antónio coutinho: "somos bem conhecidos em todo o mundo"

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António Coutinho: "Somos bem conhecidos em todo o mundo" António Coutinho Diretor do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) em entrevista para o Jornal Expresso de 16/04/2011 Textos Virgílio Azevedo Fotos TIAGO MIRANDA

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AntónioCoutinhoSomosbemconhecidosemtodoomundo António Coutinho Diretor do Instituto Gulbenkian de Ciência IGC

Textos VIRGÍLIO AZEVEDOFotos TIAGO MIRANDA

O Instituto Gulbenkian de Ciência IGCestá entre os dez melhores centros de in

vestigação do mundo para doutorados fora dos EUA E produziu em 10 anos maisde 30 dos artigos portugueses de ciências biomédicas nas melhores revistascientíficas internacionais O seu diretorAntónio Coutinho diz que ainda há umcaminho importante a percorrer mas reconhece que o IGC já é uma referênciamundial no ano do seu 50° aniversário

É o segundo ano em que o IGC figurano Top 10 dos melhores lugares para doutorados fora dos EUA A que se deve estereconhecimento internacional

Antes de mais à produção científica Seanalisarmos através dos rankings internacionais os artigos publicados por instituições portuguesas nas melhores revistas de referência mundial das ciências

biomédicas como a Nature ou a Science o IGC é responsável por 30 de todaa produção científica de topo do país nosúltimos dez anos e bastante mais nas

grandes revistas de biomedícína Depoisa reputação e a imagem que se foi criando da maneira de viver no IGC como ofacto de não haver nenhuma hierarquiaSempre nos esforçámos por viver com base em princípios sólidos que partilhamose quando se partilham os princípios nãoé preciso ter regras para nada Cada umpode decidir a todos os níveis o que estámais de acordo com esses princípios

Há um ambiente científico muito estimulante

Sim e é um ambiente de alguma maneira alegre bem disposto As pessoasdiscutem muito opõem se muito mas háum ambiente saudável Um dos cientis

tas estrangeiros que cá trabalham diziaque o IGC lhe parecia um summer campum campo de férias simpático agradável Depois temos investigadores de maisde 30 países o que também contribuiupara este reconhecimento internacionalPor outro lado nos programas doutoraisda Fundação Gulbenkian que se têm vindo a desenvolver desde 1993 os doutorandos portugueses enviados para o estrangeiro —osGulbenkian students—ganharam uma reputação extraordináriade qualidade e são hoje disputados quasea peso de ouro por esse mundo fora Ofacto de as nossas temáticas científicas se

rem muito transversais bastante diversificadas onde toda a gente pode falar detudo e discutir tudo também atrai muitos investigadores que estão continuamente expostos àquilo que de melhor sevai fazendo pelo mundo em todas asáreas da biologia e da medicina

Os prémios a cientistas do Instituto

têm se multiplicado bem como os artigos em revistas de topo O Instituto éuma referência internacional

Penso que há ainda um caminho importante a percorrer mas somos umainstituição que adquiriu um perfil bemconhecido em todo o mundo particularmente na Europa Não estamos entre asabsolutamente melhores instituições domundo mas somos referência para muitas coisas mesmo na qualidade da ciência que fazemos Se considerarmos quea primeira divisão da Europa reúne as12 melhores instituições ou estamos láou estamos quase a entrar Não estou afalar tanto em termos de dimensão porque as instituições de investigação nãosão empresas e o sonho do IGC não deve ser crescer mas fazer coisas maisbem feitas dentro de um volume conti

do Tanto assim que se formos avaliar aprodutividade do investimento costuma haver uma relação inversa com a dimensão da instituição Grandes instituições europeias como o Instituto Karolinska Suécia ou o Instituto PasteurFrança apesar de produzirem muitíssimo boa ciência e em grande quantidadesão das menos rentáveis da Europa poreuro investido porque são máquinas demasiado pesadas

É muito crítico em relação ao formatodos doutoramentos na Europa depois doAcordo de Bolonha PorquêPorque é suposto os estudantes faze

rem doutoramentos em três anos o queé uma estupidez total porque o doutoramento é um processo muito individualque varia bastante conforme a área científica O que está em causa é muito sérioem especial em áreas de ciência básicanomeadamente em biologia Se um aluno de doutoramento entra num laborató

rio o que se espera de uma tese é quehaja uma hipótese de um processo biológico novo Isto muitas vezes demora tempo e não é possível prever se são doistrês ou cinco anos Ora o que está a acontecer na Europa é que o orientador dodoutoramento sabendo que o aluno sótem três anos dá lhe experiências parafazer que tem a certeza que funcionamOu seja estamos a deitar à rua o melhorda criatividade que está na cabeça dos jovens doutorandos

