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Adilson Severo de Souza
OS DESAFIOS DA AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR EM DUAS
ESCOLAS DA FAVELA DA ROCINHA – RIO DE JANEIRO (RJ)
__________________________________________________________
Rio de Janeiro 2015
-
Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
Mestrado em Educação
Adilson Severo de Souza
OS DESAFIOS DA AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR EM DUAS
ESCOLAS DA FAVELA DA ROCINHA – RIO DE JANEIRO (RJ)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como requisito necessário à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Maria Villela Cavaliere.
Rio de Janeiro 2015
-
Adilson Severo de Souza
OS DESAFIOS DA AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR EM DUAS
ESCOLAS DA FAVELA DA ROCINHA – RIO DE JANEIRO (RJ)
Banca Examinadora:
________________________________________ Prof.ª Dr.ª Ana Maria Villela Cavaliere
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (Orientadora)
_______________________________________ Prof.ª Dr.ª Rosana Rodrigues Heringer (UFRJ)
_______________________________________ Prof. Dr. Marcelo Baumann Burgos (PUC-RJ)
Suplentes: _________________________________________ Prof. Dr. Marcio da Costa (UFRJ) _________________________________________ Prof.ª Dr.ª Lucia Velloso Maurício (FFP-UERJ)
Rio de Janeiro, 28 de agosto de 2015.
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AGRADECIMENTOS
Esta dissertação é fruto de um árduo trabalho. Foram dois anos de uma longa
e difícil travessia: muitas pedras pelo caminho, muitas madrugadas solitárias, a
desafiar as letras, palavras, frases e parágrafos, ora nas leituras, ora nas escritas.
Contudo, esse trabalho solitário foi produzido em conjunto e, assim, a travessia
tornou-se um caminho, ao menos prazeroso, de ser percorrido. Este trabalho é o
resultado de mais uma etapa finalizada, mas não é o fim do caminho. As pessoas que
me acompanharam até aqui são as que eu quero que permaneçam. Longe ou perto,
estarão sempre presentes na história dessa travessia.
Agradeço, incialmente, a Deus e a todas as forças superiores que regem e
orientam esse universo.
À minha família: mãe, sobrinho, irmão e cunhada por, direta ou indiretamente,
terem apoiado e contribuído para o resultado deste trabalho.
Aos meus amigos da Turma de Mestrado 2013, Carla Ramalho, Ethel Machado,
José Roberto Peres e Renata Dargains, pelo apoio, fazendo com que esse caminho
fosse muito INTERESSANTE.
À minha orientadora, Ana Maria Villela Cavaliere, pelo afeto, paciência e
dedicação na condução e construção deste trabalho.
Ao pessoal do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (PPGE-UFRJ), em especial à Solange Rosa Araújo, sempre
solícita, dedicada e bem-humorada nas suas ações.
À Andressa Vitório, por ter me apoiado na pesquisa dentro da Escola Municipal
Francisco de Paula Brito.
À Ana Maria Mangeth, por ter me apoiado na pesquisa dentro do Centro
Integrado de Educação Pública Doutor Bento Rubião.
Aos diretores, professores, oficineiros e todos os demais funcionários e pessoal
de apoio das escolas Francisco de Paula Brito e CIEP Dr. Bento Rubião, por terem
me acolhido de maneira bastante afetuosa e pela disponibilidade e interesse em
participar da construção deste trabalho.
Aos professores doutores Rosana Rodrigues Heringer e Marcelo Baumann
Burgos por aceitarem, gentilmente, participar da Banca Examinadora.
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Aos professores doutores Marcio da Costa e Lucia Velloso Maurício por
aceitarem, gentilmente, participar na suplência da Banca Examinadora.
À professora Tania Pessanha Paula, por ter me auxiliado em algumas
correções deste trabalho.
À amiga e companheira de trabalho Maria da Glória Lampreia, por trocar
figurinhas sobre vários assuntos que contribuíram para esse trabalho.
À Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME-RJ) e à Segunda
Coordenadoria de Educação (2ª CRE), pela autorização da pesquisa nas escolas.
A todos os meus amigos professores que, direta ou indiretamente, também
contribuíram para a construção deste trabalho, em especial, Rosemary de Paula
Perenha, Hadda Salomé Beuttenmüller de Aguiar e Aline Bastos Machado,
companheira desde o Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação
Básica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CESPEB-UFRJ).
A todos agradeço, com o meu mais sincero apreço.
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“Eu atravesso as coisas — e no meio da travessia não vejo! — só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada.
Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto mais embaixo,
bem diverso do que em primeiro se pensou (...) o real não está na saída nem na chegada:
ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...”
(João Guimarães Rosa, 1994: 42;85).
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Matrículas na educação integral (2009 – 2012)................................ 18
Tabela 2 - Investimentos nas experiências de educação integral (2008 –
2010)....................................................................................................................
18
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 - Mapa do Município do Rio de Janeiro, dividido por CREs.............. 68
Imagem 2 - Pilares Escolas do Amanhã............................................................ 77
Imagem 3 - Vista da Favela da Rocinha para o Bairro de São Conrado, com a
Pedra da Gávea ao fundo................................................................................
85
Imagem 4 - Vista da favela da Rocinha para o Bairro da Lagoa....................... 85
Imagem 5 - Obras financiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento
– PAC – na Rocinha. O conjunto habitacional, o complexo esportivo da
Rocinha, e a passarela projetada pelo arquiteto Oscar
Niemeyer..............................................................................................................
86
Imagem 6 - Comércio e agências bancárias na Rocinha..................................... 87
Imagem 7 - Dados demográficos da Rocinha. Levantamento feito pelo Governo
do Estado do Rio de Janeiro – 2009.....................................................................
89
Imagem 8 - Planta digital de como ficaria a favela da Rocinha cercada por um
muro.....................................................................................................................
90
Imagem 9 - Cartaz pendurado numa parede do pátio interno do CIEP, com
anúncio de construção de nova unidade escolar..................................................
92
Imagem 10 - Frente do CIEP Dr. Bento Rubião antes e depois da reforma.
Primeira Imagem de 2010; segunda de 2014.......................................................
93
Imagem 11 - Frente da Escola Municipal Francisco de Paula Brito, já com a
reforma de 2010...................................................................................................
95
Imagem 12 - Mural no CIEP Dr. Bento Rubião..................................................... 98
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LISTA DE E ABREVIAÇÕES E SIGLAS
AEE Atendimento Educacional Especializado CAICs Centros de Atenção Integral à Criança CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEEGP Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano CEIs Centros de Educação Integral CENPEC Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária CESPEB Curso de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica CEUS Centros Educacionais Unificados CIACs Centros Integrados de Atendimento à Criança CIEP Centro Integrado de Educação Pública COMLURB – RJ Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Município do Rio de
Janeiro CREs Coordenadorias Regionais de Educação
DEIDHUC Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EDIs Espaços de Desenvolvimento Infantil EJA Educação de Jovens e Adultos EREMs Escolas de Referência em Ensino Médio ETEs Escolas Técnicas Estaduais ETI Escola Integrada em Período Integral FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FUNDEB Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Básico e de Valorização do Magistério
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GEA Ginásio Experimental das Artes Visuais
GENTE Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais
GEO Ginásio Experimental Olímpico
GES Ginásio Experimental do Samba
GP Ginásio Pernambuco
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICE Instituto de Co-Responsabilidade da Educação
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDERIO Índice de Desenvolvimento da Educação do Rio de Janeiro
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira LOAS Lei Orgânica da Assistência Social LBDEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome ME Ministério do Esporte MEC Ministério da Educação MINC Ministério da Cultura NES Núcleo de Educação e Saúde NI Nova Iguaçu ONGs Organizações Não-Governamentais PAC Programa de Aceleração do Crescimento PBE Programa Bairro-Escola PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PEI Programa de Educação Integral PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
http://gente.rioeduca.net/http://ginasioexperimentalolimpico.net/
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PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PNE Plano Nacional de Educação PROCENTRO Programa de Desenvolvimento de Centros de Ensino
Experimentais PROFIC Programa de Formação Integral da Criança
PROJOVEM Programa Nacional de Inclusão de Jovens
PSE Programa Saúde nas Escolas
REALFA Projeto Realfabetização
SAETI Serviço de Atendimento ao Ensino em Tempo Integral do
Município de Curitiba SECAD/MEC Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade,
do Ministério da Educação SESC Serviço Social do Comércio
SESEG – RJ Secretaria de Estado de Segurança do Estado do Rio de Janeiro
SME- RJ Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro
UE Unidade Escolar
UEIs Unidades de Educação Integral
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UnB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e
Cultura UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UPA Unidade de Pronto Atendimento UPPs Unidades de Polícia Pacificadora
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RESUMO
SOUZA, Adilson Severo de. Os desafios da ampliação da jornada escolar em duas escolas da favela da Rocinha – Rio de Janeiro (RJ). 2015. 168f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
A chamada educação integral vem sendo entendida como um caminho capaz de dar conta não apenas do desafio da busca pela qualidade na educação, mas também de dirimir as desigualdades educacionais, especialmente relacionadas às desigualdades sociais da população. Diante disso, esta pesquisa estudou duas unidades escolares localizadas na favela da Rocinha, contempladas com o Programa Escolas do Amanhã, da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, que pretende oferecer educação integral, em tempo integral, nas escolas situadas em comunidades economicamente desfavorecidas e atingidas pela violência. A dissertação descreve e analisa as experiências nas duas escolas com o intuito de identificar as interferências na gestão e na rotina escolar e cotejar os seus resultados. Para isso, partiu-se das contribuições advindas de estudos que debatem as questões da chamada educação integral, da ampliação da jornada escolar e da implantação do regime de horário integral na escola pública. Foram analisados os documentos referentes às políticas oficiais que pretendem promover essas inovações, e realizadas observações e entrevistas nas duas escolas. Para desenvolver as análises e discussões dos dados recolhidos, dialogou-se com autores brasileiros que discutem o tema, como CAVALIERE (2002, 2007, 2009 e 2010); COELHO (2009); MAURÍCIO (2009); GADOTTI (2009); MENEZES (2009 e 2012); MOLL ET AL (2012) e outros. Lançou-se mão ainda de estudos que discutem as políticas que se propõem a enfrentar a educação escolar em áreas de vulnerabilidade social; o problema da pobreza e do reforço às desigualdades sociais por meio da escolarização, e também as diferenças que se produzem entre escolas de uma mesma realidade social, como PAIVA & BURGOS (2009); BURGOS (2012 e 2014); RIBEIRO ET ALL (2010); ALGEBAILE (2009) que também refletem sobre as escolas públicas localizadas dentro das favelas e nas proximidades. Para fundamentar o objetivo principal, questões que integram o debate sobre a qualidade na educação básica foram abordadas com base nas reflexões de autores como OLIVEIRA (2007); FRANCO, ALVES & BONAMINO (2007); DOURADO (2007); e VELOSO (2011). Os resultados alcançados mostram que o Programa Escolas do Amanhã, nas escolas estudadas, perdeu sua identidade ao longo dos anos, confunde-se com o Programa Mais Educação, de âmbito federal, e está em processo de dissolução. Evidenciou-se que as duas escolas praticam experiências muito diferentes entre si quanto às formas de ampliar a jornada, inteiramente adaptadas às suas realidades específicas. Palavras-chave: Desigualdades Educacionais; Políticas Educacionais; Horário Integral; Educação Integral; Programa Escolas do Amanhã.
