termos sido propriamente feudais -
a c()~o~i~.c.l.:cr~.~umfeito do capital comercial. No fastlgio em que
e~ taxa e la , .Eu ropa , " e'~~-'P~~l~~oreritfv;-;;ue estavamos nos,
ninguem no Brasil teria a ideia e principalmente a forca de ser,
digarnos, urn K ant do favor, para ba te r- se con tra 0 outro.l ' De
m odo que 0 con fro nto entre e sse s p rin clp io s tao antagonic os re -
su ltav a desigu al: no campo dos argum entos prev aleciam com fa-
cilidade, ou melhor , adotzvamos sofregamenteos que a burgue-sia europeia tin ha e la bo rado con tra arbltrio e e sc rav idao : enquar t-
11 Como observa Machado de' Assis, em 1879, "0 influxo externo e que
determina a direcao do movimenro, nfio hi por ora no nosso ambience, a fo rca
necessaria a invencao de doutririas novas". Cf. "A nova geta~aon, Obra . c om p le ta ,
, vol. ITI,Rio de Janeiro, Aguilar, 1959 , pp. 826-7 ,
17
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 10/23
Ao vencedor as batatas
to na pratica, getaltnente d os p r6 prio s debatedores, sustentado
p elo la tih in dio , 0 f avo r r ea fir rn av a semclescanso os sentimentos
e as nocoes em que implica. 0 mesmo se passa no plano das ins-
tituicoes, por exernplo corn burocracia e justica, que: ernbora
regidas pelo clientelisrno, proclamavam as forrnas e teorias do
lesta~o burgues n:oderno. Alern dos nat~ra:s ~ebates, .e~te anta-
l,gonIsmo produziu, partanto, uma coexistencia estabilizada -
[que interessa estudar. A i a n ov id ad e: a do ta da s a s ide ias e ra zse s
\~ .~ r op e i a s) . e la s p O d Z . ' a : : ~er~ir J : z : v e z e .Sz t: d~ ~ s t i f i . t a ~
c ao , no m in a lm e nte 'o bje tiu aJ
p a r a0
momenta de E . r l z z . t ! l Q . f d ! :i § . J _r i a n d rU ! £ !& _ t J " .d o . .gJ !J1D S em preju lz o de existir, 0 antagonismo se
desfaz em Iurnaca e as incompadveis saern de rnaos dadas. Esta
recornposicao e capital. Seus efeitos sao rnuitos, e levam longe
em nossa literatura, De ideologia que havia sido - isto e , en-gano invcluntario e bern fundado nas aparencias - 0 liberalis-
rna passa, na falta de outro terrno , a penhor intencional duma
.variedadc de prestigios COIn que nada tern aver. A o iegitimar 0J .
I arbltrio por rneiode alguma razao "racional'', 0 favorecido cons-
(
I cienternente engrandece a si e ao seu benfeitor, que , par sua vez
. nao ve, nessa era de.hegernonia das razoesmotivo p ara d esm e n-
\ti-le. Nestas condicoes, quem acreditava na jusrificacao? A que
aparencia correspondia? Mas justamente, nao era este 0 proble-
ma, pois todos reconheciam - e isto sirn era importante ~ a
intencao louvavel, seja do agradecimento , seja do favor. A corn-
pensacao simbolica podia ser urn pOlleo desafinada, mas n a n era
rnal-agradecida. Ou P . or outra, seria desafinada em relacaoao. -
Liberalisrno, que erasecundario, e justa em relacao ao favor, que
era principal. E nadamelhor, para dar lustre, as pessoas ea 80-
cied ade q ue fo rm am , do que as ideias m ais ilustres do tempo, no
caso as europeias, Neste contexte, portanro, 'as ideologlas nao
descrevem sequer falsamenre a realidade, e nao gravitamsegun-
do urna lei que lh es seja propria - por isso as cham am os de se-
18
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 11/23
A s ide ia s fo ra do ] u g a r
g_ und o g rau . S ua regra e outra, diversa da que denominam; e da
ordem do relevo social, em detrimenro de SUa inten~ao cogni-tiva e de sis tema. Deriva sossegadarnente do obvio, sabido de
todos - da inev itdv el tsuperioridade' da Europa - e liga-se ao
momenta expressivo, de auto-estirna e fantasia, que existe no
favor. Neste sentido diziamos que 0 teste da realidade e da coe-
reneia nao parecia, aqui, decisive, sem prejufzo de estar sempre
presente como exigencia reconhecida, evocada ou suspcnsa con-
forme-a circunstancia. Assim, com merodo, atribui-se indepen-
dencia a _ dependencia, u tilid ade ao cap rich o, u niv ersalid ade a sexcecoes, rnerito ao parentesco, igualdade ao privilegio etc. Com-
binando-se a prarica de que, em principia, seria a crltica, o Li-
beralismo fazia com que 0pensamento perdesse 0 pe. Retenha-
sc no enranro, para analisarrnos depois, a complexidade desse
passo: ao tornarem-se desproposiro, estas ideias deixam tarnbern
de enganar.
