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Anais do II Seminário de
Graduandos e Pós-Graduandos em
História da Universidade Federal de
Juiz de Fora.
24, 25 e 26 de novembro de 2010
Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
24, 25 e 26 de novembro de 2010
II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da
Universidade Federal de Juiz de Fora
Centro Acadêmico de História
Gestão “Próximos Passos” (2010-2011)
Comissão Organizadora:
Adebiano Robert Rodrigues Pereira – graduando 6º período (UFJF)
Ana Paula Bôscara – graduando 4º período (UFJF)
Antonio Gasparetto Júnior – mestrando (UFJF)
Camila Pereira Martins – graduando 8º período (UFJF)
Carine Muguet – graduando 4º período (UFJF)
Filipe Queiroz de Campos – graduando 3º período (UFJF)
Laíz Perrut Merendino – graduando 5º período (UFJF)
Leonardo Bassoli Ângelo – graduando 6º período (UFJF)
Luiz César de Sá Júnior – mestrando (UFJF)
Luiz Henrique Giácomo – graduando 7º período (UFJF)
Renata Silva Fernandes – graduando 5º período (UFJF)
Rhuan Fernandes Gomes – graduando 6º período (UFJF)
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Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
24, 25 e 26 de novembro de 2010
Sumário:
Comunicações..............................................................................pág. 4
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Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2011.118 p.
1-Anais; 2-Seminário de História; 3-Comunicações
Comissão Organizadora:
Adebiano Robert Rodrigues Pereira – graduando 6º período (UFJF)
Ana Paula Bôscaro – graduando 4º período (UFJF)
Antonio Gasparetto Júnior – mestrando (UFJF)
Camila Pereira Martins – graduando 8º período (UFJF)
Carine Muguet – graduando 4º período (UFJF)
Filipe Queiroz de Campos – graduando 3º período (UFJF)
Laíz Perrut Merendino – graduando 5º período (UFJF)
Leonardo Bassoli Ângelo – graduando 6º período (UFJF)
Luiz César de Sá Júnior – mestrando (UFJF)
Luiz Henrique Giácomo – graduando 7º período (UFJF)
Renata Silva Fernandes – graduando 5º período (UFJF)
Rhuan Fernandes Gomes – graduando 6º período (UFJF)
Diagramação e Formatação:Antonio Gasparetto Júnior
Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
24, 25 e 26 de novembro de 2010
Estado e Sociedade na República Brasileira: da transição
democrática à era neoliberal.
De Cruzeiro a Cruzeiro: um dinheiro marcado.
Adebiano Rodrigues.
O presente trabalho busca traçar uma analise sobre aspectos artísticos das cédulas
de dinheiro brasileiro (a partir do padrão Cruzeiro) que estão abrigadas no Museu do
Crédito Real. Para tal, elegemos algumas cédulas de períodos distintos para uma analise de
seus aspectos artísticos, com enfoque em seu cunho ideológico. A escolha destas cédulas
se dá por suas peculiaridades e suas inovações. Trataremos também do aspecto econômico
da qual estas cédulas são testemunhas e nos contam através da oscilação de seus valores e
das marcas que lhe foram conferidas nas diversas mudanças de planos econômicos. Assim,
na labuta de cumprir nossa proposta faremos uma breve exposição da história do dinheiro,
trataremos do nosso dinheiro e seus particularidades artísticas, abordaremos ainda alguns
apontamentos sobre as representações da efígie da liberdade nas cédulas e o momento
político do país em que estas foram utilizadas e após uma breve apresentação dos
principais planos econômicos analisaremos as alterações de valor nas cédulas e como isso
impactou na vida da população.
A motivação maior deste trabalho se dá pela falta de informações sobre as cédulas
brasileiras, seus aspectos gráficos, as finalidades com as quais suas representações foram
empregadas, o aspecto histórico que estas adquirem ao longo do tempo. Além de nutrir um
desejo de ampliar conhecimentos sobre a história econômica recente do país. Assim, na
dúvida entre produzir um trabalho de história econômica ou uma história social, optamos
pelas duas. Cientes de que o tema não será esgotado e de que ainda faltam muitas
pesquisas a respeito, de forma ensaística levantaremos apenas algumas percepções sobre a
coleção de moedas abrigadas no Museu do Crédito Real.
O dinheiro ao longo do tempo
O dinheiro é meio usado na troca de bens, na forma de moedas ou cédulas, usado na
compra de bens, serviços, força de trabalho, divisas estrangeiras ou nas demais transações
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Anais do II Seminário de Graduandos e Pós-Graduandos em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
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financeiras, emitido e controlado pelo governo de cada país. É também a unidade contábil.
Seu uso pode ser implícito ou explícito, livre ou por coerção.
A busca de uma convenção para medir riquezas e trocar mercadorias é quase tão
antiga quanto a vida em sociedade. Ao longo da história, os mais diversos artigos foram
usados com essa finalidade, como o chocolate entre os astecas, o bacalhau seco entre os
noruegueses da Idade Média e mulheres escravizadas entre os antigos irlandeses. Já a
criação de uma moeda metálica com um valor padronizado pelo Estado coube aos gregos
do século VII a.C. "Foi uma invenção revolucionária. Ela facilitou o acesso das camadas
mais pobres às riquezas, o acúmulo de dinheiro e a coleta de impostos – coisas muito
difíceis de fazer quando os valores eram contados em bois ou imóveis", afirma a
arqueóloga Maria Beatriz Florenzano, da Universidade de São Paulo (USP)1.
A segunda grande revolução na história do dinheiro, o papel-moeda, teve uma
origem mais confusa. Já existiam cédulas na China do ano 960, mas não se espalharam
para outros lugares e caíram em desuso no fim do século XIV.
As notas só apareceram na Europa e daí para o mundo em 1661, na Suécia. Há
quem acredite que cartões de crédito e caixas eletrônicos em rede já representam uma
terceira revolução monetária. Com a informática, o dinheiro se transformou em impulsos
eletrônicos invisíveis, livres do espaço, do tempo e do controle de governos. Acredita-se
que o inventor do dinheiro foi Creso, rei da Lídia (atual Turquia), quem cunhou as
primeiras moedas, entre 640 e 630 a.C.2.
Diante do modo de produção capitalista do mundo atual, o dinheiro se faz cada vez
mais presente na vida das pessoas, daí a importância dos estudos sobre seus tortuosos
caminhos.
Dinheiro fala?
A arte empregada pelos diversos países na confecção de suas cédulas, dizem
respeito normalmente a personalidades políticas e grandes nomes de seu povo, atores
sociais ou representações de traços marcantes de sua cultura. Com a criação do Banco
Central do Brasil em 31 de dezembro de 1964, e adoção do Cruzeiro Novo em 1967, as
cédulas ganharam um aspecto mais moderno. Pois, as cédulas do padrão Cruzeiro ainda
1 FLORENZANO, M. B. B. . A moeda na Grécia Arcaica e Clássica sécs. VII-IV a.C.: arqueologia e mudança cultural. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, v. 14, p. 67, 2005.2 FURTADO, Jorge. Ilha das Flores. Porto Alegre-RS. 1989.
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lembravam muito suas antecessoras do padrão Mil-Réis. Possuíam traços muito rebuscados
em suas bordas e também na parte central onde um círculo bem ornamentado envolvia a
foto da personalidade política homenageada.
No Cruzeiro Novo a idéia de renovação esta presente até em seus traços retos, com
rebuscamentos suavizados por degrades e fortes marcas d’água, ironicamente foi a
primeira vez em que a liberdade foi representada como foco de uma cédula brasileira. Mas
deste assunto trataremos mais adiante. Este esforço em construir uma imagem moderna e
com liberdade está relacionado com o Ato Institucional número 4, baixado por Castelo
Branco em 7 de dezembro de 1966, que convocou ao Congresso Nacional para a votação e
promulgação da Constituição de 1967 e as transformações do momento que geraram o
novo plano econômico. Antecede ainda o Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro
de 1968, este ato concedia ao Presidente da República enormes poderes, tais como: fechar
o Congresso Nacional; demitir, remover ou aposentar quaisquer funcionários; cassar
mandatos parlamentares; suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer pessoa;
decretar estado de sítio; julgamento de crimes políticos por tribunais militares incluía
também a proibição de manifestações de natureza política, além de vetar o "habeas corpus"
para crimes contra a segurança nacional (ou seja, crimes políticos).
Ainda neste padrão o design das cédulas inovou mais uma vez, ao invés do valor
impresso no centro e em suas bordas, foram produzidas cédulas em que não havia um lado
correto seja para baixo ou para cima, era a denominada série “Cartas de baralho”. Com a
criação da série de notas “cartas de Baralho” em 1978, esta preocupação de transmitir uma
imagem moderna quase não se faz mais presente, encontramos seu traço apenas na cédula
de Cr$ 1.0003 que ainda no estilo “cartas de baralho” trás o historiador e diplomata José
Maria da Silva Paranhos (1845-1912) chamado Barão do Rio Branco. Atrás temos um
teodolito (instrumento de levantamento) com mapa topográfico ao fundo. Temos ainda a
nota de 5000 Cruzeiros (1984)4 que trás na frente o militar e político brasileiro Humberto
de Alencar Castello Branco (Presidente do Brasil em 1964-1967) e atrás hidrelétrica e
antenas de rádio que representa a energia hidrelétrica e de telecomunicações do Brasil.
Assim o foco das homenagens a personalidades ganha força novamente e são enaltecidos
notáveis como Rui Barbosa, Oswaldo Cruz e JK; representados respectivamente nas
cédulas de 10, 50 e 100 mil Cruzeiros que foram utilizadas na alteração para o padrão
Cruzado com o valor de 10,50 e 100 Cruzados.
3 Figura 024 Figura 03
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Em 1993 no ultimo suspiro do padrão cruzeiro, entra em circulação a nota de cem
mil cruzeiros (Cr$ 100.000)5, posteriormente carimbada para alteração de valor para cem
cruzeiros reais (Crr$ 100), mas esta questão notas carimbadas é algo que abordaremos mais
adiante. O que chama a atenção nesta cédula é que pela primeira vez um animal foi
representado como foco da homenagem em uma nota. É verdade que as cédulas já
apresentavam uma temática cada vez mais voltada para elementos nacionais, como na
cédula de 500 Cruzados Novos (1990)6 que trás na frente o engenheiro agrônomo,
ecologista e naturalista Augusto Ruschi, numa referencia a flora e fauna, a seu lado
encontra-se uma flor da orquídea. No verso da nota Augusto Ruschi aparece examinando
orquídeas, a seu lado em uma escala maior um beija-flor de cauda. Na cédula de 1000
Cruzeiros (1991)7 temos na frente o Marechal Candido Rondon (Cândido Mariano da Silva
Rondon ou Marechal Rondon) na selva Amazônica com contorno do mapa do Brasil ao
lado, no verso temos diversos aspectos da cultura indígena - índias e alimentos e
representações que lembram sua cultura material. Em 1993 saiu ainda a cédula de 10.000l
Cruzeiros (Cr$ 10.000)8 que possui em seu verso serpentes. Mas nenhuma destas dava o
destaque para um animal que a nota de cem mil cruzeiros trouxe. O beija-flor aparece na
parte da frente, em seu ninho alimentando seus filhotes, a seu lado direito com menor
destaque uma borboleta. Que aparece no verso da nota, onde é feita uma representação das
cataratas do rio Iguaçu. Certamente é a partir desta cédula que surge a inspiração para as
representações de animais que vão dominar a temática das cédulas do padrão real que entra
em circulação no ano seguinte, 1994.
Observando os aspectos gráficos da cédula de um real (R$ 1,00)9 que entrou em
circulação a partir de 1994, encontramos a mesma imagem do beija-flor, porém, na
segunda aparição ele está em pé para a nota na vertical e no verso da nota. No padrão real é
recuperado o busto da republica impresso na cédula de duzentos cruzeiros já analisada, esta
marca será sempre vista na parte da frente das notas que terão no verso representações de
animais variando de acordo com o valor monetário da nota. Observando a cédula de um
real, podemos concluir que seu projeto é um misto da cédula de duzentos cruzeiros de 1990
com a de cem mil cruzeiros de 1993. Tendo suas cores, elementos da frente recuperados da
cédula de 200 cruzeiros e seu verso inspirado na cédula de cem mil cruzeiros.
5 Figura 05.6 Figura 06.7 Figura 07.8 Figura 08.9 Figura 09.
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O dinheiro e o discurso da liberdade
Como observamos nas linhas anteriores as representações contidas nas cédulas
estão de algum modo, ligadas a uma perspectiva do Estado e seu momento político. Além
disso, as representações são constantemente recuperadas em cédulas posteriores. Talvez, o
discurso mais importante que o Estado tenha imprimido nas notas não seja o mais evidente.
Para além dos traços modernizantes do Cruzeiro Novo, das imagens de antenas,
instrumentos de medição, das representações dos ícones da modernidade e das figuras
políticas, dos desbravadores e dos elementos da cultura nacional, dos intelectuais e da
riqueza biológica do país. De uma forma muito sutil, está o discurso da liberdade, seja na
esfera política, econômica ou em qualquer outra das inúmeras facetas que possa assumir a
liberdade, sobretudo no âmbito da política, foi alvo de constantes debates e manifestações
no país ao longo da segunda metade do século XX. Sua imagem aparece representada nas
cédulas brasileiras em apenas três momentos singulares da história recente do país.
A primeira vez em que a efígie da liberdade foi representada no dinheiro brasileiro
foi com o Cruzeiro novo. A cédula de um Cruzeiro trazia a efígie da liberdade, a escolha
da cédula de menor valor certamente está ligada a sua maior circulação. Na cédula aparecia
em destaque o rosto feminino projetado para frente, com madeixas esvoaçantes e um
pequeno chapéu com uma estrela. No verso da nota temos o prédio do Banco Central, que
a partir de então centralizaria toda a produção de moeda do país, onde atualmente funciona
a Biblioteca Nacional. A inserção desta nota no meio circulante ocorre em um momento
em que as guerrilhas urbanas e rurais dos movimentos contrários a ditadura militar estão
em franco declínio, uma vez que a família de notas do Cruzeiro Novo começa a circular no
ano de 1970 e convive com as cédulas antigas até 1973. É neste ano que a cédula de um
Cruzeiro entra em ação, após o desmantelamento violento de focos de resistência a
ditadura, após a morte de vários lideres da luta armada como Carlos Marighela em 1969,
do ex-capitão do exercito Carlos Lamarca em 17 de setembro de 1971, quando restava
apenas o movimento da guerrilha do Araguaia, liderada por João Amazonas, Elza
Monnerat, Maurício Grabois e o gigante negro, Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão. A
Guerrilha do Araguaia foi definitivamente extinto em 25 de dezembro de 1974.
Certamente a função da efígie da liberdade na cédula de uso mais comum é de se contrapor
a idéia de censura provocada pela ditadura militar instaurada pelo Ato Institucional Nº 5 e
toda a reação que sua implantação gerou. Porém, o que deve se questionar era qual o grau
de absorção da mensagem a população possuía. Pois, certamente muitos não identificaram
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de que tal efígie se tratava da liberdade, nem mesmo tal imagem causa uma discussão na
sociedade, até porque não seria o interesse dos produtores da nota colocar tal debate.
O segundo momento em que a liberdade aparece em uma cédula é ainda mais difícil
de detectar. A mesma imagem é retratada na marca d’água da nota de duzentos Cruzeiros,
já no Governo Collor, após o processo de abertura política. A referida nota trás na frente
uma imagem com referencia ao Centenário da República Federativa do Brasil, pela
primeira vez foi impresso em uma cédula o busto da República que acompanha todas as
notas do dinheiro corrente atual, além do brasão da Unidade da República, outra marca
constante no padrão Real. No verso há um detalhe da obra "Pátria", de 1905, pintura de
Pedro Bruno que representa a primeira bandeira republicana que foi bordada pela Senhora
Flora Simas de Carvalho, em pano de algodão, e a segunda, confeccionada pela mesma
senhora, em seda, tendo sido hasteada com solenidade na Câmara Municipal do Rio de
Janeiro, no dia de sua adoção oficial, a tela em óleo se encontra hoje no Museu Histórico
do Rio de Janeiro. A marca d’água quando observada pela frente é alvo do olhar dos
fundadores da república referenciados em seu primeiro centenário. Observada pela parte de
trás da nota, tomaríamos como se a liberdade representada na marca d’água estivesse
observando as costureiras confeccionarem a bandeira republicana. A mesma imagem do
rosto feminino se projetando para frente como no caso da nota de um cruzeiro analisada
anteriormente, é uma representação bem significativa devido ao momento político vivido
pelo país que acabava de passar por suas primeiras eleições presidenciais diretas em mais
de duas décadas. Mais um aspecto interessante desta cédula é que sua cor e estética se
assemelham muito a de dois Reais em circulação atualmente.
Desta vez a liberdade aparece em um momento em que o país se vê entrando em
uma nova fase de sua vida política, as eleições diretas, a anistia e o fim da ditadura davam
um clima otimista ao país. Respirando esta atmosfera otimista o discurso oficial imbuído
da idéia de transição compactuada, de certo modo, busca fechar as feridas abertas pela
repressão militar. Em 09 de abril de 1990 entra em circulação uma cédula que uniria a já
velha de guerra efígie da liberdade e o brasão de Armas Nacional. A cédula de cinco mil
Cruzeiros teve o projeto simplificado devido a demanda e permaneceu em uso até 15 de
setembro de 1994. Nesta cédula a liberdade aparece representada na frente, como se
estivesse cunhada em uma moeda. No verso da nota da mesma forma o brasão das Armas
Nacional aparece simplificado, sem suas ramagens de café e de tabaco. Mas mesmo com o
certo grau de desfoque em que se apresenta percebe-se claramente a constelação do
Cruzeiro do Sul, a espada sob a estrela e suas inscrições. Uma boa amostra do processo
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galopante da inflação é a moeda de cinco mil Cruzeiros10, o fato de termos uma moeda com
tal cifra já demonstra a desvalorização do padrão monetário. Dentro da mesma idéia de se
unir o militarismo e a liberdade, a moeda trás na frente seu valor juntamente com a palavra
Brasil e no verso a imagem cristianizada de Tiradentes, símbolo da liberdade e militar de
baixa patente. Juntamente com sua representação temos as inscrições “Liberdade,
cidadania e Tiradentes”.
Com base na analise da efígie da liberdade presente nestas cédulas podemos
concluir que sua utilização esteve presente sempre nos momentos em que o discurso de um
novo país, com liberdade e com um futuro promissor era algo de grande valia. Embora
tenhamos uma leitura de que a implementação desta política não tenha surtido um grande
efeito, sobretudo em sua primeira investida na década de 1970. O reforço da idéia da
república como o grande modelo foi algo que se sobre saiu neste processo. Até mesmo
pelo momento político vivido pelo país na ocasião do primeiro centenário da república,
quando é natural que se faça um balanço do sistema político e estabeleça comparativos
com o modelo anterior e com os demais modelos concorrentes.
Planos econômicos
No intuito de promover uma melhor compreensão do processo inflacionário vivido
no Brasil ao longo do século XX, dedicamos este espaço a um pequeno compilado dos
planos econômicos de maior influencia e que alteraram o padrão monetário durante o
período analisado.
Em 1833 após a independência do Brasil foi criado o uma séria de moedas
denominadas RÉIS. Perdurando até 1888 quando este padrão muda para MIL-RÉIS, que
devido a desvalorização da moeda para a funcionar no sistema milesimal. O CRUZEIRO
foi criado em 05 de outubro de 1942, mas só passou a valer como unidade monetária a
partir da meia-noite do dia 31 de outubro de 1942. Substituindo o MIL-RÉIS que causava
problemas pelo seu padrão milesimal. Outro objetivo da moeda era unificar o meio
circulante, uma vez que existiam 56 tipos diferentes de moeda, sendo 35 do Tesouro
Nacional, 14 do Banco do Brasil e 7 da extinta Caixa de Estabilização (Criada em 1926
com o fito de promover a estabilização do sistema monetário, através da adoção do
Cruzeiro Ouro. Era responsável pelas trocas de notas em ouro e vice-versa. Superintendida
10 Figura 10.
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pelo ministro da fazenda, foi extinta em 1930)11. Foram usadas aproximadamente 8 notas
do padrão MIL-RÉIS carimbadas com o novo valor. Agora UM MIL-RÉIS (1$000)
passaria a valer UM CRUZEIRO (Cr$ 1,00).
O Conselho Monetário Nacional, pela Resolução nº 47, de 8 de fevereiro de 1967,
estabeleceu a data de 13 de fevereiro de 1967 para início de vigência do novo padrão. O
Cruzeiro Novo circulou transitoriamente no Brasil no período entre 13 de fevereiro de
1967 e 14 de maio de 1970. Estas cédulas foram sendo gradualmente substituídas pelas
novas cédulas que foram colocadas em circulação em 1970, com a retomada da
denominação “Cruzeiro” e foram retiradas de circulação entre 1972 e 1975, quando apenas
as cédulas do novo padrão passaram a ter valor legal.
O Cruzado é proveniente do Plano Cruzado, implantado pelo governo Sarney. O
Plano tinha como objetivo combater a inflação e aumentar o poder aquisitivo da população.
A partir do dia 28 de Fevereiro de 1986, mil cruzeiros passaram a valer um cruzado. Para
implantar o Cruzado o governo aproveitou as cédulas de 10 mil, 50 mil e 100 mil
cruzeiros, carimbando-as para o novo padrão. O Carimbo era circular com as palavras
"Banco Central do Brasil" e "Cruzado", com o valor no centro.Cr$ 1.000 = Cz$ 1,00.
Cruzado Novo entrou em circulação no dia 15 de janeiro de 1989, na segunda
reforma monetária do presidente José Sarney. A nova moeda substituía o Cruzado, sendo
que um Cruzado Novo valia 1000 Cruzados. Foram aproveitadas as cédulas de mil, 5 mil e
10 mil Cruzados, que receberam um carimbo para o novo padrão monetário. O carimbo
adotado era um triangulo com as palavras "cruzado novo" em duas linhas próximas à base
do triângulo. Cz$ 1.000,00 = NCz$ 1,00. Esta reforma causou grandes transtornos na vida
prática da população brasileira. Embora, tenha sido feito o “corte” de três zeros no valor
das cédulas, a aplicação prática deste dinheiro gerou muitos equívocos, a população que já
sofria com a inflação galopante e o congelamento de preços não garantia a possibilidade de
consumo dos bens mais necessários.
O Cruzeiro foi reintroduzido como padrão monetário em substituição ao "Cruzado
Novo", como parte do "Plano Collor", sem ocorrer perda de três zeros. NCz$ 1,00 = Cr$
1,00. O Cruzeiro Real foi implantado no 1o de Agosto de 1993, substituindo o Cruzeiro,
por excesso de zeros. Foram aproveitadas as notas de 50 mil, 100 mil e 500 mil Cruzeiros,
devidamente carimbadas para o novo padrão.Cr$ 1.000,00 = CR$ 1,00. O Real foi lançado
em 01/07/1994 pelo Plano Real no governo Itamar Franco, com o objetivo de criar uma
moeda forte e acabar com a inflação. Primeiramente foi estabelecido um índice paralelo
11 http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/administracao/reparticoes/1822a1970/caixas.asp
11
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para efeito de transição, a Unidade Real de Valor (URV). A Conversão de Cruzeiros Reais
para Reais foi feita mediante a divisão do valor em Cruzeiros Reais pelo valor da URV de
CR$2.750,00.CR$ 2.750,00 = R$ 1,00 :
De cruzeiro a cruzeiro: um dinheiro marcado.
Observando nosso objeto de estudo, podemos constatar que o país sofreu uma forte
onda inflacionária durante a década de 1960. As cédulas de cruzeiro que no seu inicio
variavam de Cr$ 1,00 à Cr$ 10,00 vão pouco a pouco ganhando mais um zero, até que em
1967 as cédulas que já variavam de 500 à 10.000 cruzeiros são carimbadas para alterar seu
valor. São retirados três zeros do valor de cada nota, assim a nota de Cr$ 10.000 passa a
valer NCr$ 10. Até que entrassem em circulação as novas cédulas com a unidade
“Cruzeiro” em 1970. Praticamente todas as notas são reaproveitadas com os novos valores,
chegou a se ter até mesmo uma cédula de um centavo12. Os carimbos eram caracterizados
por dois círculos concêntricos tendo grafado na parte de cima a inscrição: “Banco Central”
e na parte de baixo o nome da unidade “Cruzeiros Novos”. As cédulas carimbadas ainda
circulariam até 1970, quando entrou em circulação novas cédulas com o padrão Cruzeiro.
Assim um Cruzeiro Novo se tornou um Cruzeiro.
As ondas inflacionárias que acumulavam ano após ano, geraram a necessidade de
um novo plano econômico. Para se ter uma idéia em 1980 a inflação acumulada do ano de
1979 foi de 77,21%, em 1981 a inflação acumulada do ano de 1980 foi de 110,24%, em
1985 a inflação acumulada do ano de 1984 foi de 223,90% e em 1986 a inflação
acumulada do ano de 1985 foi de 235,11%.13 Em 28 de fevereiro de 1986 é anunciado o
plano Cruzado. Entre as medidas adotadas estão o congelamento de câmbio, preços e
salários, instituição do gatilho salarial, extinção da correção monetária e a criação do
Cruzado. Somente em novembro de 1986 depois da vitória do PMDB nas eleições, o
governo federal anuncia o Plano Cruzado 2, um choque fiscal que traz o fim do
congelamento com o aumento dos preços de combustíveis e tarifas públicas. Em 1987 a
inflação acumulada do ano de 1986 foi de 65,04%, o que revela um caráter imediatista dos
planos econômicos do período. São reaproveitadas notas de 10.000, 50.000 e 100.000
Cruzeiros marcadas com valores de 10, 50 e 100 cruzados respectivamente14. Os carimbos
12 Figura 11.13 http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro80.htm14 Figura 12.
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se caracterizam por um único circulo tendo circunscrito em sua borda superior “Banco
Central do Brasil” no centro o valor monetário e abaixo a unidade “Cruzados”. O não
aproveitamento de cédulas com valor inferior e produção de cédulas com valores acima de
100 cruzados, nos permite concluir que o plano foi ineficaz para conter a desvalorização da
moeda nacional.
Uma nova rota de fuga não tarda a aparecer, em 1989 o Cruzado dá lugar ao
Cruzado novo que mais uma vez elimina três zeros da moeda. Uma nova marcação é feita
nas notas reaproveitando agora notas de 1.000, 5.000 e 10.000 Cruzados. O carimbo é
formado por um triangulo com o número impresso no centro e a unidade “Cruzados
Novos” circunscrita em sua base15, não mais temos inscrição alguma do Banco Central.
Mais uma vez são produzidas notas de maior valor, porém desta vez a desvalorização
parece ter sido mais amena, encontramos notas de 50, 100, 200 e 500 Cruzeiros Novos.
A Medida Provisória 168, 15/03/1990, convertida na Lei 8.024, de 12/04/1990,
restabeleceu a denominação Cruzeiro para a moeda, correspondendo um Cruzeiro a um
Cruzado Novo16. Esta medida faz parte do chamado “Plano Collor” pensado para a
estabilização da moeda, mas trouxe efeitos terríveis para os poupadores, já que milhares de
pessoas foram levadas à ruína. O pacote econômico bloqueou todos os ativos financeiros
que ultrapassassem a quantia de NCZ$ 50 mil (cruzados novos)17. Mais uma vez nosso
dinheiro é marcado, desta vez um retângulo de linhas grossas onde se lia inscrito em
números o valor monetário e abaixo a unidade “Cruzeiro”18.
O cruzeiro real (CR$) foi o padrão monetário no Brasil entre 1 de agosto de 1993 a
30 de junho de 1994. As altas taxas de inflação que marcaram o ano de 1993 levaram o
governo Itamar Franco a editar a medida provisória que criou o cruzeiro real, equivalente a
mil cruzeiros. Não foram emitidos moedas com valores em centavos nesta moeda, sendo
que se consideravam como centavos as cédulas e moedas do padrão anterior na razão de 10
"cruzeiros" por centavo. As notas com valores acima de 50.000 Cruzeiros foram marcadas
com um carimbo onde se lia o valor monetário em números e o nome da unidade o
circunscrevia19. Posteriormente foram produzidos notas com valores maiores ainda no
padrão Cruzeiro Real.
Em sua substituição para o plano real não foi necessária a utilização de carimbos na
notas. A presença constante de notas com valores que chegam a seis casas decimais nos 15 Figura 13.16 http://www.felipex.com.br/moed_cruzado1990.htm17 http://www.idec.org.br/cyberativismo/planocollor/saibamais.htm18 Figura 14.19 Figura 15.
13
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revela que a desvalorização da moeda foi um fantasma que rondou o país durante grande
parte de sua história no século XX. A marcação de notas com carimbos nos permite
concluir que além do caráter imediatista dos planos econômicos, havia também uma
grande falta de planejamento na transição dos padrões monetários. Assim dezoito zeros
foram “cortados” em nossa moeda desde a entrada do padrão cruzeiro em 1942 até a
entrada do padrão “Cruzeiro Real” no inicio da década de 1990.
Imagens
Figura 01
Figura 02
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Figura 14
http://www.bcb.gov.br/?CRUZ90http://www.banknotes.com/brs541.htm
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A questão cultural no movimento Mascarenhas Meu, Amor
Mateus da Rocha Reis*
Masca, masca, masca,Mascarenhas, Mascarenhas meu amor
Masca, masca, masca, mascarenhas, Mascarenhas a todo vapor.Primeiro a história/o ciclo industrial agora a vanguarda/a era espacial.
Te cuida Mascarenhas/pois vou fazer.../um lindo centro cultural20.
O objetivo do presente artigo é analisar a cultura no movimento “Mascarenhas, meu
amor” ocorrido no ano de 1983. A análise se baseou nos jornais Diário Mercantil e Tribuna
de Minas ambos pesquisados no Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora e setor de
Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes. A pesquisa ainda em andamento propõe
discutir a cultura, como ela foi abordada, qual o conceito que os participantes tinham e o
contexto que o movimento se insere.
