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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
MARIANA SILVEIRA
ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL (ARENA) NO PARANÁ:
O “PARTIDO DO SIM, SENHOR” E A DITADURA MILITAR
(1966-1979)
CURITIBA
Junho/2008
MARIANA SILVEIRA
ALIANÇA RENOVADORA NACIONAL (ARENA):
O “PARTIDO DO SIM, SENHOR” E A DITADURA MILITAR
(1966-1979)
Monografia apresentada ao Departamento de História do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, como requisito para a obtenção do grau de Licenciada e Bacharel em História. Orientadora: Profa. Dra. Marionilde Dias Brepohl Magalhães
CURITIBA
Junho/2008
RESUMO
A experiência ditatorial vigente entre 1964 e 1986 no Brasil apresenta singularidades em
relação as demais experiências autoritárias latino americanas, pois trata-se a uma ditadura
que manteve os partidos políticos em atividade e optou pela manutenção de eleições diretas
para os cargos legislativos. Os militares brasileiros, que em vários momentos da história
republicana haviam interferido na vida política, aproximaram-se, naquele período, mais
especificamente, do campo partidário. O regime militar modificou os mecanismos
institucionais para a constituição da representação em vários níveis: não só na presidência da
República, como nos executivos dos governos estaduais e, ainda, nos executivos das capitais
e de outras municipalidades que foram transformadas por decreto em áreas de Segurança
Nacional. Ocupando posições estratégicas no interior do Estado e estabelecendo os limites à
ação dos partidos civis, os militares acabavam com o monopólio da representação política
pelos políticos profissionais. Fruto das mudanças no campo da política institucional, a
ARENA surge como partido de apoio aos militares, o que lhe rendeu o apelido pejorativo de
o “partido do sim, senhor”. Buscamos com essa pesquisa contribuir na compreensão do
papel desse partido – e dos políticos profissionais que o compunham – num quadro político
dominado por militares. Para tanto nos utilizaremos de um conjunto de fontes que compõe
os arquivos do DOPS. Trata-se de uma documentação fabricada pelo próprio regime com o
objetivo de vigiar os civis governistas. A partir da análise do material selecionado pelos
agentes do DOPS durante o período de análise (1966-1979), pretendemos lançar nosso olhar
para a importância de vigiar os políticos que compunham a base de apoio ao regime.
AGRADECIMENTOS A Deus, a quem muitas vezes deixei de agradecer durante essa jornada, em primeiro lugar, por sempre ter abençoado minha vida e me dado força e vontade de continuar no caminho.
À minha família, pelo apoio e confiança depositada com tanto carinho nos bons e maus momentos.
À professora Marion, que tornou esse trabalho possível, graças a sua competência e disponibilidade, agradeço pela orientação e apoio durante a realização da pesquisa. Aos professores da UFPR com os quais tive aula. Eles, mesmo sem saber, deram importantes e indescritíveis contribuições para minha formação pessoal e profissional. Ao Lucas pelo amor, carinho, compreensão e muito companheirismo, coisas estas que sempre me deram força e sem as quais, certamente, não teria tanto entusiasmo para seguir em frente. Aos amigos que marcaram a minha trajetória na universidade. Em especial àqueles com quem convivi na Reitoria, nos jogos de ogrobol, no CAHIS, no DCE, no futebol dos fins de semana, no PET, no trabalho, nas festas, bares e na rua; a todos que provam que a vida é múltipla, extremamente interessante e às vezes incompreensível... Ao contribuinte da classe trabalhadora pela oportunidade de cursar uma universidade pública e usufruir das bolsas de estudo que recebi durante o curso, sem as quais não realizaria este trabalho. Espero retribuir.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................... 01
2 A ARENA NO CENÁRIO DO AUTORITARISMO
BRASILEIRO...........................................................................................................
07
3 UMA DISPUTA PELA ATIVIDADE POLÍTICA................................................ 17
3.1 Sistema Partidário e incerteza.................................................................................... 17
3.2 O Executivo paranaense e a ditadura militar............................................................. 26
4 ARENISTAS NO SENADO, O LEGISLATIVO NA MIRA DO
REGIME...................................................................................................................
32
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 43
6
7
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................
ANEXOS...................................................................................................................
47
50
1. INTRODUÇÃO
A partir do golpe de 1964 que levou à derrubada do governo constitucional de João
Goulart, iniciou-se no Brasil o ciclo militarista que adentraria à década de 1980. O golpe
desencadeado em 1964 – orquestrado por militares com apoio de empresas nacionais e
transnacionais, do governo norte-americano, de setores das Forças Armadas originários da
Escola Superior de Guerra, bem como de outros setores da sociedade civil1 – foi certamente
um marco na história política brasileira.
A entrada dos militares na cena política modificaria completamente a estrutura do
governo. A partir de 1964, ao assumirem o papel de condutores dos negócios do Estado, os
militares passaram a intervir no processo político de forma hegemônica, afastando os civis
dos núcleos de decisão políticas e legando a eles um papel coadjuvante no qual figuravam
apenas como a fachada democrática de um regime autoritário.
Nesta nova configuração do Estado, o aparelho militar passou a exercer uma
multiplicidade de funções administrativas e políticas. Dentre os diversos papéis exercidos
pelos militares, o que mais sobressaiu foi o aparelho coercitivo organizado e implementado
pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), respaldado pelos ditames da Doutrina de
Segurança Nacional.2 O uso da repressão e da violência não se deu exclusivamente nos anos
mais duros do regime, foi uma constante das duas décadas de governo sob a égide do
aparelho militar. Como se sabe, o golpe de 1964 logo colocaria termo à maioria das
instituições envolvidas com o processo de politização da sociedade. A intervenção militar
nas entidades de esquerda foi imediata; bem como a imposição de inúmeras restrições
políticas às instituições civis através da edição de atos institucionais, o que acarretou, aos
poucos, na restrição das liberdades individuais.
Ao mesmo tempo que o aparelho militar fortalecia o Estado, neutralizando as pressões
sociais e buscando atingir um elevado crescimento econômico, as Forças Armadas atingiam
um alto grau de autonomia institucional. Nenhum projeto ou decisão política importante
deixava de passar pelo crivo dos militares. Nesse quadro, os partidos civis atuavam como
meros coadjuvantes, além de estarem divididos entre o partido do governo (ARENA) e a
1 Cf. DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981. 2 Para obter mais informações sobre o escopo teórico da Doutrina de Segurança Nacional e sua implementação no Brasil, Cf. BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. (Orgs.). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura, regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
oposição consentida (MDB). As Forças Armadas, no papel de poder dirigente-hegemônico,
impediam que o centro de decisão política fosse transferido para os civis. Ocupando
posições estratégicas no interior do Estado, os militares estabeleceram os limites à ação dos
partidos civis. A partir de 1964 o quadro administrativo do Estado será então marcado pela
presença e atuação dos militares, dos tecnocratas, e dos políticos oriundos dos partidos
conservadores até então existentes e que se predispuseram a apoiar o novo regime. Estes
atores passarão então a ocupar o centro formal do poder político, assumindo o processo de
decisão e execução das políticas públicas.3
Neste estudo buscamos compreender algumas das relações entre civis governistas e
militares, bem como a disputa de ambos pelo monopólio da representação política. Optamos
pela ARENA como objeto desse estudo, pois entender esse partido é compreender um pouco
o regime autoritário e a preservação do sistema representativo que contribuiu para manter a
aparência de continuidade institucional no país. Como Bolívar Lamounier indica, a
preservação do sistema representativo “ocorreu no interior de parâmetros institucionais que
nem mesmo os militares puderam permitir-se ignorar ou distorcer completamente”.4 E, de
acordo com Maria Dalva Gil Kinzo, a característica do regime militar brasileiro, que o
tornou um caso único, foi justamente “o fato de que os militares dissolveram o antigo
sistema partidário e criaram um novo em seu lugar”.5
A historiografia sobre o regime militar é balizada principalmente pelos marcos de
1964, 1968 e 1974. Assim, privilegia os temas do movimento militar, assinalando o golpe, o
Ato institucional n.º 5, a luta armada, a abertura e o papel do Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Este se distingue por sua vitória em 1974 e por uma atuação nos anos
1980, contemporânea às expectativas do processo de democratização, no qual tem função
importante. No entanto, o cotidiano do regime, assim como suas tentativas e bases de
legitimação, têm sido pouco trabalhadas. Esvaziados de grande parte do seu poder político e
subordinados aos militares, os civis governistas têm sido pouco visualizados em sua
participação no regime autoritário.
Tanto entre pensadores liberais e autoritários, notadamente, entre os anos 20 e 40,
quanto entre historiadores e cientistas sociais, entre os anos 40 e 70, predominou nos estudos
políticos um inventário dos pretensos males dos partidos brasileiros, quais fossem: o
“artificialismo”, o pequeno enraizamento social, a indiferenciação ideológica e o acentuado
3 Cf. BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In: DELGADO, Lucilia de Almeida Neves; FERREIRA, Jorge. (Orgs.). O Brasil Republicano. O tempo da ditadura, regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 4 LAMOUNIER, Bolívar. Perspectivas da consolidação democrática: o caso brasileiro. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, São Paulo, v. 2. n. 4, p. 56, 1987. 5 KINZO, Maria Dalva Gil. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979). São Paulo: Vértice, 1988. p. 225.
clientelismo, além da incapacidade de mobilizar eleitores e sustentar, congressualmente,
políticas públicas.
A teoria política contemporânea sugere que as instituições de representação política
não são garantia do ideal substancial da representação, mas que, no entanto, são
imprescindíveis para sua realização. Neste sentido, estudar objetos clássicos do campo da
política, como os partidos, é contribuir para o conhecimento das condições de
institucionalização da democracia de qualquer país. Apesar de sua relevância, os partidos
políticos brasileiros não têm ocupado lugar de prestígio entre os estudos históricos nas
últimas décadas, tendo predominado, sobretudo, em dissertações e teses de cientistas
políticos. Entre os historiadores, são poucos os trabalhos, e eles se concentram na temática
dos partidos comunistas ou dos socialistas.
Buscamos com essa pesquisa compreender o papel desse partido, no Paraná, – e dos
políticos profissionais que o compunham – num quadro político dominado por militares.
Para tanto, fizemos uso de um conjunto de fontes que compõe os arquivos do DOPS. Trata-
se de uma documentação produzida pelo próprio regime com o objetivo de vigiar os civis
governistas. A análise desse material nos permitiu perceber como os órgãos de repressão
viam os arenistas, bem como visualizar o interesse do governo na vigilância dos políticos
que compunham a base de apoio do regime.
O corte temporal deste estudo tem como marcos o Ato Institucional n.º 2, que decretou
a extinção dos partidos políticos em atividade, e o decreto que extinguiu a ARENA e o
MDB, em 29 de novembro de 1979.
Acredito que esse tipo de estudo seja particularmente pertinente porque coloca em
evidência a autonomia dos diferentes níveis de dominação da ditadura, ao invés de imaginá-
lo como um todo indiferenciado. Por outro lado, aponta também para a responsabilidade de
atores variados na manutenção do regime autoritário.
O primeiro passo desta pesquisa consistiu na leitura sistemática de obras que
auxiliaram na compreensão do contexto dos anos que antecederam o golpe de 1964 bem
como o período de mais de vinte anos que o sucedeu. Fruto da produção de pesquisas
sistemáticas sobre o período, essa bibliografia fundamentou pontualmente algumas de
nossas discussões.
Da conceituada obra 1964: a conquista do Estado de René Dreifuss, retiramos o
escopo teórico que nos permitiu admitir a participação decisiva de segmentos da sociedade
civil no movimento que derrubou o governo de João Goulart e que assumiram um lugar
igualmente relevante no regime instaurado, o que nos chama a atenção para o apoio de parte
expressiva da sociedade ao golpe civil-militar orquestrado em 1964.
Também de forma pontual, Nilson Borges – em estudo publicado no terceiro tomo da
série O Brasil Republicano - nos forneceu algumas informações sobre a teoria da Doutrina
de Segurança Nacional e sua implementação no Brasil. Outros artigos da mesma série, bem
como diversos outros trabalhos publicados nos últimos vinte anos sobre o período,
completaram o quadro bibliográfico no qual nos baseamos para traçar os principais aspectos
do contexto político e social do regime militar.
Sobre a ARENA tivemos acesso a um único trabalho, baseado em pesquisa sistemática
de fontes primárias pertencentes ao partido. Trata-se da análise de Lúcia Grinberg sobre a
memória política deste partido. A partir deste artigo pudemos contar com alguns dados
históricos sobre as disputadas políticas levadas a cabo no período eleito para nossa análise.
Outra obra que nos auxilia na análise do quadro político do período, concernente
especificamente ao estado do Paraná (o que nos interessou particularmente neste estudo), é a
série Paraná reinventado publicado aos auspícios do IPARDES (Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social). Nele encontramos dados sobre as disputas eleitorais
levadas a cabo regionalmente, bem como densa análise do quadro político paranaense.
A segunda etapa de leituras incluiu obras de nomes clássicos da Ciência Política, com
os quais estivemos em constante diálogo para compor a problemática deste trabalho.
Procuro debater com autores como Bolívar Lamounier e Raquel Meneguello que identificam
a história dos partidos no Brasil com uma “longa história de descontinuidade”6. Os dois
estudiosos sintetizam esta idéia ao afirmarem que “diversas formações totalmente distintas
sucederam-se umas às outras, atrofiando-se ou sendo suprimidas pela violência,
praticamente sem deixar um rastro organizacional ou um fio simbólico que pudesse ser
retomado na etapa seguinte”7.
Por fim, para fundamentar a discussão sobre o regime autoritário brasileiro, valemo-
nos da análise clássica de Guillermo O’Donnell sobre o autoritarismo burocrático, bem
como a tipologia realizada por Juan Linz – a qual permite classificar o regime autoritário
brasileiro como sendo um regime autoritário burocrático-militar de pluralismo limitado. Um
último trabalho se faz fundamental na composição do quadro teórico de nossa análise. Trata-
se da discussão feita por Claus Offe na tentativa de analisar a democracia partidária
competitiva do século XX. No trabalho de Offe pude encontrar um referencial para
contrapor a perda de representatividade dos partidos políticos ao longo do último século nas
sociedades capitalistas ao caso específico da ARENA – um partido artificial, que, apesar de
6 LAMOUNIER, Bolívar e MENEGUELLO, Raquel. Partidos políticos e consolidação democrática. O caso brasileiro. São Paulo, Brasiliense, 1986. p. 9-10. 7 Ibid., p. 10.
ser composto por políticos profissionais e de tradição, não contava com um programa que
agremiasse vontades coletivas nem tinha muita influência sobre as decisões do governo.
As principais fontes primárias usadas neste trabalho dizem respeito à documentação
proveniente dos arquivos da DOPS no Paraná. Trata-se de um inventário com inúmeras
publicações do período, todas relativas á Ação Renovadora Nacional (ARENA),
classificadas e selecionadas por responsáveis pela vigilância preventiva do DOPS. Desta
forma, dispomos de grande parte daquilo que foi noticiado na imprensa sobre o partido. O
mesmo acontece com alguns de seus filiados, constantemente na mira do regime. Entre os
periódicos destacam-se tanto aqueles de circulação nacional como os de circulação regional.