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ABSTRACT
SOUZA, Adilson Severo. The challenges of expanding the school day in two schools in the favela of Rocinha - Rio de Janeiro (RJ). 2015. 168f. Dissertation
(Master of Education) - Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, in 2015. The so-called comprehensive education has been seen as a way able to account not only for the search for quality challenge in education, but also to resolve the educational inequalities, especially related to social inequalities of the population. Therefore, this research studied two schools located in the Rocinha slum, awarded with the Tomorrow's Schools Program, from the Rio de Janeiro City Government, which aims to provide comprehensive education, full-time, in schools in economically disadvantaged communities and affected by violence. The dissertation describes and analyzes the experiences in both schools in order to identify interference in the management and school routine and compare the results. To do so, it started with the contributions from studies that discuss the issues of the so-called integral education, the lengthening of the school day and the implementation of a full time basis in the public school. Documents relating to official policies that aim to promote these innovations were analyzed, and observation and interviews were made in the two schools. To develop the analysis and discussion of the data collected, there was a dialogue with Brazilian authors who discuss the subject, as CAVALIERE (2002, 2007, 2009 and 2010); COELHO (2009); MAURÍCIO (2009); GADOTTI (2009); MENEZES (2009 and 2012); MOLL ET AL (2012) and others. One also employed studies that discuss the policies that purport to tackle school education in areas of social vulnerability and the problem of poverty and the increasing social inequality through schooling, and also the differences that occur between schools in the same social reality, as PAIVA & BURGOS (2009); BURGOS (2012 and 2014); RIBEIRO ET AL (2010); ALGEBAILE (2009) which also reflect on the public schools located within the favelas and nearby. To support the main objective, issues that are part of the debate on the quality of basic education were discussed based on the reflections of authors such as OLIVEIRA (2007); FRANCO, ALVES & BONAMINO (2007); DOURADO (2007); and VELOSO (2011). The results achieved show that the Tomorrow's Schools program in the schools, lost its identity over the years, is intertwined with the program More Education of the federal level, and is in process of dissolution. It became evident that the two schools practice very different experiences on ways to extend the journey, entirely adapted to their specific realities. Keywords: Educational Inequalities; Educational Policy; Full time; Integral education; Tomorrow's Schools Program.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ............................................................................................
16
CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO INTEGRAL, HORÁRIO INTEGRAL E AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR NO BRASIL .....................................
29
1.1 Estudos sobre o tema no Brasil .................................................................
30
1.2 Principais experiências no Brasil a partir dos anos 1980 ..........................
36
1.2.1 Rio de Janeiro – O programa dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) ................................................................................................
37
1.2.2 São Paulo – O Programa de Formação Integral da Criança (Profic) ..........
41
1.2.3 Experiências no Paraná e os Centros de Educação Integral de Curitiba .
45
1.2.4 Experiências nos anos 2000 .....................................................................
49
1.3 Qualidade e desigualdade ...........................................................................
58
CAPÍTULO 2 – MAIS EDUCAÇÃO E ESCOLAS DO AMANHÃ NO RIO DE JANEIRO: A REDE DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DA CAPITAL (SME-RJ) ..........................................................................................
67
2.1 A favela da Rocinha .....................................................................................
83
2.2 O CIEP Doutor Bento Rubião .......................................................................
91
2.3 A Escola Municipal Francisco de Paula Brito ............................................... 93 CAPÍTULO 3 – O PROGRAMA NAS ESCOLAS: COTEJANDO AS EXPERIÊNCIAS ...............................................................................................
97
3.1 Aspectos do horário integral no CIEP Dr. Bento Rubião ...............................
98
3.2 Aspectos da ampliação da jornada na Escola Municipal Francisco de Paula Brito ...................................................................................................................
107
3.3 A percepção dos atores: tempo integral/ampliação da jornada e qualidade na educação ......................................................................................................
115
3.4 Os dados – análise e interpretação ..............................................................
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 134
-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................
143
ANEXOS ...........................................................................................................
154
Anexo A – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH – UFRJ) ................................................................................
155
Anexo B – Termo de consentimento livre esclarecido entregue aos entrevistados .....................................................................................................
159
Anexo C – Autorização da 2ª Coordenadoria de Educação (CRE) do Município
do Rio de Janeiro para ingresso e pesquisa na Escola Municipal Francisco de Paula Brito .........................................................................................................
162
Anexo D – Autorização da 2ª Coordenadoria de Educação (CRE) do Município
do Rio de Janeiro para ingresso e pesquisa no Centro Integrado de Educação Pública Doutor Bento Rubião.............................................................................
163
Anexo E – Ficha de entrevista com a direção/escola ........................................
164
Anexo F – Ficha de entrevista com os professores ........................................... 166
Anexo G – Ficha de entrevista com os oficineiros ............................................. 167
Anexo H – Termo de autorização enviado aos pais na Escola Municipal Francisco de Paula Brito ....................................................................................
168
-
16
APRESENTAÇÃO
O interesse inicial em pesquisar o programa Escolas do Amanhã e,
consequentemente, as experiências de ampliação da jornada escolar, está
relacionado à minha experiência como professor1 de Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira de Ensino Médio da rede pública de educação do Estado do Rio de Janeiro.
O colégio em que leciono funciona no horário noturno e é compartilhado com a rede
municipal que, durante o dia, atende a alunos do primeiro ao nono ano do Ensino
Fundamental. Localiza-se no Vidigal, favela da Zona Sul do Rio de Janeiro. Trata-se
de uma unidade (no turno diurno) contemplada com o programa Escolas do Amanhã.
Como professor desta escola tenho podido observar as enormes dificuldades com que
chegam os alunos advindos do Ensino Fundamental, em especial, os oriundos de
programas de aceleração2, devido à defasagem idade/série. Estes, sempre relatam
que, em sua experiência no Ensino Fundamental, não tinham aulas “normais” e que
ficavam muitas vezes assistindo vídeos o dia inteiro. Esse interesse em pesquisar o
tema citado se consolidou ao ter retornado aos estudos acadêmicos, através do Curso
de Especialização Saberes e Práticas na Educação Básica, com ênfase em Políticas
Públicas, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (CESPEB/UFRJ).
O trabalho monográfico então realizado, intitulado “Mais Educação numa
Escola do Amanhã: Educação Integral ou Assistencialismo?”, sob a orientação da
professora Ana Maria Cavaliere, intentou investigar a implementação do programa
Mais Educação na unidade escolar já citada, do ponto de vista da relação entre os
oficineiros3 e a escola. Os objetivos da pesquisa foram: identificar os tipos de atores
que participavam do processo de aprendizagem dentro do programa Escolas do
Amanhã; verificar quais atividades eram oferecidas aos alunos do programa; analisar
os ambientes em que essas atividades ocorriam; descobrir quais eram os horários em
1 Formação de Bacharel e Licenciado em Letras (Português e Literaturas de Língua Portuguesa). 2 Citaremos esses programas mais à frente. 3 Os oficineiros são pessoas contratadas para atuarem nas atividades de ampliação da jornada escolar. Geralmente, são estudantes universitários ou pessoas da comunidade que possuam algum “talento” ou habilidade, como tocar violão.