A nível estadual, artistas mineiros pretendiam executar em uma política renovadora
para a cultura. Pois, entendiam que nos anos de regime ditatorial, a cultura mineira estava
distanciada do povo, ausente, tornando-se elitizada. Para mudar esse quadro, propunham a
criação de um órgão centralizador, no caso a Secretaria de Cultura que pudesse assumir o
papel do desenvolvimento da cultura mineira. Para isso, foi entregue ao então governador
eleito governador da época, Tancredo Neves, um manifesto contendo os objetivos de uma
política renovadora com o intuito de incentivar a produção e livre criação de grupos
artísticos, apoiando seja financeiramente, seja na divulgação e na liberação de espaços.
(...) os artistas exigem a formulação e execução de uma política realmente democrática liberada do controle estadual, do patronato elitista, do emperramento burocrático e das formas estagnadoras do imobilismo conservador.
A cidade de Juiz de Fora, nesse contexto dos anos de 1983 presenciava uma grande
produção cultural envolvendo diversas classes artísticas como atores de teatro, grupos
musicais, poetas, pintores que produziam a nível local e nacional e que reivindicavam um
espaço na cidade para abrigar toda a classe artística. A falta de um espaço impedia o
desenvolvimento da produção cultural:
* Graduando em História pela UFJF e estagiário do Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora.20 Jornal Tribuna de Minas: 29 de maio de 1983. Marchinha de Guilherme Bernardes cantada no Calçadão no dia 29 de maio de 1983.
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Ao fazer uma análise crítica da virada cultural da cidade no ano de 1982, muita coisa deveria ser levada em conta: as dificuldades que cada setor artístico encontra no decorrer de suas produções, o apoio – ou falta de – por parte das autoridades competentes; o retorno ou “feedback” por parte do público – os maiores interessados. 21
Pretendendo solucionar esse problema, os artistas iniciaram uma campanha para a
utilização da antiga fábrica da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas. Criada no ano de
1888 por Bernardo Mascarenhas, a fábrica representava o símbolo do desenvolvimento
industrial de Juiz de Fora ao produzir zeferins e brins de algodão e linho22:
[...] foi com Bernardo Mascarenhas, [...] com o objetivo de aqui instalar a sua fábrica e explorar o serviço de iluminação pública, foi que este setor da cidade tomou impulso e desenvolveu-se23.
A fábrica apresentava um amplo espaço e estava abandonada desde o encerramento
de suas atividades ao falir sendo suas instalações repartidas entre a União e ao Estado:
Atualmente, o prédio se encontra em lastimável estado de abandono. Toda aquela área de aproximadamente 10 mil metros quadrados, sem uso nenhum. É urgente recuperá-lo, resgatando-o para uma utilização que será plenamente voltada para a coletividade24.
No ano de 1982, é decretado o tombamento da fábrica pelo prefeito Mello Reis:
Segundo o decreto do Prefeito, a antiga Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas representa no, quadro geral do processo de industrialização, ‘’um referencial significativo do desenvolvimento do núcleo histórico de Juiz de Fora25.
Após falir e ficar abandonada, a classe artística de Juiz de Fora inicia um
movimento chamado “Mascarenhas, meu amor” com o intuito de abrigar todos os grupos
culturais de Juiz de Fora e resgatar a memória de Bernardo Mascarenhas pela sua
importância histórica ao ser o pioneiro no desenvolvimento industrial da cidade. O
movimento contou com a participação de jornalistas, artistas, poetas, escritores, pintores,
21 Jornal Diário Mercantil: 02 de janeiro de 1983. Matéria intitulada: “Manifestações culturais: a difícil (vida fácil) do ser artista.”22 PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora: medidas iniciais. Edição: Prefeitura de Juiz de Fora. p. 4423 PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora: medidas iniciais. Edição: Prefeitura de Juiz de Fora. p. 47.24 Jornal Tribuna de Minas: 29 de maio de 1983. Matéria intitulada “No Calçadão, ontem, uma festa cultural em apoio à Mascarenhas.”25 Jornal Diário Mercantil: 22 de janeiro de 1983. Matéria intitulada “Prefeito decreta tombamento de quatro prédios.”
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músicos que pretendiam mobilizar a comunidade para a importância de se criar um espaço
cultural na cidade. Foram várias as manifestações nas ruas da cidade para mostrar ao
público a importância dessa campanha:
Quem passava ontem pela rua Halfeld, parava para observar a movimentação de vários grupos e artistas da cidade em prol da transformação da antiga fábrica Bernardo Mascarenhas em um centro cultural. Megafone, distribuição de panfleto “Mascarenhas, meu amor”, tinta para as crianças pintar e muita gente, cada uma com uma opinião26.
O movimento se mostrava articulado realizando reuniões com representantes do
poder público a respeito da utilização da fábrica. Representantes do poder público
entendiam que o espaço poderia ser aproveitado como um mercado municipal também.
Alegavam que o produtor comercializaria diretamente com o consumidor abastecendo a
população local. No entanto, o aproveitamento da antiga fábrica era vista como um
problema para o prefeito e para representantes do poder público que dificultava as
negociações devido à burocracia e por entender que havia outros espaços na cidade.
É interessante notar que os próprios jornais noticiavam esse debate cultura/poder na
expectativa que a cidade pudesse abrigar um espaço e ao mesmo tempo continuar com a
sua efervescência cultural.
O Prefeito prometeu que, assim que a parte burocrática estiver concluída, convocará uma reunião com os interessados e que não vê ‘’maiores problemas’’ com relação a isto. Entretanto, o Prefeito usou sempre a palavra ‘’problema’’ ao se referir a Mascarenhas, quando existem sinônimos mais amenos como ‘’questão’’. Senhor Prefeito: a torcida é grande para que tudo não passe de um mero entrave etimológico.
O que percebemos é que a cultura é ainda vista como um problema e nunca como
uma questão que deve ser discutida e analisada. Ainda mais se lembrarmos o contexto em
que o movimento estava inserido, o chamado “regime de exceção”. Para os participantes, a
criação de um mercado não envolvia produtores, donos de supermercados como a
Mascarenhas que contava com o apoio popular, ou seja, um embate entre a sociedade e as
autoridades, uma iniciativa imediata contra uma que é ainda discutida e tratada como
problema.
Os participantes tinham a visão de cultura como algo transformador produzindo nos
indivíduos um amplo conhecimento e que deveria ser entendida como uma necessidade.
26 Jornal Diário Mercantil: 29 de maio de 1983. Matéria intitulada “Artistas fazem movimento pela B. Mascarenhas”
21
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Em uma reportagem especial com os líderes do movimento, percebemos como eram
organizados, com ideias amadurecidas a respeito desses episódios:
Waltinho: eles não querem que o povo tenha educação nem cultura. Educação porque ele vai ficar mais inteligente, cultura ele vai ter independência.Guilherme: se um governo tende a ser participativo, ele tem a meu ver, que dar ênfase à parte cultural para criar canais competentes na administração. Nós queremos, com este centro cultural, mudar a mentalidade para que as pessoas entendam sua presença no mundo de maneira diferente.
Mesmo a luta ganhando repercussão nacional, cabe destacar as opiniões dos leitores
e as reportagens de ambos os jornais Diário Mercantil e Tribuna de Minas assim como a
ideia de cultura daqueles que presenciaram o movimento. Um exemplo é uma opinião de
um anônimo publicada no Tribuna de Minas no dia 13 de maio intitulada “Visão
intelectual”:
O barulho que alguns grupos intelectuais de Juiz de Fora estão fazendo em torno da velha fábrica Bernardo Mascarenhas [...] só se entende em períodos economicamente saudáveis. O que está se pedindo de uma cidade que não tem recursos sequer para recuperar uma rua, chega a ser excessivo, quando não imprudente27.
A cidade naquele momento, segundo o autor carecia de alguns recursos como a
falta de saneamento básico que deveriam ter investimentos para sanar esses problemas e
não investir em uma fábrica para ser um Centro Cultural:
Acredita-se, entretanto, que este não é o tempo para investir eventuais reservas municipais em adaptações de uma velha fábrica, enquanto nos bairros mais pobres a falta de saneamento básico continua provocando doenças e mortes de crianças. [...] que este movimento “pró-Bernardo Mascarenhas” seja considerado uma semente, que deverá germinar apenas em seu devido tempo. Agora, é época de outros tipos de realizações, de outros tipos de benefícios que possam ser traduzidos em melhores dias para toda uma população marginalizada e que há anos amarga o absoluto abandono28.
Opinião semelhante é encontrada no jornal Diário Mercantil que ao abordar as
pessoas na rua perguntava o que achava do movimento. Esse relato foi dado no mesmo dia
da manifestação e distribuição de panfletos na rua Halfeld:
A Mascarenhas devia continuar como fábrica, a gente está precisando de mais empregos, e não de cultura, neste município cheio de pobreza29.
27 Jornal Tribuna de Minas: 13 de maio de 1983. Matéria intitulada “Visão Intelectual.”28 Jornal Tribuna de Minas: 13 de maio de 1983. Matéria intitulada “Visão Intelectual.”
22
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O que percebemos nesses trechos são opiniões contrárias ao movimento expressas
por esses leitores abordados pelos jornais. Esses relatos mostram a falta de conhecimento
em cultura, como se a cultura não gerasse emprego para a cidade e até mesmo a relação do
indivíduo com a comunidade ao se mostrar contrário ao movimento pela preservação e o
direito a memória coletiva ao tentar resgatar a imagem de Bernardo Mascarenhas.
Vale notar os grandes destaques dado pelo Diário Mercantil sobre o movimento e
da preocupação com o patrimônio em Juiz de Fora. No Diário Mercantil, por exemplo, na
edição de 25 de junho pedia um manifesto aos participantes do movimento, já na edição de
17 de julho foi publicada uma longa entrevista com os líderes, intitulada “Centro de
Criação Mascarenhas: Quando é? Quando é?30”, além de reportagens especiais sobre a
história de Bernardo Mascarenhas e a sua fábrica. É no mês de julho, inclusive que o
movimento atinge repercussão nacional. Vários artistas fizeram uma passeata no dia 30 de
julho como o objetivo de “fazer as pessoas avaliarem as transformações sofridas pela
cidade”.
O evento contou com a participação de escritores Rubem Fonseca, Rachel Jardim e Marina Colassantti; o poeta Affonso Romano de Sant’ Anna e os artistas plásticos Carlos e Fani Bracher e João Guimarães Vieira, além do deputado João Batista dos Mares Guia, presidente da Comissão do Patrimônio Histórico da Assembléia Legislativa31.
A respeito das diferentes opiniões, pretendo destacar uma intitulada “O Bem
Cultural” publicada no Diário Mercantil em janeiro. Não há menção ao movimento, mas
acredito que mostra a questão cultural, mesmo a cidade enfrentado diversos problemas
sociais, se mostrava preocupada com a questão da cultura e do patrimônio:
Um teatro, para um povo é, tão importante como uma enorme galeria de águas pluviais, levar música para o parque é missão tão séria para aplicar bem os impostos e implantar indústrias: o apoio ao maestro da banda é quando o administrador olha para a cidade como uma comunidade que necessita tanto de bens materiais como do exército do espírito, uma tarefa tão séria como cuidar da saúde, como abrir escola32.
29 Jornal Diário Mercantil: 29 de maio de 1983. Matéria intitulada “Artistas fazem movimento pela B. Mascarenhas”30 Jornal Diário Mercantil: 17 de julho de 1983. Matéria intitulada “Centro de Criação Mascarenhas: Quando é? Quando é?”31 Jornal Diário Mercantil: 31 de julho de 1983. Matéria intitulada: “Cerca de 800 pessoas na passeata pró-Mascarenhas.”32 Jornal Diário Mercantil: 23 de janeiro de 1983. Matéria intitulada “O Bem Cultural”
23
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O movimento Mascarenhas, Meu Amor, tinha, portanto como objetivo transformar
a sociedade através da cultural que para as autoridades era entendida como “problema”.
Ao mobilizar conscientemente o movimento, os líderes pretendiam tornar as pessoas
independentes com senso crítico a respeito do momento que a cidade estava passando.
Percebemos que alguns indivíduos eram contrários ao ideia de um Centro, pois acreditava
que a cidade precisava solucionar problemas mais graves. Mas o que vimos foi uma
mobilização geral que ganhou repercussão nacional. O Centro Cultural Bernardo
Mascarenhas foi inaugurado em 1987, abrigando atualmente um espaço para manifestações
artísticas e o Mercado Municipal, entre outros espaços.
Diário Mercantil – 31/07/1983
Referências bibliográficas
FEIJÓ, Martin Cezar. O que é política cultural. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
NICOLINE, Humberto. JF anos 80: fotografias. Juiz de Fora: Funalfa, 2009. Este livro contém fotos sobre o movimento.
PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora: medias iniciais. Edição: Prefeitura de Juiz de Fora.Fontes Periódicas
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DIÁRIO MERCANTIL - Juiz de Fora. 1983. SemanalEdições: 22/01/1983, 23/04/1983, 04/05/1983, 05/05/1983, 25/05/1983, 27/05/1983, 29/05/1983, 31/05/1983, 04/06/1983, 05/06/1983, 25/06/1983, 12/07/1983, 15/07/1983, 17/03/1983, 31/07/1983, 31/07/1983, 13/09/1983, 14/09/1983, 28/09/1983, 07/10/1983, 07/10/1983, 22/10/1983, 06/11/1983.
TRIBUNA DE MINAS – Juiz de Fora. 1983. SemanalEdições: 01/01/1983, 08/02/1983, 20/02/1983, 12/03/1983, 17/04/1983, 23/04/1983, 24/04/1983, 29/04/1983, 30/04/1983, 03/05/1983, 04/05/1983, 13/05/1983, 25/05/1983, 27/05/1983, 29/05/1983, 09/06/1983, 02/08/1983, 12/08/1983, 27/08/1983, 30/08/1983.
Fontes Arquivos
Arquivo Histórico da Prefeitura de Juiz de Fora
Biblioteca Municipal Murilo Mendes – Setor de Memória
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Práticas Políticas e Ações Sociais: representações e conflitos.
A Segunda Guerra Púnica e a Manutenção da Republica Romana Durante a
Ditadura de Quinto Fábio Máximo.
Fábio de Souza Duque*
Introdução
Ao ler sobre a vida de Quinto Fábio Máximo dentro das biografias realizadas por
Plutarco33, deparei-me com o espanto de Plutarco sobre as condições da ditadura de
Quinto, e como sua presença de liderança a frente da República foi essencial para a
sobrevivência da mesma. Dentro do período ditatorial de Fábio deparei com duas
especificidades, sendo a primeira a maneira como ele ascendeu ao cargo, que não fora de
maneira tradicional e no ápice do combate ele teve seus poderes divididos com o Chefe da
Cavalaria, fato de acordo com Plutarco, Tito Lívio e Políbio, nunca havia acontecido antes.
Os fatores que levaram a essa indicação de Fábio Máximo e a divisão do poder ditatorial
deste e algo tentarei expor aqui e traçar um paralelo com o desespero da sociedade ao se
ver ameaçada por Aníbal em seu próprio território.
Pesquisar sobre a República Romana implica em um problema, alem da distância
cronológica de hoje para o foco do estudo, temos também o problema de fontes. Nenhuma
fonte primaria usada foi escrita por um autor contemporâneo ao fato. Tanto Tito Lívio e
Plutarco, sendo o primeiro patrocinado pelo Estado a fazer uma obra de resgate dos
costumes romanos desde a fundação de cidade no primeiro século antes de Cristo pelo
imperador Augusto, ele viveu entre os anos de 59 a.C. ate 17 d.C. O segundo foi um
influente filosofo grego que através de seu conhecimento adquirido na academia de Atenas
atingiu uma grande notoriedade durante a dinastia dos antoninos, vivendo durantes os anos
de 46 e 126 d.C. Assim temos um grande lapso temporal entre os narradores e o
acontecido, a salvo dos escritos de Políbio, escritor grego exilado em Roma devido às
guerras entre a Urbs e a Macedônia, este esteve presente na queda de Cartago durante a
Terceira Guerra Púnica ao lado de Cipião, o africano, ai tendo um contato com um
* Graduando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).33 Ver PLUTARCO. Fabio Máximo. In:_______.As Vidas dos homens Ilustres.São Paulo: Editora das Américas, 1956, vol. 2.
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contemporâneo da Segunda guerra púnica. Polibio entre os historiadores da antiguidade e
considerado o mais digno de confiança em relação aos seus escritos e sendo usado por
todos os outros autores clássicos posterior, inclusive os já citados.
Pretendo delimitar o artigo não muito além da península itálica, cuja região é a que
mais foi devastada por Aníbal durante os anos de sua presença, mais ao se trabalhar com as
Guerras Púnicas temos nosso olhar sempre sendo desviado pra locais onde se fazia
presente às influências romanas e cartaginesas como a península ibérica, o norte da África
e as ilhas ao redor da atual Itália – Sardenha, Sicília e Córsega. Dentro do corte
cronológico pretendo trabalhar com o ano do inicio da Primeira Guerra Púnica em 164
a.C.34 até o fim da Segunda Guerra Púnica em 202. Dentro desse corte, o ano no qual será
de mais destaque, será o ano da ditadura de Quinto Fábio, tal data de acordo com Políbio
seria a primeira metade do ano de 216.
Algumas considerações
Sobre a fundação de Cartago e sua presença dentro do contexto mediterrânico
pouco se sabe em vista de um legado próprio ser quase inexistente, sempre ao se trabalhar
com Cartago deparamos com algum escritor clássico latino ou grego, e suas visões são
sempre quase negativas sobre essa cidade de fundação fenícia, a salvo sua constituição
política que muito agradaram tantos romanos como gregos, por esta ser semelhante as suas
próprias instituições.
Sobre a data de fundação de Cartago35 a dúvidas, pois sua fundação tradicional data
do ano de 814, mas descobertas arqueológicas apontam esse “nascimento” como sendo da
última metade do século VIII. Desde sua fundação Cartago era voltada para o comércio e
com sua independência sobre a Fenícia no século VI, ela se projetou sobre o oeste do
Mediterrâneo sobrepujando todas as outras coloniais fenícias presentes no norte da África e
como em outras regiões costeiras da Europa ao seu controle. Essa ascensão de Cartago
provocara incessantes guerras com os gregos e posteriormente com Roma, principalmente
por causa do interesse de Cartago na Sicília e posteriormente na península ibérica, região
34 Todas as datas aqui referidas são correspondentes ao período anterior à Cristo.35 Tal discussão sobre a data de fundação e sobre a constituição de Cartago se encontra muito bem explicada e trabalhada pelo pesquisador Warmington em WARMINGTON, B. H. O período cartaginês. In: MOKHOTAR, G. (org.). História da África – A África Antiga. São Paulo: Ática/UNESCO, 1980, cap. 18. Pois aqui me limito a explanar sobre a importância de Cartago no cenário mediterrânico e não expor sobre sua constituição social, política e econômica.
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rica em prata que proporcionará riquezas a Cartago e a possibilidade de cunhagem de
moedas ainda não presente dentro da sua estrutura econômica.
Enquanto Cartago estava chegando a seu apogeu, Roma dava os primeiro passos
para sua consolidação e para obtenção da unificação da península itálica sob seu jugo.
Desde o inicio da República, Roma começou um processo de expansão dentro do contexto
da península, enquanto paralelamente foi desenvolvendo suas instituições políticas. Essa
política “imperialista” romana dentro da península, fez surgir durante muito tempo à
crença sobre as expansões romanas serem voltadas para defesa, para sua própria proteção,
contra os perigos que cercavam a cidade, realmente a cidade era sempre alvo de ataques,
como no inicio do século IV, quando gauleses conseguiram invadir e saquear Roma. Tais
ações dos gauleses provocaram feridas no âmbito da sociedade, que sempre quando era
ameaçada lembrava-se desse acontecimento36. Essas conquistas dentro da península irão
terminar na primeira metade do século III, pouco antes do inicio da primeira Guerra
Púnica, enquanto suas instituições políticas já se encontravam todas reguladas dentro dos
princípios de elegibilidade, anualidade, colegiabilidade, especialização e hierarquização
desde 367. Com a consolidação do seu poder dentro da península itálica, Roma passa para
uma nova fase do seu imperialismo territorial, a expansão para fora do continente, mais
especificamente as ilhas vizinhas.
Ao mover seu interesse para fora da península itálica, Roma choca-se com os
interesses de Cartago, então senhora do Mediterrâneo. Essas duas cidades possuíam
tratados de delimitações comerciais desde ano de 348, quando Roma começa a se destacar
dentro das cidades da península. Em 264, Roma invade a ilha da Sicília e inicia a Primeira
Guerra Púnica contra Cartago. Dessa guerra ressalto somente o seu desfecho, já que aqui
não daria para expor mais minuciosamente sobre os fatos ocorridos nela. A ela coube o
papel de elevar Roma a principal potência do mediterrâneo que a muito era de Cartago, e
lançou Roma a um novo estágio de seu imperialismo territorial, uma definição da
pesquisadora Norma Musco Mendes sobre as guerras púnicas ilustra bem essa nova
vocação romana: “As Guerras Púnicas marcaram a orientação política romana à escala
mediterrânica” 37. Este domínio se deu principalmente através da consolidação do poder
romano nas ilhas da Sicília, Sardenha e Córsega.
36 Tal fato pode ser confirmado dentro dos livros que Tito Lívio dedica a História de Roma, sempre que ameaçada, como no caso de Aníbal, a sociedade lembrava-se da ferida aberta pelos gauleses e receavam passar novamente por tal derrota. 37 MENDES, Norma Musco. Roma republicana. São Paulo: Editora Ática, 1988, PÁG 41.
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Segunda Guerra Púnica, República Romana e Quinto Fábio
Dentro deste contexto é que me aproximo do inicio a Segunda Guerra Púnica e dos
eventos que irão levar Quinto Fábio Máximo a magistratura de ditador. Após a derrota de
Cartago e as pesadas punições impostas por Roma, como uma alta taxa de indenização a
ser paga, perda da marinha de guerra e ter de abandonar suas províncias fora da África,
Cartago novamente começa a pensar e a executar uma expansão não somente no contexto
africano como novamente volta à península ibérica, e lá institui uma nova fase de sua
dominação. Iniciado por Amílcar Barca, conduzida por Asdrúbal genro de Amílcar e
cunhado de Aníbal, essa dominação se conclui com a chegada de Aníbal ao poder onde se
tem toda a península submetida ao poder cartaginês. Tal efeito de conquista da península e
o conflito de interesses levam novamente Roma e Cartago a se chocarem. Então no ano de
219, Aníbal inicia os combates após conquistar a cidade aliada de Roma, Sagunto, após sua
vitória ele segue pela Europa ate chegar à península itálica, fazendo acordos com os
habitantes ibéricos e gauleses em troca de tropas e víveres e livre passagem, pois Aníbal
tinha para si que o único modo de derrotar Roma seria em seu próprio solo, uso aqui um
exemplo de Tito Lívio que ilustra esse ímpeto do Cartaginês, como e mencionado por Tito
Lívio: “... tentavam, isso sim, expulsar os romanos da terra ancestral na qual haviam
nascido” 38. Esse avanço foi tentado diversas vezes ser barrado por Roma, mas sendo
tentativas que não resultaram em nada. Assim no ano de 218 começou os embates dentro
península itálica.
Dentro das batalhas púnicas uma em especial fez toda a diferença para chegarmos
ao ponto culminante desse pequeno estudo, a Batalha de Trasimeno. No ano de 217, foram
eleitos os seguintes cônsules, Caio Servílio e Caio Flamínio, o primeiro ficou responsável
pela defesa da costa leste da península enquanto Flamínio decidiu ir buscar confrontar
Aníbal em campo as margens do lago Trasimeno, onde Roma recebeu a sua pior derrota
desde a invasão gaulesa, Flamínio foi morto e perdeu consigo duas legiões romanas mais
tropas auxiliares, assim a Republica de Roma entrou crise e em períodos de crise em Roma
leva a evocar uma magistratura usada somente em período de ameaça a liberdade. Deixo
Tito Lívio nos relatar tal evocação do estado de Roma no após a derrota:
... estando a República adoentada e enfraquecida, julgar as desgraças que lhe sobrevinham não de acordo com seu alcance intrínseco, mas com o esgotamento
38 TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 2, livro XI, 53, pág., 422.
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do Estado, incapaz de suportar mais. De sorte que se recorreu a um remédio que há muito não se reclamava nem se aplicava: a nomeação de um ditador. 39
Assim na primeira metade do ano de 216 e nomeado ditador Quinto Fábio Máximo.
Creio que cabe aqui uma observação muito pertinente ao se tratar da Segunda Guerra
Púnica, o poder romano na península estava muito bem edificado, pois mesmo com a
devastação provocada por Aníbal e suas ofertas de alianças aos povos da península itálica,
e com a visão de uma Roma debilitada, os povos aliados a Urbs mantiveram-se fieis ao
poder romano, fato este que em parte foi decisivo para a sua vitória sobre Cartago.
A família Fabiana como designa Plutarco40, tem suas origens junto a Hércules que
fecundando uma ninfa deu origem ao primeiro dos Fábios, essa origem mitológica é
bastante parecida, creio ser, com as origens de famílias clássicas de Roma que buscavam
sempre aproximarem sua genealogia aos deuses de alguma forma. Já Tito Lívio41 coloca a
família Fabiana dentro das famílias mais nobres de Roma, sendo ela participante da
expulsão dos reis e ajudando a instaurar a república. Essa família a muito já havia se
destacado dentro da República, nas guerras de expansão de Roma temos a presença do avô
deste Quinto Fábio, também chamado Quinto Fábio Máximo, que ganhou tal alcunha de
Máximo devido a sua elaboração das tribos urbanas para a formação de uma nova
constituição da Assembléia Curiata42.
A República significava a liberdade do povo, um regime no qual os ideais de
libertas e civitas, sendo a primeira liberdade individual e a segunda sendo a posição do ser
na sociedade, era conferido ao povo e estes gozavam de seus benefícios. Os poderes dos
reis foram dissolvidos em uma série de magistraturas que visavam proteger esse beneficio,
mas uma das magistraturas acumulava para se a maior parte do imperium, antigo poder dos
reis, e a solução para esse poder não se transformar em uma tirania foi à criação de uma
magistratura excepcional que visava à proteção da República e só usada em caso de
ameaça, que é a ditadura. Esta foi instituída pela primeira vez no ano de 501 e sendo
adotada sempre que a República estava em crise. O homem que iria assumir este cargo não
era escolhido através do sufrágio, mas sim indicado pelos dois cônsules - tal ato não
acontece na indicação de Quinto sendo ele eleito pelo Senado - além de ser indicado ele
39 TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 3, livro XXII, 8, pág., 19.40 PLUTARCO. Fábio Máximo. In: PLUTARCO. As vidas dos homens ilustres. São Paulo: Editora das Américas, 1956, Vol. 2, pág. 245.41 TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 2, livro IX, 17, pág., 229.42 Tal sistema legado a Quinto Fábio por Tito se encontra dentro das inúmeras lutas entre patrícios e plebeus e pode ser encontrada em TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 2, livro IX, 46, pág., 277.
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também ganhava um vice-ditador que era responsável por cuidar das questões ligadas a
guerra e somente a elas, este era o Chefe da Cavalaria, que assumia sempre na
impossibilidade do ditador exercer tal poder. Essa última magistratura durou até o fim do
século II, e esse conjunto possibilitou a debilitação do poder de Quinto durante sua
ditadura. Além dessas limitações também se encontrava a ditadura restritos há seis meses,
e dentro dos princípios básicos reguladores já mencionados.
Dentro deste contexto de crise, paro para olhar a religiosidade dos romanos e sua
crença nos deuses. Dentro dos relatos de Tito Lívio e de Plutarco encontramos uma forte
religiosidade presente neste período de crise, ao começar pela derrota de Flamínio, esses
autores relatam que ele não havia respeitado os augúrios e os rituais de sacrifícios aos
deuses antes de sair à guerra e por isso ao negligenciar os deuses acabou por romper com o
preceito da pax deorum, acarretando com a derrota de Roma. Ao assumir o cargo as
primeiras providências de Quinto fora restabelecer a pax deorum, para novamente os
deuses serem complacentes com o povo romano. Isto demonstra como o Estado Romano
não conseguiu uma laicidade e seus atos estavam sempre vinculados a religião mesmo
estes sendo livres para acatar ou não os presságios.
A magistratura de Quinto foi marcada por duas especificidades políticas às quais
considero marcos na República pelo fato de serem inéditas. A primeira se trata da
indicação de Quinto, este como já exposto não foi indicado pelos cônsules, mas indicado
pelo “povo”, entendo por este como sendo o Senado romano. Tito Lívio expõe este caso:
“... o que jamais se fizera até aquela data, o povo romano apontou como ditador Quinto
Fábio Máximo...” 43, essa indicação só foi possível pelos motivos de um dos cônsules se
encontrar morto e o outro isolado devido às tropas de Aníbal. Essa nomeação demonstra
como a sociedade romana em tempos de crise podia se ver abandonando a tradição para
buscar a salvação.
Antes de passar para a segunda especificidade creio que vale e se torna útil
sabermos um pouco sobre o período de ditadura de Quinto. Ao assumir este logo começou
a estabelecer a paz com os deuses novamente, como já visto, e suas ações na guerra foram
sempre muito cautelosas. Devido à debilidade da República Romana no momento Quinto
não achava sábio expor a República a um risco maior enfrentando Aníbal em campo
aberto, já que essa tática até então não havia rendido a Roma nenhuma vitória significativa
perante Cartago. A tática então usada por Quinto iria lhe render o apelido de cunctator,
43 TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vol. 3, livro XXII, oito, pág., 19.
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traduzindo seria “aquele que adia”, devido a ele evitar combater Aníbal abertamente.
