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ANEXO II
OS PARÂMETROS DO CONTO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO
NO PRÊMIO JABUTI DE 1999 A 2008
Luiz Gonzaga Marchezan
UNESP, Araraquara/FAPESP
A presente reflexão tem por objetivo analisar a disposição do ideário ficcional
que perpassa os contos premiados e finalistas do Prêmio Jabuti no período de 1999 a
2008. São 33 obras premiadas∗, que compreendem um total de 610 contos, de 24
contistas. A pluralidade de motivos, valores e práticas literárias, que encontramos, pôde
ser organizada, sem riscos de homogeneização, em conjuntos narrativos que configuram
os parâmetros dos contos em pauta. Os conjuntos narrativos depreendidos exploram a
cólera, o humor e a memória.
Procuramos apreender aquilo que Bosi nomeia “a máscara estética possível para
nossos dias” e a encontramos mesmo, como também prevê o estudioso, na oscilação
∗ Segue a relação anual das obras vencedoras e finalistas (a premiação ocorreu sempre no ano posterior à publicação). 1999: Charles Kiefer. Antologia pessoal. Mercado Aberto, 1998; Rubens Figueiredo. As palavras secretas. Cia. das Letras, 1998; João Inácio Oswald Padilha. Bolha de luzes. Cia. das Letras, 1998. 2000: Rubem Fonseca. Confraria das Espadas. Cia. das Letras, 1999; Raimundo Carrero. As sombrias ruínas. Iluminuras, 1999; Marçal Aquino. O amor e outros objetos pontiagudos. Geração Editorial, 1999; Ignácio Loyola Brandão. O homem que odiava a segunda-feira. Global, 1999; Menalton Braff. À sombra do cipreste. Palavra mágica, 1999. 2001: Lygia Fagundes Telles. Invenção e memória. Cia das Letras, 2000. 2002: Marçal Aquino. Faroestes. Ciência do Acidente, 2001; Rubem Fonseca. Secreções, excreções e desatinos. Campo das Letras, 2001. 2003: João Anzanello Carrascoza. Duas tardes. Boitempo, 2002; Lygia Fagundes Telles. Durante aquele estranho chá. Rocco, 2002; Rubem Fonseca. Pequenas criaturas. Cia. das Letras, 2002. 2004: Sérgio Sant´Anna. O vôo da madrugada. Cia. das Letras, 2003; José Roberto Torero. Pequenos amores. Objetiva, 2003; João Gilberto Noll. Mínimos, múltiplos, comuns. Francis, 2003. 2005: Paulo Henriques Britto. Paraísos artificiais. Cia. das Letras, 2004; Edgard Telles Ribeiro. Histórias mirabolantes de amores clandestinos. Record, 2004; Cíntia Masovitch. Arquitetura do arco-íris. Record, 2004. 2006: Marcelino Freire. Contos negreiros. Record, 2005; Silviano Santiago. Histórias mal contadas. Rocco, 2005; Mário Araújo. A hora extrema. 7 Letras, 2005. 2007: Rubens Figueiredo. Contos de Pedro. Cia. das Letras, 2006; Menalton Braff. A coleira no pescoço. Bertrand do Brasil, 2006; Charles Kiefer. Logo tu repousarás também. Record, 2006; Rubem Fonseca. Ela e outras mulheres. Cia. das Letras, 2006; Artur Oscar Lopes. A casa de minha vó e outros contos exóticos. Edições Inteligentes 2006; João Anzanello Carrascoza. O volume do silêncio. Cosac Naify, 2006; Autran Dourado. O senhor das horas. Rocco, 2006. 2008: 2008: Vera do Val. Histórias do Rio Negro. Martins Fontes, 2007; Jorge Eduardo Pinto Hausen. A Prenda de seu Damaso e Outros Contos. Alcance, 2007; Jaime Prado Gouvêa. Fichas de Vitrola. Record, 2007.
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“entre o retrato fosco da brutalidade corrente e a sondagem mítica do mundo, da
consciência ou da pura palavra” (1977, p.22).
Na organização deste texto, consideramos as diretrizes do Prêmio Jabuti, que,
não poderia ser diferente, orientam as candidaturas dos autores; apresentamos as bases
teóricas que fundamentam o tratamento que fazemos das obras, em que destacamos os
conceitos de conto de enredo e conto de atmosfera, bem como a noção de conjunto
narrativo. Na sequência, dedicamos uma seção para cada um dos três conjuntos
narrativos depreendidos, que, como já adiantamos acima, compõem o universo da
cólera, do humor e da memória. O estudo se fecha com uma reflexão que busca, à guisa
de conclusão, considerar a totalidade dos contos examinados.
Antes das coordenadas, expostas acima, no entanto, optamos por fazer alguns
registros iniciais, índices e notícias, sobre a leitura no Brasil e por examinar os
paratextos publicados nos volumes dos contos – partes de um todo a ser considerado
conforme o propósito central desta pesquisa.
Segundo a 4ª. edição de Retratos da Leitura no Brasil (2016), o brasileiro lê, por
ano, 4,96 livros. Desses, 3 foram indicados pela escola. O leitor brasileiro lê, em média,
1 livro (inteiro ou em parte) a cada 3 meses, conforme essa mesma estatística, que se
mantém sem alterações nos últimos 12 anos e em que se observa também que muitos
leitores não se lembram dos títulos lidos.
No mesmo recenseamento constatamos que, entre estudantes e não estudantes,
num rol de 2978 pesquisados, 22% leem contos. Por escolaridade, esses leitores de
contos no ensino Fundamental I (1ª. a 5ª. série) são 22%; no Fundamental II (6ª. e 9ª
série), 25%; no ensino Médio, 20% e no Superior, 20%. Por faixa etária, mantido o
mesmo rol de consultados, o percentual de leitores de contos mostra-se da seguinte
maneira: na faixa etária de 5 a 10 anos, é de 37%; de 11 a 13, 40%; de 14 a 17, 31%, de
18 a 24, 23%; de 25 a 29, 21%; de 30 a 39, 12%; de 40 a 49, 14%; de 50 a 59, 13% e de
70 para mais, 11%.
Há que se notar que os contos finalistas e premiados não participam das
categorias de livros mais vendidos em nenhuma das edições de Retratos de Leitura no
Brasil, nem do elenco dos autores admirados ou conhecidos pelos leitores brasileiros.
Pode-se detectar, em categorias diversas concorrentes ao Prêmio Jabuti, um movimento
ascendente nos números de inscrições a partir de 2008, ano em que foi superior a 2000.
De 2009 a 2016, as inscrições sempre ultrapassaram o número de 2200, chegando a
2867 em 2010. Seguindo a linha do tempo, em 2015, houve, no entanto, uma redução de
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12,6% no faturamento das editoras, pior resultado desde 2002; e em 2016, de abril a
maio, o mercado vendeu 31,6 % a menos do que no mesmo período de 2015.
Dos 33 volumes em questão, nesta pesquisa, 31 encontram-se na 1ª. edição; os
dois restantes Confraria das Espadas (1999)∗, de Rubem Fonseca, conta com 2ª. edição
e À sombra do cipreste (1999), de Menalton Braff, soma seis edições. Algumas obras
foram incluídas na lista de leitura de vestibulares nacionais: Paraísos artificiais (2004),
de Paulo Henriques Britto, aparece na lista de três vestibulares; Durante aquele
estranho chá (2002), na lista de dois; Pequenas criaturas (2002), de Rubem Fonseca, O
vôo da madrugada (2003), de Sérgio Sant´Anna, e Contos negreiros (2005), de
Marcelino Freire, na lista de um vestibular.
Ainda conforme a 4ª. edição de Retratos da Leitura no Brasil, o Brasil
experimenta o aumento da escolaridade média de sua população, ao mesmo tempo em
que constata que apenas 1 em cada 4 brasileiros tem habilidade de leitura. Já a criança
brasileira, na escola, mostra-se apta para a leitura aos 5 anos. A pesquisa também
detecta que a população adulta, fora da escola, fora, portanto, da órbita de indicação
escolar de livros, tem lido mais, por iniciativa e vontade própria. Esse interesse pela
leitura, hoje, encontra-se associado à busca de conhecimento. Parece haver uma
movimentação no público leitor, que passa a ler ao longo de toda a vida e em lugares e
plataformas diversas, impulsionado pela televisão, pela internet, pelas redes sociais, etc.
A pesquisa ainda indica que metade dos leitores brasileiros lê por empréstimo, a
outra metade adquire seus livros e 30% afirmam nunca ter adquirido um volume. O
assunto do livro, indicado em orelhas e prefácios dos volumes, é o grande motivador da
escolha para a leitura ou compra da obra.
PARATEXTOS: ORELHAS, PREFÁCIOS, POSFÁCIOS
Dos 33 volumes estudados, 13 incluem orelhas assinadas por um crítico, exceto
um deles cuja orelha é escrita pelo próprio autor; 19 contam com orelhas sem uma
assinatura; e um único não conta com orelha, mas insere um prefácio assinado pelo
contista em coautoria com um crítico. Observamos, ainda, que, além de orelhas, 15
volumes trazem prefácios ou posfácios, às vezes, mais de um posfácio. Lygia Fagundes
∗ Neste texto, identificaremos, sempre, a data da primeira publicação, conforme consta da nota anterior.
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Telles, em Durante aquele estranho chá (2002), faz nota introdutória para o seu livro e
dois críticos os posfácios.
O assunto das orelhas assinadas dirige-se a um público leitor. A título de
explicação, faremos um comentário acerca da disposição dos textos de orelhas e
prefácios dos volumes que receberam mais de uma edição, e também daqueles
escolhidos como leituras obrigatórias de exames vestibulares.
Confraria das Espadas (1999), de Rubem Fonseca, na 2ª. edição, conta com um
texto anônimo como orelha, e traz, ao final do volume, notas biográficas sobre o autor e
mais dois textos, um de Sérgio Augusto, “Prazer & Morte”, e outro de Malcom
Silverman, “Resenha”. Seguindo o estudo de Silviano Santiago sobre a obra de Rubem
Fonseca, Sérgio Augusto inclui Confraria das Espadas na terceira fase do autor,
momento em que substitui argumentos calcados na racionalidade, por outros, calcados
no “delicioso, injurioso, luxurioso e libidinoso nonsense” (AUGUSTO, 2014, p. 142).
Para Sérgio Augusto, o livro afasta-se de quaisquer traços da dignidade humana, e
mostra o homem em situações de “prazer e morte” (AUGUSTO, 2014, p. 143). Malcom
Silverman, por sua vez, considera a obra em questão como as anteriores, sem diferenciá-
la das demais: trata-se de “um cosmos enlouquecidamente ficcional refletido numa
disfunção sociossexual (...) [em que] persiste, aí, a natureza patológica das relações
sociais” (SILVERMAN, 2014, p.149). As notas biográficas finais localizam, no tempo
do autor, sua opção por uma “literatura noir, pop, brutalista e sutil”; suas leituras desde
a adolescência, assim como a trajetória de vida e de trabalho em várias de suas
ocupações.
À sombra do cipreste (1999), de Menalton Braff, encontra-se na 6ª. edição. O
volume da 1ª. à 5ª. edição contou com orelha de Moacyr Scliar, um texto bem
humorado, inteligente, em que afirma o valor da forma literária do conto, sua
popularidade, para destacar do contista Menalton seu domínio da narrativa breve,
situando-o como notável ficcionista, que faz o conto na sua melhor expressão: uma
narrativa curta, intensa, voltada para situações limites diante de assuntos essenciais da
existência. A 6ª. edição do livro, publicado por uma nova editora, retoma, entre aspas, o
comentário do escritor e crítico gaúcho, acrescentando, ainda na orelha, uma biografia
de Menalton.
Paraísos artificiais (2004) é anunciado aos “leitores brasileiros” numa orelha
apresentada pela editora, que destaca a estréia do autor na ficção, numa “prosa precisa e
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flexível” sobre “situações extremas” apresentadas, por meio de “narradores e
personagens firmes” (HENRIQUES BRITTO, 2004).
Durante aquele estranho chá (2002) tem também orelha apresentada pela
editora, seguida de nota da autora e, no final do volume, impressões de leitura de Nelly
Novaes Coelho, Ricardo Ramos, posfácio de Alberto Costa e Silva e uma apresentação
da obra, da sua primeira edição, por Suênio Campos de Lucena, seguida, ainda, de
reapresentação da autora pela editora. No texto da orelha, a editora destaca o conto que
intitula o volume, apresentando-o como resultado de um encontro, nos idos de 1944,
numa confeitaria paulistana, entre a então jovem autora e o já consagrado Mário de
Andrade. Comenta, depois, os demais assuntos do volume, acentuando o traço forte do
memorialismo presente nos textos de Lygia Fagundes Telles, ao lado do ficcionalismo
instalados em suas recordações. A nota da autora, por sua vez, quer dar uma “satisfação
ao leitor” (FAGUNDES TELLES, 2010, p.7): dizer-lhe que, com exceção de “três
crônicas” que havia escrito, das quais ainda chegou “a cortar uma delas” (CAMPOS DE
LUCENA, 2010, p.155), o volume é, todo ele, produto de uma reunião de textos
realizada por Suênio Campos de Lucena, que, tendo sua obra como corpus de estudo,
defendera tese de doutorado no ano de 2002. Nelly Novaes Coelho assina o primeiro de
dois depoimentos reunidos e destaca, em suas impressões de leitura, a maneira com a
autora “fixa a matéria indecisa da vida” (NOVAES COELHO, 2010, p.144), no
segundo depoimento, Ricardo Ramos, localiza para o leitor “uma atmosfera peculiar,
figuras de perfil bem nítido e um largo espectro de temas e enredos, com o maior rigor
formal, da linguagem à estrutura da narrativa” (RAMOS, 2010, p.145). O posfácio de
Alberto da Costa e Silva, “Conto e memória”, de início, convida o leitor para que o
“acompanhe na impressão de que acabou de ler uma coletânea de contos, ainda que a
autora não lhe dê esse nome”, e pondera: “nem tudo que não recebe o nome de conto
deixa de ser conto” (COSTA E SILVA, 2010, p.148). Quis o crítico, com isso, destacar
do texto da autora seu domínio nos argumentos, sua imaginação e astúcia, uma vez que
“ela escreve como se narrasse oralmente uma história, sem desprezar os olhos de quem,
lendo, a ouve”, para concluir que “descreve a vida como ficcionista” (COSTA E
SILVA, 2010, p.149). Suênio Campos de Lucena, autor da ideia da organização da obra
em questão, apresenta-a ao leitor:
durante anos fui reunindo e ordenando o material que ficou fora dos livros da escritora para compor meu trabalho de pós-
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graduação. Nesse esforço de tentar juntar as peças como num jogo de encaixe, fui descobrindo a produção de Lygia Fagundes Telles ainda desconhecida do público. Ou melhor, que ainda está dispersa na efemeridade das revistas e dos jornais (CAMPOS DE LUCENA, 2010, p. 155).