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17
que tais atividades aconteciam; e investigar as que se relacionavam com o processo
de ensino-aprendizagem.
Ao final, observamos diversas fragilidades no que se refere ao andamento das
atividades de contraturno4, especialmente por conta da falta de estrutura física e da
fragilidade administrativa da escola, tendo em vista a falta de funcionários, da
rotatividade de oficineiros – alguns não permaneciam nem um mês na organização
das oficinas; e da não relação entre estes (e as atividades desenvolvidas) com o
processo de ensino-aprendizagem regular dos alunos.
Contudo, pudemos verificar que mais do que as fragilidades elencadas, a
ampliação da jornada escolar, ou a implementação do horário integral, configura-se
um grande desafio como política pública de Estado a ser implementada em curto
prazo. Também percebemos que a visão predominante da escola de horário integral
por parte dos atores diretamente ligados à execução dos programas era de cunho
assistencialista, ou compensatório, que vê a escola de tempo integral como uma
escola para os desprivilegiados, que deve suprir deficiências gerais de formação dos
alunos; uma escola que substitui a família e onde o mais relevante não é o
conhecimento e sim a ocupação do tempo e a socialização primária. (CAVALIERE,
2007). Considerando as inquietações iniciais, bem como os resultados obtidos com o
trabalho monográfico, decidi prosseguir com esse tema de pesquisa, ampliando os
campos de estudo e observação nesta Dissertação.
Tendo a ampliação da jornada escolar/horário integral retornado à agenda
governamental como uma questão de política pública nacional, desde o Governo de
Luiz Inácio Lula da Silva, a partir do programa Mais Educação, em 2007, é urgente o
debate amplo em torno do tema, não apenas nos âmbitos acadêmico e político, mas
que seja aberto a toda a sociedade, em especial aos diretamente focados por esse
programa: a população de baixa renda. Dentro dessa ótica, as políticas direcionadas
à ampliação da jornada escolar têm sido defendidas como uma maneira de se
alcançar a “qualidade” na educação pública, especialmente no que diz respeito ao
Ensino Fundamental. Tal hipótese pode ser notada considerando-se que, em grande
parte, tais políticas direcionam-se às camadas mais pobres, como um caminho de
superação, no sentido de evitar que as desigualdades sociais – tão evidentes – sejam
4 Turno posposto ou anteposto ao horário escolar regular.
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18
reproduzidas na escola e se transformem em desigualdades educacionais; ou que
estas consigam ser, pelo menos, amenizadas.
O quadro abaixo, organizado por Lúcia Velloso Maurício, nos mostra a evolução
das matrículas em tempo integral no Brasil, de 2009 a 2012, período em que o seu
crescimento é expressivo.
Matrículas em Tempo Integral no Ensino Fundamental por segmento no Brasil
ANOS INICIAIS ANOS FINAIS E.F. COMPLETO
TOTAL TI % TOTAL TI % TOTAL TI %
2009 14.946.313 599.710 4,0 % 12.665.753 345.334 2,7 % 27.612.066 945.044 3,4 %
2010 14.258.634 777.427 5,5 % 12.416.686 426.478 3,4 % 26.675.320 1.203.905 4,5 %
2011 13.730.813 1.043.276 7,6% 12.083.566 582.594 4,% 25.814.379 1.625.870 6,3%
2012 13.228.278 1.267.335 9,6% 11.716.697 775.330 6,6% 24.944.975 2.042.665 8,2%
Tabela 1. Fonte: INEP. Censo Escolar 2009, 2010, 2011, 2012. Quadro organizado pela autora (MAURICIO, 2013).
Em consonância com o número de matrículas, os investimentos na construção
da chamada educação integral também cresceram a partir de 2008, conforme o
quadro abaixo:
Ano 2008 2009 2010
Escolas Estaduais 32.039.722,20 76.707.331,09 182.195.986,76
Escolas Municipais 24.768.554,20 81.708.437,63 205.064.947,06
Totais 56.808.276.40 158.415.768,72 387.329.933,84
Tabela 2. Fonte: Ministério da Educação. Quadro organizado por MOLL (2012, p. 134).
Com a leitura das tabelas, é possível depreender que o número de matriculados
no horário integral possivelmente cresceu (e vem crescendo) por conta da
implementação do programa Mais Educação e, segundo Moll (2012), destaca-se o
ineditismo de que todas as unidades da federação estejam realizando experiências
de ampliação da jornada escolar.
O Programa Mais Educação do governo federal foi um grande catalisador de experiências de ampliação da jornada em escolas municipais e estaduais. O grande desafio hoje é dar um salto de qualidade para garantir que a ampliação do tempo na escola e em outros espaços estratégicos tenha um impacto na aprendizagem das crianças e adolescentes. (CENPEC: Fundação Itaú Social – Unicef, 2013, p. 7).
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Além do Escolas do Amanhã, a Secretaria Municipal de Educação do Rio de
Janeiro (SME-RJ) vem apresentando diversos programas e projetos diretamente
ligados à ampliação da jornada escolar e/ou oferta de educação em tempo integral.
Segundo o Plano Estratégico da Prefeitura do Rio de Janeiro (2013-2016)5,
encontram-se em andamento ações para a criação do que se denomina de Escola
Carioca em Tempo Integral. Com isso, projetou-se, em 2012, o Turno Único6 para as
escolas da rede e, de acordo com afirmações da ex-Secretária de Educação, Claudia
Costin, em reportagem do jornal “O Globo”, de 19/01/2013, a meta é que, até 2016,
35% dos alunos estejam estudando em turno único de sete horas diárias; e, até 2030,
todas as escolas tenham de 7 a 8 horas de aulas por dia. Está prevista, também, a
construção de 220 escolas, as quais atenderão à reorganização da rede em unidades
de Educação Infantil (creche e pré-escola), Casa de Alfabetização (1º ao 3º ano),
Primário Carioca (4º ao 6º ano) e Ginásio Carioca (7º ao 9º ano).
Nessa perspectiva, segundo matéria divulgada no site G17, de 13/09/2013, o
prefeito do município do Rio de Janeiro anunciou a construção de 109 escolas,
estratégia integrante de um novo programa, intitulado Fábrica de Escolas do Amanhã.
Ainda de acordo com matéria do site G18, de 11 de abril de 2015, até 2016,
a proposta destas escolas é oferecer aos alunos nove horas de aulas por dia. Além da grade tradicional, os alunos também terão, no turno seguinte, atividades nas áreas de arte, esporte, cultura e informática. As escolas serão separadas por faixa etária. A Zona Oeste vai receber quase 80% das escolas neste novo modelo. O restante será construído na Zona Norte. No total, serão criadas 100 mil novas vagas. "A gente constrói as escolas em fábricas de estruturas pré-moldadas. A ideia, na verdade, é permanecer com as crianças na escola e tirar elas da rua", afirmou o secretário de Obras do Rio, Alexandre Pinto.
Dentro da proposta de criação de uma rede de escolas em tempo integral, há
também, já funcionando, os Ginásios Experimentais9. A rede municipal conta com 28
5 . Acesso em 25/11/2013>. Acesso em 25/11/2013. 6 < http://portal5.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?article-id=3651522>. Acesso em 25/11/2013. 7 Disponível em: . Acesso em junho de 2015. 8 Disponível em: . Acesso em junho de 2015. 9 O Programa Ginásio Experimental surgiu em 2011, quando a Secretaria Municipal de Educação (SME) do Rio de Janeiro, ao perceber que a transição para a adolescência afetava diretamente a vida dos estudantes e fazia eles perderem o interesse nos estudos, resolveu transformar as práticas educativas dos jovens do 7º ao 9º ano do ensino fundamental. Um dos principais objetivos do programa é formar jovens autônomos, conscientes de seu papel na sociedade e ajudá-los a traçar projetos de vida. Disponível em: . Acesso em junho de 2015.
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20
Ginásios Experimentais, sendo seis denominados vocacionados10: três unidades do
Ginásio Experimental Olímpico (GEO), Ginásio Experimental das Artes Visuais (GEA),
Ginásio Experimental do Samba (GES) e Ginásio Experimental de Novas Tecnologias
Educacionais (Gente). Em consonância com as diretrizes do Escolas do Amanhã, o
regime de parcerias11, a se realizarem dentro ou fora da escola, também é uma
realidade para os ginásios experimentais. Em matéria do Portal Aprendiz12, de
08/08/2013, a coordenadora desses ginásios, Heloísa Mesquita, afirma “São os
entornos sinalizando quais são os interesses da comunidade”.
Constata-se, portanto, no âmbito da rede municipal do Rio de Janeiro, um
conjunto de ações relacionadas à ampliação da jornada escolar e à implantação do
horário integral13. São inúmeras medidas que pretendem, a médio e longo prazo, a
implementação de políticas públicas nessa direção. Junta-se a esses elementos, a
realização pela Secretaria Municipal de Educação (SME) de concursos públicos para
professores de 40h, bem como a migração dos atuais docentes da rede para o mesmo
regime.
