antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios
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AntropologiA dos objetos: colees,
museus e pAtrimnios
jos reginaldo santos gonalves
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Teorias Antropolgicas e Objetos Materiais
Sob o ttulo Antropologia dos Objetos: colees, museus e patri-mnios, este artigo foi publicado no BIB ANPOCS Revista Brasileira de Informao Bibliogrfica em Cincias So-ciais, no 60, EDUSC, 2 semestre de 2005.
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Ao colocar a natureza simblica de seu objeto, a antropologia social no pretende
nem por isso afastar-se das realia. Como poderia faz-lo uma vez que a arte, onde
tudo signo, utiliza veculos materiais? No se podem estudar os deuses e ignorar
suas imagens; os ritos, sem analisar os objetos e as substncias que o oficiante
fabrica e manipula; regras sociais, independentemente de coisas que lhes corres-
pondem. A antropologia social no se isola em uma parte do domnio da etnologia;
no separa cultura material e cultura espiritual. Na perspectiva que lhe prpria
e que nos ser necessrio situar ela lhes atribui o mesmo interesse. Os homens se
comunicam por meio de smbolos e signos; para a antropologia, que uma conversa
do homem com o homem, tudo smbolo e signo que se coloca como intermedirios
entre dois sujeitos.
claude lvi-strauss
asas, moblias, roupas, ornamentos corporais, jias, armas,
moedas, instrumentos de trabalho, instrumentos musicais,
variadas espcies de alimentos e bebidas, meios de transporte, meios de
comunicao, objetos sagrados, imagens materiais de divindades, subs-tncias mgicas, objetos cerimoniais, objetos de arte, monumentos, todo
um vasto e heterclito conjunto de objetos materiais circula significati-vamente em nossa vida social por intermdio das categorias culturais ou dos sistemas classificatrios dentro dos quais os situamos, separamos,
dividimos e herarquizamos. Expostos cotidianamente a essa extensa e
diversificada teia de objetos, sua relevncia social e simblica, assim como
sua repercusso subjetiva em cada um de ns, termina por nos passar
desapercebida em razo mesmo da proximidade, do aspecto familiar e
do carter de obviedade que assume. Na maioria das vezes, a tendncia
mais forte para o esquecimento da existncia e da eficcia dos sistemas
de classificao a partir dos quais esses objetos so percebidos: quando,
por exemplo, nos limitamos a perceber estes ltimos segundo uma razo
prtica (Sahlins 1976), a partir da qual eles existiriam em funo de sua
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utilidade, manipulados por indivduos a partir de suas necessidades e
interesses supostamente universais (Dumont 1985; Sahlins 2004 [1996]) 1, conforme sugere uma perspectiva a que um autor chamou de concepo
estratigrfica da cultura (Geertz 1989: 25-40).
Essa epistemologia, cabe sublinhar, pressupe uma naturalizao das
modernas categorias ocidentais de sujeito e objeto cuja problemati-zao parece ser a condio mesma para uma reflexo antropolgica. A
literatura antropolgica e etnogrfica tem nos ensinado h mais de um
sculo que so precisamente esses sistemas de categorias culturais que fazem a mediao e, mais que isso, organizam e constituem esses dois termos polares, e que sem esses sistemas de categorias, sem sistemas de classificao, os objetos materiais (assim como seus usurios) no ganham
existncia significativa (Durkheim & Mauss 2001 [1903]; Mauss 2003; Boas
1966 [1911]; Whorf 1984 [1956]; Sapir 1985 [1934]; Lvi-Strauss 1962; Douglas
1975; Sahlins 2004 [1976]; Geertz 1973).
Na medida em que os objetos materiais circulam permanentemen-te na vida social, importa acompanhar descritiva e analiticamente seus
deslocamentos e suas transformaes (ou reclassificaes) atravs dos
diversos contextos sociais e simblicos: sejam as trocas mercantis, sejam
as trocas cerimoniais, sejam aqueles espaos institucionais e discursivos
tais como as colees, os museus e os chamados patrimnios culturais.
Acompanhar o deslocamento dos objetos ao longo das fronteiras que de-limitam esses contextos em grande parte entender a prpria dinmica
da vida social e cultural, seus conflitos, ambigidades e paradoxos, assim
como seus efeitos na subjetividade individual e coletiva. Os estudos antro-polgicos produzidos sobre objetos materiais, repercutindo esse quadro,
tm oscilado seu foco de descrio e anlise entre esses contextos sociais,
cerimoniais, institucionais e discursivos.
osantroplogoseseusobjetosNo ser exagero afirmar que o entendimento de quaisquer formas de
vida social e cultural implica necessariamente na considerao de objetos
1 Para uma reflexo original e problema-
tizadora da categoria
indivduo no con-
texto da sociedade e
da cultura brasileira
ver a obra de Roberto
DaMatta (1980).