E continua:
o propósito deste livro é auxiliar o leitor nos labirintos dessa escrita. Suprir lacunas com minhas sugestões e indicações que, devo confessar, foram nascendo do convívio com a escritora. E, principalmente, da devoção deste estudioso em face dessa obra (CAMPOS DE LUCENA, 2010, p.155).
Suênio concluiu para o leitor: “diante de seus romances e contos, algumas vezes
expressos de forma direta e até clara, é preciso que o leitor levante a pele dessas
palavras. Sob a pele está a face oculta do sentido mais profundo” (CAMPOS DE
LUCENA, 2010, p.155). A seguir, a autora é nova e completamente reapresentada pela
editora.
Pequenas criaturas (2002), de Rubem Fonseca, traz orelha e, como posfácios,
duas resenhas; a primeira de Marcelo Pen e a segunda de Sérgio Augusto, além da
mesma apresentação mais alentada do autor já presente nas páginas finais do volume
Confraria das espadas (1999). Os textos voltam-se para uma explicação ao leitor acerca
dos contos arrebatadores de Pequenas criaturas. Conforme as observações da orelha do
volume, são enredos concisos, em torno do “dia a dia de homens e mulheres sem
importância, com ocupações triviais”, vivendo um “cotidiano prosaico”, em suas
“fraquezas, mesquinharias” (FONSECA, 2011). Marcelo Pen (2011), em “Fonseca volta
com lucidez que cega”, destaca os “juízos dogmáticos” das personagens, homens e
mulheres que “tem algo a dizer da vida”, embora “arrogantes, intolerantes e,
invariavelmente, limitados”. Sérgio Augusto (2011), com “Miudezas”, continua por
classificar as pequenas criaturas de Rubem Fonseca, em “pequenas histórias” e em seus
“pequenos dilemas, pequenos defeitos”, ao lado de seus “temores, ambições”, algo,
segundo ele, que seduz o leitor.
O vôo da madrugada (2003), de Sérgio Sant´Anna, promove, em sua orelha,
mediante as experimentações formais do autor, uma aproximação com o leitor motivada
pelos contos de situações absurdas e especulações das personagens na presença da
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morte, do desespero, da solidão; o que, metaforicamente, expressa o título do volume:
uma imersão do leitor num vôo extra, enigmático, entre Boa Vista e São Paulo.
A edição de Contos negreiros (2005), ao gosto do autor, Marcelino Freire,
acrescenta no término do volume uma epígrafe, dedicatórias e notas voltadas para a vida
literária do contista.
O PRÊMIO JABUTI E SEUS QUESITOS
Os quesitos para concorrer ao Prêmio Jabuti na Categoria Conto e Crônica
dirigem-se ao autor, tendo-o, precisamente, como um leitor de ficção e conhecedor da
natureza textual do conto e da crônica. Autor e editora, seguidos os quesitos formais, em
comum acordo, inscrevem um volume editado no ano para concorrer ao Prêmio Jabuti
do ano seguinte. A Categoria Contos e Crônica, em 1999, recebeu, para concorrer ao
Jabuti, 63 inscrições; em 2000, 66; 2001 contou com 78; 107, em 2002; 116 em 2003;
178, em 2004; 145, em 2005; 139, em 2006; 133, em 2007 e 128 em 2008. Somente em
2010, com 165 inscrições, os números ficaram próximos aos das inscrições de 2004; no
entanto, entre 2008 e 2016, sempre se mantiveram com três dígitos.
Uma editora toma cuidados comerciais para a publicação de um livro: aproxima
seus autores de leitores e procura fazer do leitor um cliente seu.
Editar contos finalistas e vencedores do Jabuti é converter uma edição em referência
nacional para a narrativa do conto.
Os contos inscritos são selecionados por um corpo profissional de leitores, em
duas etapas, em que são classificados como finalistas e, depois, vencedores, conforme
quesitos que seus autores cumpriram para a elaboração dos contos literários. Os
primeiros leitores dos contos premiados são, assim, seletos; os prêmios, assertivos, com
critérios determinados pela Câmara Brasileira do Livro para o seu corpo de leitores.
Editoras e Prêmio Jabuti, dessa maneira, criam juntos um fato literário.
O Guia Jabuti (2016) faz duas exigências para julgar um volume de contos: que
contenha “narrativas curtas ficcionais” e “técnica narrativa, originalidade e estilo”.
O CONTO E A “TÉCNICA NARRATIVA”
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O modo de contar o conto, seu estilo e originalidade prevendo técnicas
narrativas para sua forma literária são determinações da época moderna, em que autores
também liam prefácios e autor e leitor entendiam-se por meio deles. As duas “técnicas
narrativas” que compõem o conto de enredo e o conto de atmosfera mostraram-se
operacionais na leitura e no exame do material contístico, propostos nesta pesquisa.
Retomemos um modo de entendê-las.
“A filosofia da composição”, de 1845, de Edgar Allan Poe (1987), ao fixar o
encadeamento das sequências do conto literário em uma única ação narrada, coesa,
aponta-nos o seu entendimento de unidade narrada fixado no curso de dois outros
pontos de vista: o de Aristóteles, na Poética, de 335ac/323ac, e o de Honoré de Balzac
(1959), discutido no “Prefácio da Condição Humana”, de 1842.
Uma unidade de ação, para Aristóteles, apresenta-se una, inteira e completa. No
“Prefácio à Comédia Humana”, Balzac considerou o termo unidade como “unidade de
composição”: “a unidade de composição já preocupou, sob outros termos, os maiores
espíritos dos dois séculos precedentes” (1959, p.10). A ideia de unidade composicional
de Balzac pressupõe sua poética, uma poética da observação, que procura agrupar,
constituir, relacionar, em unidades, tipos de camadas sociais, retiradas de conjuntos
sociais diversos. O tom da poética de Balzac é o de uma observação minuciosa do
tecido social de sua época.
Poe, a partir de 1840, já escreve, ao mesmo tempo em que compõe “O Corvo”,
uma filosofia de composição, propondo-se a qualificar a composição de sua poética de
maneira econômica, a fim de que o leitor tenha visibilidade, por meio de uma unidade
essencial de leitura, de um efeito de leitura resultante do espetáculo promovido pelo
texto literário. Trata-se de uma poética do ver, em que o leitor, no curso de uma
narrativa breve, numa circunscrição fechada do espaço narrado, nota o tom
introspectivo, melancólico, misterioso, de um acontecimento literário, composto com
originalidade, perfeição, arrebatamento.
Balzac afirma no Prefácio:
O acaso é o maior romancista do mundo; para ser-se fecundo basta estudá-lo. A sociedade francesa ia ser o historiador, eu nada mais seria do que seu secretário. Ao fazer o inventário dos vícios e das virtudes, ao reunir os principais fatos das paixões, ao pintar os caracteres, ao escolher os acontecimentos mais relevantes da sociedade, ao compor os tipos pela reunião dos traços de múltiplos caracteres homogêneos, poderia, talvez, alcançar escrever a
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história esquecida por tantos historiadores, a dos costumes (BALZAC, 1959, p.14).
Para Edgar Allan Poe, a composição de uma obra não se dá de forma casual. A
fim de que a história se dê com brevidade e, ao lado disso, com intensidade, a narrativa
de Poe obedece a uma coesão interna lavrada por uma organização combinada entre
incidentes que melhor trabalhem a construção de um efeito, circunscrito a uma unidade
de efeito verbal, lugar de beleza, para o autor.
As disposições dos textos “Prefácio à Comédia Humana” e “A filosofia da
composição” voltam-se, portanto, para as poéticas de Balzac e Poe, centradas, conforme
o primeiro, na construção de unidades narrativas que compõem, para o universo
ficcional, observações de tipos sociais da sociedade francesa do século XIX; já o
segundo se mostra, de olho no mesmo século, concentrado, de forma cerebrina, na visão
de tipos humanos excêntricos, estranhos, ególatras, apartados da vida social. “A
filosofia da composição”, de Poe, tem, para sua obra, a partir da descrição do poema “O
corvo”, a mesma função do “Prefácio à Comédia Humana” para a obra de Balzac,
conforme o autor francês: “assinalar a sua ideia diretriz, contar-lhe a origem, explicar
sucintamente o plano seguido”. (BALZAC, 1959, p.50).
As ideias do autor francês envolvidas com definições de tipos, relações,
correspondências entre traços, unidades, avolumaram-se entre suas considerações acerca
da ciência, advindas de suas leituras das Ciências Naturais e, depois, convertidas como
medidas para representações ficcionais de tipos sociais, estratificados numa grandeza
disposta em unidades como estratos do todo social. Balzac e coetâneos, em suas leituras
das Ciências Naturais, e a partir delas, consideraram bastante as ideias de unidade de
composição.
Paulo Rónai orientou, desde 1946, para a Editora Globo de Porto Alegre, a
tradução, impressão, reimpressão e novas edições da Comédia Humana. Ao lado dessas
tarefas, fez-se autor de uma Nota que acompanha todas as edições da obra traduzida e
em que comenta o Prefácio à Comédia Humana, escrito por Balzac. Nela, lembra-nos
das intenções do autor, a partir de 1833, executadas em 1842, em prefaciar a obra com a
finalidade de direcionar seus 88 volumes que encerram “dois a três mil tipos” (RÓNAI,
1959, p.3), e, assim, situar o leitor diante do seu propósito ficcional: “assinalar a sua
ideia diretriz, contar-lhe a origem, explicar sucintamente o plano seguido” (BALZAC,
1959, p.9).
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Em sua “Nota”, Rónai também destaca a unidade de composição formulada por
Balzac, a que já fizemos menção. Para ele, “o ‘Prefácio à Comédia Humana’ constitui
um documento literário da maior importância. Nele vemos o artista medir e reconhecer
o alcance de sua obra, salientar-lhe a unidade essencial e apontar as suas diretrizes”
(1959, p.3). Rónai reafirma Balzac como um leitor dos cientistas naturalistas da época,
lembrando-nos do modo como o ficcionista francês, no “Prefácio à Comédia Humana”,
num exercício movido por constantes analogias, aproxima as ciências sociais das
naturais, para refletir sobre a sociedade humana, fazendo um paralelo entre as forças
transformadoras que promove no interior das relações entre classes sociais e as forças
vivas da natureza (RÓNAI, 1959, p.11). Noutra ocasião, no artigo “Balzac e nós”,
reitera que o protagonista de Balzac “é um ser múltiplo, definível por suas relações
sociais” (RÓNAI, 1990, p.147); afirmando que: “Balzac tinha a sua teoria sobre a
correspondência entre os traços físicos e os morais, adotando a respeito as teses de
alguns cientistas” (RÓNAI, 1990, p.150). Balzac considera o modo como os cientistas
naturalistas, citados em seu “Prefácio, estudaram o encaixe de todos os seres vivos
numa única cadeia viva. E assim, mais uma vez, conclui seus exercícios com raciocínios
analógicos: “há situações que se apresentam em todas as existências, fases típicas, e foi
isso uma das exatidões que eu mais busquei” (BALZAC 1959, p.20).
Percebemos, assim, que o termo unidade, como medida de uma grandeza,
encontra-se em Aristóteles, nos cientistas naturalistas, em Balzac, em Poe, e é reiterada
por Rónai ao comentar a obra de Balzac, assim como, por Baudelaire, ao aproximar o
idealismo de Balzac ao de Poe: há nos dois “uma aspiração arrebatadora para a unidade”
(BAUDELAIRE, 1987, p.18).
Edgar Allan Poe, leitor de Honoré de Balzac, tanto leu do autor francês “O
Prefácio à Comédia Humana”, como a novela A obra-prima ignorada, de 1832; leituras
que lhe possibilitaram realizar um exercício aplicado para a construção do seu modo de
compor o conto. Inspirado nessa novela – composta de duas unidades –, Poe compõe a
unidade de seu conto “O retrato oval”, de 1842, em que, diferentemente da personagem
Gillette de Balzac, uma modelo falante, que se insurge contra os pintores Porbus,
Poussin e Frenhofer, dado o modo como foi por eles desprezada, sua modelo é apenas
contemplada na sua beleza pelo pintor, ambos solitários, num só ambiente.
Em “De marginalia”, seu texto seguinte, mas sem data, Poe assentaria, mais
uma vez, sua opção pela prosa contística, ao observar, na forma da novela, exatamente o
que desconsiderou da leitura de A obra-prima ignorada para a fatura de “O retrato
11
oval”: o papel falante da modelo, o incidente que compõe o segundo movimento da
narrativa de Balzac, seu enovelamento: “no gênero literário chamado ‘novela’ não falta
espaço para desenvolver os caracteres, ou para acumular os incidentes variados” (POE,
1987, p. 185).
