acaso objetivo

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Durante quatro meses, caminhei pelo centro da cidade de Belo Horizonte sem dias pré-determinados, horários ou trajeto definido. Havia comprado seis máquinas fotográficas de plástico (com lentes de plástico) e nelas inseri filmes de 35 mm com 12 poses. A medida que caminhava, propunha empréstimos das câmeras a algumas pessoas para que registrassem seu cotidiano. Quatro pessoas (um cego, um fotógrafo "lambe-lambe", um estrangeiro e uma vidente) aceitaram fotografar. Além das imagens produzidas por estas pessoas, cada ensaio é aberto com uma fotografia feita por mim e uma breve descrição dos fatos que ocasionaram os encontros.

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Acaso Objetivo

Muitos surrealistas franceses fizeram caminhadas noturnas pela cidade de Paris, a fim de capturar a cidade à sua maneira. André Breton (1896-1966) no capítulo intitulado “Tournessol” (Girassol), de seu livro L’Amour Four (1937), narra um encontro em 1934 onde um olhar de relance para a Torre Saint-Jacques vincula-se a um poema feito por ele em 1923. Em tal poema, profeticamente, estão todos os indícios do encontro de 1934. As casualidades em que se estabelecem redes de associações e substituições por cada sujeito para uma determinada influência externa, foram por Breton denominadas “Acaso Objetivo”. Que acontece quando traço e sentido estão relacionados intimamente, ou seja, quando há possibilidade da subjetividade e realidade conviverem em processo contínuo de referência.

Durante quatro meses, caminhei pelo centro da cidade de Belo Horizonte (Brasil) sem dias pré-determinados, horários ou trajeto definido. Havia comprado seis máquinas fotográficas de plástico (com lentes de plástico) e nelas inseri filmes de 35 mm com 12 poses. Seu funcionamento é simples: basta avançar o filme, escolher o enquadramento e expor o negativo à abertura do diafragma. A medida que caminhava, propunha empréstimos das câmeras a algumas pessoas para que registrassem seu cotidiano. Apresentava o funcionamento da câmera, emprestava o aparelho e trocava contato para devolução. Quatro pessoas (um cego, um fotógrafo "lambe-lambe", um estrangeiro e uma vidente) produziram séries de 12 imagens. Uma câmera foi perdida e um filme não foi exposto por mau posicionamento da película. Além das imagens produzidas por estas pessoas, há uma fotografia feita por mim e uma breve descrição dos fatos que ocasionaram as imagens de cada "ensaio".

Cecília Silveira

No cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Rua da Bahia, um cego pedia ajuda para atravessar sem ser notado. Segurei seu braço e atravessamos. Ele ouviu a minha proposta e aceitou fotografar, levou a máquina à altura dos olhos e disse: “Fotografia dá certo pra quem não enxerga?” A. é cego desde os oitos anos. Passadas três semanas, fui procurá-lo. Pediu que eu o fotografasse ao lado de sua namorada, e desculpas por um possível fracasso.

O cego

Na Praça da Estação ainda há um fotógrafo lambe-lambe. Um letreiro em seu carrinho anuncia fotos “digitais na hora”. Mostro minha câmera ao senhor J., digo que sou estudante de arte e que estou no centro da cidade para fazer uma pesquisa. Ele tira de dentro de uma gaveta uma câmera digital, sorri e diz: “Para quem um dia fotografou com um caixote de madeira, hoje eu até estou bem!” O senhor J. é fotógrafo há 53 anos. Os óculos "fundo de garrafa" diminuíam, ainda mais, os seus pequenos olhos. Agarrou a máquina e me fotografou.

O fotógrafo

Na porta do Hotel Othon Palace esperava os hóspedes saírem, sem conseguir uma aproximação, deixei-me estar ali até que a curiosidade de alguém trouxesse um colaborador. Um homem de aproximadamente 40 anos veio ter comigo. P. já tinha estado no Brasil e aceitou o convite embora fosse seu penúltimo dia de visita a Belo Horizonte. No dia seguinte, o estrangeiro telefonou para que eu fosse ao hotel buscar a máquina. Enquanto fumava fotografei seu rosto em contraluz, sem que ele percebesse, ou talvez tenha permitido.

O estrangeiro

No cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Rua da Bahia, um cego pedia ajuda para atravessar sem ser notado. Segurei seu braço e atravessamos. Ele ouviu a minha proposta e aceitou fotografar, levou a máquina à altura dos olhos e disse: “Fotografia dá certo pra quem não enxerga?” A. é cego desde os oitos anos. Passadas três semanas, fui procurá-lo. Pediu que eu o fotografasse ao lado de sua namorada, e desculpas por um possível fracasso.

A vidente

Acaso Objetivo Cecília Silveira 52 impressões fotográficas e textos 2009/2010 Concebido e apresentado como trabalho final do curso de Especialização em Ensino e Pesquisa no Campo da Arte pela Universidade do Estado de Minas Gerais - Escola Guignard - 2010. Todos os direitos reservados ao autor. Agradecimentos: Aos colaboradores que produziram estas imagens, ao orientador José Márcio Barros, à leitura atenciosa de Clarisse Alvarenga, à Ana Ferreira por tudo que viria a ser.

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