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16 {antropologia dos objetos: colees, museus e patrimnios}
materiais. Estes, na verdade, sempre estiveram presentes na histria da
antropologia social e /ou cultural e particularmente na literatura etno-grfica. Alguns se tornaram clebres: os churinga nos ritos australianos (Durkheim 2000); os colares e braceletes do circuito do Kula trobriands (Malinowski [1922] 1976); as mscaras dogon (Griaule 1938). Mas ao longo
da histria da disciplina nem sempre os antroplogos estiveram voltados
para o estudo dos objetos materiais enquanto tema especfico de descri-o e anlise. Acompanhar as interpretaes antropolgicas produzidas
sobre os objetos materiais at certo ponto acompanhar as mudanas
nos paradigmas tericos ao longo da histria dessa disciplina.
Em fins do sculo XIX e incio do sculo XX, na condio de objetos
etnogrficos, eles foram alvo de colecionamento, classificao, reflexo
e exibio por parte de autores cujos paradigmas evolucionistas e difu-sionistas situavam-nos no macro-contexto da histria da humanidade. O
destino desses objetos era no somente as pginas das obras etnogrficas
(no necessariamente produzidas por antroplogos profissionais, mas
por viajantes e missionrios) e das grandes snteses antropolgicas do
perodo, mas sobretudo os espaos institucionais dos museus ocidentais,
ilustrando as etapas da evoluo scio-cultural e os trajetos de difuso
cultural.
Objetos retirados dos contextos os mais diversos, dos mais distantes
pontos do planeta, eram re-classificados com a funo de servir como
indicadores dos estgios de evoluo pelos quais supostamente passaria a humanidade como um todo. Uma mscara ritual da Melansia poderia
ser colocada lado a lado com uma outra de origem africana. Uma vez
identificadas e descritas a sua composio material e a sua forma est-tica, uma delas poderia ser classificada como a que apresentava maior
complexidade e pressupondo uma tecnologia mais avanada do que a
outra. Assim sendo, indicariam estgios hierarquicamente diferencia-dos de evoluo entre as sociedades de onde vieram. Ou poderiam ser
classificadas como indicadores de um mesmo nvel de complexidade e
de evoluo tecnolgica, o que indicaria a posio similar das socieda-
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des que as produziram na grande escala da evoluo scio-cultural da humanidade (Stocking 1968; 1985; Chapman 1985; Dias 1991; 1991a; 1994;
Gonalves 1994; ver Captulo II deste livro). Os processos histricos de difuso de objetos materiais e traos cul-
turais entre diversas sociedades preocupavam muitos autores, os quais viam os objetos como meios de reconstituir esses processos. Ao longo dos
trajetos de difuso os objetos sofriam modificaes, tornavam-se mais
complexos. A cultura humana, para eles, era raramente um assunto de
inveno, mas de transmisso. Alguns operavam com modelos nos quais
se traavam crculos concntricos, onde o ponto central era onde suposta-mente se situava o objeto em sua forma primeira, sua forma original. Na
medida em que se difundia, ele se transformava. Esse raciocnio valia tan-to para objetos materiais como para instituies, prticas sociais, idias e
valores, sendo que alguns levaram essa viso a extremos, afirmando que
era possvel identificar um nico centro de onde teria partido todas as
invenes culturais significativas da humanidade. Apesar das diferenas
que os separavam, os paradigmas evolucionistas e difusionistas no entan-to convergiam quanto a um ponto fundamental: a cultura era concebida
como um agregado de objetos e traos culturais. Isto significa dizer que
estes eram interpretados como elementos que responderiam a questes e dificuldades universais. Estava aberta a porta para uma percepo e
entendimento claramente etnocntricos desses objetos e das culturas
da qual faziam parte (Lvi-Strauss 1973: 13-44).
Esses paradigmas, com suas divergncias e convergncias, forneceram
os modelos museogrficos dos grandes museus enciclopdicos do sculo
XIX (Schwarcz 1998; Dias 1991a). O objetivo destes era narrar a histria da
humanidade desde suas origens mais remotas, reconstituindo esse longo
caminho at chegar ao que entendiam como o estgio mais avanado do
processo evolutivo: as modernas sociedades ocidentais. a partir dessas
coordenadas tericas, fundadas numa concepo de cultura como um agregado de objetos e traos culturais, que veio a se delimitar uma rea
de pesquisa: os chamados estudos de cultura material. Como se possvel
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fosse separar na vida social e cultural o material e o imaterial (ver Captulo XII deste livro).
um ponto importante merece ser ainda assinalado para entendermos as diferenas entre as formas como os antroplogos pensaram a categoria objetos materiais ao longo da histria da disciplina: nesse perodo, que
ficou conhecido como a era dos museus, diferentemente do que veio a
ocorrer em dcadas subseqentes, a relao entre etngrafos, antrop-logos e museus era bastante prxima. A antropologia nessa poca era
de certo modo produzida nos limites institucionais dos museus (Karp &
Levine 1991; Gonalves 1994; ver Captulo III deste livro).