O modo como Poe busca por uma única unidade de efeito, dentro de uma
circunscrição fechada no espaço, de forma coesa, impede-o de “desenvolver caracteres”
ou “acumular incidentes variados”. Assim, como anunciamos acima, em “O retrato
oval”, Poe inspira-se na novela de Balzac, reduzindo sua dupla situação narrada a uma
unidade: um viajante, com seu criado, abriga-se em um castelo abandonado, onde
descobre uma “obra ignorada”, um retrato ovalado e também um relato anônimo de toda
a produção do retrato, a relação do pintor e sua modelo. Como já dissemos, Poe não
desenvolve a segunda unidade de ação da narrativa de Balzac, própria da forma literária
da novela: o embate entre a modelo, Gillette e os pintores. Pintor e modelo, no conto do
autor neorromântico norte-americano, são amantes e vivem conforme o Romantismo,
um amor fatal, sem diferenças. Na novela e no conto, a representação de dois rostos
femininos, calcados nas faces de duas modelos, são obras desconhecidas, ignoradas, até
que descobertas; a primeira, por gestão de outros dois pintores junto ao autor, que a
mantivera em segredo, e a segunda pelo viajante desconhecido, que lê, no local em que
se abrigara, o relato anônimo.
A novela de Balzac dá-se por meio de diálogos mediados por um narrador, entre
três pintores e uma modelo, numa conversação em torno de concepções da arte da
pintura e de conhecimentos artísticos de três dos pintores – Porbus, o mestre, Poussin, o
jovem pintor, e o pintor da obra-prima ignorada, Frenhofer. A modelo, Gillette, num
segundo movimento da narrativa, terá papel efetivo no desenlace da novela.
A narrativa de Poe traz duas personagens – o viajante, narrador e protagonista, e
seu criado, Pedro, único nomeado, além da presença indireta das duas personagens do
relato lido pelo viajante e da pintura: o pintor e sua modelo e amante. A modelo de
Balzac tem voz, autoestima, argumenta com os pintores e ocupa a segunda unidade da
narrativa, seu epílogo; das personagens de Poe somente o narrador e protagonista tem
voz, o que possibilita deduzir a atitude sempre silenciosa da modelo, durante a pintura
de seu retrato.
Percebemos, assim, que a questão da originalidade, estabelecida pelo
Romantismo, não compõe, de forma tão decisiva, as obsessões de Edgar Allan Poe para
com sua narrativa: o assunto do texto original de Balzac regula o do texto repetido,
12
emulado por Poe, afirmando-o em suas semelhanças, e diferindo dele exatamente na
desconsideração da segunda unidade da novela do prosador francês, o que é realizado ao
se somar, na figura de um duplo, duas personagens numa só identidade, numa só
paixão, sem diferenças, voltada, como uma unidade de efeito, para a beleza, no tom
melancólico, buscado pelo contista norte-americano para a representação da morte da
mulher retratada. De maneira obsessiva, o pintor busca o rosto modelar, e este transita
entre a vida e a morte da modelo e amante.
Quanto à recepção dos quadros, Balzac, realista, revela o mistério da obra-prima
ignorada mostrando-a, algo que o Poe, romântico, em parte, também faz. Mostra-a na
história de sua composição, mantendo em segredo suas personagens, de almas
românticas, singulares, e, por isso, ignoradas.
Temos, assim, assentada a narrativa do conto de enredo, que, pelo tento de Edgar
Allan Poe, passa a ser caracterizada pela diferença entre a situação inicial e a situação
final da narrativa. Já o conto de atmosfera será destacado pela igualdade entre a situação
inicial e a situação final da narrativa. A narrativa do conto de enredo mostra-se,
preponderantemente, descontínua; a do conto de atmosfera, preponderantemente,
contínua, circular. A ênfase do conto de enredo transita entre sequências e reside,
fundamentalmente, no desenlace. O conto de atmosfera fixa-se num estado, no ambiente
de uma ação, que não evolui para um desenlace, até porque, nela, o nó excede a diegese.
A versão do conto de atmosfera de Anton Pavlovitch Tchékhov, encontrada em
seu epistolário, rompe a estrutura do conto de desenlace montada por E. A. Poe,
alterando-lhe, assim, sua unidade de efeito, mantendo, no entanto, sua brevidade, sua
circunscrição espacial, seu tom melancólico. Para isso, promove uma proximidade entre
as sequências narradas, sem mediação, dissolvendo a diferença entre o início e o final da
narrativa. O objetivo do contista russo é dissolver, na sua narrativa, o princípio da
causalidade, diluindo contrastes e diferenças entre sequências, neutralizando-os para
evitar o desenlace. Tchékhov instala, desse modo, uma atmosfera em sua narrativa, cujo
término acontece fora da cena da narrativa, com a reflexão do leitor.
Sabemos que tanto E.A.Poe, como A.P.Tchékhov, escritores do seu tempo,
preocupam-se com o prazer do leitor; ambos voltam-se, com objetividade, para o
entendimento da natureza humana; o primeiro, para a percepção da inteligência, seu
poder de imaginação, para a realização das vontades, tanto do bom homem, como do
mau; diferentemente, o segundo, para o pequeno feito bom ou mau dos homens, que,
mesmo pequeno, sensibiliza, toca a intimidade.
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O perímetro de pertinência dos contos que são objeto de reflexão desta pesquisa
pode ser traçado pelo conto de enredo e de atmosfera, conforme procuramos delimitar
acima.
OS CONTOS E SEUS CONJUNTOS NARRATIVOS
Delineada a situação da leitura do conto no Brasil, e estabelecida a tipologia que
distingue o conto de enredo e o conto de atmosfera, que fundamenta o tratamento, aqui
proposto, para as obras premiadas pelo Prêmio Jabuti, passamos, neste item, a indicar as
principais ideias matrizes de conjuntos narrativos dominantes nos contos.
Com o estabelecimento de conjuntos narrativos, seus traços contextuais
invariantes e suas medidas textuais, autorais, queremos observar, nos argumentos dos
contos, os principais núcleos figurativos, os diferentes ânimos e as ideias que motivam.
Nesse caminho de investigação, destacamos estratégias narrativas diferentes: a que traça
o tema da cólera, a que compõe o humor e a que dispõe o tema da memória. São traços
dominantes que nos permitem identificar, com critérios representativos, as constantes
compostas pelo imaginário literário que permeia o corpus inventariado.
Os contos estudados distribuem-se, portanto, nos três conjuntos narrativos: o
encolerizado, o humorado e o memorialista. No primeiro grupo, estão cinco contistas –
Rubem Fonseca, Sérgio Sant´Anna, Marçal Aquino, Marcelino Freire e Raimundo
Carrero –; no segundo, incluem-se três – Ignácio de Loyola Brandão, José Roberto
Torero e Paulo Henriques Britto – e, no terceiro, estão dezesseis autores – João
Anzanello Carrascoza, Mário Araújo, Lygia Fagundes Telles, Cíntia Moscovich,
Silviano Santiago, Autran Dourado, Menalton Braff, Artur O. Lopes, Charles Kiefer,
Jaime Prado Gouvêa, Jorge Hausen, Vera do Val, João Inácio Padilha, Rubens
Figueiredo, João Gilberto Noll e Edgard Telles Ribeiro.
A seguir, buscamos identificar e comentar os conjuntos narrativos das obras,
destacando pelo menos um conto de cada volume laureado.
1. A CÓLERA
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O primeiro deles, que envolve um conjunto de traços contextuais, invariantes,
voltados ao tema da cólera, está presente em cinco autores, de modo por vezes
convergente, por vezes divergente.
Hildete é personagem de conto homônimo do volume Pequenas criaturas
(2002), de Rubem Fonseca. Tem nome e perfil inventados e moldados por equipe
televisiva, formada por homens e mulheres e voltada para a encenação de uma história
em que a personagem vive uma trajetória de superação e redenção de tragédias pessoais:
espancada ainda bebê, molestada sexualmente, passa pela mendicância, por gravidez
aos quinze anos, seguida de aborto e prostituição. Tudo se encaminha com o propósito
de possibilitar-lhe, ao final, na forma de um espetáculo televisivo, o resgate de sua
identidade.
O conto é narrado por meio de um fluxo intenso de pensamentos múltiplos, em
primeira pessoa, de forma objetiva, com impressões, diálogos sucessivos, advindos de
sugestões da equipe, com juízos mínimos, clichês, embora a personagem, radicalmente,
não os aceite no seu espírito e miséria humana. Temos, assim, a reversão de um
desenlace inicialmente encaminhado, previsível, por outro, inesperado, com
comportamentos que homologam a rotinização da violência urbana, com ações
embrutecidas, oriundas de contextos à margem da vida social civilizada,
recorrentemente espetacularizados pela mídia.
Desse modo, Rubem Fonseca transfigura tais substratos em motivos literários;
combina-os, seleciona-os, por meio de um conjunto de fios narrativos, que constitui,
para o seu conto, medidas ajustadas para enredos com desenlaces tanto reversivos, como
consecutivos.
“Belos dentes e bom coração”, do volume Secreções, Excreções, Desatinos
(2001), do mesmo Rubem Fonseca, mostra-se também narrado objetivamente, em
primeira pessoa e por meio de um narrador enfático, protagonista, um investigador
particular, contratado por um marido para a apuração de conflito amoroso: o marido
sente-se traído pela mulher e solicita ao detetive uma averiguação. A evolução do
conflito, novamente, não envolve uma situação dividida entre causa e efeito; há uma
bem humorada reversão da causalidade: o investigador constata que o caso entre a
mulher e seu amante está para terminar naturalmente e, assim, suspende o serviço
contratado, revertendo, mais uma vez, como no conto anterior, um desenlace previsto.
Sensibilizado, desde o início, pelas lágrimas frequentes da mulher, faz-se tanto cúmplice
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da traidora como manipulador do caso junto ao marido traído, em participação ativa no
desenrolar dos fatos, anulando-os, sem ser reconhecido por ambos os lados.
Rubem Fonseca, portanto, trabalha sua narrativa por meio de disposições
simétricas: com reversões humoradas da causalidade, como vimos nos dois contos
acima, e, outras vezes, com disposições opostas, por meio de um desenlace consecutivo
e cruel. Conforme já observamos:
as personagens de Rubem Fonseca não são livres, são sozinhas; a sua liberdade é física, o que leva sua autonomia pessoal ao extremo (...) O seu individualismo extrapola as regras da convivência humana. Desse modo, a narrativa de Rubem Fonseca aproxima, de modo frontal, o leitor de uma combinação de acontecimentos narrados sem motivos intermediários; são contínuos e sempre distorcidos, estranhos (...) (MARCHEZAN, 2008, p.367).
Em Elas e outras mulheres (2006):
(...) nos seus vinte e sete contos, as personagens são movidas por estímulos que não despertam afinidades, relações de afeto e, dessa maneira, naturalizam um comportamento truculento na maneira como, libertas da afetividade, elas atribuem sentido ao que bem entendem diante do que fazem (MARCHEZAN, 2008, p.366).
Tais circunstâncias estão presentes, por exemplo, no conto “Belinha”, de Elas e
outras mulheres (2006), que reúne um matador e sua namorada, de 18 anos, a Belinha,
da classe alta, que contrata o namorado para matar o pai. Contrariado em seus valores
diante de tal pedido, o matador assassina friamente a namorada. Em circunstâncias
semelhantes, Confraria das espadas (1999), conto que também dá título a volume, traz
Renata, jovem, bela e cúmplice dos crimes de um namorado matador, disfarçado de
corretor de seguros que, por encomenda, assassina friamente um paraplégico, também
do mundo do crime.
Sérgio Sant´Anna, no volume O vôo da madrugada (2003), transita, como
Rubem Fonseca, por uma narrativa que procura soluções imaginárias infinitas, calcadas
em resíduos de imagens e em comportamentos que, como dissemos, homologam a
rotinização da violência da vida urbana, tão espetacularizada pela mídia. Em um dos
contos desse livro, “O embrulho da carne”, Teresa vive um surto psicótico: mostra-se
transtornada e obsessiva. Tem ideias fixas advindas de um cenário de horror, de
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homicídio, lido em notícia de uma folha de jornal, que embrulhava carne comprada por
ela. Tal situação transforma-se a partir de uma consulta psiquiátrica; o humor que
envolve sua terapia com Elias, o terapeuta, desfigura sua psicose. A obsessão de Teresa,
brutal, desfaz-se, revertendo sua crise para um cenário de humor. Teresa, de início,
apresenta-se em conflito profundo com sua identidade, dividida, insegura, enlouquecida
diante da notícia que lera e que a coloca alucinada mediante vivências recentes com
acidente de carro, sexo, indignação e rejeição. No transcurso da terapia, Teresa mostra-
se uma psicótica com senso de humor diante do terapeuta paciencioso. No caso, uma
disposição insólita que a narrativa deu para o texto do conto. Tal narrativa, como
Teresa, divide-se, reverte-se, passando a jogar com as inconstâncias dos transtornos da
personagem e, quando esta, aos poucos, começa a se situar melhor no mundo, também
com suas constâncias. O narrador é observador e nos faz ver Teresa representando um
duplo, a teatralização do duplo, entre momentos de indecisão e os últimos, decididos,
com gestos, opiniões e atitudes humoradas. O humor alimenta a ironia e, com isso, faz
Teresa e Elias, paciente e terapeuta, rirem de si mesmos, diante de notícias, fatos, do
mundo dos dois.