O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo principal a apresentação
das experiências de tempo integral/ampliação da jornada escolar no município do Rio
de Janeiro em duas unidades educacionais, com históricos diferenciados, porém
ambas localizadas na favela da Rocinha. Trata-se da Escola Municipal Francisco de
Paula Brito e do Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) Doutor Bento Rubião,
este último com histórico de horário integral desde o final da década de 1980. Em
alguns meses de trabalho, pudemos efetuar entrevistas abarcando profissionais
envolvidos direta ou indiretamente com as atividades que garantem a ampliação da
jornada e/ou o horário integral, entre professores, diretores, oficineiros e
coordenadores.
10 Disponível em: . Acesso em novembro de 2013. 11 O GENTE, por exemplo, é resultado de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, o Ministério da Educação e as seguintes organizações: Fundação Telefônica|Vivo, Instituto Natura, Intel, Instituto Ayrton Senna, MStech, Unesco no Brasil, Instituto Conecta e Tamboro. O GENTE conta ainda com o apoio e parceria das seguintes empresas: Mind Lab, Microsoft, Sapienti, Cultura Inglesa, EvoBooks, Cisco, Pete e Geekie. Disponível em: . Acesso em agosto de 2015. 12 Disponível em: . Acesso em outubro de 2013. 13 A jornada ampliada corresponde ao período de 5/6 horas diárias de aulas; o regime de tempo integral corresponde a 7 horas de aulas ou mais por dia.
http://ginasioexperimentalolimpico.net/http://gente.rioeduca.net/http://gente.rioeduca.net/
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Com isso, o trabalho analisou as especificidades produzidas na efetivação do
programa Escolas do Amanhã, da prefeitura do Rio de Janeiro, nessas duas escolas
localizadas na Rocinha, que se diferenciam entre si por suas edificações, número de
alunos e experiências anteriores com o horário integral. A caracterização das duas
experiências, bem como a busca de possíveis semelhanças e diferenças entre elas
visou aprofundar a compreensão sobre os pontos-chave que podem determinar o
sucesso ou o fracasso da ampliação da jornada escolar/horário integral no Ensino
Fundamental, elementos estes que vêm sendo considerados importantes para a
melhoria da qualidade na educação brasileira.
Para alcançar esse objetivo foi necessário:
● descrever a prática do programa Escolas do Amanhã nas unidades escolares
estudadas (tempos, espaços e agentes);
● relacionar o que é preconizado nos documentos oficiais prescritivos com a prática
efetiva nas duas escolas;
● identificar a relação dos agentes que atuam na ampliação da jornada escolar com o
cotidiano das escolas;
● observar como se dão as relações com a comunidade (e outros parceiros) externos
às escolas;
● analisar a visão de educação integral e/ou do tempo integral, bem como a de
qualidade na educação, apresentada pelos professores, coordenadores e direção das
escolas;
● cotejar as duas experiências estudadas.
Além das entrevistas com os profissionais, realizamos um amplo trabalho de
observação nos campos de estudo, como acompanhamento das oficinas do Mais
Educação (e de todos os projetos e programas ligados ao Escolas do Amanhã), das
aulas de alguns docentes, das conversas entre a direção, coordenadores e
professores; da hora do recreio e da merenda dos alunos; além de circularmos por
todo o ambiente escolar em momentos diversos. Esse trabalho de observação é
importante, pois segundo Boni e Quaresma (2005),
obriga o pesquisador a ter um contato mais direto com a realidade. Esta técnica é denominada observação assistemática, onde o pesquisador procura recolher e registrar os fatos da realidade sem a utilização de meios técnicos especiais, ou seja, sem planejamento ou controle. Geralmente este
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tipo de observação é empregado em estudos exploratórios sobre o campo a ser pesquisado (p. 71).
Realizamos, também, trabalhos de análise documental, a fim de que os dados
obtidos nas escolas pesquisadas fossem sempre cotejados, tanto com relação a uma
escola e outra, quanto às diretrizes do programa Escolas do Amanhã e outras políticas
públicas, de âmbito nacional – como a do Mais Educação – e que estivessem
diretamente relacionadas ao programa do município do Rio de Janeiro, de modo a
comparar as definições regulamentares e o funcionamento prático nas unidades
escolares.
Nasci, cresci e ainda resido na favela da Rocinha. Além do instigante trabalho
que é o de pesquisar os processos educacionais no âmbito das políticas públicas em
educação, em especial, a escola pública, o fato primeiro de residir naquela localidade
impulsionou-me a examinar as duas unidades escolares, contempladas com o
programa Escolas do Amanhã. Acrescenta-se a isso, as particularidades inerentes a
cada favela, especialmente, a Rocinha, com enorme número de habitantes e
desigualdades socioeconômicas, as quais são refletidas diretamente na educação. De
acordo com Ângela Paiva,
ao morar na favela, você tem uma dificuldade a mais. A sociedade brasileira como um todo tem vários problemas sociais a serem resolvidos, mas o fato de morar na favela, para as crianças, pode vir a ser um complicador. Porém, não necessariamente, porque há famílias muito exitosas dentro das favelas. Temos que ter muito cuidado (...) para não fazer uma representação de que a favela é só problema, só violência. Na favela, há milhares de famílias trabalhadoras, só que com mais dificuldade, pois tudo é mais escasso e difícil. Eles são lutadores. A favela é muito complexa porque a dificuldade maior faz com que os alunos estejam muito mais propensos à violência já que convivem muito mais com o tráfico de drogas, com mais desemprego. Então, é um ambiente que puxa para baixo. É como se ali tivesse uma sociabilização negativa.14
Em 2013, em uma visita exploratória e informal às duas unidades escolares da
Rocinha, objetos dessa pesquisa, conversamos com as coordenadoras pedagógicas
e, de início, já pudemos colher dados que apontavam para diferenças significativas
entre elas: uma escola possuía o horário ampliado, isto é, as atividades relativas à
chamada educação integral eram desenvolvidas no contraturno, e apenas uma
pequena parte dos estudantes delas participavam – 150 alunos, num universo de
1015, que permaneciam na escola, em alguns dias da semana, por cerca de seis
14 Disponível em: . Acesso em maio de 2015.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-anteriores/26723-trafico-favelas-e-violencia
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horas/dia; a outra escola possuía horário integral (trata-se de um CIEP), e os seus 600
alunos permaneciam nela ao longo de todo o dia (mais de sete horas/dia), e
participavam das atividades que compõem o horário integral. Essa diferença foi um
ponto de partida importante neste estudo.
Inicialmente, foi realizado um trabalho de caracterização das unidades
escolares de modo mais amplo possível. A partir daí, tentamos formular e responder
questões, tais como: o que diferencia as duas escolas? Qual a importância da
infraestrutura física para a ampliação da jornada escolar? Quais as diferenças entre
uma escola com todos os estudantes em horário integral e outra com apenas uma
parte deles nesse regime? Que soluções, semelhantes e dessemelhantes, foram
encontradas por essas duas comunidades escolares? Qual a importância real da
participação comunitária e de outras instituições ou instâncias governamentais em
cada uma delas? Como as duas escolas reagem ao programa Escolas do Amanhã?
Declarações feitas pelos entrevistados, ainda em 2013, trouxeram questões
que foram objetos de análises e discussões, como o tipo de relação estabelecida entre
a escola e a comunidade, e o seu entorno. No que se refere a isso, destacamos a
afirmação da coordenadora pedagógica de uma das escolas:
quero distância de qualquer relação com a associação de moradores. Quando a comunidade era dominada pelo tráfico de drogas, os dirigentes da associação intimidavam a direção da escola, junto com o tráfico, e promoviam festas no espaço da escola. Alegavam que aquele era um espaço da comunidade. Mas o que se promovia eram festas para depredação do patrimônio.
Indo ao encontro das questões anteriormente levantadas, referentes à
percepção, como professor regente, das defasagens em leitura e escrita que os
alunos apresentam ao ingressarem no ensino médio, encontrava-se o fato de o
Escolas do Amanhã ser um programa autoconceituado como de “educação integral”,
a partir do tempo integral. A chamada educação integral é nele entendida como
sinônimo de melhoria da “qualidade”, o que colocou esse último conceito, amplo e
pouco preciso, no centro das reflexões a serem desenvolvidas neste trabalho.
Entretanto, não é nossa pretensão, nesta dissertação, construir definição a respeito
do que venha ser qualidade na educação, mas apresentar diferentes abordagens
sobre o tema, de acordo com a visão de estudiosos, dos entrevistados nas unidades
escolares, das diretrizes dos programas Mais Educação e Escolas do Amanhã, bem
como da visão apresentada por outros agentes, como a imprensa.
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Entendemos que o Escolas do Amanhã parte do princípio de que é preciso “dar
mais para quem tem menos” e, justamente por isso, é relevante ter conhecimento de
elementos que respondam a algumas perguntas básicas como as apresentadas por
Coelho, Marques & Branco (2014):
(...) em termos de implementação de políticas públicas que tenham, na educação integral, o seu objetivo, algumas questões se evidenciam: quando pensamos em educação integral, é possível realizá-la com uma jornada regular, ou essa jornada precisa ser ampliada? Se concluirmos que é desejável ampliá-la, como trabalhar esse tempo a mais, de forma a tornar a educação integral? Quais atividades poderão/deverão ser adicionadas às que, comumente, já fazem parte do estatuto formal de ensino? Com quais propósitos essas atividades poderão/deverão ser incluídas? Em quais espaços as atividades acontecerão, e por quê? Que sujeitos estarão aptos a trabalhá-las? (p. 358).