Quinto para manter a cidade protegida simplesmente deixou Aníbal a percorrer as terras da
península apenas o acompanhado e evitando entrar em combate, travando lutas somente
quando não havia outro jeito, neste momento e que entra o personagem que ira
desestabilizar a posição de Fábio, o então Chefe de Cavalaria Marco Minúcio. Desgostoso
com a tática de Quinto, Marco passa a atacar a posição do ditador chamando-o de covarde
e fraco, e dizendo que se o Senado continuasse a deixar tal poder na mão de tão
incompetente homem a República estaria condenada ao seu fim. Esse discurso professado
aos quatros ventos chegou a Roma onde se tinha já presente no Senado uma forte
resistência a essa contemporização de Fábio perante Aníbal, assim ao regressar a Roma
para cumprir com os desígnios religiosos e deixar Minúncio no poder, Quinto receberia
uma restrição de poder que nunca houvera ate então em Roma. Enquanto Quinto se dirigia
para Roma Minúcio descumprindo ordens diretas de Fábio entrou em combate com Aníbal
e consegui derrotá-lo, mesmo a vitória não sendo tão significativa foi o suficiente para o
povo romano dar poderes iguais aos de Quinto para Marco. Plutarco ilustra tal ato:
“Decidiu, porém que Minúcio viesse a ter, daí em diante, poder e autoridade iguais aos do
ditador na conduta dos negócios, fato nunca visto antes...” 44. Essa história figura à crise
de Roma, novamente precisando expulsar Aníbal da península ela se inibi da tradição e se
utiliza da emoção para guiar sua postura a guerra. Sobe o comando dois o exercito foi
dividido e assim que Marco se afastou de Quinto e entrou em batalha aberta contra Aníbal,
ele sofreu uma derrota na qual somente escapou pelo fato de Fábio ter vindo socorrê-lo.
Dois pontos de Quinto valem apena ser ressaltado em nenhum momento este foi
desesperado e colocou a República em risco, ganhado posteriormente a alcunha de “escudo
de Roma”, e sendo temido por Aníbal que este tempo todo ficara sem ação perto da
contemporização de Quinto. Após o termino da ditadura de Fábio, Roma novamente veio a
entrar em combate aberto com Aníbal na Batalha de Canas, aonde Roma veio a ser
derrotada e a compreender a estratégia de Quinto sendo ele agraciado e adorado então pelo
povo e eleito como salvador da República e chegando até mesmo a ser eleito cônsul
posteriormente à derrota de Canas.
Conclusão
44 PLUTARCO. Fábio Máximo. In: PLUTARCO. As vidas dos homens ilustres. São Paulo: Editora das Américas, 1956, Vol. 2, pág. 264.
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Concluindo acho importante dar o desfecho da Segunda Guerra Púnica, para isso
usarei novamente a definição de Norma Musco Mendes:
Inicia-se, portanto, um período de mudança radical. A jovem República, até então unicamente continental e agrícola, tornou-se senhora do Mediterrâneo Ocidental, engajou-se na economia helenística e, por conseguinte, não pode evitar envolver-se na conjuntura Oriental.45
Podemos ver aqui que Roma começa a sair do contexto da Europa e passa a
influenciar o resto do mundo com a hegemonia no Mediterrâneo, tal mar a partir de então
passa a ser chamado por Roma de mare nostrum.
Dentro do contexto da República e da sociedade romana, creio que deixei claro a
presença de uma crise no sistema político romano, provida ela da ameaça à hegemonia
recém adquirida na península itálica, sendo Quinto um exemplo, tanto sua ascenção como
a divisão de seu poder ditatorial foram devido a ela. A crise se deu internamente e
externamente a Roma, externamente devido ao fato de tribos gaulesas ao norte da
península terem se aliado a Aníbal, e internamente devido ao fator de abandono das
tradições para a salvar a Urbs, motivada também pelo medo de um saque a cidade. As
atitudes de Quinto para a preservação de República e sua razão ao tratar das “coisas
públicas”, o enquadram no sentido de vir romanus, sujeito que apresentam três virtudes
básicas de conduta, pietas, homem ligado a família e aos deuses, fides, sujeito ligado aos
fundamentos de relação baseada na fidelidade e virtus, habilidades essencialmente
militares. E os três autores trabalhados neste artigo o tratam dessa forma como exemplo de
romano, como um “homem ilustre”. A crise só foi superada com a medida certa de razão e
prudência de Quinto combinada posteriormente com a audácia e vontade de livrar Roma da
presença de Cartago impelida pelo famoso Cipião, o Africano.
Referencias bibliográficas
Fontes primárias
TITO LÍVIO. História de Roma. São Paulo: Editora Paumape, 1990, Vols. 2 e 3.
POLÍBIO. História. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.
PLUTARCO. Fábio Máximo. In: PLUTARCO. As vidas dos homens ilustres. São Paulo: Editora das Américas, 1956, Vol. 2.
45 MENDES, Norma Musco. Roma republicana. São Paulo: Editora Ática, 1988, PÁG 41.
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Fontes secundárias
CORASSIN, Maria Luiza. Sociedade e política na Roma antiga. São Paulo: Editora Atual, 2001.
GUARINELLO, Norberto Luiz. Imperialismo greco-romano. São Paulo: Editora Ática, 1994.
MENDES, Norma Musco. Roma republicana. São Paulo: Editora Ática, 1988.
WARMINGTON, B. H.. O período cartaginês. In: MOKHTAR, G.(Org.). História geral da África- A África antiga. São Paulo: Editora Ática/UNESCO, 1980, Cap.18.
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Terrorismos e suas Representações no Mundo Contemporâneo
Renato João de Souza*
Introdução
O despontar do século XXI trouxe consigo a esperança de transformações e a
perspectiva de tempos mais pacíficos do que os vividos no século XX. No entanto, o
mundo logo percebeu que os conflitos, a intolerância, as guerras e as idéias imperialistas
haviam sobrevivido e que a construção da paz mundial estava cada vez mais distante.
Se por um lado a globalização tão propagada possibilitou maior integração entre os
mais variados países, por outro, agravou a dominação e acirrou as desigualdades entre
países ricos e desenvolvidos e aqueles mergulhados na pobreza e conflitos. As esperanças
de que uma maior integração mundial levasse todos os povos a melhores condições de vida
se frustraram e poucos ideólogos - exceto os de nações dominantes como os Estrados
Unidos - ainda defendem tal idéia.
Nem mesmo no campo da tolerância e do respeito ao outro houve grandes avanços.
Em especial no que se refere à relação Oriente/Ocidente pouca coisa mudou. O Ocidente
continua vendo os orientais como atrasados, seja referente à religião, ou à organização
político social; quando não, como bárbaros. Já do lado oriental proliferaram as ideologias
ante ocidentais, e mais um grupo que se comparado ao número da população oriental, é
muito pequeno de terroristas, que vêem os ocidentais em especial os Estados Unidos, como
inimigos a serem destruídos. Estes grupos como já colocamos embora pequenos, causam
grandes estragos, tanto para seu povo quanto para o ocidente. Pois, se por um lado
atentados como os ocorridos em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, geraram
grande destruição e mortes naquele país, por outro lado colabora para criar a imagem de
que o oriental, em especial os muçulmanos são terroristas e bárbaros. E isto traz graves
conseqüências não somente no campo da representação, mas também no campo prático.
Um exemplo claro é o uso que Washington fez destes atentados no sentido de justificar a
invasão ao Iraque.
Assim, este ensaio visa discutir esta relação entre estes dois pólos, não a partir de
uma visão dicotômica no sentido de buscar “bandidos e mocinhos”, pois isto é feito
diariamente pela mídia. Mas, procurando entender esta relação conflituosa que acontece no
* Mestrando em Historia na Universidade Federal de Juiz de Fora.
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cenário de um mundo globalizado o qual tem os Estados Unidos, especialmente no quesito
militar, como seu líder ou mesmo em busca desta liderança. E a partir daí pensar no
processo de construção da imagem do outro realizado pela mídia, por políticos, por líderes
religiosos, terroristas e seu processo de assimilação social desta imagem. Para tal fim,
buscarei trabalhar basicamente com o livro Sobre o Islã, de Ali Kamel, Globalização,
Democracia e terrorismo de Eric Hobsbawm, e ainda com uma pequena análise do filme:
Paradise Now, e do documentário: Fahrenheit 11 de Setembro e com o
filme/documentário: WTC: Por Trás do 11 de setembro.
Terrorismo e o fenômeno dos atentados suicidas
Este século mal havia começado e a nação mais poderosa do mundo é abalada por
um atentado, no qual morreram mais de três mil pessoas e causou enormes prejuízos para
os Estados Unidos. Seria o prenuncio de mais um século violento no cenário internacional?
Parece que sim, pois esta primeira década nem acabou e vários conflitos já se sucederam
como a invasão de Afeganistão, do Iraque pelos norte-americanos e ainda a invasão do
Líbano por Israel. Paralelo a estes conflitos e dando legitimidade a eles apareceu a figura
do terrorista, ou seja, aquele que executa ações geralmente contra civis com o objetivo de
espalhar a desestruturação e o pânico nas populações afetadas.
No cenário internacional destaca-se a Al-Qaeda, organização que por meio de
atentados suicidas, como os de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, têm causado
grandes estragos. Sua criação se dá no início da década de 1980 após o fim da guerra
contra os soviéticos no Afeganistão. Guerra na qual lutou Bin Laden e que curiosamente,
em grande medida, foi financiada pelos Estados Unidos. Foi criada segundo Kamel “para
atingir as seguintes metas: Estabelecer a verdade, livrar o mundo de todo mal e fundar uma
grande nação islâmica” 46 e ainda fornecer uma base para “islamização” do mundo. Sua
estrutura era ambiciosa com a criação de várias pequenas bases e contando com a
participação de indivíduos de vários países orientais. Outra característica é que sua
estrutura inicial “parece ter sido de uma organização de elite, mas sua operação se da por
meio de um movimento descentralizado, no qual células pequenas e isoladas são criadas
46 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.p. 213.
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para atuar sem nenhum apoio da população ou de qualquer outro tipo e sem necessitar de
base territorial”47.
Embasada em uma interpretação do Alcorão não compartilhada pela esmagadora
maioria dos muçulmanos. Formada a partir da pinça e junção de partes do mesmo,
acreditam em uma guerra santa que imponha esta suposta verdade a todos os povos. È
neste sentido que Kamel vai dizer que não são perigosos por serem fanáticos ou
fundamentalistas; mas por serem totalitários48, e na medida em que este objetivo se torna
uma Jihad, ou seja, em uma “guerra santa” legitima uma verdadeira cruzada contra o
Ocidente. Uma guerra onde os suicidas se tornam mártires, que serão recebidos no céu por
72 virgens e veriam a face de Deus. Assim não fica difícil encontrar soldados para sua
causa.
É interessante pensar que a maioria destes homens faz parte de uma elite, muitas
vezes já com fortes contatos com o Ocidente, como bem exemplifica o
filme/documentário: WTC: Por Trás do 11 de setembr,.originário da Inglaterra gravado
pelo estúdio California Home Vídeo, com direção de Antonia Bird. Sendo lançado no ano
de 2004 nos Estados Unidos. Este ao analisar os atentados de 11 de setembro e toca muito
nesta questão, pois, ao apresentar os terroristas demonstram que estes tinham uma
excelente condição financeira, viviam cercados de luxo e dos confortos da vida Ocidental.
Sendo sua motivação eminentemente religiosa, ou seja, acreditavam estar fazendo parte de
uma guerra santa contra os infiéis pecadores e desprezáveis, e após a morte todos seriam
acolhidos no céu.
A justificativa religiosa embora absolutamente pertinente não acredito seja o único
fator explicativo para a ação destes organismos atuantes no cenário internacional. Acredito
ser, em boa medida, uma reação a anos de políticas imperialistas nas regiões Islâmicas, o
que reunido ao fato do permanente apoio norte americano a Israel ajudaram a formar em
alguns setores muçulmanos uma representação negativa dos ocidentais, em especial dos
Estados Unidos. As interferências quase sempre arbitrárias e sem o menor respeito às
diferenças geraram mudanças culturais significativas tanto no campo religioso e
econômico, como no campo da política e das relações de poder. O que vem ao longo dos
anos gerando conflitos, que cada vez mais elaboram a imagem do Ocidental enquanto
47 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007. p. 177.4 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007. p. 177.48
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inimigo contra o qual se deve moralmente lutar e se preciso for, morrer. Morrer em defesa
de suas crenças, de seus interesses “louváveis” ou não.
Há ainda uma questão que deve ser colocada ao tratamos deste assunto, é a de que
não podemos reunir todas as ações terroristas em um mesmo grupo; em especial no caso da
Palestina, onde o conflito ali existente se apresenta com características bem peculiares.
Para apresentá-las gostaria de pensar o filme Paradise Now. Este filme foi produzido na
Palestina, em 2005, tendo recebido três prêmios do festival de Berlim em 2005 e o Globo
de ouro de melhor filme estrangeiro de 2006.
Graças ao seu lugar de produção consegue discutir com grande profundidade a
complexa questão Palestina, em especial no que se refere às conseqüências da ocupação
israelense para os árabes daquela região. Uma vez que apresenta uma visão de quem vê o
problema de dentro e, portanto pode apresentá-lo com riqueza de especificidades,
contradições e sensibilidades que só a experiência do vivido podem revelar.
O filme nos coloca em contato com uma realidade de extrema pobreza, com um
atraso tecnológico e estrutural gigantesco. Com cidades, onde o desemprego e subemprego
proliferam e sobrevive uma população humilhada pela ocupação com a dignidade ferida e
abalada. E que se questiona todos os dias como resistir a essa invasão? Haveria como?
Em torno destes questionamentos é que a narrativa vai sendo construída.Sendo
apresentada as possíveis alternativas de resistência, no entanto, devido a perversidade da
situação no qual se encontram, estas parecem todas inviáveis, pois Israel tem muito mais
força econômica, militar e apoio externo. Neste contexto tão desfavorável, muitas vezes
não resta outra forma de resistir, a não ser pelos ataques suicidas, mesmo que estes tenham
um efeito perverso para os dois lados. Uma vez que se em Israel ocorre à morte de vários
civis, para os palestinos além de levar o autor à morte, consolida cada vez mais sua
imagem de terroristas e assassinos, legitimando ações militares como as que vemos
diariamente nos noticiários, que geram incontáveis mortes e destruição.
Esta necessidade de reagir e ao mesmo tempo a falta de esperança e de dignidade,
transforma homens comuns, geralmente pobres e com pouca instrução, em “Homens
Bomba”. Homens - que ao contrário da representação criada sobre eles no Ocidente, de que
são bárbaros e da criada na sua região que o transforma em mártires, são homens comuns:
são pais, filhos, trabalham quando há emprego, amam e sofrem as mesmas contradições de
todo ser humano. Ou seja, o filme é importante ao chamar a atenção de que homens como
Said e Khaled, personagens que atuam como “homens-bomba” não são monstros, mas
pessoas que buscam na morte uma dignidade que lhes foram retiradas em vida.
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A grandeza desta obra está em não apresentar estas questões de forma simplista,
inclusive problematizando e deixando no ar críticas a este tipo de iniciativa, como a
apresentada pela filha de um “homem-bomba”, que questiona e tenta dissuadir Said do
ataque, e a todo o momento o questiona sobre outras formas de resistir, no entanto, estas
são apresentadas de forma inconsistente e assim Said acaba indo até o fim da missão, se
explodindo e levando consigo várias pessoas. Percebemos que muitas vezes isto reflete
bem a realidade perversa, onde nas palavras de Said “as vítimas se tornam assassinas”.
Assim não podemos, embora tenham relação, colocar num mesmo patamar os
atentados cometidos por organizações como a Al Qeada, e os atentados realizados contra
Israel. Como denota o próprio perfil daqueles que se submetem a tais ações, pois se os
membros da Al Qeada, em bom percentual pertencem a uma elite, que estão em busca do
céu em Israel os recrutados geralmente: “são jovens, tem entre 18 e 27 anos, solteiros,
desempregados, de famílias pobres”49. Para estes talvez essas seja a única chance de serem
valorizados, de suas famílias terem o sustento garantido, e ainda a chance de mostrar sua
revolta seu descontentamento com a ocupação e todos os males que ela traz.
A guerra contra o terror e a política norte-americana
Após os atentados de 11 de setembro Bush pareceu mais atordoado e indeciso que
já era levando certo tempo para atacar o Afeganistão para pender Bin Laden, mentor dos
atentados, no entanto quando isso ocorreu esse já tinha há muito ido embora. Restou lutar
contra uma população de miseráveis já derrotados pela seca e pela fome.
A partir daí, houve o início de todo um trabalho de desviar as atenções do
Afeganistão e focá-las no Iraque. Para tal forjaram a idéia de que Bin Ladem poderia estar
lá. E mais, criaram o mito das armas de destruição em massa, de um risco eminente que
Sadan representaria para o mundo. Mas se estes argumentos não bastassem, voltou-se à
velha cartilha “vamos levar aos pobres coitados iraquianos a civilização”. Aqui levar a
civilização não mais no sentido religioso ou técnico, como vinha ocorrendo desde o século
XV. Mas, agora a civilização é apresentada a partir da idéia de razão e, sobretudo de
democracia. Ou seja, é preciso levar a civilização política. É preciso salvá-los de seus
ditadores Percebemos que mudaram os argumentos, mas ainda prevalece a visão ego
49 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.p. 123.
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centrista na qual, eu sou o civilizado e o outro o bárbaro, a quem eu estou fazendo um
favor ao introduzi-lo no meu mundo.
Amparado nestas ideologias, amparado pela legitimidade que os atentados lhes
deram, em 2003 ocorre à invasão ao Iraque. A ONU foi contra, o mundo foi contra. Mas
quem teria força para barrar a maior potência bélica do planeta. Não seria isso uma forte
prova da total submissão destes organismos à vontade dos Estados Unidos? Que poder tem
este e outros organismos internacionais, se suas decisões são jogadas no lixo e nada é
feito? Onde está a globalização política? Onde estão os mecanismos internacionais de
controle?
É como discute Hobsbawm, para quem não existe uma globalização política. Para
ele, “os únicos atores efetivos são os Estados. E em termos de poder militar capaz de
executar ações importantes em escala global só existe hoje um Estado que pode
desenvolvê-las, os Estados Unidos” 50. Assim esta idéia de globalização talvez tenha se
realizado em relação ao capital, no entanto, no campo político jamais se efetivou. Talvez
pudéssemos falar em uma dominação em uma busca de uma hegemonia global de um
determinado Estado sobre os outros. Durante muito tempo os norte-americanos
construíram ou buscaram construir esta hegemonia a partir de uma dominação econômica,
cultural e ideológica. Onde construiu para si a imagem de modelo para o mundo. Modelo
de país desenvolvido, livre e democrático. No entanto, logo no início deste século
percebemos alguns sinais de crise, tanto econômica, quanto no campo ideológico. Pois o
11 de setembro trouxe a tona quão frágil eram as garantias de liberdade interna no país. E
mais, revelou ao mundo sua arrogância em relação ao resto do planeta. E assim seu poderio
ideológico parece estar sendo minado, ficando sua força cada vez mais restrita ao campo
militar.Kamel diz que “os Estados Unidos decidiram invadir o Iraque com o propósito de
evitar que uma vez rearmado, Saddam pudesse ser o patrocinador da Al-Qaeda no futuro” 51. Para reforçar sua argumentação associa os terroristas e o Iraque à Alemanha nazista, e
ainda defende que como a hesitação em atacar a Alemanha causou o fortalecimento de
Hitler, assim não atacar o Iraque seria repetir a dose e permitir que este se fortalecesse e
viesse no futuro a dar base a Al-Qaeda. Aqui é necessário pensar algumas questões: Em
primeiro lugar comparar a Alemanha com todo seu poder ao Iraque é absurdo. Segundo,
50 HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.p. 58.
5
HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.p. 6051 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.p. 136.
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este tipo de comparação é altamente nocivo a uma análises independente destes eventos,
pois impede uma visão mais profunda que entenda que estes eventos são, em grande
medida, novos e em nada se relacionam as práticas de limpeza étnicas de Hitler. E ainda
associá-los aos nazistas pode ter efeitos sociais nocivos para os muçulmanos em geral, uma
vez que o ódio e o horror ao nazismo poderiam ser transferidos a eles.
Um grande crítico desta teoria é Michael Moore, e isto fica claro no documentário:
Fahrenheit 11 de Setembro. Onde ao analisar a invasão, apresenta uma perspectiva bem
diferente Para ele a justificativa estaria na relação do então governo americano com
empresas de armas e petrolíferas, as que mais ganharam com a guerra.. E contrariando a
idéia de Kamel, para quem a invasão não se justificaria por questões econômicas, o
documentário nos mostra reuniões de donos de empresas em plena guerra, discutindo como
poderiam aferir lucros no Iraque devido ao seu potencial petrolífero.
Além de questões econômicas e estratégicas que um governo pro ocidente poderia
trazer aos Estados Unidos tratadas no documentário, gostaria de apresentar ainda a opinião
de Hobsbawm para quem “a guerra foi basicamente um projeto para mostrar poder perante
o mundo” 52 O que em se tratando dos Estados Unidos não seria novidade.
Para além desta questão do por que se apresenta o real. E a realidade é dura tanto
para a própria população americana e principalmente para as populações dos territórios
ocupados. Dentro do país os problemas afetam em especial os mais pobres que é quem
fornece soldados para matar e morrer no Iraque. Mas, se os americanos sofrem pela perda
dos seus soldados, sofrem mais pela fantasia terrorista sempre presente. Com uma fantasia
criada pelo governo que usa deste argumento para manter a população acuada e aceitando
as políticas desastrosas do governo. E assim, a guerra imaginária contra o terror é mantida
aterrorizando sua própria população e escondendo a barbárie do Iraque e das desigualdades
internas.
Se o 11 de setembro espalhou o terror nos Estados Unidos, imagina o terror que
esta guerra que se diz contra o terror, causa diariamente na já sofrida população iraquiana.
Choca as entrevistas com os soldados americanos mostrados no documentário, quando
dizem que avançam atirando com uma música violenta e alta nos ouvidos. E assim cheios
de adrenalina como em um jogo de vídeo-game, vão atirando e matando, mutilando e
destruindo o pouco que resta de um país já devastado
52 HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.p. 156.
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E assim o ódio vai aumentando dos dois lados e esta bipolarização que não teria
razão de existir, pois representa a visão de poucos, vai sendo aprofundada e o que é mais
preocupante, é sua defesa por formadores de opinião. Como vemos na obra de Kamel: em
partes como esta: “Tempos difíceis os nossos. Se o outro lado conhece bem os seus
objetivos, e é capaz de morrer por eles, nós, a parte aparentemente racional do mundo, não
percebemos sequer de que lado estamos” 53
Esta idéia do outro irracional e um inimigo em potencial contra o qual devemos nos
posicionar de forma contrária é uma idéia que vem sendo disseminada pela mídia e sobre
tudo, pelos ideólogos no poder dos Estados Unidos e não só é mentirosa, como perversa,
pois visa transformar os norte americanos em defensores da “civilização Ocidental cristã,
democrática, racional e livre” contra os “fanáticos, totalitários e terroristas islâmicos”. E
assim aprofundam a idéia da divisão. E criam um outro a quem nem conhecemos, mas a
quem já tememos e devemos combater.
Conclusão
Concordo com Kamel quando este diz que nossos tempos são difíceis, no entanto,
não são ações isoladas e principalmente armadas que os tornaram mais fáceis. Ou mesmo
um posicionamento de um lado ou de outro nos proporcionará sequer compreender mais a
fundo esta questão, que dirá resolvê-la. Assim é preciso entender estes conflitos em sua
complexidade, com suas heranças do século XX, como a criação do Estado Israelense,
ocorrida de uma forma arbitrária e que gerou uma ocupação bélica permanente, herdamos
ainda o desrespeito ao outro em suas diferenças e por isso herdamos a idéia de impor ao
outro minha religião e meu modo de vida, herdamos as desigualdades, e a dominação.
Entretanto é preciso também reconhecer com a novidade e as singularidades que adquiriam
em nosso tempo
E contrariando as visões simplistas daqueles que vêem um mundo globalizado
ainda estamos fechados em nossos Estados nacionais; desprezando o outro, nos julgando
superiores e nos deixando envenenar por uma mídia que difunde e cria estereótipos e
representações distorcidas, e muitas vezes falsas.
As imagens das torres em chamas, de terroristas ameaçando em nome de Alá,
continuam entrando em nossas casas pela televisão, pelos jornais e revistas, e assim os
53 KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.p. 288.
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terroristas comemoram a amplitude que ganham suas ações. E ainda vêem crescer o
número de indivíduos dispostos a se juntarem aos seus grupos e por eles morrer e matar. Se
o objetivo desta mídia é recriar em nossos dias a imagem do bárbaro, ela está conseguindo.
Mas, está conseguindo também encorajar novos ataques e ainda consolidar a imagem de
herói que estes assassinos tanto buscaram junto ao mundo e às suas comunidades, uma vez
que nelas têm pouca aprovação. Pode parecer irônico, mas a mídia Ocidental está sendo
muito eficiente neste sentido.
Por outro lado a imagem dos Estados Unidos de “mocinhos” e redentores do mundo
veiculada em uma mídia cada vez menos imparcial, vem atuando no sentido de legitimar
suas ações, no entanto, a realidade das regiões ocupadas é tão complicada que até mesmo
uma imprensa tendenciosa encontra dificuldades em apresentar a situação de forma
positiva. E assim, esta representação não se efetiva como o esperado pelo governo norte
americano para quem esta representação seria de fundamental importância para seu projeto
de liderança internacional. Principalmente no contexto atual, onde cada vez se sente
ameaçado, tanto pela falta de sustentação ideológica quanto pelo crescimento da União
Européia e de países asiáticos, como a China, e também o fortalecimento da América
Latina, que poderia bem ser exemplificada pelo franco crescimento brasileiro.
Neste momento talvez a contribuição que nós historiadores podemos dar a estas
questões, seja analisá-las de forma crítica, desmistificando os discursos e lançando luz
sobre os processos históricos que nos possibilitam um conhecimento mais amplo do
assunto. Ir além do imediatismo midiático e buscar um distanciamento para que evitemos
reproduzir idéias que geram discriminação e injustiças, como as que hoje sofrem os
muçulmanos espalhados pelo mundo. E ainda talvez, um distanciamento e uma visão
menos apaixonada interrompam a reprodução de um ódio que no fundo sequer teria porque
existir.
Referências bibliográficas
HOBSBAWN, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
KAMEL, Ali. A afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. São Paulo: Nova Fronteira, 2007.
SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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História da Arte e Representações
Os Processos Intelectuais da Obra Mural Sacra Modernade Emeric Marcier
Ilton José de Cerqueira Filho*
Emeric Marcier54
O ano de 1940 foi marcado pelo aportamento, no Rio de Janeiro, de uma leva de
pessoas, oriundas de diversas regiões e países da Europa e das mais variadas categorias de
atividades, dentre músicos, pintores, escultores, escritores e cientistas, que somariam ao
sonho da desejada e vindoura modernidade, embora não o tivessem, face à turbulenta fuga
da II Guerra Mundial, iniciada no ano anterior.
Dentre aqueles, o que viria a ser um dos mais importantes pintores de murais com
temas sacros do Brasil e cuja obra constitui objeto de nossa pesquisa: Emeric Marcier.
Emeric Marcier é a forma abrasileirada do nome do pintor romeno, de origem
judaica, Imre Racz, no qual ele eliminou a letra “Z” e criou um anagrama, que passou a
usar por toda sua vida.
Marcier nasceu a 21 de novembro de 1916, na cidade de Cluj e faleceu a 01 de
setembro de 1990, em Paris, na França; era filho de Ana Racz e de Simeon Racz.
Até os 19 anos de idade viveu em Bucareste e, após, foi para Milão, onde estudou e
formou-se, em 1937, na Real Academia de Belas Artes, também conhecida como
Academia de Brera, ocasião na qual recebeu de Giuseppe Palanti, instrução sobre a técnica
italiana de pintura mural dos Séculos XIII e XIV, incluindo, entre outras, o afresco. Tendo
* Ilton José de Cerqueira Filho é Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG. Autor do projeto: “Interconexão Entre Pintura, Vida e Religião: Os Processos Intelectuais da Obra Mural Sacra Moderna de Emeric Marcier”. Orientadora: Profª Drª Ângela Brandão.54 Foto de Emeric Marcier. Disponível em: http://emericmarcier.org/, extraída em 06/12/2010, às 21:34h.
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ingressado no segundo ano do curso de afresco, conduzindo seus estudos para a tendência
surrealista.
Ao concluir o curso de Brera, Marcier foi para Paris, na França, ali cursando
especialização na Escola Nacional Superior de Belas Artes.
Por ocasião da deflagração da II Guerra Mundial, vai para Portugal, ali
permanecendo por pouco tempo; após contato com intelectuais portugueses, imigra para o
Brasil, trazendo em sua bagagem três cartas de apresentação, fornecidas pelo escritor
português José Osório de Oliveira, que havia retornado do Rio de Janeiro há pouco, então
para facilitar-lhe a ambientação, escreveu cartas destinadas a Mário de Andrade, José Lins
do Rego e a Cândido Portinari.
Estando no Rio de Janeiro, Marcier faz uso da primeira carta ao procurar por Mário
de Andrade em sua residência e, posteriormente, por José Lins do Rego, na Livraria José
Olympio, que o integra ao meio intelectual carioca.
Seu círculo de amizades era composto pelas pessoas que o receberam, ou seja, o
meio intelectual, por ser restrito, todos se conheciam, podemos destacar: o poeta e escritor
Murilo Mendes; Yone; Mário de Andrade; José Lins do Rego; o romancista Lúcio
Cardoso; Júlia weber Vieira da Rosa (Julita), que viria a ser sua esposa; Lazar Segall;
Pedro Otávio; os escritores Georges Bernanos e Otto Lara Resende.
Sua obra era composta de nus, retratos, desenhos e auto retratos; sua pintura era
surrealista com influência picasseana e passou por mudanças, atribuídas às duas fases
distintas: antes e pós-conversão ao cristianismo, quando Marcier entrega sua vida ao
Cristo, fazendo um pacto, no qual doou sua vida, pedindo que fosse preservada a sua
pintura, a partir daí direcionou sua obra à temática religiosa, com ênfase à vida de Jesus
Cristo.
Seu amigo, Pedro Otávio, que passava a maior parte do tempo em São Paulo, em
uma de idas ao Rio de Janeiro, trouxe a notícia de uma capela construída pela Juventude
Operária Católica, nos arredores de São Paulo, dirigida por frades dominicanos,
comunicando a Marcier uma proposta da direção local, da realização de uma decoração
com murais, porém o serviço seria feito de graça.