O conto de Sérgio Santa´Anna, como o do primeiro Rubem Fonseca, conta-nos,
dentro de um mesmo contexto, histórias humoradas, bem elaboradas, a partir de eventos
insólitos. Os humores, reiterada e explicitamente, alimentam-se do desvario, do
disparate, da loucura – comportamentos estes que são discutidos e refletidos.
Diferentemente de Teresa, a personagem Hildete, de Rubem Fonseca, já
mencionada, não se identifica com a história que lhe é contada. O conto de Sant´Anna
foi inspirado numa notícia de jornal; o de Fonseca traz caricaturas de programas de
auditório televisivos, calcados em valores da cultura de massa. Neste conto, como
dissemos, há uma reversão na questão da causalidade, que se anula, dada a maneira
como a protagonista não se deixa manipular pela equipe de produção; em “O embrulho
da carne” há, também a partir da protagonista, uma reversão na questão da causalidade,
de forma espaçada, diante dos vários tons assumidos pelo humor mediador entre
paciente e terapeuta.
Hildete e Teresa apresentam-se, a seu modo, vítimas da sociedade de espetáculo.
Hildete, como toda personagem de Fonseca, sozinha, corajosa, mostra-se decidida;
Teresa titubeia, no entanto, aprende com a vida, principalmente, a rir de si mesma.
Quando a causalidade desaparece, já afirmou Tomachevski (1973), surge o
tempo, que, no caso em discussão, é alegorizado. Alegorias de vivências em tempos
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brutos, teatralizados às vezes com humor e às vezes sem. O bestial transparecerá, em
Fonseca, numa voz em primeira pessoa, surpreendentemente objetiva, que traduz o
assunto invariante da voz autoral: a cólera expressa num dado contexto social.
Sant´Anna prefere um narrador em terceira pessoa, que, como no caso em pauta,
observa Teresa, Elias e as circunstâncias vividas por eles.
Temos, nas obras dos dois autores, gestos diferentes, porque expressões de
conteúdos psíquicos diferentes, incorporados por Hildete e Teresa, com emoções,
reações e significações diferentes.
Ao lado de Rubem Fonseca e Sérgio Sant´Anna, Marcelino Freire e Marçal
Aquino filiam-se a uma tendência ou temática de fortes relações com o presente
histórico, relativo a aspectos da violência urbana, espetacularizados pela mídia.
Contos negreiros (2005), de Marcelino Freire, lembra-nos cantos alternados,
dramáticos, entoando embates que presentificam a violência urbana em grandes cidades,
com mortes entre insurgentes e polícia. Tais cantos mostram-nos indivíduos saídos do
mesmo extrato social, com destinos iguais e práticas diferentes, divididos na construção
da sua identidade, opção de vida, que, no entanto, em atitudes trágicas, se encontram
lado a lado diante do excesso constantemente vivido. Contados por um narrador,
também protagonista e observador da história, num tom oral, que distancia a mensagem
narrativa de um registro literário já assentado, mas, mesmo assim, homologado pela
experiência do leitor, os contos levam a exacerbação de um modo novo de narrar o
ficcional aos excedentes de sentido dos retratos violentos da vida urbana. Em “Polícia e
ladrão”, o canto de número 12 da obra, temos sempre alguém desejando entender a
pobreza de suas experiências, a sua miséria humana, como um vivente anônimo, diante
de um vazio e à deriva. A construção literária também sinaliza a representação de uma
situação em que seus protagonistas revelam-se pobres em experiências, sem terem o que
compartilhar. São errantes, não sabem bem o que sabem ou o que querem, e transitam
entre poucas experiências de vida e de espírito.
O conto de Marçal Aquino, também em primeira pessoa, com protagonista e
narrador observador, movimenta, por meio de diálogos sucessivos, objetivos, uma ação
narrada em duas sequências. Com a primeira, como nos contos “Partilha I” e “Partilha
II”, de O amor e outros objetos pontiagudos (1999), expõe a trajetória de um ex-
presidiário, uma vez em liberdade, enfrentando, no sombrio mundo do crime, valores
civilizatórios de lealdade, retidão, amizade, numa ironia que se aprofunda ainda mais
dada a forma elíptica como, paralelamente, a segunda sequência do conto é
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movimentada, secretamente, para a composição de um desenlace surpreendente que
retoma a vida do protagonista a partir de sua estada na prisão. Para isso, nos segredos da
segunda sequência, Marçal Aquino dissolve, novamente de forma irônica, as marcas da
cólera no interior das forças que ordenam o crime, revertendo uma situação de eventual
enfrentamento, com ações que, no universo do crime, se ajustam, se associam,
transitando de uma situação de tensão para outra distensa, ao retomar, o período anterior
à reclusão do assaltante protagonista, então, comandante de bando armado para assaltos.
A maneira como Marçal Aquino conta seu conto, por meio da reversibilidade
entre sequências narrativas, homologa a composição e recomposição entre forças
policiais e mandantes no universo do crime. “Balaio”, conto de Faroeste (2001),
mostra-nos, por meio da mesma composição narrativa de “Partilha I” e “Partilha II”, no
idêntico cenário de um bar, seu proprietário, cúmplice de crimes entre bandos rivais, e a
chegada da polícia para uma investigação, na iminência de uma desavença armada entre
marginais de bandos rivais. Os policiais procuram por um criminoso, Tiãozinho, tanto
cúmplice como desafeto dos dois bandos, e motivo da contenda entre eles. Nessas
circunstâncias, e sem que nenhuma das forças, interessadas na sua captura, troquem
informações mínimas sobre ele, Tiãozinho, ironicamente, escapará ileso das três forças
que o procuram.
Os contos dos quatro autores, até aqui comentados, expõem, de forma repetida,
relações com o presente histórico, no modo como trabalham a realidade urbana, os
excessos do universo do crime, e sua espetacularização.
O envolvimento de Raimundo Carrero com a questão da cólera, longe das
coordenadas do tempo histórico, advém de um puritanismo doentio das personagens, de
um pensamento que, morbidamente, divide os insanos entre o afeto e o crime, o delírio,
próprio da insanidade, e a razão. No conto “Entre o sangue e a inocência”, de As
sombrias ruínas da alma (1999), o autor trabalha com os perversos, em fios narrativos
de memórias em que o narrador- personagem vive uma identidade dupla: de um lado,
pai e marido carinhoso, de outro, um insano, dono de um comportamento desesperado
de perversão sádica, que promove assassinatos de mulheres e maus-tratos à esposa. Com
tal identidade, o protagonista reflete sobre a própria perversão, secundado pela esposa,
que se deixa perverter. Juntos, vivem situações criminosas e, docilmente, também
cuidam da filha, alheia aos fatos. O conto compõe um tríptico, um conjunto de três
relatos enredados: o da filha, que, inocente, desconhece os crimes, o do pai e o da mãe,
em que ambos expõem seus duplos.
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2. O HUMOR
O homem que odiava a segunda-feira (1999), de Ignácio de Loyola Brandão,
obedece a uma disposição do autor afirmada também no conto homônimo: “o real é tão
imaginário que o falso retorna verdadeiro” (LOYOLA BRANDÃO, 1999, p. 67). Nada
mais verdadeiro que a verdade nacional de que o brasileiro, tendo em vista o início de
uma jornada semanal de trabalho, resiste à segunda-feira. Pelo imaginário nacional
conhecem-se muitas ponderações acerca de tal dia da semana, tendo em vista sua
superação. A segunda-feira fez-se, assim, um mito nacional pela eloquência como foi
aceito, pelo convencimento de todos, que o dia é grave, preocupante, penoso, sisudo.
Ignácio Loyola Brandão assumiu tal hábito do brasileiro para com o primeiro dia da
semana como matéria memorial na construção de uma mitologia pessoal, num conto e
volume, que trabalham verdades oriundas de experiências tanto vividas, quanto
inventadas. Nessa mitologia pessoal, o mito não traduz uma façanha, algo excepcional,
um feito, mas uma atitude invulgar, do mistério vivido pelo protagonista, diante da
imposição da segunda-feira. No conto “O mistério da formiga matutina”, o solitário
protagonista troca ideias com o inseto sobre a vida e a morte, no café da manhã de todos
os dias. Ora, não há mesa de café que não tenha, volta e meia, a presença de uma
formiga, que também, há muito, protagoniza narrativas das fábulas, que, tal como no
conto, envolvem a problematização da vida e da morte.
Pequenos amores (2003), volume de contos de José Roberto Torero, traz um
apelo ao riso, presente também no livro de Ignácio de Loyola Brandão comentado
acima. José Roberto Torero, em seus 50 casos de amor narrados no volume, utiliza-se
reiterada e explicitamente de peripécias cômicas, em que preconceitos sociais, tragédias,
tabus, envolvem as personagens, que deles se desfazem, superando-os, sem querer
discuti-los. O humor, assim trabalhado, harmoniza as histórias, que não trazem
argumentos nem explicações de causa e efeito, revertendo, dessa maneira, as narrativas
para desenlaces, reconhecimentos. Pequenos amores, com tal opção pelo humor,
contraria as expectativas do leitor afeito à leitura de memórias, envolvidas com sérias
experiências existenciais, levando-o, ao contrário, a rir de desvios individuais de
conduta. O enunciador, ao optar por tal comicidade, investe nas movimentações de
peripécias e no inesperado, e, assim, provoca o riso. O cômico, dessa maneira, mostra-
se livre, voluntarioso e, para isso, não promove embate entre paixões – amor, ódio,
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ciúmes, dissolvendo-as em situações de riso. Os juízos não são abalados diante dos
casos cômicos contados por José Roberto Torero; nenhum caráter é punido. Dá-se,
assim, a adesão do leitor às narrativas cômicas do autor, pelo gosto por leituras de um
texto em que o torpe, a deformação, o feio, não são punidos, mas diluídos em riso.
Pequenos amores traz, do início ao final de seus casos, uma deformação do paradigma
do Gênesis. Em projeto cômico, o pensamento grave do mito da criação, voltado à
procriação do mundo, transforma-se em histórias múltiplas de amores que ganham
cenários de fábulas e de contos de fada, indígenas e míticos, com enredos que passam,
sem interdição nem sanção, pelo incesto, pela necrofilia e pela traição.
Ignácio de Loyola Brandão encadeia suas narrativas com argumentos risíveis,
mas também com traços trágicos, uma vez que, conforme o primeiro conto comentado,
o vivido pela personagem traz momentos de catástrofe, terror e piedade, algo inesperado
para o leitor. O inesperado não é cômico; é o trágico de um destino, faz sofrer; está
numa situação oposta à maneira como a voluntariosa personagem cômica aceita seu
fracasso. A personagem de Loyola Brandão é apaixonada por sua causa, faz dela juízo
sério. Os dois autores, Loyola Brandão e Torero, encontram-se no que promovem com o
exagero: a caricatura que criam para suas personagens são deformações – em cada
autor, respectivamente, harmônicas e desarmônicas.
Paraísos artificiais (2004), de Paulo Henriques Britto, traz contos de atmosfera e
de enredo, com histórias em primeira e em terceira pessoas, envolvidas com humor,
solidão e apreensão. As narrativas dos contos, voltadas para suas personagens,
concentram-se em observar um acontecimento curioso e transitório, homologando o
senso comum do leitor: conhecemo-nos pouco uns aos outros e temos ideias transitórias
de uns para outros. No entanto, algo diferente pode surgir diante das inquietudes das
personagens e narradores de Paulo Henriques Britto. Em “Uma visita”, um dos contos
do volume, alguém, na rua, observa um morador – o narrador e protagonista –, à janela
do seu apartamento, no terceiro andar de um prédio. Os dois trocam olhares, gestos
mínimos e, possivelmente, sensações semelhantes de que se conhecem. No entanto,
individualmente, pressentem que apenas um conhece o outro. Ao final, desse rápido
acontecimento, a personagem da rua, que parecia solicitar ao morador do prédio que
abrisse o portão de entrada, desiste e vai embora. Trata-se de uma história em que nada
acontece do ponto de vista de uma trama, como é próprio de um conto de atmosfera.
Situação idêntica é revertida pelo enredo de “Um criminoso”, do mesmo volume. Uma
mesma inquietude, novamente diante de um voyeurismo, agora, com ansiedade maior
21
por parte do narrador e personagem, que, do apartamento em que mora, observa, na rua,
um casal de namorados, atracado em beijos, e um bêbado que deles se aproxima e,
depois, acaba tocando, errônea e coincidentemente, a campainha do seu apartamento.
Os dois contos trabalham com acontecimentos cotidianos de indivíduos inquietos,
ansiosos, curiosos, com dificuldade em perceberem e se convencerem acerca do limite
entre o concreto e o imaginário, frustrando-se ou surpreendendo-se com o acaso,
conforme a trama do segundo conto, elíptica, desarmônica, que suscita, como no
primeiro conto comentado, uma situação insólita e humorada.
3. A MEMÓRIA
No inventário de conjuntos narrativos, que acumulam, em unidades temáticas,
motivos dominantes, nucleares, e que movimentam ações de personagens com
identidades individuais ou coletivas comuns, destaca-se, por fim, a linha de força
sustentada pela memória.
Os dramas familiares contados como expressão de si envolvem-se com memória
e ocupam-se da ficção, imaginação, espaços da intimidade humana. Somos, o tempo
todo, memória e consciência; representamos o que somos, o que vivemos, o que
imaginamos, compartilhado com a experiência vivenciada; representamos experiências
de vida, desdobradas a partir de fatos biográficos. Vemo-nos, desse modo, o tempo
todo, pela linguagem; somos ou não convencidos pela linguagem; podemos, assim,
substituir, com a linguagem, o que aconteceu pelo que poderia ter acontecido. Na
Poética de Aristóteles, a mímese, conforme a necessidade de expressar o verdadeiro,
faz-se verossímil ou necessária para o dizer coeso e coerente, ou, ainda, maravilhosa, e
assim, duplica o mundo, representando-o ou deixando de representá-lo com
improváveis semelhanças. A representação mimética da memória envolve-se com os
espaços recônditos da intimidade humana, portanto, com experiência e imaginação.