aantropologIaps-boasIanaUm autor como Franz Boas (1858-1942) ainda em 1896 formulou uma
crtica extremamente poderosa s teorias evolucionistas e difusionistas
e essa crtica se estendia aos modelos museogrficos concebidos a partir
daquelas teorias. O ponto forte da argumentao de Boas o de que esses
antroplogos pensavam os objetos materiais em funo de seus macro-
esquemas de evoluo e difuso, esquecendo-se de se perguntarem pelas suas funes e significados no contexto especfico de cada sociedade ou
cultura onde foram produzidos e usados. Diante de uma mscara melan-sia e uma mscara africana, no era suficiente descrever o material com
que eram feitas, nem o estilo que as caracterizava, nem a tecnologia mais ou menos evoluda com que eram produzidas. Era necessrio saber qual
o uso dessas mscaras, e conseqentemente qual o seu significado para
as pessoas que as empregavam em diversos contextos sociais e rituais.
Em outras palavras, era preciso saber quem as usava, quando e com quais
propsitos, o que permitiria revelar a diferena verdadeira entre uma mscara melansia usada em rituais religiosos e uma outra mscara usada nas festas de carnaval em algumas sociedades ocidentais. preciso obser-var que a partir dessa crtica desloca-se o foco de descrio e anlise dos
objetos materiais (de suas formas, matria e tcnicas de fabricao) para
os seus usos e significados e conseqentemente para as relaes sociais
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1{jos reginaldo santos gonalves}
em que esto envolvidos os seus usurios. O estudo comparativo dessas
relaes nos revelaria as funes e os significados dos objetos materiais
e dos traos culturais em diferentes culturas (Boas 2004 [1896]); Stocking
1974; Jacknis 1985).
A antropologia ps-boasiana ou ps-malinowskiana, se utilizarmos
a obra de Bronislaw Malinowski (1884-1942) como referncia produ-zida a partir das primeiras dcadas do sculo XX veio de certo modo a
relegar progressivamente o estudo da cultura material a uma posio
marginal na disciplina, em grande parte devido ao desgaste sofrido pela perspectiva etnocntrica da antropologia vitoriana. Apesar disso, im-portante enfatizar que os objetos materiais jamais vieram a se ausentar
das pginas das monografias antropolgicas. Esse perodo da histria da
antropologia, marcado pela sua profissionalizao e pela juno dos pa-pis de etngrafo e de antroplogo distingue-se pelo afastamento dos
antroplogos profissionais em relao aos museus. A produo cientfica
da antropologia social ou cultural desloca-se dos museus para os recm criados departamentos de antropologia nas universidades (Clifford 1988:
21-54; Jacknis 1996; Stocking 2004; Stocking 1985; Schwarcz 1998).
Nas dcadas subseqentes, especialmente aps a II Guerra Mundial,
os antroplogos sociais britnicos de orientao estrutural-funcionalista
e voltados para o estudo de sociedades (ao invs de culturas) inter-pretaro os objetos materiais como sinais diacrticos a indicar posies
sociais, pouco importando a descrio e anlise da forma e do material e da tcnica com que eram produzidos esses objetos. A formao desses
antroplogos no passava necessariamente pelos museus e pela ateno cultura material e as teorias antropolgicas com as quais operavam
vieram a deslocar o seu foco de discusso dos objetos materiais para as
relaes sociais e para os significados dessas relaes. Os objetos vo ser
interpretados com base num esquema terico onde eles existiam no
em funo de estarem respondendo a necessidades prticas universais, nem como indicadores de processos evolutivos e de difuso, mas como meios de demarcao de identidades e posies na vida social. No incio
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20 {antropologia dos objetos: colees, museus e patrimnios}
dos anos sessenta, o antroplogo Edmund Leach (1910-1989), ao refletir
sobre o que ele pensava ser a diferena fundamental entre o conceito de
sociedade e o conceito de cultura dizia:
A cultura proporciona a forma, a roupagem da situao social. Para mim, a si-
tuao cultural um fator dado, um produto e um acidente da histria. No sei
por que as mulheres kachin antes de se casarem andam com a cabea descoberta e
o cabelo cortado curo, mas usam um turbante depois, tanto quanto no sei por que
as mulheres inglesas pem um anel num dedo particular para denotar a mesma
mudana de status social; tudo o que me interessa que nesse contexto kachin o uso
de um turbante por uma mulher tem esse significado simblico. uma afirmao
sobre o status da mulher (1995 [1964]: 79).