A ausência de uma verdadeira crítica de arte, a manipulação das notícias e o fato de
existirem pessoas em posições estratégicas no meio jornalístico, desestimulavam Marcier
de expor, surgindo a intenção de retirar-se para o interior, por isso considerou interessante
a proposta de decorar a capela da JOC, apesar das condições financeiras desfavoráveis.
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Foi, também, seu amigo Pedro Otávio quem indicou a Marcier morar em
Barbacena, ali comprando um sítio, denominado Sant’Anna (nome da mãe de Maria e da
mãe de Marcier). Foi Frei Rosário, em contato com o Frei Osmar, que o convenceu a pagar
a Marcier pelos murais de Mauá, possibilitando a construção de sua residência no Sítio
Sant’Anna, atualmente o Museu Casa de Marcier.
Marcier fez um pacto com Deus, ao qual entrega sua vida, pedindo que lhe deixe a
pintura, passa a ter como tema de inspiração a Bíblia e ídolo a pessoa de Jesus Cristo.
Após sua conversão ao cristianismo, quando então Marcier passa a orientar sua
produção artística com a temática religiosa, porém em algumas murais ele faz
interferências pessoais, mesclando épocas históricas com fatos relacionados às suas
vivências, conflitos e traumas relacionados à II Guerra Mundial, desta forma, alterando a
narrativa histórica e bíblica.
Dentre os murais que podemos citar, como exemplo, sugerimos: “A Criação” –
localizado no Educandário Dom Silvério, localizado na cidade de Cataguases-MG; por
ocasião da pintura deste mural, a Irmã de caridade responsável pela capela do Educandário
mandou que Marcier modificasse a figura de Adão e Eva, pois estes estavam nus, ele
modificou, porém pintou o rosto da irmã quando retratou a criação do leão. No mural
“Matrimônio de Maria e José”, localizado no atual Museu Casa de Marcier, na cidade de
Barbacena-MG, uma releitura do mural de Rafael Sânzio, Marcier mesclou símbolos do
judaísmo, pois era judeu e, no mural “Visitação”, também localizado em sua antiga
residência, incluiu, no alto de uma serra, uma igreja, que é a igreja da Serra da Piedade,
uma referência e homenagem ao seu amigo, frei Rosário.
Talvez esta conduta artística e pictórica esteja relacionada à declaração de Marcier:
A vida é misturada com arte e, como ambas, tanto a vida como a arte, ainda mais requer fé, você só pode viver bem se tiver fé e esperança em alguma coisa.55
Referências bibliográficas
MARCIER, Emeric. Deportado Para a Vida. Francisco Alves. Rio de Janeiro. 2004.
__________________. “As Cores da Paixão”. Entrevista de concedida por Emeric Marcier à TV E. Produção de Nina Luz e Cacá Silveira. Rio de Janeiro: 1990.
55 Declaração feita em resposta à uma das perguntas feitas por Nina Luz de Cacá Silveira, por ocasião de entrevista concedida por Marcier á TV E, no ano de 1990.
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Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 3. nº 29. Rio de Janeiro-RJ. Fevereiro de 2008.
Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 5. nº 58. Rio de Janeiro-RJ. Julho de
2010.
SANT’ANNA, Afonso Romano de. Estória dos Sofrimentos, Morte e Ressurreição do Senhor Jesus Cristo na Pintura de Emeric Marcier. Edições Pinakotheke. Rio de Janeiro-RJ. 1983.
Síntese – Revista Moderna de Cultura. Vol.11, nº 33. Rio de Janeiro-RJ. Setembro de
1944.
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Joana D’Arc, Guerreira ou Santa?Uma controvérsia iconográfica
Christiane Montalvão; Pollyanna Precioso Neves; Raphael Vieira Rocha*
A importância da obra de Alfred Barye deve-se ao fato de esta ser uma das muitas
representações iconográficas de Joana D’Arc. A escolha da peça foi fundamental para
expor o quanto a representação da personagem eclodiu em vários cantos do mundo e como
diversas representações produzidas em várias épocas foram adquiridas e admiradas, ou
rejeitadas por muitas gerações.
A escultura de Joana esculpida por Alfred se encaixa no grupo de representações
iconográficas produzidas através de uma visão bélica. O artista parisiense, filho de um
grande escultor também francês, Antoine-Louis Barye, executava muitos de seus trabalhos
usando a técnica que aprendeu ainda quando jovem, pois trabalhava ao lado do pai e de
seus irmãos em um estúdio de fundição. A técnica da arte da areia de fundição em bronze
mostrava um elevado grau de detalhes das obras; os primeiros trabalhos de Alfred foram
pequenos moldes de animais silvestres que mostram a forte influência e os ensinamentos
de seu pai, considerado um dos maiores escultores românticos animalistas.
Os maiores trabalhos de sucesso de Alfred Barye foram cavalos de corrida, mas ele
também é conhecido por ter modelado inúmeras peças que retomam o estilo do pai, o que
em algumas épocas causou grande confusão pelo fato de Alfred assinar as esculturas com a
mesma abreviação de seu pai (A. Barye). Depois de muitos desentendimentos familiares,
Alfred passou a assinar suas obras como Alf. Barye ou Barye Fils. Em algumas obras é
difícil identificar a autoria, pois ambos usavam a mesma técnica e gozavam de extrema
perfeição em seus trabalhos. É fato documentado que Alfred ainda continuou lançando
trabalhos com o nome do pai, mesmo depois de sua morte em julho de 1875. 56
A escultura de Joana D’Arc, pertencente ao Museu Mariano Procópio, da qual
partimos este trabalho, tem a assinatura de A. Barye, não se sabe ao certo se é mesmo de
autoria de Alfred ou de seu pai, devido a confusões ocorridas entre as assinaturas dos
escultores e a falta de informação sobre o ano de produção da peça e sua posterior
aquisição pelo referido museu. Embora não tão dedicado a arte quanto ao pai, não se pode
* Acadêmicos do 5º período do curso de graduação em História da Universidade Federal de Juiz de fora - UFJF/ MG.56 GALLERY, Bronze. Artist's biography. Disponível em: http://www.bronze-gallery.com
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contestar que Alfred foi um mestre escultor, sendo seus bronzes merecedores de
reconhecimento e valor.
Levantamos alguns dados que talvez nos leve a crer que a escultura em questão
pode ser atribuída a Antoine-Louis Barye devido à prestação de serviços que o mesmo fez
a algumas instituições francesas com o intuito de exaltar o nacionalismo francês através
das representações de seus heróis nacionais. Segundo referências obtidas no arquivo do
Musée d'Orsay, Antoine foi contratado por instituições oficiais para usar de sua arte para
compor um Leão para a Coluna de Julho em Paris e no Louvre alegorias para a sala do
novo palácio; ele também assina obras como a escultura Napoleão I montado em um
cavalo pertencente ao Musée d’Orsay e outra referente a uma homenagem aos irmãos de
Bonaparte, onde os quatros irmão estariam lado a lado numa mesma escultura; não se sabe
ao certo o destino desta ultima obra.
Hipoteticamente consideramos o fato de Antoine ter esculpido Joana d’Arc
montada a cavalo pelo fato de em certa época de sua carreira estar produzindo esculturas
por encomendas que representem os heróis franceses. Entretanto, não podemos deixar de
destacar que a escultura poder vir a ser de Alfred, pois uma mesma escultura foi
encontrada pela pesquisadora e professora da Universidade de Juiz de Fora, Drª. Maraliz
de Castro Vieira e Christo em um site de vendas de esculturas, onde a produção da peça é
atribuída a Alfred Barye.
Seria necessária uma maior exploração desta problemática para possíveis
afirmações. Para que conseguíssemos dar continuidade ao trabalho, preferimos explorar a
partir da estatueta as demais representações iconográficas de Joana D’Arc através dos
quase seis séculos de sua existência.
Nada mais fascinante para um historiador do que uma infinidade de fontes
disponíveis acerca de uma determinada temática. E se tratando de Joana D’Arc, tal
disponibilidade de fontes tanto escritas como iconográficas, nos possibilitou maximizar a
complexidade do presente artigo, assim como enriquecê-lo de maneira a contribuir com
toda historiografia que busca estudar tal figura.
Como foi dito anteriormente, as nossas indagações surgem a partir de uma estatueta
de bronze supostamente fundida por Alfred Barye, que nos despertou tamanha curiosidade
acerca de sua representação genuinamente guerreira. Convém deste modo, expor
rapidamente a história de Joana D’Arc para que cheguemos ao ponto crucial do nosso
trabalho - uma análise da representação iconográfica desta personagem, a fim de mostrar a
dinâmica controvérsia do ‘mito Joana D’Arc’, ao logo de seus quase seis séculos. Visto
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que durante este extenso período, Joana teria sido ora aclamada como salvadora guerreira,
ora esquecida pelos seus feitos, ora martirizada transformando-se em símbolo nacional, e
por fim sacralizada por seus milagres.
O símbolo em questão fora antes de qualquer coisa a simples Joana D’Arc, uma
camponesa nascida na vila de Domrémy, Lorena – França, em 1412. Era filha de
lavradores, sendo a caçula de uma família com mais dois irmãos homens. Fora criada perto
da mãe, que a ocupava com os afazeres domésticos enquanto seus irmãos trabalhavam no
campo com o pai. Não aprendeu a ler e nem escrever, mas recebeu os ensinamentos
divinos que estavam presentes na postura da mãe. “Recebeu sua religião não como uma
lição, uma cerimônia, mas na forma popular e ingênua de uma bela história de sermão,
como a fé simples e pura da mãe...” 57. Neste contexto, Joana torna-se uma devota desde a
infância. Quando aos doze anos de idade, ainda muito jovem, “estando no jardim de seu
pai, bem próximo a igreja, viu desse lado uma luz deslumbrante e ouviu uma voz: ‘Joana,
seja uma menina boa e ajuizada; freqüente a igreja’, a pobre menina teve muito medo”.58 Já
no segundo contato com aquelas vozes ocultas, Joana não só escuta como vê um clarão
onde percebe a presença de nobres figuras, onde uma das quais apresentava asas e portava-
se como um sábio magistrado. Este era São Miguel, o severo arcanjo dos julgamentos e das
batalhas, este disse a Joana que fosse ao socorro do Rei da França e devolvesse a ele o seu
reino. Posteriormente, Joana identifica as outras vozes: são elas as de Santa Catarina e
Santa Margarida. A pobre menina assustada guardou consigo o acontecido, e por um
período de seis anos nutriu a idéia de combater as tropas inimigas e devolver ao seu rei o
que lhe era de direito. Sem dizer nada a sua mãe, nenhum professor, sem o apoio de padres
ou parentes, Joana caminha todo esse tempo sozinha com Deus na solidão de seu grande
desígnio. Ao completar dezoito anos a menina torna-se uma jovem e bela mulher, segundo
Michelet que a romantiza, esta renuncia e “ignora as misérias físicas da mulher”.59
Joana vai então sair de casa e atravessar a França em meio ao caos, com o propósito
de impor-se na corte de Carlos VII, com o objetivo de se lançar à guerra. Em campos
jamais vistos, nos combates travados, o que sobressaia era uma mulher intrépida em meio
às espadas, sempre ferida, mas nunca desencorajada, “tranqüilizava os velhos soldados,
arrastava todo o povo que se torna soldado com ela, e ninguém ousa mais ter medo do que
quer que seja”.60
57 MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.58 Procès, interrog. 22 de fevereiro. - MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.59 A ouy dire à plusieurs femmes que ladite Pucelle... onques n’avoit eu... Depoimento de seu velho escudceiro, Jean Daulon. - MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.60 Idem 2.
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Joana foi uma heroína da Guerra dos Cem Anos, que teve seu início no ano de 1337
terminando somente no ano 1453. Foi uma guerra entre as “duas grandes potências
européias” da época: Inglaterra e França. A questão dinástica que desencadeou a chamada
Guerra dos Cem Anos ultrapassou o caráter feudal das rivalidades político-militares da
Idade Média e marcou o teor dos futuros confrontos entre as grandes monarquias
européias. O estopim do conflito decorreu de um problema sucessório resultante da morte
do terceiro e último filho de Filipe IV (o Belo), Carlos IV, em 1328. As pretensões dos
dois foram examinadas por uma assembléia francesa que, apoiando-se na Lei Sálica,
segundo a qual o trono não poderia ser ocupado por um sucessor vindo de linhagem
materna, inclinou-se para o candidato nacional, aclamando o sobrinho, Filipe de Valois
com o título de Filipe VI. O rei inglês não discutiu a decisão, reconhecendo Filipe VI em
Amiens em 1329.
Joana entra no contexto da Guerra dos Cem Anos quando motivada pelas vozes e
visões resolve ir ao encontro de Carlos VII e posteriormente partir para a retomada do
território Francês que estava de posse dos ingleses. Deveria Joana coroar Carlos VII rei de
ascendência legítima, como o verdadeiro rei da França e posteriormente abrir caminho para
a condução do Rei a Reims onde este receberia de fato a coroação e a benção com o óleo
sagrado.
A longa duração desse conflito conhecido como Guerra dos Cem Anos explica-se
pelo grande poderio dos ingleses de um lado e a obstinada resistência francesa do outro. A
figura da camponesa guerreira surge nesse contexto: “guerreira capaz de unir as tropas
francesas desmotivadas em nome de uma única bandeira, a liberdade e soberania da
França” 61. Após sucessivas vitórias e reconquistas de territórios que estavam em domínio
inglês, o Rei Charles entende que o melhor a se fazer é pacificar a região e resolver as
demais questões de forma diplomática. Entretanto, Joana obstinada em cumprir a missão
que Deus havia lhe enviado, segue em tentativas fracassadas de recuperar a capital
francesa, Paris. Joana não encontra mais o apoio do monarca como ocorrido nas batalhas
anteriores, conseqüentemente faz com que sua credibilidade decaísse perante a França.
O ponto final para a participação da guerreira na Guerra dos Cem anos foi no ano
de 1430, quando esta fora feita prisioneira e vendida aos ingleses pelo conde de
Luxemburgo. Assim, Joana foi entregue ao Santo Ofício, onde permaneceu presa até que
terminasse seu processo inquisitorial. Valendo ressaltar que os esforços da monarquia
francesa para retirá-la dos domínios ingleses foram quase nulos.
61 MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.
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Para desmoralizar a cerimônia de consagração ocorrida em Reims, “a versão
política usada pelo clero seria de que a cerimônia fora imposta por uma bruxa que portava-
se como homem; então convencendo a todos, Joana é julgada e condenada à fogueira pelo
crime de heresia, morrendo portanto antes mesmo da Guerra terminar. Entretanto o que
fica é sua imagem de determinação e coragem, “...mais do que um martírio de uma santa, o
verdadeiro batismo de um sentimento de nação incandesceu o coração dos franceses e
permitiu-lhes levantar-se contra a Inglaterra quase vitoriosa” 62, resultando em uma longa
batalha pela reconquista dos territórios.
Com o fim dos confrontos a imagem de Joana foi sendo esquecida no decorrer dos
séculos. Sua memória é resgatada em meados de 1789 quando as convulsões na França
crescem. A causa mais forte da Revolução foi à econômica, já que as causas sociais, como
de costume, não conseguem ser ouvidas por si só. A necessidade de união do povo para
derrubar o antigo regime se viu necessária, e por conta deste fato os grandes nomes da
revolução foram buscar em seu passado uma figura forte que fosse composta de superações
e bravura. Joana D’Arc ‘nasceu’ então como mito nacionalista sobre o lema francês
“Liberté, Égalité e Fraternité”, cujo ideal era naquele momento lutar contra o Regime
Absolutista opressor, situação que semelhante ao passado, onde os franceses sob comando
de Joana lutavam contra os ingleses para livrarem-se da opressão objetivando a liberdade
do povo em suas próprias terras.
Com o fim da revolução, a imagem da mártir fora ganhando maiores projeções, não
se apagou como ocorrido anteriormente. Movida por uma fé inquebrantável, Joana D'Arc
contribuiu de forma decisiva para mudar o rumo da Guerra dos Cem anos e tardiamente
teve seu valor reconhecido. Agora era exaltada pelos chefes de estado que a transformaram
em um ícone nacional; Joana ganhou muitas representações artísticas que ora enobreciam
seus feitos, ora a mistificava como uma santa guerreira. Aclamada também pelo povo que
acreditava em sua santidade, a Donzela foi beatificada por Pio X em 1909 e santificada por
Bento XV em 1920. 63
Levando em conta toda esta narrativa histórica, ao analisar a peça que propomos,
fizemos recortes na mesma e comparamos os elementos mais comuns às outras
representações iconográficas contextualizando com os acontecimentos decorrentes e
explicitando a forma como Joana aparece nas representações. Através do auxilio do
62 Idem 6.63 Vale lembrar que o julgamento de Joana D’Arc foi revisto, o famoso procès de rèhabilitation, 28 anos depois de sua morte e considerado injusto em toda a sua extensão. – Jules Michelet, Jeanne d’Arc, op. Cit.
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dicionário de símbolos64 conseguimos destacar e entender os significados dos elementos
em repetição nas imagens analisadas. Vale frisar que as imagens analisadas são do século
XVIII, posterior a Revolução Francesa, onde logo após estes acontecimentos, buscou-se
resgatar antigos personagens e transformá-los em heróis, que deveriam se tornar símbolos
nacionais exaltados pelos franceses, como é o caso de Joana D’Arc.
Deste modo, através da escultura em questão e assim como nas demais
representações nos foi possível observar os seguintes elementos comuns: a espada; a
armadura; o estandarte e o cavalo branco usado nas batalhas por Joana D’Arc.
Analisamos a espada primeiramente, dotada de um significado simbólico além da
explicação presente na história de Joana – “... foram tão fortes as inspirações dos espíritos,
visões e revelações pessoais que lhe deram todo o aparato de guerra, cavalo, exércitos,
armas para sua missão. Interessante que sua espada foi motivo de espanto, pois o espírito
de Saint Catherine informou a Joana d´Arc um túmulo de uma Igreja onde existia uma
espada especial. Foram lá e realmente a espada estava no local…”.65 A espada segundo o
Dicionário de Símbolos66 significa o símbolo do estado militar e da virtude, a bravura, bem
como de sua função, o poderio. É o construtor, pois estabelece a paz e a justiça. Seria
também o símbolo da guerra santa, uma guerra interior. Na tradição bíblica, a espada faz
parte dos três flagelos: guerra, fome e peste. Já nas tradições cristãs, a espada é uma arma
nobre que pertence aos cavaleiros e aos heróis cristãos. Conseguimos enxergar tais
significados nas iconografias de Joana D’Arc do século XVIII, que traz consigo a espada
como elemento incidente nas várias imagens estudadas.
A armadura que acompanha Joana em suas batalhas está associada à proteção,
considerada um escudo, um amparo ao corpo que se dispõem a travar embates por
quaisquer motivos, é portanto a proteção do guerreiro assim como também uma
característica do mesmo.
Outro elemento associado ao ethos guerreiro seria o estandarte, carregado por Joana
em todas as batalhas. Seu significado remete a indício de guerra, é signo de comando, de
reunião de tropas e o emblema do próprio chefe. Símbolo de ação contra forças maléficas,
o estandarte continha efetivamente o espírito e a virtude dos chefes guerreiros. Segundo a
história da guerreira Joana D’Arc, recebera a ordenação do Rei Charles para comandar as
64 CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. São Paulo: Jose Olympio, ed.18. 2003.65 DUFAUX, Ermance Dufaux. A história de Joana D'Arc ditada por ela mesma. Edições LFU. São Paulo, 1997. Disponível em: www.joanadarc.wordpress.com66 Idem 9.3
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tropas francesas na guerra, utilizava-se, portanto do estandarte para reunir e comandar as
tropas, assim como para distinguir-se dos demais como líder.
Finalmente, chegamos ao último elemento observado e destacado como comum às
diversas obras pesquisadas, o cavalo branco; animal este presenteado a Joana pelo seu Rei,
como forma de gratidão e meio de condução às batalhas. Deste modo, a simbologia nos
revela que os cavalos brancos estão associados à beleza vencedora pelo domínio do
espírito sobre os sentidos, assim como à montaria de majestades, heróis e santos. 67
Concluímos que os elementos analisados estão associados à imagem de uma Joana
essencialmente guerreira, visto que os significados simbólicos encontrados estão
diretamente ligados a temática de guerra. Outro aspecto analisado é o contexto que envolve
a guerra na trajetória da “Guerreira Joana D’Arc”, que utiliza os referidos objetos para
caracterizar-se como uma genuína guerreira, chegando a cortar os cabelos para se
aproximar da figura dos homens que lutavam ao seu lado. Cortar os cabelos foi uma forma
de se inserir efetivamente dentre as tropas, essencialmente masculinas, para então cumprir
sua predestinação divina. Relembrando que o ato de uma mulher cortar os cabelos curtos
contradizia os mandamentos de deus. Fator que evidencia toda bravura e renuncia que
Joana fora capaz.
Entretanto nas obras analisadas do século XVIII, encontramos uma controvérsia na
representação iconográfica referente ao período. Observamos que muitos artistas reuniam
em uma só obra representações de Joana contendo elementos que remetiam a sua
santidade, à sua posição social, à sua bravura como guerreira e/ou sua condenação à
fogueira. Sendo impossível assim classificar as representações em e grupos específicos
como, por exemplo, guerreira ou santa.
Nota-se uma romantização nas imagens estudadas. De acordo com Michelet, não
existe uma imagem da época que a retrate verdadeiramente, sendo assim construído um
ideal imaginário em torno de sua figura. Portanto examinando as imagens, observamos
uma inconstância nas representações físicas de Joana, - ora representada com cabelos
ruivos, ora escuros; olhos claros em tons de azul, esverdeados ou também escuros -, ainda
que em padrões de beleza européia; pele clara, nariz e lábios finos.
Tratando-se ainda da aparência, nota-se uma tentativa de feminilizar a imagem da
personagem, muitas representações apresentam adornos nas vestimentas. Outro aspecto
que remete ao romantismo seria a constante composição de Joana com cabelos longos,
67 CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. São Paulo: Jose Olympio, ed.18. 2003.
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sendo que de acordo com os processos inquisitoriais esta estaria de cabelos curtos e fora
condenada por se portar em vestimentas e aparências masculinas. Todavia o que é
encontrado difere destas descrições, retratando-a sempre de cabelos compridos.68
Se tratando da santidade de Joana, como já abordado, não conseguimos separar as
representações que contenham somente os elementos referentes ao divino, pois estas estão
sempre acompanhadas pela sua trajetória camponesa, guerreira ou herege. Ressaltamos
alguns elementos como o aparecimento de anjos, olhar ao céu em sinal de clamor, nuvens,
raios de luz, altares e crucifixos, assim como cores em tons avermelhados, estes se fazem
sempre presentes nas imagens sob alguma perspectiva.
Optamos por uma metodologia explicativa que busca elucidar através de algumas
obras cada elemento ressaltado, sendo assim, com o auxilio do Dicionário de Símbolos69
conseguimos dar interpretação ao aparecimento dos anjos que são a expressão do divino,
simbolizando os mensageiros, guardiões e protetores dos eleitos; símbolo também das
relações de Deus com as criaturas. Os anjos encontrados nas iconografias remetem ao
arcanjo Gabriel, tido como mensageiro iniciador, que de acordo com a história foi o
primeiro anjo a levar a palavra de Deus até Joana.
Em relação aos demais elementos, o olhar voltado aos céus permite-nos concluir
que Joana conversava com os seres celestiais, que suas vozes vinham do alto e o olhar seria
uma forma de súplica por ajuda do criador.
Novamente orientados pelo dicionário, buscamos entender as nuvens e as luzes
vindas do céu. As nuvens aparecem de formas nebulosas que se associam às manifestações
da atividade celeste; já as nuvens são símbolos da metamorfose viva. Os raios de luz
simbolizam um processo de rendição, é a passagem de uma época sombria e confusa para o
período de luminosidade, pureza e regeneração, a luz sucede às trevas; a luz simboliza a
vida, a salvação, a felicidade dada por Deus. Inferimos, portanto que a atmosfera sombria
na qual Joana é representada é rompida por uma luz divina, nos levando a crer que seria o
fim dos tormentos de Joana.
E por fim, destacamos a variação cromática do vermelho observada na maioria das
obras estudas. O vermelho é símbolo fundamental do princípio da vida, é a cor da alma e
do coração, podendo também significar a imortalidade, assim como um lugar de batalha,
ou a dialética entre céu e inferno. De acordo com as fontes relativas à história de Joana,
68 MICHELET, Jules. Joana D’Arc. São Paulo: Hedra, 2007.69 CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. São Paulo: Jose Olympio, ed.18. 2003.
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entendemos que esta vivia uma dualidade entre os clamores do céu e o inferno da guerra e
dos homens.
No presente artigo, onde estudamos detalhadamente elementos descritos acima,
concluímos que Joana D’Arc não pode ser considerada somente santa ou guerreira, pois
iconograficamente e historicamente ambas as definições estão interligadas. Seria mais
correto afirmar que a mártir francesa é uma “santa guerreira” símbolo da fé e bravura
nacional. Ressaltando que o mito Joana D’Arc é controverso e confuso por apresentar-se
multifacetada no decorrer de sua história, visto que durante a sua trajetória houve períodos
de reviravoltas em relação a sua imagem, em que fora aclamada como heroína, esquecida e
renegada como herege, mas também exaltada como mito nacional assim como santificada
e posteriormente intitulada padroeira da França. Fato claramente observável nas produções
iconográficas de Joana D’Arc, que refletem tal polêmica, por conterem uma combinação
de todas essas concepções que o mito adquiriu durante esse quase seis séculos de
existência.
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Hermann Stilke - A vida de Joana d'Arc Triptych, 1843. São Petersburgo, Rússia.
Vemos que o símbolo, o mito, a imagem, podem ser camuflados, degradados, porém jamais extirpados, tendo sobrevivido até os dias de hoje.70
Referências bibliográficas
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CHEVALIER, Jean. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. São Paulo: Jose Olympio, ed.18. 2003.
70 GOMES, Vinícius Romagnolli, ANDRADE, Solange Ramos de. ‘Mitos, Símbolos e o Arquétipo do herói. Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar, 2009.
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http://www.mnhn.fr/museum/foffice/transverse/transverse/accueil.xsp
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http://www.catholic.org/encyclopedia/view.php?id=6346
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Imaginários Culturais e Identitários
A Casa do Juiz de Fora: a origem da cidade contada a partir da fazenda velha.
Fabiana Aparecida de Almeida*
Considerada um dos imóveis mais antigos que Juiz de Fora possuía, propriedade do
juiz que teria dado nome à cidade, mas destruída em 1942, a Fazenda Velha ou Fazenda do
Juiz de Fora, foi alvo de intensa discussão entre historiadores que tentaram descobrir sua
verdadeira origem.
Nascida as margens do Caminho Novo, Juiz de Fora se desenvolveu a partir da
sesmaria concedida pelo alcaide-mor do Rio de Janeiro, Tomé Correia Vasques, em 1708,
onde foi construída a Fazenda da Tapera ou Fazenda do Alcaide-Mor. A Fazenda do Juiz
de Fora, que ficava na Avenida Garibaldi, também foi um dos sobrados construídos às
margens desse Caminho. Seu nome, que a cidade também herdara, teria sido dado em
decorrência do cargo ocupado por seu primeiro proprietário. No entanto o nome desse
ainda permanece um mistério. Existem várias especulações por parte de vários estudiosos,
mas não existem, ou pelo menos ainda não foram encontrados, documentos que provem o
nome do verdadeiro juiz de fora. Dois nomes aparecem com mais freqüência nos estudos
sobre o assunto: Luis Fortes de Bustamante e Sá e Vital Casado Rotier. Ambos ocuparam o
cargo de juiz de fora, que em Minas Gerais, só passou a existir depois que foram criadas as
chamadas “vilas do ouro” em 1711.
Vital Casado Rotier exerceu o cargo de juiz de fora em 1713 e fora citado por
Albino Esteves como o suposto dono da fazenda que herdara o nome de sua profissão.
Segundo esse autor, em cansativa pesquisa em vários locais, encontrou no Arquivo Público
Mineiro, o índice geral dos livros de sesmarias que informava que no 9º livro, à página
258V, havia a citação de que o juiz de fora do Rio de Janeiro – Vital Casado Rotier –
recebera, em 1717, da Fazenda de Minas Gerais, uma sesmaria em região próxima onde se
localiza Juiz de Fora. Além desse fato, Esteves também enumera outros fatores para
validar sua hipótese: Rotier teve parentes nessa região – Marçal Casado Rotier, lavrador;
fora procurador da Coroa e Fazenda da comarca de São João Del’Rei após ter sido juiz de
fora; foi o único juiz de fora a possuir sesmaria em Minas Gerais entre 1717 e 1719 e o
fato de ter sido fazendeiro na capitania de Minas Gerais, pois em 1720, “ofereceu-se, com
* Mestranda do curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora.
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Marçal Casado Rotier, para, com escravos de sua propriedade, ir em defesa do governo, na
sedição de Vila Rica”. No entanto para provar sua teoria, o autor buscou documentos que
comprovasse que a sesmaria de Rotier ficava ao lado do Caminho Novo. No entanto, relata
que não conseguiu nada para comprovar sua teoria.
Sobre a hipótese de Esteves, Lindolfo Gomes, ilustre intelectual de Juiz de Fora que
tentou preservar a antiga fazenda, escreveu em sua coluna no jornal “Diário Mercantil”,
intitulada “Nótulas”, que o índice do referido livro 9º das Sesmarias (que não fora
encontrado por Albino Esteves) foi publicado na Revista do Arquivo Público Mineiro (ano
XXI de 1927) pelo historiador Feu de Carvalho. Nesse índice, estaria indicado o local da
sesmaria concedida a Vital Casado Rotier, e essa não ficava em Juiz de Fora:
13 de julho de 1917:A Vital Casado Rotier, morador no Bequinho, freguesia de S. Antonio do Arraial Velho, comarca do Rio das Mortes, foi-lhe concedida por Sesmaria meia légua de terras em quadra que pedia “na mesma paragem”, que “principiaria na cerca do serviço de água que foi dos religiosos do Carmo, para parte da ponta do morro (...).71
É interessante que dias depois da publicação de Lindolfo Gomes, “desmentindo”
Albino Esteves, esse reproduz uma carta enviada por Esteves a ele sobre o assunto na
mesma coluna: “Caro Lindolfo,Lamento que você, com o fascículo do Feu (o único que me
faltava), com “dois trancos” haja inutilizado a trabalheira de tantos anos! Enfim, é verdade. (...).”
