a (s) cultura (s) dos povos ciganos no espaÇo escolar: …
Post on 06-Jan-2022
4 Views
Preview:
TRANSCRIPT
A(s) Cultura(s) dos Povos Ciganos no Espaço Escolar: A Formação Docente comoExperiência Inovadora na Escola Municipal Agnaldo Marcelino Gomes
Laudicéia da Cruz Santos1
Jerônimo Jorge Cavalcante Silva2
Carmélia Aparecida Silva Miranda3
Resumo
O presente artigo é fruto das discussões iniciadas no componente curricular História da CulturaBrasileira e Ensino com o objetivo de estabelecer interfaces com o objeto de estudo da pesquisa doMestrado em Educação e Diversidade, ou seja, a inserção da cultura cigana nas práticas educativas dosprofissionais de educação. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica desenvolvida a partir de livros eartigos científicos a respeito dos temas centrais como Cultura, Povos Ciganos, Identidade e FormaçãoDocente, além de um relato de experiência a partir de alguns dados empíricos, como recorte dadissertação do mestrado, frutos da pesquisa realizada na Escola Municipal Agnaldo Marcelino Gomesem Jacobina/BA. Portanto, na perspectiva de desconstruir as falsas estereotipias sobre os povosciganos é preciso conhecê-los, defendemos um processo de formação docente articulado aos aspectospedagógico e político que contribua para uma educação intercultural, de alteridade e dereconhecimento de distintas maneiras de sermos humanos.
Palavras-chave: Cultura. Povos Ciganos. Educação Escolar. Formação Docente. RepresentaçõesSociais.
Abstract: The present article is the result of discussions initiated in the Brazilian cultural history andteaching curriculum component with the aim of establishing interfaces with the object ofresearch study of the master's degree in education and diversity, the insertion of Gypsy culturein educational practices of education professionals. It is a bibliographical research developedfrom books and scientific articles about the central themes as culture, Roma, identity andteacher training, in addition to a case study from some empirical data, such as a part ofmaster's degree dissertation, product of research conducted at Escola Municipal AgnaldoMarcelino Gomes in Jacobina/BA. Therefore, the perspective from to deconstruct the false
1 Autora. Profa. Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Diversidade daUniversidade do Estado da Bahia – UNEB/Departamento de Ciências Humanas – CAMPUS IV. Professora deHistória da rede pública estadual do CEEP Professora Felicidade de Jesus Magalhães/Jacobina – BA. Av.Centenário, S/N, Nazaré, Jacobina-BA. E-mail: laudibotafogo@hotmail.com.2 Coautor. Pós-Doutor em Educação pela Universidade de Cádiz, Espanha; Doutor em Educação pelaUniversidade Autônoma de Barcelona. Mestre em Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona; Mestreem Educação pela Universidade Portucalense, Portugal. Professor Titular - Universidade do Estado da Bahia –UNEB/DCH – IV. Docente Permanente do Mestrado Profissional em Educação e Diversidade - MPED/UNEB –DCH IV - Jacobina - Universidade do Estado da Bahia. Rua J. J. Seabra, Nº 158 – Bairro Estação - Jacobina-BA. E-mail: jorgeazul53@gmail.com. 3 Coautora. Pós-Doutorado em História pela Universidade de Lisboa - UL – Portugal, Doutora em HistóriaSocial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Mestre em História Social pela PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo. Professora Titular da Universidade do Estado da Bahia – UNEB - CampusIV – Jacobina; Professora Permanente do Mestrado em História Regional e Local/UNEB – Campus V - SantoAntônio de Jesus. Professora Permanente do Mestrado Profissional em Educação e Diversidade/UNEB –Campus IV - Jacobina – BA. Rua J. J. Seabra, Nº 158 – Bairro Estação - Jacobina-BA. E-mail:carmelia15@hotmail.com
67
stereotypes about the Roma people need to meet them, we believe in a process of teachereducation pedagogical and political aspects articulated that contributes to interculturaleducation, of otherness and recognition of different ways of being human.
Keywords: Culture. Romani people. School Education. Teacher Education. SocialRepresentations.
Introdução
Intenciona-se nessa breve discussão, promover reflexões a respeito dos desafios postos
pela diversidade cultural, enfaticamente pela presença de crianças e jovens ciganos, nos
espaços de educação escolar. Essas reflexões trazem questionamentos sobre os processos
formativos dos profissionais de educação que deveriam (devem) tencionar sua formação
inicial e continuada visto que a invisibilidade dos povos ciganos na educação escolar precisa
ser repensada. Esse repensar implicaria em dois processos que se entrecruzam: a capacidade
de assombro político e pedagógico (Arroyo, 2008) que está para além do que os cursos de
formação docente vêm se propondo ou se preocupando, ou seja, “formar competentes
docentes para eliminar a repetência, a defasagem, o fracasso, baixa qualidade e o desempenho
em provinhas e provões oficiais” (Arroyo, 2008: 31) daqueles coletivos considerados
desiguais, pela escola, com intuito de padronizá-los e homogeneizá-los. Tratar-se-á, portanto,
de articular os assombros político e pedagógico, uma vez que nenhum processo de formação
docente é garantia de ressignificação da prática, se os profissionais de educação não tiverem
também um compromisso político para formação dos coletivos enquanto sujeitos
empoderados, na busca dos seus direitos básicos, com vistas também para a equidade e
exercício da cidadania.
É importante demarcar que as contribuições de Arroyo (2008) elencadas neste artigo
foram transpostas para a compreensão de que a formação docente e dos demais profissionais
de educação ocorre também e, talvez, com mais representatividade no espaço de atuação
profissional desses sujeitos, em nosso caso de análise, a Educação Básica. O autor em questão
trata da formação docente de coletivos diversos que adentraram os cursos de Licenciatura na
Universidade e, nesse novo contexto, buscam interrogar a formação docente com o objetivo
68
de que suas narrativas sejam contempladas, com reconhecimento de suas culturas, valores e
memórias na centralidade dos programas de formação.
À luz também das contribuições de Bauman (2012), em “Ensaios sobre o conceito de
cultura”, discutiremos brevemente a respeito da identidade marcada pela diferença, bem como
as similitudes entre o autor e Hall (2014). No entanto, para tais discussões torna-se necessário
inicialmente discussões a respeito do conceito de Cultura - considerando as leituras de Santos
(1996) e Geertz (1989) - de Cultura (s) Cigana (s), pautados em Teixeira (1998, 2003),
Moonen (2013), Casa-Nova (2003, 2006) e Representações Socais em Moscovivi (2009,
2015). E em seguida trazemos alguns achados empíricos, frutos da pesquisa de mestrado
realizada na Escola Municipal Agnaldo Marcelino Gomes – E.M.A.M.G., os quais
contribuíram para a discussão dos povos ciganos no espaço escolar e, fundamentalmente, a
formação dos profissionais em educação em exercício como possibilidade de inserção da
cultura dos povos ciganos na escola, uma vez que nenhuma ação formativa significará uma
mudança efetiva das práticas e ações educativas se não for conjugada a outros fatores (gestão,
política, estrutural e outros), mas em especial do assombro e posicionamento político e
pedagógico que compreende a formação dos sujeitos coletivos diversos, em especial das
crianças e jovens ciganos, para além dos muros da escola, numa perspectiva intercultural.
1 Cultura: Multiplicidade de Formas de Existência
Trazer à tona discussões a respeito dos povos ciganos em espaços de educação escolar
carrega grande complexidade, tanto quanto compreender a diversidade que envolve os
referidos povos. Além das visões estereotipadas e generalistas que veem os ciganos como
sujeitos homogêneos, há significativas diferenças históricas, socioeconômicas e culturais que
os envolvem. Mas, sobretudo existem similitudes e fatores agregadores que unem os
diferentes grupos étnicos (Rom, Calon e Sinti), como por exemplo a luta contra o preconceito
e racismo institucionalizados em vários setores sociais e também na educação escolar.