Se interpretamos o texto corretamente, pouco importava teoricamente
se uma mulher kachin, ao passar da condio de solteira para a de casada,
passava a usar um turbante; enquanto uma mulher ocidental passava a
usar uma aliana na mo esquerda. O importante, do ponto de vista do
analista, era que um e outro objeto estariam demarcando uma mudana de
status, especificamente da condio de solteira para a condio de casada. Nessa perspectiva, os objetos materiais so pensados como um sistema
de comunicao, meios simblicos atravs dos quais indivduos, grupos e
categorias sociais emitem (e recebem) informaes sobre seu status e sua posio na sociedade (Leach 1995 [1964]; Graburn 1975; Douglas 1982; Dou-glas & Isherwood 2004; Miller 1987; 1995; Bourdieu 1979).
osestudosdeantropologIasImblIcaJ os estudos antropolgicos voltados especificamente para a natureza
e as funes especficas do simbolismo na vida social, especialmente a
partir dos anos sessenta, resgataram a relevncia social e cognitiva do
estudo dos objetos materiais no contexto da vida cotidiana, dos rituais e
dos mitos. Este o caso dos estudos de antropologia estrutural; e tambm
dos estudos produzidos pela chamada antropologia simblica (Dolgin;
Kemnitzer; Schneider 1977).
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21{jos reginaldo santos gonalves}
muitos desses antroplogos viro a contestar aquela concepo defen-dida por Edmund Leach e iro perguntar se o papel dos objetos materiais
(e dos smbolos em geral) na vida social se resume afinal a essa funo
de comunicao, a de serem apenas sinais diacrticos de posies e iden-tidades sociais. E vo sugerir que os objetos no apenas demarcam ou
expressam tais posies e identidades, mas que na verdade, enquanto
parte de um sistema de smbolos que condio da vida social, organi-zam ou constituem o modo pelo qual os indivduos e os grupos sociais
experimentam subjetivamente suas identidades e status. A partir dessa perspectiva, seria sim relevante saber por que uma mulher kachin usa
turbante e por que uma mulher ocidental uma aliana no dedo anular
esquerdo. Seria relevante conhecer a forma desses objetos, o material e
a tcnica de fabricao, assim como as modalidades e contextos de uso.
Afinal cada um deles faz parte de um sistema de representaes coleti-vas, um sistema de categorias culturais que organiza o modo como essas mulheres experimentam subjetivamente a sua condio de mulheres e
suas eventuais mudanas de status ao longo de sua biografia. Enquanto objetos cerimoniais, eles no apenas demarcam posies sociais, mas
permitem que os indivduos e os grupos sociais percebam e experimentem
subjetivamente suas posies e identidades como algo to real e concreto
quanto os objetos materiais que os simbolizam (Mauss 1967 [1947]; Turner
1967; Sahlins 2004 [1976]; Seeger 1980).2 Importante assinalar que, a partir dessa perspectiva, os objetos ma-
teriais, como aqueles classificados como tecnologia (Schlanger 1998)
ou como arte (Boas 1955; Levi-Strauss 1958; Forge, 1973; Geertz 1998:
142-181; Gell 1992; Almeida 1998; Price 2000; Lagrou 2000), sero pensa-dos no mais enquanto parte de uma totalidade social e cultural que se confunde com os limites de uma determinada sociedade ou cultura em-piricamente considerada, mas sim enquanto parte de sistemas simblicos
ou categorias culturais cujo alcance ultrapassa esses limites empricos e
cuja funo, mais do que a de representar, a de organizar e constituir
a vida social. Em outras palavras, eles sero interpretados, segundo a ex-
2 Para uma fonte notvel de dados e
interpretaes estimu-
lantes sobre objetos
materiais (mobilirio,
roupas, meios de
transporte, comidas e
bebidas) seus usos e
significados na socie-
dade brasileira, so in-
dispensveis as obras
de Gilberto Freyre
(1981; 2000; 2004);
e especialmente as
de Luis da Cmara
Cascudo (1957; 1983
[1959]; 1962 [1954];
1983 [1963]; 1986
[1968]; 2001); artigos
que publiquei sobre
algumas das obras
de Cascudo podem
ser teis (Gonalves
2000; ver Captulo X
deste livro).
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22 {antropologia dos objetos: colees, museus e patrimnios}
presso basilar de Marcel Mauss, como fatos sociais totais (Mauss 2003),
exigindo portanto que se ponham de quarentena e se problematizem as
categorias classificatrias usadas na sociedade do observador.
ahIstorIcIzaodaantropologIa:areaproxImaoentreantroplogoseosmuseus
Mas a partir dos anos oitenta, como parte do processo de historiciza-o da disciplina, que os objetos materiais, especificamente enquanto par-tes integrantes de colees, museus, arquivos e patrimnios culturais
viro a ser tematizados como foco estratgico para a pesquisa e reflexo
sobre as relaes sociais e simblicas entre os diversos personagens da
histria da antropologia social ou cultural: viajantes, missionrios, et-ngrafos, antroplogos, nativos, colecionadores, museus, universidades, poderes coloniais, lideranas tnicas, etc.