Essa documentação cobre todo o período que pretendemos analisar (1966-1979) e diz
respeito aos principais debates e tramas nos quais estavam envolvidos o partido e seus
agremiados.
Naquela época, a ARENA, aproveitando-se dos órgãos já existentes dos partidos que a
antecederam, constituiu diretórios municipais por todo o território nacional, demonstrando
um grande esforço organizacional. Ainda no arquivo da DOPS, sob a guarda do Arquivo
Público do Paraná, encontramos o guia informativo da ARENA com todos os diretórios
municipais do partido bem como um catálogo de seus filiados. Também podemos dispor do
cadastro dos candidatos que concorreram ás eleições pelo partido durante o período em
diversas instâncias.
Entre as outras fontes primárias encontram-se: a legislação normativa complementar à
organização dos partidos e do processo eleitoral; a constituição brasileira de 1967, os atos
institucionais promulgados entre 1964 e 1969, a Emenda Constitucional de 1969 e os
diversos decretos-leis baixados entre 1970 e 1979; e ainda os resultados eleitorais para os
cargos do Legislativo e Executivo de 1966 até 1979 sob proteção do Tribunal Superior
Eleitoral e Tribunal Regional Eleitoral, sistematizados e publicados pelo Instituto
Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES.8
O conjunto de fontes que mais nos interessou foram as pastas pertencentes ao DOPS,
nas quais encontramos uma seleção de recortes de revistas e jornais da época. Todos os
maiores nomes de destaque do partido possuem um dossiê (organizado pelos agentes do
DOPS) com parte do material que circulava na imprensa – e que interessava aos órgãos de
vigilância manter sob seu controle - a respeito da performance política dos civis governistas.
Para cumprir com os objetivos desta pesquisa fizemos um mapeamento desses dossiês,
de modo a perceber que tipo de informação interessava ao regime manter sob vigilância. Ao
fazer as primeiras investigações no Arquivo Público do Paraná, detectamos a existência de
8 IPARDES. O Paraná reinventado: política e governo. Curitiba, 1989.
inúmeras pastas pessoais de arenistas que lançaram candidatura para disputar os cargos
legislativos e até de políticos nomeados aos cargos de maior relevo – como os cargos para
ministérios, secretarias e cargos do executivo estadual. Todos os nomes de destaque do
partido são alvo da vigilância, possuindo extenso dossiê documentando a sua carreira
política. De forma que, para este estudo, elegemos apenas alguns dos dossiês para análise,
quais sejam, aqueles que dizem respeito à carreira política dos arenistas paranaenses que
chegaram a exercer os cargos de governador ou de senador.
Optamos por estruturar esse trabalho em três capítulos. No primeiro apresentamos as
principais abordagens teóricas sobre os regimes autoritários, bem como as especificidades
do caso brasileiro que levaram ao bipartidarismo e à formação da ARENA enquanto partido
de sustentação do governo militar.
No segundo capítulo, primeiramente, fazemos uma análise do AI-2 situando as
principais mudanças nas regras político partidárias ocasionadas a partir da implementação
deste ato institucional. Em um segundo momento, partimos para a análise dos dossiês
referentes aos políticos civis do estado nomeados pelo executivo federal para ocupar o cargo
de governador a partir da edição do AI-2, detendo nossa atenção às mudanças que as
medidas adotadas pelos militares ocasionou na disputa política dentro do estado.
O terceiro capítulo deste trabalho é dedicado à análise da documentação referente aos
senadores arenistas eleitos pelo estado do Paraná. O cargo de senador foi, durante muito
tempo, o único cargo do executivo que entrava na disputa eleitoral. Além disso, fora o cargo
eminentemente ocupado por políticos de visibilidade e renome nacional já bastante
tradicionais no cenário político anterior ao golpe de 1964.
Optamos pela análise da documentação referente aos governadores e senadores
entendendo que estes eram os cargos mais desejados, não só por serem estratégicos na
carreira política do país como, mas também, porque os civis tinham sido excluídos da
competição pelo Executivo federal. Além disso, tanto o cargo de senador quanto o de
governador eram estratégicos na continuidade da carreira política dos civis governistas. Em
partes, isso devia-se ao fato de que, ao menos durante a vigência do regime militar, esses
cargos se configuraram como um trampolim político para ascender a outros postos de
confiança, tal como os postos de ministérios e secretarias federais e estaduais.
2. A ARENA NO CENÁRIO DO AUTORITARISMO BRASILEIRO
Os regimes autoritários de cunho militar levados a cabo nas décadas de 1960,1970 e
1980 na América Latina, constituíram o tema de inúmeros estudos produzidos pela Ciência
Política nas últimas décadas. Dentre as abordagens de maior destaque está a análise de
Guillermo O´Donnell, que identifica no autoritarismo latino americano um tipo de regime
singular o qual veio a qualificar como autoritarismo burocrático. Nas palavras de O´Donnell,
“esse não é qualquer autoritarismo, mas sim um marcado por características provenientes da
especificidade histórica”9.
O autor, que se orienta por algumas concepções e categorias de análise caras ao
marxismo, identifica o Estado burocrático autoritário como um tipo de Estado de uma
sociedade capitalista e que, como tal, é um aspecto (ou uma parte) das relações de produção,
um Estado que organiza as relações capitalistas, no sentido de que tende a articular e
acolchoar as relações entre classes e emprestar elementos cruciais para a reprodução
habitual dessas relações; de forma que, então, o Estado capitalista – e da mesma forma o
Estado burocrático autoritário - é fiador e organizador das relações sociais capitalistas e,
portanto, da dominação que elas concretizam.
O´Donnell ainda identifica o Estado como um conjunto de aparelhos ou instituições.
Dentro desta perspectiva teórica identifica a mercadoria como um momento objetivado do
processo global de produção e circulação do capital. Objetivação esta que, nas palavras do
autor, converte-se em aparência enganadora se não vemos que, antes dela e dando-lhe seu
sentido, encontram-se as relações de produção; por isso, diria O´Donnell, a análise que
começa pela mercadoria só pode arranhar a superfície da realidade social que interessaria
desentranhar para, inclusive, conhecer adequadamente o seu momento. Para o autor, o
mesmo ocorre com o Estado, cujas instituições são um momento objetivado do processo
global de produção e circulação do poder. A conseqüência de não captar a realidade
profunda de ambos os fenômenos – capital e Estado - seria não percebe-los como,
respectivamente, exploração e dominação.
Para O´Donnell, portanto, o interesse geral ao qual o Estado se refere é um interesse
de classe, que – por isso mesmo – inclui um papel de custódia na reprodução da classe
dominada enquanto dominada. Mas o discurso do aparelho estatal postula-se servidor de um
interesse geral indiferenciado: não o das classes na sociedade, mas sim o da Nação. Além do
9 O´DONNELL, Guillermo. Análise do autoritarismo burocrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 62.
mais, o papel de custódia do Estado e relação às classes dominadas pode levar ao
reconhecimento de outra entidade: o povo. Este, pode ser canal de explosiva reivindicação
de justiça substantiva contra o Estado e o pacto de dominação garantido e organizado por
ele; mas a mesma categoria do popular pode ocluir estas revelações e converter-se
fundamentalmente em instrumento de reacomodação de relações entre as classes
dominantes10.
Para o autor, da mesma forma que na esfera fetichizada da circulação do capital cada
sujeito social aparece como abstratamente igual e livre, o cidadão é outro momento de
igualdade abstrata:
A figura do cidadão igual a todos os demais com abstração da sua posição na sociedade é falsa em diversos sentidos, mas seu lado de verdade é a razão de que a forma menos imperfeita de organização política do Estado capitalista seja um regime de democracia política (...). Mas a democracia política contém ambigüidades similares às que detectamos nas categorias restantes. Efetivamente, embora por um lado costume ser um ótimo encobrimento da dominação de classe e da inerente vinculação do Estado a essa dominação, por outro contém mecanismos e possibilidades que, ao dar lugar a diversas ações das classes dominadas, permitem a consecução de interesses e exigências objetiva e subjetivamente importantes para aquelas classes11.
Na América Latina, analisa O´Donnell, a formação de identidades coletivas a nível
nacional por parte de vastos setores até então marginalizados foi feita muito mais como
povo do que como cidadania. Mais cedo ou mais tarde – não só mediante os chamados
populismos -, diversos setores afastados de qualquer participação irromperam como povo.
Nas invocações das lideranças populistas, e nas conseqüentes identificações dos setores
recentemente incorporados à arena política nacional não houve, então, um sentido
predominante daqueles como cidadãos. O que sobressaiu foi a invocação do popular como
fundamento de reivindicações de justiça substantiva que um Estado tutelar teria de atender,
bem como a auto-afirmação nacional-popular ante a oligarquia e ao estrangeiro entrevisto no
sistema de dominação anterior12.
As eclosões populares não são identificadas pelo autor como movimentos de classe,
no sentido de que as classes subordinadas pudessem colocar-se metas autônomas e orientar a
direção geral do processo. Para ele, pelo contrário, elas se canalizaram para uma
recomposição das classes dominantes, que preparou o lugar para que a sua camada superior
fosse ocupada pelos novos apêndices do centro capitalista mundial. Mas “em todos os casos
10 Ibid., pp. 27-28. 11 Ibid., pp. 28-29. 12 Ibid., pp. 30-32.
o processo conduziu a uma reacomodação das classes dominantes, a uma veloz expansão do
capitalismo e a uma forte transnacionalização da estrutura produtiva”13.
O´Donnell mostra que se observarmos a situação da Argentina, do Brasil, do Chile e
do Uruguai antes da implantação dos respectivos regimes burocráticos autoritários,
advertiremos que satisfazia poucas das condições gerais de funcionamento normal destes
capitalismos. Os critérios codificados indicavam que essas economias iam mal e que
continuariam piorando até que, mais cedo ou mais tarde, segundo o caso, colocar-se-ia em
jogo a sua sobrevivência como sociedades capitalistas14.
Embora isso fosse suficientemente alarmante, ainda é preciso entender que não
estava ocorrendo um vazio político. Ao contrário, a crise econômica estava interpenetrada
com uma não menos profunda crise política. Os processos de emergência popular incluíram,
entre outras coisas, a expansão de um setor popular concentrado em grandes centros
urbanos, que abrangia uma classe operária concentrada numérica e geograficamente pelos
concomitantes processos de extensão da indústria. Invocado como povo e portados de
reivindicações de justiça substantiva, esse setor popular continuou intervindo, com crescente
voz e peso próprios, em um cenário político no qual eram colocados conflitos de realocação
de recursos que o escasso ou errático crescimento econômico, combinado com uma inflação
alta, tendia a exasperar15. Na análise de O´Donnell, isto teria realimentado a ativação
política do setor popular, acentuando ao mesmo tempo as oscilações da economia.
Além disso, do ponto de vista das classes e setores dominantes, essa crise implicava
em que não só se satisfaziam as condições gerais de funcionamento normal dessas
economias mas também que se podia chegar ao término do próprio capitalismo. Este risco
foi determinante não só para a implantação do Estado burocrático autoritário, mas também
para as suas características de exclusão em diversos planos. O pretorianismo, a
randomização, as incertezas e as expectativas econômicas negativas conjugaram-se para
estreitar ainda mais os limites impostos pela transnacionalização da sociedade e pela crise da
economia. Isso ocorreu no movimento de pinças traduzido pelas reivindicações de justiça
substantiva que formulava, e às quais respondia um setor popular aumentando assim a sua
ativação16.
Em síntese, a principal e mais profunda de todos os tipos de crise é a crise de
dominação celular (ou social):
13 Ibid., p. 34. 14 Ibid., p. 51. 15 Ibid., pp. 51-52. 16 Ibid., p. 52.
(...) trata-se do aparecimento de comportamentos e abstenções de classes subordinadas que já não se ajustam, regular e habitualmente, à reprodução das relações sociais centrais em uma sociedade qua capitalista. Rebeldia, subversão, desordem, indisciplina trabalhista, são termos que qualificam situações nas quais aparece ameaçada a continuidade de práticas e atitudes antes consideradas “naturais” de classe e setores subordinados (...). Essas situações implicam pelo menos duas coisas: que se afrouxou o controle ideológico e que está falhando a coerção que deveria cancelar a “desordem” (...). Em sua maior intensidade, quando se questiona o papel social do capitalista e do empresário, essa crise ameaça a liquidação da ordem – capitalista – existente. Por isso esta também é a crise política suprema: crise do Estado (...). Mas só pode ser entendida em toda a sua profundidade como crise da garantia política na dominação social (...). É o fracasso do Estado como aspecto fiador e organizador das relações sociais fundamentais em uma sociedade capitalista. Demonstra o cambaleio da garantia coercitiva e a atenuação dos encobrimentos ideológicos que, durante crises menos profundas, permitem a reprodução cotidiana daquelas relações e, com elas, da sociedade que se articula em torno desse eixo (...). A sacudida dessas relações e, com elas, portanto, do Estado, é o que origina os temores mais primordiais da burguesia, bem como dos setores sociais e instituições que costumam alinhar-se com aquela para tratar de reinstaurar a “ordem” e a “normalidade” (...). A implantação do BA [autoritarismo burocrático] é uma reação tanto mais drástica quanto mais intensos são os temores despertados no período precedente17.
A partir desta análise política e econômica da conjuntura latino americana que
antecede a implantação do autoritarismo burocrático em vários países da América Latina,
O´Donnell conceitua o autoritarismo burocrático como um tipo de Estado autoritário cujas
principais características são: ter como sua principal base social a grande burguesia; contar
institucionalmente com um conjunto de organizações no qual adquirem peso decisivo as
especializadas na coerção, bem como as que tentam levar a cabo a “normalização” da
economia; ser um sistema de exclusão política de um setor popular previamente ativado, ao
qual submete a severos controles que visam a eliminar a sua prévia presença no cenário
político, bem como a destruir ou capturar os recursos que sustentavam essa ativação;
provocar a supressão da cidadania e da democracia política; excluir o setor popular dos
planos de desenvolvimento econômico do setor popular; tentar sistematicamente
“despolitizar”o tratamento de questões sociais; seu regime, não formalizado porém
claramente vigente, implica o fechamento dos canais democráticos de acesso ao governo e,
junto com eles, dos critérios de representação popular ou de classe18.
A experiência inédita desses regimes – não a intervenção militar na política
propriamente dita, que é fato recorrente na história da América Latina – levou pesquisadores
das mais diversas áreas do conhecimento a formularem teorizações que explicassem aquela
realidade. Teoricamente, as interpretações da crise de 1964 podem ser identificadas em
17 Ibid., pp. 55-59. 18 Ibid., pp. 61-62.
inúmeras correntes teóricas. Nessa abordagem, em que enfatiza os fatores econômicos –
basicamente aqueles ligados à necessidade de manutenção de modelo de acumulação
capitalista concentrador de renda -, O´Donnell fornece um dos grandes referenciais para
pensar o regime autoritário brasileiro.