72
No entanto, Lindolfo Gomes não considerava a hipótese levantada por Esteves
deveras sem fundamento. Para ele o que faltava era a documentação que provasse que
Rotier teria tido terras na região do Caminho Novo. Esse possuiu uma sesmaria em Minas
Gerais, mas próxima a do Rio das Mortes, que hoje é São João Del’Rei, no local. Assim, se
o juiz de fora possuiu essas terras “não seria também aceitável a hipótese de que além
dessas terras lhe fossem concedidas outras lá para as bandas do Caminho Novo, nas
proximidades da Manchester Mineira?”73 Lindolfo admite também que, “por suposição”,
Rotier podia ter residido temporariamente no sobrado do juiz de fora, por causa de seu
cargo de procurador da coroa ou também em visita a algum parente, sendo conhecido por
juiz de fora pelo cargo que ocupara anteriormente.74
71 GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 24 de setembro de 1940.72 GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 10 de outubro de 1940.73 GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 24 de outubro de 1940.74 GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 25 de outubro de 1940.
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Luis Fortes de Bustamante e Sá, o outro nome citado, fora juiz de fora em 1711 e
segundo o historiador Edelweiss Teixeira, teria possuído uma sesmaria fronteiriça à São
João Del’Rei, porém havia uma pergunta indispensável: quando? No entanto, segundo o
historiador, o juiz teria residido em Ibitipoca, falecendo inclusive nessa localidade em
1742. Esses fatos fizeram Edelweiss supor ser Bustamante e Sá o desconhecido juiz, uma
vez que poderia ter terras também nessa localidade. Já para Sinval Batista Santiago a
identidade do juiz que nomeara o sobrado já havia sido revelada: “(...) Dr. Luis Forte
Bustamante e Sá, que a vendeu em 1728, com a citada nomeação”.75 Segundo o autor, o
governador da Capitania do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas, Dom Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho, concedeu em 1712 a seu secretário de governo, João de
Oliveira, uma sesmaria que abrangia as margens do rio Paraibuna. No ano seguinte esse a
vendeu ao ex-juiz de fora do Rio de Janeiro, Luis Fortes Bustamante e Sá. Esse então,
“construiu o prédio da sede da fazenda, que herdou o nome de sue cargo”. Em 1728,
Bustamante e Sá teria vendido à propriedade ao genro e juiz do fisco, Roberto Carr
Ribeiro, que a vendeu, em 1738, a Antônio Vidal, fundador da primeira capela da
localidade. Após a morte de Antônio Vidal, em 1765, a propriedade foi partilhada entre a
viúva, Dona Tereza Maria de Jesus e os filhos varões.
O fato do nome de seu primeiro proprietário não ter sido ainda comprovado
documentalmente, não tirou a importância do sobrado do Juiz de Fora na visão dos
estudiosos. Vários viajantes que passaram pela localidade, ao descrevê-la, mencionavam,
entre outras coisas que lhe despertaram a atenção, o antigo casarão. Jonh Mawe, naturalista
e explorador inglês, em viagem à Real Fazenda de Santa Cruz, narrada no livro “Viagens
pelo interior do Brasil”, de 1812, escreveu sobre Juiz de Fora: “... a 100 milhas do Porto de
Estrela [RJ] ... após transpor uma cadeia de montanhas ... [e] um território cheio de matas
[chegou] a Fazenda do Juiz de Fora”, sendo que o viajante espanholizou o nome deste para
“Juiz de Fuera”.76 André João Antonil (anagrama do jesuíta João Antônio Andreoni),
também contou sua passagem por Minas Gerais. No entanto, em seu roteiro, não aparece
citada nenhuma Fazenda do Parahybuna, Fazenda do Juiz de Fora, ou simplesmente Juiz
de Fora. Porém, sabe-se que o jesuíta fora proibido de entrar em Minas Gerais por causa de
uma ordem régia de 1705 que proibia religiosos de visitarem “distritos” dessa capitania,
como forma de prevenir a ambição pelo ouro. Como não foi a Minas, Antonil então apenas
teria narrado o itinerário através de escritos de outros viajantes, fato esse confirmado pelo
75 SANTIAGO, Sinval Batista. Controvérsias históricas. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 2/jul./1982.76 PINTO, José Damasceno. Viajantes estrangeiros. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 5/fev./1983.
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próprio Antonil anos depois.77 Mas o relato mais importante sobre o casarão partiu do
cientista e viajante francês Auguste de Saint-Hillaire, que em viagem pela província em
1816, descreveu a fazenda em seu livro “Viagens nas Províncias do Rio de Janeiro e de
Minas Gerais”. Albino Esteves, no “Álbum do Município de Juiz de Fora”, transcreveu o
trecho que o autor cita o casarão:
A uma légua e três quartos do Marmelo encontra-se a pousada do Juiz de Fora, nome que, sem dúvida, provém do cargo que ocupava seu primeiro proprietário. Da venda de Juiz de Fora, tem-se adiante dos olhos encantadora paisagem. Essa venda é construída na extremidade de um grande pasto, cercado de colinas por todos os lados. (...). Mais longe vê-se uma capela abandonada e as ruínas de um engenho de açúcar. Junto da venda, uma grande rancho, e bem perto um paiol para milho. 78
José Damasceno Pinto destaca que, ao citar “Marmelo”, o francês se referia à
“Fazenda do Marmelo”, e no trecho “pousada do Juiz de Fora” há uma tradução do francês
um pouco equivocada por parte do autor do “Álbum” e também outros, uma vez que o
termo “habitation” pode significar também “fazenda”, dando assim, mais sentido na
leitura.79 Ao falar da “venda” (nome que escreve em português), o viajante não narrou as
suas características principais: se era sobrado, casa térrea, e nem a sua localização. Para
Damasceno Pinto, o “erro” na tradução deu ideia de que ele se hospedou na fazenda.80 Já a
capela do outro lado do rio que Saint-Hillare descreveu, era a capela construída por
Antônio Vidal em 1741. O engenho de açúcar citado pelo francês, nada mais era do que as
casas existentes atrás da capela (datadas do século XVIII), local chamado Largo do
Cruzeiro, confundindo o francês que as observava de longe.81
Com o passar dos anos o antigo casarão do Juiz de Fora, abandonado e servindo de
abrigo para mendigos, estava ameaçado de cair, levando consigo parte da história do
nascimento de Juiz de Fora. Diante desse fato, um grupo de intelectuais, encabeçados pelo
professor Lindolfo Gomes, começaram a se manifestar pela preservação do casarão. O
debate se intensificou na década de 1930 através das páginas do “Diário Mercantil”.
Percebendo o desinteresse local pelas ruínas da antiga residência do juiz de fora, Lindolfo
Gomes recorreu ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) para
que o casarão fosse considerado patrimônio não apenas local, mas nacional. O diretor do
77 PINTO, José Damasceno. Antonil e o Caminho Novo. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 30/maio/1982.78 SAINT-HILLAIRE, Auguste. Viagem nas províncias do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Citado por ESTEVES, Albino. Álbum do Município de Juiz de Fora. 3ª ed. Juiz de Fora: FUNALFA, 2008. p. 46.79 PINTO, José Damasceno. Viajantes estrangeiros. Op. cit.80 PINTO, José Damasceno. Saint-Hillare em Juiz de Fora. Diário Mercantil. 22/fev./1983.81 OLIVEIRA, Paulino. A capela do Quebra Careca. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 7/maio/1982.
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órgão, Rodrigo Melo Franco de Andrade incubiu assim, o professor de escrever um
memorial sobre o imóvel. Fora elaborado assim, um inventário de 77 páginas destacando a
importância de se preservar a fazenda. Entre os motivos apresentados por Lindolfo Gomes
estão o fato do casarão existir desde 1719 (segundo Albino Esteves em seu “Álbum do
Município de Juiz de Fora), sendo assim, para o professor, o imóvel mais antigo da cidade;
o fato de ter sido a possível residência, ou local de pouso de um juiz de fora que dera nome
a cidade; ter hospedado ilustres viajantes estrangeiros com o exemplo-mor de Saint-
Hillare; e ter sido residência de importantes nomes para a história local e nacional, como
Antonio e Manuel Dias Tostes, Guilherme Henrique Fernando Halfeld (genro do
primeiro), todos fundamentais para a fundação de Juiz de Fora, e os inconfidentes
Domingos Vidal de Barbosa e Padre Francisco Vidal de Barbosa, fato esse narrado no livro
“História da Conjuração Mineira” de Joaquim Norberto.Esse fato é de fundamental
importância pois foi através desses dois moradores que Lindolfo recorreu ao SPHAN para
a preservação do imóvel. Ao hospedar dois importantes nomes da Inconfidência Mineira, o
sobrado adquiriu assim uma importância para a nação.
Enviada a documentação ao órgão federal de preservação, para que o prédio
sofresse a intervenção desse, o terreno deveria ser cedido ou adquirido pelo órgão público.
Segundo Lindolfo Gomes, o prédio tocara, porém “na partilha a um dos herdeiros de
menor idade”, onde o curador, “de acordo com o menor, aliais já mocinho” se dispôs “a
ceder aquela propriedade à Prefeitura por preço mais que razoável”.82 A Prefeitura se
mostrou interessada em adquirir o imóvel e em seguida, doa-lo ao patrimônio nacional,
solicitando dessa forma, a ida de um técnico do SPHAN à cidade a fim de examinar as
condições do sobrado. Com a visita desse técnico, constatou-se, no entanto, que esse já
estava em “completo estado de ruínas”, sendo que “nado ou quase nada se poderia
aproveitar e, para uma nova construção não havia verba disponível, o que só poderia talvez
obter-se com algum tempo mais de espera”.83
Com a demora nas negociações e decisões, o “Diário Mercantil” de 1º de setembro
de 1943, publicara que, em visita ao local, a reportagem recolhera de parentes dos
proprietários do imóvel, a informação que os mesmos pretendiam demoli-la “afim de que o
terreno seja aproveitado, em coisa mais rendosa”. Ainda segundo a reportagem do
periódico, “de posse dessas informações, apressamo-nos em chamar a atenção dos poderes
82 Reportagem de Lindolfo Gomes ao Diário Mercantil de 7/jul./1946. In: PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento/ Prefeitura de Juiz de Fora, 1982. p. 178.83 Idem, p. 179.
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públicos no sentido de que sejam tomadas providências imediatas”, se não “desaparecerá
pela gula utilitarista o mais belo, o mais expressivo e o mais notável documento vivo da
história local”.84 No entanto, os apelos de intelectuais e também da imprensa, de nada
adiantaram. Antes de ser adquirido pelo patrimônio nacional, o imóvel fora destruído e o
terreno usado pelo proprietário simplesmente para nada, permanecendo apenas um terreno
baldio.
Esse fato nos chamou a atenção pelo fato de ter sido a primeira manifestação a
favor da preservação do patrimônio de Juiz de Fora. A iniciativa de Lindolfo Gomes e de
outros intelectuais e sobretudo da imprensa, que publicou inúmeras reportagens sobre a
preservação do imóvel, mostrou o interesse desse grupo em preservar o passado da cidade.
A a coluna “Nótulas”, de Lindolfo Gomes merece destaque por ter sido a mais significativa
manifestação em prol da preservação da fazenda, chamando inclusive, a atenção de
Rodrigo M. F. de Andrade. Além de seus argumentos sobre o assunto, Lindolfo também
publicava cartas que recebia de amigos que o elogiavam sobre sua iniciativa. Um desses
amigos foi Albino Esteves. Em carta desse ao professor, disse que já em 1938, na ocasião
das comemorações da criação do município, a 31 de maio, o próprio sugeriu a preservação
do imóvel ao prefeito e à Comissão dos Festejos. “Não vingou o alvitre, mas você, com o
brilho de sua pena, retomou o fio da meada e prosseguiu na bela campanha, como se vê de
suas ‘Nótulas’, até conseguir a atenção do ilustre diretor do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional”.85
Não encontramos nas reportagens pesquisadas algum indício de participação da
população como um todo para a preservação do casarão, sendo o assunto “patrimônio”
mais restrito ao meio intelectual, mas notamos que nas reportagens, algumas em forma de
apelo, foi citado um grande contentamento da população com a possibilidade de
tombamento a nível nacional da fazenda. O que ficou claro foi a indignação daqueles que
tentaram preservara a fazenda quando essa foi demolida.
A fim de conclusão gostaríamos apenas de citar uma reportagem publicada no
jornal “A Tarde”, que julgamos encerrar bem essa exposição:
De nada valeram os vinte e muitos artigos de Lindolfo Gomes, numerosos de Albino Esteves, de Brant Horta, Antonio Pereira e muitos outros.
84 Diário Mercantil de 1/set./1943. In: PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento/ Prefeitura de Juiz de Fora, 1982. p. 176.85 Carta de Albino Esteves à Lindolfo Gomes. In. GOMES, Lindolfo. Nótulas. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 25/out./1940.
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Os proprietários dos monumentos não liam ou não sentiam a palpitação patriótica dos escritores. A Prefeitura Municipal, pelos seus responsáveis, tinha outros assuntos de “mais importância” para tratar. (...).Para essa espécie de gente, Alexandre Herculano era um tolo quando afirmou que “a falta de amor das coisas da pátria é o indício certo da morte da sociedade e, consequentemente, do estado decadente e da última ruína de qualquer povo”.(...) Para a mentalidade dos donos da “Fazenda Velha” e dos homens que passavam pela Prefeitura, sem olhar por ela, outras coisas interessavam mais.86
Referências bibliográficas
ESTEVES, Albino. Álbum do Município de Juiz de Fora. 3ª ed. Juiz de Fora: FUNALFA, 2008.
GOMES, Lindolfo. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 24 de setembro de 1940.
_______________. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 10 de outubro de 1940.
_______________. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 24 de outubro de 1940.
_______________. Nótula. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 25 de outubro de 1940.
OLIVEIRA, Paulino. A capela do Quebra Careca. Diário Mercantil. Juiz de Fora: 7/maio/1982.
PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento/ Prefeitura de Juiz de Fora, 1982.
PINTO, José Damasceno. Antonil e o Caminho Novo. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 30/maio/1982.
_____________________. Saint-Hillare em Juiz de Fora. Diário Mercantil. 22/fev./1983.
_________________________. Viajantes estrangeiros. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 5/fev./1983.
SANTIAGO, Sinval Batista. Controvérsias históricas. Diário Mercantil. Juiz de Fora, 2/jul./1982.
86 Diário da Tarde de 10/maio/1950. In: PASSAGLIA, Luiz Alberto do Prado. A preservação do patrimônio histórico de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Instituto de Pesquisa e Planejamento/ Prefeitura de Juiz de Fora, 1982. p. 181.
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A Atualidade de Visão do Paraíso
Jose Adil Blanco de Lima*
Visão do Paraíso está entre as maiores contribuições historiográficas do Brasil do
século XX. Apresentada e defendida como tese, requisito necessário ao concurso de
cátedra de História da Civilização Brasileira da USP, em 1958, foi publicada em forma de
livro no ano seguinte pela editora de José Olympio com o título Visão do Paraíso: os
motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. Atualmente, a importância
deste estudo de Sergio Buarque de Holanda vem se tornando cada vez mais nítida, como
reconhecem diversos intelectuais contemporâneos (Guimarães, Galvão, Tuna, Lima,
Vainfas, Prado). Esses autores, cada um a sua maneira, ressaltam a relevância da tese de
cátedra de Sergio Buarque. Além de ser um monumental livro de erudição e gosto,
significou também para o seu autor a consolidação da profissionalização como historiador.
Visão do Paraíso constitui, junto com Raízes do Brasil e Do Império à República, o tripé
das obras magistrais de Holanda.
Na tese de cátedra, Sergio Buarque de Holanda tinha como objeto de pesquisa os
mitos edênicos que povoavam o universo mental de portugueses e castelhanos na época
das grandes navegações e conquistas no Novo Mundo. Para a sua construção, o autor
mergulhou na leitura de humanistas italianos, grande parte da tradição literária ocidental e
de diversos viajantes do século XVI.
Todavia, apesar de ser considerado um estudo de imensa erudição e relevância nos
últimos anos – especialmente a partir de 2002, ano do centenário de Sergio Buarque de
Holanda que suscitou diversas pesquisas e publicações acadêmicas sobre o autor e sua
vasta obra – Visão do Paraíso não foi muito bem recebido em sua época de produção,
tempos em que vigorava de forma imponente na academia um marxismo de timbre
econômico e social. Foi um trabalho muito respeitado, pouco lido, quase nunca discutido.
Levou dez anos para ter a sua segunda edição e as primeiras resenhas que recebeu
apareceram apenas em 2002, ano de sua sexta edição. Em suma, o prestígio e apreço que
giram em torno deste livro são tardios. Tentarei, portanto, acompanhar a recepção de Visão
do Paraíso87, destacando aspectos que tornam este estudo atual na virada do século XX
para o XXI, com o intuito de contribuir com as escassas reflexões sobre a historiografia
* Mestrando em história pela UFJF.87 Para tanto, foi de imensa serventia a detalhada a Bibliografia de/sobre Sergio Buarque de Holanda organizada por Vera Neumann-Wood e Tereza Cristina Oliveira, da Biblioteca Central da Unicamp.
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brasileira mais recente e, sobretudo, colaborar com uma melhor interpretação da obra em
questão.
Recepção de Visão do Paraíso
Somente a partir da década de 1980 que surgem as primeiras referências a Visão do
Paraíso na historiografia brasileira. Os principais certamente são O Diabo e a Terra de
Santa Cruz (1986), de Laura de Mello e Souza, e Trópico dos Pecados (1989), de Ronaldo
Vainfas. Ambos são estudos que aparecem em um momento em que a historiografia
brasileira vivenciava uma grande expansão no domínio dos estudos e das pesquisas, das
publicações de livros, revistas e artigos históricos. A partir de 1985, anos que se seguem
após o término do autoritário governo militar, houve um forte florescimento cultural e
intelectual no país. Terminavam-se os anos de violenta repressão cultural; assistia-se o
crescimento urbano-industrial; a expansão dos mercados editoriais, publicitários e
artísticos; assim como o relativo fortalecimento econômico das camadas médias
brasileiras. Em suma, era um contexto onde novos grupos étnicos, sociais e sexuais
passavam a ganhar espaço e participar mais da vida pública, trazendo consigo novas
questões e reivindicações. Nesse ambiente, a historiografia brasileira vivenciava uma
eliminação da hierarquia de temas e problematizações privilegiadas. De tal forma, aparecia
uma ampla gama de excluídos (mulheres, negros, escravos, homossexuais, trabalhadores,
prisioneiros, loucos, crianças, etc.) reclamando seu espaço na história social do país.
Foi neste contexto que chegou ao Brasil uma série de obras estrangeiras traduzidas,
sobretudo de autores vinculados a chamada “Nova História Cultural”. As temáticas
metodológicas desenvolvidas pelos historiadores da terceira geração dos Annales, assim
como as dos micro-historiadores italianos. O Diabo e a Terra de Santa Cruz e Trópico
dos Pecados são obras que vislumbraram-se com o horizonte que as novas leituras
estrangeiras abriam ao território do historiador. Estes estudos tentaram, portanto, por em
prática algumas temáticas da história das mentalidades francesa na história do Brasil.
Durante este processo, os autores acabaram por “descobrir” Visão do Paraíso. A tese de
cátedra de Sergio Buarque parecia antecipar em vários anos as temáticas inovadoras que
eram descobertas nas décadas de 1980.
Procurando alargar os estudos sobre as camadas sociais desclassificadas no Brasil,
Laura de Mello pretendeu apresentar as múltiplas tradições culturais que desaguavam no
mundo da feitiçaria e religiosidade popular na colônia portuguesa entre os séculos XVI e
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XVIII. Para a realização de sua pesquisa, a autora sentiu a necessidade de remontar ao
século XVI, época em que visões paradisíacas e infernais se alternavam no imaginário do
europeu colonizador. Assim, lembra que em época em que o conhecimento geográfico do
mundo era escasso, regiões como a Europa setentrional e os oceanos Índico e Atlântico se
misturavam com o imaginário e fantasioso. Neste momento a autora reconhece a
contribuição de Sergio Buarque de Holanda em Visão do Paraíso, que demonstra o
deslocamento do mito do Paraíso terrestre vindo dos confins da Ásia e África em direção
ao Oceano Atlântico88. Portanto, ancorada em ampla bibliografia estrangeira, a autora
reconhece a importância das “análises brilhantes e sofisticadas” de autores como Le Goff
(cultura popular), Ladurie (cotidiano cátaro), Ginzburg (cultura e religiosidade popular),
Delumeau (religiosidade no século XVI), Todorov (conquista do Novo Mundo) e Febvre
(universo mental do europeu do século XVI)89. Mas também apresenta Visão do Paraíso de
Sergio Buarque de Holanda como um estudo do gênero precursor no Brasil.
Ronaldo Vainfas, por sua vez, estudava em Trópico dos Pecados o projeto
escravista, religioso e moralizante conduzido por intelectuais da Companhia de Jesus entre
os séculos XVI e XVIII. Segundo o autor, este projeto reprovava diversos hábitos sexuais e
desregramentos morais na colônia, vinculando-se à pastoral implementada pela Contra-
Reforma na Europa, que visava a cristianização de pagãos no Novo Mundo. Vainfas
também revela tomar conhecimento da tese de cátedra de Sergio Buarque a partir de uma
bibliografia estrangeira. Inserindo o seu estudo na linha da história das mentalidades
voltada para o campo dos sentimentos, desejos, crenças e costumes, também se aproveitou
da leitura de autores como Ladurie, Ginzburg, Foucault, Bakthin, Vovelle e Mandrou.
Seguiu as orientações do último ao buscar uma “história das visões mundo”. Neste aspecto,
reconhece a importância do trabalho realizado em Visão do Paraíso de Holanda90.
Nos finais da década de 1990, Laura de Mello e Souza e Ronaldo Vainfas
procuraram refletir sobre a atualidade das obras de Sergio Buarque de Holanda publicadas
durante as décadas de 1940/1950.
No volume Sergio Buarque de Holanda e o Brasil (1998) organizado por Antonio
Candido, Ronaldo Vainfas apresenta um artigo em que discute a questão: seria Sergio
Buarque um historiador das mentalidades avant la lettre? Neste texto, o autor procurar
88 SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. pp. 26-27.89 SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo : Companhia das Letras, 1989. p. 16.90 VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil.Rio de Janeiro : Editora Campus, 1989. p.2.
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ressaltar semelhanças entre Visão do Paraíso e a tradição de história das mentalidades
francesa, destacando o parentesco temático, a eleição de fontes literárias como base de
investigação histórica e a rebeldia intelectual. Vainfas rejeita a relação direta entre Visão
do Paraíso e a história das mentalidades francesa, destacando enfaticamente singularidades
da tese de cátedra de Holanda91.
Na coletânea Historiografia Brasileira em Perspectiva, organizada por Marcos
Cezar Freitas, Laura de Mello aponta a atualidade de obras como Monções (1945) e
Caminhos e Fronteiras (1957), obras em que Sergio Buarque de Holanda, muito antes das
considerações de Ginzburg sobre o conhecimento indiciário, já vinha se detendo sobre a
dimensão cultural dos sentidos e da percepção. Segundo Holanda, a apropriação de
diversos aspectos da cultura e da vida material (hábitos, costumes e instrumentos) por parte
dos portugueses teria tido papel fundamental no processo de colonização do país.92.
Mais recentemente, alguns estudos tem se destacado ao salientar a importância da
literatura e do ambiente de reflexão romântico para a produção de Visão do Paraíso93.
Porém, manteremos a mesma linha de Laura de Mello e Souza e Ronaldo Vainfas,
salientando alguns aspectos mantém a obra em questao de extrema atualidade.
A atualidade historiográfica de Visão do Paraíso
As reflexões e produções historiográficas dos últimos 30 anos são, de certa maneira
e em linhas gerais, “seqüelas” da queda dos paradigmas totalizantes dominantes nas
décadas de 1950 e 1960, especialmente o marxismo e o estruturalismo. Nestes anos os
estudos de ciências sociais caracterizavam-se por desenvolver um pensamento de
descentramento. Assim, as ciências humanas mais celebradas durante esse período eram as
que tinham maior capacidade de expropriar a presença e atestação do sujeito. Os
historiadores afastavam-se do chamado tempo curto e passavam a valorizar as durações
mais longas, que escapam a ação humana. Para os estudos de cunho estruturalista ou
marxistas deste período, a participação do sujeito é, quase sempre inertes e sem rosto.
91 VAINFAS, Ronaldo. Sergio Buarque de Holanda: historiador das representações mentais. In : CANDIDO, Antonio (org.). Sergio Buarque de Holanda e o Brasil. Campinas : Editora Fundação Perseu Abramo, 1998. p.52. 92 SOUZA, Laura de Mello. Aspectos da historiografia da cultura sobre o Brasil colonial. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo : Editora Contexto, 1998. p.26.93 Ver FRANCO, M. S. C. Visão do paraíso. Romantismo e história e LIMA, Luiz Costa. Sergio Buarque de Holanda: Visão do Paraíso, ambos em EUGENIO, J.K, MONTEIRO, P. M. (orgs.) Sergio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas : Editora da Unicamp, 2008.
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Sob a regência dos paradigmas estruturantes, portanto, as ciências humanas
interpretavam o agir humano como resultado de sistemas explicativos. Assim, o indivíduo
não agia, mas era “agido” por sistemas estruturais que determinariam suas possibilidades
de ação em seu contexto histórico. Somente por volta dos anos 1980 - após os
acontecimentos da década de 1960, anos que mostravam a importância da ação individual -
que pode se notar uma virada das ciências humanas em direção a um novo paradigma. Esse
novo período, que vigora sob o signo da subjetividade e da individualidade, caracteriza-se,
sobretudo, pela reabilitação da parte explicita e reflexiva da ação humana. Trata-se de um
deslocamento da investigação para o estudo da consciência, destacando todas as categorias
semânticas próprias à ação humana: intenções, vontades, desejos, motivos, sentimentos,
etc..
Ao contrário do que ocorria sob a regência dos paradigmas estruturantes, a história
produzida a partir da década de 1980 passa a aceitar cada vez mais sua faceta narrativa. A
história passa a ser entendida como uma narrativa do passado construída a partir das fontes
existentes, dos recursos teórico-metodologicos escolhidos, e de um olhar, dentre vários
outros possíveis, marcado pela atualidade e subjetividade próprias de sua época de
produção. Assim, conhecer determinado acontecimento histórico não significa saber como
ele realmente aconteceu, nem tampouco saber suas possíveis causas e conseqüências; mas
sim conhecer a maior gama possível de significados que lhe foram atribuídos na espessura
temporal que separa o historiador do acontecimento estudado. Portanto, esse novo
momento, que pode ser qualificado de hermenêutico ou interpretativo, convida os
historiadores a seguir as metamorfoses de sentido nas mutações suvessivas da escrita
histórica entre o próprio acontecimento e o presente94. Valoriza-se, nestes parâmetros, o
pesquisador que se restringe a seguir seus atores com máxima fidelidade possível em seu
trabalho interpretativo.
Nestes parâmetros, o trabalho que empreende Sergio Buarque de Holanda em Visão
do Paraíso – de perseguir a trajetória feita pelos mitos edênicos até atingirem o universo
mental dos navegadores do século XVI que estiveram no Novo Mundo, assim como suas
mutações no devir histórico – mantém-se extremamente pertinente. Atentemos para alguns
fatores que sustentam a atualidade da obra.
94 Para maiores informações sobre a historiografia nos últimos anos ver DOSSE, François. A história à prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido. São Paulo : EDUSC, 2001; DOSSE, François. História e ciências sociais. São Paulo : EDUSC, 2004; MALERBA, Jurandir, ROJAS, Carlos Aguirre (orgs.). Historiografia contemporânea em perspectiva crítica. São Paulo : EDUSC, 2007; JENKINS, Keith. A história repensada. São Paulo : Editora Contexto, 2009; SILVA, Helenice Rodrigues. Fragmentos da história intelectual: entre questionamentos e perspectivas. Campinas : Papirus, 2002.
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A tese de cátedra de Sergio Buarque tinha, na realidade, objetivos mais amplos.
Pretendia, principalmente, contribuir para a “boa inteligência de aspectos de nossa
formação nacional ainda atuantes nos dias de hoje”95. O autor buscou demonstrar até onde
a imagem do paraíso terreal se achou difundida na era dos descobrimentos marítimos,
analisando sua relação com fatores que, bem possivelmente, presidiram a ocupação do
Novo Mundo pelo europeu. A possibilidade deste cenário ideal se localizar no mundo
terreno havia sido muito difundida nas populações européias do medievo, principalmente
pela leitura e difusão das descrições encontradas no Velho Testamento. A transposição da
geografia do Éden para o Novo Mundo facilitou-se, sobretudo, pelo livre transito da
linguagem analógica, hoje em desuso frente à preeminência que alcançaram as ciências
exatas. Partindo do pressuposto de que mitos edênicos eram bastante recorrentes no
universo mental dos europeus da época das grandes navegações, Buarque de Holanda
destacava a herança de aspectos irracionais medievais na mente dos viajantes modernos do
século XVI. Sergio Buarque, portanto, discorda de Burckardt em um ponto central: há
realmente uma fratura radical entre Idade Média e Renascimento? A resposta de Holanda é
negativa. O autor brasileiro endossa o apagamento dos prismas laicos e racionais da
Renascença e sua herança na antigüidade, acolhendo as interpretações medievalizantes,
acentuando aspectos religiosos e tradicionalistas. A visão do paraíso – principal
responsável, segundo Holanda, pela grande ênfase atribuída na época do Renascimento à
natureza como norma dos padrões estéticos, dos padres éticos e morais, do comportamento
dos homens, de sua organização social e política – representa alguns destes aspectos. Os
colonizadores castelhanos e portugueses do século XVI mantinham o modo analógico, que
dominava de forma absoluta durante o medievo e que se prolongava em muitos pensadores
reconhecidos do Renascimento96.
