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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA
VIVIANE PIMENTEL MOSCARDINI SUSSUMO
A REESTRUTURAO PRODUTIVA DO CAPITAL E OS REARRANJOS DO TRABALHO
NO TERRITRIO FABRIL: Um estudo sobre os trabalhadores da Fosfrtil em
Catalo-GO.
NITERI (RJ)
2005
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VIVIANE PIMENTEL MOSCARDINI SUSSUMO
A REESTRUTURAO PRODUTIVA DO CAPITAL E OS REARRANJOS DO TRABALHO NO
TERRITRIO FABRIL: um estudo sobre os trabalhadores da Fosfrtil em Catalo-GO.
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Geografia, da Universidade Federal Fluminense para o obteno do grau de Mestre em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Ruy Moreira
NITERI (RJ)
2005
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S964 Sussumo, Viviane Pimentel Moscardini A reestruturao produtiva do capital e os rearranjos do trabalho no territrio fabril: um estudo sobre os trabalhadores da Fosfertil em Catalo-GO/Viviane Pimentel Moscardini Sussumo. Niteri : s. n., 2005. 129 f. Dissertao (Mestrado em Geografia) Universidade Federal Fluminense, 2005.
1. Trabalho Organizao. 2. Trabalho Aspectos sociais. 3. Trabalhadores da indstria. 4. Fosfertil. I. Ttulo. CDD 331. 7
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VIVIANE PIMENTEL MOSCARDINI SUSSUMO
A REESTRUTURAO PRODUTIVA DO CAPITAL E OS REARRANJOS DO TRABALHO
NO TERRITRIO FABRIL: Um estudo sobre os trabalhadores da Fosfrtil em
Catalo-GO.
BANCA EXAMINADORA,
__________________________________________________
PROF. DR. RUY MOREIRA (ORIENTADOR)
__________________________________________________
PROF. DR. MARCELO RODRIGUES MENDONA (UFGO-CATALO)
___________________________________________________
PROF. DR. JACOB BINZSTOK (UFF)
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APRESENTAO
Na tentativa de compreender as transformaes em curso no mundo do
trabalho, o movimento que denominamos de reestruturao produtiva do capital e as
conseqncias para os trabalhadores foi realizada essa pesquisa. Para tanto, foi feito um
recorte espacial e histrico para melhor compreendermos o fenmeno, no perdendo o
curso da relao estabelecida na relao dialtica entre o todo e a parte.
Pesquisamos como acontece a transformao territorial, a reestruturao
no mundo fabril de uma indstria mineradora, atualmente denominada Fosfrtil, localizada
ao sudeste do Estado de Gois, e procuramos fazer uma anlise desse processo desde o
incio da construo do territrio fabril do final da dcada de 1970 at os dias atuais, 2005.
Buscando melhor compreender a temtica estruturamos o texto em trs
captulos que apresentam a seguinte ordem:
No primeiro captulo tentamos construir a base terica que ir dar
sustentao e fundamentao aos captulos 2 e 3. Para tanto conceituamos o que estamos
chamando de reestruturao produtiva, como esse momento afeta a organizao do
trabalho, a diviso do trabalho e construir alguns pressupostos que a Geografia busca para
entender a temtica sobre o trabalho.
O segundo captulo caracteriza a empresa Fosfrtil no contexto nacional e
local, associada conjuntura de reestruturao brasileira na dcada de 1970 com as
estratgias do I e II PND e a desconcentrao industrial no Brasil, buscando sempre um
olhar geogrfico sobre o fenmeno e no perdendo de vista o papel importante que os
trabalhadores e o trabalho exercem na construo do espao. Refletindo a poltica industrial
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do II PND, de no mais manter separadas a rea de minerao e a rea da transformao
industrial do minrio, a empresa organiza em Catalo um espao a um s tempo mineiro e
manufatureiro, compondo o que nesta dissertao estamos chamando de territrio fabril.