Outra definição canônica de regime autoritário é aquela formulada por Juan Linz,
para quem o regime autoritário se refere aos sistemas políticos de pluralismo limitado, não
responsável, sem uma ideologia mas com uma mentalidade peculiar, carentes de
mobilização política intensa ou extensa, exercendo o poder dentro de limites formalmente
mal definidos mas bastante previsíveis, cujos líderes não necessitam de qualidades
carismáticas mas combinam elementos de autoridade carismática, legal e tradicional. Assim,
nesses regimes, o pluralismo é caracterizado pela diferença entre mentalidades e ideologias,
pela apatia e a despolitização como meios de reduzir a tensão na sociedade, o que
contrastaria com o ativismo dos sistemas totalitários19.
A respeito da distinção, nos regimes autoritários, de “mentalidade” e “ideologia”,
Linz afirma que se quisermos “analisar o regime autoritário em suas diversas formas
devemos examinar os estilos de liderança e os diferentes modos de conceber a relação entre
o poder do Estado e a sociedade. As ‘ideologias’ contêm um forte elemento utópico; as
‘mentalidades’ estão mais próximas do presente ou do passado. Os sistemas totalitários têm
ideologias, enquanto os regimes autoritários se baseiam em mentalidades peculiares,
difíceis, portanto, de definir”20.
Linz dá uma interpretação peculiar ao partido autoritário, com ênfase na relação
entre partido e exército, estudando as formas de controle social e a posição dos militares.
Concluindo a sua análise, o autor fala sobre a dinâmica dos regimes autoritários, apontando–
os como híbridos, instáveis, sujeitos a pressões e tensões rumo à democracia ou ao
totalitarismo.
Sintetizando, podemos afirmar que é em Juan Linz e Guillermo O’Donnell que
encontramos uma tipologia para os regimes autoritários. O’Donnell vê o Brasil pós-64 como
uma nova forma autoritária, denominada por ele de burocrático-autoritária. No seu entender,
com essa denominação, procurava distinguir o regime brasileiro - e o argentino - de
simplesmente regimes autoritários ou militares ou, ainda, fascistas. Para o autor, o regime
burocrático autoritário “corta desde a raiz a ameaça de uma crescente ativação política a
cujo compasso foram amolecendo os contrastes do Estado e das classes dominantes sobre o
19 LINZ, Juan. Regimes autoritários. In: PINHEIRO, P. S. (Org.). Estado autoritário e movimentos populares. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 20 Ibid., p. 124-125.
setor popular. O regime burocrático-autoritário impõe uma nova ordem social, mesmo que
para atingir tal objetivo, se utilize da violência estatal e paraestatal”21.
Na outra ponta da doutrina sobre regimes autoritários, Linz formula uma tipologia
que aponta para um regime autoritário burocrático-militar que, no seu entender, reconhecia a
presença de uma fusão de oficiais e burocratas e o baixo grau de participação política por
parte da sociedade civil. Além disso, essa mesma tipologia não via a necessidade da
existência de uma ideologia oficial e de um partido de massa para dar sustentação ao regime.
Nessa tipologia podemos identificar o regime instaurado em 1964, o qual dispensou
o partido político como ligação organizacional entre a sociedade e o Estado, fazendo com
que as Forças Armadas surgissem como fiadoras da ordem autoritária, sendo que o processo
de tomada de decisões políticas preservou uma estrutura hierárquica rígida e centralizada
nas mãos do Executivo. Ao Legislativo, reservou-se o papel de ator político coadjuvante ou
de membro homologador de decisões superiores.
O AI-1 daria poderes excepcionais às Forças Armadas, mas teria um prazo de
validade, limitando sua vigência até janeiro de 1966, quando, em tese, as forças militares
devolveriam o poder aos civis. Porém, expirada a vigência do AI-1, por uma manobra
política dos setores mais conservadores da instituição militar, o presidente Castelo Branco
decretaria o AI-2 em outubro de 1965, que reforçaria os poderes do presidente, que passaria
a poder baixar atos adicionais aos atos institucionais. A principal novidade do AI-2 era a
indeterminação do conceito de segurança nacional, propiciando uma ampliação
indiscriminada de sua prática, e a extinção dos partidos políticos existentes, criando um
sistema bipartidário artificial, dividido entre a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Para compreender as dificuldades dos partidos criados no regime militar, bem como
para avaliar as tensões entre a ARENA e o governo (um dos principais objetivos dessa
pesquisa), é necessário considerar igualmente o processo de consolidação do sistema
partidário do pós-45. Maria Helena Moreira Alves ressalta que o fim dos partidos
desarticulou a oposição22, mas não só esse campo, pois o AI-2 teria também desarticulado a
organização dos próprios políticos como interlocutores do movimento de 1964. Ao extinguir
os partidos, o AI-2 criava novos conflitos, pois fortalecia o poder Executivo, e gerava um
desequilíbrio entre os grupos que apoiavam o movimento. Além do mais, ao obrigar as
forças políticas a se organizarem em dois campos, o governista e o de oposição, Castelo
Branco estabeleceu uma divisão que não considerava todas as características do sistema
21 O’DONNELL, G. Op. Cit. P. 53. 22 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil. 1964-1984. Petrópolis: Vozes, 1984, p. 95.
partidário anterior, diluindo o fato de os partidos representarem muito mais do que apoio ou
oposição àquele ou a qualquer regime.
Nesse novo cenário político fundava-se a ARENA – resultado de inúmeras
articulações entre os políticos da época -, a partir do encontro de militares, parlamentares,
governadores e ministros. A composição da Comissão Executiva Nacional e do Diretório
Nacional mostra as bases sobre as quais o partido se organizou: nomes da UDN, do PSD, do
PTB, do PDC, do PSP, principalmente23. A seleção dos políticos na composição do
Diretório Nacional representava os estados da federação e, em cada estado, os diferentes
partidos extintos que formaram a ARENA. É o perfil de um partido formado por políticos
profissionais socializados entre os anos 1930 e 1950, pertencentes aos principais partidos do
período de 1945 a 1965, tendo em comum uma experiência de décadas na vida política
nacional.
Evidente que a forma como se configuraram os partidos durante o regime de exceção
no Brasil foge aos conceitos clássicos de partido político. Entre autores consagrados, há, de
certa maneira, um questionamento sobre se a ARENA poderia ser compreendida como um
partido político ou não. No estudo pioneiro de Maria do Carmo Campello de Souza
encontramos algumas referências à ARENA, usando a noção de “pseudo-partido”, de Juan
Linz. Isso porque uma das características dos regimes autoritários seria a incapacidade dos
partidos participarem na formulação das alternativas políticas nacionais, perdendo assim
uma de suas atribuições fundamentais24. Mas outros pontos se somam a essa visão de um
“pseudo-partido”. De acordo com Maria Dalva Gil Kinzo, por exemplo, a principal
característica da ARENA e do MDB era a diversidade de origens partidárias de seu
componentes, o que não seria apenas “uma conseqüência natural do modo artificial pelo
qual foi estabelecido o bipartidarismo, mas também refletia a falta de clareza no caráter
ideológico e representativo dos antigos partidos políticos”25. Em outro estudo, Lúcia Klein
identifica a ARENA com uma “gigantesca máquina, disforme e desestruturada, mais do que
um partido, a ARENA era, na realidade, um agregado de correntes políticas”26. Por seu
turno, Bolívar Lamounier e Raquel Meneguello afirmam que a “ARENA era tão recente,
artificial e, sobretudo, tão impotente quanto o MDB”27.
23 GRINBERG, Lúcia. Uma memória política sobre a Arena: dos “revolucionários de primeira hora” ao “partido do sim, senhor”. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Et all. (Orgs.). O golpe militar e a ditadura. 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004. 24 SOUZA, Maria do Carmo Campelo de. Estado e partidos políticos no Brasil: 1930-1964. São Paulo: Alfa-Ômega, 1990. 25 KINZO, Maria Dalva Gil. Oposição e autoritarismo: gênese e trajetória do MDB (1966-1979). São Paulo: Vértice, 1988, p. 32. 26 KLEIN, Lúcia. Legitimidade e coação no Brasil pós-64. Rio de janeiro: Forense-Universitária, 1978, p. 82. 27 LAMOUNIER, Bolívar; MENEGUELLO, Raquel. Partidos políticos e consolidação democrática: o caso brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 67.
Essas análises, como se vê, são marcadas pela idéia de artificialidade do partido, seja
pela limitada influência no governo ou pela diversidade de origens partidárias de seus
membros. As proposições formuladas sobre a ARENA são sempre marcadas pela ausência,
pelo que ela não é, não tem, não faz.
A crise da democracia partidária, no entanto, não é uma marca exclusiva de regimes
autoritários de pluralismo limitado. Tão pouco é uma exclusividade das chamadas
democracias originárias, onde existe uma grande tradição de processos eleitorais livres. Essa
crise, identificada e teorizada por Claus Offe, também se espalhou para todos aqueles países
de democratização recente, categoria em que podemos enquadrar o Brasil.
Claus Offe identifica como uma das consequências imediatas da criação de um
verdadeiro “mercado eleitoral” nas democracias, logo após a segunda guerra, a progressiva
burocratização dos partidos e seu afastamento dos conflitos imediatos da sociedade28.
Contrariando o que esperavam Karl Marx e John Stuart Mill no século XIX, esta
burocratização atingiu inclusive partidos de base operária, como o Partido Social Democrata
Alemão e o Partido Trabalhista Inglês29.
Segundo Claus Offe, três são os efeitos principais dessa dinâmica sobre os partidos:
a desradicalização da ideologia dos partidos, que passam a se adequar ao mercado político; a
burocratização e centralização do partido, que passa a desempenhar atividades como coletar
recursos materiais e humanos, disseminar propaganda e informações sobre a posição do
partido sobre um grande número de temas políticos diferentes, explorar o mercado político
indentificando novos temas e conduzindo a opinião pública – sendo uma das pricipais
consequências desse padrão burocrático-profissional da organização política a desativação
das bases do partido; a heterogeneidade estrutural, ideológica e cultural de seus filiados,
com a dissolução do sentido de identidade coletiva30.
Compreendendo, porém, as possibilidades de atuação e as especificidades de um
partido em um regime de pluralismo limitado, creio que se alterarmos o foco da análise
tentando compreender o partido como grupos constituídos por indivíduos socializados em
organizações políticas anteriores, abre-se uma nova perspectiva de estudo para compreender
as relações da ARENA com o governo militar.
Nesse sentido creio que um primeiro passo importante seja, ao invés de observar
apenas a sigla ARENA, procurar os nomes que formaram o partido, pois então
encontraremos boa parte dos políticos que construíram a UDN e o PSD. Se a ARENA foi
28 OFFE, Claus. A democracia partidária competitiva e o “Welfare State” Deyneisano: fatores de estabilidade e desorganização. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. 29 Ibid., p. 362. 30 Ibid., pp. 363-365.
inventada pelo regime militar, seus membros não o foram. Além disso, estes foram visados
pelo sistema repressivo, aspecto que constituiu-se como objeto central desta pesquisa.
Em pesquisas sobre sistemas partidários, alguns cientistas políticos têm apontado o
quanto as lideranças individuais desempenham papel importante no funcionamento de um
sistema. Antônio Lavareda sublinha que uma das variáveis de sistemas partidários é a
imagem emitida pelas lideranças como contribuição para ampliar ou sedimentar o processo
de identificação entre os partidos e seus eleitores31. Entre os políticos, a extinção formal dos
partidos apresentou resistências e não significou cancelamento, pois suas redes de relações
permanecem em boa parte como tais, embora dentro de um só partido.
Quer dizer, é preciso considerar que os candidatos da ARENA não apenas
representavam o movimento de 1964 e o novo regime, mas também possuíam vínculos com
o eleitorado muito anteriores àquele marco, vendo-se obrigados a representá-lo.
Uma certa continuidade das redes que formaram os partidos políticos extintos,
observada ao longo do bipartidarismo, mostra que não só eles não eram tão frágeis como
procuraram se manter em outro contexto. A continuidade deveu-se, em grande parte, a uma
opção política dos militares, que admitiram compor com as lideranças partidárias,
garantindo o reconhecimento de suas diferenças. Certamente, vale ressaltar, que não se
tratava de uma composição com quaisquer lideranças, mas com aquelas organizadas
partidariamente: aquelas pessoas que possuíam longa trajetória no campo político.
Isso talvez explique, em parte, porque o regime teve interesse em vigiar os políticos
que compunham a sua base de apoio no legislativo e no executivo. Os dossiês, construídos a
partir do material veiculado pela imprensa durante os anos de regime militar, parecem ter
como objetivo traçar um panorama da carreira política das principais lideranças estaduais;
ao fazermos um levantamento desses dossiês, percebemos que o material selecionado pelo
DOPS diz respeito à carreira dos políticos de maior proeminência no Estado e, na maior
parte das vezes, de maior fidelidade ao regime.
Vigiar a conduta destes políticos profissionais possivelmente tenha sido uma
estratégia encontrada pelo regime para selecionar aqueles nomes que poderiam assegurar
suas prerrogativas nos cargos do executivo e nos ministérios não ocupados por militares ou
tecnocratas. De forma que a seleção de políticos profissionais da base governista para os
cargos de maior destaque no governo não significava tão somente uma premiação dos
eleitos confiáveis, mas representava acima de tudo uma base segura para a governabilidade
dos militares e a manutenção de seus interesses.
31 LAVAREDA, Antônio. A democracia nas urnas: O processo partidário eleitoral brasileiro entre 1945 e 1964. Rio de janeiro: Rio Fundo, 1991, p. 131.
De modo geral, a análise dos dossiês nos permite visualizar que tipo de informação era
recolhida pelo DOPS em relação à trajetória política dos arenistas, de tal forma que
podemos vislumbrar algumas das possíveis razões para o regime manter a vigilância dos
políticos profissionais que constituíam sua base de apoio político. Análise esta que será
desenvolvida nos capítulos subsequentes.
3. UMA DISPUTA PELA ATIVIDADE POLÍTICA
3.1 Sistema Partidário e incerteza
O período que se estende de 1945 a 1964 constitui a mais longa experiência partidária
da República brasileira, e é nesse momento que são formados os quadros que iriam
gerenciar a máquina governamental no Paraná mesmo após o golpe civil militar de 1964. Ao
longo desta fase da República há o predomínio de partidos como a UDN, o PSD e o PTB
nas disputas eleitorais. No entanto, é preciso observar o desempenho de outras agremiações
e o avanço de partidos menores, sobretudo, no caso paranaense, no qual os partidos
majoritários são obrigados a ceder espaço para os pequenos partidos no início da década de
1960.