Entretanto, começa-se por analisar o conceito de cultura, aqui compreendido como
guarda-chuva maior que abarcará as questões da diversidade e da identidade dentro do atual
contexto da “pós-modernidade ou da modernidade tardia” (Bauman, 2012). Para Santos
(1996) o conceito de cultura possui uma complexidade histórica, pertinente para o
enfrentamento a preconceitos e, consequentemente, para a garantia do respeito e a dignidade
69
humana nos processos relacionais, uma vez que há forte entrelaçamento das relações
estabelecidas entre cultura e diversidade também articuladas às relações de poder. De toda
forma “[...] ao discutirmos sobre cultura, temos sempre em mente a humanidade em toda sua
riqueza e multiplicidade de formas de existência [...]” (Santos, 1996: 7), o que implica
compreender a lógica interna de cada realidade cultural para que possamos desvelar a cultura
do outro dentro de uma historicidade contextual e assim ver sentido em determinadas práticas.No entanto, Santos (1996) alerta que a avaliação à cultura alheia será sempre feita a
partir do lugar do observador e, sendo assim, faz-se uma tentativa de hierarquização com
critérios próprios que acaba por subjugar outra cultura. Afirma também, que a cultura é uma
construção histórica, é um produto coletivo da humanidade que prima pela diversificação
interna, como uma das características presentes nas sociedades contemporâneas – no Brasil
inclusive. Já em Geertz (1989), a cultura emerge sob duas perspectivas, primeiro como
instrumento de controle e segundo como a possibilidade de promover o relevante quadro
evolutivo da espécie. Dessa forma, o homem surge como ser multifacetado pela cultura.
Compete ao antropólogo, nesse sentido:
[..] descer aos detalhes, além de etiquetas enganadoras, além dos tipos metafísicos,além das similaridades vazias, para apreender corretamente o caráter essencial nãoapenas das várias culturas, mas dos vários indivíduos dentro de cada cultura, se éque desejamos encontrar a humanidade face a face [...] (Geertz, 1989: 38).
Coadunando, portanto, com uma preocupação mais para o que é particular e
circunstancial, uma vez que o indivíduo, ainda que membro de grupo social, político e
cultural, é ao mesmo tempo, único e múltiplo. O papel do antropólogo, abordado por Geertz
(1989), pode ser similar àquele dos profissionais em educação, pois sendo o espaço escolar
composto por coletivos culturais diversos, isso demanda sensibilidade para enxergar o (s)
outro (s) também como sujeitos múltiplos e únicos, mesmo fazendo parte de uma determinada
cultura. Isso na perspectiva de articularmos pesquisa e docência, pois condiz com a ideia do
professor pesquisador, mesmo na educação básica e não necessariamente vinculado à
Universidade. E entre esses coletivos diversos, presentes na educação escolar está a(s) cultura(s) dos
Povos Ciganos que dada a inexistência da inclusão nos cursos de formação inicial ou
continuada, fortemente atrelada ao histórico de perseguição, exclusão e preconceitos, urge um
repensar a respeito dos povos ciganos como sujeitos de direitos que tenham representatividade
nos espaços escolares. O que indica a necessidade em conhecer seus elementos culturais
70
dentro de uma complexidade histórica, contextual e cultural para amenizar os falsos
estereótipos construídos sobre os mesmos que, via de regra, é referendado pela educação
escolar.Corroborando com a ideia de Santos (1996), os povos ciganos historicamente só foram
enxergados a partir do olhar do não-cigano, fundamentalmente do europeu. A Europa, de
forma etnocêntrica ao se colocar como continente símbolo da civilização, do progresso,
católica, cristã, atrelada ao sedentarismo e ao processo de industrialização, enxerga o cigano,
seus elementos culturais, sociais, econômicos, políticos e religiosos como o outro que não
coadunava como o modo de vida europeu. Dessa forma, para além da discriminação e
perseguição sofridas, aos ciganos eram negados direitos básicos fundamentais, pois estavam
fora da perspectiva civilizatória europeia. Afinal, as representações sociais construídas sobre
os povos ciganos eram ligados à impureza, nomadismo, demonização, sujeira, roubos,
vagabundagem, dentre outros estigmas. É o que Moscovici (2009) chama de nó figurativo
como aquilo que “condensa todas as imagens, todas as noções ou os julgamentos que um
grupo ou uma sociedade gera ao longo do tempo” (p. 63). Assim, se os europeus eram
sedentários, os ciganos sendo nômades representavam um perigo à ordem. Tais atitudes frente aos povos ciganos referenda o que Santos (1996) chama da
primeira possibilidade básica de relacionarmos culturas entre si, ou seja, hierarquizar essas
culturas segundo algum critério. A segunda possibilidade nega a primeira assertiva, isto é, não
há como julgar ou hierarquizar as culturas, inexiste superioridade e inferioridade cultural. No
entanto, o autor também aponta para o problema que a relativação total do estudo das culturas
esconde questionamentos relevantes sobre a história da humanidade, os processos de
transformação dos grupos humanos e a produção material no curso dessas transformações. Há
que se respeitar a diversidade cultural através da inserção das culturas particulares na história
mundial, uma vez que não há isolamento cultural, pois, as realidades culturais se relacionam.
Nesse aspecto, Santos (1994) traz o elemento da desigualdade para a discussão ao abordar que
não há compreensão da cultura sem analisar as desigualdades sociais. As culturas e
sociedades humanas se relacionam de modo desigual e, assim sendo, hierarquizam de fato
povos e nações. Dentro dessa compreensão hierárquica de culturas, há ainda realidades culturais
internas à nossa sociedade que são vistas como culturas estranhas, a exemplo da cultura
cigana, que ora é vista como exótica, ora como demoníaca. Para além dessa dualidade, é
necessário compreender os sentidos das práticas culturais dos povos ciganos e suas
71
especificidades mesmo dentro de um mundo cada vez mais globalizado. Uma vez que a
cultura não é estática, ela é dinâmica e relacional; e os povos ciganos souberam sobreviver a
ambientes hostis à sua presença, tentando se aproximar dos grupos nos mais diferentes
espaços/temporais.
Destarte, Bauman (2012) articula a cultura e identidade, demarcando a permanência
desta a partir da mudança e da diferença. Uma vez que enquanto seres relacionais é somente
no contato com o outro, quando precisamos lutar, reivindicar nosso pertencimento é aí que a
identidade é forjada. Inicialmente discorrendo sobre a cultura, o autor afirma que:
[...] dominar a cultura significa dominar uma matriz de permutações possíveis, umconjunto jamais implementado de modo definitivo e sempre inconcluso – e não umacoletânea finita de significações e a arte de reconhecer seus portadores. O que reúnefenômenos culturais numa “cultura” é a presença dessa matriz, um convite constanteà mudança, e não sua “sistematicidade” – ou seja, não a natureza da petrificação dealgumas escolhas (“normais”) e a eliminação de outras (“desviantes”) (Bauman,2012: 43).
Os povos ciganos, em específico os ciganos Calon de Jacobina – Bahia, enxergam no
espaço escolar riscos, ameaças ou escolhas desviantes4 (os não-ciganos), na tentativa de
preservação de suas tradições. Perspectiva observada entre os ciganos Calon mais
conservadores e que muito pouco contato tiveram na educação escolar. Há casos de famílias
que mesmo percebendo a invisibilidade das crianças e jovens ciganos ou a folclorização e
exotização cultural em datas específicas, como dia ou mês que comemora o dia do cigano,
começam a enxergar um potencial transformador da educação, com vistas a auxiliar no
empoderamento dos ciganos na escola e na sociedade. O que também provoca dentro da
comunidade cigana visões contraditórias entre aqueles que querem manter as tradições e
outros que veem a educação escolar como potencial transformador, mas também compreende
a lógica dos patriarcas e ciganos mais velhos, sobre a preservação da cultura, contrários a
abertura da referida cultura.