Assim, procuramos apresentar e discutir o que está sendo oferecido aos
alunos no horário integral ou ampliado, como as atividades e projetos são
desenvolvidos e quais atores estão trabalhando no seu encaminhamento.
Pretendemos, a partir dos resultados da pesquisa, contribuir para futuros
estudos, não apenas no que diz respeito às políticas públicas direcionadas ao que
está sendo chamado de “educação integral”, mas no que se refere à escola das
camadas populares, em especial em favelas marcadas por inúmeros problemas
sociais, como o tráfico de drogas e a violência.
Para isso, partimos, nessa pesquisa, das contribuições advindas dos estudos
que debatem as questões da chamada ''educação integral'' e da ''ampliação da
jornada escolar/horário integral'' na escola pública, bem como dos documentos
referentes às políticas oficiais que pretendem promovê-las. Para que as análises e
discussões dos dados que foram colhidos no campo de estudo fossem desenvolvidas,
trabalhamos com autores brasileiros que discutem o tema, como CAVALIERE (2002,
2007, 2009 e 2010); COELHO (2009); MAURÍCIO (2009); GADOTTI (2009);
MENEZES (2009 e 2012); MOLL (2009); MOLL ET AL (2012); e outros. Com isso,
visões e concepções distintas em torno da chamada “educação integral” estão
presentes neste trabalho. Janaína Specht Mezenes, por exemplo, afirma que
(A educação integral) é a busca da formação nas suas multidimensões: psicológica, afetiva e política, entre outras possíveis. É possibilitar que os alunos tenham acesso a condições que jamais teriam se permanecessem voltados apenas para o currículo tradicional".15
15 Disponível em: . Acesso em maio de 2015.
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Entretanto, Vitor Henrique Paro considera que
a diferenciação precisa ser feita para que não se confunda a educação integral com a educação "em tempo integral", puramente a ampliação do tempo em que a criança ou o adolescente permanece na escola. O que já é ruim, (...) seria apenas ruim por mais tempo. "Dobrar o tempo dessa escola é criminoso, é sacrificar duas vezes a criança" (...).16
Lançamos mão ainda de estudos que discutem as políticas que se propõem a
enfrentar a educação escolar em áreas de vulnerabilidade social; o problema da
pobreza e do reforço às desigualdades sociais por meio da escolarização; e também
as diferenças que se produzem entre escolas de uma mesma realidade social.
Trabalhamos com autores como PAIVA & BURGOS (2009); BURGOS (2012 e 2014);
RIBEIRO & KAZTMAN (2008); RIBEIRO ET ALL (2010); e ALGEBAILE (2009), que
abordam temas específicos à realidade das escolas públicas, tanto as que estão
localizadas dentro das favelas, quanto as que se encontram nos bairros vizinhos, mas
que atendem a alunos das favelas próximas. Assim, uma das indagações
apresentadas refere-se às grandes transformações sofridas pela escola pública a
partir da década de 1990, com a universalização do acesso à educação básica, pois,
de acordo com Telles (2009), o acesso ao ensino público que antes era para poucos,
deu lugar à escola popular de massa, que parece catalisar todos os vícios e se
transformou na “escola dos pobres”. (in: PAIVA e BURGOS, p. 136).
Abordamos, ainda para fundamentar o nosso objetivo principal, temas
relacionados à busca pela qualidade na educação básica e, para isso, apresentamos
as reflexões de autores como OLIVEIRA (2007); FRANCO, ALVES & BONAMINO
(2007); DOURADO (2007); e VELOSO (2011). Tratar da qualidade envolve uma
discussão complexa, uma vez que não há consenso do que venha a representar, de
fato, uma educação de qualidade. Esta pode ser entendida, por exemplo, a partir de
uma das problemáticas apresentadas por Veloso (2011)
diante do baixo desempenho educacional no Brasil e das possíveis razões para esse quadro, a questão que se coloca é como reformar o sistema educacional para melhorar o aprendizado. Segundo vários estudos, a qualidade do professor é um determinante fundamental do nível de aprendizado dos alunos. No entanto, a qualidade do professor envolve principalmente fatores de difícil mensuração, como talento em lecionar, motivação, foco no aluno e interesse em testar novos métodos de ensino, entre outros. Em particular, ela não está fortemente correlacionada com variáveis observáveis, como o grau de experiência e o nível de formação dos professores. (p. 221).
16 Disponível em: . Acesso em maio de 2015.
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Ampliando essa ideia, Gadotti (2013) nos apresenta a reflexão de que
qualidade significa melhorar a vida das pessoas, de todas as pessoas. Na educação a qualidade está ligada diretamente ao bem viver de todas as nossas comunidades, a partir da comunidade escolar. A qualidade na educação não pode ser boa se a qualidade do professor, do aluno, da comunidade é ruim. Não podemos separar a qualidade da educação da qualidade como um todo, como se fosse possível ser de qualidade ao entrar na escola e piorar a qualidade ao sair dela. (p. 2).
É importante lembrar que interpretar as informações obtidas em pesquisa social
requer um esforço significativo do pesquisador, especialmente na área de educação,
objeto de muitas discussões no que se refere a sua cientificidade. Segundo Brandão
(1992), a educação não possui tradição científica própria, recorrendo a outras áreas,
como a psicologia, sociologia, antropologia, filosofia etc. Essa falta de tradição, de
acordo com a autora, tende a reproduzir “discursos sobre teorias”, ao invés de operar
criticamente com as referências teóricas utilizadas. A Educação, assim, pode ser
entendida como uma prática social e, longe de se consolidar como um campo
científico, materializa-se como um campo epistemológico. Diante disso, ressaltamos
que as próprias mudanças relativas à instituição escolar nos revelam e nos desafiam
a enfrentar a complexa tarefa que é a de produzir pesquisas na área da educação. É
possível afirmar, de acordo com Van Zanten (1999), que, em consonância com as
mudanças na sociedade, como o aumento da mobilidade social e a heterogeneidade
cultural,
os sistemas educacionais têm também sofrido várias transformações: o público de alunos é mais heterogêneo no plano social e étnico, e os estabelecimentos escolares converteram-se em organizações mais complexas e mais difíceis de administrar. Finalmente, essa evolução corresponde igualmente a mudanças internas no âmbito da pesquisa, tais como a expansão dos campos disciplinares e a multiplicação do número de pesquisadores ou o estabelecimento da sociologia como disciplina universitária. (p. 50).
A partir das questões acima expostas, e por se tratar de um trabalho que
apresenta e analisa a implementação de uma política pública de grande dimensão,
em duas realidades distintas dentro de uma mesma comunidade, no trabalho
empírico, foi utilizada a metodologia de pesquisa qualitativa. A eficácia desta é
frequentemente descrita e comprovada, no Brasil, por autores como Nadir Zago, Maria
Cecília de Souza Minayo, Bernadete Gatti e Marli André para quem a pesquisa com
víeis qualitativo
valoriza a maneira própria de entendimento da realidade pelo sujeito. Busca a interpretação em lugar da mensuração, a descoberta em lugar da
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constatação, e assume que fatos e valores estão intimamente relacionados, tornando-se inaceitável uma postura neutra do pesquisador. (...) A abordagem qualitativa defende uma visão holística dos fenômenos, isto é, que leve em conta todos os componentes de uma situação em suas interações e influencias recíprocas. (GATTI & ANDRÉ, 2010, p. 30).
Assim, Minayo (2009) aponta que
a análise qualitativa não é uma mera classificação de opinião dos informantes, é muito mais. É a descoberta de seus códigos sociais a partir das falas, símbolos e observações. A busca da compreensão e da interação à luz da teoria aporta uma contribuição singular e contextualizada do pesquisador. (p. 27).
Quanto à eficiência da perspectiva qualitativa, concordamos também com Zago
(2011), quando afirma que
a construção de um trabalho de campo é sempre uma experiência singular e esta escapa frequentemente à racionalidade descrita nos manuais de metodologia. (...) muitas respostas às questões que se apresentam na fase da coleta de dados vão sendo encontradas na prática concreta e na dinâmica que o pesquisador vai dando ao seu próprio trabalho. (p. 292).
Entretanto, foram levados em conta, em alguns momentos dessa dissertação,
dados obtidos a partir da perspectiva quantitativa em outras pesquisas da área
acadêmica ou de órgãos de governo, pois segundo Gatti (2004),
é inegável que sem dados de natureza quantitativa muitas questões sociais/educacionais não poderiam ser dimensionadas, equacionadas e compreendidas, algumas não seriam mesmo levantadas (p. 26).
No trabalho empírico utilizamos a técnica de entrevista semiestruturada com os
diretores das escolas, professores e outros agentes direta ou indiretamente ligados
ao programa Escolas do Amanhã. Partimos de um pré-roteiro, em que as perguntas
feitas foram elaboradas a fim de organizar de maneira objetiva as questões do estudo.
De acordo com Marconi & Lakatos (1982), na entrevista semiestruturada as perguntas
são abertas e podem ser respondidas por meio de uma conversa informal, o que, de
fato, ocorreu em nossa pesquisa.