Nos últimos anos de regime democrático, teve ascenso no cenário político paranaense
o PDC – um pequeno partido político com algum prestígio sobretudo na capital. Ele
despontaria nas elições governamentais de 1960, elegendo seu candidato Ney Aminthas de
Barros Braga – ex-chefe de polícia e ex-prefeito de Curitiba – como chefe do executivo
estadual. O candidato empreende uma campanha apoiada pela Igreja Católica, na qual
prevalece o discurso em prol da justiça social, da moralização da coisa pública e do
anticomunismo. Como salienta Magalhães, Ney Braga representava uma alternativa diante
das ameaças que colocavam o esquerdismo ateu e a corrupção como inimigos de uma
sociedade carente de salvação, nascia então um político que passa a “representar” a inovação
no Paraná.32
A disputa eleitoral para o governo do estado (de 1960) é acirrada, mas acaba por
consolidar Ney Braga, mesmo sem um partido forte para apoía-lo, como governador do
Paraná. Inaugura-se então uma fase em que sua liderança será decisiva para o entendimento
do campo político no estado.
O seu primeiro mandato caracteriza-se por medidas administrativas que dinamizariam
o setor industrial, “tido, pelos técnicios do governo, ligados à ‘escola cepalina’, como
condição sine qua non para a superação do subdesenvolvimento”.33 Tais teses, como mostra
Magalhães, seriam rapidamente incorporadas ao discurso neysta, como um “projeto
político” por ele previamente estabelecido. Seus atos seriam então acompanhados pela sua
projeção pública enquanto um homem de capacidade empreendedora.
32 IPARDES. O Paraná Reinventado: política e governo. Curitiba, 1989, p. 138. 33 Ibid., p. 143.
Seu projeto de desenvolvimento seria levado a cabo mediante a criação de
hidrelétricas, a ampliação de rodovias, a ampliação das instalações do Porto de Paranaguá, o
início de um plano de telecomunicações, a diversificação do setor agrícola, a destinação de
verbas significativas para o investimento na indústria privada e em educação. E, finalmente,
para levar os benefícios do desenvolvimento a todas as regiões, Ney dividiria o Paraná em
dezesseis sub-regiões, agindo interadamente a favor de uma intensificação do serviço
público.34
O crescimento do PDC se concretizaria nas eleições de 1962 com a conquista de nove
cadeiras na Câmara Federal e doze na Assembléia Legislativa. O bom desempelho político-
partidário do PDC, acompanhado do sucesso admistrativo, favorece a projeção de Ney
Braga no cenário nacional. O então governador do Paraná apóia o golpe de 1964 acreditando
ainda ser viável a realização de eleições diretas para o Executivo.35
O regime instaurado em 1964 mantém as eleições diretas para governadores em 1965.
No estado do Paraná é eleito Paulo Pimentel, pelo PTB. Pimentel, que despontava como
uma liderança nova no estado, não se caracteriza como adversário de Ney Braga, ao
contrário, ele fora secretário da Agricultura durante o governo braguista. Pimentel, natural
do interior de São Paulo, projeta-se na política como um representante político do Norte
cafeeiro, saindo de um cargo executivo para disputar o governo do estado, o primeiro cargo
eleitivo de sua vida política.
Ney Braga deixa o governo e assume o Ministério da Agricultura no governo Castello
Branco, cargo que, acreditava, o auxiliaria na campanha pela Presidência da República.
Como apontado por Magalhães, “de fora do estado, procurará manter coesas suas bases
partidárias, que se vêem constantemente ameaçadas pela figura de Pimentel e, no plano
federal, por representantes da ‘linha dura’ do regime, facção que não incorporava Ney Braga
em seus quadros de confiança”.36
Em 27 de outubro de 1965, cerca de vinte dias após as eleições estaduais que
colocariam Paulo Pimentel no comando do governo do estado do Paraná, os militares
extinguiram os partidos políticos em atividade através do Ato Institucional n.º 2. Entre os
contemporâneos do AI-2, circulou uma percepção bastante distinta das consequências da
extinção dos partidos. Alguns articulistas da grande imprensa imaginavam que o AI-2
apenas precipitava a reorganização dos partidos políticos, tornando o sistema partidário mais
nítido. Esperava-se, então, a formação de um sistema partidário menos fragmentado, no qual
as forças políticas se reuniriam em torno dos maiores partidos: o Partido Social Democrático
34 Ibid., p. 144. 35 Ibid., p. 145. 36 Ibid., p. 146.
(PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a União Democrática Nacional (UDN). O
AI-2, neste caso, iria realçar os matizes partidários do sistema de 1945 ao invés de dissolvê-
los. Erro de avaliação ou desinformação sobre as intenções do governo, o fato é que estes
articulistas não estavam sozinhos. Dentre os dirigentes partidários, muitos imaginaram e
acreditaram ser possível a reorganização de seus partidos37.
Em sua pesquisa sobre o PSD, Lúcia Hippólito entende que o sistema partidário
encontrava-se em um processo de desagregação38. De acordo com a autora, quando a
oligarquia do PSD optou pela destruição de sua Ala Moça, afastou-se do centro do sistema
partidário, que não foi ocupado por nenhum outro partido ou coligação. Uma vez
abandonado o centro, uma tendência centrífuga se instalou no sistema; os extremos
transformaram-se em irresistíveis pólos de atração e “assim, a partir do final da década de
1950 iniciou-se a desagregação do sistema partidário. O PSD fragmentou-se internamente,
com dissidências à esquerda e à direita; o partido perdeu as condições mínimas de coesão
interna para liderar o processo político”39. Para Lúcia Hippólito, portanto, a extinção dos
partidos políticos pelo AI-2 significou o fim da agonia de um sistema partidário.
Em contrapartida, Bolívear Lamounier e Raquel Meneguello postulam que não pode
haver dúvida de que as intervenções nos sucessivos sistemas partidários em atividade no
país, desde a primeira formação no Império, “são uma das causas (embora possam também
ser consequência) da instabilidade partidária”40, vigente em nossas experiências liberais-
democráticas.
Por outro lado, a historiografia do golpe de 1964 considera indispensável a
compreensão da conjuntura econômica do período41. Maria Helena Moreira Alves ressalta
que o fim dos partidos desarticulou a oposição42, mas não só esse campo, pois o AI-2 teria
também desarticulado a organização dos próprios políticos como interlocutores do golpe de
1964. Ao extinguir os partidos, o AI-2 criava novos conflitos, pois fortalecia o poder
Executivo, e gerava um desequilíbrio entre os grupos que apoiavam os militares.
Numa outra linha, estão as pesquisas sobre os partidos políticos e atividade entre 1945
e 1965, que constituem uma literatura orientada, principalmente, pelo objetivo de
compreender o processo que levou ao golpe de 1964. Naquelas investigações enfatiza-se,
37 Cf. GRINBERG, Lúcia. Uma memória política sobre a Arena: dos “revolucionários de primeira hora” ao “partido do sim, senhor”. In: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Et all. (Orgs.). O golpe militar e a ditadura. 40 anos depois (1964-2004). Bauru: Edusc, 2004. 38 HIPPÓLITO, Lúcia. De raposas e reformistas: o PSD e a experiência democrática brasileira 91945-64). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 256. 39 Ibid., p. 255. 40 LAMOUNIER, Bolívar e MENEGUELLO, Raquel. Partidos Políticos e consolidação democrática. O caso brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 21. 41 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. Petróplis: Vozes, 1984, p. 19. 42 Ibid., p. 95.
geralmente, uma série de fatores como a não-institucionalização do sistema político-
partidário, a ausência de identificação partidária dos eleitores, a fragmentação eleitoral,
apontando, finalmente, para um sistema partidário em desestruturação no início dos anos
1960. Contudo, mais recentemente, alguns autores têm questionado essa “crise de
representatividade” dos principais partidos do período de 1945-1964, como Antônio
Lavareda e Argelina Figueiredo43. Na verdade, Antônio Lavareda defende uma tese
contrária, ou seja, a de que o sistema político-partidário encontrava-se em processo de
consolidação, o que procura demonstrar observando a estabilidade dos formatos das disputas
eleitorais e uma alta taxa de identificação partidário entre os eleitores44. Já para Argelina
Figueiredo, a radicalização por parte dos atores políticos, assim como o desprezo pela via de
negociação no Parlamento, eram sinais de uma concepção instrumental de democracia então
vigente45 compartilhada pelos partidos. Estas interpretações, portanto, sugerem uma nova
dimensão para a compreensão do processo que culmina com a eliminação dos partidos em
1956 e com a criação do bipartidarismo.
O que propõe, assim, é uma análise detalhada do processo que levou à extinção dos
partidos políticos em atividade e à formação dos novos partidos, privilegiando-se, para
tanto, a diferenciação entre os projetos e ações dos diversos grupos de atores envolvidos: os
militares e os civis do governo Castelo Branco e os dirigentes dos principais partidos.
Durante o ano de 1964, o governo Castelo Branco não editou nenhuma lei relativa ao
funcionamento dos partidos políticos que modificasse o sistema partidário vigente, o que
indica, no mínimo, que este não era um ponto urgente (se é que estava previsto) da agenda
dos militares. Apenas em 15 de julho de 1965, mais de um ano após a ascensão dos
militares, tendo em vista as eleições que se realizariam no dia 3 de outubro, o governo
editou uma nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos, indicando que seu projeto era manter o
sistema partidário, mas com uma modificação fundamental. A nova lei orgânica distinguia-
se basicamente por aumentar a cláusula de funcionamento dos partidos para 3% do
eleitorado que tivesse votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Ou seja,
seu claro objetivo era diminuir o número de partidos, mas não eliminar o sistema existente
como um todo.46
43 Fábio Wanderley Reis também é uma exceção; o autor identifica o crescimento do PTB e a mobilização política dos setores populares como uma das motivações para a extinção dos partidos, sendo contrário à tese do amorfismo dos partidos políticos. REIS, Fábio Wanderley. “O Eleitorado...” p. 73-75. 44 LAVAREDA, Antônio. Democracia nas urnas. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1991. 45 FIGUEIREDO, Argelina. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas á crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993. 46 CORRÊA, Oscar Dias. Os partidos políticos – os sistemas eleitorais. In: Revista de Ciência Política. Rio de Janeiro, vo. 5, n.º 3, 1971. p. 5-35.
Em 1965, portanto, ocorreriam as únicas eleições após o golpe, nas quais competiriam
os partidos políticos em atividade há cerca de vinte anos no país: Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), Partido Social Democrático (PSD), União Democrática Nacional (UDN),
Partido Social Progressista (PSP), Partido Democrata Cristão (PDC), Partido Liberal (PL) e
outros. Realizadas as eleições e derrotados os candidatos da UDN em 9 dos 11 estados (nos
demais estados, de acordo com o calendário eleitoral, as eleições para governador se
realizariam em 1966), a idéia original de apenas reformar o sistema partidário existente foi
alterada. A transformação certamente vinculou-se às interpretações construídas sobre os
significados dos resultados dessas eleições.47 Uma dessas interpretações, elaborada
provavelmente por militares interessados em radicalizar o processo político, entendia que a
derrota dos candidatos udenistas na maioria dos estados, mesmo onde venceram os
candidatos do PSD com o apoio do PTB, significava a derrota do movimento que levou ao
golpe civil-militar de 1964 ante a oposição. Esta interpretação encontra-se igualmente em
estudos de cientistas políticos e historiadores, produzidos a posteriori, mas nestes casos
talvez ela seja um efeito dos resultados da organização subseqüente dos partidos em torno
do eixo pró ou contra os militares. Assim, torna-se fundamental perguntar até que ponto tais
resultados eleitorais não espelhavam realmente derrotas de udenistas e vitórias de
pessedistas e petebistas, e não a vitória de uma oposição propriamente dita aos golpistas.
Não é dificil compreender que a historiografia sobre o regime militar costuma ter
como marco fundamental o ano de 1964. No entanto, por mais que o golpe civil-militar
tenha afetado de imediato o sistema político e partidário – através de inúmeras cassações e
da utilização de decretos como os atos institucionais e complementares, em detrimento do
Congresso Nacional e dos partidos políticos -, só com o AI-2, em 1965, houve uma
transormação estrutural. A perplexidade geral dos políticos48, logo após o AI-2, indica bem
de que maneira o pertencimento aos paritdos não havia sido fundamentalmente alterado pelo
golpe de 1964. Mostra também que, por mais que no interior de cada partido houvesse
diferenciação de posições quanto ao governo Castelo Branco, os políticos continuavam
sentindo-se membros das mesmas organizações e, através delas, cotinuavam desenvolvendo
projetos para os anos subsequentes.
Como já foi mencionado, em seguida à derrota dos candidatos da UDN, a idéia inicial
de apenas reformar o sistema partidário foi radicalmente interrompida através do decreto do
AI-2. Tratava-se então de realizar uma ampla reforma político-partidária. Tanto Maria
Helena Moreira Alves quanto outros estudiosos da matéria têm razão quando identificam no
47 BRANCO, Carlos Castelo. Os militares no poder. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. 48 Cf. GRINBERG, Lúcia. Op.cit.
regime militar um modelo de gestão ad hoc das crises políticas, estando ausente um
esquema completo de criação de instituições na Doutrina de Segurança Nacional.49
Logo após o AI-2, era grande a incerteza relativa á nova regulamentação do sistema
partidário. Nesse documento estava previsto que para a organização dos novos partidos
seriam mantidas as exigências da Lei Orgânica de 1965 e suas modificações, mas circulava
nos jornais que a intenção do governo era permitir a organização de apenas dois partidos.50
No curto período entre o AI-2 e a regulamentação definitiva dos novos partidos, cerca de um
mês, os parlamentares reuniram-se junto a suas lideranças e articularam projetos
diferenciados. Os membros dos vários partidos encontravam-se então diante de alguns
dilemas tendo em vista a reorganização partidária.
Este período de indefinição das novas regras permite analisar estes projetos como uma
aproximação às expectativas então vigentes. Entre os projetos destaca-se uma orientação
majoritária que buscava a continuidade das organizações e o início de articulações para
possíveis alianças entre os partidos extintos. Os projetos deste momento mostram como os
homens que formavam os partidos não se desorganizaram após o decreto e seus projetos de
continuidade indicam não só a organicidade dos partidos extintos, como a consciência de
que valia a pena apostar em seu partrimônio acumulado. O que encontramos é o esforço de
várias lideranças partidárias em preservar as carcterísticas de seus partidos nas novas
organizações que seriam criadas. Percebe-se, assim, que a dissolução do sistema partidário
do pós-1945 não foi uma espécie de evolução natural, mas o resultado de uma intervenção
autoritária e casuística, que contou com reistências bem consideráveis. Tal intervenção foi
realizada imediatamente após as eleições de 1965, quando os partidos e o eleitorado
demonstraram que o golpe de 1964 não havia superado a autonomia e a força das legendas
junto ao eleitorado.