Antes da articulação de tais questões com as discussões propostas por Bauman (2012)
e Hall (2009) sobre as questões da identidade, vamos nos apropriar um pouco sobre quem são
esses coletivos diversos, a quem chamamos de Povos Ciganos.
4 Desviantes aqui é para exemplificar o caso das jovens ciganas que prestes a se casar são retiradas pelas mães daescola, uma vez que tem que casar puras, e os jovens não-ciganos podem desviá-las e assim dificultar essaespecificidade cultural, a saber o casamento entre ciganos. Há exceções, casos de ciganos que se casam com não-ciganos. Bem como da continuidade de ciganos nos estudos, mas isso é mais comum para os ciganos do que paraas ciganas.
72
1.1 Povos Ciganos: outra história a contar
As falsas estereotipias étnicas que envolvem os ciganos, foram fortemente construídas
pelos não-ciganos – gadjés – essencialmente pelos europeus. Uma vez que, para estes, os
ciganos representavam o outro nômade, impuro, trambiqueiro, vagabundo, ladrão, além de
outros estigmas, em contraponto ao eurocentrismo como autoproclamação do sedentarismo,
pureza, trabalho, desenvolvimento industrial, urbanização, civilização e do catolicismo. Como
não deixaram registros escritos, por serem historicamente ágrafos, os povos ciganos
apareceriam geralmente por intermédio das forças repressoras, pois eram considerados
perturbadores da ordem do modo de vida europeu.No entanto, não é tão simples falar dos ciganos, pois para além de uma generalização
de unicidade cultural, o que de fato existe é um mosaico étnico, com grandes diferenças, com
relações de semelhança e dessemelhança entre Rom, Calon e Sinti nos mais distintos espaços-
temporais (Teixeira, 2009: 21). Primeiro porque o próprio termo cigano é um conceito
altamente preconceituoso, foi uma denominação exógena aos povos ciganos, cunhada pelos
europeus em meados do século XV, possui diferentes variações a depender de distintas
línguas, mas provém da palavra grega Atsingani que significa não toque, intocáveis, como
uma referência da não aproximação, da exclusão e da perseguição aos ciganos como sujeitos
sujos e impuros, a partir da ótica europeia; e como forma de demarcar uma outra
denominação, agora endógena, feita a partir da organização da União Romani Internacional
dos Ciganos, estes se autodeclararam Rom ou Romà, que tem o significado de homem, como
designação as populações nômades que tem em comum a origem indiana, também pode
significar pai de família e como forte alusão para também demarcar a suposta origem cigana
no continente asiático. Sobretudo, ainda que haja essa nova demarcação mais política da
denominação Rom ou Romà, é notória a persistência da utilização do termo cigano nos grupos
étnicos, especialmente no Brasil. Segundo, porque ao falarmos em povos ciganos estamos nos
referindo aos três principais grupos étnicos, com seus subgrupos e especificidades que nada
atrela-se a uma visão errônea de homogeneidade entre eles. Nas últimas décadas, pesquisadores, ciganos, ou não, consagraram a distinção dosciganos no Ocidente em três grandes grupos. O grupo Rom, demograficamentemajoritário, é o que está distribuído por um número maior de países. É dividido emvários subgrupos [...] com denominações própria, como os kalderash, Matchuara,Lovara e Tchurara. Teve sua história profundamente vinculada à Europa Central eaos Bálcãs, de onde migraram a partir do século XIX para Europa Ocidental eAméricas. [...] Os Sinti, também chamados Manouch, falam a língua sintó e sãonumericamente expressivos na Alemanha, Itália e França [...]. Provavelmente, osprimeiros Sinti chegaram ao país também durante o século XIX, vindos dos mesmos
73
países europeus [...]. Os Calon, cuja língua é o caló, são os ciganos que sediferenciaram culturalmente após um prolongado contato com os povos ibéricos. Dapenínsula Ibérica, onde ainda não numerosos, migraram para outros países europeuse da América. Foi de Portugal que vieram para o Brasil, onde são o grupo maisnumeroso. [...] (Teixeira, 2009: 19).
Por se tratar de grupos distintos, alguns dos quais com subgrupos, não há como querer
compreender os povos ciganos como homogêneos. E mesmo com suas especificidades
grupais, os três grupos carregam o mesmo histórico frente aos não ciganos: perseguição,
discriminação, racismo e negação de direitos. Quiçá tal histórico seja também a responsável
pela rede de solidariedade entre eles na busca por seus direitos fundamentais.No que se refere à origem dos povos ciganos, não existe uma única teoria, mas há um
consenso entre pesquisadores e ciganólogos que eles seriam originários da Índia por volta do
século III a. C. E em função das invasões muçulmanas pelos povos arianos em 1500 os povos
ciganos iniciaram processos migratórios, pois não se submeteram ao sistema de castas, o que
os colocavam na condição de párias5. No entanto, Simões (2007) afirma que foi a partir do século XII, que os ciganos se
dividiram em dois ramos, a saber: o asiático, ligados a Palestina, e o europeu, ligados a Pérsia
e Armênia, e em seguida a esse processo acabam por se disseminar pelo continente europeu.
Continente, em que foram duramente tratados como “intocáveis”, perseguidos e
discriminados em função de muitos de seus costumes e valores não serem condicentes com os
padrões europeus. A partir do século XV com a chegada dos mesmos, em especial na Europa
Ocidental, é que foram forjadas as representações negativas a respeito dos povos ciganos,
feitas com a delimitação dos nós figurativos através dos temas emblemáticos como
sedentário/nômade, puro/impuro, dentre outros. Se pegarmos precisamente na Europa Ocidental, a Península Ibérica no século XV e
XVI, e a Alemanha nazista no século XX, podemos compreender um pouco das raízes que são
até hoje responsáveis pelos falsos estereótipos ou representações sociais construídas pelos
não-ciganos a respeito dos povos ciganos. Na Espanha e Portugal, os ciganos vistos como
minoria geograficamente flutuante em função do nomadismo, são encarados como uma
ameaça à ordem dada a dificuldade de os governos exercerem o controle sobre tais povos. A ausência de solenidades matrimoniais ciganas dentro do clero católico, também
contribuiu para a demonização dos povos ciganos e para a imagem de que os mesmos viviam
em pecado, a denominação exógena atsingani (intocáveis) também pode ser compreendida
com viés religioso, pois segundo Estevam (2006) isso ocorreu em função do suposto mito de
5 Para maiores informações, consultar: SHIMURA, Igor. Duvelismo: identidade e pluralidade religiosa cigana.Londrina: Descoberta, 2014. p. 21.
74
que os povos ciganos descendiam de Caim, estariam assim associados a maldição por terem
feito os pregos usados na crucificação de Jesus Cristo.No entanto, Teixeira (1998), alerta que a própria burocracia católica ao exigir
documentos, demarcação da residência, testemunhas que referendassem a idoneidade dos
noivos, atrelado aos altos custos das cerimônias, afastavam a possibilidade dos povos ciganos
realizarem o matrimônio na Igreja Católica; e essencialmente porque já fazia parte das
tradições ciganas as próprias realizações de seus casamentos. Outra forte representação dos ciganos como ladrões foram disseminadas na Europa,
permeando, ainda na contemporaneidade, o imaginário gadjé. Longe de querer romantizá-los
ou angelicá-los, temos que compreendê-los dentro de um contexto espaço/temporal,
considerando suas especificidades. Na sociedade não-cigana, há situações em que podemos
ser bons ou maus, isso se aplica também aos povos ciganos. Mas, sobretudo, o fardo histórico
como ladrões e trapaceiros, é mais pesado para os ciganos e está longe de ser desconstruído.
