análise consequencialista lorenzetti
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Ano 1 (2012), n 7, 4353-4375 / http://www.idb-fdul.com/
A ANLISE CONSEQUENCIALISTA NO
PROCESSO DE TOMADA DAS DECISES
JUDICIAIS A PARTIR DA OBRA DE RICARDO L.
LORENZETTI
Thas G. Pascoaloto Venturi1
Sumrio: 1. O processo de tomada de decises; 1.1 A
insuficincia do mtodo dedutivo; 1.2 O mtodo
argumentativo; 1.3 As clusulas gerais; 2. Verificao dos
fundamentos das decises judiciais; 3. Breves delineamentos
acerca da Anlise Econmica do Direito; 4. Estudo de caso - o
paradigma consequencialista na tomada das decises judiciais:
aplicabilidade e limites no controle jurisdicional das polticas
pblicas. 5. Referncias.
1. O PROCESSO DE TOMADA DE DECISES
A pluralidade de critrios e concepes pessoais das
quais o intrprete lana mo no momento da aplicao ou
concretizao do Direito revela uma notria indeterminao do
1 Doutora e mestre em Direito das Relaes Sociais pela Universidade
Federal do Paran. Professora de Direito Civil na Universidade Positivo e na
Universidade Tuiuti do Paran. Professora do Programa de Ps-graduao em
Direito Civil na UNICURITIBA. Estgio de doutoramento - pesquisadora Capes -
na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Portugal. Membro do Virada de
Coprnico grupo interinstitucional de pesquisa e estudo de Direito Civil. Membro do
Conselho Editorial da Revista Cadernos da Escola de Direito da UNIBRASIL.
Membro da Comisso de Ensino Jurdico da OAB/PR. Advogada.
thaisgpv@uol.com.br
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processo de tomada de decises judiciais.
Por um lado, preconiza-se com cada vez maior
frequncia a necessidade de se desatrelar da literalidade do
conjunto normativo, sugerindo-se que se ultrapassem os
parmetros eleitos literalmente pelo legislador com o objetivo
de se desvendar, com o necessrio dinamismo temporal,
espacial e valorativo, o sentido e o alcance do Direito
positivado. Em contrapartida, a aplicao do Direito baseada
exclusiva ou precipuamente em uma anlise principiolgica
certamente abre a oportunidade para decises judiciais
fundadas em alto grau de subjetividade, resumindo-se, assim,
muitas vezes, a concretizao do Direito por via da assuno de
valores essencialmente pessoais do julgador.2
O mtodo formalista est diretamente ligado a uma regra
ou a um princpio que ser aplicado pelo juiz para fundamentar
a sua deciso, mas, que na maior parte dos casos, se demonstra
insuficiente para a resoluo do caso concreto.
Afastando-se de uma postura formalista, seria possvel
admitir que as mudanas so permanentes e que o juiz no tem
como se dissociar da realidade social em que opera. Assim, o
ordenamento jurdico no seria pleno e as lacunas deveriam ser
preenchidas por meio de critrios prprios.3
Mas como ento definir e delimitar o alcance dos
referidos critrios?
Seria possvel sustentar que ao aplicador do Direito
incumbe no apenas o papel de integrao do sistema por meio
das clusulas abertas, mas, sobretudo, a responsabilidade
indissocivel de auferir o impacto geral e especial que suas
decises podem produzir no apenas para o caso concreto, mas,
tambm, para toda a sociedade. A partir dessas
perspectivas, sustenta LORENZETTI a existncia de uma 2 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 33. 3 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 170.
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Babel jurdica, na qual os conflitos no tm uma linguagem comum para sua resoluo, e em que os debates se parecem
com uma guerra de posies irredutveis entre grupos que
pensam que a nica sada ganhar ou perder4. O intrprete para o caso concreto passou a desempenhar
um papel cada vez mais relevante. Ao juiz reconhecido um
papel de verdadeiro protagonista, na formao criativa da
jurisprudncia, fundado e fundamentando a prpria doutrina.5
A partir dessas perspectivas, parece imprescindvel
verificar como uma anlise verdadeiramente consequencialista
das decises judiciais pode contribuir no apenas para a
revelao dos critrios utilizados pelos magistrados, mas,
sobretudo, para a efetividade, razoabilidade e
constitucionalidade da resposta jurisdicional aos conflitos
concretos, delimitando-se as bases axiomticas do raciocnio
jurdico por meio de um processo de identificao de fontes e
normas fundamentais.6
1.1 A INSUFICINCIA DO MTODO DEDUTIVO
Comumente, o processo de justificao das decises
judiciais se d por meio do mtodo dedutivo. Inicialmente,
identifica-se a norma a partir de um conjunto de premissas
jurdicas vlidas das quais se extrai um enunciado normativo
geral. Em seguida, delimita-se o suporte ftico que dever ter
sentido jurdico7 e, por fim, faz-se o juzo de qualificao,
4 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p.33. 5 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p.43. 6 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p.44. 7 De acordo com Fernando NORONHA fatos antijurdicos so os fatos que se colocam em contradio com o ordenamento, afetando negativamente quaisquer