Enfim, em 20 de novembro de 1965 foi decretado o AC-4, regulamentando a criação
das organizações provisórias com atribuições de partidos políticos. O AC-4 trouxe,
finalmente, a definição do perfil do novo sistema partidário. Uma análise das preocupações
subjacentes à nova legislação permite perceber o que estava sendo projetado, definido e
desejado sob o rótulo de partidos políticos. O objetivo do governo era, em primeiro lugar,
criar um sistema partidário novo. Outro ponto de destaque era o fato de que a iniciativa de
organização dos partidos tinha que partir dos membros do Congresso Nacional, em número
não inferior a 120 deputados e 20 senadores. Isto significava que era importante limitar o
49 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil: 1964-1984. Petrópolis: Vozes, 1984. p. 87. CRUZ, Sebastião C. Velasco e MARTINS, Carlos Estevam. De Castelo a Figueiredo: uma incursão na pré-história da “abertura”. In: SORJ, Bernardo e LAMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (Org.). Sociedade e
Política no Brasil pós-64. Sâo Paulo: Brasiliense, 1983. p. 13-61. 50 Cf. GRINBERG, Lúcia. Op.cit.
número de partidos, não se desejando nem um sistema de partido único, nem um
multipartidarismo amplo.
Em terceiro lugar, a operação de desmonte dos velhos partidos aparecia
simultanamente à organização dos novos partidos. O artigo no. 11 do AC-4 estabelecia que
“o patrimônio dos partidos extintos terá a destinação prevista nos seus estatutos, cabendo ao
último presidente de cada um deles, no prazo de 60 dias, promover a execução deste
dispositivo”.51 O patrimônio dos partidos políticos constituia-se de muitos tipos de bens
materiais e simbólicos. Do ponto de vista material, particularmente visado pelo artigo 11,
ressaltava-se as sedes (nacional, regionais, locais), lugares de reunião de militantes e
referência de eleitores. O AC-4 projetava, desse modo, a descontinuidade do sistema
partidário através da própria destruição física das referências. Os lugares de reunião dos
membros dos partidos não deveriam ser os mesmos, o que era um sinal da preocupação não
só com a possibilidade de manutenção dos antigos partidos, paralelemente à criação dos
novos, como também com uma incorporação do patrimônio dos partidos extintos pelos
novos, seguindo-se vários desdobramentos inevitáveis da herança.
O artigo número 13 do AC-4 segue essa mesma linha de cancelamento, pois previa que
“os nomes, siglas, legendas e símbolos dos partidos extintos não poderão ser usados para
designação das organizações de que trata este Ato, nem utilizados para fins de propaganda
escrita ou falada”.52 Assim, procurava-se desvincular do anterior o sistema partidário recém-
criado, impedindo a sobrevivência de seu patrimônio material e simbólico, o que, me larga
medida, era o maior responsável por sua identificação junto ao eleitorado. Em contrapartida,
os líderes dos partidos extintos procuravam então reafirmar sua história, seus ideais, suas
lutas, delimitando seu território. Mostravam assim a necessidade de preservar a identidade
de suas organizações, porque era através dela que se comunicavam com seus eleitores.53
Certamente, o regime militar esforçou-se em “cancelar” a memória dos partidos do
regime democrático de 1945-1964, situação que objetivou na extinção, pelo AI-2, dos
partidos então existentes, bem como nas regras para a organização dos novos partidos. Esta
medida pode, portanto, ser interpretada como um sinal da força dos antigos partidos,
sobretudo se considerarmos a tese de Antônio Lavareda, baseada principalmente em
pesquisas do IBOPE. Segundo esse pesquisador, um processo de consolidação daquele
sistema estava ocorrendo pelo menos desde 1954, sendo crescente a parcela de eleitores que
se identificava e se reconhecia nos partidos. O resultado do AI-2 deveria ser a
51 BRASIL. ATOS COMPLEMENTARRES 1 A 45. Brasília, Senado Federal, 1969. p. 34. 52 BRASIL. ATOS COMPLEMENTARRES 1 A 45. Brasília, Senado Federal, 1969. p. 34. 53 Uma das críticas aos esutdos sobre partidos políticos é a reificação do coletivo. No entanto, cabe ao pesquisador perceber que este coletivo é construído historicamente, sendo um produto do trabalho dos membros de cada partido.
desmobilização dos recursos de poder do sistema anterior, com a “desidentificação” de seus
eleitores, como pretendia o governo militar.
Ao obrigar as forças políticas a se organizarem em dois campos, o governista e o de
oposição, Castelo Branco estabeleceu uma divisão que não considerava todas as
características do sistema partidário anterior, diluindo o fato de os partidos representarem
muito mais do que apoio ou oposição àquele ou a qualquer regime.
Enquanto o governo se propunha a fazer tábula rasa do passado partidário, o jornalista
Carlos Castelo Branco entendia a formação da ARENA justamente a partir da articulação
entre a história de seus membros e seus objetivos naquela conjuntura. Temos que considerar
que embora a sigla ARENA fosse recente e sem identificação popular, as lideranças que
formaram o partido eram representantes de forças políticas enraizadas em cada estado.
Portanto, se a ARENA foi inventada, seus membros não o foram, pois tinham em sua
absoluta maioria uma longa prática na política, adquirida durante o período de 1945 a 1964,
e mesmo antes dele.
No Paraná, a ARENA seria organizada por Ney Braga. Este, apesar de caracterizar-se
na vida pública como homem de partido e em seu governo ter conseguido aglutinar o PTB,
PDC e UDN, utilizaria essa mesma habilidade política para organizar o partido do governo
no Paraná. Toda a bancada do PDC, PTN e UDN ingressaria no novo partido, com exceção
de José Richa e Alencar Furtado, que se filiariam ao MDB (ver quadro 1 dos anexos ).
Em âmbito nacional, o governo pretendia formar um grande partido, mediante a
incorporação da UDN e de grande parte do PSD. Porém, diante das dificuladades de
enquadramento dos políticos profissionais em um sistema bipartidário, decretou-se uma
legislação eleitoral que incluía a possibilidade de os partidos apresentarem candidatos em
sublegenda. Cerca de uma semana após o decreto do AC-4, em 29 de novembro de 1965, foi
publicado o AC-26, que foi o resultado mais visível das dificuldades enfrentadas para se
adequar a idéia de um sistema bipartidário às redes de relações dos partidos extintos.
Diante da impossibilidade de continuidade dos partidos extintos, as articulações para a
formação dos novos partidos tomaram outra direção. Neste momento, a estrutura partidária
de extinta UDN torna-se a base do partido do governo e a maioria dos políticos originários
do PTB, que não tinha tido seus direitos políticos cassados, organiza o partido de oposição.
A atuação governamental junto aos dirigentes mostrava a interveção necessária para
moldar o sistema partidário conforme os seus planos, isto é, num desenho bipartidário. Esse
esforço mostrava igualmente a preocupação em impedir o ressurgimento do PSD ou
qualquer similar, o que aponta tanto para o valor da estrutura organizacional anterior e para
o empenho do governo em sua destruição quanto na conquista de parte desta organização
como sua aliada. Tal empenho mostra o quanto a estrutura pessedista – composta de homens
e diretórios, espalhados por todo o território nacional – era um capital indispensável ao
governo.
Em estudos relativos ao bipartidarismo, alguns autores têm afirmado que o fato de
membros de cada um dos partidos extintos terem se filiado tanto à ARENA quanto ao MDB
seria um indício da “falta de clareza no caráter ideológico e representativo dos antigos
partidos”.54 No momento da organização dos novos partidos, houve opções fundamentadas
em diferenciações político-ideológicas internas aos próprios partidos extintos e não apenas
um rearranjo em torno de um eixo pró ou contra o os militares.
Finalmente, em 26 de maio de 1966, a ARENA realizaria, no plenário da Câmara dos
Deputados, a sua primeira Convenção Nacional, fundando o partido e homologando,
respectivamente, os nomes do marechal Arthur da Costa e Silva e do deputado Pedro Aleixo
como candidtaos à preseidência e vice-presidência da República. O novo partido, resultado
de inúmeras articulações entre os políticos da época, fundava-se a partir do encontro de
militres, parlamentares, governadores e ministros.
É na consolidação de uma ampla rede organizacional que o partido garante a posse de
candidatos e votos em todos os municípios. Gláucio Ary Dillon Soares observou como a
rede de diretórios municipais da ARENA foi formada por quase todos os diretórios da UDN,
PRP, PR, e pela maioria dos diretórios do PSD, PST e PDC, possibilitando uma ampla
vantagem da ARENA sobre o MDB na corrida organizacional.55
A nova reestruturação partidária aponta, como dito anteriormente, para um certa
continuidade das redes que formavam os partidos extintos. Essa continuídade deveu-se, em
parte, a uma opção política dos militares, que admitiram compor com as lideranças
partidárias organizadas partidariamente, lideranças essas que possuiam longa trajetória no
campo político.
Encontramos aí uma possível justificativa para o interesse dos militares manterem em
vigilância os políticos que compunham a sua base de apoio. Os dossiês construídos pelos
agentes do DOPS a partir do material recolhido da imprensa, parecem ter como objetivo
traçar um panorama da carreira política das principais lideranças arenistas no estado. O
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social -, um dos aparelhos repressivos do
regime militar, contribuia para a tática da repressão preventiva, a qual consistia em acumular
inúmeras informações sobre a vida pública dos indivíduos considerados potencialmente
subversivos. Sendo assim, caberia indagarmos então qual o interesse do regime em vigiar os
54 KINZO, Maria Dalva Gil. Op. Cit., p. 32. 55 SOARES, Gláucio ary Dillon. A política brasileira: novos partidos e velhos conflitos. In: FLEISCHER, David. Da distenção à abertura: as Eleições de 1982. Brasília: Unb, 1988, P. 105.
políticos profissionais que compunham a sua base de apoio. Ao fazermos uma primeira
análise dos dossiês referentes a arenistas, percebemos que entre os vigiados constam os
políticos de maior proeminência no estado e, na maior parte deles, os que demonstram maior
fidelidade ao regime dos militares.
É a partir do mapeamento das informações recolhidas pelos agentes do DOPS que
podemos detectar quais eram os aspectos da vida política dos arenistas tidos como
relevantes pelo sistema de vigilância preventiva para compor os dossiês. Que tipo de
informação é preciso manter sobre controle? A partir da análise dos dossiês e da resposta a
essa última pergunta é possível então vislumbrar hipóteses que respondam a nossa questão
principal: por que os militares haviam interesse em manter a sua base de apoio sob
vigilância constante?
3.2 O Executivo paranaense e a ditadura militar
Optamos por começar nossa análise pela documentação referente aos governadores do
estado do Paraná no período compreendido entre 1966 e 1979, datas que marcam
respectivamente a dissolução do sistema partidário existente desde 1945 e o posterior
retorno a um sistema pluripartidário. Sob um regime militar que restringiu a atuação dos
partidos bem como a atuação dos políticos profissionais, o cargo de governador parece ter
sido um dos mais desejados entre os políticos socializados entre 1945 e 1964,
principalmente por ser um cargo estratégico em suas carreiras políticas já que representavam
a antesala para cargos de maior proeminência - tal como secretarias e ministérios federais,
por exemplo.
Iniciamos nossa análise pelo dossiê de Paulo Pimentel, eleito governador do estado do
Paraná em 1965 ainda por eleições diretas. Verificamos que a documentação arquivada em
seu dossiê não contempla o período em que exerceu o cargo de governador. Todos os
recortes de jornais referentes a sua vida política cobrem o período de 1978 a 1981, o que
poderia indicar que, a princípio, o regime não teve interesse imediato em controlar a conduta
dos governadores. No entanto é preciso considerar que no período em que esteve a frente do
governo do estado, Pimentel não permitiu que o SNI interferisse no DOPS-PR. De modo
que, no Paraná, a articulação entre o DOPS – que até então era regido e mantido pelo
governo estadual - e o Sistema Nacional de Informação se dará apenas a partir do final da
década de 1960.
È somente a partir de 1978, quando não exerce mais o cargo de governador, que Paulo
Pimentel passa a constar nos arquivos do DOPS. No seu dossiê dois grandes temas se
destacam, pois figuram inúmeras vezes entre as notícias, o que nos permite afirmar que
estavam na mira dos interesses dos militares: as críticas de Pimentel ao governo Geisel e o
consequente boicote do governo ao candidato. Através da seleção das notícias de jornal
selecionadas para compor o dossiê de Paulo Pimentel, podemos verificar que o regime tinha
sim grande interesse pela conduta da sua base governista, principalmente quando esta nem
sempre mostrava adesão incondicional às medidas defendidas pelos militares.
Atitudes como a de Pimentel, podiam, inclusive, sofrer represálias por parte dos
militares. Em reportagem do Diário do Paraná intitulada Geisel pode processar Pimentel,
afastando-o da disputa do Governo, era noticiado o fato de Pimentel ter dirigido ofensas ao
então ex-presidente Geisel em entrevistas pela televisão. Ainda na mesma reportagem
anunciava-se que:
Neste programa, o ex-governador referiu-se ao general, entre outros adjetivos, como “despota, tirano e fascista”. Geisel não teria gostado desta reincidência e teria solicitado ainda à direção da TV Iguaçu uma cópia do programa realizado há dois meses, quando Paulo também usou os mesmos termos para qualifica-lo (...). As fontes do governo estadual garantem que se o ex-presidente, que é por sinal amigo particular do ex-governador Jaime Canet Júnior, entrar com processo judiciário contra Pimentel antes da realização da Convenção Estadual, a hipótese do ex-governador conseguir uma sublegenda para à disputa à sucessão de Ney Braga estaria afastada (...)56.
Um segundo bloco de notícias merece nossa atenção. Trata-se do boicote do governo
às empresas de comunicação de Paulo Pimentel. Tal episódio é amplamente noticiado,
constando de maneira reincidente no dossiê do então deputado. Em uma das reportagens lê-
se:
“Para o meu bolso, não tiro nem salário das minhas empresas desde o começo do ano passado”. Palavras do ex-Governador do Paraná, Sr. Paulo Pimentel que, segundo alguns, refletem a situação em que ele se encontra como empresário das comunicações, pouco mais de um ano após o início do rigoroso boicote econômico-financeiro decretado pelo Governo do Estado contra as suas empresas. Com efeito o bloqueio, “urdido”, segundo o ex-Governador, “em gabinetes mais bem carpetados que os do Palácio Iguaçu”, conseguiu reduzir para duas emissoras de televisão e dois jornais – atualmente às voltas com problemas de baixo faturamento – o antigo e fulgurante complexo de comunicações, o
56Diário do Paraná. Geisel pode processar Pimentel, afastando-o da disputa do Governo S.d. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 3099, Top. 456, s.p.
maior do Sul do país, composto por três emissoras de TV, três jornais e uma emissora de rádio (...)57.
Disto se depreende que o regime tomava a iniciativa de compor um dossiê sobre o
exercício político a partir do momento em que os civis governistas ameaçavam os interesses
militares. No caso de Paulo Pimentel, os primeiros recortes de notícia que aparecem em sua
pasta são todos de um período bastante avançado, já no final da década de 1970, momento
em que o político começa a confrontar-se com os militares do executivo nacional.