Isso nos remete a prática da pilhagem, praticada pelos povos ciganos em determinadas regiões
da Ásia, e com o processo migratório para a Europa, a mesma prática era passível de
enquadramento as leis como roubo, pois a pilhagem não era compreendida de forma diferente
pelos diretos consuetudinários dos países europeus (Courtiade,1995 apud Teixeira, 1998).Na Alemanha nazista de Adolf Hitler, além dos estereótipos já conhecidos desde
séculos XV e XVI dos Povos Ciganos como ladrões, sujos, infiéis, violentos, dentre outros
estigmas, havia a inserção dos discursos antropológicos, psiquiátricos e médicos a respeito da
higienização racial e da biologia criminal (Moonem, 2013) para justificar a perseguição e
extermínio dos ciganos, referendando a ideologia da raça ariana que pregava a supremacia
ariana dos alemães frente os outros, considerados degenerados e inferiores, como
homossexuais, negros, testemunhas de Jeová, judeus e ciganos. Nesse sentido, os ciganos
estariam biologicamente mais propensos a criminalidade, amplia-se assim a representação dos
povos ciganos para uma criminalidade inata, ou seja, como se fosse uma doença que nascia
com o sujeito. E, dessa forma, o extermínio seria, na lógica nazista, o mais pertinente a ser
feito, tanto que o holocausto cigano provocou a morte de quase 500 mil pessoas.Para além das falsas estereotipias étnicas e das representações sociais negativas e
muitas vezes perversas da sociedade não-cigana sobre os povos ciganos, há outra história a
conhecer. Olhar o (s) outro (s) cigano (s) com a perspectiva da alteridade, é reconhecermos
que os mesmos precisam ocupar espaços de poder distintos que os permitam refutar, combater
– com outros coletivos diversos num contato intercultural – o racismo institucionalizado. No
75
contato com o outro, com a diferença é que os povos ciganos demarcam sua identidade.
Segundo Marsiglia:
Definir a identidade cigana é bem mais difícil do que parece. Subdivididos em 3principais etnias (rom, calon e sinti), eles não constituem um povo homogêneo. Nemtodos são nômades. Nem todos falam romani. Nem todos dançam ao redor defogueiras ou usam roupas coloridas. Podem ser pobres ou ricos. Podem ser cristãos,muçulmanos, judeus. O que faz deles um povo é uma sensação comum de não seremgadgés – como eles chamam os não-ciganos – e de se identificarem como rom, calonou sinti. “O termo ‘cigano’ só funciona nessa oposição”, diz o pesquisador FransMoonen, autor do livro Anticiganismo – Os Ciganos na Europa e no Brasil. Mas,apesar de todas as divergências, algumas características permitem traçar um perfilcomum a esses grupos. A primeira delas é o espírito viajante. Ainda que nem todossejam nômades, os ciganos não se sentem pertencentes a um único lugar. Não criamraízes, não têm uma noção concreta de propriedade – estão sempre fazendo negócioscom seus pertences, preferencialmente em ouro, que não perde valor e é aceito emqualquer nação (por isso a imagem cigana é vinculada ao uso do ouro como adereço,especialmente nos dentes das mulheres). Eles não gostam de se submeter a leis e aregras que não sejam as deles. Prezam, acima de tudo, a liberdade. Assim, podem atése estabelecer por muito tempo em um mesmo lugar (como é comum entre os sinti).Mas, nesse caso, procuram morar em uma mesma rua ou, de preferência, emacampamentos onde possam preservar sua autonomia e manter a unidade familiar –outro aspecto primordial na vida cigana (Marsiglia, 2008)6.
Destarte, aí está o desafio posto à docência: buscar compreender a complexidade
cultural dos povos ciganos, articulando o assombro pedagógico ao assombro político, como
fora preconizado no início desse artigo, para garantir a representatividade dos mesmos nos
espaços escolares. Sobretudo, há que haver maior aproximação entre a escola e as
comunidades ciganas como um trabalho de mão dupla, em função dos entraves tanto por parte
dos povos ciganos – por considerar mais relevante a educação familiar – e a educação escolar
que não é feita para os diferentes, o acolhimento muitas vezes acontece no intuito de moldá-
los dentro de uma visão de educação daltônica. Só se enxerga o aluno ideal, que
necessariamente não é o negro, o índio, o deficiente, tampouco o cigano.Isso nos remete a discussão sobre identidade, pois em se tratando especificamente dos
ciganos Calon de Jacobina, os mais conservadores enxergam o espaço escolar em muitos
momentos como ameaça a manutenção da cultura. Bauman (2012), no entanto, trata a cultura
como algo em construção, inconclusa:
[...] dominar a cultura significa dominar uma matriz de permutações possíveis, umconjunto jamais implementado de modo definitivo e sempre inconcluso – e não umacoletânea finita de significações e a arte de reconhecer seus portadores. O que reúnefenômenos culturais numa “cultura” é a presença dessa matriz, um convite constanteà mudança, e não sua “sistematicidade” – ou seja, não a natureza da petrificação de
6 A ausência de página da citação direta ocorre por se tratar de um trecho extraído da Revista Superinteressante.Disponível em http://super.abril.com.br/cultura/a-saga-cigana/.
76
algumas escolhas (“normais”) e a eliminação de outras (“desviantes”) (Bauman,2012: 43).
E mesmo que alguns discursos dos povos ciganos Calon estejam na contramão da
cultura como dinâmica e inconclusa, as próprias estratégias de sobrevivências dos povos
ciganos desde o século XV na Europa Ocidental e que se estenderam à sua chegada,
compulsória ou não, ao Brasil demonstra que eles conseguiram criar pontos de semelhanças
com não-ciganos para permitir o pulsar da sua cultura (nesse caso a ideia de sua cultura
quando os diferentes grupos étnicos se enxergam na unidade de ciganos frente ao outro não
cigano). Como exemplo de tais estratégias de sobrevivência, é salutar elencar algumas como
aproximação com a religião do local onde os povos ciganos se estabeleciam temporariamente,
os dentes de ouro que serviam como estética e como mecanismo de renda em casos de
dificuldades financeiras, adoção pelo homem cigano da vestimenta dos não-ciganos para
serem mais “aceitos” e assim poder negociar e auxiliar nos sustento da família e da
manutenção da mulher cigana nos acampamentos com sua indumentária tradicional, o que
ratificou seu protagonismo dentro da cultura, como grande guardiã dos símbolos.Teixeira (2009), ressalta que:
[...] as diferenças e a diversidade entre os ciganos não impediam que houvessesolidariedade. Os ciganos faziam da própria fluidez, da flexibilidade de suaidentidade, um fator de fortalecimento desta solidariedade. Pois rearranjavam suaidentidade de acordo com suas necessidades, por meio de alianças matrimoniais oupelas festas que envolviam comunidades distintas. Além disto, colocadas, emoposição aos não-ciganos, as várias comunidades se sentiam irmanadas (Teixeira,2009: 22-23).