Com a exceção dos oito contistas vencedores ou finalistas do Jabuti, cujas obras
comentamos até aqui, os demais, dezesseis contistas, trabalham, às vezes se
aproximando, às vezes não, com conjuntos narrativos voltados para a representação da
memória. Ganham, assim, mais ênfase, nesse terceiro momento, conjuntos narrativos de
traços contextuais em torno do tema da memória, que situam invariantes individuais,
22
com medidas tiradas de movimentos individuais, específicos, autorais, permitindo-nos
identificar determinadas constantes traçadas pelo imaginário literário.
A utilização da memória pela prosa de ficção não substitui a ação; acaba por
elaborá-la numa forma de ação, uma vez que sua representação exige tratamento
literário, marcas literárias, a partir de quem recorda, de como recorda o anunciado.
Temos, assim, a representação da memória com ou sem nitidez, com
sentimentos de proximidade ou de distância temporal, com diferentes sensações de
duração, próprias da vida que se lembra.
A narrativa envolta em memórias aponta vazios, silêncios, que, uma vez
evocados, sinalizam uma representação difícil, observada no próprio modo de dizer da
representação dos acontecimentos. Uma vez em terceira pessoa, a narrativa leva-nos a
uma leitura em que o enunciador, em um texto confessional, coloca-se como querendo
se sentir outro, no lugar e tempo do outro.
João Anzanello Carrascoza, em Duas tardes (2002) e O volume do silêncio
(2006), empenha-se em narrar as relações familiares entre pais e filhos, fazendo-as base
memorialista das suas histórias. É desse modo que se compõem “Duas tardes” e “O
menino e o pião”, contos retirados, respectivamente, dos dois volumes mencionados.
Nos dois contos, com a insuficiência dos diálogos e com a incidência maior de
narrativas na terceira pessoa, cenas de lembranças invadem o cenário construindo
silêncios e vazios por meio de imagens filtradas pelos olhos dos narradores, que, no
primeiro conto, observa o reencontro de dois irmãos, tempos após deixarem a casa
paterna; no segundo, espreita, repetidamente, a vida de um garoto em momento feliz de
sua infância, rodando pião enquanto aguarda o pai voltar do trabalho. Ambos os contos
constroem sua contiguidade temática com memórias familiares, ora voltadas a
sensações de perda, de dispersão da família após mortes, afastamentos seguidos de
reencontros; ora voltadas a estados extensos de espera, transpassados com pequenas
revelações, os silêncios e vazios da narrativa, representando ansiedades e expectativas
de um garoto.
Mário Araújo, em A hora extrema (2005), retoma as representações de fatos de
memória do universo das relações familiares, das situações entre pais e filhos,
envolvendo a formação dos filhos, as regras domésticas, a organização da vida diante da
disponibilidade do tempo dos pais para a convivência familiar. “A hora extrema”, conto
que dá nome ao volume, expõe os pensamentos em fluxo de um menino, narrador em
terceira pessoa, que, no percurso temporal de sua experiência, vê-se diante de seus
23
conhecimentos incompletos, limitados no tempo que lhe é dado para experimentar a
vida; vê-se, assim, imobilizado pelas regras da mãe. Quer o que não conhece: o avanço
do tempo cronológico nas diversas tonalidades, cores, referentes às horas entre o dia, a
noite, a madrugada. O garoto, por meio dessa leitura física do tempo, representa, na
narrativa, alguém que se sente incompleto; vê-se inicialmente imobilizado, sem aceitar a
pobreza da sua experiência. Faz do seu quarto, onde fica confinado a partir das 21h30,
hora de regra para dormir, um lugar de resistência, em que, acordado, desafiando a
autoridade da mãe, toma consciência do tempo, sondando o andamento das horas pela
noite adentro, para ele, de máxima valia para as experiências infantis.
“A hora extrema” ilustra a vontade, os impulsos de um garoto para o novo, uma
vez que se vê incompleto para sua vida. O menino representa, de forma alegórica, o
sujeito que, consciente do que quer, não hesita, rompe com tabus familiares, adquire
novos conhecimentos, transfigura-se.
As relações entre pais e filhos, desenvolvidas por meio do motivo da memória,
estão também presentes nas bases das narrativas de Lygia Fagundes Telles e de Cíntia
Moscovich e de João Anzanello Carrascoza.
Nos volumes Durante aquele estranho chá (2002) e Invenção e memória (2000),
em contos diversos, Lygia Fagundes Telles estabelece um memorial da vida familiar: o
cotidiano doméstico entre mãe, tia, pajens, irmãos e o pai. Destaca a estabilidade da
vivência das crianças com as mulheres e a instabilidade de todos diante da vida errante
do pai, inquieto em casa, e um jogador de pôquer, fora de casa.
Em um conto do segundo volume, “Potyra”, esses casos simples de memória
computam o vivido sem nitidez; falam da existência com ficção. A exatidão e a
imperfeição da lembrança, sentimento de proximidade e distância temporal, repetem
hábitos de memória, um padrão constante de Lygia Fagundes Telles, no qual estão suas
relações com o pai errante.
Apresentadas em primeira pessoa pela narradora-personagem-autora, imagens
substitutas tomam o lugar das imagens memoráveis, para representarem sentimentos
que, dessa maneira, se configuram de modo estranho, não familiar.
Nesse conto, a substituição do pai por um estrangeiro explica-se como um lance
de memória que toma o lugar da impossibilidade de despedida do pai, antes de sua
morte. A despedida do pai dá-se, então, pelo onírico.
A história, localizada no Jardim da Luz, espaço de lembranças do pai desde a
infância da narradora, traz, na ausência de um pai já morto, um estrangeiro, um vampiro
24
dinamarquês, Ars Jacobsen, figura, para Lygia, como o pai errante, sem corpo, que vaga
em sua mente, numa voz apenas, presa à sua memória, às suas faltas com o pai.
Dessa maneira, no universo dos mortos-vivos, o vampiro faz-se dependente do
sangue de uma nativa nacional, Potyra, cuja vida é sacrificada pela de Ars,
analogicamente, a troca simbólica entre morto e viva, a redenção da narradora-
personagem-autora: o vampiro conversa com a narradora, a redime e alivia sua mente da
perda.
Dá-se assim a substituição a que nos referimos: o relato da narradora-
personagem-autora acerca do encontro entre o vampiro e Potyra configura-se num
projeto de redenção que simula, vampirescamente, a sofrida libertação da filha da
imagem sofrida que tem do pai.
A literatura, ao construir sua realidade, dá-nos sua grandeza por meio de uma
medida vicária. No caso de optar por uma construção mediada pelo fantástico, mais
vicárias ainda serão as medidas: enfáticas, exageradas. Temos, assim, a substituição de
uma situação lembrada, memorável, afetiva, por outra, vampiresca. Na comutação de
planos de expressão e de conteúdo por outros dois, no entanto, conserva-se um mesmo
paradigma: lembranças em tempo de corrigir excessos (responsabilidade individual de
uma culpa; libertação de um ciclo da existência; libertar a alma de um corpo; dar a tal
corpo a mobilidade sempre presente em sua presença viva), num viés de expiação,
penitência e contrição, de reparação de julgamentos impostos a uma pessoa morta.
A figura do narrador, na dramatização dessa forma literária memorialista e
confessional, é importante, até porque ela extrai da sua vida pessoal os conteúdos da
história que relata.
Cíntia Moscovich, em Arquitetura do arco-íris (2004) escreve sobre um eu que
também é escritora e, com isso, constrói a identidade daquela que recorda suas relações
familiares. Em tom autobiográfico, acrescenta memórias de leitura da literatura
brasileira, traz situações de Laços de família, de 1960, de Clarice Lispector.
Suplementa, pois, o material diegético de sua inventiva, com as citações. Trabalha,
assim, com dois textos apaixonados, urdidos com memórias pessoais e de leitura.
A matéria literária de “Cartografia”, um dos contos de Arquitetura do arco-íris
(2004), segue, assim, o mesmo paradigma memorialista de João Anzanello Carrascoza e
de Lygia Fagundes Telles, o da dramatização de relações familiares. Nesse conto, a
narradora-personagem, que também se apresenta como autora, não consegue superar a
perda do pai, nem suportar a viuvez da mãe; menos ainda consegue morar fora de casa.
25
Vive sob o impacto de memórias pontuais: a da morte do pai e de seu difícil
relacionamento com a mãe.
Tal como em João Anzanello Carrascoza, Cíntia Moscovich apresenta uma
cartografia do silêncio, resultante da passagem de uma fase de sofrimento na vida da
narradora a outra, aliviada, mais calma, tendo apenas, de acordo com o conto, “o
silêncio como uma suspensão da vida”. Em “Os laços e os nós, os brancos e os azuis”,
Cíntia Moscovich busca ainda, no conto “Laços de família”, de Clarice Lispector, a
solução para os desencontros entre a narradora e a mãe.
No horizonte de expectativa do texto memorialista, apresentam-se, desse modo,
conforme as obras dos três contistas, narrativas com identificações, em diferentes
gradações, entre o sujeito da enunciação e o do discurso. O narrador, como organizador
da ação narrada, estabelece a apreensão do sentido pela representação espácio-temporal
da história. João Anzanello Carrascoza opta por um narrador em terceira pessoa; como
enunciador, afasta o eu do ponto de vista dos sentidos narrados. Lygia Fagundes Telles,
por meio de um ponto de vista em primeira pessoa, volta-se às relações paternas vividas
no Jardim da Luz, na cidade de São Paulo, e instaurando um realismo mágico, constrói
uma memória e uma autobiografia fictícias. Cíntia Moscovich narra as relações entre a
narradora-personagem-autora e sua família, além de aproximá-las dos laços de família
narrados por Clarice Lispector.
Também nesse eixo memorialista, a prosa de ficção de Silviano Santiago,
incluindo seu Histórias mal contadas (2005), situa-se, mais especificamente, no
domínio da autoficção. De um lado, a vida do professor universitário que leciona e
escreve, sua experiência como leitor e ensaísta e, de outro, o tratamento que dá ao texto
ficcional, constituindo-o como um evento inédito. O conto “Conversei ontem à tardinha
com o nosso querido Carlos”, uma das histórias mal contadas, enviesada entre ficção e
ensaio, mostra o modo como o autor simula situações em que aparece, ao lado de vozes
outras, o ensaísta que reflete sobre as poéticas no curso do modernismo brasileiro. A
simulação mostra-se numa narrativa em primeira pessoa e estabelece um escritor,
nascido em 1936, correspondendo-se, diante de laços de amizade, com Mário de
Andrade (1893/1945), e comentando com o escritor paulista seus livros recém-lançados:
Paulicéia desvairada, de 1922, e Losango caqui, de 1926, assim como, sem nomeá-lo,
Alguma poesia, de 1930, de Carlos Drummond de Andrade. Com acuidade de um
crítico, reflete sobre o conceito de felicidade que perpassa tanto a obra de Mário de
Andrade, como a de Carlos Drummond de Andrade, assim como a de Manuel Bandeira,
26
em seu livro Carnaval, de 1919. A narrativa trabalha, assim, com uma falsificação
assistemática da memória, encerrando uma fábula vertiginosa, em que o sujeito da
enunciação trama com dois tipos de discurso e desaparece no interior de uma narrativa
desgarrada dos fatos no tempo.
Autran Dourado, como Silviano Santiago, é também um inventor de memórias.
O narrador de ambos tem autonomia discursiva; diferem-se, no entanto, no modo de
relatar o que inventam como memorável. Em Autran Dourado, trata-se de “memórias
imaginárias” para um “livro temporal, não cronológico”, que localiza no tempo o “risco
do bordado”, conforme aparece em seu próprio livro de críticas (1973, p.68-9).
Em O senhor das horas (2006), Autran Dourado retorna, com sua poética
memorialista, para o cenário da imaginada cidadinha mineira de Duas Pontes, situada
unicamente no mapa do universo mítico estabelecido pelo prosador. Em “O herói de
Duas Pontes”, conto do volume O senhor das horas (2006), retoma as mesmas
invariantes que narram condutas, com o protagonista e herói Oriosvaldino
Cunegundes, sua formação, aprendizados na Escola, no trabalho, no amor e na guerra
da Revolta Constitucionalista. Os valores vividos pelo protagonista constituem-se em
invariantes, reutilizadas, retomadas pelo prosador em seus “livros temporais” e
assumem, de fato, a função do traço dominante da invariante mítica, voltada para
falas estratificadas, de um dado universo literário.
Autran Dourado narra o conto mencionado em terceira pessoa, e organiza
pensamentos em fluxo pelo discurso indireto livre, que, por três vezes, justapõe
citações de dois sonetos e uma oitava de Camões. Os fragmentos dos sonetos de
Camões – “Um mover de olhos, brando e piedoso” (CAMÕES, 2001, p.62), “Mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades” (CAMÕES, 2001, p.127) – e da oitava – “Depois
que a clara Aurora a noite escura” (CAMÕES, 1843, p.228) –, intervêm no conto. Sua
função narrativa e discursiva é a de, ironicamente, operacionalizar a versão patética que
o herói Oriosvaldino Cunegundes tem do mundo, dando-nos o perfil da sua heroicidade
traçado entre seus sentimentos de amor e morte, movimentados, pelos saberes dos
textos de Camões. Dessa maneira, o inventor de memórias faz-se também num prosador
que trabalha com memórias de leitura, narrativa subsumida, que atravessa um processo
de composição estável do escritor mineiro.