E no ltimo captulo tentamos demonstrar como os fatos trabalhados no
primeiro e no segundo captulo aparecem na referida empresa. Evidenciamos tais fatos
atravs de bibliografias existentes sobre a empresa, monografias, dissertaes, relatrio de
impactos ambientais e, sobretudo pela pesquisas realizadas com os trabalhadores, que so
os agentes principais que constroem e reconstroem o territrio fabril, muito embora no
sejam eles que ditam o ordenamento territorial da mesma.
Com a estruturao da pesquisa dessa forma procuramos compreender a
adequao da empresa ao novo momento de reproduo do capital e quais foram os
impactos desse processo para os trabalhadores da ultrafrtil em termos de perdas e
adequao dos trabalhadores aos novos rearranjos do trabalho no territrio fabril.
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Dedico este a todos os trabalhadores que
lutam pela sobrevivncia, vendem sua fora
de trabalho, a nica coisa que nos resta
nessa sociedade perversa do capital.
Ao meu anjinho Joo Gabriel o meu mais
rico e precioso tesouro, que me fez sentir a
plenitude da vida, de onde tirei foras para
o trmino desse.
Ao Leonardo meu companheiro, juntos
descobrimos e construmos o amor.
Ao meu papai e mame, meus espelhos e
orgulho de luta e perseverana.
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AGRADECIMENTOS
Sozinho no h construo espacial e social por isso ao trmino desse,
agradeo a todas as pessoas que direta ou indiretamente contriburam para a concretizao e
construo deste trabalho, que tem partes de mim e partes das pessoas com as quais
relacionei antes e durante esse trabalho, mas em especial ao:
Papai e mame que alm de ser os responsveis pela minha existncia
sempre me apoiaram em todos os aspectos da minha vida, me ensinando que por mais
difcil que seja a nossa existncia material preciso ser forte e perseverante na luta diria.
Ao Programa de Ps-Graduao por ter me concedido a oportunidade de
desenvolver esse, que com certeza, aps esse trabalho minha existncia social no ser a
mesma.
Ao meu tio Levi e irmo Ricardo por ter financiado e acreditado no meu
sonho de realizar esse trabalho num ambiente diferenciado do que eu tinha experimentado
e vivificado at ento. Sem tal incentivo a possibilidade de concretizao deste seria mais
remota.
Aos meus tios que sempre me incentivou e viabilizou ao mximo a
concretizao deste: Tia Miriam, Tio Toninho, Tia R, Tio Luiz, Tia Ana.
Aos primos que me ajudaram na digitao, fornecimento de material
e me disponibilizando tempo ao olhar o J.G: Rodrigo, Anderson, Naiara.
Ao sogro e sogra, Joaquim, Elza e irmo Marco Antonio que me
auxiliaram e apoiaram na execuo do trabalho de campo, sem os quais, a realizao do
mesmo seria ainda mais dificultosa.
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Ao compadre Jnior que me auxiliou na digitao das entrevistas e na
parte de computao.
Aos meus mestres e amigos Gilmar e Marcelo que fizeram parte da minha
construo intelectual, no s durante a graduao, mas tambm nas discusses, incentivos
e orientaes sobre o mesmo.
Ao meu orientador Ruy Moreira que alm de ter aceitado essa
empreitada, assumiu o papel de pai acadmico, direcionando, organizando e orientando
minha vida acadmica durante a execuo deste.
Aos meus novos e eternos amigos que muito me ajudaram com apoio
moral e discusses acerca do meu trabalho na repblica CEGOSP (Cear, Gois e So
Paulo): Gilmar, Birosquis, Jlio, Flvio, em especial a Amlia que foi quem olhou por mim
durante esse tempo.
Aos amigos que no faziam parte da repblica, mas que por ocasio da
minha estadia em Niteri tive o prazer de conhec-los, foram pessoas que tambm me
ajudaram, principalmente no incio da minha histria em Niteri: Fernandes, Claudinha e
Dina.