situaes que eram juridicamente tuteladas. (...) A antijuridicidade, quer diga
respeito a um fato humano, quer a um fato natural, dado de natureza objetiva:
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passando o juiz a analisar o suporte ftico e sua
correspondncia com o elemento normativo solucionando a
questo mediante deduo.8
Ocorre que, em que pese representar a frmula mais
tradicional de embasamento das decises judiciais, o mtodo
puramente dedutivo demonstra-se insuficiente em razo da
natural abertura e complexidade do sistema que, portanto,
revela-se permeado de incoerncias, tais como: i) a
ambiguidade da norma, deixando o intrprete diante de uma
zona de penumbra em que necessariamente dever optar entre
as vrias alternativas de interpretao9; ii) a existncia de
clusulas abertas que no se referem a nenhum elemento ftico
especfico, dificultando a aplicao do mtodo dedutivo; iii) a
questo da justeza da lei, na medida em que um dos
pressupostos da justia formal a neutralidade moral, isto ,
ainda que a lei seja formalmente vlida, mas materialmente existe quando o fato (ao, omisso, fato natural) ofende direitos alheios de modo
contrrio ao ordenamento jurdico. Direito das Obrigaes: fundamentos do direito das obrigaes: introduo responsabilidade civil, v. 1, 2 ed. re. e atual, So
Paulo: Saraiva, 2007. p. 469. 8 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 171. 9 Nesse sentido, de acordo com Maria Cndida do Amaral KROETZ e Thas
G. Pascoaloto VENTURI, a problemtica em torno do Superior Tribunal de Justia
ao contornar o bice da Smula 7 (a pretenso de simples reexame de prova no enseja recurso especial) quando se prope a controlar o valor das indenizaes por danos extrapatrimoniais fixados nas instncias ordinrias, sem que com isso
reexamine matria ftica e extrapole sua competncia recursal. Assim, estando assente o fato de que para o cabimento de recurso especial indispensvel a
violao ao direito federal que constitua uma questo de direito, porque apenas as
questes de direito esto sujeitas ao controle do STJ, torna-se indispensvel
delimitar o contedo entre questo de fato e questo de direito. (...) No entanto, a
questo da adequao do valor das indenizaes por danos extrapatrimoniais pelo
STJ parece configurar tipicamente uma questo mista porque implica o exame do
substrato ftico para conform-lo a um conceito jurdico muito fluido que o valor
da justa compensao para aquela hiptese em concreto. O papel do Superior Tribunal de Justia na reviso das indenizaes por danos extrapatrimoniais. In:
Apontamentos crticos para o direito civil brasileiro contemporneo. Eroulths
Cortiano Junior, Jussara Maria Leal de Meirelles, Luiz Edson Fachin e Paulo Nalin
(coord.) Curitiba: Juru, 2008, p. 71 e ss.
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injusta, ela deveria ser aplicada.
Evidentemente que tais referidas incoerncias e
imperfeies tcnicas no autorizam o magistrado a
simplesmente afastar-se da aplicao da lei, mas, sim, afastar
sua interpretao literal.10
1.2 O MTODO ARGUMENTATIVO
Em muitas situaes, em razo da complexidade do caso,
a tarefa do aplicador do Direito no pode restringir-se
subsuno do fato norma, na medida em que se torna
imprescindvel um raciocnio argumentativo.
A teoria da argumentao, nessa medida, pode ser
explicada a partir da tpica jurdica em que os argumentos so
formulados a partir de princpios gerais e da jurisprudncia que
apresenta certo consenso nas solues dos casos, mas sem a
pretenso de que o consenso chegue a ser uma forma de
legitimao das decises judiciais.11
A teoria da argumentao jurdica pode, ainda, estar
vinculada ao discurso, em que se busca a adeso do auditrio
por meio de uma argumentao destinada a um setor especfico
(auditrio particular) e uma argumentao destinada a um
pblico universal (auditrio universal), baseada em argumentos
generalizantes.12
Os argumentos generalizveis demonstram-se eficazes na
medida em que se torna possvel convencer a todos da
legitimidade das razes utilizadas pelo operador do Direito,
pois um modelo que permite que o juiz desenvolva as razes para uma deciso particular e as controle com referncia na sua
10 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 175-176. 11 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 176-177. 12 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 176-177.
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capacidade para convencer o auditrio universal13. Para LORENZETTI, a adoo de uma posio
intermediria entre o mtodo dedutivo e o argumentativo seria
o mais adequado, visto que prescindir de um deles redundaria
no indevido e indesejado aumento do nvel de incerteza das
decises judiciais.14
1.3 AS CLUSULAS GERAIS
Merece especial destaque a temtica referente s
clusulas gerais, na medida em que passam a permitir ao
intrprete uma necessria flexibilidade para encontrar a soluo
mais adequada para o caso em anlise, admitindo-se mais de
uma interpretao para determinada regra de conduta.