27
As invenções do memorialismo de Autran Dourado passam pela urdidura de um
conjunto de outras narrativas suas, por fios narrativos que tramam várias obras do
autor, seguindo o veio de suas invariantes míticas. Autran Dourado é autor de enredos
enraizados, dispostos e desenvolvidos, com equilíbrio, ilustração que, sem impostura,
destilam pelas histórias uma ironia proverbial, no âmbito de hábitos e costumes
mineiros centrados e dramatizados pelos protagonistas da imaginada Duas Pontes.
Diante dos novos tempos, com fortes alterações nas noções de afetividade,
identidade, familiaridade, Menalton Braff opta por dramatizar as relações familiares
contrárias à cultura do esquecimento, voltando-se para os dramas de histórias
familiares, aquelas em que, em nossas memórias, reconhecemo-nos em experiências
comuns: circunstâncias da vida que envolvem rituais familiares, hábitos e relações de
parentesco com reconhecidas identidades culturais. O volume À sombra do cipreste
(1999), mesmo diante dos novos tempos anunciados, não deixa de despertar no leitor
as mesmas sensações de acomodação e impotência. “Adeus, meu pai”, um dos contos
da obra, com uma forma literária híbrida – de enredo com atmosfera –, conta, em
terceira pessoa, a história de Ana, a protagonista, com uma vida limitada entre os
acontecimentos da morte da mãe e da doença e morte do pai. Assim, mostra-se o
enredo do conto, que, nas cenas de um velório, cria a atmosfera da narrativa, a partir da
movimentação de fragmentos do poema “Retrato”, de Cecília Meireles, de modo a
exibir o envelhecimento da protagonista Ana, postada ao lado do caixão do pai, e a
mostrar o custo de uma existência, que nunca abandonou o conhecido compromisso
familiar de cuidar dos pais.
“Os sapatos de meu pai”, conto do volume A coleira no pescoço (2006), dispõe,
como o conto mencionado anteriormente, também de narrador em terceira pessoa,
que observa a alma aflita da protagonista, jovem que sofre desde menina pelo
abandono do pai. Trata-se, novamente, de um conto híbrido, em que a atmosfera
elaborada pela narrativa compõe, na projeção da memória já imaginária da filha,
imagens inconsistentes da figura do pai. A protagonista, curvada sobre uma calçada,
imagina avistar o pai, ao fixar seu olhar nos sapatos de um transeunte, que deles tenta
retirar o barro no meio-fio da calçada. Diferentemente da atmosfera ordenada pela
história do conto anterior, neste conto, o desamparo da protagonista e seu
28
desassossego são representados pela situação pontual, pelo instante de espanto da
personagem, diante do eventual reconhecimento dos sapatos do pai.
A representação de memórias imaginárias demanda invenção fora da
delimitação de um fato de memória. A casa de minha vó e outros contos exóticos
(2006), de Artur O. Lopes, trabalha com memórias imaginárias e inventa, pela voz do
protagonista e narrador, nos espaços de uma casa de avós, uma série de
acontecimentos que encerra contos com dimensão de fábulas. Os contos são
determinados pelos espaços de cada um dos cômodos da casa, plasmados nas poéticas
do mestre Edgar Allan Poe e de seu seguidor Jorge Luís Borges. Suas construções
atendem a uma equação. O sexto, “A casa de minha vó”, faz-se estrutural: contém a
fábula maior, o destino da trama dos demais, a planta baixa do livro, a iniciação de um
garoto no universo de fábulas criadas pelos avós. O décimo segundo conto discute a
poética contística acima referida, nos legados daqueles dois autores, em cuja contística
há invariantes, semelhanças, que se voltam para andamentos e motivos de histórias já
contadas por outros autores, emulando-os. A imitação por emulação, conforme Jorge
Luís Borges, por meio de citações, afirma uma identidade cultural, distanciando-se de
critérios de propriedade autoral. Entre suas personagens, não há diferenças, alteridades;
para o autor, a originalidade não é uma obsessão digna de louvor. Assim, o autor
argentino, entre os impulsos de falar de si e de verdades, elabora, de forma inédita na
ficção, uma construção da cultura, dentro e fora do tempo histórico, mantendo, dessa
maneira, contato com a memória letrada por meio de um acontecimento intemporal.
Charles Kiefer, escritor e orientador de oficinas literárias, simula, no conto “Elo
perdido”, do volume Antologia pessoal (1998), uma situação de criação literária, numa
sala de aula. Diante do público aprendiz, o professor opta por ensinar a forma literária
do conto pelas poéticas de Edgar Allan Poe e Jorge Luís Borges. Tais escolhas,
conforme o encenado pela narrativa, coincidem com as atividades profissionais do
escritor, professor e ficcionista, circunstância que se repete em “Lídia e o Rabino”,
conto do volume, Logo tu repousarás também (2006); neste, novamente, o professor de
criação literária encontra-se, do mesmo modo, dividido: um duplo de professor e de
escritor, no curso de uma experiência vivida entre dois tempos, sem marcas
cronológicas. Uma narrativa sempre envolvida com um duplo, nos moldes da narrativa
de Poe e Borges.
29
Em “Rosa rosarum”, conto do mesmo volume, traz, como personagem, o próprio
Charles Kiefer, orientando de pós-graduação da professora Regina Zilberman,
inventariando o processo criativo de Jorge Luís Borges. O estudioso, aficionado à obra
do autor argentino, rastreia, para sua tese de doutorado, Invenções e fontes de Jorge
Luís Borges, o nascedouro das narrativas do escritor argentino, em andanças labirínticas
pela Europa e USA, onde percorre circuitos habitados por livreiros raros, eruditos, que,
como na ficção de Jorge Luís Borges, vão lhe desvendando os vestígios de manuscritos
que serão pesquisados e, posteriormente, ficcionalizados. Convivem, portanto, no
personagem o estudioso da literatura e o contista. Temos, assim, a fabulação de Charles
Kiefer: uma invenção contística em que o narrador, ora em primeira, ora em terceira
pessoa, aparece e desaparece do texto, estabelecendo um diálogo entre autoria e
memória literária.
Jaime Prado Gouvêa, com Fichas de vitrola e outros contos (2007), volta-se
também para as representações de memórias permeadas pelas experiências familiares
comuns, como as domésticas e as escolares. Os contos do volume “A nossa infância” e
“Primeira lição” são exemplares em relação a isso.
Em Gouvêa, o narrador e protagonista em primeira pessoa, que organiza a ação
narrada, é, de modo surpreendente, também um observador onisciente, como seria
próprio de um narrador em terceira pessoa. Assim, o leitor estará sempre com o narrador
e personagem, atento a uma encenação que, numa constante, movimenta os andamentos
das narrativas acerca da dificuldade das personagens, sem experiência e sem auto-
conhecimento para a tomada de conhecimento do mundo. As marcas do sujeito da
enunciação nas representações da memória aparecem e desaparecem de acordo com o
planejamento da ação narrada delegada ao narrador e conforme uma linha divisória
calculada para os avanços e recuos da voz autoral, concordante com o diálogo que o
autor quer realizar com a memória.
Jorge Hausen, em A prenda de seu Damaso e outros contos (2007), estabelece o
modo de contar um caso. Em relação a isso, Ivan Cavalcanti Proença, que introduz o
volume, qualifica a obra como o “melhor estilo regional, contos de época e de memória
ficcional” (2007, p.6).
O caso é uma unidade narrativa breve, de enredo, assumida por um narrador com
a dicção e o ritmo de um contador de histórias, quase sempre, regionais. O relato de “O
pegador de onças” assume a dicção da língua erudita e a fabulação dá-se,
preponderantemente, pelo discurso indireto livre. Desse modo, como o narrador de uma
30
fábula, ou de um conto de fada, o contador de caso envolve-se com o caso contado, que
se dá em uma mata espessa, onde se travam lutas entre homens, bichos e mistérios.
Assim, no espaço desmesurado da mata, o embate entre o instinto e a ferocidade dos
bichos e a coragem e inteligência dos homens, ou falta delas, suscita exageros, humor e
muita dúvida. Dessa maneira, como quer até o caso jurídico, os casos literários de Jorge
Hausen ficam abertos às leituras e aos julgamentos.
Histórias do Rio Negro (2007), de Vera do Val, traz histórias situadas na
extensão das margens do Rio Negro. Na introdução do volume, a autora adianta sua
visão apaixonada pelo rio: “O Negro é sensual, insinuante, muito masculino. É um rio
macho. Chega a se apossar de nossa paixão sem pedir licença” (2007, p.6). Os contos,
no entanto, não vão nessa direção. O rio não invade ou condiciona os seres. Mesmo
fazendo-se num cenário de julgamentos morais de dramas entre tipos sociais locais e
estrangeiros, o rio flui e, com suas águas, movimenta os afetos e desejos da população
ribeirinha. A paisagem como item da identidade brasileira marcou, para as literaturas
romântica, realista, naturalista, modernista e pós-modernista brasileiras, os traços típicos
das tendências dessas épocas que debatiam acerca de uma identidade nacional. Histórias
do Rio Negro, no entanto, apresenta-se como um livro de contos, preponderantemente,
de personagens femininas e distante de quaisquer impulsos naturalistas, o que contraria
opiniões presumidas que se tenha em torno da paixão da autora pelo Rio Negro.
Os dois últimos contistas – Vera do Val, que é bióloga, e Jorge Hausen, que é
geólogo – mostram-se apegados às suas experiências em prospecção, apegados às
referências geográficas, respectivamente, do Rio Negro e dos Pampas. E levam essas
referências a suas memórias ficcionais. A ordenação da memória dá-se, portanto, por
meio do tempo e do espaço e se sinaliza nas geografias locais.
Bolha de Luzes (1998), de João Inácio Padilha, traz um conto “Memorial do
esquecimento”, que se inclui em experiências retidas na memória e representadas pela
ficção. Como aponta seu título, as contemplações do memorial dão-se em um campo
figurativo borgeano. A memória não é nítida, não produz aproximação temporal; sem
sensações de duração, assume o efêmero, ao modo de uma bolha de sabão, metáfora
utilizada no volume. O conto emula o Jorge Luís Borges de “Animales de los espejos”,
de El libro de los seres imaginários, inclusive o cita em epígrafe. A metáfora borgeana
do espelho encontra-se no interior da metáfora da bolha de sabão de João Inácio
Padilha; mais, este, tendo em mente a emulação do conto de Jorge Luís Borges, certifica
ao leitor que a metáfora da bolha antecede, na sua gênese, a do espelho: arremata seu
31
conto de maneira inusitada, relatando que o conto “Pierre Menard autor do Quixote”
origina-se de uma lembrança contida no interior de uma bolha que se arrebenta,
liberando tal pensamento esquecido, do mundo sensível, para o conhecimento e para a
narrativa que deu origem ao conto de Borges.
Mário Araújo, em A hora extrema (2005), retoma as representações da memória
das relações familiares cotidianas, de situações entre pais e filhos, envolvendo a
formação dos filhos, as regras domésticas, a organização da vida diante da
disponibilidade do tempo dos pais para a convivência familiar. “A hora extrema”, conto
que dá título ao volume, traz, em relato de um narrador em terceira pessoa, os
pensamentos em fluxo de um menino que tenta vivenciar e medir o tempo a partir de
suas cores no dia e na noite, longe das “horas extremas” estabelecidas pela mãe para
dormir e despertar. O garoto quer saber o que não conhece: a distinção entre o avanço
do tempo cronológico e as diversas tonalidades das horas entre o dia, a noite, a
madrugada. O garoto, em seu exercício de medir o tempo, representa alguém que se
sente incompleto. Inicialmente imobilizado, mas sem aceitar a pobreza de sua
experiência, faz do seu quarto, onde fica confinado a partir das 21h30, hora marcada
para dormir, um lugar de resistência, em que, acordado, desafiando a autoridade da mãe.
Desse modo, toma consciência do tempo no espaço, a partir de uma sondagem do
andamento das horas pela noite adentro. De forma alegórica, “A hora extrema”, ilustra a
vontade, os impulsos para o novo. O menino representa o sujeito que, consciente do que
quer, não hesita, rompe com tabus familiares, adquire novos conhecimentos,
transfigura-se.
As representações da memória motivam as narrativas a promoverem, por meio
de lembranças vivenciadas, o inexplorado, o pouco enfrentado pela subjetividade e,
assim, possibilitar ao sujeito a superação, movida por suas experiências, dúvidas e
indeterminações. As representações que limitam a emergência da lembrança, da
memória, encontram-se em disposições de narrativa contrárias às anteriores, voltadas
para a expressão da pobreza da experiência do sujeito, em histórias em que ele se
apresenta com um entendimento raso do mundo, com uma visão precária da vida e da
cultura. Para isso, a narrativa muda o modo de ser e os hábitos do indivíduo,
envolvendo-o com indivíduos como ele – descentrados, inconscientes, solitários, sem
noções claras acerca da sua existência, desejos e afetos. O indivíduo é catapultado ao
insólito, no âmbito de vivências ressentidas, estranhas, que nos trazem, desse modo,
outras memórias, as memórias do subsolo, o subsolo da emoção, desligadas do solo,
32
lugar da razão, utilizando-nos, aqui, da metáfora dostoievskiana, de Memórias do
subsolo. A personagem paradoxal do homem do subsolo é movida por uma vontade
independente, a de querer viver naturalmente suas potencialidades racional e emocional,
viver sob o livre-arbítrio.