E claro que esta cornbinacao foi urna entre outras, Para 0
nosso clima ideo16gico, entretanto, foi dec is iv a, a lem de se r a qu ela
em que o s p ro blemas sc configuram da maneira rnais completa
e d ife rente . Por agora bastem alguns aspectos. Vimos que nela
as ideias cia burguesia - cuja g rand ez a s o b ria remonta ao espl-
rito pub lico e racionalista da Ilu srra cao - tornam funcao de . ..
ornato e rnarca de fidalguia: atestarn e festejarn a participacao
numa esfera augusta~no caso a da Europa que se... industrializa.
o quiproquo das ideias nao podia ser maior. A novidade no caso
nao esta no carater ornamental de saber e cultura, que e da tra-
d i c r a o colonial e iberica; esta na dissonincia propriamente incrl-
v el q ue ocasionam 0 saber e a cu ltu ra de tipo "rnoderno" quan-
do postos neste contexte. sao imiteis como urn berloque? S ao
brilhantes como urna comenda? Serao a nossa panaceia? Enver-
gonham-nos dianre d o rnunda? 0 rnais certo e que nas idas e
vindas de argumento e interesse todos estes aspectos tivessem
1 9
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 12/23
Ao ve ncedor as batatas
ocasiao de Sf rnanifcstar, de rnaneira que na co nsciencia dos rnais
atentos deviam estar ligados e misturados.Tnextricavelmente, avida ideologica degtadava e condecorav a os seu s participantes,
entre os quais m uitas vezes haveriaclareza disso, T ratava-se, por-
tanto, de uma cornbinacao instavel, que facilmente degenerava
em hos tilid ad e e crftica as m ais acerbas. Para m anter-se precisa
d e cumplic id ad e p e.rma nen te, cumplicidade que a prarica do favor
tende a.garanrir. No momento cia prestacaoe da contrapres tacao
- particularmente rio instante-chave do reconhecirnento reel-
proco '--_ .a nenhurna das partes interessa denunciar a outra, ten-
do embora a todo instante os elementosnecessaries para faze, ..lo .
\?sta cumplicidadesempre renovada teI? C? ~~in ~1~4a~.es<. ; . Q s ; ; i a i s
I / 1 I ? a i s p r ? f i . , u n . , . ~ ~ a " . s , _ q ~ S ! h , e d a O _ p e s o d e c l a s s e : n .0 C,~?l1!. ~ ; e . _ . : x t o? , r a . , .i -leiro, 0 fa v or a ss egura v a a s duas partes, em especial a r na is f ra ca ,
I d~ que nenhurnae escrava. Mesmo 0mais mis~!aveldos favor~.-
( cidos via reconhecida nele, no favor, a sua livre pessoa, 0q~e trans-
1 form ava prestacao e contraprcstacao, pot modestas q ue fossern,i nurna q~dIlJ;6I1i~esuperioridade social, vaJ.iq~f.,ern si rnesma.
Lasrreado pelo infiniro de dureza e degradacao que esconjurava
--- ou sejaa escravidao, de que as duas parte s b en ef ic iam e tim-
btamem se diferencar - este reconhecirnento e de urna coni-v en cia se rn fu nd o, rn ultip lic ad a, ainda, pela adocao d o v oc ab u-
lario b urgu es da igualdade, do rnerito, do trabalho, da razjio.