Assiste-se nesse perodo a uma reaproximao entre os antroplogos e
os museus, os quais passam a ser considerados como objetos de pesquisa,
descrio e anlise. Ao mesmo tempo, assiste-se a um trabalho de pro-blematizao sistemtica (e denncia) do papel desempenhado por essas
instituies enquanto mediadores sociais, simblicos e polticos no pro-cesso de construo de representaes ideolgicas sobre diversos grupos
e categorias sociais, especialmente aqueles que foram tradicionalmente eleitos como objetos de estudo da antropologia.
Em parte da literatura antropolgica produzida nas duas ltimas
dcadas do sculo XX sobre os objetos materiais, estes sero estudados
no exclusivamente enquanto partes funcionais e significativas de deter-minados contextos sociais, rituais e cosmolgicos nativos; mas tambm
enquanto componentes dos processos sociais, institucionais, epistemol-gicos, e polticos de apropriao e colecionamento que sofrem por parte
das sociedades ocidentais, atravs de colees, museus, arquivos e patri-mnios culturais (Stocking 1985; Clifford 1988; 1994; 1997; 2002; Hainard
& Kaehr 1982; 1885; Haraway 1989; Karp & Levine 1991; Karp; Kreamer;
Levine 1991; Steven Kirshenblatt-Gimblett 1991; Dias 1991; 1991a; 1994;
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23{jos reginaldo santos gonalves}
Thomas 1991; Ames 1992; Jones 1993; Greenfield 1996; Grupioni 1998; Ja-cknis 2002).
O interesse recente pelo tema na rea de antropologia (sobretudo a
partir dos anos oitenta) est em parte associado a um determinado mo-mento da histria da disciplina que j foi caracterizado por um conhecido
historiador da antropologia como um momento reflexivo, hermenuti-co, interpretativo, desconstrutivo, ou ainda como a manifestao de
uma sensibilidade romntica, que acompanharia toda a histria dessa
disciplina (Stocking 1989:7). Mas evidentemente os objetos materiais que
integram as colees, museus e patrimnios no so estudados apenas
pela sua ntima relao com a histria da antropologia social ou cultural.
essas instituies constituem na verdade o locus de cruzamento de uma srie de relaes de ordem epistemolgica, social e poltica, configurando-
se como reas estratgicas de pesquisa e reflexo para o entendimento das
relaes sociais, simblicas e polticas entre diversos grupos e segmen-tos sociais, especialmente aqueles que se fazem presentes nos contextos
coloniais e ps-coloniais. Acrescente-se que, ao longo de sua histria,
elas desempenharam e desempenham ainda um papel importante na
formao, transmisso e estabilizao de uma srie de categorias de pen-samento fundamentais para o ocidente moderno em suas relaes com as culturas no ocidentais: civilizado / primitivo; natureza / cultura;
civilizao /culturas; passado / presente; tradio / modernidade; erudi-to / popular; nacional / estrangeiro; cincia / magia e religio (Stewart
1984; Haraway 1989; Schwarcz 1998; Santos 1988; 1992; 2003; 2004; Pearce
1992; Kury; Camennietzki 1997; Cavalcanti 2001; Latour 2002). Entre essas
categorias cabe certamente sublinhar o papel desempenhado pela noo
de autenticidade, cuja notvel funo social, poltica e cognitiva j foi
assinalada por diversos autores (Sapir 1985; MacCannell 1976; Handler
1986; Clifford 1988; ver Captulo VII deste livro).O deslocamento dos objetos materiais para os espaos de colees
privadas ou pblicas ou para museus (por exemplo, na condio de ob-jetos etnogrficos ou arte primitiva) pressupe evidentemente a sua
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24 {antropologia dos objetos: colees, museus e patrimnios}
circulao anterior e posterior em outras esferas. Antes de chegarem
condio de objetos de coleo ou de objetos de museu, foram objetos de
uso cotidiano, foram mercadorias, ddivas ou objetos sagrados. Afinal,
conforme j foi sugerido, cada objeto material tem a sua biografia cultu-ral (Kopytoff 1986) e sua insero em colees, museus e patrimnios
culturais apenas um momento na vida social. No entanto, esse momen-to crucial pois nos permite perceber os processos sociais e simblicos por
meio dos quais esses objetos vm a ser transformados ou transfigurados
em cones legitimadores de idias, valores e identidades assumidas por
diversos grupos e categorias sociais.
ocolecIonamentocomocategorIadepensamentoEsse processo de deslocamento dos objetos materiais do cotidiano
para o espao de museus e patrimnios pressupe uma categoria fun-damental: o colecionamento. Na verdade, toda e qualquer coletividade
humana dedica-se a alguma atividade de colecionamento, embora nem
todas o faam com os mesmos propsitos e segundo os mesmos valores presentes nas modernas sociedades ocidentais. Quem coleciona o qu,
onde, segundo quais valores e com quais objetivos? Basicamente, toda e
qualquer coleo pressupe situaes sociais, relaes sociais de pro-duo, circulao e consumo de objetos, assim como diversos sistemas de
idias e valores e sistemas de classificao que as norteiam. Em algumas
sociedades colecionam-se determinados objetos materiais com o prop-sito de redistribu-los ou mesmo de destru-los; no ocidente moderno, o
colecionamento est fortemente associado acumulao (Mauss 2003;
Malinowski [1922] 1976; Clifford 1988).