Diferentemente das eleições de 1965, em 1970 os governadores passariam a ser
eleitos indiretamente. Uma das faces da disputa entre parlamentares e governo era a criação
dos diretórios regionais, pois uma das soluções do Executivo para controlar melhor a
ARENA foi manter as eleições indiretas para o governo dos estados e delegar autoridade aos
governadores para comandar os diretórios regionais. De acordo com o anteprojeto da Lei
Orgânica, o governador, na prática, passava a controlar o diretório regional e através dele,
embora com certos limites, os parlamentares. Guardadas as distâncias históricas, isto
configurava uma espécie de política dos governadores58 dos anos 1970, ano em que
terminava o mandato daqueles eleitos diretamente em 1965. Pelo novo projeto, dali por
diante, todos os governadores seriam pessoas ligadas diretamente ao governo federal. Esse
modelo de partido dos governadores era um projeto do Executivo militar. O recrutamente
dos novos governadores tornou-se a principal forma de controle da política estadual. O
cargo de governador era, provavelmente, o mais desejado, principalmente por figurar como
o mais estratégico para a carreira dos políticos que buscavam uma projeção nacional.
O primeiro governador eleito indiretamente para liderar o executivo paranaense foi
Haroldo Leon Perez, o qual responderia como governador do Paraná durante um curto
período em 1971. Em seu dossiê, todas as notícias dizem respeito ao processo que se
desenvolveu a partir de sua renúncia. Nas linhas dos periódicos desenvolvem-se inúmeras
especulações sobre os motivos que teriam levado Leon Perez à renunciar ao cargo de
governador do estado do Paraná. Este fato é fartamente documentado pela imprensa,
atingindo grande repercussão e ganhando as páginas dos periódicos de circulação nacional.
Leon Perez chega a, inclusive, ganhar uma capa da revista Veja, bem como uma reportagem
de destaque comentando os detalhes de todo o processo que leva a sua renúncia. Nesta
reportagem destacamos um elemento novo, um círculo delimitado em caneta vermelha
57 Jornal do Brasil. Pimentel diz que nem salário tira mais de suas empresas. 29 de maio de 1977. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 3099, Top. 456, s.p. 58
Cf: JENKS, Margaret Sales. Political Parties in Authoritarian Brazil. (Tese de Doutorado, Duke university, 1979). Apud: GRINBERG, Lúcia. Op. Cit., p. 158.
parece selecionar o conteúdo de maior interesse para os órgãos de segurança. No trecho que
ganha destaque são arroladas algumas das acusações contra o ex-Governador :
1) O governador teria exigido de Cecílio Rêgo Almeida, o mais poderoso empreiteiro do Paraná, um depósito de 1 milhão de dólares no exterior para liberar o pagamento de 60 milhões de cruzeiros devidos pela construção da Estrada de Ferro Central do Paraná. 2) O governador teria recebido de empresários do Estado 170 000 cruzeiros que serviram para a reforma de sua casa na rua Garcia Velho, no bairro Juvevê. 3) O Governador e João Ribeiro Júnior, ex-secretário da Fazendo do govêrno Moisés Lupion (1956-60) e diretor do IBC, teriam recebido glebas de terras a preço vil, no município de Matelândia, perto de Foz do Iguaçu59.
A corrupção, que também é uma marca do regime militar seja por parte dos civis
governistas seja por parte dos próprios militares, foi objeto de interesse dos agentes de
vigilância do Executivo federal. Ao cassar o mandato de um civil corrupto, como no caso de
Leon Perez, os militares se asseguravam como governo honesto e digno de confiança
conferindo uma fachada de probidade a um regime igualmente corrupto.
Com o afastamento de Leon Perez do governo paranaense, assume o cargo o
professor e engenheiro Pedro Viriato Parigot de Souza, o qual tem sua carreira política
vigiada assim que assume os negócios do estado. É a partir de então que podemos visualizar
um interesse do regime em vigiar sistematicamente os governadores. Pela quantidade e
também pelo tipo de documentação encontrada em seu dossiê, podemos afirmar que Parigot
de Souza teve todos os meandros da sua vida pessoal e política vigiados pelos órgãos de
segurança. Uma série de reportagens corriqueiras ganha espaço em seu dossiê, com destaque
para aquelas que exaltam as inúmeras qualidades pessoais e políticas do governador e
também aquelas que constituem especulações sobre o estado de saúde do político – a qual se
encontra já bastante comprometida no ano que segue a sua entrada na chefia do executivo
paranaense. Ainda, para citar um exemplo:
Com relação ao governador Parigot de Souza, o famoso astrólogo informou que ele pode se recuperar, desde que siga as suas posições astrais e se submeta a uma intervenção cirúrgica nos Estados Unidos “podendo terminar tranquilamente o mandato e ainda ser candidato a senador, com sucesso absoluto”. O horóscopo do governador Parigot de Souza já foi entregue e o seu autor garante que “se ele seguir, o que é de seu livre arbítrio, poderá ter muito sucesso”60.
59 Revista Veja. N.º 169, 1 de dezembro de 1971, pp. 19-22. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 1475, Top. 356, s.p. 60 Artigo sem referência. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 3163, Top. 461, s.p.
Percebemos, a paritir do seu dossiê, que não há mais tanto rigor na seleção das
notícias e informações que devem compor o dossiê; qualquer coisa pode ser arquivada.
Embora também tenha permanecido pouco tempo na direção do estado do Paraná,
apenas dois anos (1974-1975), Emílio Hoffman Gomes possui um dossiê bastante extenso.
Embora tenha iniciado a vida política sob o regime militar como deputado federal pelo
Paraná em 1967, a documentação recolhida pelo DOPS compreende apenas o período que
vai dos dois primeiros anos que antecedem a sua escolha como novo governador do Paraná,
após a morte de Parigot de Souza, até o fim de seu mandato como governador. A maioria
dos recortes de periódicos, no entanto, corresponde ao período em que se dedicou ao
governo do estado do Paraná. Este material pode ser encarado como um grande compêndio
da sua atividade política no período, pois documenta grande parte das atividades que
desempenhou enquanto esteve a frente do governo do estado. Dentre o material selecionado
dos periódicos pelos agentes do DOPS, constam todo o acompanhamento que a imprensa fez
das obras de seu governo – destaque para a construção da Hidrelétrica do Salto Capivara; a
Estrada de Ferro Central Paraná; melhoramento nas estradas que ligavam portos, aeroportos
e os principais centros financeiros da região -, bem como as reuniões com outros políticos
locais e demais dados da sua agenda política.
O mesmo não acontece em relação a Jayme Canet Júnior, seu sucessor na direção do
estado. As poucas informações referentes a sua trajetória política dizem respeito tão
exclusivamente ao momento de sua nomeação como vice-governador do estado do Paraná,
em 1973 – momento em que Emílio Gomes fora escolhido futuro chefe do executivo
paranaense. No entanto, nenhuma notícia a seu respeito fora recolhida pelos agentes do
DOPS até o ano de 1978 – momento em que começam a surgir novos recortes de periódicos
em seu dossiê. Estes, em sua maioria, destacavam então a habilidade do governador em
tratar as questões relativas à agricultura, de forma que a imprensa chega a, inclusive,
especular a sugestão do seu nome para compor o ministério da agricultura. Outra questão
que aparece nas notícias selecionadas para compor o dossiê de Jayme Canet Júnior diz
respeito ao seu posicionamento em relação à extinção do bipartidarismo no final da década
de 1970. Nas matérias veiculadas pela imprensa, Canet Júnior aparece como um grande
entusiasta do fim do sistema bipartidário.
Este aspecto, assim como outros, reafirma a posição de que mesmo aderindo ao
regime militar, os arenistas tinham interesses políticos independente dos interesses militares,
sendo tais interesses estreitamente ligados à sobrevivência e à manutenção de sua carreira
como político.
No período de 1945-1965, esses políticos organizaram diretórios municipais, regionais
e conviveram com regras istitucionais como as que regem um partido político, regaras com
as quais se familiarizaram e não pretenderam modificar tão completamente. O golpe de 1964
alterou profundamente muitas destas regras, mas não extinguiu completamente a expectativa
quanto ao funcionamento das instituições.
Por outro lado, a análise geral da documentação nos permite perceber que missão
tanto para articular candidaturas quanto para eleger os futuros quadros para o executivo, era
completada politicamente pelo trabalho dos serviços de informação. Os dossiês de cada um
dos políticos civis concentravam informações de toda uma carreira política, de maneira a
auxiliar na seleção da base civil nos cargos de confiança e maior destaque. Através desse
processo de escolha, os militares podiam garantir uma base de apoio mais alinhada à defesa
de seus interesses.
Do ponto de vista dos políticos profissionais, era a condição de pertencer ao partido
governista que garantia o acesso aos cargos executivos estaduais e outros recursos de poder.
Um bom desempenho, do ponto de vista do regime, durante o mandato de algum cargo do
legislativo poderia constituir um passo importante para acessar cargos de maior importância.
Nesse sentido, o partido governista servia aos militares como uma ante-sala de onde
recrutavam-se os quadros para o executivo. Esta estratégia servia tanto aos militares, os
quais puderam encontrar nos políticos tradicionais uma base segura para a sua
governabilidade – aspecto que também conferia um certo grau de legitimidade ao regime
moldado pelos militares -, quanto para os políticos civis, que mantinham os laços com seu
eleitorado e davam sequência a suas carreiras como políticos tradicionais.
4. ARENISTAS NO SENADO, O LEGISLATIVO NA MIRA DO REGIME
Em regimes presidencialistas, os cientistas políticos têm observado que as eleições
majoritárias são um dos momentos mais significativos de construção da identificação entre
eleitores e partidos.61 Entre 1966 e 1978, não houve eleições diretas para presidentes da
República, nem para governadores, prefeitos das capitais, estâncias hidrominerais e outros
municípios, transformados em área de segurança nacional por decreto. Desse modo, as
eleições majoritárias para o Senado eram as únicas eleições diretas realizadas nas grandes
cidades, tendo grande repercussão e aparecendo como uma das possiblidades para a análise
dos partidos, já que suas lideranças não tinham muitas alternativas de competição eleitoral.
Os governos militares investiram ao longo dos anos na manutenção do calendário
eleitoral, esta era a principal área de aliança entre os militares e os políticos governistas,
considerando-se que, nos processos de tomadas de decisões na administração do Estado e
nos projetos políticos de longo prazo, em geral, os políticos foram largamente
marginalizados.
A maior diferença entre a legislação vigente entre 1945 e 1962, é que as candidaturas
eram formadas por chapas que incluíam um candidato a titular e um outro a suplente. A
legislação permitia ainda a formação de alianças entre os partidos e a apresentação de mais
de uma cadidatura pelas forças em competição (constituidas por partidos ou coligações entre
eles), o que foi feito em quase todos os estados em 1962. Nas eleições de 1966, 1970 e 1974,
as candidaturas continuavam sendo formadas por chapas. A grande diferença entre as
eleições para o Senado no sistema multipartidário e aquelas posteriores a 1966 é que, antes
deste ano, vencia a chapa mais votada em si e não a chapa mais votada a partir do cálculo da
soma das sublegendas do partido.
De fato, a legislação para as elições senatoriais sofreu algumas modificações ao
longo do regime autoritário. Em 1966, quando da criação da ARENA e do MDB, o governo
incluiu as sublegendas nas eleições para o Senado. A legislação eleitoral que regulamentou
as eleições de 1970 e 1974 excluiu a apresentação de candidatos em sublegenda, que
reapareceu apenas nas eleições subsequentes.
O sistema partidário formulado pelo governo em 1965, sobressai a opção por
implementar um sistem aleitoral que diminuísse o impacto da extinção dos antigos partidos,
ao permitir até três candidaturas em eleições majoritária. A legislação partidária estabelecida
61 LAVAREDA, Antônio. Op. Cit.
no AC-4 modificou profundamente o sistema partidário ao reduzir o número de partidos
mas, através da instituição da sublegenda, permitiu a competição entre membros do mesmo
partidos nas eleições senatoriais e municipais.
De certo modo, pode-se dizer que a literatura sobre a legislação eleitoral vigente no
regime autoritário tem uma pespectiva instrumental sobre a lei das sublegendas. De acordo
com Maria Dalva Gil Kinzo, a maior dificuldade naquele contexto era reunir as diversas
tendências de base regional e local que se filiaram na ARENA. Tal organização tonrou-se
“possível quando se recorreu a um mecanismo que permitia a formação de grupos
adversários dentro de um mesmo partido – a sublegenda – para concorrer às eleições
locais”.62
De fato, independentemente das sublegendas, na análise do conjunto das
candidaturas nessa pequena série de quatro eleições (1966, 1970, 1974 e 1978), destaca-se,
ao longo de todo o período, uma composição de chapas entre membros dos partidos extintos.
Na maioria dos estados houve realmente uma hierarquização entre os membros, de aconrdo
com sua origem partidária. Em 1966, os candidatos arenistas para o Senado pelo estado do
Paraná eram ambos do extinto PDC, partido em ascendência no estado desde o governo Ney
Braga.
No geral, as candidaturas da ARENA ao Senado foram em grande parte controladas
pelo Executivo. De acordo com os jornalistas Carlos Castelo Branco63 e Sebastião Nery64,
tanto Rondon Pacheco quanto Petrônio Portela, quando presidentes do Diretório Nacional,
foram diretamente encarregados das articulações nos estados.
A documentação levantada nos dossiês dos candidatos ao senado pela ARENA no
Paraná demonstra um grande esforço do Serviço de Informação e de vigilância preventiva
do regime em registrar o percurso político desses políticos tradicionais. Há que se destacar
que, entre a documentação dos candidatos arenistas, a maior parte das informações
recolhidas diz respeito ao período que antecede a sua candidatura como senador. No geral, a
documentação que compõe os dossiês dos candidatos ao senado diz respeito ao período em
que os políticos desempenhavam ainda seus mandatos como deputados estaduais. Este
aspecto aponta para o papel que esses dossiês tiveram no momento da articulação das
candidaturas nos estados pelos militares: fornecer um amplo quadro de informações sobre a
conduta política dos arenistas, o que auxiliava o executivo a selecionar os quadros mais
adequados a ocupar o senado.
62 KINZO, Maria dalva Gil. Oposição e autoritarismo...p. 30. 63 BRANCO, Carlos Castelo. Op. Cit. 64 NERY, Sebastião. As 16 derrotas que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
Em 1966 é eleito senador pela ARENA no Paraná o ex-governador Ney Braga,
representante do extindo PDC. O principal articulador do partido no estado, Braga era
homem de confiança do regime. De modo que em seu dossiê constam informações
referentes somente ao período em que começa a articular a sua candidatura para o seu
segundo mandato como governador do estado (1979-1984). Nesse momento, o que está na
pauta de discussão entre os políticos arenistas é a reforma partidária.
E é esse o assunto que ganha destaque no material recolhido pelos agentes do DOPS.
Na maioria dos recortes de jornal selecionados o que sobressai é a opinião dos arenistas
sobre a reforma partidária, esse aspecto parece estar no centro do interece dos militares
nesse momento.