As personagens de Rubens Figueiredo ressoam a personagem paradoxal do
homem do subsolo. Em Palavras secretas (1998), como em Contos de Pedro, de 2006,
e como, ainda, os romances Barco a seco, de 2001, e Passageiro do fim do dia, de 2010,
Rubens Figueiredo elabora uma trajetória de resignação para seus protagonistas, sempre
frágeis, estranhos e que, por isso, submetem a formação da sua identidade ao outro. O
conto “A ele chamarei Morzek”, de Palavras secretas, apresenta, em primeira pessoa,
narrador e personagem que aceita passivamente os acontecimentos da sua vida, tendo no
outro, o pintor Morzek, aquele com quem apreenderá a ser artista, a compor a cor, a
buscar a matéria orgânica para a composição. A mesma situação, agora, entre crítico de
arte e pintor, enreda o romance Barco a seco, em que o crítico sente-se obsessivamente
desafiado pela identidade estranha de um pintor, pelo modo como o artista distribui as
cores dos seus quadros.
No romance de 2010, o autor apresenta-nos, por meio de um narrador-
onisciente, o dia-a-dia da vida de Pedro, um livreiro, resignado a viver apenas na rota da
casa para o trabalho e vice-versa, sempre preso a uma viagem diária de ônibus e à
leitura de um livro. As características dos protagonistas dos contos “O dente de ouro” e
“Ouro, olho, ovo”, ambos do volume Contos de Pedro (2006), também são semelhantes
e vivem vidas difíceis. O Pedro do primeiro conto é imigrante do norte que se deu mal
no sul e pouco ou nada entendeu das pessoas com as quais conviveu; o Pedro do
segundo conto – o nome se repete –, sempre teve dificuldade de interação no trabalho e
na família. Os Pedros dos dois contos são incultos, estranhos e grosseiros, acumulam os
mesmos hábitos de quem mora em lugares pequenos e degradados e mal sabem se
comunicar.
Mínimos, múltiplos, comuns (2003), de João Gilberto Noll, é o produto
resultante de uma iniciativa da Folha de S. Paulo, nos idos de 1997, em que o jornal
proporciona ao assinante interagir com diversas modalidades de linguagem. Por mais de
três anos, edita, no seu caderno Ilustrada, ao lado da coluna Horóscopo, outra com
microcontos de três autores, que se revezam na publicação. Quis a Folha que os
escritores contratados trabalhassem com “instantes ficcionais” (DECIA, 1998), no
33
limite máximo de 130 palavras em cada narrativa. Os assuntos desses pequenos contos,
de maneira notável, tocam na questão do destino, centro das atenções do Horóscopo.
João Gilberto Noll intitula separadamente cada pequeno conto seu, em suas 338
colaborações, que publica posteriormente no volume Mínimos, múltiplos, comuns
(2003). Essa edição dos contos conta com o trabalho do crítico Wagner Carelli, que, no
prefácio, observa: “Noll estabelece uma olaria simbólica; trabalha e modela o barro do
intuído para então juntar, literal e literariamente, seus tijolos na construção da
consciência” (2003, p.19). E continua: “Os relatos de Mínimos, múltiplos, comuns
fazem uso exclusivo da palavra lavrada como arquétipo (...)” (2003, p.20). Para o autor
e seu coeditor, a forma artística sensibiliza. Assim, em pequenos e adensados instantes
ficcionais, reúnem-se personagens desmemoriadas, letárgicas, sem individualidade, sem
memória coletiva, em condições sombrias, vivendo uma distopia. As personagens
vagam por um tempo rude e distante, como o tempo bíblico dos primeiros dois volumes
do Antigo Testamento; são errantes, deslocadas, vivem uma deriva memorialista, que se
mostra apenas latente, ainda em barro, longe de uma experiência de vida.
O narrador, e também protagonista, dos microcontos de Noll tem a função de
realizar o fazer receptivo e interpretativo que recai sobre os percursos temáticos e
figurativos de sua narrativa, o que acentua sua aflição, seu drama de viver. “Tecido
penumbroso”, conto da sessão Gênese do volume, traduz, como a quietude e a falta de
luz que indiciam os movimentos iniciais do firmamento, a solidão do protagonista que
se sente numa “espécie de lacuna essencial”, em que vive imóvel, recolhido diante de
um “espelho explícito” (NOLL, 2003, p.29).
Mínimos, múltiplos, comuns (2003) reúne instantes ficcionais, que revelam as
mesmas pulsões dramatizadas pelas personagens romanescas de Noll em Harmada, de
1993, A céu aberto, de 1996, e Lorde, de 2004. De acordo com passagem de A céu
aberto, os instantes ficcionais inventados pelo autor compõem seu “teatro da aparição”
(NOLL, 1996, p.100-1), em que os protagonistas se apresentam como “verdadeiras
assombrações”, que vagam “do esquecimento para o olvido”, sempre aprisionadas numa
identidade frágil, com a necessidade de se espelhar no outro.
João Gilberto Noll, como também Raimundo Carrero – que, como assinalamos
anteriormente, trabalha a cólera em seus contos – indica que mobiliza novos afetos para
suas personagens, promovendo, a partir dos conhecimentos primários, primordiais, uma
separação entre corpo e alma. As personagens transcendem, no que pensam e fazem, o
que são, e, assim, reconstroem novas identificações, um novo circuito de afetos.
34
Histórias mirabolantes de amores clandestinos (2004), de Edgard Telles
Ribeiro, traz representações de memórias conduzidas pela sabedoria e pelas
experiências advindas da idade. É o caso do conto “A hora e o tempo”, cujo narrador e
personagem, aos seus 54 anos, é atropelado e fica com sérios ferimentos e sequelas. O
conto explora o confronto entre as experiências de memória e o trágico acaso do
acidente, algo que rompe com a harmonia do pensamento da personagem, colocando-a
brutal e dolorosamente paralisada sob gesso e sem fala. A narrativa, então, movimenta-
se por meio de fragmentos de lembranças, entre o sono e a vigília, sob remédios. A
memória solta e, ainda, não desgarrada do tempo, mas presa ao corpo imóvel e à afasia,
volta-se à situação também traumática da morte do pai. A história trágica de uma
encruzilhada do destino liga, pela memória, o homem ao pai e à sua infância.
Edgard Telles Ribeiro narra com maestria o conto híbrido de enredo e de
atmosfera, ao entabular sequências narrativas com os entrechos do destino, que ordenam
furtivamente o cotidiano e mudam a sorte no jogo da vida.
O CONJUNTO DAS 33 OBRAS DE CONTOS
Machado de Assis definiu o conto brasileiro moderno; Mário de Andrade, o
modernista. Machado de Assis (1962), nas “Advertências”∗ de Várias histórias, de
1896, ao considerar para seu público leitor modelos franceses do conto, citando Diderot
e Mérimée, refere-se também ao modelo norte-americano de Poe. No final de suas
considerações, ressalta que a brevidade da forma literária do conto é o que a qualifica.
Parece aproximar-se, assim, da filosofia da composição do autor norte-americano e do
mesmo dilema de não poder quantificar a necessária brevidade requerida para o conto,
estimando-a ao tempo de uma assentada: “O tamanho não é o que faz mal a este gênero
de histórias, é naturalmente a qualidade; mas há sempre uma qualidade nos contos, que
os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem
∗ Curioso lembrarmos que o Rio de Janeiro, quando do nascimento de Machado de Assis, em 1839, contava com 137 mil habitantes e 811 mil quando o escritor morreu em 1908. Ao publicar Várias histórias, em 1896, o Rio de Janeiro somava 522 mil habitantes. Talvez não por acaso Machado tenha passado a se dirigir, em seus prefácios, não mais ao “leitor”, como fazia, mas ao “público”, como fez a partir das “Advertências”. A capital de São Paulo contava com 65 mil habitantes quando Mário de Andrade nasceu em 1893, e 2,5 milhões quando morreu em 1945. Em 1920, já no curso do Movimento Modernista, São Paulo somava 579 mil habitantes. Entre 1939 e 1945, período das reflexões de Mário de Andrade que ainda comentaremos, São Paulo tinha entre 1,5 e 2,5 milhões de habitantes e o Estado entre 7 e 9 milhões de habitantes.
35
curtos” (ASSIS, 1962, v.I, p. 476). Algo do teor dessa reflexão machadiana podemos
depreender do ensaio “A filosofia da composição” (POE, 1987), sobre o romance e o
conto, como também de “De marginalia” (POE, 1987), acerca da novela: não cabe ao
conto romancear sua história (com múltiplos episódios), nem enovelá-la (diante de dois
episódios sobrepostos), mas, sim, desenvolvê-la na sequência de uma unidade compacta
de efeito, com um desenlace, tudo antecedido por uma história pressuposta, não
contada.
Mário de Andrade, num ensaio de 1938, “Contos e contistas” – tendo em vista
comentar uma consulta ao público leitor, realizada pela Revista Acadêmica, sobre quais
seriam os melhores contos nacionais –, polemiza: “O que é conto? (...) Em verdade,
sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto” (ANDRADE,
1972, p.5). No mesmo escrito, o autor toma como modelares os contos dos franceses
Maupassant, Flaubert e do brasileiro Machado de Assis, e considera também, como
critério para sua definição, o tamanho do conto. Nesse sentido, em suas reflexões,
transparece boa parte da filosofia da composição de Poe.
Mário de Andrade destaca, ainda, que a leitura seguida de um “livro de contos
fatiga muito mais que variado, merece a censura e a desatenção geral” (ANDRADE,
1972, p.6). A leitura de um único conto, publicado em revista qualquer, propicia leitura
agradável; já um volume de contos, com múltiplos assuntos e personagens, fatiga o
leitor e lhe exige muita memória. Para ele, portanto, o conto não é para livro, é para
revista, seu suporte ideal. Também aqui aparece sua sintonia com Poe, que, na sua
reflexão sobre o conto, tem como objeto as revistas norte-americanas da época. E, ainda
do mesmo modo, mostra também, como em Poe, a preocupação com o prazer do leitor.
O livro de contos para o escritor paulistano, pelas razões apontadas acima, é
desprestigiado pelo leitor: assuntos e personagens múltiplos desagradam o leitor. O
ensaio acima citado está em O empalhador de passarinho, coletânea elaborada entre
1938 e 1944, época em que Mário de Andrade escreve e revisa, esmerada e
seguidamente, sem publicá-lo em vida, o volume de Contos novos.
Porém, em outro ensaio “Do cabotinismo”, também publicado em O empalhador
de passarinho, Mário destila crítica ácida a Poe por, em sua opinião, não relevar as
“causas tripa” do seu processo criativo, seu envolvimento com experiências e ideias
artísticas da humanidade, daí, tê-lo como cabotino.
Nessa época, Mário de Andrade, além de ensaísta e contista, conforme já
mencionamos, mostra-se também leitor do conto, na consulta realizada pela Revista
36
Acadêmica. E cita seus favoritos entre os brasileiros e franceses. Entre seus cinco
favoritos de autoria de Machado de Assis, dois deles são de Várias histórias, “Uns
braços” e “Causa secreta”. Pode-se inferir que tenha lido e concordado com as
“Advertências”, em especial aquela sobre o tamanho do conto. Ficou para os dois a
decisão pela quantidade de páginas cabíveis para a leitura de um conto. Machado de
Assis e Mário de Andrade elaboram um conto preponderantemente de enredo e com
uma atmosfera impressionista, uma narrativa breve, para se ler em uma assentada.
Das 33 obras finalistas e vencedoras do Jabuti, aqui examinadas, 31 somam
contos lidos numa só assentada. Contos de Pedro (2006), de Rubens Figueiredo, é dos
poucos que reúne contos mais longos, que são, inclusive, romanceados depois, em
Passageiro do fim do dia, de 2010. Tais contos variam entre 20 e mais de 40 páginas.
Silviano Santiago também elabora textos mais longos, em torno de 20 páginas, exceto
um único conto com mais de 40 páginas. Mínimos, múltiplos, comuns (2003) de João
Gilberto Noll, é o único volume que reúne microcontos, também como dissemos, com
motivos romanceados pelo autor, anteriormente, em Harmada, A céu aberto e,
posteriormente, em Lorde.
Esse expediente, que faz migrar personagens e motivos entre as formas literárias,
mostra-se não raro no universo dos contistas estudados. Também Lygia Fagundes
Telles, por exemplo, desenvolve, nos romances, o mesmo tema das relações familiares,
presente nos seus contos breves. Os romances Ciranda de pedra, de 1954, As meninas,
de 1973, Verão no aquário, de 1978, e As horas nuas, de 1989, sustentam relações
familiares pautadas pelo imaginário familiar, que reúne experiências familiares comuns,
traçadas por meio de memórias pessoais imaginadas. Nos romances, no entanto, a
memória das relações familiares mostra-se mais diluídas nos pensamentos em fluxo,
movidos pelo discurso indireto livre.
Com temas e personagens comuns ao romance, o conto, porém, pede tratamento
diferente. Sua qualidade está na trama que exige concisão. Certos motivos, os que
excedem os encaixes da trama concisa, podem ganhar na forma do conto relevos
medianos, medíocres, matéria clara no entendimento de Machado de Assis, na sua
“Advertência”, como também de Mário de Andrade, em “Contos e contistas”.
Machado de Assis, leitor da ficção do século XIX, que nos deu o conto moderno,
deixa-nos observar, em vários contos seus, que dispõe para a prosa do conto de uma
contida expansão da narrativa, de passagens romanceadas, nas quais inclui registros
literários do ensaio, da crônica, da memória, do epistolário, do romance negro e do
37
romance de terror. Tal procedimento deu à contística de Machado uma dilatação da sua
área temática, interessada pela psicologia e pela filosofia do mundo moderno. Isso, no
entanto, não provocou um desdobramento na forma de Machado narrar o conto. Ele se
conteve, delineando seus contos pela brevidade da narrativa.