Um dos espaos institucionais que no contexto globalizado das
modernas sociedades ocidentais abrigam e exibem as colees (espe-cialmente as colees etnogrficas) so os museus. Enquanto insti-tuies culturais, ele tm acompanhado os ltimos cinco sculos de
histria da civilizao ocidental, assumindo funes e significados
diversos ao longo desse tempo e em diferentes contextos scio-cul-
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25{jos reginaldo santos gonalves}
turais. Desde os gabinetes de curiosidades dos sculos XVI e XVII
s colees privadas de nobres e ricos burgueses da Renascena, pas-sando pelos museus de histria natural e pelos museus nacionais
do sculo XIX e incio do sculo XX, at os museus do final do sculo
XX e princpios do sculo XXI, essa instituio parece traduzir ou
representar, em suas estruturas materiais e conceituais, concepes diversas da ordem csmica e social (Oliver Impey 2001; Kury & Came-netzky 1997; Sherman & Rogoff 1994). Alm disso, a instituio pare-ce estar intimamente associada aos processos de formao simblica
de diversas modalidades de autoconscincia individual e coletiva no
ocidente moderno.
Nas ltimas dcadas, observa-se um notvel crescimento dos museus
em todo o planeta. Aparentemente, estamos vivendo uma nova era dos
museus semelhante (embora com diferentes significados e funes)
quela que caracterizou a segunda metade do sculo XIX e incio do
sculo XX. sintomtico que, desde os anos oitenta do ltimo sculo,
essa instituio, enquanto tema de reflexo, tenha ocupado progressi-vamente um maior espao nos debates acadmicos (em antropologia,
em histria, em sociologia e nos chamados estudos culturais), o que
se manifesta na crescente e significativa bibliografia produzida sobre
o tema, sobretudo nos EEUU e na Europa, mas tambm no Brasil (ver Captulo III deste livro).
Em parte dessa bibliografia, a coleo aparece como uma categoria
histrica e culturalmente relativa, prpria do ocidente moderno e sujei-ta a transformaes intelectuais e institucionais. Mas ela pode assumir
uma dimenso mais ampla e ser pensada no apenas como uma categoria nativa do ocidente moderno, mas como uma categoria universal, como uma prtica cultural presente em toda e qualquer sociedade humana.
Desse modo, ela assume em alguns autores rendimento analtico, servindo
como eixo para uma anlise comparativa (Baudrillard 1989; Alexander
1979; Hainard & Kaehr 1982; 1985; Pomian 1987; 1991; 1997; 1997a; 2003;
Clifford 1988; ver Captulo III deste livro) .
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26 {antropologia dos objetos: colees, museus e patrimnios}
No contexto da recente literatura produzida sobre colees e museus
etnogrficos, o centro da discusso est evidentemente nos limites da re-presentao etnogrfica do outro. A discusso se far a partir de outras
formas de representao etnogrfica que no exclusivamente os textos:
fotografias, filmes, exposies em museus, etc.3 A partir desse enfoque, as colees e museus etnogrficos deixam de aparecer como conjuntos
de praticas ingnuas ou neutras, para serem redesenhadas como espaos
onde se constituem formas diversas da autoconscincia moderna: a do
etngrafo, a do colecionador, a do nativo, a do civilizado, do primitivo, etc.
(Stocking 1985; Clifford 1985: 236-246; Clifford 1988; Kirshenblatt-Gimblett
1991; Dias 1991; Hollier 1993).
objetosmaterIaIscomopatrImnIosculturaIsEm um sugestivo texto onde comenta o poder dos objetos, Annette
Weiner afirma:
...ns usamos objetos para fazer declaraes sobre nossa identidade, nossos objeti-
vos, e mesmo nossas fantasias. Atravs dessa tendncia humana a atribuir significa-
dos aos objetos, aprendemos desde tenra idade que as coisas que usamos veiculam
mensagens sobre quem somos e sobre quem buscamos ser. (...) Estamos intimamente
envolvidos com objetos que amamos, desejamos ou com os quais presenteamos os
outros. Marcamos nossos relacionamentos com objetos (...). Atravs dos objetos
fabricamos nossa auto-imagem, cultivamos e intensificamos relacionamentos. Os
objetos guardam ainda o que no passado vital para ns. (...) no apenas nos fazem
retroceder no tempo como tambm tornam-se os tijolos que ligam o passado ao
futuro. (Weiner 1987: 159).