Além das entrevistas, usamos questionários (com perguntas abertas e
fechadas), a todos os profissionais entrevistados, a fim de levantar dados pessoais,
como o tempo de atuação nas unidades escolares e formação acadêmica, por
exemplo. Como, a priori, os professores concursados não participam diretamente das
atividades específicas do Escolas do Amanhã, nossa intenção foi a de perceber e
analisar de que maneira os trabalhos relativos ao programa afetam, de forma positiva
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ou negativa, o cotidiano escolar, bem como as impressões dos professores com
relação àquelas atividades e ao Escolas do Amanhã de uma maneira geral.
Portanto, seguindo-se a esta apresentação, o capítulo um apresentará e
discutirá temas relativos à ampliação da jornada/horário integral, com a descrição de
algumas experiências relevantes, em especial, a partir da década de 1980, além de
abordar a relação qualidade/desigualdade na educação; o capítulo dois apresentará
a estrutura da Secretaria Municipal de Educação do Município do Rio de Janeiro,
tendo em vista os Programas Escolas do Amanhã e Mais Educação, além de
descrições a respeito da favela da Rocinha e das escolas estudadas; e, finalmente,
no capítulo três serão expostos os dados da pesquisa, resultados e o cotejamento das
experiências. Nas considerações finais serão expostas as conclusões, alcançadas
dentro dos limites deste estudo, que buscam oferecer uma contribuição aos estudos
sobre os possíveis novos formatos organizacionais para a escola pública brasileira,
especialmente no que se refere ao uso do tempo e dos espaços escolares.
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CAPÍTULO 1 – EDUCAÇÃO INTEGRAL, HORÁRIO INTEGRAL E AMPLIAÇÃO
DA JORNADA ESCOLAR NO BRASIL
As discussões sobre o conceito de educação integral17 no Brasil têm crescido,
especialmente, após a implementação do programa Mais Educação. A chamada
educação integral está sendo entendida como um dos principais caminhos para se
alcançar e garantir uma educação pública de qualidade. Contudo, o tema não é novo
no país.
Desde a década de 30 do século XX, quando – sob a administração de Anísio
Teixeira – o antigo Distrito Federal (Rio de Janeiro) constituiu-se como cenário de
experimentações pedagógicas, pautadas pelos princípios da Escola Nova, houve
movimentos na direção de uma educação com funções ampliadas. De acordo com
Chaves (2002), tais inovações ocorreram em determinadas escolas de Ensino
Fundamental da época, estruturadas de forma a garantir um ensino diferenciado, com
maior autonomia do professor na elaboração do programa escolar e maior vínculo
entre a aprendizagem e o interesse do aluno.
Mais tarde, na década de 50, Anísio Teixeira idealizaria também o Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador (Escola-Parque). Diretamente
influenciado pelo filósofo americano John Dewey, Teixeira pensava sobre o significado
da escola no mundo moderno, a qual deveria ser laica e comum, a partir da construção
de um sistema público que oferecesse o mesmo padrão de educação escolar a todas
as classes, garantindo assim uma base comum de formação do cidadão (BRANDÃO,
1999, p. 97). Segundo Gadotti (2009), a proposta da Escola-Parque
visava a alternar atividades intelectuais com atividades práticas, como artes aplicadas, industriais e plásticas, além de jogos, recreação, ginastica, teatro, música e dança, distribuídas ao longo de todo o dia. Alguns alunos órfãos ou abandonados podiam residir na escola. (p. 23).
17 A ampliação da jornada escolar e o conceito de educação integral aparecem quase sempre associados. De acordo com a legislação, a jornada ampliada corresponde ao aumento do tempo para além do mínimo obrigatório de 800 horas anuais e 200 dias letivos (quatro horas diárias, cinco dias por semana). O regime de tempo integral corresponde a 7 horas de aulas ou mais, cinco dias por semana.
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Ao final da década de 1950, Anísio Teixeira, como diretor do Instituto Nacional
de Estudos Pedagógicos (Inep), vinculado ao Ministério da Educação (MEC), propôs
a criação de 28 Escolas-Parque, em Brasília, a nova capital do país. A primeira foi
implantada no mesmo dia da inauguração da cidade, em 21 de agosto de 1960.
Entretanto, o projeto de Anísio em Brasília não logrou sucesso, sendo apenas
algumas unidades construídas, e a posterior supressão do tempo integral foi um dos
principais pontos de derrocada da proposta.
Em sua trajetória, Anísio Teixeira, junto a outros signatários do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932, introduziu no Brasil, os ideais da
criação de uma educação pública para todos e de formação integral do aluno. Sendo
assim, todas as experiências posteriores de educação integral, horário integral ou
ampliação da jornada escolar reportam-se, de uma maneira ou de outra, às ideias e
iniciativas de Anísio Teixeira. Apesar do termo educação integral não ser usual em
seus escritos, a ideia por ele expressa perpassa toda a obra e a filosofia de educação
defendida pelo autor. Para Anísio Teixeira, segundo Tenorio & Schelbauer (2007),
a educação deveria voltar-se para a formação integral da criança. Neste sentido, deveria romper com todo o modo tradicional, livresco e seletivo de se trabalhar e adotar uma prática educativa que considere os interesses, as aptidões, as habilidades e a realidade social de cada aluno. (p. 4).
Ou, ainda, de acordo com Cavaliere (2002),
o movimento reformador, do início do século XX, refletia a necessidade de se reencontrar a vocação da escola na sociedade urbana de massas, industrializada e democrática. De modo geral, para a corrente pedagógica escolanovista a reformulação da escola esteve associada à valorização da atividade ou experiência em sua prática cotidiana. O entendimento da educação como vida, e não como preparação para a vida, foi a base dos diversos movimentos que a formaram”. (p. 251).
1.3 Estudos sobre o tema no Brasil
O conceito de educação integral tem uma longa história na área educacional do Brasil e do mundo. A ideia que ele traz, de uma educação com responsabilidades ampliadas, em geral, com forte atuação nas áreas da cultura, dos esportes, das artes, ultrapassando a atuação restrita à típica instituição escolar, está presente em programas educacionais de diversos países e em diversas épocas. (CAVALIERE, 2010, p. 5).
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São muitos os documentos oficiais e autores brasileiros que abordam e
estudam de forma profícua os temas que dão título a esse segundo capítulo. Dentre
os autores, enfatizaremos os estudos de Ana Maria Cavaliere, Lúcia Velloso Maurício,
Ligia Martha Coelho, Janaina Menezes, Jaqueline Moll e Moacir Gadotti. No que se
refere aos documentos, citaremos, a seguir, quatro dos principais.
O conceito de uma educação que vise a formação integral dos indivíduos é
estabelecido em diferentes documentos legais, ainda que, inicialmente, não haja
referências diretas ao termo “educação integral” que somente começa a aparecer em
documentos oficiais nos anos 2000. De acordo com a Constituição Federal brasileira
(1988), em seu artigo 205, a educação é entendida como “direito de todos e dever do
Estado e da família”, e deve ser “promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O mesmo conceito é também apreendido pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº 8069/1990), em seu artigo 53, afirmando, em consonância com a
Constituição, que “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação
para o trabalho”. Está, ainda, presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9394/1996), nos artigos 2º, 34 e 87; no Plano Nacional de Educação
de 2001(Lei nº 10.172/01); no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)18, de
2007, o qual, de acordo com Saviani (2007), contempla a educação básica com
dezessete ações, sendo uma delas o Programa Mais Educação que se propõe a
ampliar o tempo de permanência dos alunos nas escolas, o que implica também a
ampliação do espaço escolar para a realização de atividades educativas, artísticas,
culturais, esportivas e de lazer (p.1235); no Fundo Nacional de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Básico e de Valorização do Magistério (FUNDEB) (Lei
nº11. 494/2007); e, finalmente, no Plano Nacional de Educação de 2014 (PNE – 2014-
2024), Lei n. 13005 de 2014. O Plano apresenta metas e estratégias para a Educação,
e a meta de número 6 preconiza o oferecimento de educação em tempo integral a
18 O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi aprovado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministro da Educação Fernando Haddad em 24 de abril de 2007. Afirma o objetivo de melhorar a Educação no País, em todas as suas etapas, em um prazo de quinze anos. Prevê várias ações que visam identificar e solucionar os problemas que afetam diretamente a Educação brasileira. Inclui ações de combate a problemas sociais que inibem o ensino e o aprendizado com qualidade, que deverão ser desenvolvidas conjuntamente pela União, estados e municípios. Disponível em: < http://www.educacional.com.br/legislacao/leg_i.asp>. Acesso em abril de 2015.
http://www.educacional.com.br/legislacao/leg_i.asp
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50% das escolas públicas da educação básica. A legislação, além de apontar para um
ideal de formação integral das crianças e adolescentes, explicita a questão da
ampliação da jornada escolar, que deverá ocorrer de maneira progressiva. Percebe-
se, nesses termos, que a prioridade dada à escola de horário integral/educação (em)
tempo integral, pelo poder público, é uma realidade, considerando – pelo menos – a
esfera legal.
Observamos que no âmbito da chamada educação integral, além da ampliação
da jornada escolar, em documentos recentes, existem diversos elementos que, de
acordo com tais documentos, precisam existir para que aquele modelo educacional
seja efetivado. Isto é, faz-se necessária não apenas a intervenção do Estado (como
formulador e mantenedor das políticas de educação integral), mas a participação das
famílias e de toda a sociedade.