M a c h a d o de A s sis sed. mestre nestes rneandros, C ontudo v eja-se
tambem outro lado ..Im e rso s q ue estamos, ainda h oje, no universe
do Capital, que nao chegou a tam ar form a classics no B r a s i l ,
tendemos aver esta cornbinacao como inteiramente desvantajosa
para nos, composta 56 de defei to s. Vantagens nao hi deter tido;
mas para apreciar devidamente a su a comp lexid ad e con sid ere -se
que as ideias cia burguesia, a prindpia voltadascontra 0 privile-
gio, a partir de 1848 se hav iam tornado apologetica: a vaga das
lutas so ciais na Europa mostrara que a univ ersa lid ad e d isf ar< ;-aan-
2 0
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 13/23
As idaias fora do lugar
tagonismos de dasse.12 Portanto, para bern Ihe reter 0 t imbre
ideologico e p recis e cons lder ar que 0 noss o d is cu rso irn proprioera oeo tam b em q uan do .u sado pro priarnen te. Note-se, de pas-
sagern , que este padrac iria repetir-se no seculo XX, quando par
v arias v ezes ju ram o s, cren tes d e nossa rn od ern id ad e, s egundo a s
id eo logia s ma is Iotas da e en a rn un dia l. Para a l it eratura, como
veremos, resulta dal urn labirinto singular, um a especie de oeo__
,. dentro do oco A inda aqui, M achado sera 0 mestre, ~-?
Em surna, se insisrim os no v ies que escrav ism o e f av o r in tro -
duziram nas ideias do tempo, nao foi para as descartar, mas para
descreve-las enquanto enviesadas - fora de centro em relacao aexigen cia q ue elas mesmas propunham, e reeonhecivelmente nos-
sas, nessa mesma qualidade, Ass im, posta de parte 0 raciodnio
sob re as cau sas, resta na experiencia aquele "desconcerro" que foi
o nosso ponto de partida: a sensacao que 0Brasil da de dnalismo
e facticio - contrastes rebarbativos, desproporcoes, disparates,
anacronismos, contradicoes, conciliacoes e 0 que for - combina-' f oes que 0 M o dernism o, a T ropicalism o e a EconorniaPolftica
nos ensinaram a considerar.l ' Nao faltam exemplos, Vejam-se
a lg un s; menos para analisa-los, q ue p ara indica! a ub iquidade do
quadro e a variacao de que.e c ap az , Nas re vista s do tem p o) sen do
grav e ou rison ha, a apresen tacao do num ero in ieial c i cornposta
12 G . Lukacs, "M arx und das Problem des ideologischen Verfalls", in Fro-
blem e d es R ea iism u s, Werke, vol. IV , Neuwied, Luchterhand.
13 Explorada em outraIinha.ia rnesma observacao encontra-se em Sergio
Buarque: "Podernos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de"
aspectos novas e irnprevistos, eleva! a perfeirrao 0 tipo de civilizacao que represen-
. tamos: 0 cerro e que. todo a fruta de nosso trabalho e de nossa preguica pareee
participar d e u rn s is tem a d e.e vo lu ca o proprio d e o utro clima e de outra paisagern",
o p . c it., p. 15 .
2 1
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 14/23
A o ve ncs do r a s bata tas
para baixo e f als ete : p rirn eir a parte, afirma-se 0 propcsito redentor
da im prensa, na tradicao de com bate da Ilustracao; a grande seita .. fundada por Gu th enb erg alronta a indjferen~a geral, nas alturas
o condor e a m ocidade en trev eem a fu tu ro , ao m esm o tem po que
repelern 0 passado e os preconceitos, enquan to a tocha regene-
radora do lornal desfaz as trev asda corrupcao. N a segunda parte ,
conforrnando-se as circunstancias, as rev istas declaram a sua dis-
'pcsicac cordata , de "dar a todas as classes em geral e particu lar-
men te a honestidade das fam ilias, umm eio de deleitav el instrucao
e de am eno recreio". A intencao em ancipadora casa-se com chara ...
das, u niao nacion al, figu rino s, co nh ecirnentos gerais e folh etins.14
C aricatu ra desta seq uencia sao as versinhos que serv em de epf-
grafe a Ma rm o ta n a C o r te : "E is a M arm ora/ B ern variada/ P 'ra
ser de todos! S em pre estim ada.l / Fala a verdade.z D iz a que sen te)
A m a e respeital A toda g.ente)). Se, noutro campo, raSpa lTIOSurn
poueo as nossos rnu ros, m esm oefeito de coisa cornposita: "A
transform acao arqu i tetonica era superfic ial. S abre as paredes deterra , e tgu idas por escrav os, pregav am -se papeis d ecorativ os.eu -
ropeus ou aplicav am -se pintu ras, de form a a criar a ilusao de urn
am hienre nov o, com o as in teriores das residencias dos paises em
in du strializ aca o, Em certos exemplos, 0 fin gim e nto atin gia 0 ab -
su rdo : pin tav am -se m otiv es arqu itetonicos greco-rornanos - pi-
14Ver 0 "Prospecto" de 0 Espelho) n O 1, Revista semaaal de iiteratura, rno-
das, indusrrias e artes, Rio de Janeiro, Typographia de F.de Paula Brito, 1859, p.