As clusulas gerais, dentre outros efeitos, propiciam um
intercmbio entre os vrios sistemas sociais existentes,
permitindo a interpenetrao do Direito com outros sistemas
sociais.15
As discusses acerca da interpretao, aplicao e
alcance das clusulas gerais permeiam no apenas o direito
privado contemporneo, mas o ordenamento jurdico como um
todo.
Como orienta TEPEDINO,
O legislador atual procura associar a seus
enunciados genricos prescries de contedo
completamente diverso em relao aos modelos
tradicionalmente reservados s normas jurdicas.
Cuida-se de normas que no prescrevem uma certa
conduta, mas, simplesmente, definem valores e
13 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p.177. 14 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 178. 15 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 173-174.
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parmetros hermenuticos. Servem assim como
ponto de referncia interpretativo e oferecem ao
intrprete os critrios axiolgicos e os limites para
aplicao das demais disposies normativas.16
A concreo das clusulas gerais um dos grandes
desafios a serem enfrentados pelos magistrados, aos quais
incumbe prioritariamente a tarefa de lhes conferir sentido e significado. Caber ao magistrado levar em conta a generalidade da norma e, concomitantemente, individualiz-la
com base nas plurais circunstncias envolvidas no caso
concreto.17
Ressalta-se, nesse passo, que no se trata apenas de uma
multiplicidade de decises possveis a partir da interpretao
do magistrado, como destaca MIRAGEM: A atuao do juiz no se d como mero ato de autoridade, mas a argumentao e
convencimento quanto ao contedo e intensidade da sua
interveno na relao jurdica das partes18. O comprometimento da segurana jurdica, derivado do
alto grau de incerteza e de liberdade conferidas ao intrprete e
aplicador do Direito, uma das principais crticas formuladas
contra a adoo e aplicao das clusulas gerais. A prerrogativa
de dar significados aos elementos do caso concreto, em
contraposio ao tradicional mtodo dedutivo, traria
insegurana jurdica ao sistema em razo de uma suposta imprevisibilidade.19 16 TEPEDINO, Gustavo. Crise das fontes normativas e tcnica legislativa na
parte geral do Cdigo Civil de 2002, in: Gustavo Tepedino (Org.), A parte geral do
novo Cdigo Civil, Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 18-19. 17 MIRAGEM, Bruno. Funo social do contrato, boa-f e bons costumes:
nova crise dos contratos e a reconstruo da autonomia negocial pela concretizao
das clusulas gerais, in Claudia Lima Marques (coord.), A nova crise do contrato Estudos sobre a nova teoria contratual, So Paulo: RT, 2007, p. 187. 18 MIRAGEM, Bruno. Funo social do contrato, boa-f e bons costumes:
nova crise dos contratos e a reconstruo da autonomia negocial pela concretizao
das clusulas gerais, cit., p. 188. 19 MIRAGEM, Bruno. Funo social do contrato, boa-f e bons costumes:
nova crise dos contratos e a reconstruo da autonomia negocial pela concretizao
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Rebatendo referida crtica, pode-se sustentar que o dever
de fundamentao por parte dos magistrados, aliado prpria
forma de ser do sistema recursal (que sujeita as decises
eventual reviso pelas instncias superiores), representariam
um modo de controle da utilizao das clusulas gerais.
Como explica MIRAGEM,
A leitura do princpio da segurana jurdica,
supostamente comprometido na viso dos crticos
da utilizao das clusulas gerais, no pode ser
feita apenas em vista da ideia de previsibilidade do
resultado de aplicao da lei. Sem desconsiderar a
importncia de que a atuao do juiz seja previsvel
(e o ser tambm por intermdio do sistema de
recursos, dos esforos da doutrina, da formao de
entendimentos uniformes), h tambm de se
considerar como incorporado ao princpio da
confiana, que a deciso judicial efetiva (uma
deciso justa) e que no permita resguarda-se em
aspectos jurdico-formais ou mesmo na malcia de
quem viola o direito alheio, a existncia de
decises que, a par de no dar razo a quem, por
regras de experincia de vida se reconhece ter
razo, compromete a confiana no sistema, na
efetividade da lei e do Poder Judicirio.20
As clusulas normativas gerais propiciam a todo o
sistema (e, prioritariamente, ao juiz) a possibilidade de um
abrandamento ou da necessria flexibilizao do mtodo
dedutivo-formalista, ao conferir ao intrprete a chance de
amoldar e justificar legitimamente o seu julgamento com base
nas inerncias do caso concreto.
A partir disso, o questionamento passa a ser acerca dos das clusulas gerais, cit., p. 192. 20 MIRAGEM, Bruno. Funo social do contrato, boa-f e bons costumes:
nova crise dos contratos e a reconstruo da autonomia negocial pela concretizao
das clusulas gerais, cit., p. 193.
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efeitos das clusulas gerais, especificamente no que tange ao
seu alcance e eficcia, no no sentido de generalizao de sua
aplicao, mas, sim, na medida em que isoladamente o
magistrado passa a ter a prerrogativa de utiliz-la para a
obteno de uma deciso justa.