Na formulao mais abrangente e mais precisa de um outro antrop-logo, Roy Wagner, os objetos materiais, de certo modo, constituem nossa
subjetividade individual e coletiva:
Existe uma moralidade das coisas, dos objetos em seus significados e usos conven-
cionais. Mesmo ferramentas no so tanto instrumentos utilitrios funcionais
quanto uma espcie de propriedade humana ou cultural comum, relquias que
3 interessante observar que essa dis-
cusso (sobre modos
alternativos de repre-
sentao etnogrfica),
que, para muitos,
teria sido uma criao
dos chamados ps-
modernos, , na ver-
dade, um problema j
assinalado por Clifford
Geertz no incio dos
anos 70: ...a maior
parte da etnografia
encontrada em livros
e artigos, em vez de
filmes, discos, exposi-
es de museus, etc.
Mesmo neles h, cer-
tamente, fotografias,
desenhos, diagramas,
tabelas e assim por
diante. Tem feito falta
antropologia uma
autoconscincia sobre
modos de represen-
tao (para no falar
de experimentos com
elas) (1973:30).
-
27{jos reginaldo santos gonalves}
constrangem seus usurios ao aprenderem a us-los. Podemos mesmo sugerir [...]
que esses instrumentos usam os seres humanos, que brinquedos brincam com
as crianas, e que armas nos estimulam luta. [...] Assim, em nossa vida com esses
brinquedos, ferramentas, instrumentos e relquias, desejando-os, colecionando-os,
ns introduzimos em nossas personalidades todo o conjunto de valores, atitudes e
sentimentos na verdade a criatividade daqueles que os inventaram, os usaram,
os conhecem e os desejam e os deram a ns. Ao aprendermos a usar esses instru-
mentos ns estamos secretamente aprendendo a nos usar; enquanto controles, esses
instrumentos mediam essa relao, eles objetificam nossas habilidades (Wagner
1981: 76-77).
Esses dois textos apontam de formas distintas para a funo simb-lica dos objetos materiais nos processos de formao de modalidades de
autoconscincia individual e coletiva. A sugesto que sem os objetos no
existiramos; ou pelo menos no existiramos enquanto pessoas social-mente constitudas. Sejam os objetos materiais considerados nos diver-sos contextos sociais, simblicos e rituais da vida cotidiana de qualquer
grupo social; sejam eles retirados dessa circulao cotidiana e desloca-dos para os contextos institucionais e discursivos das colees, museus
e patrimnios; o fato importante a considerar aqui que eles no apenas
desempenham funes identitrias, expressando simbolicamente nossas
identidades individuais e sociais, mas na verdade organizam (na medida em que os objetos so categorias materializadas) a percepo que temos
de ns mesmos individual e coletivamente (Clifford 1985).
Na vida social em geral os objetos materiais podem circular na forma
de mercadorias, podendo ser livremente comprados e vendidos; ou na
forma de ddivas e contra-ddivas; ou ainda terem a sua circulao res-tringida na forma de bens inalienveis (Weiner 1992). Evidentemente, os
objetos materiais esto submetidos a um processo permanente de circula-o e reclassificao, podendo ser deslocados da condio de mercadoria
para a condio de presentes; ou da condio de presentes para a condio
de mercadorias; e alguns desses objetos podem ser elevados condio
de bens inalienveis, os quais, nessa condio, em princpio no podem
-
28 {antropologia dos objetos: colees, museus e patrimnios}
ser nem vendidos e nem doados, mas que integram os sistemas de trocas recprocas para que paradoxalmente possam ser mantidos e guardados
sob o controle de determinados grupos (Mauss 2003; Gregory 1982; Weiner
1992; Godelier 2001; Hnnaf 2002:135-207).
possvel que essa categoria universal de bens nos possa ser til para
entender ao menos parcialmente aqueles objetos que, uma vez retirados
da circulao cotidiana, vm a ser, no contexto das modernas sociedades
ocidentais, classificados como patrimnio cultural. Objetos que compem
colees particulares podem ser vendidos e comprados; e mesmo objetos
que integram o acervo de museus podem eventualmente ser vendidos ou trocados; mas, em princpio, no admitido esse procedimento para aqueles
objetos classificados como patrimnio cultural por determinado grupo
social. Na medida em que assim classificados e coletivamente reconhecidos,
esses objetos desempenham uma funo social e simblica de mediao
entre o passado, o presente e o futuro do grupo, assegurando a sua conti-nuidade no tempo e sua integridade no espao.