Sergio Buarque de Holanda posicionava os viajantes castelhanos e portugueses do
quinhentos diante de um mesmo desafio: narrar o Novo Mundo. O autor busca salientar o
quão importante seriam os mitos de paraíso terreal neste empreendimento narrativo em que
mergulhavam os viajantes no período dos descobrimentos. Chama-nos a atenção a forma
inovadora através da qual Sergio Buarque de Holanda coteja as crônicas de viagem. Ele
considera como representações – termo que Chartier pôs na ordem do dia ao situar a
95 HOLANDA, Sergio Buarque. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo : Editora Brasiliense, 2000. p.X.96 Sergio Buarque acreditava, assim, que um absoluto divisor de águas não poderia ser mantido enrte os dois períodos.
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história cultural “entre práticas e representações”97 – os relatos produzidos por navegantes
e viajantes do século XVI a respeito das novas terras encontradas na América. As crônicas
de viagem não são consideradas, portanto, fragmentos de um passado a ser reconstruído,
mas sim documentos escritos em que se expõem significados (que nos remete ao atual
“império do sentido” nas ciências humanas, reconhecido por François Dosse98) produzidos
pelos navegantes em questão. Somente assim poderia o autor vislumbrar a história do
imaginário edênico como uma viagem, podendo traçar, então, sua biografia. Sergio
Buarque de Holanda concebe as idéias de maneira dinâmica. Elas viajam, de pessoa a
pessoa, de uma situação a outra, de um período para outro. Nas palavras do autor:
Ora, assim como essas idéias se movem no espaço, há de acontecer que também viajem no tempo, e porventura mais depressa do que os suportes, passando a reagir sobre condições diferentes que venham a encontrar ao longo do caminho (...) O tema deste livro (Visão do Paraíso) é a biografia de uma dessas idéias migratórias, tal como se desenvolveu a partir das origens religiosas ou míticas, até vir implementar-se no espaço latino-americano, mormente no Brasil99.
Portanto, o autor apontava para a imensa importância de se levar em consideração
os movimentos realizados pelas idéias e teorias de um lugar para outro pelas ciências
humanas.
Para atingir o objetivo de sua pesquisa, Holanda aproveitou-se da noção de
“tópica”, tal como fora alicerçada pela obra de Curtius, Literatura Européia e Idade Média
Latina de 1948. O estudo da tópica foi a ferramenta utilizada por Sergio Buarque para
articular sua imensa erudição e convertê-la em instrumento interpretativo do universo
mental dos colonizadores ibéricos. Os topoi eram para Curtius os “restos e migalhas”
herdados da retórica antiga pela Idade Média. Para Sergio Buarque, os topoi constituiriam
os motivos edênicos, onde se criava uma espécie de cenário ideal a partir de ruínas de
experiências, mitologias ou nostalgias ancestrais. Para o autor brasileiro, a tópica das
visões do paraíso, que haviam sido inauguradas no século IV atingiriam uma longevidade
de séculos sem sofrer grandes mudanças. A partir da tópica Sergio Buarque conseguiu
mapear as configurações mentais que os homens do século XVI tinham em relação à idéia
de paraíso terrestre; observando a ressonância que estes mitos edênicos atingiriam na
representação do Novo Mundo produzida pelos cronistas e navegantes.
97 CHARTIER, Roger. A História Cultura: entre praticas e representações. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1990.98 DOSSE, François. O Império do Sentido: humanização das ciências humanas. São Paulo : EDUSC, 2003.99 HOLANDA, Sergio Buarque. Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo : Editora Brasiliense, 2000. p. XIX. Acréscimo meu.
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Outro aspecto que chama a atenção dos historiadores contemporâneos: a minuciosa
interpretação crítica das fontes operada habilmente pelo autor. Há se apontou
anteriormente a atual valorização do historiador que visa perseguir com máxima fidelidade
seus personagens históricos. É exatamente o que Sergio Buarque faz com seu
“personagem”: os mitos edênicos. Há uma verdadeira obsessão no autor que o impele a
descrição de cada detalhe, de cada ingrediente dos mitos que encontra na literatura
produzida sobre o Novo Mundo. Nada lhe parece irrelevante. Nesse sentido, a exaustiva
analise da simbologia da serpente do capitulo “Visão do Paraíso” da obra homônima
constitui exemplo ilustrativo.
O horizonte comparatista de Visão do Paraíso é outro aspecto que muito
impressiona nos dias de hoje. Ancorado na comparação, Buarque de Holanda realçou as
diferenças entre conquistadores castelhanos e portugueses no que diz respeito ao modo
como eles deram significado às terras recém descobertas. A comparação luso-castelhana já
se ensaiava desde o capítulo “O semeador e o ladrilhador” de Raízes do Brasil, que
apontava diferenças entre o estilo civilizador do espanhol (sonhando em fazer da América
uma Nova Espanha/Granada) e o estilo feitoral português (sempre nostálgico do reino).
Apesar das diversas semelhanças que estes possuíam, Sergio Buarque notava o enorme
contraste entre os relatos sóbrios dos cronistas portugueses e as fantasias e delírios em
torno da natureza descoberta tão bem desenhada pelos castelhanos. Para os últimos, fatores
como a amenidade das condições climáticas, abundancia de recursos naturais e a
inexistência de doenças seriam fortes indicativos de que ali, na América, se encontrava o
Paraíso. Os portugueses, em contrapartida, pareciam preferir descrições mais límpidas e
limitadas ao campo do visível, muito provavelmente em função das experiências
adquiridas nas navegações e negociações pela costa do continente africano desde meados
do século XV. Sergio Buarque de Holanda aponta que a maior parte dos mitos edênicos
difundidos durante a conquista ibérica foram criações castelhanas. O único mito que, por
exceção, começou a ganhar crédito entre os portugueses, passado posteriormente aos
castelhanos do Paraguai e Peru, foi o de “Sumé”100.
Em suma, o fecundo comparatismo do autor chama a atenção por não se deixar
levar por teorias e métodos gerais, por não esquecer a prudência e das exigências de
historicidade necessárias à reflexão histórica. Visão do Paraíso continua hoje em dia,
100 Crença na existência de pegadas que atestariam a passagem de São Tomé pela América portuguesa, estudado minuciosamente por Sergio Buarque no capítulo “Um mito luso-brasileiro” de Visão do Paraíso.
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talvez mais do que nunca, uma leitura de fundamental importância para a historiografia
brasileira.
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______________. História e ciências sociais. São Paulo : EDUSC, 2003.
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FREITAS, Marcos Cezar (org.) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo : Editora Contexto, 1998.
HOLANDA, Sergio Buarque. Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo : Editora Brasiliense, 2000.
_______________________. Raízes do Brasil. São Paulo : Companhia das Letras, 2005.
_______________________. Caminhos e Fronteiras. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1975.
JENKIS, Keith. A história repensada. São Paulo : Editora Contexto, 2009.
MALERBA, Jurandir. (org.) A velha história. Campinas : Papirus, 1996.
MALERBA, Jurandir, ROJAS, Carlos Aguirre (orgs.) Historiografia contemporânea em perspectiva crítica. São Paulo : EDUSC, 2007.
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Diálogos de História Econômica e Social
Uma Muy Honrosa Patente Militar: os mestres de campo nas Minas Colonial (1714 –
1803)
Gabriela Duque Dias*
“Nenhum reino, ou república, floresceu sem milícia, pois ela é a que os estabelece e conserva”101.
No Brasil, os estudos sobre história militar no período colonial têm se mostrado
reduzidos102. Aqueles que tiveram como centro de investigação a composição social do
corpo dos oficiais e soldados103 e a hierarquia militar das tropas são ainda mais escassos.
Até o momento, os estudos que se debruçaram sobre o tema tiveram como foco principal a
análise dos aspectos institucionais das forças militares do período104. Cabe ressaltar, que
embora esses estudos tenham ganhado novo fôlego nos últimos anos com a chamada
“Nova História Militar105”, a preocupação com os oficiais militares no período colonial
ainda continua reduzida, principalmente sua relação com a história social, uma das
preocupações desta corrente.
Assim, visando preencher esta lacuna historiográfica este trabalho tem por objetivo
o estudo dos mestres de campo na sociedade mineira colonial. A partir de um levantamento
realizado na documentação avulsa do AHU relativa à capitania de Minas Gerais foram * Graduanda do curso de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Este trabalho apresenta uma pequena parte das pesquisas necessárias ao desenvolvimento de minha monografia.101 Sebastião Pacheco Varela. Número vocal, exemplar, catholico e político, 1702.Apud.: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos das Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735 – 1777). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Rio de Janeiro: 2006. Dissertação de Mestrado.102 MELLO, Christiane Figueiredo Pagano. A guerra e o pacto: a política de intensa militar nas Minas Gerais. In: Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. Pg. 67.103VANDERLEI, Kalina S. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura da cidade do Recife, 2001.104 A nível de ilustração podemos citar os seguintes trabalhos: FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, Christiane Figueiredo Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII – As capitanias do Rio de janeiro, São Paulo e Minas Gerais e a manutenção do Império Português no Centro-Sul da América; SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do ouro; ANASTASIA, Carla. Vassalos e rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII.105 Este termo é caracterizado pela interação entre as forças militares e a sociedade. Significa relacionar a preparação para a guerra a aspectos da economia, da política e da cultura em que este oficiais estavam imersos. Sobre este assunto ver: CASTRO, Celso, IZECKSOHN, Vitor e KRAAY, Hendrik (orgs.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2004. HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História Militar de Portugal. Vol. II – séculos XVI-XVII. Lisboa: círculo de leitores: 2003.
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encontrados 27 homens cuja patente era de mestre de campo localizados entre os anos de
1714 a 1803, atuando em diversas localidades do território mineiro como Ribeirão do
Carmo, Ouro Preto, Vila de Pitangui, Vila Nova da Rainha e Rio das Mortes, e nos
diferentes corpos militares, como as ordenanças, milícias e tropas pagas. Portanto, o
trabalho que aqui se acortina mostra-se inovador no sentido de abordar uma temática ainda
pouco conhecida pela historiografia sobre o período colonial.
A organização dos Estados Modernos na Europa se assentou na fiscalidade e na
guerra e, portanto, no esforço de constituição de um exército em escala nacional106. Em
Portugal, a preocupação com a organização de um “exército do Estado”, remonta o século
XVI, quando se dá a formação de todas as tropas responsáveis pela defesa do território,
sem, contudo, fazer de Portugal uma potência militar107.
A estrutura militar lusitana fica então assim organizada108: Corpos Regulares (tropas
pagas ou de primeira linha), Corpos irregulares (ordenanças), e o Corpo Auxiliar
(milícias). Os Copos Regulares, ou tropas de primeira linha, criados em 1640 em Portugal,
correspondia ao “exército do estado,” eram formados por oficiais pagos, sendo por isso a
única força militar que recebia soldos da Fazenda Real. Organizada em terços e
companhias seus postos eram ocupados por fidalgos de nomeação real, sendo cada um dos
terços comandados por um mestre de campo general.109 Seus membros estavam sujeitos a
regulamentos disciplinares110 sendo homens, portanto, que se dedicavam exclusivamente a
atividades militares, devendo estar “sempre em armas, exercitados e disciplinados111”.
Já as tropas auxiliares eram divididas em milícias e ordenanças. As milícias, criadas
em 1641, era de serviço obrigatório e não remunerado para os civis e serviam de apoio às
tropas de primeira linha. Tinham um caráter territorial móvel, podendo se deslocar de sua
106 RODRIGUES, José Damião. “A guerra no Açores”. In: HESPANHA, Antônio Manuel (Org). Nova História Militar de Portugal. Vol. II – séculos XVI-XVIII. Lisboa: Círculo de leitores. 2003. P.245107 HESPANHA, Antônio M. Conclusão. In: HESPANHA, Antônio Manuel (Org). Nova História Militar de |Portugal. Op. Cit., p.361-362.108 A respeito da organização das tropas ver: PEREIRA, C. Ana Paula. Atuação de poderes locais no Império lusitano. Op. Cit. P. 17-20 e SILVA, Kalina Vanderlei, O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial. Ver Também: SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1985109 Uma questão a ser levantada diz respeito as diferentes denominações com que esta patente aparece nos documentos consultados até aqui para Minas. Por exemplo, existem caracterizações como, mestre de campo general, tenente de mestre de campo ou ainda tenente de mestre de campo general. No livro, Fiscais e Meirinhos encontrei a informação de que mestre de campo general seria um oficial de patente inferior a de general e capaz de substituí – lo na ausência dele, e também eram homens que atuavam nas províncias. Afirmação que contrapôs minha hipótese inicial de que estas denominações poderiam ser referentes a um acúmulo de patentes. Cabe por isso analisar melhor estas diferentes denominações.110 PEREIRA, C. Ana Paula. Atuação de poderes locais no Império lusitano. Op. Cit. P. 17-20.111COTTA, Francis A. No rastro dos Dragões: universo militar luso – brasileiro e as políticas de ordem nas Minas setecentistas. Belo Horizonte: UFMG. Tese de doutorado
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base territorial (ao contrário das ordenanças) para prestar auxílio. Era formada por homens
aptos ao serviço militar já que eram “treinados” e mobilizados em caso de necessidade
bélica e, portanto não estavam totalmente ligados as atividades militares como ocorria nas
tropas pagas. Também estava organizada em terços, recrutados entre a população local e
alistado em categorias: brancos, negros e pardos. Constituída em sua maioria por
lavradores, filhos de viúva, e homens casados112. Eram comandados por oficiais oriundos
do exército regular, e, portanto por um mestre de campo e sargento-mor. Sua hierarquia
ficava então organizada: mestre de campo, coronéis, sargentos mores, tenentes coronéis,
capitães, tenentes, furriéis, cabos – de –esquadra, porta – estandartes e tambor. Deve-se
observar que o título de mestre de campo era atribuído ao comandante do terço da
infantaria, enquanto o título de coronel era atribuído ao comandante do terço da
cavalaria113. Resta-nos investigar se as funções exercidas por eles seriam as mesmas.
Para completar a organização militar estariam os corpos das ordenanças criadas em
1549 para auxiliar na defesa do território. Seus membros eram recrutados entre a própria
população local masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas
duas primeiras forças. Tinham um forte caráter local e procuravam realizar um arrolamento
de toda a população para as situações de necessidade militar.114 Deveriam ter seus próprios
equipamentos militares, permaneciam em seus serviços particulares e somente em caso de
perturbação da ordem pública abandonavam suas atividades. Eram conhecidos como
“paisanos armados”, denominação que mostra a qualidade dos integrantes das ordenanças,
ou seja, um grupo de homens que não possuía instrução militar sistemática, mas que, de
forma paradoxal, eram utilizados em missões de caráter militar e em atividades de controle
interno115. Os oficias da mais alta mais patente eram: capitão mor, sargento mor, capitão,
seguidos dos oficiais inferiores que eram os alferes, sargentos, furriéis, cabos de esquadra,
porta estandartes e tambor.
Portanto pode-se concluir que em Portugal, o posto de mestre de campo
correspondia a mais alta patente nas tropas pagas e nas milícias, nestas últimas como chefe
da infantaria. Era também um cargo de enorme importância uma vez que seus ocupantes
112 SALGADO, Graça. (ORG) Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1985.113 PEREIRA, C. Ana Paula. Op. Cit. Pg. 18. Ver Também: FILHO, Jorge da Cunha Pereira. “Tropas militares lusos – brasileiras nos séculos XVIII e XIX. In: Boletim do Projeto “pesquisas genealógica sobre as origens da Família Cunha Pereira. Ano 03, nº12, 1998.114 PEREIRA, C. Ana Paula. Op. Cit. pag. 19.115 Idem, Pag. 18-19.
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eram indicados por nomeação real (no caso das tropas pagas) e sem dúvida eram
reconhecidos como homens de grande prestígio dentro da sociedade.
No Brasil, especificamente em Minas Gerais a estrutura militar seguiu os mesmos
moldes de Portugal, sendo a estruturação de suas tropas da mesma maneira que no Reino.
É importante destacar que os Alvarás e Regimentos responsáveis pela organização militar
valiam tanto para Portugal como para o Brasil e por isso qualquer alteração feita servia
para os dois. No caso de Minas Gerais o estabelecimento destas tropas era de fundamental
importância para a manutenção da ordem e do próprio Império. Era um território marcado
por grandes impasses colocados a administração, levando a Coroa a buscar vias seguras
para controlar as revoltas, estabelecer a cobrança do quinto, as casas de fundição, além da
de uma constante fiscalização para impedir o contrabando. Era necessário por em
funcionamento toda uma estrutura administrativa e fiscal para o recolhimento de tributos e
controle da região produtora e de todos os conflitos e dilemas que enfrentou116. Nesse
aspecto, como nos aponta Ana Paula Pereira Costa, os militares constituíam em fortes
colaboradores, pois ao disporem de mobilidade, possuíam um vasto conhecimento do
território, “dois fatores indispensáveis a conservação da ordem e manutenção da
tranqüilidade pública.117”
Foi no final de 1709, com a criação da capitania de São Paulo e Minas do Ouro e
com a nomeação do seu primeiro governador, Antônio de Albuquerque Coelho de
Carvalho que se instituíram, por carta régia, as ordenanças e milícias. Porém as tropas
pagas só entrariam em funcionamento anos mais tarde no governo de Pedro de Almeida e
Albuquerque, o Conde de Assuma e ficaram conhecidas conhecidas como Companhia dos
Dragões118, sendo seus postos ocupados por homens geralmente vindos de Portugal119. As
ordenanças eram as forças militares que mais envolviam a participação dos súditos, sendo
consideradas segundo Raymundo Faoro “a espinha dorsal” da colônia, instrumento de
ordem e disciplina.120”
Já no que diz respeito aos mestres de campo ainda há muito a ser investigado,
especialmente porque há especificidades do caso mineiro referente à atuação destes
homens e ao alcance dessa patente que carecem de um estudo mais detalhado. Um dos 116 CAMPOS, Maria Verônica. Governo de Mineiros: “de como meter as minas em uma moenda e beber-lhe o caldo dourado” 1693 a 1737. Tese de doutorado. USP, 2002.117 PEREIRA, C. Ana Paula. Op. Cit. P.43118 A respeito deste tema, ver: COTTA, Francis A. Op.Cit.119 Com a administração pombalina (1750-1777) que a ocupação dos cargos passa a ser estendida também aos habitantes da América. Ver: A respeito deste tema, ver: COTTA, Francis A.. Op.Cit.120 FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 1. Rio de Janeiro: Globo, 1989.
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exemplos mais emblemáticos pode nos ser dado a partir de um parecer do Conselho
Ultramarino que dada 19 de Agosto de 1738, onde se afirma que: para prover o cargo
“necessita de um ofício militar em quem concorram a circunstância de valor e
capacidade, pode pela graduação de sua patente, na falta do governador recai nele o
governo das Minas121”. Aqui encontramos dois pontos a serem destacados. O primeiro é
que a ocupação do cargo exigia do indivíduo uma trajetória militar anterior, embora ainda
seja necessário analisar o percurso percorrido até a ocupação da dita patente. O segundo
ponto e mais importante é a sua relação com um dos cargos mais importantes da
administração colonial, o de governador. Em uma região marcada por constantes ausências
e trocas de governadores a possibilidade de substituí-lo parece intrigante. Os governadores
eram homens que garantiam a tomada de decisões rápidas em situações emergenciais na
colônia sem a consulta aos órgãos da estrutura administrativa central portuguesa. Era
necessário também que o governador tivesse competência e capacidade para enquadrar e
controlar as redes de relacionamento locais tecidas pela elite local, potenciais concorrentes
da centralização régia, para isso valia-se dos conflitos, do prêmio e do castigo na dose
certa122. Eram, portanto, como nos aponta Stuart Schwarctz, defensores da autoridade
régia, aplicadores da justiça do Rei, mas estavam também envolvidos nas redes de
poderosos locais, com interesses econômicos e vínculos de clientelas nos locais onde
desempenhavam suas funções123. O mestre de campo João Ferreira Tavares de Gouveia
substituiu o governador por volta de 1732: “por três ou quatro vezes diferentes sempre o
fez com toda a prudência e acerto, sem que nunca obraste coisa que lhe estranhassem. Foi
a pouco tempo a pedido do seu Governador a correr vários distritos e comarcas deste
governo das Minas a dar em todas ordens e fazer práticas para que reevitassem os
descaminhos do ouro dos reais quintos.” 124
Outra característica pode nos ser dada a partir das informações contidas no
relatório do Marquês de Lavradio, Vice Rei do Estado do Brasil. Para escreve - lo Lavradio
usou várias vezes informações passadas por mestres de campo, a respeito, por exemplo, da
qualidade das embarcações e portos, o número de rios, número dos terços que continha a
cidade do Rio de Janeiro, entre outros. Sua atuação, portanto, ultrapassava a esfera militar.
Os mestres de campo eram, portanto, homens que tinham um vasto conhecimento do
121 AHU, MG, Avulsos, CX.36, Doc.31. Parecer do Conselho Ultramarino. Grifo meu.122 CAMPOS, Maria Verônica. Op.cit. pag. 17123 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil Colonial. A Suprema Corte da Bahia e seus juízes;1609-1751. São Paulo: Perspectiva,1979.124 AHU, MG, Avulsos, CX.21, Doc.35
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território, e mais do que isso, amplas redes de relacionamento e grande legitimidade social.
Desse modo usavam o cargo para aplicar a governabilidade da Coroa Portuguesa na região,
atuavam na defesa interna mais ao mesmo tempo estavam imersos em interesses comuns
aos grupos em que estavam envolvidos.
A ocupação desses cargos deveria ser direcionada aos Homens Bons, aos principais
da terra. Isso porque no Ultramar o critério para se chegar ao topo da hierarquia militar
eram os serviços prestados a Monarquia, ao contrário do Reino cujo critério era o
nascimento125. Em retribuição aos serviços prestados, o Rei agraciava esses homens com
patentes militares, abrindo mão de uma formação específica em Academias Militares, algo
de pouca importância para a ascensão dos oficias a postos de maior prestígio126, exceto,
como já analisado, na segunda metade do século XVIII, em que esta preocupação se torna
primordial. Porém para o Brasil, e sobretudo para Minas Gerais é necessário avaliar com
maior atenção esta noção de “nobreza da terra” 127, termo que nos últimos anos foi se
consolidando pela historiografia brasileira como sinônimo de indivíduos agraciados com as
mercês régias pelos serviços prestados ao Rei. Segunda as palavras Maria Beatriz Nizza da
Silva: “A nobreza civil ou política resultava, na Colônia como na Metrópole, das
dignidades eclesiásticas, dos postos da tropa auxiliar, dos cargos da república, ou seja,
125 GONÇALO, Nuno. Elites locais e mobilidade social em Portugal nos finais do Antigo Regime. In: Elites e Poder: Entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2007.126 A preocupação com uma formação dos oficiais em Academias especializadas só foi motivo de preocupação na segunda metade do século XVIII, com as transformações trazidas pelo Marquês de Pombal, visando centralizar a administração Pombal promoveu uma serie de mudanças política- administrativa que se refletiram também nas estruturas militares. O objetivo maior de tais reformas era a consolidação e estabelecimento da autoridade da Coroa a partir da subordinação e obediência de todos os seus súditos sobre uma ampla concepção no papel das forças militares. Visou instituir uma pedagogia militar capaz não só introduzir técnicas e atividades de guerra e combate mas também estabelecer uma educação capaz de formar disciplina e ordem acordes os novos interesses e a nova fundamentação teórica do poder do Estado, ou seja, formar súditos do Rei. Nesse contexto foi criada a Escola Militar ou dos Nobres, e foi convocado o conde alemão de Lippe- Schaumburg cuja missão era promover a modernização do exército português. No Brasil esta tarefa foi atribuída ao tenente general austríaco João Henrique Böhm. Ver: MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII: as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a manutenção do Império Português no centro-sul da América. Niterói: UFF, 2002. Tese de doutorado. 127 Há um debate sobre a aplicabilidade ou não deste conceito para Minas. Laura de Mello e Souza em seu livro O sol e a sombra afirma que este conceito não pode ser aplicado para caracterizar os homens que ocupavam cargos seja na administração ou no exército. Para ela, faltava “a nobreza e a estirpe dos agentes do poder” por serem homens rudes, da pior estirpe, sem qualidade e sem cabedal, cujo único objetivo era o enriquecimento. É Carla Maria Carvalho de Almeida em artigo intitulado Vivendo a lei da nobreza nas Minas Setecentistas que contesta as proposições de Laura. Para a autora, os habitantes das Minas eram sim homens rudes mais que para além da busca do enriquecimento visavam alcançar a condição de nobreza vigente no Império Português, através de qualificações e títulos que pudessem os alçar nessa condição. Sobre este assunto ver: SOUZA, Laura de Mello. O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. Ver capítulo 4. ALMEIDA, Carla Maria Carvalho. Vivendo à lei da nobreza nas Minas Setecentistas: uma discussão sobre estatuto social na América Portuguesa. Anais do II encontro memorial do Instituto de Ciências Humanas e Sociais: nossas letras na história da educação. Mariana: Editora da Universidade de Ouro Preto, 2009.
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camarários, dos graus acadêmicos e, depois da legislação josefina, do grande comércio
transatlântico”128.
Para o estudo em questão, por exemplo, a ocupação destes cargos foi marcada pela
presença de homens importantes para o cenário mineiro como Manuel Fonseca de
Azevedo, Cavaleiro da Ordem de Cristo que atuou como mestre de campo do terço das
ordenanças na Comarca de Ouro Preto no ano de 1726 129, mas também por homens como
Francisco Alexandrino, homem Pardo, mestre de campo do terço auxiliar no termo de Vila
Rica no ano de 1770. A presença destes homens ilustra bem quão diversa era a ocupação
destes cargos, o quanto a noção de nobreza da terra pode abarcar homens de tão distintas
qualidades e procedências e como a lógica colonial era dinâmica.
Outra característica destes oficiais e que os diferencia dos militares do reino é a sua
presença em todos os corpos militares existentes em Minas, e não só nas tropas pagas e
milícias. Há registros de mestres de campo atuando também nas ordenanças, o que
contradiz a hierarquia proposta pela literatura existente, que não faz menção à presença
destes homens dentro destas tropas tanto para o Brasil como para Portugal. Isso é o que nos
indica Antônio Ramos dos Reis, homem rico, Cavaleiro da Ordem de Cristo residente na
comarca de Vila Rica e que ocupou o cargo de mestre de campo no ano de 1732 130, ou
ainda David Borges da Cunha, mestre de campo do terço das ordenanças de Vila Nova da
Rainha do ano de 1733 131. Portanto é para responder a muitos destes questionamentos que
a pesquisa delineada se faz necessária.
Para Maria Fernanda Bicalho uma das chaves explicativas da relação entre
metrópole e colônia foi a guerra, pois ela fundamentou a lógica do sistema colonial132, uma
vez que foram “os súditos coloniais os responsáveis pelos altos custos da manutenção do
Império e recaia sobre suas rendas ou sobre as rendas arrecadadas pelas câmaras a
obrigatoriedade do fardamento, sustento e pagamento das tropas e guarnições, bem como
o reparo de fortalezas e a manutenção das armadas em situações especiais ou em
momentos de ameaça concreta”.133 Algo que se reforça dada a importância que a guerra
128 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005. Pg.20-21.129 AHU, MG, Avulsos, CX.8, Doc.17. 130 AHU, MG, Avulsos, CX 20, Doc.48. Sobre o mesmo Antônio Ramos dos Reis é importante destacar que no ano de 1740 ele ocupa o posto de capitão – mor das Ordenanças, na mesma comarca, ficando no cargo ate 1761. Fato curioso, pois a literatura proposta não indica a presença desta patente dentro das Ordenanças, como já foi dito anteriormente. Sobre este assunto ver: COSTA, Ana Paula Pereira. Atuação de poderes locais no Império Lusitano. Op. Cit. Pg 19 e 51.131 AHU, MG, Avulsos, CX.25, Doc.17. 132 BICALHO. Maria Fernanda. A Cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.133 BICALHO. Maria Fernanda. A Cidade e o Império. Op. Cit
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assumiu para formação dos estados modernos, e pela preocupação da Coroa desde o início
da colonização em transformar cada colono em um homem de guerra. 134 Assim, foram os
serviços prestados ao Rei a fonte de prestígio e status social das elites coloniais e nesse
sentido a ocupação de cargos militares assumia um papel de destaque. Diante dessa lógica
de uma sociedade de Antigo Regime, movida pelo status social, a ocupação desses cargos
representava um diferencial significativo aos homens que o ocupavam. Os serviços
prestados ao Rei serviriam como moeda de troca, na busca incessante desses homens por
diferenciação social.
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A Formação Industrial de Petrópolis
Pedro Paulo Aiello Mesquita∗
Introdução
A tendência turística de Petrópolis talvez seja aquela que mais se destaca, até
mesmo em função de seu passado como vilegiatura imperial que criou, desde seus
primórdios, uma vocação de veraneio, de cidade jardim, palco europeu nos trópicos onde
se viveria na amenidade do clima tropical trazida pela altura das montanhas135.
Por dentro dessa tendência historicamente construída há uma história industrial, um
passado em larga medida voltado para muito além das tendências de cidade veraneio.
Repousa nessa outra vocação, a qual se chama vocação industrial, um importante ponto
para o entendimento do crescimento econômico e da dinâmica populacional do município.