O doutoramento está a ser distorcidoPrecisamente Não estamos a usar os

jovens como criativos mas como técnicos especializados Em vez de termos milhares de cabeças a criar na Europa temos apenas as dos orientadores de doutoramento Se esta tendência se manti

ver vamos perder rapidamente a criatividade desta geração e das seguintes oque é justamente aquilo que mais faltanos faz É preocupante porque as pessoas habituam se a ser executantes e a

não determinar o seu próprio destino

O IGC segue um caminho diferenteQuando começámos os programas de

doutoramento em 1993 o objetivo eratentarmos inverter o processo tradicional dos doutoramentos em Portugal Admitíamos os alunos dávamos um ano deformação muito intensa trazendo aoInstituto os melhores cientistas do mun

do da área da biologia E continuamos afazer isso temos 100 convidados porano a fazer seminários e a dar aulas porque só depois de um aluno ter uma formação deste tipo é que está informadode quais são as linhas de investigação deponta que pretendem responder àsquestões mais importantes É exigimosque os nossos alunos escrevam o seu projeto antes de irem para um laboratórioClaro que depois têm de convencer umorientador que o seu projeto é bom eque vale a pena investir nele Este processo é muito melhor mas leva quasesempre mais de três anos desde o tempo da formação inicial Hoje há perguntas fundamentais em biologia em quepraticamente não há ninguém a trabalhar em todo o mundo Por exemplonão fazemos a mínima ideia de qual é aidade com que se morre de velhice e não

de doença ou do que determina a esperança de vida à nascença Mas não é numa tese de doutoramento de três anos

que se consegue estudar tudo isto

Nos programas de doutoramento oInstituto está a ter uma prática diferentedo resto do paísLargamente diferente do que se passa

no resto do país e no resto da Europa Oque melhorou muito na Europa foi o facto de os alunos deixarem de fazer o dou

toramento em casa na universidade onde se formam ou perto dela Hoje muitosvão para outros países tratar da sua tesee trabalhar no laboratório ideal para ofazer o que é um progresso enorme

Apesar de ser uma instituição privadao IGC parece ter uma vocação de serviçopúblico às outras instituições de investigação nacionaisTem sido essa a nossa missão prioritá

ria Nos últimos dez anos o IGC atraiu e

instalou sucessivos grupos de investigadores com vontade de mudar as ciências

biomédicas em Portugal e de mostrarque aqui se pode fazer boa ciência Instalámos até agora 75 grupos de investigação e só dois ou três é que não vieram defora a nossa ideia não é despovoar o quejá há de bom no país mas pelo contráriotrazer investigadores portugueses do estrangeiro e investigadores estrangeirosincubá los no IGC durante alguns anos eexportá los de volta para outras instituições sobretudo nacionais Com a saídade grupos para a Fundação Champalimaud chegaremos a 42 grupos exportados e só uma dúzia saiu de Portugal

vazevedo@expresso impresapt

Biologia evolutiva relaçãomicróbio hospedeiroimunologia e inflamação sãoas áreas onde o IGC é mais

competitivo a nível global

A biologia evolutiva é a área emque o Instituto Gulbenkian deCiência é mais reconhecido a nível internacional como um centro

de grande excelência É a base detudo que foi necessário desenvolver muito cedo — tal comoabiologia computacional — porqueoIGC precisava de temas federadores em que todos os investigadores estivessem interessadosMas há outras áreas de reconhe

cimento mundial Os artigos científicos saídos do Instituto que têmsido mais citados nos últimos

anos500 e mais citações são sobre imunologia inflamação relação micróbio hospedeiro enfimáreas muito transversais porqueenvolvem a microbiologia asdoenças autoimunes as alergiasas doenças crónicasUma área mais recente em que

o IGC está também a afirmar seé a biologia celular do cancro Aqui temos vários grupos de investigação muito competitivos a nívelinternacional considera António Coutinho Em todo o caso o

seu diretor reconhece que o Instituto tem potencial para um diaser líder mundial em outras

áreas sobretudo naquelas degrande transversalidadeLocalizado em Oeiras o IGCtem cerca de 120 investigadoresdoutorados 46 dos quais os chefes dos grupos de investigaçãosão completamente autónomosnão só do ponto de vista científicocomo do ponto de vista financeiro isto é tudo o que fazem depende do dinheiro que vão buscar fora de forma competitiva porqueo orçamento institucional do IGCé utilizado apenas para manter asplataformas tecnológicas os equipamentos a formação científicaprogramas doutorais seminários conferências workshops ebolsas de iniciação