É o que o autor em questão chama da flexibilização da identidade a partir das
transformações culturais pelas quais os povos ciganos passaram. Dessa forma, desde a
chegada do primeiro cigano, João Torres com sua família ao Brasil, por volta de 1574, os
ciganos vêm criando estratégias de sobrevivência nos ambientes mais hostis à sua presença, o
que já acontecera na Europa; consolidando sua principal façanha: ter sobrevivido (Moonen
2013, Teixeira, 1998, 2009, Fraser, 1997). Pois, quando aqui chegaram, principalmente os
ciganos ibéricos como degredados da metrópole portuguesa, tiveram suas práticas culturais e
modos de vida combatidos pelas lideranças coloniais. Atrela-se a referida questão na Bahia, o
projeto higienista7 em Salvador, que favorece a ida dos ciganos Calon para o sertão da Bahia
(Guerra, 2006). O projeto higienista em Salvador remonta ao período de 1912-1916, sob o7 Para maiores informações consultar: LEITE, Rinaldo César Nascimento. E a Bahia Civiliza-se... Ideias decivilização e cenas de Anticivilidade em um contexto de modernização Urbana – Salvador, 1912-1976.Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós-graduação da UFBA, 1996.
77
governo de José Joaquim Seabra, mas seu início teria acontecido desde a Primeira República.
Objetivava não apenas solucionar problemas de infraestrutura, mas também regulamentar
hábitos e costumes para a população, inclusive dos ciganos.
Pensar no espaço escolar e com presença de crianças e jovens ciganos, para muitos de
nós não-ciganos, pode soar contraditório. Tem-se a falsa ideia de que ciganos não gostam da
escola. Casa-Nova (2003), dentro da realidade portuguesa, que possui muitos pontos em
comum com o contexto brasileiro da educação na Bahia, afirma que:
De facto, do ponto de vista da socialização e educação familiares, as criançasdesenvolvem-se num ambiente familiar e comunitário pouco sensível (embora nãohostil) à escola, onde esta aparece com uma importância relativamente marginal faceàs restantes actividades do quotidiano. Não é que as famílias e crianças ciganas nãogostem, não considerem importante ou resistam à escola; é que esta ainda não foiconsiderada como suficientemente significativa (embora possa ter sido percebidaenquanto tal) para, de forma durável e não episódica, fazer parte dos seus projectos equotidianos de vida. Ou seja, o seu habitus primário é ainda maioritariamenteestruturado num entorno familiar propiciador de determinados comportamentos eatitudes em relação à escola, uma vez que esta aparece frequentemente comoestranha dentro do seu universo familiar, traduzindo-se num certo desconforto aonível da frequência escolar. As atitudes e comportamentos da etnia cigana emrelação à escola parecem derivar da existência de um habitus étnico, construídofundamentalmente durante os processos de socialização primária (Casa-Nova,2003 apud Casa Nova 2006: 166).
Inferimos que no cerne desta problemática está por um lado, a visão utilitária da
educação para os povos ciganos, que garanta o domínio de habilidades e conhecimentos
básicos para os homens ciganos proverem o sustento da família e para as mulheres ciganas,
via de regra, a sua presença na escola acaba quando o matrimônio se aproxima – por enxergar
o contato com o (s) outro (s) gadjé uma ameaça a “preservação” cultural, o casamento entre
ciganos e manutenção da virgindade. Por outro lado, está o distanciamento da escola – e de
seus profissionais de educação – em relação aos coletivos diversos (ciganos em nossa
análise), não para acolher crianças e jovens ciganos e depois padronizá-los conforme
currículos estanques e exigências externas, mas para compreendê-los a partir da lógica da
alteridade, compreender também quais as representações que os ciganos fazem da escola. E
numa sociedade pós-moderna cabe aos profissionais de educação tentar uma mediação com
povos ciganos para a necessidade de uma perspectiva de contato intercultural, onde o
conhecimento formal, considerando as especificidades de coletivos diversos – dentre eles os
ciganos – pode significar grande relevância para empoderamento.
Antes, no entanto, há que criar condições para que os profissionais de educação se
empoderem, porque para tal empreitada, é preciso conhecer os sujeitos coletivos em sua
78
multiplicidade e unicidade para poder futuramente desconstruir as falsas estereotipias e a
construir novas representações sobre tantos sujeitos coletivos diversos presentes na escola, e,
em especial, sobre os povos ciganos.
2 Identidade, Educação e Formação Docente: por uma educação intercultural
Acredita-se que os espaços escolares precisam ter a representatividade dos coletivos
sociais diversos, por isso é impossível não trazermos as questões de identidade para o
contexto escolar onde múltiplas formas de existência humana estão diariamente próximas.
A sociedade e a cultura, assim como a linguagem mantêm sua distinção – suaidentidade – mas ela nunca é a mesma por muito tempo, ela permanece pelamudança. Além disso, na cultura não existe “agora”, ao menos no sentido postuladopelo preceito da sincronia, de um ponto no tempo separado de seu passado eautossustentado quando se ignoram suas aberturas para o futuro (Bauman, 2012:43).
Há de se considerar o que Hall (2014), demarca como inerente a tais discussões, ou
seja, a vinculação dos “processos de globalização que coincidem com a modernidade e os
processos de migração forçada (ou livre) que tem se tornado um fenômeno global do assim
chamado mundo pós-colonial” (Hall, 1996, apud Hall, 2014: 108). Migrações forçadas ou
livres, fazem parte da história dos povos ciganos, que por conta disso os colocaram sempre
em contato com outros povos e culturas distintos. Nesse contexto, as identidades ciganas estão
em construção, afetam e são afetadas por outras culturas numa relação dinâmica. Mas, muitas
vezes, a ideia de autodefesa de algumas comunidades ciganas acabam por buscar se
transformar num casulo ou numa ilha na falsa ideia que estarão mantendo preservadas suas
tradições.
Ao afirmar que há uma identidade discursiva como processo em construção e,
portanto, inacabado, não se tratando de algo que se ganha ou se perde, mas se sustenta ou se
abandona, Bauman (2012) concorda com a percepção de Hall (2009). Uma vez que, “a
maioria dos padrões culturais atinge o domínio da vida cotidiana a partir de fora da
comunidade e, a maior parte deles detém um poder de persuasão muito superior a qualquer
coisa que os padrões nativos possam sonhar em reunir e afirmar [...] (Bauman, 2012: 68).
Se a identidade também é composta individual e coletivamente, presume-se que ao
sujeito ingerir outros materiais culturais, muitas vezes incoerentes para uma cultura que tenta
79
se fechar e atuar numa acepção mais naturalista da identidade, e assim colocar em risco as
tradições. Em se tratando dos povos ciganos Calon de Jacobina, um celular ou smartphone,
para uma jovem cigana é algo difícil de se ver, ao passo que para os jovens ciganos é mais
comum. Por poder significar a inserção num mundo não-cigano, impulsionado pelas novas
tecnologias, que podem comprometer essa visão de uma identidade naturalista. Na qual a
identificação passa a ser construída em consonância com origem em comum, características
divididas com o grupo e com solidariedade e fidelidade pautadas sobre alicerces bem
definidos (Hall, 2014).
Destarte, tomando de empréstimo o termo fortaleza sitiada cunhado por Arroyo
(2008), os coletivos culturais diversos dificilmente se manterão pela semelhança e sim pela
diferença. As fortalezas sitiadas tal como ilhas devem ser substituídas pela ideia de
redemoinho, pois “é o movimento e a capacidade de mudança, e não a habilidade de se apegar
a formas e conteúdos já estabelecidos, que garantem sua continuidade” (Bauman, 2012: 69). E
no âmbito escolar o referido redemoinho dialoga com uma educação intercultural na
perspectiva da alteridade em relação a tantos “outros”.
Certamente os profissionais de educação, em especial os professores têm um papel
fundamental na mediação para vivência e convivência de múltiplos sujeitos com suas
particularidades culturais. Sobretudo porque a diversidade está a todo momento questionando
a formação docente, sendo sempre um desafio contemplar para além da perspectiva
celebratória os coletivos diversos no espaço escolar, com um olhar sensível e cotidiano que
enxergue as potencialidades e especificidades dos coletivos diversos, em especial dos povos
ciganos, para caminhar na perspectiva de garantir a representatividade dos mesmos nos
currículos e ações pedagógicas.