A minha companheira cotidiana, Maria, que pra alm de ajudar a cuidar
do Joo Gabriel, se tornou minha amiga, facilitando meu dia-a-dia, principalmente durante
o tempo em estive sozinha.
Aos meus amigos que indiretamente me ajudaram, seja atravs de
incentivos ou de uma boa conversa que fazia eu acreditar que seria possvel, mesmo diante
de tantas dificuldades:
Ao amigo e marido Leonardo.
A irm Michelle.
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As amigas e amigo: Fernanda, Keilah, Zlia, Andr, Hiolanda, Valdivina,
Cladia.
Ao amigo Venncio que organizou cuidadosamente as normas tcnicas e
grficas do trabalho.
As primas e primos: Natlia, Carolina, Michelle, Alex.
Aos tios e tias: Rosaria, Ivam, Marquinho.
Aos companheiros de trabalho: Roberta, Ori, Lucimar, Altair, Francisco.
Aos cunhados: Ricardo e Eduardo.
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RESUMO
A presente pesquisa parte de uma anlise geogrfica sobre a reestruturao em curso no mundo do trabalho, principalmente nas ltimas dcadas, no momento em que o capital assume formas mais flexveis de reproduo. Procuramos investigar de que forma essas mudanas se territorializam no espao fabril da Fosfrtil e as conseqncias para os trabalhadores. Esta empresa est localizada no Sudeste do Estado de Gois, especificamente no municpio de Catalo. Priorizamos os aspectos da organizao, administrao do trabalho e o novo perfil do trabalhador, relacionando tais fatores reestruturao dos modelos poltico e econmico brasileiro, fruto do I e II PND e do neoliberalismo estatal que propiciou uma srie de privatizaes, inclusive da empresa em questo, cujas conseqncias so evidenciadas pelas demisses em massa, terceirizaes e perdas dos direitos adquiridos pelos trabalhadores. Palavras Chaves: Geografia; Ordenamento Territorial; Trabalho; Reestruturao Produtiva do Capital.
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ABSTRACT
The present research begins with na geographical about the reestruturation in course on the world of work, mainly in the last decades, in the moment that the capital get more flexible ways of reprodution. We try to investigate how these changes territorial in the plant space of Fosfertil and the consequences to the works (employers). This entrerprise is placed in the South Last at the Goias province, especiffically at Catalo town. We priorize the aspects of the organization, administration of the work and the new projile of the employers, relating these factors to the reestruturation of the brazilian economical and political modes, result from I and II PND and statal neoliberalism that propicittad a series of privatizations, ever the enterprise mentioned above, whose consequences are seen by massa jired, outsoureinas and loses of some acquired rights by the employers. Key Words: Geography; Territorial Ordainment; Work; Capital Productive Restructuring.