Nesse sentido, para auferir o grau de vinculao que os
julgamentos guardariam com o sistema normativo, poder-se-ia
pensar em dois desdobramentos: primeiramente, na
responsabilidade do magistrado ao julgar, j que este possuiu
ao seu dispor determinadas clusulas abertas; em segundo
lugar, na avaliao do(s) impacto(s) da deciso no apenas
entre as partes, mas para alm delas.
2. Verificao dos fundamentos das decises judiciais
Na verificao dos fundamentos e da legitimidade da
deciso judicial, sustenta LORENZETTI a necessidade da
anlise da sua consistncia (que implicaria um olhar para trs), de sua coerncia (consubstanciado em um olhar para cima) e de suas consequncias (pautado em um olhar para frente).21
A primeira verificao, a respeito da consistncia do
julgamento, estaria baseada essencialmente na aplicao das
regras jurdicas, com vistas a proporcionar igualdade aos casos
anlogos e segurana jurdica ao trazer estabilidade ao Direito.
Para LORENZETTI, em ltima anlise, a consistncia estaria
pautada nos precedentes judiciais que estabeleceram regras jurdicas para os casos com elementos de fato similares. 22
Assim, os precedentes proporcionariam s partes a crena
de igualdade perante a lei, na medida em que para os casos
semelhantes a soluo deveria ser a mesma, isto , o sistema 21 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 160-161. 22 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 161.
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seria previsvel nessas hipteses. Ressalta-se que se o intrprete
operador optar pelo afastamento do respectivo precedente,
caberia a ele o nus de argumentao justificativa de mudana. Caso contrrio, correria o risco de sua sentena ser considerada arbitrria.
23
A segunda verificao, a respeito da coerncia das
decises, preocupar-se-ia com a harmonizao das regras,
buscando uma maior satisfao possvel, na medida em que h
uma pluralidade de fontes na atualidade, sendo as regras gerais
que estabelecem os padres de coerncia ao sistema jurdico.
Para LORENZETTI deve ser realizado um dilogo das fontes, o que implica numa rdua tarefa do interprete que tem de harmonizar as leis, os costumes, a Constituio, os tratados.24
importante destacar a dificuldade em se realizar essa
interpretao harmnica em determinado caso concreto,
buscando no apenas as ferramentas existentes, mas as
apropriadas para um juzo de ponderao efetivo.
Por fim, a terceira verificao necessria diz respeito ao
paradigma consequencialista propriamente dito.25
A anlise consequencialista tem por escopo as
consequncias jurdicas ou econmico-sociais que uma
determinada deciso pode produzir no futuro. dizer que deve ser estudado claramente o tipo de regra de conduta que se
est criando pela deciso, e como ser observado pelos
cidados no futuro.26 Trata-se, em resumo, de uma anlise ao mesmo tempo
particular e geral a respeito dos efeitos produzidos (efetiva ou 23 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 164. 24 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 211. 25 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 160-161. 26 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 186.
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potencialmente) por uma determinada deciso, com eventual
repercusso sobre toda a sociedade, ainda que de forma
mediata, e no apenas em relao s partes envolvidas no caso.
Sendo assim a deciso adotada um incentivo para as futuras condutas das partes no envolvidas no pleito.27
Com efeito, a anlise consequencialista exerce uma ntida
funo de controle quanto justeza e o impacto econmico-
social provocado por determinada deciso.
Nesse contexto, torna-se necessrio o exame de alguns
fundamentos da anlise econmica do direito, como
instrumental terico apto ao estudo da anlise
consequencialista das decises judiciais.
3. BREVES DELINEAMENTOS ACERCA DA ANLISE
ECONMICA DO DIREITO
A anlise econmica dos institutos jurdicos leva em
conta, fundamentalmente, a ideia segundo a qual os sujeitos
podem ser estimulados ou desestimulados, por meio das
normas jurdicas, a praticarem condutas que sejam socialmente
desejveis ou indesejveis, respectivamente.
De igual forma, os efeitos de uma deciso judicial podem
servir como incentivos ou desincentivos para a regncia da
conduta humana.28
Assim, tomando como pressuposto as relaes de
causalidade, a metodologia econmica passa a avaliar o
impacto social produzido por uma determinada norma jurdica
ou deciso judicial em um contexto geral, mas sem
desconsiderar eventos externos que possam influenciar na
situao ftico-normativa.
27 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p 162. 28 ARAJO, Fernando. Anlise econmica do direito: programa e guia de
estudo. Coimbra: Almedina, 2008, p. 22 e ss. E, ainda, acerca do tema, a obra do
referido autor: Teoria Econmica do Contrato, Coimbra, Almedina, 2007.
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A partir dessa anlise torna-se possvel avaliar a
efetividade da referida norma ou deciso, com o intuito de
orientar no somente a dogmtica jurdica, mas tambm a
fixao de critrios para uma poltica legislativa eficiente.29
Nada obstante, se um dos pressupostos essenciais sobre
os quais se funda a Anlise Econmica do Direito liga-se ao
princpio da eficincia, no se podem desconsiderar outros
pressupostos, que envolvem a prpria racionalidade
econmica, sob pena de enquadrar o tema a um reducionismo
terico.