Por isso, é fundamental a articulação do assombro pedagógico e político (Arroyo,
2008), onde os profissionais de educação não precisam ser milagreiros profissionais para lidar
com a pluralidade nos espaços escolares, mas enxergá-la com sensibilidade cotidiana para
reconhecer as potencialidades e especificidades dos coletivos diversos, e em especial dos
povos ciganos, buscando garantir a representatividade dos mesmos nos currículos e ações
pedagógicas.
A educação escolar básica pode estabelecer esse diálogo com seus coletivos diversos,
como os povos ciganos, e através de ações colaborativas com universidade, poder público e
comunidade cigana para se caminhar na direção não apenas do ingresso, mas da permanência
80
das crianças e jovens ciganos na escola. Dada as lacunas existentes na formação inicial e
continuada dos profissionais de educação, um aspecto importante é a formação docente em
exercício.
2.1 Experiência com formação docente sobre os povos ciganos na Escola Municipal Agnaldo Marcelino Gomes – Jacobina/BA
A Escola Municipal Agnaldo Marcelino Gomes está situada na Avenida Francisco de
Assis nº 438, bairro da Catuaba na sede do município de Jacobina – Bahia. A presente
Unidade Escolar integra a rede municipal de educação, tem como ato de criação o Decreto nº
114 de 20 de junho de 2012, mas tem no ano 2002 sua data inicial como data de
funcionamento, época em se chamava Escola Municipal Lourival Martins de Souza e se
encontra sob a jurisdição Secretaria Municipal de Educação e Cultura – SEMEC. A partir da
resolução nº 008/2012, tem seus estudos regulamentados sendo autorizada a funcionar
ofertando as modalidades de Educação Infantil Etapa Pré-Escolar e Ensino Fundamental I (1º
ao 5º ano). Atualmente continua a oferecer as referidas modalidades, é considerada uma
escola de médio porte e funciona nos turnos matutino e vespertino.
A experiência relatada é fruto da nossa pesquisa de mestrado intitulada Etnicidade e
educação: formação docente sobre os povos ciganos na Escola Municipal Agnaldo
Marcelino Gomes, defendida em agosto do corrente ano ao Programa de Pós-Graduação em
Educação e Diversidade (PPED) / Mestrado Profissional em Educação e Diversidade (MPED)
da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/DCH – IV. Na qual se buscou compreender
como a formação/ação dos professores e demais profissionais da Escola Agnaldo Marcelino
Gomes, em cultura e tradições ciganas, podem contribuir para o empoderamento de crianças e
jovens ciganos em igualdade de condições com os não-ciganos e para fazer emergir uma
proposta de intervenção mais efetiva às suas ações pedagógicas.A comunidade cigana fica no mesmo bairro da escola, a 350m de distância, como pode
ser observado no mapa ilustrado na figura 1, o que gera nos pais/mães e lideranças ciganas
uma confiança personificada nos profissionais de educação por já os conhecer, também por
esta proximidade geográfica que referenda a ideia de poder exercer maior controle, em
especial sobre as meninas. Mas de forma contraditória os pais não se fazem tão presentes na
escola, involuntariamente transferem essa responsabilidade para um professor de etnia cigana
81
que atuou como gestor entre os anos 2012 – 2014 e atualmente faz um trabalho pedagógico
sobre a cultura cigana na escola e em alguns outros espaços escolares. O mapa apresentado
na figura 1, nos ajuda a visualizar melhor o cenário exposto.
Figura 1: Mapa da distância da comunidade cigana Calon para escolas Agnaldo Marcelino e Núbia Guerra
Fonte: Rafael Fernandes, 2017.
O mapa também traz outro achado da pesquisa que foi o que denominamos da
construção do medo no gênero feminino como ferramenta para manutenção de suas tradições.
A escola mais próxima que oferece o Ensino Fundamental II, Escola Municipal Núbia
Mangabeira Guerra, fica a 1,5km de distância da comunidade, também não há a mesma
confiança nos profissionais de educação que atuam na referida escola, muitas meninas que
terminam o Fundamental I na Escola Agnaldo Marcelino Gomes não são matriculadas nos
anos posteriores. O gênero masculino tem mais possibilidade de continuar, como podemos
perceber na fala de Casa-Nova (2006):
[...] Rapazes e raparigas não possuem, à partida, as mesmas oportunidades de umaeventual frequência prolongada da escola, sendo aos primeiros facultada permissão(embora sem obrigação) para a frequentar sem limite de ano de escolaridade,enquanto as raparigas são na sua maioria “orientadas” para o seu abandono,principalmente a partir do final dos dois primeiros ciclos de escolaridade [...](Casa-Nova, 20016: 175).
82
A comunidade cigana da etnia Calon de Jacobina – Bahia é proveniente da Família
Dourado, que até o início dos anos 1990 contava com a liderança do Senhor Salvador
Dourado. Este senhor, por volta de 1980 na região da Chapada Diamantina, liderou
aproximadamente 200 ciganos que circulavam entre as regiões de Irecê e Jacobina,
comercializando animais, através da compra, venda e troca destes (Guerra, 2006). O grupo
passou a viver como seminômade a partir de 1984, tendo Várzea Nova como espaço de
referência. Nesta cidade permaneceram até 1991, ano do falecimento da liderança patriarcal.
A partir desse episódio o grupo se desmembrou em famílias nucleares, as quais migraram para
cidades como Irecê, Utinga e Miguel Calmon8. A família do atual patriarca da comunidade
cigana de Jacobina permaneceu em Várzea Nova, mudando-se para Jacobina na condição de
sedentários entre fins dos anos de 1990 e início dos anos 2000, estabelecendo-se no bairro da
Catuaba, região mais afastada da cidade. Os ciganos Calon de Jacobina são compostos por
seis famílias nucleares, com o total aproximado de 120 pessoas, com a liderança da família
Dourado, através do Senhor Zelito Dourado da Mota e Dona Ceílde Almeida. No entanto, essa proximidade geográfica com a Escola Municipal Agnaldo Marcelino
Gomes não significa uma presença significativa das crianças e jovens ciganas na educação
escolar, conforme demonstrado no gráfico1.
Gráfico 1: Percentual de alunos ciganos e não ciganos na E.M.A.M.G.
Fonte: SANTOS, L.C. , 2017.
8 Jacobina, Miguel Calmon, Várzea Nova, Utinga e Irecê são cidades do interior da Bahia. Com base divisãoatravés do Território de Identidade, Jacobina, Miguel Calmon e Várzea Nova são municípios que fazem parte doPiemonte da Diamantina. Utinga compõe a Chapada Diamantina e a cidade de Irecê tem como território deIdentidade seu próprio nome, que agrega outros municípios. Maiores informações consultar:<https://territoriosculturaisbahia.wordpress.com/divisao-territorial/>
83
Dos 656 alunos das modalidades Educação Infantil e Ensino Fundamental II, apenas 5
são ciganos. Então pensando não apenas no maior ingresso dos ciganos, mas também na
permanência dos mesmos, na terceira etapa da pesquisa, realizamos oficinas formativas com
os profissionais de educação, com a participação da comunidade cigana para juntos, em
regime de colaboração, e com nossa mediação deixarmos algum legado para a escola.
Antes das oficinas, havíamos entrevistado os profissionais de educação para
percebemos, dentre outras questões, as representações que os mesmos possuíam/possuem
sobre os ciganos durante a infância/adolescência e também as representações a partir da
convivência com alunos e gestor ciganos já no exercício da docência destes profissionais; bem
como a escola tem trabalhado com a diversidade e em especial a cultura cigana e quais são as
projeções deles para um trabalho mais significativo sobre os povos ciganos na escola.