A implantação e implementação de uma política de Educação Integral na educação básica, considerando a ampliação da jornada escolar aliada a constituição de territórios educativos e a perspectiva de expansão de oportunidades formativas, com contribuições intersetoriais e de organizações da sociedade civil estão inseridas na melhoria das condições necessárias para garantir a qualidade da educação pública em situação de pobreza. (BRASIL, 2010, p. 30).
Muitos estudos sobre o tema apontam para a mesma direção, isto é, a de que,
a educação, em especial a implementação da chamada educação integral, ganhou
um sentido multissetorial. A escola não pode (e nem deve) ser invocada como o único
espaço educativo e de aprendizagem para as crianças e adolescentes. Além da
jornada ampliada, é necessária a proteção e desenvolvimento integral da criança e do
adolescente, o que envolve, não apenas o conhecimento escolar, mas outras
atividades que formem o aluno como cidadão. Mas essa proposta gera polêmicas. Em
1988, Paro et al, já chamava a atenção para uma das questões que serviriam de base
para muitas discussões em torno da escola pública de horário integral no período pós-
ditadura:
hoje, quando se coloca a proposta de tempo integral, as questões sociais tendem a sobrepor-se à dimensão pedagógica. Isto acontece, por um lado, porque os problemas das classes subalternas são tantos, que as políticas públicas não dão conta de superá-los; por outro, porque a questão da pauperização, ligada à crise econômica atual, traz à tona o problema da violência e a preocupação de cuidar preventiva e/ou corretivamente dessa questão. Nesse sentido, o poder público passa a atribuir essa função à escola, gerando novas expectativas da população com relação à instituição escolar (p. 192).
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Diante disso, muitos dos estudiosos e dos documentos oficiais consideram
alguns pontos importantes a serem postos em prática, em especial, a integração entre
escola e a comunidade, principalmente no que se refere à participação dos pais no
cotidiano escolar, bem como a de parceiros da própria localidade: associação de
moradores, igrejas, quadras esportivas, artistas locais etc. Assim,
falar sobre educação integral (...) pressupõe falar, também, em tempo ampliado/integral na escola: com o tempo escolar ampliado, é possível pensar em uma educação que englobe formação e informação e que compreenda outras atividades – não somente as conhecidas como atividades escolares – para a construção da cidadania partícipe e responsável. (COELHO, 2009, p. 93).
Ou ainda, de acordo com Moll, 2009,
(...) considerar a questão das variáveis tempo, com referência à ampliação da jornada escolar, e espaço, com referência aos territórios em que cada escola está situada. Trata-se de tempos e espaços escolares reconhecidos, graças à vivência de novas oportunidades de aprendizagem, para a reapropriação de espaços de sociabilidade e de diálogo com a comunidade local, regional e global (p. 18).
Outro ponto de discussão importante nos estudos que envolvem a escola de
horário integral e o conceito de educação integral refere-se às diferenças e
aproximações entre a assistência social e o assistencialismo. Pelo senso comum, a
educação integral aparece muitas vezes diretamente ligada à prática assistencialista,
em que ações governamentais e individuais tomam para si atitudes paternalistas, que
em nada modificam a realidade social dos indivíduos-alvo dessas práticas. Todavia, é
preciso enfatizar que a Assistência Social configura-se como uma política pública,
prevista na Constituição Federal de 1988, artigo 203, e é regulamentada pela Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS). Ou seja, é um direito de todo cidadão, sendo
a educação uma das partes desse direito, assim como a saúde e a Previdência Social.
O chamado assistencialismo seria um desvio dessa ação, que colocaria a Assistência
como um fim em si mesmo, desarticulado das políticas universalistas de garantia de
direitos.
Certamente, a visão assistencialista que se tem da escola pública de horário
integral está intimamente relacionada ao fato de este tipo de formato escolar, no setor
público, atender principalmente às camadas mais pobres da população, em que há a
ideia de que os pais se sentem mais seguros ao saberem que seus filhos estão sob a
proteção do ambiente escolar durante várias horas por dia. De fato, tal concepção de
horário integral existe, mas não é intrínseca ao ensino público. Há muitas escolas da
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elite econômica, privadas, que hoje oferecem horário integral aos alunos. Devemos
ressaltar que a proteção social é também o papel a ser desempenhado pelas escolas
frente às crianças e adolescentes, e deve estar sempre associada à política
educacional, entre outras:
é impossível desenvolver a educação integral sem articulá-la com a saúde, a assistência social, o esporte, a cultura, as políticas de formação profissional e geração de renda. E para isso é preciso fortalecer as redes de interação entre as políticas sociais. Também parece fundamental entender as dinâmicas familiares. A pobreza e o desemprego, que caracterizam as periferias urbanas, afetam profundamente as relações sociais e familiares. E, muitas vezes, a escola preocupa-se apenas em cumprir rituais que ignoram os problemas presentes num determinado contexto social. (CASTRO, 2006, p. 82).
Finalmente, a questão da própria concepção do que venha a ser a escola de
tempo integral é um outro ponto de discussão entre os estudiosos. Cavaliere (2007)
identifica, pelo menos, quatro concepções de escola de tempo integral, diluídas e
muitas vezes misturadas nos projetos em desenvolvimento no Brasil:
1. a visão de cunho assistencialista, que vê a escola de tempo integral como uma
escola para desprivilegiados, enfatizando a ocupação do tempo e a socialização
primária;
2. a visão autoritária, em que a escola de tempo integral funciona como uma
espécie de prevenção ao crime, uma vez que estar “preso” na escola é sempre melhor
que estar na rua;
3. a concepção democrática, em que a escola de tempo integral possa cumprir
um papel emancipatório, a partir de uma educação mais efetiva do ponto de vista
cultural, com aprofundamento dos conhecimentos, do espírito crítico e das vivências
democráticas;
4. a concepção de educação em tempo integral que independe da estruturação
de uma escola de horário integral: uma visão multissetorial de educação integral, que
pode e deve ocorrer fora da escola e na qual os setores não-governamentais teriam
um papel importante.
Em todos os casos, entendemos que a ampliação da jornada ou o horário
integral, isto é, o alargamento do tempo, pressupõe o aumento, também, dos espaços.
Tempo e espaço na chamada educação integral são elementos inseparáveis.
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Entretanto, esse espaço físico ampliado necessita de equipamentos adequados (salas
de aula, de multimídia, de reuniões, quadras esportivas etc.) e de profissionais bem
preparados para lidar com os alunos ao longo de uma jornada de sete ou oito horas
por dia. Moll (2009), enfatiza que
de nada adiantará esticar a corda do tempo: ela não redimensionará, obrigatoriamente, esse espaço. E é, nesse contexto, que a educação integral emerge como uma perspectiva capaz de re-significar os tempos e espaços escolares. (p. 18).
Consideramos que todo esse movimento classificado como de “educação
integral” nos permite a discussão sobre esse conceito, que vem sendo amplamente
usado nas políticas governamentais e por outros agentes diretamente ligados a estas.
Diante disso, considerando essas informações e as principais políticas públicas para
a implantação do horário ampliado, entendemos que o referido conceito vem sendo
encarado como uma espécie de “bandeira” a ser erguida em busca da qualidade e
equidade na educação pública.
Maurício (2009) nos aponta que
a concepção de educação integral com a qual partilhamos, que embasa a proposta de extensão do tempo escolar diário, reconhece a pessoa como um todo e não como um ser fragmentado, por exemplo, entre corpo e intelecto. Entende que esta integralidade se constrói através de linguagens diversas, em variadas atividades e circunstâncias. A criança desenvolve seus aspectos afetivo, cognitivo, físico, social e outros conjuntamente. (p.26).
Em consonância com o pensamento acima, Rios (2006) afirma que a expressão
configura-se um pleonasmo, pois “ou a educação é integral ou ela não pode ser
chamada de educação” (p. 139). Entretanto, percebe-se que os termos ampliação da
jornada, horário ampliado/integral, entre outros, têm sido sempre associados (ou
mesmo usados como sinônimos) de educação integral. Nessa direção, Menezes
(2012) afirma que:
embora o conceito de Educação Integral esteja em constante movimento, pode-se afirmar que, no contexto atual, entre outros aspectos, é considerado ação estratégica voltada para a garantia da atenção e desenvolvimento integral de crianças e jovens. (p.140).
Em suma, nos parece que a educação dita integral, de um modo geral, tem sido
compreendida de uma maneira muito particular, em que se preconiza, notadamente,
a responsabilidade de todos pela educação, e que esta não deve ocorrer somente
dentro da escola e, tampouco, pode ser considerada uma atribuição apenas do poder
público. Daí a necessidade da participação intensa da família, de parcerias, e de que
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os bairros e as populações locais tornem-se, de alguma forma, participativos no
cotidiano da escola de horário integral e, consequentemente, responsáveis, de certa
forma, pela oferta da educação integral. Entretanto, essa não é uma proposição isenta
de polêmica, especialmente em tempos de fortalecimento da atuação nos sistemas
públicos de educação, a título de convênios e parcerias, de organizações sociais de
cunho empresarial. Estaria a chamada educação integral atuando como uma porta de
entrada para a privatização da educação pública? E mais, estaria atuando para a
progressão de uma visão filantrópica da educação pública em contrapartida ao seu
estatuto de direito universal? Além dessas preocupações, é preciso considerar o ainda
pouco desenvolvido nível de organização coletiva da população brasileira, seja na
área escolar (associações de pais e alunos, por exemplo), nos locais de moradia, ou
de trabalho (CAVALIERE, 2014).