Nas ltimas dcadas, tem crescido notavelmente a literatura sobre os
chamados patrimnios culturais em diversas reas, mas especialmente
na rea de antropologia4. Grande parte desses estudos corretamente tem assinalado as funes identitrias daqueles objetos materiais (ou mesmo
de supostos bens imateriais ou intangveis) na representao pblica
de identidades coletivas (naes, grupos tnicos, grupos religiosos, bair-ros, regies). Aparentemente, menos nfase vem sendo dada natureza
mesma dos objetos eleitos como patrimnio (sua forma, o material com
que so produzidos, as tcnicas de produo adotadas, seus usos sociais e rituais) para representar uma determinada identidade e memria. Em
alguns estudos, a sugesto implcita ou explcita de que a escolha desses
objetos seria de natureza arbitrria, contingente, materializando o que
seriam emblemas de tradies inventadas (Hobsbawm&Ranger 1992).
As aes que levariam a tais escolhas seriam conscientes e intencionais,
visando propsitos ideolgicos e polticos em contextos sociais marcados
pelos conflitos de interesses e valores.
4 Para a j extensa produo bibliogrfi-
ca sobre patrimnio
cultural no Brasil,
vale a pena consul-
tar: Arantes 1984;
Gouveia 1985; Abreu
1996; 2003; Londres
1997; 2001; Rubino
1991; Santos 1992;
Lima Filho 2001;
Proena 2004; entre
muitos outros. Para
a discusso dessa
categoria no contexto
francs, especialmen-
te do ponto de vista
dos historiadores, ver
(Nora 1997).
-
2{jos reginaldo santos gonalves}
Se formos coerentes com a perspectiva que estamos explorando, tere-mos que efetivamente perguntar se afinal assim arbitrrio e contingente
esse processo de escolha e se, ao legitimarmos essa tese, no estaremos
nos prendendo lgica etnocntrica da razo prtica (Sahlins 1976).
A tese da inveno dos patrimnios vem se tornando uma verdadeira
obsesso e penso se no seria tempo de explorarmos a sugesto segundo
a qual mais importante que a inveno das tradies, seria pensarmos
na inventividade das tradies (Sahlins 1999). Ou, parafraseando a rica
sugesto de Roy Wagner, se no ser oportuno considerar se no so afinal
os patrimnios culturais que nos inventam (no sentido de que cons-tituem nossa subjetividade), ao mesmo tempo em que os construmos no
tempo e no espao. Em outras palavras: quando classificamos determi-nados conjuntos de objetos materiais como patrimnios culturais, esses
objetos esto por sua vez a nos inventar, uma vez que eles materializam
uma teia de categorias de pensamento por meio das quais nos percebemos
individual e coletivamente. Por esse prisma, a categoria patrimnio cul-tural assume uma dimenso universal e no seria apenas um fenmeno
ocidental e moderno: na verdade, manifestar-se-ia de formas diversas em toda e qualquer sociedade humana.5
Nesse sentido, os processos sociais e culturais que levam escolha
desses objetos escapam em grande parte s nossas aes conscientes
e propositais de natureza poltica e ideolgica. Seria importante para
o entendimento de sua natureza o trabalho de acompanhamento dos
processos sociais e simblicos de circulao, deslocamento e de reclas-sificao que os elevam condio de patrimnios culturais. nesses
processos de reclassificao que podemos surpreender a construo e os
efeitos daquelas categorias fundamentais de objetos situados para alm da
condio de mercadorias ou ddivas: objetos que, retirados da circulao
mercantil e da troca recproca de presentes, acedem condio de bens
inalienveis, e que circulam, paradoxalmente, para serem guardados e
mantidos sob o controle de determinados grupos e instituies, assegu-rando para estas sua continuidade no tempo e no espao.
5 Do ponto de vista das ideologias das modernas socieda-des ocidentais, a categoria patrimnio tende a aparecer com delimitaes muito precisas. uma categoria individualizada, seja enquanto patrimnio econmico e finan-ceiro; seja enquanto patrimnio cultural; seja enquanto patri-mnio gentico; etc. Nesse sentido, suas qualificaes acom-panham as divises estabelecidas pelas modernas categorias de pensamento: economia; cultura; natureza; etc. Sabe-mos no entanto que essas divises so construes histri-cas. Podemos pensar que elas so naturais, que fazem parte do mundo. Na verdade resultam de proces-sos de transformao histrica e continuam em mudana. A ca-tegoria patrimnio, tal como ela usada na atualidade, nem sempre conheceu fronteiras to bem delimitadas. Em con-textos no modernos (e mesmo em contex-tos especficos das modernas sociedades ocidentais) ela tende a assumir formas totais, incorporando amplas dimenses cosmolgicas e so-ciais, exigindo assim o seu entendimento como fatos sociais totais (ver Captulo VI deste livro) .
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1984 [1956] Language, thought and reality. The M.I.T. Press.
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