Os pais e lideranças ciganas também foram entrevistados, com o objetivo de
compreendermos quais as representações que eles fazem da educação escolar, uma vez que a
educação familiar cigana ainda figura com mais relevância para os ciganos Calon locais.
Portanto, a escuta sensível da comunidade cigana e dos profissionais de educação foram
significativas para as discussões nas oficinais formativas, que versaram sobre Cultura e
identidade, Diversidade e os Povos Ciganos e suas especificidades.
2.1.1 As Representações Sociais dos Profissionais de Educação sobre os Ciganos
“Todas as interações humanas, surjam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos,
pressupõem representações. Na realidade, é isso que as caracteriza” (Moscovici, 2015: 40). A
Teoria das Representações Sociais - TRS caracteriza-se como um processo que pretende
descobrir como arquitetadas as representações sobre o não familiar dentro de universos
consensuais (Crusoé, 2004). E os povos ciganos, sempre foram vistos como o outro/s não familiar a partir do
etnocentrismo eurocêntrico que provocou a demonização, perseguição, extermínio e
discriminação dos ciganos pelos gadjés nos mais diferentes tempos e espaços. As
representações sociais negativas pautadas nas falsas estereotipias sobre os ciganos ainda
persistem na contemporaneidade nos mais diferentes setores, na esfera educacional, inclusive.Utilizou-se os fundamentos da Análise de Conteúdo, pautada em Bardin (2016) para
codificação e categorização das entrevistas semiestruturadas, definindo as unidades de
84
análise. Para essa discussão, fez-se o recorte com três interlocutores, de um total de 18
profissionais de educação que foram entrevistados9. A partir da unidade de contexto Memórias e as falsas estereotipias na
infância/adolescência e das unidades de registro através das palavras-chave, a nuvem da
figura 2, representam a síntese das representações que os profissionais de educação tinham
sobre os ciganos, antes do contato com os alunos ciganos no seu exercício da docência.
Figura 2: Palavras chaves retiradas das entrevistas com profissionais de educação, em sua infância/adolescência,sobre os ciganos.
Fonte: SANTOS, L.C. , 2017.
Destaca-se no geral as falsas estereotipias como medo pois consideravam ciganos
como ladrões, trapaceiros, valentes, dentre outros estigmas, mas também causam aos olhos
dos profissionais de educação, em sua infância/adolescência, fascínio e brilho. A fala de
PE_910 simboliza o conjunto dos conteúdos presentes nas entrevistas dos demais
interlocutores participantes da pesquisa, quando questionado: Quais as primeiras memórias
que o (a) Sr (a) tem do contato com os povos ciganos? Quais visões sobre os povos ciganos o
Sr (a) tem que se referem à sua infância ou idade escolar na educação Básica?
O contato que eu tinha com o povo cigano foi muito conturbado. Gente! Eu lembroque quando eu vinha do colégio, eu estudava em uma rede particular, e quando euretornava passava ali nas imediações do calçadão e geralmente tinha sempre umciganinho ali na esquina do Calçadinho e elas ficavas chamando, duas ou trêsciganas, chamando para ler a mão. E eu lembro que eu não ia, não encostava porque
9 Na dissertação, entrevistamos 27 interlocutores, sendo 18 profissionais de educação e 9 ciganos. Mas por setratar de uma pesquisa qualitativa, usamos o critério da representatividade para selecionar para análise, ficando 8profissionais de educação e 6 ciganos entre pais e lideranças ciganas. O que ultrapassa os 30% recomendandopara uma amostra.10 As falas aqui apresentadas são de profissionais de educação da Escola Municipal Agnaldo Marcelino Gomes.PE, significa Profissional de Educação. E começamos pelo número 9, porque os 8 primeiros utilizamos nadissertação do Mestrado. Neste artigo teremos PE_9, PE_10 e PE_11.
85
eu tinha medo que elas iam roubar meu dedo, roubar anel, tirar pulseira, relógio....Então existia muito dessa questão ainda, né, de que eles pegavam, eles roubavam.Mas, aí com o conhecer, até porque quando você não conhece você é meiopreconceituoso, e aí com o tempo você vai vendo que não é nada daqui (PE_9,2017).
Com a convivência com alunos e gestor ciganos outras representações começam a ser
construídas, porém inda não livres de alguns estereótipos. Onde conhecer um pouco mais da
cultura cigana, através da convivência com o gestor, especialmente, a princípio provocou um
estranhamento de um cigano estar ocupando um lugar no funcionalismo público, mas foi
importante para refletir sobre as falsas estereotipias, desvirtuando um pouco o preconceito e
tendo mais conhecimento sobre os povos ciganos. O que coaduna com a perspectiva de Costa
e Vasconcelos (2005) ao afirmarem que para desconstruir os falsos estereótipos é preciso
conhecer.
Figura 3: Palavras chaves retiradas das entrevistas com profissionais de educação sobre as representações dosmesmos sobre os ciganos a partir da convivência com alunos e gestor ciganos na E.M.A.M.G.
Fonte: SANTOS, L.C. , 2017.
PE_10 ao ser questionada sobre o que pensa a respeito da Escola Agnaldo Marcelino
Gomes ter um vice-diretor cigano, nos respondeu:
De início quando eu soube, eu estranhei nunca tinha visto um cigano vice-diretor, naárea de educação, eu estranhei bastante. Mas, poxa, a convivência com ele era tão...,
86
se bem que eu não convivi muito com ele, porque ele era vice de manhã e eutrabalhava de tarde, mas o tempo que eu tive de convivência com ele sempre foimuito tranquilo. Então, eu acredito que a presença dele contribuiu muitopositivamente para o estágio que hoje a escola está, com relação a aceitação dosciganos no âmbito escolar. Então, eu acho que essa presença de dele contribuiumuito para que o pessoal ampliasse visão que tinha em relação (PE_10, 2017).
Nas oficinas formativas os achados das entrevistas com os profissionais de educação e
com os ciganos serviram de base para as discussões e estudos, desde as versões para origem,
história e fundamentalmente a trajetória dos povos ciganos, com seu mosaico étnico, suas
estratégias de sobrevivência nos mais variados espaços temporais, bem os ciclos migratórios e
perseguições, chegada ao Brasil, a Bahia e a Jacobina. Além de enfatizar discussões sobre as
fronteiras entre a educação familiar cigana e a educação escolar, os marcos legais para
educação dos povos ciganos, a criança cigana e a escola, etc. Sempre em colaboração com
representantes da comunidade ciganas, pais e lideranças, profissionais de educação e da
universidade com nossa mediação. Trechos das falas do quadro 1, nos apontam de como o
processo de conhecer a respeito da (s) cultura (s) cigana (s) e suas especificidades, seja
através da convivência com ciganos ou de processo formativo, pode contribuir para
construção de novas representações sobre os ciganos, bem como de indicar perspectivas de
mudanças nas ações pedagógicas:
Quadro 1 Percepções dos profissionais de educação sobre os ciganos a partir da convivência com os mesmos e das oficinas formativas sobre Cultura (s) Cigana (s).
PE_ 9 Repensar minha visão que eu tinha sobre esses povos foi para mim o x da questão, que minhaideia dos ciganos vinha da minha infância, um povo esperto, trapaceiro, mentiroso que sópensava em se dar bem na vida, chegando a escola Agnaldo e ao ter contato com as criançasciganas comecei a observar o comportamento e a partir daí passei a ter admiração e respeito[...] o vice-diretor, me ajudou também na forma de vê-los, como pessoas, gente que pensa esente, gente que possui direitos e deveres. E a formação aguçou o desejo de ir adianteenquanto profissional.
PE_11 Conhecer para desconstruir não poderia ter melhor tema, pois conhecimento nos faz terclareza diante de determinado assunto, uma vez que é trazido para o ambiente escolar demodo a auxiliar o profissional, mas sua mediação junto aos discentes conseguindo assimmostrar os valores e costumes do outro grupo, buscando a aceitação e respeito que todo serhumano deve ter.