1.2 Principais experiências no Brasil a partir dos anos 1980
Como nos educamos ao longo de toda a vida, não podemos separar um tempo em que nos educamos e um tempo em que não estamos nos educando. Como nos educamos o tempo todo, falar em educação de tempo integral é uma redundância. (Gadotti, 2009 , p. 21 e 22).
Sabemos que as propostas contidas no Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova e as experiências de Anísio Teixeira, especialmente com a criação das Escolas-
Parque, nos anos de 1950, configuraram-se como pioneiras no âmbito da educação
pública. Quando falamos em educação integral ou escola de tempo integral é quase
impossível, num primeiro momento, não se reportar à figura desse autor.
Contudo, durante o período da Ditadura Civil-Militar19 (1964-1985), as
discussões e os processos relativos às novas experiências educacionais foram
19 Entretanto, nesse período foram criados os Ginásios Vocacionais, que foram estabelecimentos voltados ao ensino, em tempo integral, de alunos de 5ª. a 8ª. Séries do Ensino Fundamental, para jovens de ambos os sexos com idade entre 11 e 13 anos no ingresso. O projeto dos vocacionais foi implantado, na década de 60, em algumas cidades do Estado de São Paulo. Os Ginásios Vocacionais tornaram-se experiências significativas para a educação no Estado de São Paulo e no Brasil, apesar de terem sido de curta duração: apenas oito anos de fervilhante existência – de 1962 a 1969. Foi implantado, neste período, um total de seis unidades escolares no Estado de São Paulo: uma na Capital, ”Oswaldo Aranha”, e as demais no interior; “Cândido Portinari” em Batatais; “João XXIII” em Americana; “Embaixador Macedo Soares” em Barretos; “Chanceler Raul Fernandes” em Rio Claro e
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interrompidos, sendo retomadas somente a partir da década de 1980. Diante disso
podemos considerar que
as décadas de 1980 e 1990 foram ricas no surgimento de empreendimentos educacionais ditos inovadores, em alguns estados do Brasil. Essas iniciativas, que acompanharam o movimento de redemocratização da sociedade brasileira, tinham um grande desafio: diminuir os altos índices de evasão e reprovação, e recuperar a educação. Para tanto, concentraram suas ações no atendimento de crianças e adolescentes das parcelas mais carentes da população brasileira. (GERMANI, 2006, p. 50).
Nesse item, apresentaremos, os principais pontos de alguns programas de
educação/tempo integral do período citado por Germani. Além das experiências no
Rio de Janeiro, trataremos das propostas implantadas em outros estados, como São
Paulo, Curitiba, Minas Gerais e Espírito Santo.
1.2.1 Rio de Janeiro – O programa dos Centros Integrados de Educação Pública
(CIEPs)
O programa dos CIEPs foi, sem dúvidas, um marco como programa
educacional, não apenas no Estado do Rio de Janeiro, mas também, no Brasil. Assim
como as experiências de Anísio Teixeira, os Centros Integrados de Educação Pública
tornaram-se referências quando estudamos ou falamos de educação integral e/ou de
escolas de tempo integral. Pensados por Darcy Ribeiro, os CIEPs foram construídos
a partir da década de 1980, sendo idealizados como instituições para a experiência
de escolarização em tempo integral, voltadas para alunos das classes populares.
O primeiro grupo desses Centros Integrados foi construído durante o primeiro
mandato do governador Leonel Brizola – com Darcy Ribeiro como vice-governador e
à frente da Secretaria de Estado de Ciência e Cultura – no âmbito daquilo que se
denominou de Programa Especial de Educação, entre os anos de 1983-1986; já o
outro grupo, pertencente a um segundo Programa Especial de Educação, foi edificado
num segundo mandato do mesmo governador, entre 1991-1994. Tratava-se de um
“Vila Santa Maria” em São Caetano do Sul. Por estes estabelecimentos passaram, neste período, mais de seis mil estudantes. (NAKAMURA, 2013, p. 2).
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projeto centralizador e uniformizador, considerando que todas as unidades deveriam
funcionar de acordo com um projeto pedagógico único e com uma organização escolar
padronizada, para evitar a diferença de qualidade entre as escolas.
O primeiro CIEP inaugurado foi o Tancredo Neves, no bairro do Catete, Zona
Sul/Central do Rio de Janeiro, em 08 de maio de 1985, sendo o programa apresentado
como prioritário para a questão educacional. Ao fim dos dois mandatos do governo
Leonel Brizola, 506 Centros estavam construídos, em todos os municípios do estado.
À época, o principal diferencial apresentado para os CIEPs, a olhos vistos, era a
estrutura arquitetônica. Projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, os prédios
chamavam a atenção pela dimensão externa e também interna. Possuíam capacidade
para alocar até mil alunos, com 20 salas de aula, ginásio esportivo, biblioteca,
refeitório, cozinha, gabinete médico-odontológico, e dormitórios-creches para
meninos e meninas.
Além do projeto arquitetônico, a proposta desses Centros envolvia diversos
outros aspectos que iam desde a questão curricular e pedagógica até a de formação
e proteção social do aluno. Assim, os principais diferenciais dos Centros englobavam,
além do horário integral,
diversas atividades pouco presentes na maioria das escolas públicas brasileiras: estudo dirigido, vidoeducação, biblioteca, esporte e animação cultural faziam parte do dia-a-dia dos alunos, mesclando-se às aulas regulares das disciplinas convencionais. Uma parte de seus professores também ficava na escola em tempo integral, fosse dobrando a carga de aulas, planejando as atividades pedagógicas, articulando trabalhos coletivos com os demais colegas ou realizando atividades de estudo e pesquisa. (CAVALIERE & COELHO, 2013, p. 214).
Na parte pedagógica dos CIEPs incluía-se, ainda, a não reprovação20, que foi
colocada em prática ao final do segundo Programa Especial. Diante disso, o aluno
precisava desenvolver-se em sua capacidade de leitura, escrita e cálculo, a fim de que
pudesse atuar de maneira eficaz na sociedade letrada. Pretendia-se também respeitar
o universo cultural do educando, o qual deveria ser considerado de maneira a
construir-se uma espécie de ponte entre os saberes dos alunos e o conhecimento
20 Trata-se do programa bloco único, implantado na rede estadual em 1994. A ausência da reprovação passou a ser uma realidade para todas as escolas estaduais de ensino fundamental. Entretanto, tendo sido forte a oposição à medida por parte da categoria docente e da própria população, as escolas convencionais, em grande parte, desenvolveram procedimentos internos, informais, para “contornar” o bloco único. A população associou a ausência de reprovação aos CIEPs, e reforçou a representação de escolas “fracas” ou desorganizadas. Era comum ouvir-se à época críticas dirigidas especificamente aos CIEPs pelo fato de não reprovarem quando, oficialmente, a concepção de bloco único atingia toda a rede. (CAVALIERE & COELHO, 2003, p. 152-153).
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formal e normativo, exigido pela sociedade. O atendimento médico e odontológico
também era prioridade, especialmente com ações voltadas aos “bons” hábitos de
higiene pessoal e alimentar.
Era preconizada, também, no programa dos Centros Integrados, a conexão da
cultura escolar com a cultura comunitária. Dentro dessa ótica, surgiram as figuras dos
Animadores Culturais, classificados por Ribeiro (1986) como pessoas comprometidas
permanentemente com o fazer cultural: inquietas e instigadoras, elas são egressas de
grupos de teatro, música, de poesia, de movimentos criados espontaneamente ou de
associações comunitárias. (p. 134). Com isso, as atividades de animação cultural
visavam incentivar, através das manifestações locais, o uso da escola como espaço
democrático, em que o processo educacional e a vida comunitária pudessem estar
em permanente interação. Outro ponto importante na proposta de integração com a
comunidade consistia no fato de, durante o período da noite, os Centros serem
destinados a turmas de alfabetização para jovens e adultos e, nos fins de semana,
feriados e período de férias, funcionavam como centros de lazer, cultura e esporte,
abertos à comunidade.
Diante disso, observamos que os Centros Integrados de Educação Pública
possuíam, ao menos em proposta e teoria, vários dos principais nortes para a
efetivação de um sistema público – com qualidade – de escola em tempo
integral/educação integral, voltado para as classes populares. Todavia, a realidade
vivenciada pela comunidade, não apenas escolar, mas por toda a sociedade, ao longo
da implementação de tais propostas, foi diferente. Foram muitas as críticas e
resistências com relação ao projeto dos CIEPs, não apenas por parte da opinião
pública, mas também de professores, diretores e outros agentes, principalmente
daqueles pertencentes às unidades escolares convencionais, isto é, que não faziam
parte dos Programas Especiais de Educação.
Uma das principais questões envolvendo as construções dos Centros
Integrados foi a acusação de que o governador estaria construindo uma rede paralela
de ensino no Estado do Rio de Janeiro, em que as outras unidades eram espoliadas
por não terem acesso a materiais didáticos e de apoio, os quais eram destinados aos
CIEPs. Tal fato feria a prática democrática e a garantia da igualdade de condições
edu
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