1; "Inrroducao" da Revis ta Fluminense,ano I, n O 1, Semanario noticioso, literario,
ciennfice, recreative etc., erc., novernbro de 1868, pp. 1 . : : 2 ; A Mannata na Corte ,
Typographia de F. de PaulaBrito, 07 /0911840 , p. 1; Reu is ta I la s tr ad a , n= 1, Rio
de Janeiro, publicada por Angelo Agostini, 01/0111876; "Apresenradlo'' de 0
Be zou ro , ana I, nO 1, Folha humoristica e satfrica, . 06 /04 /1878; "Cavaco", in 0
Cabr iao , n? 1, S ao Paulo, Typ. Im perial, 18 66, p. 2 .
2 2
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 15/23
As ide ias fo ra _ do Il.!g a_ r
lastras, arqu itrav es, co lunatas, frisasetc. - com petfeic;ao de pers-
pectiva e sornbreamento, sugerindo uma arnbientacao neoclas-sica jamais realizavel c O , I D - : a s tecnicas e materiais dispcniveis no
local. Em outros, pintavam-se janelas nas paredes, com vistas sa -
bre am bientes do R io de Janeiro, au da E uropa, su gerindo urn
exte rio r lo ngfn .quo, certarnente diverse do real, das senzalas, es-
craves e terreiros de service" 15 . 0 trecho refere-se a casas rurais
na Prov incia de Sao Paulo" segundametade do seculo X IX . Quan-
ta , a corte; "A transformacao atendia a mudanca dos costumes,
q ue in clu iam agora 0 uso de obJetos rnais refinados, de cristais,
Ieucas e porcelanas, e forrnas de comportamento cerimonial,
como maneiras formais de servir a mesa. Ao rnesmo tempo con-
feria ao conjunto, que procurava reproduzir a.vida das re sid en -
cias europeias, uma aparencia de veracidade. Desse modo, os
estratos sociais que rnais beneflcios tiravam de urn sistema eco-
nomico base ac lo n a e sc ra v id ao e destinado exdusivamente a pro-
ducioagrfcola procuravam criar, para seu uso, artificialmen te,ambientes com caracteristicas urhanas e europeias , cuja opera-
<raoexigi a a afastamento dos escravose onde- tude ou quase tudo
era produto de importacao' 16. Ao vivo esta cornedia esta nos
notaveis capltu los iniciais do O u inc es B o rba . Rubifio , h erd eiro
recente, e constrangido atrocar 0 seu escravo crioulo por urn
cozinheiro frances e u rn criado espanhol, perro dos quais nao fica
a vontade, AMm de ouro e prata, seu s rnerais do coracao, apre-
cia agora as estatuetas de bronze- urn Fausto e urn Mefistofeles=: que sao tam bern de preco-Matcria mais solene, mas igual-
15 Ne sto r Go ula rt R e is F ilh o, A r q ui te tu ra r esi de nc ia l b ra sil ei ra n o s e c u l o XIX,
pp. 14~5(manuscri to) ,
16 Nes to r Go ula rt .Reis Pilho, 0 1 ' . c i t . , p. 8 .
23
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 16/23
A o vencedor as bstatas
m ente m arcada pelo tem po, e a letra de nosso hino a , Republica,e sc rita em 1890, pelo poeta decadente M ede iro s.e A lbuqu erq ue ,
Emocoes progressistas a que faltavao natural « ( N 6 s nem cremes
que escravos outrora/ Tenha havido em tao nobre pals!" (outro-
ra e dais anos antes, uma vez que a Abolicao e de 88) , EIU 1817,
nama declaracao do gov erno revolucionario de Pernambuco,
mesrno timbre, com intencoes opostas; "Patriotas, vossas pro-
priedades inda as mais opugnantes ao ideal de justica serao sa-
gradas" .17 Refere-se aos rum ores de em ancipaoao, que era preci-
so des fa ze r, p ar a a ca lrna r os proprietarios. Tambem a v ida de M a -chado d e A s sis e umexernplo, na qual s e sucedem rapidamente
o jornalista combative, entusiasta das "inreligencias proletarias,
das classes Infimas", autor de cronicas e quadrinhas cornernora-
tivas, par ocasiao do casamento das princesas imperiais, e final-
mente a Cavaleiro e mais tarde Oficial da O rdem cia Rosa.18
Contra isso tudo vai sair a campO'SilvioRomero. "E mister fun-
dar um a nacionalidadcconsciente de seus rneritos e defeitos, de
sua forca e de seus delfquios, e nao arrumar urn pastiche, urn ar-
remedo de j udas das f es ta s populares que s6 s erv e p ara v e rg on ha
nossa aos olhos do estrangeiro, [... J S 6 urn remedio existe para
tamanho d esid era tu m : - mergulharmo-nos na corrente vivifi-
cante das ideias naturalistas e monfsticas, que vao transforman-
do 0 velho mundo."19 A distancia e ta o clara que tern gra~a a
substituicao de urn arremedo por outro. Mas e tarnbern drama-
1 7 E. Vietti da Costa, o p . c it., p. 104.