PE_1 Reconstruir a visão que eu tinha relacionada a esse povo e sua cultura foi o mais importante.Pois a minha infância foi recheada de informações deturpadas onde eles eram vistos comoladrões, trapaceiros, que tiravam proveito em toda situação. O primeiro convívio que tivecom povo cigano foi na minha vida profissional onde pude receber alunos ciganos e perceberque são crianças com as demais e com o passar dos anos ter vice-diretor cigano quebroutodo o “tabu” que ainda tivesse. Pude vê-los como pessoas que possui direito e deveres e quemerece todo nosso respeito
87
Fonte: SANTOS, L.C. , 2017
Para Casa-Nova (2006), os professores não possuem competências pedagógicas para
ensinar crianças ciganas. Isso é fato, perante a ausência de formação inicial ou continuada
dificulta a realização de um trabalho pedagógico mais significativo com e sobre os povos
ciganos na educação escolar. No entanto, nenhuma formação docente pode preencher essa
lacuna se os profissionais não entrelaçarem seus compromissos pedagógico e político. E após
essa primeira etapa da pesquisa, na última oficina, denominada Estreitamento dos laços
entre escola e comunidade cigana para definição do produto, numa relação de simetria
entre todos os envolvidos emergiu o projeto Uma caravana de mão dupla: estreitando os
laços entre a Escola Municipal Agnaldo Marcelino Gomes e a comunidade cigana da
etnia Calon através de processos formativos, uma vez que escola e comunidade cigana
isoladas não serão capazes de propor alternativas que contribuam para pensar numa educação
escolar que tenha representatividade de coletivos diversos na educação escolar, como os
ciganos, sem ferir seus princípios e valores fundamentais. Há, portanto, um diferencial, ou seja, a implicação da família cigana nesse processo.
Pois, a família é um dos principais elementos para sobrevivência dos grupos ciganos, desde as
famílias nucleares formadas por laços consanguíneos até as famílias extensas, conforme
preconiza Mischi (2011). E nenhuma mudança passa pelo nível do indivíduo, mas do grupo,
da família. A ideia é que até 2019, possamos consolidar uma relação de simetria entre os
profissionais de educação da E.M.A.M.G. e comunidade cigana através de processos
formativos com foco num trabalho efetivo e contínuo, por meio de grupos de estudo e oficinas
pedagógicas articulados ao Projeto Político Pedagógico – PPP, que contribuam para
ressignificação das ações educativas com reconhecimento da alteridade e da
representatividade cigana, vislumbrando também a construção de materiais pedagógicos que
deem suporte aos profissionais de educação, na perspectiva de valorizar a história local dos
ciganos Calon, e de simbolizar visões mais positivas e menos estereotipadas sobre os povos
ciganos.
E para não concluir...
É essencial conhecer para depois desconstruir os falsos estereótipos sobre os Povos
Ciganos, mas somente com uma implicação política e pedagógica se pode pensar em
88
alterações a curto e longo prazo. Do contrário, sem o assombro e sensibilidade política para
reconhecer o (s) outro (s) como sujeitos de direitos, nenhuma formação é garantia de
transformação. Perfazendo o processo inverso das formações convencionais – que valorizam
os saberes da experiência do outro para que ele chegue ao patamar desejado, proposto por
uma educação homogeneizadora e civilizatória – urge agora contemplar as narrativas dos
povos ciganos, trazer seus anseios e necessidades para dentro da escola, oferecer ferramentas
para que os mesmos se empoderem para a luta de suas maiores emergências, sem deixar de
possibilitar outros olhares e possibilidades que o convívio com o diferente e posto pelo mundo
cada vez globalizado pode os fazer apreender, com sua pertença identitária, ratificada a partir
da diferença.
Há, sobretudo a necessidade de estreitar diálogo dos coletivos diversos presentes na
escola, para que haja de fato a representatividade dos mesmos nos espaços de educação
escolar, em prol de uma educação intercultural, de alteridade e de reconhecimento de distintas
maneiras de sermos humanos, e, em especial de ser ciganos.
Conforme diz um provérbio cigano que não se pode ir reto quando a estrada é curva,
da mesma forma não se pode referendar uma educação homogênea, quando temos coletivos
tão diversos, unos e múltiplos. As curvas culturais demandam a repolitização da formação
docente do reconhecimento da real inserção da representatividade dos coletivos diversos nos
espaços escolares.
Referências
ARROYO, Miguel G. Os coletivos diversos repolitizam a formação. In: PEREIRA, JúlioEmílio Diniz; LEÃO, Geraldo (Orgs.). Quando a diversidade interroga a formação docente.Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 11- 36.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.
BAUMAN, Zigmunt. Ensaios sobre o conceito de cultura. Tradução de Carlos AlbertoMedeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
CASA-NOVA, Maria José. A relação dos ciganos com a escola pública: contributos para acompreensão sociológica de um problema complexo e multidimensional. Interacções, nº2, p. 155-182. 2006. Disponível emhttp://revistas.rcaap.pt/interaccoes/article/viewFile/295/251. Acesso em: 16 maio 2016.
89
______. Ciganos, escola e mercado de trabalho. In: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxiae Educación 10 (8). Corunha, n. 8, v.10, p. 252-268, 2003.
CRUSOÉ, Nilma Margarida de Castro. A Teoria das Representações Sociais em Moscovici esua importância para a pesquisa em educação. APRENDER – Vitória da Conquista: Cadernode Filosofia e Psicologia da Educação. Ano II, n2, p. 105-114, 2004.
ESTEVAM, Emanoel Dantas. Ciganos: cultura e errância. In: TEXTURA. Faculdade MariaMilza. Cruz das Almas, BA: Faculdade Maria Milza, Ano 1, n. 2, jul. - dez. 2006.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
GUERRA, Miriam Geonisse Miranda. Memória, cultura e tradição: o colorido da mulhercigana. UNEB, 2006.
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart;WOODWARD, Kathryn (Orgs.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 15 ed, p. 103-133, 2014.
MARSIGLIA, Luciano. A saga cigana. Revista Superinteressante. Disponível emhttp://super.abril.com.br/cultura/a-saga-cigana/. Acesso em 27 jan. 2017.
MISCHI, Giuliano. A relação das famílias de Etnia Cigana com a escola pública: um estudomulticaso. Portugal: Dissertação de Mestrado em Ensino do Português Língua Segunda eLíngua Estrangeira, 2011.
MOONEN, Frans. Anticiganismo e políticas ciganas na Europa e no Brasil. Recife: Ediçãorevisitada e aumentada, 2013.
MOSCOVICI, Serge. Os ciganos entre perseguição e emancipação. Brasília: Sociedade eEstado, v. 24, n3, p. 653-678, set/dez, 2009.
______. Representações Sociais- Investigações em Psicologia Social. Petrópolis – RJ: Vozes,11ª Edição, 2015.
SANTOS, José Luiz dos. O que é Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996.
SHIMURA, Igor. Duvelismo: identidade e pluralidade religiosa cigana. Londrina: Descoberta,2014.
TEIXEIRA, Rodrigo Côrrea. Ciganos no Brasil: uma breve história. Belo Horizonte:Crisálida, 2 ed, 2009.
______, Rodrigo Corrêa. Correrias de ciganos pelo território mineiro (1808 - 1903).Dissertação de Mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas daUniversidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: FAFICH / UFMG, 1998.
90
______. História dos ciganos no Brasil. Núcleo de Estudos Ciganos: Recife – 2008.Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/ciganos/a_pdf/rct_historiaciganosbrasil2008.pdf. Acesso em: 16 mar. 2016.
91
top related