O dossiê de Ney Braga aponta mais uma vez para a fidelidade e a colaboração desse
político com o executivo militar. Mesmo no período em que está em jogo uma relativa
abertura a outros partidos, Ney aparece nesse processo sempre enquanto um articulador
entre as principais lideranças no estado do PR e os militares para a formação de um partido
único e forte de apoio a política do regime. Esse é um aspecto que aparece até mesmo nas
notícias selecionadas pelos agentes do DOPS para compor o dossiê de Braga:
O governador do Paraná, Ney Braga, depois de garantir ontem ao presidente Figueiredo que poderá compor num mesmo partido com as lideranças de Jaime Canet e paulo Pimentel, entregou-lhe um “ideário político”: o ideário do antigo PDC atualizado. Nele, Nei Braga assinala que a reforma partidária apresenta o momento para inverter o panorama atual “um novo partido político não pode esquecer de postular a justiça social com liberdade e defender melhores condições de vida para a população brasileira em termos de economia doméstica”.65
Em novembro de 1979 o Legislativo aprovaria uma reforma partidária (Lei Orgânica
dos Partidos) destinada a restabelecer o pluripartidarismo, o que acarretaria na extinção da
ARENA e do MDB. A partir de então, as forças políticas se reorganizariam, dando início à
maratona para a formação dos novos partidos políticos. Pondo fim ao sistema biparditário,
os militares esperavam enfraquecer o MDB. Enquanto os políticos que circulavam na órbita
do regime se articulariam em torno do PDS – partido que abrigava os políticos da antiga
ARENA -, a oposição se reorganizaria ao redor de outros quatro partidos (PMDB, PTB,
PDT e PT). Com esta reforma, o governo dava ao mesmo tempo um grande passo para
desfazer a velha frente de oposições e livrar-se do impasse plebiscitário embutido na
estrutura bipartidária.
65Folha de São Paulo. 04 de outubro de 1979. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 1607, Top. 382, s.p.
A articulação do PDS no Paraná (novo partido de apoio aos militares a partir de
1979), contou com a colaboração dos políticos tradicionais. Mais uma vez Ney Braga lidera
a rearticulação do partido, trabalhando como intermediário entre o governo militar e os
políticos da base governista. Em seu dossiê, a presença de notícias retiradas tanto de jornais
locais quanto de periódicos de circulação nacional demonstra a preocupação do regime em
vigiar a conduta dos governantes não só em relação aos problemas locais, mas também a
relação desses políticos com o poder central.
Na maioria das notícias, o que percebemos é a reafirmação de Ney Braga enquanto
um político a serviço do regime, empenhado em colaborar com o projeto político dos
militares. Ainda destacando o processo que levou à rearticulação das forças partidárias
favoráveis aos militares no Paraná:
Depois de muitas tentativas, o governador Ney Braga conseguiu ontem obter a promesssa do ex-governador Jayme Canet Júnior de permanecer no futuro partido do governo, o Arenão, a ser criado após a reformulação partidária. O governador supera assim o mais sério problema político que vinha enfrentando em seu Estado desde que assumiu o cargo. Esta é a principal notícia que o governador leva hoje ao presidente João Figueiredo, em audiência ao Palácio do Planalto.66
Ou ainda:
No documento entregue ontem ao presidente Figueiredo, com sugestões para o programa do futuro partido oficial, o governador Ney Braga ressalta que a nova agremiação “deve implicar a identificação de idéias consistentes que agrupem lideranças ativas e com suporte eleitoral”.67
Havendo o risco de fragmentação da posição – composta por políticos tradicionais de
origens partidárias distintas antes de 1965 - em diversos partidos, é necessário agir no
sentido de unir os arenista ao redor de um mesmo programa e partido. Muito importante
nesse processo foi a figura de Ney Braga, exemplo de político tradicional que compõe com
os militares e auxilia na manutenção das bases de sustentação do regime. Todo esse
processo de articulação do novo partido que daria lugar à ARENA está na mira dos órgãos
de vigilância do regime. Tradicionalmente ligado aos militares, Braga só passa a ser vigiado
nesse período.
66 Diário do Paraná. 03 de outubro de 1979. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 1607, Top. 382, s.p. 67 Estado de São Paulo. 04 de outubro de 1979. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 1607, Top. 382, s.p.
Em 1970, como houvesse renovação de dois terços do Senado, a ARENA lançou
uma candidatura para cada cadeira em disputa. Mesmo sob forte controle do Executivo, o
padrão de recrutamento dos candidatos se manteve de modo que a ARENA no Paraná
apresentou dois candidatos do antigo PSD, ambos eleitos ao cargo.
Os candidatos eleitos foram Accioli Filho e João de Mattos Leão, ambos ex-
deputados estaduais pelo governo do estado. No entanto, só encontramos documentação
arquivada no DOPS referente ao segundo. Mattos Leão não fora, porém, vigiado no período
do seu mandato como deputado – época em que exercia também a função de presidente do
diretório regional da ARENA no Paraná. A documentação que faz referência a Leão é
datada do período em que exerceu o cargo de senador.
O que marca a documentação recolhida pelo DOPS é um discurso de adesão e
axaltação da política econômica levada a cabo pelos militares naquele momento. Isso se
manifesta nas inúmeras reportagens em que o senador figura como um entusiasta da
construção da Usina Hidrelétrica de Itaipú, por exemplo, ou quando ressalta os feitos do
governo que levaram o país ao desenvolvimento econômico. No geral, são essas as
reportagens selecionadas para compor o dossiê de Mattos Leão.
O senador demonstra total adesão ao governo, não só no que diz respeito a sua
política econômica mas também em relação as suas decisões políticas. Uma das reportagens
selecionadas para compor o dossiê destaca:
Declarações do senador Mattos Leão sobre a sucessão governamental: “Não discuto a indicação do honrado deputado Emílio Gomes à Governança do estado do Paraná pelo eminente Presidente Médici. Aceito-a. Continuo, fiel as minhas origens revolucionárias, prestigiando e apoiando o Governo Federal”.68
Em relação à Itaipú, por exemplo, os periódicos destacam:
O senador João de Mattos Leão (Arena-Pr) vem se mostrando entusiasmado com a assinatura do tratado entre Brasil e Paraguai para a construção da hidrelétrica de Itaipú. É que, desde a sua investidura como senador, já realizou quase uma dezena de pronunciamentos destacando a importância da grande obra que será construída, no Rio Paraná, a 15quilômetros de Foz do Iguaçu. Em Brasília, depois das solenidades, de assinatura do acordo entre os presidentes Emílio Médici e Alfredo Stroessner, o senador Mattos Leão teve oportunidade de cumprimentar pessoalmente a ambos por aquele momento histórico para a vida e o desenvolvimento de ambos os países.69
68 Gazeta do Povo, 20 de julho de 1973. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 1852, Top. 384, s.p. 69 Gazeta do Povo, 28 de abril de 1973. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 1852, Top. 384, s.p.
A construção da hidrelétrica é tida como um marco do desenvolvimento do país e do
estado paranaense. O senador ganha projeção nacional ao ser o interlocutor entre o
executivo federal e o governo do estado. Sua ligação de fidelidade com o governo federal
também lhe garante uma maior participação nos assuntos da política nacional. Mattos Leão
chega a ser, inclusive, selecionado como porta-voz do projeto de desenvolvimento
econômico do governo brasileiro no exterior, onde irá participar de conferências e projetos
internacionais em nome do governo federal.
Esse aspecto ressalta mais uma vez o quanto a fidelidade ao regime era importante
para a projeção dos políticos profissionais, bem como o pertencimento ao partido do
governo era indispensável para alcançar os postos de maior destaque no governo.
As eleições de 1974 para o senado seriam um marco na história do regime. Pela
primeira vez os candidatos da oposição conquistavam a maioria das cadeiras no senado. No
caso do sistema bipartidário, na mairo parte das naálises, considera-se que, a partir de 1974,
o eleitorado votou de maneira plebiscitária, contra ou a favor do governo. Uma das mais
conhecidas é a de Bolívar Lamounier70, para quem o comportamento da maioria dos
eleitores pode efetivamente ser compreendido como uma opção entre ARENA e MDB.
Desse modo Lamounier postula que houve uma transformação da função do processo
eleitoral que não foi percebida de imediato pela população, mas cujo resultado foi a
aprendizagem da possibilidade do uso plebiscitário do voto.
A cientista política Maria Dalva Gil Kinzo já ressaltou que muitas análises a esse
respeito omitem o papel da ARENA nas eleições senatoriais de 1974. Kinzo refere-se ás
interpretações “que sugerem que o incremento na votação do MDB foi unicamente uma
consequência do protesto popular, em nova roupagem: antes de 1974, os eleitores
protestavam através do voto nulo; em 1974, ao contrário, optaram por votar no MDB”.71
A análise das disputas e da distribuição das candidaturas, entre os membros da
ARENA de origens partidárias diversas, mostra que esta era uma questão central para o
partido. De maneira que se pode pensar que as conhecidas divergências internas entre os
políticos, motivadas por coflitos anteriores ao bipartidarismo, pode ter sido um dos
principais fatores para o resultado das eleições de 1974.
No Paraná a ARENA lança dois candidatos: Francisco Borasri Neto e João Mansur.
O primeiro fora deputado estadual nos anos anteriores, o segundo, mais conhecido entre o
eleitorado, fora, além de deputado e presidente da assembléia legislativa, governador do
70 LAMOUNIER, Bolívar. Voto de desconfiança. Eleições e mudança política no Brasil, 1970-1979. Petrópolis: vozes, 1980. 71 KINZO, Maria Dalva Gil. Op. Cit., p. 160.
estado durante alguns mêses em 1973, quando Parigot de Souza entra em período de licença
e deixa o cargo.
Ambos os candidatos, derrotados nas eleições de 1974 pelo emedebista Francisco
Leite Chaves, têm suas carreiras como deputado constantemente vigiadas pelo regime. No
material recolhido pelo DOPS para compor seus dossiês ambos aparecem como
propagandistas dos feitos do governo federal e se mostram colaboradores fiéis do regime.
Francisco Borsari Neto, no período em que fora deputado estadual – momento que
marca também o auge do milagre econômico brasileiro -, assinou vários projetos de
construção de estradas em colaboração com o executivo federal no interior do Paraná.
Também assina projetos de construção de aeroportos e leva a cabo o discurso
desenvolvimentista do governo federal.
Toda sua carreira como deputado é fatamente documentada. Embora estivesse na
mira constante do regime, a documentação sobre Borsari Neto mostra um político que age
em conformidade aos interesses e à política dos militares. Esse aspecto aponta para a
provável função da vigilância a esses políticos, qual seja, a articulação das candidaturas para
o senado.
O mesmo pode ser percebido tendo por base a documentação referente a João
Mansur. Vigiado durante todo o período em que exerceu o cargo de deputado, e também de
presidente da Assembléia Legislativa, João Mansur aparece como um dos grandes
portavozes do discurso desenvolvimentista dos militares. Na documentação recolhida pelos
agentes do DOPS prevalescem as notícias referentes ao empenho do deputado em visitar as
empresas e complexos industriais inaugurados na região de Ponta Grossa e em outras
cidades mais afastadas, bem como aquelas reportagens que mostram a promessa de
melhoramentos no Porto de Paranaguá para melhor escoar a produção das novas indústrias e
a construção de estradas com o mesmo fim.
Mansur tem uma carreira ascendente no estado. De deputado estadual passa a
governador do Paraná durante um curto período em que Parigot de Souza se ausenta por
motivos de saúde e, por fim, sai como candidato ao senado pela ARENA em 1974. Ao
deixar o executivo estadual a imprensa destaca:
(...) A diferença entre um governo teconcrata e político é que o primeiro se encastela e foge às vibrações das forças que podem e devem comungar das responsabilidades governamentais, enquanto o segundo, muito contrariamente, vai ao povo sem desprezar o concurso da técnica em seu alto e verdadeiro sentido. O Paraná soube compreender Mansur e, por isso mesmo, formou a seu lado, estimulando-o e prestigiando seus atos de mandatário devotado à implantação de uma nova mentalidade oficial, de
costas para o pedantismo tecnicista e voltado para o alcance prático das iniciativas reclamadas pela presente transição. Nada mais nada menos.72
Embora ambos os candidatos arenistas ao senado tenham perdido as eleições, é
possível perceber que foram políticos de destaque no estado no período em que serviram ao
regime como deputados estaduais. São responsáveis por capilarizar o discurso
desenvolvimentista e levar o projeto econômico dos militares aos quatro cantos do Paraná.
São políticos profissionais eleitos por voto direto, não são os teconocratas empossados pelos
militares, porém são colaboradores do regime, o que explica, em partes, a escolha de seus
nomes para concorrerem as eleições majoritárias para o senado.
Em 1978, a estrutura da competição para o Senado foi muito diferente das eleições
anteriores. Em abril de 1977, o governo havia decretado uma série de medidas relativas aos
processos eleitorais, o chamado “pacote de abril”. Uma de suas inovações era a eleição
indireta para uma das vagas do Senado em cada estado, sendo o colégio eleitoral formado
pelos deputados estaduais e por delegados da Câmara dos Vereadores. Além disso, voltavam
a vigorar as sublegendas nas eleições diretas para o Senado, embora as candidaturas
passassem a ser individuais e não mais por chapas. Portanto, esperava-se que o partido
apresentasse mais de um candidato nas eleições diretas, pois o mais votado seria o senador e
o segundo mais votado o suplente.
No Paraná a ARENA apresentou somente um candidato, o qual foi eleito sem
maiores problemas. O candidato em questão foi Túlio Vargas, político tradicional no estado
e ex-componente do PDC. Túlio fora deputado estadual em 1962, reeleito na legislatura
seguinte, igualmente eleito em 1970, e reeleito deputado federal. De fato, um bom nome
para concorrer as eleições ao senado. No entanto, não dispomos da documentação referente
ao condidato. Nos arquivos do DOPS nada se encontra a seu respeito, de forma que no
presente trabalho permanecerá essa lacuna.
O trabalho de mobilização eleitoral era realizado pelos mesmos políticos, de diversos
estados do país, que tiveram que se filiar ou à ARENA ou ao MDB. Ao retomar a
perspectiva da democracia representativa como um mercado desigual, no qual os políticos e
as organizações têm papel preeminente no processo de troca, as candidaturas podem ser
entendidas como ofertas entre as quais os eleitores têm que escolher. Assim, a seleção dos
nomes dos candidatos constitui uma etapa preliminar da competição que é fundamental,
ainda mais quando o número de competidores é pequeno. Nas campanhas eleitorais, as
candidaturas representam os partidos e, nos partidos recém-fundados, a maior referência
72 Diário popular. 27 de agosto de 1973. Arquivo Público do Paraná. Arquivo do DOPS, pasta n.º 0764, Top. 208, s.p.
para os eleitores são os candidatos, principalmente quando são políticos conehcidos. Dessa
maneira, o inventário das candidaturas para o Senado mostra um perfil fundamental da
ARENA.
A partir da trajetória política dos candidatos da ARENA ao Senado, nota-se que esse
espaço continuou sendo dominado pelos políticos profissionais, pois a maioria exerce vários
mandatos parlamentares desde 1945. As candidaturas da ARENA indicam que o
recrutamento das lideranças políticas foi fortemente marcado pelo pertencimento ás redes
que formavam os partidos extintos em 1965, mostrando uma grande contiuidade entre as
lideranças. No caso paranaense, percebemos uma continuidade na ascendência dos
candidatos pertencentes ao antigo PDC, bem como aqueles pertencentes ao antigo PSD,
ainda são estes os políticos prossionais a dominar o cenário político paranaense.