A vocação industrial petropolitana
Afirma o francês Philippe Arbos:
(...) certas vantagens fazem Petrópolis uma colônia do Rio, fazem-na igualmente, uma colônia industrial. Como cidade de veraneio não teria passado de proporções modestas e continuaria limitada a atividade essencialmente periódica que tornava outrora o inverno um período de “pavor para o comércio”. Como cidade industrial, ela fixou uma população permanente e fortemente acrescida que a mantém durante o ano todo em movimento e em atividade.136
Arbos em seu estudo, feito em 1937, apresenta a industrialização da cidade como
fator de peso para o crescimento populacional, sem que, no entanto, tal crescimento
proporcionado pela industrialização entrasse em choque com a natureza exuberante de Mestrando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)135 A respeito da ideia de vilegiatura Júlio César G. Ambrósio argumenta que vilegiatura pode ser conceituada de forma diferente em relação à ideia de turismo. Para o autor, vilegiatura é uma velha contraparente do turismo, é uma prática renascentista para a permanência no campo ou lugar mais sossegado que as cidades, nessas vilegiaturas a aristocracia passava então as estações calmosas. Já o turismo significa uma prática mais moderna, advinda do Estado Burguês quando os Estados altamente industrializados no século XIX incorporaram os trabalhadores como sócios menores nos benefícios do mundo da produtividade do trabalho, gerando salários maiores e menos tempo de trabalho, o que leva aos trabalhadores ao turismo, variante do vocábulo inglês tour onde a ida para outras regiões é feita por pouco tempo, de maneira não freqüente e, evidentemente, por um público não aristocrático. AMBROZIO, J. C. G. O Presente e o Passado no Processo Urbano da Cidade de Petrópolis (uma história territorial) Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008136 ARBOS, P. Petrópolis. Esboço de Geografia Urbana.Trabalhos de Comissão. Volume VI. Petrópolis. Prefeitura Municipal de Petrópolis: 1943,PP 217.
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úmida mata atlântica na qual vaga o ruço serrano levando o frio e a garoa presente com
tanta frequência no cotidiano dos habitantes da região. O autor, que por sua época é
marcado por certo tradicionalismo, não via os impactos ambientais e a apropriação de
largos recursos naturais na consolidação dos empreendimentos fabris, mas é enfático em
perceber a vocação industrial da cidade, em vê-la para além dos campos europeus
fabricados pela vocação real em plena Serra do Mar.
Passados sete anos da publicação da obra de Arbos, em 1950, Alberto Ribeiro
Lamego traz um novo estudo a respeito da vocação industrial de Petrópolis. Trata-se do
livro “O Homem e a Serra”137 O autor enfatiza o papel dos agentes sociais vindos da
Baixada Fluminense, incluindo a cidade do Rio de Janeiro, na ocupação e civilização das
terras petropolitanas. O autor situa os personagens da Baixada que rumaram serra acima,
assim como paulistas e mineiros que seguiram o mesmo rumo. O que chama mais a
atenção no estudo de Lamego é a relação que se faz entre o crescimento das plantações de
café, a expansão fluminense e o desdobramento que tal crescimento teve na formação de
Petrópolis uma vez que inúmeros agentes daquelas regiões migraram para a cidade serrana
que, por sua vez, não se valia para a plantação da rubiácea. Não houve em Petrópolis
grandes barões de café e estruturas rurais como em outros locais do Rio de Janeiro da
época, tais como Resende ou Itaperuna, basicamente em função das escarpas íngremes e a
estreiteza dos vales em Petrópolis.
Daí a cidade serrana veio a desenvolver atividades fabris vindas de capitais da
cidade do Rio de Janeiro o que, por sua vez, causava a dependência frente àqueles agentes
vindos da Baixada, era como se o centro econômico estivesse na cidade do Rio de Janeiro.
Formaram-se assim dois públicos; a nobreza citadina da vocação de vilegiatura e os
trabalhadores, muitos dos quais vindos da Baixada Fluminense, mas também de Minas
Gerais e São Paulo. Para Francisco de Vasconcelos essa atração de trabalhadores vindos de
outros lugares para Petrópolis gerou o problemas relacionados às habitações populares:
Portanto, há cento e onze anos [o autor escreve em 2008] Petrópolis já atraia mão de obra, qualificada ou não para a construção de prédios rústicos ou urbanos, o que vale dizer que o problema da habitação popular caminhava paralelamente ao fluxo migratório, sem que se buscasse uma solução plausível em prazo curto para minimizá-lo. O agravamento da crise seria inevitável, não só por causa do crescimento vegetativo da população de baixa renda, mas também em função dos chamarizes de mão de obra alóctone advindos do crescente parque industrial petropolitano.138
137 LAMEGO, A. R. O Homem e a Serra. IBGE, setores da evolução fluminense. Rio de Janeiro:1950138 VASCONCELOS, Francisco de. Petrópolis do Embrião ao Aborto Petrópolis: ParkGraf editora. 2008
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É então que Cezar de Magalhães, em seu artigo intitulado “A Função Industrial de
Petrópolis”139 trata com ênfase a questão industrial na cidade. O autor analisa os aspectos
locais que proporcionaram a implantação do trabalho fabril tais como transportes, recursos
hidráulicos, clima, mão-de-obra, entre outros. O clima serrano, úmido e frio, também é
enfatizado pelo autor como contribuição à indústria têxtil ao deixar os fios menos
quebradiços. O autor também considera a proximidade com o Rio de Janeiro fator de
extrema importância para o crescimento industrial, situando naquela cidade o ponto
principal dos investimentos.
A relação entre a colonização germânica de Petrópolis e o trabalho industrial é bem
explicada no trabalho de Ismênia Martins. A partir do texto se percebe que os germânicos
trabalhavam, sobretudo, em pequenas oficinas de fundo de quintal nas quais produziam
manteiga, leite ou montavam carroças, entre outras atividades. O que acontece é que não
está aí o início da industrialização petropolitana O que se percebe em Martins é uma lógica
na qual a industrialização da cidade foi possibilitada pela:
Facilidade de comunicações, além da proximidade com o Rio de Janeiro. Além da União e Indústria, é concluída, no final do século, em 1883 a Estrada de Ferro do príncipe do Grão Pará, ligando à capital em duas horas, dispensando o trecho marítimo. Em 1928, inaugurou-se a Rio-Petrópolis, a primeira rodovia pavimentada do Brasil, ampliando ainda mais as facilidades de comunicação140.
Além dessa proximidade, cita-se a topografia petropolitana, que ainda na
explicação de Martins, possui inúmeros rios que auxiliam na energia hidráulica e, portanto,
na instalação dos empreendimentos fabris. Logo, o capital vindo da cidade do Rio de
Janeiro é novamente apontado como o propulsor da industrialização em Petrópolis.
Segundo a autora, apenas uma fábrica na cidade, a Fábrica Dona Isabel, fora formada com
capitais petropolitanos, sendo as demais formadas por investimentos vindos do Rio de
Janeiro. O anúncio a seguir141 foi publicado em 1898 no “O Commercio”, jornal
petropolitano, que mostra a integração comercial que também havia entre Petrópolis e Rio
de Janeiro nessa época.
139 CEZAR DE MAGALHÃES. A Função Industrial de Petrópolis. Revista Brasileira de Geografia. IBGE. Ano XVIII. Janeiro-março. 1966. P. 20-55140 MARTINS, Ismênia de Lima. Subsídios para a História da Industrialização em Petrópolis. Petrópolis: Universidade Católica de Petrópolis: 1978. P. 14141 O Commercio. N.I. ano I 1898. Fundação Nacional Pró-Memória. Biblioteca Nacional. Plano Nacional de Microfilmagem de periódicos brasileiros. Petrópolis – Rio de Janeiro: jornais diversos – 1880 – 1898.Microfilmado em setembro de 1988.
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Neste anúncio da Sul América Seguros, com endereço na cidade do Rio de Janeiro,
percebe-se que havia uma rede comercial bem comum entre Petrópolis e Rio de Janeiro,
isso ilustraria uma das razões para a industrialização da cidade. É emblemático disso que
não bastava simplesmente estar próximo da capital para obter crescimento. Era necessário,
ainda segundo Martins, perceber que o “nexo econômico e social que iria operar entre o
porto do Rio de Janeiro e aquela cidade serrana142ӎ que possibilitava o implemento do
processo de trabalho industrial e crescimento. A esse respeito, as Vilas de Estrela e Magé
estavam em franca decadência, a despeito de estarem bem mais próximas da capital do que
Petrópolis.
Percebe-se assim a industrialização em Petrópolis. Região montesa, fundada em
1843 como vilegiatura imperial e que logo alcançou autonomia política ao atingir categoria
de cidade em 1857. Contudo, na vocação industrial a que se prestou, não obteve autonomia
econômica, sendo extremamente dependente dos fluxos de capitais ligados ao Rio de
Janeiro.
Petrópolis vilegiatura tinha o ar aristocrático necessário aos finos pulmões da Corte
e dos elementos que gravitavam ao seu redor. Versalhes tropical de clima ameno e bom
passadio para repouso da elite. Por trás desse cenário nascia a indústria de tecelagem e
fiação do algodão num arremedo revestido de progresso; primeiro a Renânia, que mais
tarde irá se chamar São Pedro de Alcântara, em 1873. No mesmo ano, a Companhia
Petropolitana de Tecidos, que irá atingir ainda no século XIX enormes proporções,
142 MARTINS, Ismênia de Lima. Op. Cit. p; 5
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chegando mesmo a ser referência em âmbito nacional. Em 1889 é fundada a Fábrica Dona
Isabel.143
Júlio Ambrósio144 defende que se tem nessas primeiras fábricas a formação de uma
periferia a poucos quilômetros do palácio imperial, o ambiente da nascitura classe operária
que podia sentir também em seus pulmões os ares aristocráticos que a Corte criou. Eis dois
públicos distintos em duas vocações distintas no nascimento da cidade. O que pode sem
dificuldade ser classificado como colônia industrial em Petrópolis pode também ser
considerado como absolutamente dependente do Rio de Janeiro, isso, pois não houve na
cidade serrana qualquer acumulação primitiva de capitais, vindo todo o investimento da
elite do Rio de Janeiro do período, seja aquela aristocrática que via na cidade a vilegiatura,
seja aquela industrial, que se pautando no caráter nobre da cidade passara a investir na
formação industrial da mesma, criando as bases para uma nova vocação.
Ambrozio afirma que: “Petrópolis, então, arranjou-se como um território no qual o
subúrbio elegante da vilegiatura criaria inibições, mas não proibiria a existência de
subúrbio industrial proletário em um mesmo espaço montês e urbano.”145 Talvez fosse o
caso de perceber duas realidade destoantes; a vilegiatura e o campo industrial, mas não
incompatíveis. O próprio imperador dom Pedro II parecia incentivar o crescimento das
fábricas dando-lhes autorização para funcionar e explorar a energia hidráulica, bem como
considerava o “progresso” que a formação industrial trazia:
FÁBRICA NOVA: Os alicerces da fábrica nova foram começados em maio de 1886 (...) O lançamento da pedra fundamental do novo edifício foi em 2 de junho de 1886, com a presença do Imperador do Brasil D. Pedro II, que externou sua grande satisfação pela magnitude do empreendimento que classificou de “era do progresso”146
Esse trecho, constante nos relatórios anuais da diretoria da Companhia
Petropolitana de Tecidos, mostra como as duas elites; a aristocrática e a industrial,
coincidiam na formação industrial da cidade. Ilustra o que poderia ser a tendência de uma
cidade imperial e também industrial.
O projeto da colônia agrícola não daria certo em Petrópolis. O clima e a topografia
serrana não permitiam o faustoso desenvolvimento agrícola e o destino industrial de
Petrópolis parecia ser previsto por Frederico Damck em 1857: “Julgo, pois, que Petrópolis
143 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.20144 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.20145 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.21146 COMPANHIA PETROPOLITANA. História da Companhia Petropolitana Parte 1 Gráfica da Universidade Católica de Petrópolis. Petrópolis: 1983. Página IV
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não é e nem será colônia agrícola, mas sim um núcleo de trabalhadores e talvez com o
tempo industrial e comercial.”147Assim, parece haver uma coincidência entre a natureza
não apta à agricultura em Petrópolis e o estabelecimento industrial:
O solo é estéril, limitado, escarpado. Cuida-se mais da indústria. Desenvolveram-se varias pequenas artes, oficinas e empresas. Por uma razão muito simples, e muito vantajosa a proximidade com a capital do país.148
L’allemant aponta como razões para a tendência industrializante de Petrópolis as
dificuldades naturais para a agricultura e também a proximidade com a capital, o Rio de
Janeiro. As somas de investimentos que subiam a serra são, indubitavelmente, de grande
contribuição para a formação industrial de Petrópolis, gerando uma grande dependência
frente aos capitais vindos de fora. Assim, não há qualquer possibilidade de associar a uma
propensa engenhosidade do colono alemão a formação industrial de Petrópolis. Embora
tais colonos tivessem um perfil agrícola e artesanal, tais habilidades não podem ser vistas
como propulsoras da industrialização já que faziam parte da rotina agrária daqueles
camponeses na Europa149, ou em outros termos; as oficinas e o artesanato praticado por
aqueles colonos eram antes extensões do trabalho agrícola e não uma forma inicial de
trabalho industrial.
Dessa forma, houve um natural translado do trabalho agrícola para o industrial
basicamente em virtude da inviabilidade do primeiro. As pequenas parcelas de terra que
eram disponibilizadas para o colono, a baixa produtividade do solo, a inclinação do relevo,
as taxas que eram cobradas pelo governo, tudo contribuía para que a agricultura não fosse
viável, despejando grande contingente populacional no trabalho industrial: “O migrante
que subiu a serra para viver como foreiro agrícola, com efeito, ascendeu para se constituir
como trabalhador livre da futura indústria têxtil de Petrópolis.” 150Dessa forma, foi a partir
da inviabilidade do trabalho agrícola que surgiu grande fluxo para o trabalho nas
indústrias, principalmente as têxteis, cujos primeiros estabelecimentos se formaram cerca
de 25 anos após a chegada dos colonos alemães. Esses colonos se dedicaram nesse tempo à
agricultura e às atividades manufatureiras que eram em si complementares ao trabalho
agrícola e eram, portanto, atividades pré-industriais.
147 DAMCK, Frederico. O Mercantil. 1857. In: RAFFARD, H. Jubileu de Petrópolis. Revista do IHGB. Rio de Janeiro: volume 58. N° 2 1896.148 AVE L’ALLEMENT. Três Fases de Petrópolis: em 1844, 1851 e 1858. Tribuna de Petrópolis. In: CEZAR de MAGALHÃES J. A Função Industrial de Petrópolis. Revista Brasileira de Geografia. IBGE, ano XXVII, janeiro-março, 1966, p. 26.149 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.277150 AMBROZIO, J. C. G. Op. Cit. P.276
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Os investimentos fabris vieram de fora para dentro, condicionando vínculos de
dependência entre Petrópolis e a capital. No Rio de Janeiro chegava a matéria-prima para a
indústria petropolitana, a qual tinha também na capital seu principal mercado consumidor.
Muitos comerciantes cariocas investiam na formação de empreendimentos fabris em
Petrópolis, esses investidores moravam em bairros cariocas e arriscavam seus capitais
comerciais em empreendimentos fabris na serra imperial151
O conjunto relacionado à intensificação do trabalho livre, a inviabilidade do
trabalho agrícola e a atração de investimentos cariocas fizeram as condições petropolitanas
para que nos anos 70 do século XIX fosse fundada a primeira indústria têxtil da cidade; a
Imperial Fábrica São Pedro de Alcântara no centro da cidade (foto 1) e a Companhia
Petropolitana de Tecidos no bairro em Cascatinha, bairro que se desenvolveu no que tange
à ocupação populacional e ao comércio em virtude da instalação da fábrica. (foto 2)
Foto 1) Imperial Fábrica de São Pedro de Alcântara, na rua Renânia. Álbum de fotografias de Petrópolis e do Rio de Janeiro. Foto: Klumb, Revert Henry.152 Pode-se perceber a proximidade da fábrica junto ao rio
Quitandinha
151 CEZAR DE MAGALHÃES. A Função Industrial de Petrópolis. Revista Brasileira de Geografia. IBGE. Ano XVIII. Janeiro-março. 1966152 MUSEU IMPERIAL/ IBRAM/ MINISTÉRIO DA CULTURA
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Foto 2) Companhia Petropolitana, prédio novo construído em 1886.153 Esse segundo prédio de 15 mil metros quadrados foi construído em função da expansão da produção. Além desses prédios havia prédios complementares para oficina de forja, funilaria, carpintaria e escritório central de administração154.
Nessas indústrias nascentes foi usada não somente a mão-de-obra local como foram
contratados inúmeros estrangeiros, sobretudo italianos, para formarem o operariado.
Arbos155indica que em Cascatinha, local onde se situava a empresa, 44% da população
eram de estrangeiros, enquanto que no primeiro distrito, junto à Vila Imperial, havia
somente 23,3% de imigrantes.
A presença dos italianos em Petrópolis vinha da tendência industrial da cidade,
enquanto a presença dos alemães veio com o projeto de constituir na vilegiatura imperial a
colônia agrícola. De cusatis diferencia as colonizações italiana e alemã:
Com os italianos foi diferente: vieram espontaneamente, tinham os meios e os conhecimentos técnicos necessários e o operariado trazia iniciação técnica que, por menor que fosse, ainda como hoje em dia, seria muito mais valiosa que a adquirida aqui (...) Os alemães vieram em circunstâncias que os obrigava a ficarem, sem perspectiva de volta156
A chegada dos italianos ocorreu sem que tivessem estrutura suficiente para viver na
cidade. Suas necessidades eram mal atendidas, assim como era com as demais pessoas
pobres que viviam na cidade em industrialização. A falta de infra-estrutura basicamente em
hospitais, previdência social e estabilidade econômica fez com que se gerasse entre os
153 MUSEU IMPERIAL/ IBRAM/ MINISTÉRIO DA CULTURA154 ALMEIDA, J. N. T. Petrópolis – Guia de Viagem. Typographia de L. Winter. Rio de Janeiro, 1885, in: Cidade de Petrópolis, reedição de quatro obras raras. MEC/Museu Imperial, Petrópolis: 1957, p. 132.155 ARBOS, P. Petrópolis. Esboço de Geografia Urbana.Trabalhos de Comissão. Volume VI. Petrópolis. Prefeitura Municipal de Petrópolis: 1943. P. 215156 CUSATIS. José. Os Italianos em Petrópolis. Petrópolis. Edição da Câmara Municipal. 1993P. 5
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italianos em Petrópolis uma base de incerteza quanto às possibilidades de sobrevivência.
Foi dessa forma que surgiram as Associações Italianas de Mútuo Socorro; Società Italiana
di Mutuo Socorro e Beneficenza, Società Vittorio Emanuele III, Società di Mutuo Socorso
e Società Italiana di Mutuo Socorso di Cascatinha.157 Essas associações tinham mais do
que um caráter de auxílio econômico, também visavam integrar os italianos entre eles,
criando um vínculo de união e fraternidade. Havia, portanto, quatro associações na cidade,
duas funcionavam no centro e duas funcionavam no bairro da Companhia Petropolitana,
em Cascatinha.
Conclusão
Pode-se dizer que a partir de 1870 tem-se, de fato, a formação industrial de
Petrópolis basicamente em virtude da fundação dos empreendimentos fabris que
efetivamente separavam o trabalhador dos meios de produção. Era uma nova etapa no
mundo do trabalho compartilhado naquela sociedade, diferente das formas pré-industriais
de manufaturas praticadas pelos colonos, onde o sujeito era detentor do produto de seu
trabalho. A partir de 1873, para ser mais exato, a lógica do sistema capitalista se implanta
em Petrópolis com a fundação das indústrias têxteis, moldando novas relações de trabalho
nas fábricas nascentes, bem como promovendo o crescimento demográfico e urbano do
município.
Bibliografia
AMBROZIO, J. C. G. O Presente e o Passado no Processo Urbano da Cidade de Petrópolis (uma história territorial) Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo: 2008
ARBOS, P. Petrópolis. Esboço de Geografia Urbana.Trabalhos de Comissão. Volume VI. Petrópolis. Prefeitura Municipal de Petrópolis: 1943
CEZAR DE MAGALHÃES. A Função Industrial de Petrópolis. Revista Brasileira de Geografia. IBGE. Ano XVIII. Janeiro-março. 1966.
CUSATIS. José. Os Italianos em Petrópolis. Petrópolis. Edição da Câmara Municipal. 1993
157 DE CUSATIS, José. Op. Cit. P. 10
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LAMEGO, A. R. O Homem e a Serra. IBGE, setores da evolução fluminense. Rio de Janeiro:1950
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Petrópolis. Petrópolis: Universidade Católica de Petrópolis: 1978
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Brasil Império
A Trajetória da Revolta Liberal de 1842, em Minas Gerais
Fernanda Chaves Gherardi∗
Introdução
Em 10 de junho de 1842, na cidade de Barbacena, teve início a “Revolta Liberal de
1842” em Minas Gerais, movimento armado que movimentou as províncias de São Paulo e
Minas Gerais em 1842 e ficou estigmatizado pela alcunha de uma revolta. Em Minas
Gerais, os liberais (rebeldes) aclamaram José Feliciano Pinto Coelho da Cunha como
presidente interino da província, em um verdadeiro ato de não reconhecimento das
autoridades reais constituídas. O movimento armado obteve a adesão de vários municípios
mineiros, quinze que aderiram sem muito esforço e outros cinco que foram citados. Seu
objetivo principal era “sustentar a Constituição política do Império, o trono (...) e defender
estes sagrados objetos dos ataques que lhes eram feitos pela lei das reformas dos Códigos”.
Apesar da vitória em alguns combates com as tropas legalistas, os rebeldes acabaram por
ser derrotados, em Santa Luzia, em 20 de agosto de 1842.
Nesse trabalho, busquei dar destaque ao contexto geográfico do movimento armado
que mobilizou a província de Minas Gerais em 1842, buscando perceber sua trajetória.
Com isso, o objetivo principal é facilitar, ao público mais amplo, o entendimento da
dimensão da Revolta de 1842 nas Comarcas de Minas Gerais.
Para chegar ao objetivo, foi necessária a construção de um “quadro cronológico” da
revolta que permitisse perceber essa “trajetória geográfica” da mesma. Após a construção
dessa cronologia, tracei em dois mapas do período – “Comarcas de Minas Gerais” e
“Comarca do Rio das Mortes” – as estratégias de ação dos revoltosos, bem como os
pontos-chaves de avanço e recuo da Revolta.
Utilizei basicamente fontes primárias. Primeiramente, as memórias daqueles que
foram envolvidos pela Revolta: a Circular de Teófilo Ottoni e a memória do cônego José
Antônio Marinho. Também utilizei um conjunto documental denominado “A História da
Aluna de graduação em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). Bolsista (BIC-PROPESQ/UFJF) do Projeto “A revolta liberal de 1842 em Minas Gerais”, orientado pelo professor Dr. Alexandre Mansur Barata.
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Revolução de Minas Gerais em 1842”, publicada pela Revista do Arquivo Público Mineiro,
bem como os Autos dos Inquéritos da Revolução Liberal de 1842 em Minas Gerais. Por
fim, os mapas da Província de Minas Gerais, cedidos pela Universidade Federal de São
João Del Rei, através do site www.documenta.ufsj.edu.br.
Quadro cronológico
No dia 24 de julho de 1840, os liberais mineiros que tanto lutaram pela maioridade
puderam festejar, D. Pedro II nomeou o seu primeiro ministério. Composto completamente
por membros liberais que apoiavam a campanha da maioridade, esse gabinete ficou
conhecido como o “ministério dos irmãos”. Era a vitória do Clube da Maioridade,
sociedade secreta em que também participava o Cônego José Antônio Marinho,158 para
quem a vitória do gabinete liberal, em 23 de julho de 1840, significava romper com a
tendência regressista vivenciada na regência do pernambucano Pedro de Araújo Lima
(futuro marquês de Olinda159).
Conforme observou Teófilo Ottoni: “Mal triunfava a maioridade e já sobravam
razões ao partido liberal para se arrepender de havê-la iniciado. Podia cobrir a cabeça
mesmo no dia do triunfo”.160 Ottoni assim se referia ao evento do Golpe da Maioridade,
devido ao fato de que em menos de um ano D. Pedro II iria nomear seu segundo
ministério: o Ministério de 23 de Março de 1841 que, segundo Marinho, era “composto dos
mais exagerados membros da oposição”.161
Esse Ministério daria continuidade às medidas regressistas, iniciadas por Araújo
Lima, que já havia reinterpretado o Código do Processo Criminal e o Ato Adicional de
1834, anulando os aspectos mais democráticos ou descentralizadores.162 Assim, para
desespero dos liberais, esse “Ministério de Março” aprovou a lei da reforma judiciária –no
dia 03 de dezembro de 1841 – e a lei do Conselho de Estado – no dia 05 de fevereiro de
1842.163
158 MATHIAS, Herculano; GUERRA, Lauryston; CARVALHO, Afonso Celso V. de. (Coord.). A História do Brasil. Rio de Janeiro: Bloch Editores S.A. Fascículo 24, 1972, p. 375.159 MOREL, Marco. O Período das Regências, (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 31.160 OTTONI, Teófilo Benedito. Circular dedicada aos Srs. Eleitores de Senadores pela Província de Minas Gerais no quadriênio atual e especialmente dirigida aos Srs. Eleitores de Deputados pelo 2°. Distrito Eleitoral da mesma Província para a próxima legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Do Correio Mercantil de M. Barreto, Filhos & Octaviano, 1860, p. 88/173 (arquivo em pdf).161 MARINHO, José Antônio. História da Revolução de 1842. Brasília: Senado Federal em Co-edição com a Editora da Universidade de Brasília, 1978, p. 33.162 MOREL, Marco. O Período das Regências, (1831-1840). Op. cit, p. 31.163 LYRA, Tavares de. Instituições Políticas do Império. Brasília: Senado Federal em Co-edição com a Editora da Universidade de Brasília, v. 16, 1979, p. 142.
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No entanto, ainda caberia aos liberais reagirem ou resistirem por meio da
legalidade, através da Câmara dos Deputados e das Assembléias. Contudo, Esse Ministério
alegou fraudes nas eleições para a Câmara dos Deputados e conseguiu aprovar um Decreto,
dia 01 de maio de 1842, dissolvendo a Câmara de Deputados e convocando outra para dia
07 de novembro do mesmo ano.164 O que, segundo Marinho, fez com que liberais paulistas
e mineiros se unissem contra o ataque a uma das bases da representação política brasileira
– a Constituição.165
Assim, como uma promessa e seguindo o exemplo dos liberais paulistas que
haviam nomeado Tobias de Aguiar presidente interino de São Paulo no dia 19 de maio de
1842, os liberais mineiros se reúnem e decidem nomear José Feliciano Pinto Coelho da
Cunha presidente interino da província mineira no dia 10 de junho do mesmo ano.
A trajetória da revolta em minas
A Revolta Liberal em Minas durou dois meses, mas envolveu diversas localidades
da Província, sobretudo aquelas da Comarca do Rio das Mortes (ver Figura 1) e aquelas
localizadas na Comarca de Sabará (ver Figura 2).166
164 MATHIAS, Herculano... A História do Brasil. Op. Cit, p. 380.165 MARINHO, José Antônio. História da Revolução de 1842. Op. cit. p. 38.166 Arquivos históricos da Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais. In: www.documenta.ufsj.edu.br.
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O movimento armado se iniciou em meio a conchavos e reuniões secretas,
incluindo trocas de cartas entre liberais paulistas e mineiros, que esperavam o momento
certo de iniciar o apoio aos seus vizinhos paulistas. A cidade de Barbacena, na Comarca do
Rio das Mortes, foi o lugar escolhido para o início da sedição. A partir daí, no dia 13 de
junho, Queluz (atual Conselheiro Lafaiete) e Aiuruoca aderiram ao movimento; no dia 14,
Lavras; no dia 18, São João Del Rei aderiu após os revoltosos marcharem sobre a cidade,
mas algumas pessoas da cidade decidiram não apoiar a revolta, aderiram também a Vila de
São José e o Arraial de São Tomé das Letras; no dia 26, a Câmara de Baependi reconheceu
o governo revoltoso, após este ter atacado os legalistas da cidade; saindo de Baependy, os
insurgentes se dirigiram para Campanha (Mutuca, uma das cidades de Campanha, que já
pertencia à Comarca do Rio Verde, não representada no mapa da figura 1), com mais de
mil homens.167 Além dessas, foram citadas Oliveira, Comarca do Paraibuna e Três Pontas.
167 AUTOS dos Inquéritos da Revolução de 1842 em Minas Gerais. Brasília: Senado Federal, 1979, p. 199.
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Figura 1 – Mapa da Comarca do Rio das Mortes, de 1821.
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A expansão do movimento, portanto, se iniciou dentro da própria Comarca do Rio
das Mortes, mas foi se direcionando para a Comarca de Sabará. A tentativa dos revoltosos
em expandir para a Comarca de Paracatu foi frustrada, com a derrota dos insurgentes em
Araxá.
Na Comarca de Sabará, a partir do dia 19, Santa Quitéria reconheceu o governo
intruso; no dia 26, início da ocupação de Caeté, que possuía o arraial de Santa Bárbara e
Itabira, após cinco dias de combate, o município foi controlado pelos insurgentes; no dia
24, Curvelo (arraial e distrito de Sabará até 1831) aderiu ao movimento, mas no dia 17 de
agosto, o juiz de paz e vereador da cidade voltou atrás, protestando a favor dos legalistas;168
outras cidades localizadas na Comarca de Sabará foram citadas: Bonfim, Rio Manso (onde
ocorreram embates, na Ponte do Mendanha), Sabará, onde os revoltosos entraram sem
resistência no dia 08 de julho, Tamanduá (atual Itapecerica) e Santa Luzia (onde os
insurgentes foram derrotados – ver Figura 3)169. Araxá, que se localizava na Comarca de 168 História da Revolução de Minas Geraes, em 1842. IN: Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, v.15 (fasc. 1 e 2), 1910, p. 223.169 História de Caeté. In: www.caete.mg.gov.br.
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Figura 2 – Mapa das Comarcas de Minas Gerais em 1821.
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Paracatu, aderiu ao movimento, mas ficou dividida,170 até que os insurgentes desistiram de
tomar a cidade no dia 20 de julho, além de Uberaba, que foi citada.