1 s jean-Michel Massa, A juventude de Machado> de A ss:is, Rio de Janeiro"
C iv iliz ac io B r asile ira, 1 97 1) p p. 2 65 . 4 35 , 5 68 .
19 S. Romero, En sa io s d e c rlt ie a p a rla m e nta r, R io de Janeiro, Moreira, Ma-
xirnino & C ia.,) 8 83 , p. 15"
24
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 17/23
As idslas fora do lugar
t ica , po isassinala quanta era alheia a linguagem na qual se ex-
pressava, inevitavelmente, 0 nosso desejo de autenticidade. Ao
pastiche romantico iria suceder 0 naturalista. g ! l f ! p 1 _ , . ~a~.r~Yls-{
t~, _ . ! ~ 9 _ ~.~?_~"~.~~~s)n~ ~,"~.a ~:,n.os;s~b.ol~s_1?a~ion~is?,_~o~,~9~,~.gl-·\J Icramentos de revolucao, na teona e onde mats for, sempre ames-I )
nii.~QrP.~Qs.i~.~~:.'.~rJe_q_ui~~~);,ara /at~rQ o m _ · M ~ x i q · .~ AQdra4 e:o des acordo .cnrrea represenracao eoque, pensando be~~;sab.e--
mas ser 0 seu contexto. ~ Consolidacla pot seu grande papel no. . - -- ~. . -" " , .~
mercado internacional, e rnais tarde na polftica interna, a corn-
binacao de latihindio e trabalho cornpulsorio atravessou impa-vida a Co lo nia , R e in ad os e Regenc ia s , A bo li cao , a P rim e ira R e-
p ub lica, e hoje rnesmo e materia de co ntrov ersia e tiros.10 0 rit-
rna de nossa vida ideologies, no entanro, foi outro, t ambem ele
determinado pela dependencia do pais: a distancia acompanha-
va as passos da Europa. Note-se, de passagem, que e a ideologiada independencia que vai transformarem defeito esta cornbina-
<;ao; bobamente, quando insiste na.impossfvel autonomia cultu-
ral, e profundamente, quando reflete sabre 0problemaTanto
a e te rn id ad e d as re la co es sociais de base quanta a lepidez ideoio-
gica das "elites" erarn parte - a parte que nos toea - da gravi-
tacao deste sistema par assim dizer solar, e certamente interna-
cional, que e 0 capitalismo. Em consequencia, urn latinindio
poueo modificado viu passarem as maneiras barroca, neoclassi-
ca rornantica, naturalista, modernista e outras, que na Europa
a co rn panh ara rn e re fle tiram tra ns fo rma co es imensas na ordem
social, Seria desupor queaqui perdessem a justeza, 0 que em parte
sedeu. No.entanto, vimos que e inevitavel este desajuste, ao qual
20 Para as raz6es desta inercia, ver Celso Furta-do, F orm a cio ec onbm ic a do
Bras i l Sao Paulo , Companhia Editora Nacional, 1971.
2 5
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 18/23
A o vencsdor as bata tas
estavamos condenados pela maquina d.o colonial ismo, e ao qual,
para que J a fique indicado oseu a lc an ce rn ais quenacional, esta-
va condenada a mesma rnaquina quando nos produzia. Trata-se
enfirn de segredo mui conhecidq.embora precariarnente teori-
zado. Para asartes, no caso, a solucaoparece rnais f:lci!,pais sern-
pre houve modo de adoral", citar, macaquear, saquear, adaptar
ou devorar estas rnaneiras e modas todas, de modo que relletis-
sern, na sua falha, a especie de torcicolo cultural em que nos re-
, conhecernos. Mas, voltemos arras..Em resumo, as ideias liberaisf . ~-~.=-, ~~~--- - ,---.. ~ -." . .- ",-, ~,~ '.'...-.... ~ ~-~ ..