Contos novos, como comentamos, é um livro póstumo de Mário de Andrade, de
1946, que evidencia ao seu leitor um apuro formal muito grande. O volume traz visível
o intervalo entre a criação dos contos e sua edição final; mostra-se muito trabalhado e
revisto pelo autor. A obra mantém as preocupações de Mário de Andrade com o
subconsciente individual e coletivo, já consideradas no âmbito da educação amorosa em
Amar verbo intransitivo; com o tema da luxúria e da preguiça, que aparecem em
Macunaíma (temário presente, ainda, nas meditações líricas da sua poesia). Em Contos
novos transparece, precisamente, como bem quiseram os modernistas, a matéria do
mundo, as relações familiares dramatizadas, em narrativas breves.
Os preceitos teórico-literários acerca da forma do conto, como os debatidos e
utilizados por Machado e por Mário, continuam a ser seguidos pelos contistas finalistas
e vencedores do Prêmio Jabuti. O requisito de que as narrativas fossem breves é,
inclusive, critério acentuado pelo regulamento da premiação.
A literatura volta-se para quaisquer realidades: a dada, realizada, possível de
realização, inventada. E, em quaisquer das circunstâncias, não as reflete por inteiro,
dividindo tal limitação com o leitor. De acordo com a Poética de Aristóteles, o vivido,
dado como acontecido, o lembrado, tendem a moldar o verossímil, em que o imitar,
representar ânimos diversos é congênito no homem, com a possibilidade ainda de,
conforme a necessidade e a coerência interna do texto em invenção, apelar para uma
imitação com a participação do maravilhoso. Eça de Queiroz, considerando a mesma
disposição anímica aristotélica como propulsora da mímese, constata, no prólogo ao
livro de contos Azulejos, do Conde de Arnoso, de 1886, a “doce ocupação” do contista,
que: “(...) poetiza singularmente a existência”, como quem “(...) nada mais quer nas
regiões da Arte do que saber de vez em quando, com senso e bom gosto, contar uma
história, imaginada ou lembrada”. Para Eça, “uma maneira de pintar a verdade,
levemente esbatida na névoa dourada e trémula da Fantasia, satisfazendo a necessidade
de Idealismo que todos temos nativamente, e ao mesmo tempo a seca curiosidade do
Real que nos deram as nossas educações positivas (...)” (QUEIROZ, 2000, p.71).
38
A literatura é uma forma da cultura que considera, nos fenômenos sociais,
conhecimentos humanos, experiências acerca de aprendizados, de valores significativos
estocados.
As festas literárias, os prêmios literários, a mídia e as redes sociais aproximam,
cada vez mais, autores de leitores; promovem uma interlocução constante de autores e
seus narradores com o público leitor. A prática criativa aproxima-se dos juízos críticos e
do drama de viver. A organização do discurso ficcional representa formas da cultura que
valorizam simbolicamente os acontecimentos advindos de padrões de valores vividos,
cultivados e codificados.
O tratamento dado, aqui, aos 33 volumes laureados pelo Prêmio Jabuti, um total
de 610 contos, procurou depreender seus valores e traços ficcionais recorrentes, a que
denominamos conjuntos narrativos.
A noção de conjunto narrativo, como mostramos, possibilitou-nos analisar as
matrizes que se constituem em nós convergentes – estruturas de conhecimento estáveis
de medidas autorais. Destacamos, nesse caminho de investigação, os de traços ficcionais
envolvidos com a cólera, o humor e a memória, definidos como conjuntos narrativos e,
assim qualificados, conforme se manifestam por meio de invariantes comparáveis entre
si e de uma mesma ordem de grandeza.
Procurando evidenciar o conjunto narrativo explorado pelos contistas,
selecionamos e comentamos pelo menos um conto de cada volume. Os contos, que
movimentam o motivo da cólera – primeiro conjunto narrativo depreendido –, mostram
personagens, com atitudes obsessivas, hedonistas, hiperindividualistas e criminosas, que
atuam sem cautela e sem civilidade, num ambiente urbano desnorteado, de selvageria já
naturalizada.
O motivo da cólera, bestial ou não, constitui-se numa célula dramática que
possibilita atributos diversos para as personagens: caracteres de ressentimento,
frustração, desnorteamento, raiva, crueldade, compulsão, indiferença. São personagens
que, em atos performáticos, voluntariosos e exagerados, promovem exibições, para se
verem reconhecidas em suas mentes aterrorizadoras, conscientes que são da sociedade
do espetáculo em que vivem.
Como vimos, as obras de cinco contistas do corpus têm, como eixo principal, a
cólera: Confraria das espadas (1999), Secreções, escreções, desatinos (2001),
Pequenas criaturas (2002) e Elas e outras mulheres (2006), de Rubem Fonseca; O vôo
da madrugada (2003), de Sérgio Sant´Anna; Contos negreiros (2005), de Marcelino
39
Freire; O amor e outros objetos pontiagudos (1999) e Faroestes (2001), de Marçal
Aquino e As sombrias ruínas (1999), de Raimundo Carrero. Algumas dessas obras,
conforme já assinalamos, são também permeadas pelo humor, que, paradoxalmente, se
soma a desejos expressos de poder, domínio e possessão.
O homem que odiava a segunda-feira (1999), de Ignácio de Loyola Brandão, e
Pequenos amores (2003), volume de contos de José Roberto Torero, são livros
integralmente humorados, incluem-se no segundo grupo, o dos conjuntos narrativos
baseados no humor.
Loyola Brandão, à época, contava com 63 anos, idade por ele avaliada, no
Suplemento de Minas, como a que renascera: “Estive no limite entre a vida e a morte,
com um aneurisma na artéria cerebral direita. Sofri uma cirurgia, vivi, aqui estou, vinte
anos de sobrevida. Outra vida, agora tudo é diferente”. (LOYOLA BRANDÃO, 2016,
p.38) O humor, na vida e na arte, permite ao homem, sem querer assegurar-se das
mínimas certezas, viver em desarmonia com o senso de realidade, com os princípios
básicos da noção de realidade. O humor é transcendente; impõe, ao lado do conhecido,
o desconhecido, o surpreendente, o incerto, potencializando-os. Reverte, nos contos, o
princípio da causalidade, estabelecendo um diálogo entre duas situações de experiências
vividas; sobrepõe uma situação a outra. O homem que odiava a segunda-feira é todo ele
assim, bem como Pequenos amores. Essa reversão da causalidade aparece também em
alguns contos de Rubem Fonseca e Sérgio Sant´Anna; em narrativas em que a cólera é
enfrentada e corroída pelo humor.
Também considerado entre os contos de conjunto narrativo voltados ao humor, o
volume Paraísos artificiais (2004), de Paulo Henriques Britto, traz histórias de enredo e
de atmosfera com situações entre o real e o insólito. As vivências das personagens
conjugam experiências típicas do cotidiano e experiências estranhas ao real, em que o
insólito é construído pelo humor.
A enunciação da memória, que, como vimos, compreende o terceiro conjunto
narrativo, não tem um expediente fixo e envolve as obras: Duas tardes (2002) e O
volume do silêncio (2006), de João Anzanello Carrascoza; Invenção e memória (2000) e
Durante daquele estranho chá (2002), de Lygia Fagundes Telles; Arquitetura do arco-
íris (2004), de Cíntia Moscovich; A hora extrema (2005), de Mário Araújo; Histórias
mal contadas (2005), de Silviano Santiago; Antologia pessoal (1998) e Logo tu
repousarás também (2006), de Charles Kiefer; O senhor das horas (2006), de Autran
Dourado; À sombra do cipreste (1999) e A coleira no pescoço (2006), de Menalton
40
Braff; A casa de minha avó e outros contos exóticos (2006), de Artur O. Lopes; Fichas
de vitrola (2007), de Jaime Prado Gouvêa; Histórias do Rio Negro (2007), de Vera do
Val e A prenda de seu Damaso e outros contos (2007), de Jorge Hausen; Bolha de luzes
(1998), de João Inácio Padilha; As palavras secretas (1998) e Contos de Pedro (2006),
de Rubens Figueiredo; Mínimos, múltiplos, comuns (2003), de João Gilberto Noll;
Histórias mirabolantes de amores clandestinos (2004), de Edgard Telles Ribeiro.
O escritor, diante da enunciação do memorável, dispõe como quer, ao evocá-lo,
do lembrado, recordado; memória e imaginação consistem em traços constitutivos do
sujeito. Assim, autores elaboram textos que fabulam com a memória fictícia de dramas
familiares, e também com a autoficção, que aproxima autores dos seus narradores, em
circunstâncias passadas que se apresentam como semelhantes. Na autoficção,
funcionam tanto as vozes da recordação, quanto as vozes imaginárias, que se mostram
sem a delimitação própria dos fatos da memória.
A memória é um saber narrativo e temático; uma reconstituição de
acontecimentos por meio de um fazer interpretativo. O ficcionista, ao contá-la ou
romanceá-la, procura uma conjunção entre o seu mundo, sua memória individual e as
formas literárias do conto ou do romance.
A memória, assim, traz, na argumentação narrada, as marcas centrais, nodais, do
recordado; ela tenciona as ações do conto ou do romance; as situações ficcionais
trabalhadas com a memória recebem tratamento cuidadoso no âmbito das várias vozes
da narrativa, encadeadas, por sua vez, tanto para o drama de existir que envolve relações
familiares, como para os dramas individuais de almas subterrâneas, aterradas em sua
solidão, diante de vivências pobres, de pouca experiência. As narrativas, desse modo,
mostram, entre sensações e estranhezas, a fragilidade das personagens, que não têm
condição ou disposição para mudanças ou tomadas de consciência, em meio a seus
conflitos morais e sociais.
A matéria memorial é cultivada tanto numa vertente da representação da
experiência vivida, aproximando-se de memórias coletivas, mitologias pessoais, como
numa vertente de experiências inventadas, despersonalizadas, desenvolvidas em linhas
difusas entre as memórias coletiva e literária.
A partir da ideia aristotélica, a que já recorremos, de que o imitar é congênito ao
homem, podemos entender que emular também é imitar. Imitar o texto já realizado, uma
obra de arte já publicada, considerando-os em citação, de acordo com os vários casos
apontados neste estudo. As diferenças nos modos de citar, entre clássicos, modernos e
41
contemporâneos, estão no fato de que o texto clássico faz citações sem arruinar a ideia
de tradição, já os modernos e os contemporâneos mostram-se alheios à tradição: não
tomam posições ao repetir o já dito, incorporando-no, informalmente, ao texto citante.
Dessa maneira, dois ou mais textos podem participar, com conteúdos, referências, do
conjunto de uma mesma obra ficcional. A atitude literária da emulação, desse modo,
entre modernos e contemporâneos, estabelece interações entre ficções literárias, em que
conteúdos diegéticos passam a compor o conjunto de uma mesma história, dependendo
da hermenêutica do leitor para a decifração da sua identidade diegética.
Diante do exposto, e mediante o corpus, desta pesquisa, que envolve tanto
autores mais jovens, quanto mais amadurecidos, percebemos que uns e outros não
descendem de experiências históricas tão distintas. Assim sendo, seria apropriado
pensarmos numa geração 99-00? O que possibilitaria filiá-los a uma geração literária?
Os autores reunidos, ao que nos parece, não compreendem uma geração; são
contemporâneos e consideram seu tempo de forma diferente em suas obras, o que se
mostra, por exemplo, no modo como o motivo da memória recebe, entre eles,
preferência e tratamentos diversos.
A prosa de ficção participa de discursos expandidos, dotados de categorias
complexas – tempos, espaços, personagens –, com a função de representar, construir um
espetáculo verbal por meio de uma operação configuradora composta de esquemas
narrativos, com intrigas, enredos, que tornam narráveis valores culturais. O conto
surpreende seu leitor ao abreviar e, assim, reinventar o modo de contar uma história. Há,
na fatura do conto, como ressaltamos, uma característica dominante: sua brevidade. O
conto não tem espaço para explicações nem digressões; tais disposições contrariam o
que é exponencial para sua forma literária: a trama.
O que evidenciaria, nos contistas relacionados e premiados, a marca de uma
tendência? Não depreendemos dos contos um possível diálogo de seus autores sobre
rumos da prosa ficcional no Brasil. Os contos estão assentados numa realidade, e deles
emerge o que está nas estruturas sociais, mas, mesmo assim, não notamos em seu
universo verbal um ideário de pertença, uma tendência, um fazer ficcional ordenado por
ideias nucleares de uma geração ou entre gerações.
Os autores são escritores profissionais que fazem literatura. Veem com ceticismo
a importância tanto da literatura quanto do livro na vida do cidadão; escrevem em sites,
blogs; escrevem por paixões e homenageiam autores prediletos em seus textos. Não
escrevem para intelectuais. Não querem mudar o Brasil com a ficção; não se orientam
42
pela noção de originalidade, e, assim, apropriam-se do legado literário sem se preocupar
com um estilo. Os assuntos literários são intrapoéticos: transpassam séries históricas da
literatura com poucas raízes nos momentos histórico-literários. Desse modo, fazem-se,
ao lado de seus narradores, interlocutores entre sua obra e o público leitor, por meio de
situações e atitudes irreverentes em relação às convenções literárias.
Ratificando a hipótese que norteou esta pesquisa, pode-se afirmar que os autores
das obras aqui consideradas, que já foram chamados de geração 00-99, não formam uma
vanguarda, não apresentam o conto com uma nova forma de narrar. Não desenvolvem
ou exercem uma vanguarda na sua prosa de ficção. Não podemos dizer, por exemplo,
que temos contistas à frente de outros no modo de contar o conto. Escritores de gerações
diferentes, individual e reiteradamente, relacionam-se com o público leitor – leitores
comuns, estudantes, professores do ensino fundamental e médio, universitários, críticos
literários –, por meio de redes sociais. E, assim, se apresentam de modo heterogêneo,
sem transmitirem nem comporem uma ideia ou um pensamento de geração acerca da
literatura. Suas experiências literárias são desiguais, embora apresentem, como
mostramos, valores literários próximos, com concepções estéticas afins.
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