Do mesmo modo, no se pretende enquadrar as relaes
jurdicas a uma anlise puramente econmica, com o intuito de
filtrar as normas jurdicas ou as decises judiciais mediante um
critrio puramente de eficincia, tornando-se imprescindvel
delimitar-se at que ponto ser possvel sustentar um raciocnio
jurdico embasado em um instrumental terico da economia,
uma vez que a prestao jurisdicional fundamentada em
inmeros outros valores.
Nesse sentido, torna-se necessrio apresentar algumas
distores hermenuticas utilizadas para criticar essa escola, tais como: a) a interpretao liberal: identificar a anlise econmica com a interpretao liberal da economia, que
sustenta que o direito tem uma importncia menor, de
facilitao e no regulatria; que a desregulao necessria a
fim de se superar a rigidez, e que s o mercado tem aptido
para atribuir bens e direitos; b) a interpretao absurda: a ideia de que a anlise econmica sinnima da diminuio dos
custos; c) a interpretao interessada e a propagandstica: as simplificaes dogmticas no so boas nem srias, e descuidam da complexidade que expe a aplicao de modelos
em realidades distintas; d) a interpretao messinica: deve-se lograr a justia e combater o mercado, sem dizer como seria
29 ARAJO, Fernando. Anlise econmica do direito: programa e guia de
estudo, cit., p. 31-34.
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alcanado este propsito. A afirmao de objetivos com
despreocupao do estudo dos meios para alcan-los nos leva
a um direito declarativo, sem aplicao real, com grandes
prejuzos para os dbeis do mundo social.30 No obstante os fundamentos da Anlise Econmica do
Direito constiturem um instrumental terico capaz de
implementar o estudo das consequncias, no se pode
desconsiderar a imposio de limites31
para a aplicabilidade da
referida teoria, tais como: a delimitao da teoria da escolha
racional que dever ser complementada, visto que os homens podem atuar com menos previso do que aquela que o modelo
do homem racional considera. isso justamente o que mostra o
modelo de Coase: o vazio de racionalidade do mundo real.32 Assim, a racionalidade da ao humana no seria um axioma
inquestionvel.33
Um segundo aspecto limitativo dos fundamentos da 30 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p.187-189. 31 Acerca das crticas formuladas Anlise Econmica do Direito, consultar
Fernando ARAJO. Anlise econmica do direito: programa e guia de estudo, cit.,
p. 27-31. 32 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 206. 33 Com preciso Fernando ARAJO esclarece que a Anlise Econmica do
Direito tem como corolrio a teoria comportamentalista (Behavioral theory) centrada
na Teoria da Escolha Racional baseada na convico de que a conduta humana tende para a maximizao racional dos fins. Adverte o autor acerca de uma concepo nominalista da referida teoria que exclui as atitudes solidrias e altrustas,
mas, em contrapartida, explica: A Anlise Econmica do Direito, convocada pelas necessidades de adensamento referencial, tem evoludo na incorporao (sem
hesitaes, refira-se) das referncias do psicologismo, nomeadamente da
racionalidade limitada e da necessidade de heurstica (a necessidade de explicitao
dos processos atravs dos quais a informao em bruto distribuda e classificada),
dadas as implicaes cognitivas de factores como a complexidade e a ambiguidade,
compaginando afinal as suas prprias teses com a crescente constatao emprica
(mormente experimental) dos viezes cognitivos e dos erros sistmicos. Afirma, ainda, acerca da presso no sentido de se reverem conceitos basilares como o de ou de com fundas implicaes em reas como a
da responsabilidade civil ou a do direito processual (...), .Anlise econmica do direito: programa e guia de estudo, cit., p. 23-27.
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anlise econmica refere-se despreocupao com a ao
coletiva, em que determinadas regras que so pertinentes a
ao individual so incompatveis com uma concepo
coletiva.34
Diante de um panorama descrito por LORENZETTI
como a era da desordem, caracterizada pela abertura do sistema, por uma pluralidade de fontes, pelo nmero crescente
de conceitos indeterminados que redundam em uma variedade
de critrios de julgamentos, o papel do intrprete passa ser o de
reconstruir o direito do caso mediante um processo de seleo de leis, costumes, ordenanas, normas constitucionais,
princpios, valores.35 A preocupao com o processo de tomada de decises e
com a efetividade das respostas jurisdicionais torna premente a
busca por novos paradigmas que se prestem a fundamentar
idoneamente e dar novos contornos aos institutos jurdicos,
ainda que essa busca por novas formas de tutela nas relaes
privadas venha a se valer de elementos que transcendem a
rbita jurdica, mediante concepes metajurdicas.
4. ESTUDO DE CASO - O PARADIGMA
CONSEQUENCIALISTA NA TOMADA DAS DECISES
JUDICIAIS: APLICABILIDADE E LIMITES NO
CONTROLE JURISDICIONAL DAS POLTICAS
PBLICAS
No difcil perceber que toda deciso judicial envolve,
em maior ou menor grau, a depender da espcie de conflito
levado resoluo estatal, escolhas que afetam no apenas as
partes formalmente envolvidas no conflito (se referente a
direitos puramente individuais), mas, por vezes, parcela 34 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 204-298. 35 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 359.