! ~.~g._.seP 9 _ g i ~ m . .Rr.~f~_~~IL~~Dg9...~9 1n~_S rrlOtempo ind.~.~.~~giy~i$.·.Foram postas numa constelacao especial, uma constelacao pra-
tica, a qual formou sistema e nao deixaria de afeta-las. Par isso,
pouco ajuda insistir na sua clara. falsidade. Mais interessante eacornpanhar-lhes omovimento, de que ela, a falsidade.e 'parte
verdadeira, Vimos 0 Brasil, bastiao da escravatura, envergonha-
do diantedelas.- as ideias m ais adiantadas do planeta, au qua-
se, pais 0 socialismo j~vinha a ordern do dia - e rancoroso, pois
nao serviam para nada. Mas eram adotadas tam bern com orgu-
lho, de forma ornamental, como prova de rnodernidade e dis-
tincao. E naturalmente foram revolucionarias quando pesararn
no Abolicionismo, Submetidas a influencia do lugar, sem per-
'derern as pretensoes de origem, gravitavam segundo uma regra
nova, cujas grayas, desgracas, ambiguidades e ilus6es erarn tam-
bern s ingu la re s, Conhece r 0 Brasil era s aber d es te s d es lo c· amen -
tos, vividos e praticados po.r todos como uma especie de fatali-
dade, para o.squais,entretanto, nao havia nome, pais a utiliza-
< . r a o impropria dos nomes era a sua natureza" Largamente senti-
do com o defeito , bernconhecido m as pOlleD pensado, este siste-
ma d e imp rop ried ad es d ecerto reb aixa va 0 cotidiano da v ida ideo-
16gica e diminula as chances da reflexao, Contudo facilitava 0
ce ticism o em face da s ide clogias, por vezes bem com pleto e des-
cansado, e compatfvelalias com rnuito verbalismo. Exacerbado
2 6
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 19/23
As ideias fora do luqar
u rn n ad ln ha ;l dara na forca espantoS a da visao de M achado de
Assis. Ora, 0 fundamento deste ceticisrno nfio esta seguramentena exploracao rcflerida doslimites do pensamento liberal. Esta,
Sf' podemos dizer assirn, no ponto de partida intuitivo, qu.e nos
-dispensava do esforco. Inscritas num sistema que nao descrevcm
nem rnesm o em aparencia, as ideias da burguesia v iam infirm ada
J a de infcio, pela ev idencia diaria, a sua pretensao d e abarcar a
natureza hurnana. Se erarn aceitas, cram-no por razoes queelas
propria 'S rrao podiam aceitar, Em Iugar de horizonte, apareciam
sobre u r n fundomais vasto, que as relativiza: as idas e vindas de
arbfrrioe favor. Abalava-se na base a sua intencao universal, A s-
sirn, 0 que na Europa seria verdadeira facanha da cntica, entre
nos podiaser a singda descrenca de q ualq uer pach ola, para quem
utilitarismovegofsmo, fotmalismoeo que for, sao uma raupa
entre outras, rnuito da epoca .rnas desnecessar ia rnente apertada,
Esta-se vendo que este chao social e de consequencia para a his-
toria da cultura: Ulna gravita~ao cornplexaem que volta e meiase repete urna constelacao I1 a qual a ideologia hegemonitJ. do
Ocidente fax figura derrisoria.ide mania entremanias, 0 que eum modo, tambem, de indicar 0 alcance mundial que teme
podernter as nossas e squisitic es n ac io na is. A l ga de comparavel,
talvez, ao que se passava na literatura russa, Diante desra, ainda
as rnaiores romances do realisrno frances fazern irnpressao de
ingenues. Por que razao? justamente, e que a despeiro de suain tencao un iv e rs al, a psicologiado egofsmo racional, assim como
a mo ra l fo rrn alista , faziarn no Imperio Russo efeitode um a ideo-
logia "estrangeira" J e portanto localizada 'e relativa. Dedentro de
seu arraso histo rico , 0 pals im punha an romance burgues urn
quadro rnais complexo. A'figuracaricata doocidentalizante, fran-
. cofilo au german6filo, de nome frequenremente alegiSricb e ri-o , •
dlculo, as id e61ogo s do p rogre sso , d o lib era lismo , da razao, eram
tudo formas de trazera cena a modernizacao que acornpanha 0
. .