No Sul, Lavareda aponta uma tendência ao fortalecimento da UDN, uma trajetória de
ascensão no PDC e de declínio no PTB, o que basicamente se mantém no bipartidarismo. O
PSD aparece como o principal partido de origem de senadores, tanto do MDB quanto da
ARENA. Essa tendência tambmém pode ser percebida no caso específico do Paraná.
Podemos acrescentar ainda que, no caso específico deste estado, o PDC é, juntamente ao
PSD, o principal partido de origem dos senadores.
Na maior parte dos casos, os candidatos eleitos eram lideranças políticas estaudais
com longa trajetória no campo partidário, cujas redes de relações, formadas nos partidos
extintos, continuavam em grande parte atuando na política. Este padrão se manteve até
mesmo nas eleições de 1970, que podem ser consideradas um caso limite, porque foram
realizadas no período mais repressivo do regime. Estas eleições são amplamente
desqualificadas, justamente pela impossibilidade de fazer circular informações e
possibilidade de fraudes.73
Assim como em certos estados os candidatos do MDB teriam sido eleitos a partir do
apoio da estrutura dos partidos extintos, também para muitos casos de candidatos da
ARENA ela possa se aplicar. No entanto, Alencastro sustenta que o regime sempre se
manteve pelas redes formadas pelas estrutras mais fechadas da dominação brasileira: os
poderes locais e as oligarquias enraizadas nas diferentes regiões do país. O autor entende
que esta “anarquia oligárquica” tornou imperativa a manutenção das instituições e a
realização das eleições, mas as vitórias do MDB em 1974 demonstrariam que os métodos
tradicionais de manipulação, de controle e de exclusão tornavam-se pouco operatórios.
A análise das candidaturas da ARENA mostrou, no entanto, que este partido, no
Paraná, manteve uma grande continuidade em relação à UDN, ao PSD, so PDC e a outros 73 LAMOUNIER, Bolívar. O voto em São Paulo, 1970-1978. In: LAMOUNIER, Bolívar. Voto de desconfiança...
partidos extintos. Portanto, parece mais apropriado fazer uma referência às oligarquias
organizadas em partidos do que simplesmente aludir a “anarquia oligárquica” local e
regional.
Ainda de acordo com Alencastro, como os favores da administração não poderiam
ser obtidos senão através dos representantes locais e regionais da ARENA, o partido oficial
parecia assegurar uma ampla clientela e não uma verdadeira audiência política no seio na
população. Esta perspectiva distingue o apoio político consquistado através da
administração de favores, de uma suposta audiência política autêntica. Por outro lado,
parece tomar a fundação da ARENA como marco fundamental da relação que os eleitores
estabelecem com os políticos, deixando em segundo plano os laços de continuidade com os
partidos em atividade durante décadas no país. Desse modo, deixa-se de reconhecer o apoio
de fato de muitos eleitores á ARENA e, consequentemente, aos militares.
Em pesquisas sobre sistema partidários, alguns cientistas políticos têm apontado o
quanto as lideranças individuais desempenham papel importante no funcionamento de um
sistema. Antônio Lavareda sublinha que uma das variáveis de sistemas partridários é a
imagem emitida pelas lideranças como constribuição para ampliar ou sedimentar o processo
de identificação entre os partidos e seus eleitores.74
A experiência do sistema partidário brasileiro vigente entre 1965 e 1979 é singular
no país porque deveu-se a uma ditadura que manteve os partidos políticos em atividade. Os
militares brasileiros, que em vários momentos da história republicana haviam interferido na
vida política, aproximaram-se, naquele período, mais especificamente, do campo
poartidário. Na articulação com as lideranças partidárias os militares cederam, em grande
parte, à conformação do campo partidário. Assim, mesmo intervindo na seleção dos
candidatos, eles articularam suas preferências de acordo com esse padrão de recrutamento,
isto é, seguindo a organização partidária anterior de cada estado. Certamente, vale ressaltar,
que não se tratava de uma composição com quaisquer lideranças, mas com aquelas
organizadas partidariamente: aquelas pessoas que possuíam longa trajetória no campo
político.
O papel do Serviço de Informação nesse processo é justamente o de contribuir na
articulação dessas candidaturas. Diante das informações dos dossiês, era então possível
recrutar os melhores quadros para os cargos de maior proeminência. Assim os militares
garantiam uma base segura para a governabilidade e os políticos tradicionais davam
continuidade a suas carreiras como políticos tradicionais. Carreiras estas que não foram
74 LAVAREDA, Antônio. Op. Cit., p. 131.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O regime que teve início no Brasil a partir do golpe militar de 1964 possui
especificidades que nos permitiram distingui-lo de um regime simplesmente autoritário ou
militar ou, ainda, fascista. Tratou-se de um regime burocrático autoritário, à medida que
procurou cortar toda e qualquer ameaça de uma ativação política, impondo, através da
violência estatal e paraestatal, a ordem. Prevalecendo então a presença de uma fusão de
oficiais e burocratas em meio ao baixo grau de participação política por parte da sociedade
civil.
O novo regime dispensou o partido como ligação organizacional entre a sociedade e
o Estado e fez com que as Forças Armadas surgissem como fiadoras da ordem autoritária. O
centro de tomada de decisões concentrou-se no Executivo militar, enquanto o Legislativo
figurou como ator político coadjuvante ou homologador de decisões superiores.
Contrapondo-se às demais experiências autoritárias latino-americanas, o regime
autoritário brasileiro dissolveria o antigo sistema partidário e instauraria um novo. No
entanto, a extinção dos partidos criava novos conflitos, pois fortalecia o poder dos militares
e obrigava as forças políticas existentes a se organizarem em dois campos – o governista e o
de oposição -, diluindo assim o fato de os partidos representarem mais do que apoio ou
oposição ao regime instaurado com o golpe de 1964.
Para além de representar o golpe de 1964 e o novo regime, a ARENA (o partido de
posição articulado por políticos profissionais pertencentes aos principais partidos do período
de 1945 a 1965 e os militares) e os políticos que a compunham possuíam vínculos com o
eleitorado anteriores ao golpe e viam-se obrigados a representá-los.
No processo de constituição do novo regime, os militares admitiram compor com as
lideranças partidárias e com os políticos civis que possuíam longa trajetória na política. As
lideranças individuais representadas pelos políticos tradicionais do estado desempenharam
um papel importante no funcionamento do sistema, uma vez que a imagem emitida pelas
lideranças contribuía para ampliar o processo de identificação entre o partido – mesmo que
artificial e sem um programa que agremiasse vontades coletivas – e seus eleitores. A
presença dos políticos profissionais no cenário político dominado pelos militares foi
essencial.
Os dossiês, compostos por parte do material veiculado na imprensa durante os anos
do regime autoritário militar, traçam um panorama da carreira política das principais
lideranças estaduais. Entre os vigiados pelo DOPS constam todos os arenistas de maior
proeminência no Paraná e, na quase totalidade dos casos, de maior aderência ao regime.
Vigiar a conduta dessas lideranças foi uma estratégia encontrada pelos militares para
recrutar, entre os políticos profissionais, aqueles que poderiam assegurar suas prerrogativas
em cargos de confiança e de maior destaque, como os cargos de governador e senador, por
exemplo. Assim, os militares garantiam a governabilidade sob bases seguras.
Foi possível detectar entre a documentação analisada, tanto dos governadores quanto
dos candidatos arenistas que concorreram ao senado pelo estado do Paraná, um predomínio
das informações recolhidas no período em que os políticos arenistas exerceram o(s)
mandato(s) de deputado estadual. Esse aspecto aponta para o interesse do regime em
articular candidaturas a partir da seleção dos políticos mais adequados à manutenção dos
interesses militares.
Entre a documentação eleita para análise, que correspondia justamente àquela
referente aos arenistas que ocuparam o executivo estadual ou concorreram ao senado pelo
Paraná, ou seja, a documentação referente aos políticos de confiança dos militares, mostra
homens fiéis e em colaboração com o executivo militar. Afinados com a política econômica
do executivo, os arenistas foram responsáveis por levar o discurso desenvolvimentista dos
militares para todos os cantos do estado. Os civis governistas colhiam as honras de tal
política ao serem igualmente visualizados como concretizadores diretos da construção das
novas Hidrelétricas, ferrovias, estradas e aeroportos do estado.
A análise geral da documentação nos possibilitou perceber que a missão tanto para
articular as candidaturas dos senadores quanto para eleger os futuros quadros para o
executivo estadual, era completada politicamente pelo trabalho dos serviços de informação.
Os dossiês referentes aos civis governistas concentravam informações de toda uma carreira
política, de forma a auxiliar na seleção da base civil a ocupar os cargos de maior destaque e
confiança. Ao cumprirem, durante o mandato no Legislativo, a cartilha dos militares, os
civis governistas davam um passo importante para acessar os cargos de maior relevo. Nesse
sentido, o partido governista servia aos militares como uma ante-sala a partir da qual
recrutavam-se os melhores quadros para a composição do Executivo estadual e o senado.
Esta estratégia servia tanto aos militares, que puderam encontrar nas lideranças
partidárias tradicionais uma base segura para a governabilidade, quanto para os políticos
civis, que mantinham os laços com seu eleitorado e davam sequência a sua carreira como
políticos tradicionais.
Mesmo aderindo ao regime e à política dos militares, os arenistas tinham interesses
políticos independente dos interesses militares, sendo tais interesses estreitamente ligados à
sobrevivência e à manutenção de suas carreiras como políticos profissionais.
Do ponto de vista das lideranças estaduais, era a condição de pertencer ao partido
governista que garantia o acesso aos cargos do Executivo estadual, à disputa pelo senado, e
a outros recursos de poder. Da mesma forma, os favores do governo federal não poderiam
ser obtidos de outra forma senão através dos representantes locais da ARENA. Era o partido
oficial que também assegurava o apoio político, este conquistado através da administração
de favores.
As informações selecionada pelos agentes do DOPS para compor os dossiês aponta
também para o interesse dos militares em vigiar a conduta das principais lideranças em
relação à reforma partidária de 1979. Esse é um momento chave para o regime, pois o que
está em jogo é uma nova articulação partidária, a qual deveria manter unidos sob o mesmo
partido todas as lideranças governistas.
Da mesma forma que políticos condescendentes aos militares eram premiados pelo
Executivo com recursos de poder – que poderiam ser desde cargos de confiança até favores
administrativos -, aquelas lideranças que se contrapunham aos militares poderiam sofrer
represálias, como é o caso de Paulo Pimentel, que tem suas empresas de comunicação
confiscadas pelo regime.
Nos diversos dossiês, a presença de recortes de jornais e revistas de circulação local
e nacional demonstra a preocupação do regime tanto em vigiar a conduta destes políticos
enquanto deputados a serviço do regime – atuando na aplicação da política do governo no
interior do próprio estado -, como em vigiar a projeção nacional desses políticos tradicionais
e a repercussão de suas políticas em âmbito nacional.
Nas campanhas eleitorais, as candidaturas representam os partidos e, nos paridos
recém-fundados, a maior referência para os eleitores são os candidatos, principalmente
quando são políticos tradicionais conhecidos entre o eleitorado. As candidaturas da ARENA
indicam que o recrutamento das lideranças foi fortemente marcado pelo pertencimento às
redes que formavam os partidos extintos com o AI-2 em 1965, mostrando uma continuidade
entre as lideranças. Em todos os casos, os candidatos eleitos (seja diretamente ou
indiretamente como no caso do governo estadual) eram lideranças políticas estaduais com
longa trajetória no campo partidário, cujas redes de relações, formadas nos partidos extintos,
continuavam atuando na política.
Os poderes locais e as oligarquias enraizadas no estado, ajudaram na manutenção do
regime. Seja levando a cabo a política dos militares seja conferindo legitimidade ao regime
estabelecido. São estes grupos, no entanto, que, ao reivindicarem a sua permanência no
cenário político – mesmo que sob uma simples fachada democrática -, tornaram imperativa a
manutenção das instituições e a realização das eleições mesmo que restritas a algumas
posições políticas.
A experiência autoritária brasileira vigente entre 1964 e 1986 foi singular, pois se
constituiu em uma ditadura que manteve os partidos políticos em atividade. Os militares
brasileiros, que interferiram na vida política em vários momentos da história republicana,
aproximaram-se, a partir do golpe de 1964, mais especificamente do campo partidário. Na
articulação com as lideranças locais os militares cederam, em grande parte, à conformação
do campo partidário anterior ao golpe. Assim, mesmo intervindo na seleção dos candidatos,
eles articularam sua preferência de acordo com esse padrão de recrutamento. Dessa maneira,
os militares não compunham com quaisquer lideranças, mas com aquelas organizadas
partidariamente entre 1945 e 1965, ou seja, com aquelas pessoas que possuíam longa
trajetória como políticos e, claro, estavam dispostas a levar a diante um projeto político
adequado aos interesses do regime autoritário.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Fontes primárias
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7. ANEXOS
QUADRO 1 – Políticos integrantes da ARENA e MDB em 1960, que eram ligados aos
partidos existentes até 1965 (incluindo titulares e suplentes) nos três níveis do legislativo:
NOME PARTIDO Á QUE SE FILIAM PDC
Ney Braga Odilon Túlio Vargas João Mansur]Renato Bueno Agostinho José Rodrigues Antônio Veno José Alencar Furtado José Richa
ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA
MDB MDB
PDC-PTN-UDN Hermes macedo Francisco Accioly C. silva Mário Braga Ramos Minoro Myamoto Emílio Hoffmann Gomes Zacharias Emiliano Seleme Jorge Khoury Estefano Milikita Cirilo M. de Souza
ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA
MDB
UDN Haroldo Léon Perez Amadeu Puppi Francisco Escorsin José Justino Paulo Paoli João Vargas de Oliveira Olvídio Franzoni Olavo Garcia Igo Losso Olvídio Belich
ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA
PSD Lyrio Bertoli Mario Gomes da silva Paulo V. de Camargo João de Mattos Leão Emílio Larozzoi Ernesto Moro Espedito Zanotti Antônio Lustosa de Oliveira
ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA ARENA
MDB MDB
(continua)
(continuação)
NOME PARTIDO Á QUE SE FILIAM PTB
Arlindo Ribas de Oliveira Alcides Caetano Percy Schreire Piratan Araújo Silvino Lopes Leo de Almeida Neves Renato Celidónio Antônio anibelli Miguel Buffara Antônio Baby Kalil Maior Neto Wilson Chedid Ivan Luz Miran Pirith José Hoffmann
MDB MDB MDB MDB MDB MDB MDB MDB MDB MDB MDB
ARENA ARENA ARENA
PTN Anibal khoury
ARENA
PSP Eurico Batista Rosas Artur Gotuzzo Camargo
MDB
ARENA PR
Paulo Camargo
MDB-ARENA Fonte: IPARDES. O Paraná Reinventado: política e governo. Curitiba, 1989, pp. 149-150.
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