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expressiva da coletividade ou toda ela (hiptese comum s
aes coletivas de tutela de direitos coletivos e difusos).
Assim, v.g., seja em sede de ao de cobrana de
alugueres atrasados (com discusso sobre a penhorabilidade do
bem de famlia do fiador), seja em ao civil pblica pela qual
se discuta a responsabilidade civil por poluio ambiental, as
consequncias sociais, econmicas e polticas das decises
certamente ou muito provavelmente transcendero o interesse
das partes formalmente presentes em juzo.
Em qualquer dessas hipteses, a anlise econmica do
Direito ocupa funo cada vez mais frequente e necessria,
sobretudo no que diz respeito ao auxlio da tomada das
decises judiciais, sobretudo quando se considera a prpria
forma de ser das relaes intersubjetivas da sociedade do
sculo XXI, essencialmente interligadas, quando menos, por
todos serem considerados real ou virtualmente consumidores de algo e, portanto, dependentes direta ou indiretamente, mediata ou imediatamente -, do que se passa com a vida do
outro.
Na verdade, possvel afirmar que a anlise jurisdicional
pautada e ponderada entre as contraditrias aspiraes do
homem racional cotejadas quelas do homem razovel, por via
dos diversos paradigmas descritos por Lorenzetti36
, no apenas
tolerada como foi inclusive incentivada, seja pelo legislador
constitucional como pelo legislador infraconstitucional, na
medida em que passou a, gradativamente, utilizar frmulas
abertas e conceitos jurdicos indeterminados quando da
previso do exerccio dos direitos.
De fato, e s para se ilustrar tal afirmao, o constituinte
brasileiro de 1988 no se utilizou gratuitamente de referidas
36 Conforme a anlise de LORENZETTI, as decises judiciais fundam-se em
seis grandes paradigmas: o de acesso aos bens jurdicos primrios, o protetivo, o
coletivo, o consequencialista, o do Estado Constitucional e o ambiental, Teoria da
deciso judicial: fundamentos de direito, cit., p. 227-353.
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frmulas para garantir o direito de propriedade37
(funo social da propriedade - art. 5, XXIII e art. 170, III) e ao bem-estar social (existncia digna e bem estar e justia social - art. 170, caput e art. 193). Da mesma forma, o legislador
responsvel pela edio do Cdigo Civil de 2002 no
consagrou inutilmente a funo social do contrato (art. 421), a
boa-f objetiva (arts. 113, 187 e 422), a onerosidade excessiva
(art. 478) e os bons costumes (arts. 13, 122 e 187), por via de
conceitos abertos.
Perceba-se que a perspectiva da qual parte o novo legislador deriva da queda da iluso e da utopia da existncia de um sistema jurdico absolutamente lgico e fechado, dentro
do qual seria sempre possvel previrem-se solues gerais e
timas, independentemente de uma anlise emprica lastreada
por valoraes necessariamente dinmicas a respeito da
consagrao e do exerccio dos direitos.
Mais. Dentro de uma concepo ps-positivista e de
Estado Constitucional Social Democrtico de Direito (como
pretende ser o brasileiro), parte-se da premissa de que no
incumbe to somente ao jurista a revelao das palavras da lei, mas, antes, a compreenso crtica da lei em face da Constituio, para fazer surgir uma projeo ou cristalizao da
norma adequada, que tambm pode ser entendida como
conformao da lei38. A partir de ento, abre-se espao para uma anlise
judicial que deve se pautar em parmetros consequencialistas e,
por seguimento, econmicos, no intuito de ponderar a melhor
escolha decisria oportunizada por uma multiplicidade de 37 Sobre o tema consultar Eroulths CORTIANO JUNIOR., O discurso
jurdico da propriedade e suas rupturas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 38 Segundo Luiz Guilherme MARINONI, essa transformao da cincia jurdica, ao dar ao jurista uma tarefa de construo e no mais de simples revelao -, confere-lhe maior dignidade e responsabilidade, j que dele se espera
uma atividade essencial para dar efetividade aos planos da Constituio, ou seja, aos
projetos do Estado e s aspiraes da sociedade. Teoria Geral do Processo, So Paulo: RT, 2007, p. 46.
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alternativas derivadas da abertura do sistema jurdico.
Dentre os inmeros casos de aplicao do raciocnio
econmico-consequencialista pelo Poder Judicirio, talvez os
mais evidentes estejam relacionados com a chamada
judicializao das polticas pblicas, ou melhor, as possibilidades e os limites do controle jurisdicional a respeito
da implementao e da assegurao dos mais diversos direitos
fundamentais essenciais.
A temtica das polticas pblicas (inerentes sade,
segurana, educao e bem-estar social) constitui assunto
extremamente relevante e complexo, de enorme repercusso,
sobretudo no mbito de ordenamentos jurdicos que, a exemplo
do brasileiro, prevem expressamente o dever de o Estado
garantir, com eficincia, universalidade e igualdade, todas as
condies para viabilizar um mnimo existencial aos cidados
39.