Finalmente, chegamos à conclusão de que a abrangência do movimento armado na
Província de Minas Gerais se destaca nas regiões e cidades mais próximas da fronteira com
o Rio de Janeiro e São Paulo, principalmente. Tratam-se das atuais regiões sul e
metropolitana de Minas (ver figura 4):
170 História da Revolução de Minas Geraes, em 1842. IN: Revista do Arquivo Público Mineiro. Op. Cit, p. 319.
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Figura 3 - Fragmento de um mapa da Comarca de Sabará
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Conclusão
O movimento armado que mobilizou as províncias de São Paulo e Minas Gerais
pretendia, entre outras coisas, defender a autonomia provincial em relação ao Estado
Imperial. Os líderes políticos dessas revoltas buscavam, a todo o momento, justificar suas
ações, passíveis de punição, uma vez que eles se revoltaram contra as autoridades reais que
representavam, indiretamente, o imperador D. Pedro II. E mesmo apesar das justificativas,
os revoltosos foram todos presos e passaram por momentos, alguns mais outros menos,
difíceis, como foram os julgamentos.
Dessa forma, traçar a trajetória da revolta, ainda que pareça um exercício didático,
nos forneceu algumas hipóteses contundentes a respeito de por que os insurgentes não
teriam atacado a capital Ouro Preto, local onde os legalistas se articulavam e se
organizavam. Percebe-se que os revoltosos margeiam a capital, sem atacá-la, ainda que
estivesse no plano de alguns deles esse intento. No entanto, até o fatídico dia 20 de agosto
de 1842, quando os revoltosos foram derrotados em Santa Luzia, o ataque à Ouro Preto
não havia sido planejado.
103
Figura 4 – Abrangência da revolta em Minas Gerais
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O motivo dessa lacuna, no plano dos revoltosos, é difícil de ser provado
explicitamente. No entanto, ela pode nos sugerir algumas hipóteses. A primeira delas é que
a Capital Ouro Preto seria o local legítimo do exercício do poder legal, que representava e
se autorizava por meio do Imperador. Atacar Ouro Preto poderia trazer consequências
muito mais sérias que a prisão, pois representaria um atentado direto a um local de poder
da Monarquia, que em nenhum momento foi questionada pelos revoltosos.
A segunda hipótese, que não exclui a primeira, deriva do fato de que a revolta
obteve a adesão imediata dos municípios que se localizavam, em sua maioria, na Comarca
do Rio das Mortes. Essa Comarca estava muito próxima da Província paulista, que se
encontrava em armas. Por vezes, os liberais mineiros buscavam mostrar que a causa que os
levaram a pegar em armas era um ato maior do que apenas distrair as forças legais que
marchavam para São Paulo, seria um ato em defesa da Constituição e da Liberdade.
Desta forma, expandir a revolta pela província antes de atacar a Capital poderia ser
uma estratégia para mostrar que a insatisfação com a política e as Leis promulgadas pelo
Ministério de Março não seria apenas de uma pequena Comarca e de seus representantes,
mas de todos os cidadãos brasileiros. Assim, poderíamos explicar por exemplo a imagem
que se tinha em Minas Gerais de uma “São Paulo completamente em armas”. Expandir a
revolta poderia levar os legalistas a renunciarem aos cargos, como era a vontade dos
insurgentes, uma vez que mostraria a indignação de toda uma Província e não apenas de
uma Comarca rebelde com o Ministério de Março, o que daria mais legitimidade ao
movimento como um todo.
No entanto, quando perceberam a derrota iminente, ao saberem que o General
Caxias marchava para Minas Gerais, após pacificar São Paulo, com “mais de 10 mil
homens”.171 As tropas insurgentes começaram a se dispersar, começando pelas tropas do
Destacamento do Pomba e, a partir daí, aquelas do Rio do Peixe, Santa Bárbara e Bom
Jardim. Assim, dia 26 de julho, os chefes da guarda de Baependi se renderam às tropas
legalistas. Nesse mesmo dia, no entanto, os insurgentes conseguiram vencer os legalistas
de Queluz e aprisionar 200 deles, graças às colunas de Galvão e Alvarenga. No dia 01 de
agosto, quando alguns insurgentes já haviam desistido da revolta, entre eles Dr. Camillo,
um dos que haviam participado da reunião de 04 de junho, em que se decidiu a favor do
movimento, o exército revolucionário, estacionado sobre o ponto dos Henriques, recebeu
um comunicado de que atacariam Ouro Preto. Contudo, devido às falhas de comunicação e
171 MARINHO, José Antônio. História da Revolução de 1842. Op. Cit, p. 130.
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divergências entre os líderes, acabaram hesitando nesse propósito, que, para muitos, foi o
maior erro dos insurgentes.172
Na noite do dia 19 de agosto, em Santa Luzia, José Feliciano Pinto Coelho da
Cunha, temendo a desorganização e o relaxamento do exército insurgente, além de estar
debilitado, resolveu se retirar do comando da revolta, que passou para as mãos de Teófilo
Ottoni.173 Na manhã do dia 20 de agosto, no ponto da Lapa, em Santa Luzia, o destino dos
liberais foi selado: as tropas de Galvão e de Caxias se confrontam e o primeiro é derrotado,
com o peso da morte do Tenente Guerra, que resolveu perseguir o General Caxias, e da
traição do chefe Martins, que foi ameaçado de morte pelos seus comandados, caso tentasse
retroceder.174 À tarde, depois de vários esforços para reverterem o quadro, e até mesmo
quando já estavam mais confiantes, os legalistas acabaram por derrotar os liberais, pois
esses agora contavam com vários militares subalternos, “sem que houvesse um pensamento
diretor”.175 Em Santa Luzia, foram feitos 300 prisioneiros, entre os quais Teófilo Ottoni,
José Pedro Dias de Carvalho e o Vigário Brito.
Fontes e referências bibliográficas
Arquivos históricos da Comarca do Rio das Mortes – Minas Gerais. In: www.documenta.ufsj.edu.br.
AUTOS dos Inquéritos da Revolução de 1842 em Minas Gerais. Brasília: Senado Federal, 1979.
História da Revolução de Minas Geraes, em 1842. IN: Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, v.15 (fasc. 1 e 2), 1910.
História de Caeté. In: www.caete.mg.gov.br.
LYRA, Tavares de. Instituições Políticas do Império. Brasília: Senado Federal em Co-edição com a Editora da Universidade de Brasília, v. 16, 1979.
MARINHO, José Antônio. História da Revolução de 1842. Brasília: Senado Federal em Co-edição com a Editora da Universidade de Brasília, 1978.
172 Idem, p. 133-167.173 Idem, p. 196-8.174 Idem, p. 202-9.175 Idem, p. 210.
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MATHIAS, Herculano; GUERRA, Lauryston; CARVALHO, Afonso Celso V. de. (Coord.). A História do Brasil. Rio de Janeiro: Bloch Editores S.A. Fascículo 24, 1972.
MOREL, Marco. O Período das Regências, (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
OTTONI, Teófilo Benedito. Circular dedicada aos Srs. Eleitores de Senadores pela Província de Minas Gerais no quadriênio atual e especialmente dirigida aos Srs. Eleitores de Deputados pelo 2°. Distrito Eleitoral da mesma Província para a próxima legislatura. Rio de Janeiro: Typ. Do Correio Mercantil de M. Barreto, Filhos & Octaviano, 1860 (arquivo em pdf).
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A Cidade de Pedro e sua Construção
Giovana Loos Moreira
O desbravamento da região serrana do Estado do Rio de Janeiro tem sua origem
vinculada ao ciclo aurífero mineiro. O rei de Portugal para melhorar a segurança durante o
transporte das riquezas ordenou que se construísse um novo caminho onde o deslocamento
fosse realizado com mais segurança para que assim não houvesse perdas em sua carga.
O “antigo caminho” continha uma parte do trajeto por mar, entre o Porto do Rio de
Janeiro e o Porto de São Vicente, porém isto deixava as riquezas mais vulneráveis a
ataques de corsários e a acidentes como naufrágios e ocasionava perdas das riquezas
Para reduzir estes perigos Portugal determinou que se criasse um caminho
alternativo por terra, onde a comunicação entre Minas Gerais e o Porto do Rio de Janeiro
ocorresse de forma menos perigosa.
O trajeto desse novo caminho segundo o autor Paulo Cesar dos Santos176 era: “Ouro
Preto, Barbacena, Juiz de Fora, Matias Barbosa, Paraíba do Sul, Avelar, Pati do Alferes
Marcos da Costa, Xerém, atingindo o porto do rio Pilar no fundo da Baía de Guanabara.”
Através deste caminho a viagem teve seu tempo reduzido, sendo assim realizada em 30
dias. Entretanto ainda era muito desgastante e demorada. Desta maneira o realizador do
caminho novo, Garcia Rodrigues Pais foi chamado para realizar um melhoramento, mas
devido a problemas de saúde e idade já avançada recusou o pedido, conduto indicou o
Sargento Bernardo Soares de Proença.
Este personagem foi de grande importância para se compreender como foi possível
o surgimento de fazendas numa região tão pouco explorada.
Bernardo Soares era um rico fazendeiro que aceitou a tarefa da abertura da variante
do caminho novo. Após pesquisas e campanhas de exploração realizou em 1721 com a
ajuda de seus escravos e índios o então trajeto alternativo, que ficou conhecido como
“caminho novo”. Este trajeto alterou o tempo da viagem, diminuindo a em quatro dias177.
Mas qual foi o objetivo em expor este processo de construção do caminho de
ligação entre Minas, mais especificamente Vila Rica, atual Ouro Preto, ao Porto do Rio de
Janeiro? Tal percurso e suas modificações tornaram a região serrana mais explorada, já que
era rota de passagem das riquezas. Tal aumento de circulação então estimulou a construção
176 SANTOS, Paulo César. Petrópolis. História de uma Cidade Imperial.Petrópolis: Sermograf Editora, 2001.177 Froés, Kopke. Caminhos pelo Córrego Seco na Penetração para Minas Gerais.. In: Revista do Instituto Histórico de Petrópolis.
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de fazendas na região da então denominada serra da Estrela por onde passava o caminho
novo. Neste ponto retornamos a Bernardo Soares, que recebeu uma sesmaria como forma
de pagamento pelo serviço prestado a coroa. Ele construiu sua fazenda e convidou amigos
e parentes para habitarem próximo da localidade estimulando assim o povoamento.
Sua fazenda era conhecida como “Itamarati”, este nome tem origem tupi-guarani,
significa pedra brilhante, devido a uma cachoeira que brilhava durante os dias de sol. Tal
fazenda foi dividida dando origem a fazenda do Córrego Seco. Esta fazenda foi comprada
em 1830 por Dom Pedro I, e originou a cidade de Petrópolis como mais a frente o texto
tratará melhor.
Com o aumento do numero de fazenda na região serrana, algumas se destacaram. A
mais conhecida e prestigiada foi a fazenda do Padre Correia, que ficou famosa por sua boa
hospedagem aos viajantes. Nela passou desde tropeiros a figuras ilustres como Dom Pedro
I. Entretanto cada hospede com a sua estalagem apropriada ao nível social. Foi, portanto
uma região onde os viajantes poderiam descansar e recompor as forças para prosseguir
com a difícil viagem.
Dom Pedro I se hospedou diversas vezes na fazenda. Nela pode desfrutar de um
clima agradável, com temperaturas mais baixas que a do Rio de Janeiro. Entretanto havia
um motivo mais importante para justificar as visitas constantes. Dom Pedro I possuía uma
filha, Princesa Dona Paula Mariana de cinco anos que sofria de doença crônica do fígado e
seus médicos recomendaram um clima mais ameno para melhor conforto. Entretanto sua
filha não resistiu e veio a falecer em 1833 aos 10 anos de idade.
Por influencia de sua segunda esposa, D. Amélia, que se sentia incomodada com as
constantes visitas já que provocavam alteração na rotina da fazenda, pois como se sabe a
comitiva que acompanhava ao Rei era bastante numerosa. Então a pedido de sua esposa,
Dom Pedro I fez uma tentativa de compra da fazenda do Padre Correa.
O Padre Correia faleceu em 1824, com 65 anos, acredita-se que devido a problemas
cardíacos, tendo Da. Arcângela Joaquina da Silva, sua irmã, herdado a fazenda178.O pedido
de compra foi recusado por ela.. Porém indicou a compra de uma fazenda próxima, a
Fazenda do Córrego Seco.
Em 1830 é concretizada a compra dessa fazenda e como símbolo do desejo de paz e
harmonia entre o trono e a nação o nome da fazenda foi alterado para Fazenda da
Concórdia. É interessante notar que Bernardo Soares, recebeu uma sesmaria de Portugal, e
essa por ironia do destino foi comprada por D. Pedro I, sendo que o monarca ainda
178 Disponível em: http://guiadepetropolis.com/historia-de-petropolis/pag03/. 27. out. 2010.
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comprou outras regiões vizinhas como Quitandinha e Retiro. Na fazenda objetivava-se
construir um palácio de verão, pois desta maneira as visitas vindas da Europa não se
sentiriam tão desconfortável com o clima do Rio de Janeiro. Com este projeto seria
possível construir um palácio mais luxuoso condizendo assim com a sua posição de
Imperador. Pedro I ainda teve tempo de criar um projeto do Palácio de veraneio, realizado
pelo arquiteto real Pedro José Pezerat e o engenheiro francês Pierre Taulois. Contudo como
em 1931 foi forçado a abdicar do trono brasileiro não pode assim realizar seu sonho.
Ao sair do país Pedro I deixou muitas dividas em solo brasileiro e como solução
sugeriram a venda da fazenda da Concórdia. Entretanto outras medidas foram tomadas e a
fazenda permaneceu em posse de Dom Pedro II, possibilitando que anos mais tarde se
retomasse o plano de construção de um Palácio de Verão na região serrana.
Quando em 1840 Dom Pedro II assume o poder ele é mantido no cargo de
mordomo. Temos então uma demonstração do prestigio que Paulo Barbosa possuía frente
ao Imperador constatando assim como exerceu bem sua função.
O projeto de Dom Pedro I ressurgiu e ganhou forças em grande parte devido ao
mordomo Paulo Barbosa que influenciou Dom Pedro II a retomar a ideia de seu pai. Paula
Barbosa da Silva foi escolhido como Mordomo interino da Casa Imperial em 1833, cabia a
ele a administração dos bens do Coroa, função essa de grande importância para Casa
Imperial, isso significa que todas as medidas administrativas deveriam ser aprovadas por
ele antes de se concretizarem.
Foi encontrado em um jornal local um relato bastante interessante sobre a seleção
da região serrana para construção do Palácio de veraneio. Habitou na colônia alemã
petropolitana um padre denominado PE. Wiedmann, que ao ser expulso da colônia
escreveu um livro criticando varias autoridade civis, militares e eclesiásticas do período.
Contudo o livro não possui um embasamento muito seguro, cabendo portanto uma analise
mais detalhada sobre essa figura tão contestadora. Tal obra179 chamou a atenção devido a
uma critica feita ao Mordomo Paulo Barbosa e ao Major Julio Frederich Koeller . O artigo
sobre esse tema traz a seguinte passagem.
Informa que D Pedro II queria construir seu palácio de verão no alto da Tijuca mas...houve intriga e malevolência do mordomo imperial, trazendo então o projeto para o Córrego Seco, lugar desagradável, turvo, cor triste, o ar sempre nebuloso pronto para cair um aguaceiro terrível.
179 TAULOIS, Antônio Taulois. PE. Wiedmann e a Colônia Alemã de Petrópolis. IN: Boletim da Colônia Alemã em Petrópolis/ Bauernzeitung. Edição nº 18, Mar/1998
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O presente artigo não busca detalhar a visão desse eclesiástico, pois ela abre um
novo enfoque para tema, que apesar de bastante interessante não cabe ao trabalho.
Entretanto não pode-se ignorar o fato de que Wiedmann nos faz questionar sobre as
imagens construídas de Paulo Barbosa. Imagens essas que seriam interessantes uma análise
mais profunda.
Devido ao incentivo do mordomo a construção do Palácio de Verão foi aceita pelo
monarca. Nas obras analisadas, pode-se disser que há uma unanimidade sobre a forte
influencia de Paulo Barbosa nas decisões monárquicas, isso foi possível já que Pedro II
estava muito novo e inexperiente ainda, pois só havia passado três anos desde a declaração
de sua maior idade. Teve-se então um novo projeto para construção da cidade, o qual foi
realizado pelo Major Julio Frederico Koeler, esse foi um engenheiro vindo da Alemanha
em 1828 e que em solo brasileiro realizou a recuperação de diversas estradas, tendo assim
um grande conhecimento sobre a mata atlântica, o que favoreceu também para que fosse
escolhido para construção do palácio de verão180. Então em 16 março de 1843 a fazenda da
Concórdia é arrendada a Koeler, sendo essa data definida de fundação de Petrópolis. Para
realização do projeto de construção e colonização da cidade foram trazidos colonos
alemães. A situação da Alemanha no período não era muito favorável economicamente, já
que passara por algumas guerras que acabaram provocando fome e desemprego no país,
aliada a essa situação e a uma excelente propaganda sobre as oportunidades encontradas no
Brasil, com a possibilidade de ganhar terras férteis e viver tranquilamente, houve uma
intensa adesão a migração para nosso país, especialmente a atual Petrópolis já que o
alemão Koeler incentivou o uso dessa mao-de-obra nas obras públicas realizadas por ele.
Uma curiosidade dessa imigração esta no contrato, segundo Américo Lacombe a palavra
casais foi traduzida para o alemão como família, com isso chegou uma quantidade de
alemães muito superior a esperada. Vale salientar que a modificação da mão-de-obra
escrava por alemã era também uma posição de Paulo Barbosa e D Pedro II, demonstrando
assim suas tendências abolicionistas.
Os motivos que levaram a escolha da região vão muito além da climática, pois por
ser um lugar isolado era possível fugir das epidemias mais constantes no verão, inimigos e
encontrar tranqüilidade para o monarca realizar seus trabalhos intelectuais. Além de poder
utilizar na arquitetura sua ideologia de união entre a nação, sendo assim fica evidente a
construção da nação com base também em elementos nacionais, logo entra o dragão dos
180 SOUZA, Luiz Antônio Alves de. Considerações sobre o Plano Koeler. Disponível em: <http://www.ihp.org.br/ihp/site/> Acesso em: 18 nov . 2010
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Braganças surgiram abacaxis, índios, cajus entre outro elementos nativos. Muitos
historiadores descrevem que apesar da grandiosidade externa o palácio na sua decoração
interior não era tão luxuosa.
O projeto de planejamento foi bastante inovador para o período. D. Pedro estipulou
que algumas construções como essenciais, tais como o palácio de veraneio incluindo
jardim, uma igreja dedicada a S. Pedro de Alcântara e um cemitério. Também foi
estipulada a formação de quarteirões coloniais para congregar os alemães imigrados.
Com isso percebemos que houve uma preocupação com distribuição adequada da
polução na região. De acordo com Margarida Maria Mendes Pedroso181 o projeto de Koeler
foi conseqüência direta do detalhado levantamento topográfico realizado, permitindo,
portanto, uma construção condizente com a região montanhosa. Em seu trabalho salienta a
inovação do posicionamento urbano para com os rios, localizando-se de maneira a margear
ruas e avenidas, diferente do modelo português onde era situado ao fundo das casas. O
projeto também previa como objetivo o saneamento da região, proposta muito atual ainda
para a sociedade brasileira atual.
Margarida Maria expõem que a cidade foi construída com base em conceitos
monárquicos, seria, portanto a transposição de uma organização palaciana para um
contexto mais amplo, a cidade. Sendo assim havia uma forte ideologia hierárquica.
Percebe-se a hierarquia através da disposição das áreas destinadas a cada setor da
sociedade. Pode-se dividir em três eixos: O palácio Imperial seria o eixo central, nele e no
seu entorno só seria permitido os mais próximos no monarca, ou seja, pessoas de
confiança, da elite, visando, portanto um ambiente tranqüilo e selecionado. O segundo eixo
circula o primeiro e corresponde a atividade comercial, como serviços de teatro, cassino,
hotéis, etc. Já a região periférica foi destinada aos colonos, onde ali podiam realizar
diversas atividades, como plantação, produção de peças artesanais, etc. ou seja, o centro da
cidade continha o poder e este ia se reduzindo até alcançar as áreas periféricas.
Dado o grande interesse que a cidade despertou na elite do rio de janeiro, houve um
intenso fluxo populacional na cidade, o que favoreceu para seu desenvolvimento, tendo
assim um rápido crescimento, aumentando-se o numero de luxuosas residências que dada a
constante ida não se tornava mais interessante hospedar-se nos hotéis. Devido a presença
do imperador a cidade foi eleita pela nobreza como ponto de encontro, sendo comparada
181 PEDROSO, Margarida Maria Mendes. Petrópolis: De fazenda a núcleo urbano- a Cidade Imperial em sua formação. Disponível em: <http://www.ihp.org.br/ihp/site/> Acesso em: 18 nov . 2010
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muitas vezes a vilas européias. A arquitetura desse período encontra-se preservadas até a
atualidade como símbolo de um passado monárquico.
Esse desenvolvimento urbano tanto do setor elitizado quanto dos colonos se deu de
forma mais facilitada, pois o plano de Koeler já previa áreas para o possível crescimento.
O plano da cidade também continha preocupações ambientais, dado o conhecimento que
tinha da topografia, reservou para preservação o alto das montanhas, ou seja, áreas das
nascentes de rios para que assim não faltasse água e não ocorresse deslizamento de
encostas. Sabia que as intensas chuvas de verão na região seria um problema, por isso seu
projeto ocupou-se tanto das questões ambientais. Teve uma visão adianta dos futuros
problemas da cidade e tentou implementar medidas para conte-las. Enfatiza-se então
caráter moderno de seu projeto.
Enfim, presente artigo buscou-se expor a importância de Petrópolis como símbolo
do governo de D Pedro II. Ela faz parte do nosso passado e completa nosso imaginário
sobre a corte. Por meio da Cidade Imperial a Realeza pode se ostentar todo o poderio e os
historiadores podem compreender o funcionamento da sociedade. Esta foi a primeira
construção feita especificamente para um governante no Brasil, além de ser a primeira
cidade planejada país. Seu caráter de veraneio foi se perdendo com o tempo para D Pedro
II. De acordo com Lilia Moritz Schwarcz182 as temporadas deixaram de ser somente no
verão, passando cerca de cinco meses por ano na região, na década de 80 devido a
enfermidade voltava ao Rio de Janeiro somente para as solenidades e ao termino, retornava
a Petropolis. Vindo assim a passar um total de 40 verões na região. Esse número só acentua
a importância da cidade na vida do monarca.
Com a Proclamação da Republica em 1889 houve uma receio quanto a manutenção
do posicionamento da cidade, já que ela fazia parte de um passado monárquico que não
condizia com o novo momento. As mudanças mais significativas foram as alterações de
nomes de ruas como, por exemplo: Rua do Imperador para Av 15 de novembro. Não
influenciando assim no seu caráter de veraneio. Passou então a receber os presidentes,
sendo citadas as figuras de Getulio Vargas, Figueiredo e outros personagens ilustres de
nossa História.
182 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperado:D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
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A Civilização Indígena sob a Direção Geral dos Índios de Minas Gerais
Leonardo Bassoli Angelo*
O estudo da civilização dos índios no Brasil pode contribuir para as análises sobre a
formação da nação brasileira, um projeto iniciado no país a partir de 1822. Para a província
de Minas Gerais, a contribuição para essa construção se deu através da Direção Geral dos
Índios de Minas Gerais, uma instituição cujo objetivo era transformar os índios em
cidadãos do então recente Império do Brasil183. Sabemos que, para este projeto, os índios
ocupariam as terras brasileiras, defendendo-as e desenvolvendo trabalhos agrícolas, projeto
que por vezes ia de encontro aos interesses de colonos, que viam nesses cidadãos em
potencial uma ameaça à sua plena ocupação e ao domínio territorial. Em nosso projeto,
pretendemos estudar a Direção dos Índios de Minas Gerais no período de direção do
francês Guido Thomaz Marlière, um militar chegado ao Brasil em 1808 com a Família
Real Portuguesa, nomeado Diretor dos Índios em 1813 e Diretor Geral dos Índios de Minas
Gerais em 1820, neste último cargo permanecendo até 1829. Nossa intenção é estabelecer
como as autoridades trabalhavam dentro da instituição, sendo para isso fundamental a
análise de sua concepção com relação ao índio. Nesse projeto de civilização havia, além da
atuação do Império do Brasil e da interferência dos colonos, o interesse da Igreja Católica,
cuja atuação terá sua devida atenção.
As fontes primárias que pretendemos utilizar em nosso estudo consistem em quatro
conjuntos, consistindo dois deles em fundos, um em coleção, e outro que não nos dá
segurança de considerar um fundo. Para este, não temos conhecimento se existem
documentos dispersos em outros arquivos. Vamos às descrições. As únicas fontes as quais
lemos (ainda assim uma pequena parcela delas) são as correspondências e os documentos
oficiais de Guido Thomaz Marlière, um conjunto que reúne documentos produzidos e
recebidos pelo Diretor Geral, e outros que a ele se referiam. Em nossa leitura inicial com
vistas à estruturação do projeto de pesquisa, encontramos vários assuntos tratados no
* Graduando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. O presente artigo se constitui em parte de um projeto de Iniciação Científica do acadêmico referente ao ano de 2011.183 Não sabemos o ano exato em que essa instituição foi criada, e nem mesmo se podemos assim denominá-la. A única informação segura, início do nosso recorte temporal, é a nomeação de Guido Marlière como Diretor Geral dos Índios de Minas Gerais (1820). Ver: PARAISO, Maria Hilda Baqueiro. “Guido Pokrane: o Imperador do Rio Doce”. In. : XXIII Simpósio Nacional de História: História: Guerra e Paz, 2005, Londrina - Paraná. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História: História: Guerra e Paz, v. 1, 2005. Disponível em: http://www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/anaistitulo.htm. p.6.
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desenvolvimento dessa política de civilização indígena, dos quais elencamos alguns para
inseri-los nesta explanação.
Um dos assuntos recorrentes nas correspondências é o bom tratamento dispensado
aos índios. Em carta de 28/06/1825, sem destinatário citado, Guido manda cinco índios ao
Rio de Janeiro para ser educados, e em documento assinado por ele em 03 de julho do
mesmo ano, ordena que os índios Botocudos sejam tratados com extremo cuidado, zelo e
autoridade. As adversidades foram muitas, mas uma que nos chamou atenção e que não se
limita à descrição neste artigo é a do índio e oficial Inocêncio Gonçalves de Abreu. Em
13/08/1824, José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, em carta ao Marechal Antônio José
Dias Coelho referiu-se a um documento de Guido no qual o Diretor Geral reclamava dos
excessos desse índio e de Felipe Gonçalves, dando ordem de prisão e condução para a 6ª
Divisão, onde deveriam trabalhar. No dia 11/01/1825, José Teixeira escreveu para Guido
recomendando a prisão do índio, temeroso de que o rapaz pudesse atrapalhar a pacificação
dos índios Botocudos. O sucesso na civilização foi assunto de diversas correspondências, e
não faltaram elogios de autoridades e do próprio imperador ao “bom trabalho”, tanto de
Guido como de outros atuantes no projeto, ao ponto de o então Diretor Geral e
Comandante das Divisões Militares do rio Doce pedir benefícios a seu filho, Leopoldo
Marlière. No dia 13/08/1825 José Teixeira da Fonseca Vasconcelos envia carta para o
oficial anunciando que gostou das notícias do comparecimento de grande número de
Naknenuks no respectivo aquartelamento, e das boas relações entre os índios do Norte e do
Sul. Comunicaria isto ao imperador, bem como o bom trabalho dos súditos empregados
nas Divisões. Não nos sentimos seguros em afirmar que se dava sempre, mas o conflito
entre colonos e índios é muito recorrente nas correspondências que até agora são objeto de
nossa análise. Para ilustrar a temática, selecionamos uma comunicação na qual Estêvão
Ribeiro de Resende (sem remetente aparente) no dia 07/06/1825 indica que o imperador
leu um ofício do presidente da Província (19/05/1825) falando sobre um assunto, dado por
Guido, em que o Diretor Geral disserta sobre a agressão de Antônio José de Souza
Guimarães a índios Botocudos, aparentemente pacíficos, que chegaram à sua fazenda. Sua
Majestade manda que os agressores sejam punidos184.
Por fim, descreveremos, limitados pelas descrições online do Arquivo Público
Mineiro, os outros conjuntos de fontes nas quais pretendemos encontrar subsídios para a
nossa pesquisa. O Fundo Conselho Geral da Província (1828-1834) elenca documentos de
um órgão cujo principal objetivo era propor, discutir e deliberar assuntos concernentes à
184 Revista do Arquivo Público Mineiro; Belo Horizonte, Volumes I, II, III e IV. pp. 3- 159, 1907.
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Província, possuindo correspondências recebidas e documentação interna. O Fundo Junta
Provisória de Governo (1821-1823), possui documentos dessa Junta que era subordinada
diretamente ao Príncipe Regente, e tinha como principal função governar a província,
tendo autoridade na parte civil, econômica, administrativa e de polícia. Seu acervo
contempla documentos referentes a nomeações, provisões e licenças de funcionários,
assuntos internos do exército, questões de terra e limites, mineração, indígenas,
eclesiásticos, intendências, registros, câmaras, eleições, barreiras e recebedorias, e se
constituem de correspondências enviadas e recebidas e de documentação interna, onde
podemos analisar as questões de terra nas regiões de aldeamentos indígenas em Minas
Gerais no século XIX, como conflitos envolvendo colonos e índios. Por fim, a Coleção
Arquivo Público Mineiro (1742-1990), constituída de doações de particulares, famílias e
correspondentes oficiais, tratando de assuntos e períodos diversos, que pode fornecer um
panorama dos políticos e autoridades da província, suas ações no que concerne à política
para os índios e à visão sobre o processo de sua civilização.
As fontes e a bibliografia citadas correspondem, respectivamente, ao material já
visto e sistematizado, e ao que ainda será estudado, haja vista que o que foi aqui exposto
corresponde à análise sobre um projeto de pesquisa iniciado há poucos meses.
Fontes Primárias
Revista do Arquivo Público Mineiro; Belo Horizonte, Volumes I, II, III e IV. pp. 3-159, 1907.
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