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LISTA DE ILUSTRAES
Quadro 01 - Novas estratgias empresariais ---------------------------------------------------------- 22
Quadro 02 - Novas organizaes de tarefas ----------------------------------------------------------- 22
Quadro 3 - Nova administrao do trabalho ---------------------------------------------------------- 23
Foto 01 - Complexo Industrial da Fosfrtil S/A, localizada na Fazenda Chapado-------------- 44
Mapa 01 Localizao do Municpio de Catalo (GO) --------------------------------------------- 46
Foto 02 Inaugurao da Estao Ferroviria em Catalo, na dcada de 1910. ----------------- 59
Foto 03 Charqueada Industrial de Pedro Braga em Catalo, por volta da dcada
de 1910----------------------------------------------------------------------------------------- 61
Foto 04 Vista geral da Indstria Margon, na dcada de 1930 (abate de gado e
curtume)---------------------------------------------------------------------------------------- 61
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Reservas Minerais de Catalo e Ouvidor em toneladas 1992 -------------------------- 70
Tabela 2 - Populao Residente Campo/Cidade por Municpio, GO ------------------------------ 75
Tabela 3 - Populao Residente e Taxa de Crescimento por Municpio da Regio Sudeste
Goiano ---------------------------------------------------------------------------------------- 77
Tabela 4 - Resciso de contratos da Ultrafrtil nos anos 1980-1989------------------------------- 94
Tabela 5 - Resciso de contratos da Ultrafrtil nos anos 1990-1999------------------------------- 94
Tabela 6 - Resciso de contratos da Ultrafrtil nos anos 2000-------------------------------------- 95
Tabela 7 - Tabulao de dados sobre os trabalhadores -------------------------------------------106-107
Tabela 08 - Resultados dos Questionrios para os trabalhadores---------------------------------- 121
Tabela 09 - Resultados dos Questionrios com os trabalhadores---------------------------------- 121
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SUMRIO
INTRODUO---------------------------------------------------------------------------------------- 15-16
1 A REESTRUTURAO PRODUTIVA DO CAPITAL E AS MUDANAS NA
FORA DE TRABALHO -------------------------------------------------------------------------- 17
1.1 A reestruturao produtiva------------------------------------------------------------------ 17-21
1.1.1 A influncia na organizao do trabalho ---------------------------------------------- 21-26
1.1.2 A influncia na diviso do trabalho ---------------------------------------------------- 26-29
1.2 Uma perspectiva Geogrfica: a Geografia do Trabalho---------------------------------- 29-33
1.2.1 Territrio e diviso territorial do trabalho--------------------------------------------- 33-41
2 UM OLHAR GEOGRFICO SOBRE A FOSFERTIL: o processo de
constituio espacial----------------------------------------------------------------------------------- 42
2.1 Breve Histrico da vinda da Fosfertil para Catalo Gois ---------------------------- 43-52
2.2 A reestruturao territorial no modelo produtivo brasileiro ------------------------- 52-58
2.3 A preparao da regio para as mineradoras: as reestruturaes no
territrio regional-------------------------------------------------------------------------------- 58-68
2.4 A construo do territrio local: o princpio ---------------------------------------------- 68-78
2.5 O ordenamento do territrio local---------------------------------------------------------- 78-86
3 A REESTRUTURAO E O REORDENAMENTO DO TERRITRIO FABRIL
NO OLHAR DOS TRABALHADORES: experincias/ vivncias: vozes ------------------- 87
3.1 O processo de privatizao: a reestruturao territorial e os trabalhadores -------- 88-92
3.2 Falam os trabalhadores---------------------------------------------------------------------- 92-102
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3.3 A automatizao, o PLR (Participao nos Lucros e Resultados) e as
estratgias empresarias: falam ainda os trabalhadores---------------------------------- 102-120
CONSIDERAES FINAIS ----------------------------------------------------------------------121-131
Referncias --------------------------------------------------------------------------------------------132-134
ANEXO--------------------------------------------------------------------------------------------------- 135
Anexo 1 - Questionrios para os trabalhadores ------------------------------------------------135-137
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INTRODUO
Essa pesquisa foi realizada na tentativa de compreender as transformaes
em curso no mundo do trabalho, o movimento que denominamos de reestruturao produtiva
do capital e as conseqncias para os trabalhadores. Para tanto, foi feito um recorte espacial e
histrico para melhor compreendermos o fenmeno, no perdendo o curso da relao dialtica
estabelecida na relao entre o todo e a parte.
Pesquisamos como acontece a transformao territorial, a reestruturao no
mundo fabril de uma indstria mineradora, atualmente denominada Fosfrtil, localizada ao
sudeste do Estado de Gois, e procuramos fazer uma anlise desse processo desde o incio da
construo do territrio fabril do final da dcada de 1970 at os dias atuais, 2005.
Buscando melhor compreender a temtica estruturamos o texto em trs
captulos que apresentam a seguinte ordem:
No primeiro captulo tentamos construir a base terica que ir dar
sustentao e fundamentao aos captulos 2 e 3. Para tanto conceituamos o que estamos
chamando de reestruturao produtiva, como esse momento afeta a organizao do trabalho, a
diviso do trabalho e construir alguns pressupostos que a Geografia busca para entender a
temtica sobre o trabalho.