27
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 20/23
Aoven'cedor'as batatas
Capital. Estes homens esclarecidos rnostram-se alternadamente
lunaticos, ladroes.oportunistas, c rud ells simo s, v a idos os, parasitas
etc. 0 sistema de arnb igu idades assim ligadas an usa local do idea-
rio burgues - um a das chaves do rom ance russo - pode se r
cornparado aquele que descrevernos para 0 Brasil . S a Q evidentes
as razo cs so ciais da sernelhanca, Tambern na Russia a modern i-
ZayaO se perdia na imensidao do rerrirorio e da inerciasocial, en-
trava em choque com a institu icao serv il e com seus restos -.:,
c hoque experirn en ta do como inferioridade e v ergonh a nacional
par muitos, sem prejulzo de dar a outros urn criteria para m edir
o desvario do progressismo e doindividualismo que 0Ocidente
impunha e impoe ao mundo. Na exacerbacaodeste confronto,
em que 0 progresso e uma desgraca eo atraso uma vergonha, estauma das rafzes profundas da literaru ra ru ssa . Sem forcar em de-
rnasia uma cornparacao desigual, ha em Machado - pe1as ra-
zoes ·quesumariamente procurei apontar - urn veio semelhan-
te, algo de GogoL Dostoievski, Gontcharov, Tchecov,e de ou-
tros talvez, que nao conheco.t! Em suma, a propria desquali-
ficacao do pensamento entre nos, que tao amargamente sentfa-
2 -1 Para urna constiucao rigorosa de nosso problema ideologico, em Iinha
urn pOllce diversa desta, v er P au la Beiguelman, Teor i a e arl io n op en sa m e nto a bo li -
c ionis ta , prim eiro volum e de FormtJ. fao pol f t i ca d o Brasd, Sao Paulo , Pioneira, 1967;
em qu~h~varias citac;6es que parecern sairde u r n romance russo. Veja-se a seguinre,
de Pereira Barreto: "De urn lado estao os abolicionistas, estribados sabre osenti-
mentalismo retorico e armadas da metafisica revel ucionaria, correndo apos tipos
abstratos para realiza-los ern formulas sociais. de outro estao.os lavradores, rondos
e humilhados, na atirude de quem se reconhece culpado au medita um a v ing an ca
impossfvel", P. Barreto e defensor de wna a gric ultu ra cie nrffic a ~ e urn progres~
sista do cafe - e neste sentido ·acha que a aholi<;ao deve ser efeiro automatico do
progre sso agrko la . Alem. d e 'q u e os negros sao urna raca lnferior, e I t uma desgraca
depender deles, O p . ci t . , p. 159 .
28
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 21/23
As ideias fora. do lugar
rnos, eque ainda hoje asfixia 0 estudioso do nosso seculo XIX,
era uma ponta, urn ponto nevralgico por onde passa e se revela- a historia mundia1.22
Ao longo de sua rcproducao social , incansavelrnente °Brasilpoe e repoe ideias europeias, sempre em sentido improprio, E
nesta q ualidade q ueelas serao materia e problema para a litera-
rura. 0 escritor pode nao saber disso, nem precisa para usa-Las.
Mas 56 alcanca uma ressonancia profunda e afinada caso lhes
sinta, registre e desdobre - au evite - 0 descentramento e a
desafinacao. Se hi urnnurnero indefinido de rnaneiras de faze-1o,
sao palpaveis e definlveis as contravencoes. N estas .registra-se,
c omo Ingenu id ad e, ta ga re 1ic e, e stre ite za , se rv ilismo , g ro sse ria e tc "
a eficacia especlficae local de urna alienacao de b ra ce s longos-
a falta de, t ransparencia social, irnposta pelo nexo colonial e pela
dependencia que veio continua-Io. Isso posto, 0 leiter pOlieo fr-
cou sabendo de nossa historia literaria au geral, e . nao situa Ma-
chado de A ssis. D e quelhe serv em entao estas pagin-as?Em vez
do "panoram a" e da ideia.correlata de im prcgnacao pelo ambien-
te , sem pre sugestiv a e verdadeira , m as sempre vaga e exte rn a,
tentei um a solu cao diferente: especificar urn.mecanisme social,
na forma em que ele se torna elernenro interno e ativo da cultu-
fa; uma d ific uld ad e inescapdvel c= tal com o 0 B rasil a punha e
repunha aos seus homens cultos, n o p ro cesso rn esrn o de sua re-
produc;aa social. N outras palav ras, u rna especie de chao h is tori-
22 A ntonio C andido lanca algum as ideias neste sentido. P ro cu ra d is tin gu ir
uma linhagem "malandra" em nossa literatura, Veja-se a su a "Dialetica da rnalan-
dragem ", na R eu ista d o In sti tu to d e E stu do , B ra sile ir os; n" 8; S ao Paulo, 1970. Re-
publicado em 0 d isc urso e a c i d a r j , f , S a o P au lo , Duas C id ad es , 1 99 3. T am b~m as
para_grafossabre a Antropofagia, na "Digressao sentimental sobre Oswald de An-
drade", i n V d r iO j : . e s c r i to s , S ao Paulo, D uas C idades, 1970" pp. 8455 .