Cientistas de 30 paísesHá ainda mais de 100 alunos de

doutoramento 15 técnicos superiores e muitos estagiários licenciados a participar na investigação Ao todo os investigadoressão oriundos de mais de 30 países e 50 dos alunos de doutoramento e 35 dos chefes dos grupos de investigação são estrangeiros O IGC não é muito grande

Expresso

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132350

Nacional

Informação Geral

Semanal

Página (s):Imagem:

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Temática:Periodicidade:

Classe:

Âmbito:Tiragem:16­04­2011

Ciência

comparado com outros centrosmas António Coutinho diz que ocaminho a percorrer passa sobretudo por investir mais em qualidade e não por crescer em volumeO financiamento anual da Fun

dação Gulbenkian tem se mantido nos cinco milhões de euros

30 do total a que se somam2 5 milhões da Fundação Champalimaud para o Programa deNeurociências que está agora atransferir se para o Centro Champalimaud em Lisboa quatro milhões em salários e bolsas exter

nas e quase seis milhões que os46 grupos de investigação vãobuscar fora de uma forma competitiva a programas europeus e nacionais a instituições e empresasO nosso desenho institucional

é muito baseado na autonomia

dos grupos de investigação e osseus líderes são uma espécie demicroempresários porque têmde procurar financiamentos paraalém dos salários assinala o diretor do IGC Isto tem sido tam

bémuma das nossas práticas positivas estimular o empreendedorismo e a autonomia dos investigadores E formar mais alunos Em

setembro de 2010 já tinham entrado 509 desde que foram iniciadosos programas doutorais em 1993

Chikhi França

Há condições detrabalho atrativas

Tem 43 anos veiode Toulouse é investigadorprincipal e lidera o grupode Genética das Populaçõese Conservação desde 2006

Criou o grupo de investigação deGenética das Populações e Conservação em 2006 no InstitutoGulbenkian de Ciência e hoje reparte o seu trabalho entre o IGC eo famoso Centre National delaRecherche Scientifique CNRSem Toulouse França Lounès Chikhi um francês de 43 anos de idade filho de pais argelinos vivecom a família em Portugal e afirma que nos últimos anos o ambiente científico mudou muito

O país não estava no mapa mundial da ciência e agora está pelomenos nesta área de investigação O IGC está entre as instituições científicas nacionais que os

estrangeiros mais conhecem devido à sua política muito proativaque levou ao convite de muitoscientistas de outros países paratrabalharem e darem aulas em

Portugal explica este investigador principalChikhi começou a trabalhar naFaculdade de Ciências da Univer

sidade de Lisboa onde conheceuo diretor do IGC António Coutinho que o convidou para criarum novo grupo de investigação Ainstituição não era estranha parao cientista francês porque ele jádava aulas nos seus cursos avançados desde 2001 e concluiu quehavia condições de trabalho atrativas Hoje lidera uma equipa dedez pessoas e o seu projeto maisimportante estuda a perda e afragmentação de habitais em espécies animais ameaçadas em Madagáscar em especial os lémures

Raffaella Gozzelino Itália

Ambiente científicoé fantástico

Doutorou se em LéridaEspanha veio de AlbaItália tem 35 anos e umabolsa de pós doutoramentono grupo de Inflamação

Estava a acabar o doutoramento

em neurobiologia molecular naUniversidade de Lérida perto deBarcelona e procurava grupos deinvestigação que pudessem ajudá la em experiências de laboratório Conheceu então o grupo de Inflamação do IGC liderado por Miguel Soares e gostou do InstitutoGulbenkian de Ciência Raffaella

Gozzelino ficou por cá cinco meses e no final Soares propôs lheque fizesse um pós doutoramento Voltou então a Lérida para defender a sua tese e regressou aPortugal onde vive desde 2007

O IGC é dos melhores a nívelinternacional e o ambiente cientí

fico é fantástico permite discutir

resultados com todos os gruposde investigação mesmo os quenão estão diretamente ligados aonosso trabalho explica Raffaella Por outro lado todas as semanas temos seminários com cientis

tas estrangeiros o que nos leva aestabelecer muitos contactos e co

laborações com grupos a nível internacional A cientista italiana

está a investigar as formas severas de malária e sublinha que háequipamentos muito bons noIGC não precisamos de sair daqui para fazer experiênciasFilha de pai italiano e mãe ca

bo verdiana Raffaella vivia em Alba licenciou se em química farmacêutica e trabalhou em contro

lo de qualidade numa empresa decosmética de Turim Mas semprequis fazer investigação o que a levou a Espanha onde conseguiuum contrato de trabalho na Faculdade de Medicina de Lérida

Expresso

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Tiragem:Âmbito:

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Imagem:Página (s):16­04­2011

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