Precisamente em tal rico debate possvel identificar,
com bastante clareza, os paradigmas que acabam permeando
no s a discusso cientfica, mas, acima de tudo, o
fundamento das prprias decises judiciais.
Neste particular, o plenrio do Supremo Tribunal
Federal, instado a decidir pedidos de suspenso de eficcia de
provimentos liminares40
que ordenavam ao Poder Pblico as
mais diversas prestaes necessrias preservao da vida e da
sade perseguidas em aes individuais e coletivas (tais como
o fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares,
rteses e prteses, criao de vagas em UTIs e leitos
39 Saliente-se, neste particular, que a Constituio Federal brasileira no
apenas prev expressamente a existncia e o contedo dos direitos fundamentais
individuais e sociais (artigos 5 e 6, respectivamente), como determina que os
direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata e direta (art. 5, 1).
Acerca do assunto consultar a obra de Luiz Edson FACHIN. Estatuto
Jurdico do Patrimnio Mnimo. 2 ed. rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar,
2006. 40 VENTURI, Elton. Suspenso de liminares e sentenas contrrias ao poder
pblico, 2.ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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hospitalares, contratao de servidores da sade, realizao de
cirurgias e exames, custeio de tratamentos mdicos fora do
domiclio, inclusive no exterior),41
teve a oportunidade de
analisar, preliminarmente, justamente a prpria viabilidade
constitucional de o Poder Judicirio imiscuir-se no controle de
polticas pblicas envolvendo o sistema de sade pblica.
Objetivando o julgamento de tais casos, o Supremo
Tribunal Federal promoveu, inclusive, audincia pblica na
qual foram ouvidos 50 especialistas, entre advogados,
defensores pblicos, promotores e procuradores de justia,
magistrados, professores, mdicos, tcnicos de sade, gestores
e usurios do sistema nico de sade, no intuito de se obter
informaes de toda ordem (sobretudo mdicas,
administrativas e econmico-financeiras).
Com base nos dados colhidos, a Suprema Corte nacional
acabou ponderando a respeito das consequncias globais da
destinao de recursos pblicos para beneficiar apenas os
indivduos autores das aes judiciais.42
Nos casos avaliados, decidiu-se por manter a eficcia
mandamental dos provimentos que ordenavam prestaes por
41 Agravos Regimentais nas Suspenses de Liminares ns 47 e 64, nas
Suspenses de Tutela Antecipada ns 36, 185, 211 e 278, e nas Suspenses de
Segurana ns 2361, 2944, 3345 e 3355. 42 Destacam-se do voto do relator de referidos pedidos de suspenso,
Ministro Gilmar Ferreira Mendes, as segiontes passagens: Se por um lado, a atuao do Poder Judicirio fundamental para o exerccio da efetiva cidadania, por
outro, as decises judiciais tm significado um forte ponto de tenso entre os
elaboradores e os executores das polticas pblicas, que se vem compelidos a
garantir prestaes de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes
com a poltica estabelecida pelos governos para a rea da sade e alm das
possibilidades oramentrias (...). Nesse aspecto, no surpreende o fato de que a
problemtica dos direitos sociais tenha sido deslocada, em grande parte, para as
teorias da justia, as teorias da argumentao e as teorias econmicas do direito (...).
Assim, a garantia judicial da prestao individual de sade, prima facie, estaria
condicionada ao no comprometimento do funcionamento do Sistema nico de
Sade (SUS), o que, por certo, deve ser sempre demonstrado e fundamentado de
forma clara e concreta, caso a caso (STA 175 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076, div. 29-04-2010, pub. 30.4.2010).
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parte do Poder Pblico na rea da sade, uma vez no
demonstrados suficientemente a grave leso ordem, sade, segurana ou economia pblica, justamente o fundamento da irresignao do Poder Pblico
43.
possvel observar, a partir dos fundamentos da deciso
ora comentada, claramente o contraste entre os paradigmas
protetivo e consequencialista, a demonstrar, a um s tempo,
no s a relevncia como tambm os limites da anlise
econmica do Direito.