29
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 22/23
A o vencedor as batatas
co, anaiisado , da experiencia in telecru al, Pela ordern, procu rei v er
na grav ita< ;ao das ideias u rn movimento que nos s ingula ri zava .Partim os da observacao com um , quase um a sensacao de que no
Brasil as ideias estavam fora de centro, em relacao ao seu uso
europeu. E ap re sen tamo s uma explicacao hist6rica para esse des-
locamento, que envolvia as relacoes de producao e parasitismo
no pais, a nossa dependencia economica e seu par, a hegemonia
intelectual da Eu ropa , r evo lu cio nada pdo Capital Em suma, para
analisar um a originalidade n ac io na l, s en sf ve l no dia-a-dia, fomos
lev ados a retletir sabre a processo cia colonizacao em s eu conjun to ,
que e internaciona]. 0 tic-rae das conversoes e reconvers6es de
liberalismo e favor e 0 efeito local e opaco de urn mecanisme pla-
netaria. Ora, a gravita9ao cotidiana das ideias e das perspectivas
pdticas e a materia imediata e natural da literatura, desde a mo-
menta em que as Iormas fixas tenham perdido a sua vigencia para
as artes. Portanro, e 0 ponto de partida tarnbern do romance,
quanto mais do roman~e realista, Assim, a que estivernos descre-
vendo e a fe i< ;a o exata com que a Historia mundial, na forma
estruturada e cifrada de seus resultados Iocais, sempre repostos,
passa para dentro da escrita , em que a go ra in flu i pela v ia in te rn a
- 0 escritor saiba au nao, queira ou nao queira. Noutras pala-
v ras, definim os urn cam po v asto e heterogeneo, m as estruru rado,
que e resu l tado historico, e pode ser o r i gemar t i s t i c a . Ao estuda-lo,
vimos que difere do europeu, usando embora 0 seu vocabulario.
Portanto a p ro pria diferenca, a com paracao e a distancia fazernparte de sua definicao, Trata-se de um a diferenca in terna - 0
descentramento de que tanto Ialamos - em que as razoes nos
aparecem ora nossas, ora alheias, a uma lu z amblgua, de efeito
in ce rto . R esu lta uma q ufrn ica tambem sing ula r, cu ja s afin ida des
e repugnancias acom panham os e exemplificamos u rn po uco. Enatural , par outro lado, que esse material proponha problemas
originais ~ literatu ra q ue dependa dele. Sem avancarrnos par ago-
3 0
5/11/2018 Ao Vencedor as Batatas (Roberto Schwarz) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-55a230f7c33cb 23/23
As id€ !i'as fo ra do lug a-r
. ra, dlgamos apenas que, ao contrario do que geralmente se pen-
sa, a materia do artista masua assim nao ser inforrne: e his tori-carnente formada, e registra de algum modo 0 processo social a
que deve a sua existencia, Ao fo rrn a-la , p or sua vez, 0 escritor
sobrep6e urna forma a outra forma, e e da felicidade desta ope-
racao, d es ta re la ca o com a materia pre-forrnada - em que im-
previsfvel dorrnita a Historia - que VaG d ep ende r p ro fu nd id a-
d e, f or ca , complexidade dos resu lt ados. Sao rclacoes q ue nada tern
de autornatico, e verernos no deralhe quanta custou, entre nos,
ace rta -la s p ar a 0 romance. E ve -s e, v a riando -s e ainda uma vez 0
rnesmo tern a, que embora lidando corn 0 modesto tic-rae de nOS50
dia-a-dia, e sentado a escrivaninha num ponto qualquer do Bra-
sill 0 nosso rornancista sempr~ teve como materia, que ordena
como pede, qu.est6es da hist6ria mundial: e que nao as trata, se
as tratar diretamente,
31
top related