O segundo captulo caracteriza a empresa Fosfrtil no contexto nacional e
local, associada conjuntura de reestruturao brasileira na dcada de 1970 com as estratgias
do I e II PND e a desconcentrao industrial no Brasil, buscando sempre um olhar geogrfico
sobre o fenmeno, no perdendo de vista o papel importante que os trabalhadores e o trabalho
exercem na construo do espao. Refletindo a poltica industrial do II PND, de no mais
manter separadas a rea de minerao e a rea da transformao industrial do minrio, a
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empresa organiza em Catalo um espao a um s tempo mineiro e manufatureiro, compondo
o que nesta dissertao estamos chamando de territrio fabril.
E no ltimo captulo tentamos demonstrar como os fatos trabalhados no
primeiro e no segundo captulo aparecem na referida empresa. Evidenciamos tais fatos atravs
de bibliografias existentes sobre a empresa, monografias, dissertaes, relatrio de impactos
ambientais e, sobretudo pelas pesquisas realizadas com os trabalhadores, que so os agentes
principais que constrem e reconstrem o territrio fabril, muito embora no sejam eles que
ditam o ordenamento territorial da mesma.
Com a estruturao da pesquisa nessa forma procuramos compreender a
adequao da empresa ao novo momento de reproduo do capital e quais foram os impactos
desse processo para os trabalhadores da Fosfrtil em termos de perdas e adequao dos
trabalhadores aos novos rearranjos do trabalho no territrio fabril.
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CAPTULO 1
A REESTRUTURAO PRODUTIVA DO CAPITAL E AS MUDANAS NA FORA
DE TRABALHO
Uma nova poca exige uma reflexo capaz de apreender suas novidades e suas tendncias fundamentais. Criar este pensamento decisivo para a esquerda: entender as mudanas profundas porque passa hoje o mundo uma condio para transform-lo.
(Jos Corra Leite)
Neste captulo discutiremos o que estamos entendendo por reestruturao
produtiva e como esse novo momento do capital se manifesta tomando novas formas,
alterando o curso do mundo do trabalho e proporcionado ao espao novos rearranjos em
termos de diviso territorial do trabalho.
No primeiro momento falaremos da reestruturao produtiva do capital,
ressaltando a influncia na organizao do trabalho, na diviso do trabalho, essa perspectiva
associada diretamente ao espao fabril, ao local de trabalho. Num segundo momento
falaremos da perspectiva geogrfica para questes referentes ao trabalho, em seguida
trataremos de algumas perspectivas de reestruturao do espao brasileiro enfatizando a nova
diviso territorial do trabalho que se apresenta.
1.1 A reestruturao produtiva
Reestruturar significa rearrumar, reorganizar, reordenar as partes de um
todo1, criar novas estruturas. Reestruturao, pois, denota um contexto histrico uma
processualidade, uma particularidade que entenderemos como um momento em que o
1 Ver dicionrio da lngua Portuguesa.
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18
processo produtivo precisava reestruturar-se, formar novos arranjos para continuar a
reproduo do capital, no mais alicerado na acumulao fordista, mas na chamada
acumulao flexvel.
Dessa forma, reestruturao um novo momento do capital, que atinge no
apenas a economia, no se centraliza no mundo fabril, no espao fabril-industrial, mas
influencia na forma de ser do trabalhador afetando sua subjetividade, sua materialidade,
enfim, no espao social como um todo.
Avelar (2004) ressalta que a reestruturao produtiva est ligada
necessidade histrica que o capitalismo tem de revolucionar incessantemente seus
instrumentos de produo, as relaes de produo e todas as relaes sociais. (AVELAR,
2004, p. 1). Logo essas mudanas so passveis de serem compreendidas desde o micro ao
macro espao, no jogo dialtico entre partes e o todo, entre o lugar e o espao.