De fato, a se tomar em considerao to somente a
racionalidade econmica, nenhum ou pouco sentido haveria no
dispndio de vultosos recursos econmicos para fazer frente s
necessidades de proteo sade e vida de um ou de poucos
indivduos, sobretudo em um contexto de presumida ou
presumvel escassez de recursos pblicos a suscitar a aplicao
da chamada reserva do possvel.44 Como analisa BARROSO em notvel artigo sobre a
judicializao de polticas pblicas,
43 Nesse sentido, esclarece Elton VENTURI: O fundamento referente grave leso da ordem pblica, dentre os expressamente mencionados, induz conceito
profundamente indeterminado, motivo pelo qual, talvez, seja genrica e
constantemente empregado nas pretenses de sustao de decises contrrias ao
Poder Pblico. E, continua: para a compreenso do significado, extenso e profundidade da expresso ordem pblica: legitimamente, o que se busca tutelar o
regime jurdico dos pedidos de suspenso a chamada ordem pblica
administrativa, vale dizer, a ordinria prestao das essenciais atividades estatais
constitucional e legalmente estabelecidas. Suspenso de liminares e sentenas contrrias ao poder pblico, cit., p.138-140. 44 Conforme sintetiza Rogrio Gesta LEAL, No momento em que a Constituio Federal de 1988 dispe, em seu art.196, que a sade direito de todos e
dever do Estado, garantindo mediante polticas sociais e econmicas que visem
reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s
aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao, no h como negar que
tal dever relacional e condicionado garantia de acesso universal e igualitrio (a
todos) das aes consectrias nesta direo. Isso significa, salvo melhor juzo, que
qualquer poltica pblica, ou ao preventiva e curativa, necessitam levar em conta a
demanda global que envolve tais interesses, sob pena de atender uns e desatender
muitos, Impactos econmicos e sociais das decises judiciais: aspectos introdutrios, Braslia: ENFAM, 2010, p. 250.
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No contexto da anlise econmica do direito,
costuma-se objetar que o beneficio auferido pela
populao com a distribuio de medicamentos
significativamente menor que aquele que seria
obtido caso os mesmos recursos fossem investidos
em outras polticas de sade pblica, como o
caso, por exemplo, das polticas de saneamento
bsico de construo de redes de gua potvel.45
Todavia, quando o Poder Judicirio se defronta com
pedidos de controle da execuo de polticas pblicas de
garantia de direitos subjetivos individuais fundamentais,
referida racionalidade econmica, seno afastada,
evidentemente contrastada pela lgica da razoabilidade, a
envolver necessria ponderao, caso a caso, por via da
aplicao do critrio de proporcionalidade.46
Isto porque, como bem salienta LORENZETTI,
No postulamos uma homologao das leis
econmicas por parte do direito. O homem no tem
s uma dimenso de largura, que quantificvel;
tambm h uma dimenso de profundidade, que
irredutvel a fixaes exatas; o campo do normativo
especialmente este ltimo aspecto. O direito tem 45 BARROSO, Luiz Roberto. Da falta de efetividade judicializao
excessiva: direito sade, fornecimento gratuito de medicamentos e parmetros para
a atuao judicial, in: Revista Interesse Pblico, n 46, p. 31-62,2007, acessvel pelo
endereo
eletrnico:http://www.lrbarroso.com.br/web/pt/profissionais/advogados/roberto . 46 O princpio da proporcionalidade, segundo Roberto ALEXY, envolve uma
avaliao discricionria, por parte do interprete, que deve sopesar a adequao, a
necessidade, a exigibilidade e a proporcionalidade em sentido estrito dos interesses
fundamentais em jogo, Teoria dos Direitos Fundamentais, So Paulo: Malheiros,
2008, p. 584-610.
E, ainda, como afirma LORENZETTI: A anlise econmica se apresenta ao direito como um sistema de incentivos a um homem que responde segunda a
conquista do seu prprio interesse. Este tem base no condutivismo psicolgico, que
estuda profundamente esse aspecto da personalidade, mas h muitas outras
motivaes distintas do egosmo, como o altrusmo, a solidariedade, que escapam
desse esquema, Teoria da deciso judicial: fundamentos de direito, cit. p. 205.
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RIDB, Ano 1 (2012), n 7 | 4373
aspiraes, postula um dever ser, e por isso se vale
da lgica dentica, que no comum em outras
cincias descritivas. Por essa razo, interagem os
modelos do homem racional e do homem razovel,
corrigindo-se mutuamente e expressando os
mbitos das leis baseadas no quantitativo e o
direito. 47
Assim, se por um lado o paradigma consequencialista
poderia implicar a negativa de atendimento a pleitos
individuais, por suposto comprometimento do atendimento ao
sistema geral de sade pblica, pois o seu ncleo estruturante
a anlise das consequncias pblicas das aes privadas, o paradigma protetivo, ao contrrio, imporia a prestao da
tutela individual, no intuito de garantir a proteo da pessoa
que seu princpio estruturante, priorizando os resultados
imediatos, s custas, muitas vezes, da isonomia que se espera
derivar da salvaguarda do interesse de todos em mbito
universal.48
5. REFERNCIAS
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Paulo: Malheiros, 2008.
ARAJO, Fernando. Anlise Econmica do Direito: programa
e guia de estudo. Coimbra: Almedina, 2008
________. Teoria Econmica do Contrato. Coimbra:
47 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 206. 48 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da deciso judicial: fundamentos de
direito, cit., p. 251-305.
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4374 | RIDB, Ano 1 (2012), n 7
Almedina, 2007.
BARROSO, Luiz Roberto. Da falta de efetividade
judicializao excessiva: direito sade, fornecimento
gratuito de medicamentos e parmetros para a atuao
judicial. In: Revista Interesse Pblico, n 46, p. 31-62,
2007. Disponvel em
http://www.lrbarroso.com.br/web/pt/profissionais/advoga
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crise do contrato Estudos sobre a nova teoria
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