Para Moreira (2002), a reestruturao um momento em que h a
reorganizao total da sociedade do trabalho, tanto na sua forma histrica quanto na sua forma
industrial, se redefinindo em funo do fim do ciclo do capitalismo como sociedade industrial
significando, pois, a eliminao das barreiras alfandegrias institucionais, jurdicas e espaciais
atreladas configurao do trabalho fordista. (MOREIRA, 2002, p. 48-49).
Ao que tudo indica esse novo momento do capital inicia-se a partir da
dcada de 1970, nos pases capitalistas de economia avanada, significando uma nova forma
de acumulao e regulamentao social para superar a crise do regime fordista e apontar
novos rumos para a economia.
O Fordismo atravs da linha de montagem sistematizava e padronizava o
trabalho tornando-o mais repetitivo, fragmentado, exaustivo, pouco criativo, organizando-se
em uma rgida produo em massa e no consumo em massa. Em relao s principais
caractersticas do fordismo, Alex Sgreccia (s/d) faz o seguinte comentrio:
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19
[...] A produo em massa, que teve como um dos principais cones na Amrica o complexo de River Rouge, inaugurado por Ford em Detroit, em 1927, foi impulsionada pela constante mudana tecnolgica, pelo contnuo investimento em capital fixo, pela crescente economia de escala e pela racionalidade gerencial, com base na administrao cientfica. [...] Combinando incentivos econmicos com tcnicas de engenharia industrial para encontrar a melhor maneira de organizar a produo, a administrao cientfica desenvolvida por Taylor produziu uma clara diviso entre concepo e execuo do trabalho, atividade transformada em tarefas fragmentadas, prescritas e rotinizadas, que exigiam pouco treinamento para que fossem realizadas [...]. (SGRECCIA, s/d, p. 19).
Entretanto a rigidez no processo produtivo, tanto ao nvel de organizao do
trabalho, como ao nvel de relao comercial causou uma superproduo desordenada em
detrimento ausncia de consumidores e de uma organizao flexvel que possibilitasse o
controle da crise de acumulao/regulamentao desencadeada pela prpria rigidez fordista.
Lopes (2000) aponta os motivos principais da crise fordista: a estagnao, a
instabilidade dos mercados, o excesso de capacidade produtiva sem contrapartida pelo lado da
demanda, o choque do petrleo deflagrado pela Opep (1973), o acirramento da concorrncia,
alm da crise financeira determinada pelo colapso do sistema monetrio internacional com a
quebra dos Acordos de Bretton Woods, tudo isso associado ao retorno da luta de classes,
aos boicotes na linha de montagem:
[...] bastava o bloqueio de uma estao para imobilizar toda a produo e, visto que era necessria uma interveno do trabalho humano, por menor que fosse, a indisponibilidade de algumas poucas pessoas podia parar uma oficina. A automao rgida, portanto, era vulnervel no s s falhas mecnicas como tambm ao desinteresse dos operrios pelo trabalho e s agitaes sindicais. (LOPES, 2000, p. 263).
Em relao crise do regime fordista e a passagem para a acumulao
flexvel, Harvey (1992) destaca a necessidade de reestruturao produtiva do capital, para sua
prpria reproduo:
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[...] o perodo de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradies inerentes ao capitalismo. Na superfcie, essa dificuldade pode ser melhor apreendida por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital de larga escala e de longo prazo em sistemas de produo em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estvel em mercados de consumo invariantes. (HARVEY, 1992, p.135).
A acumulao flexvel pode ser caracterizada como um momento em que h
desenvolvimento industrial progressivo atravs da agilizao e modernizao do ciclo de
reproduo do capital (produo, distribuio, circulao e troca), tanto na fbrica quanto em
outros setores, diminuindo custos e aumentando a produtividade a partir da intensificao da
explorao do trabalhador.
O modo de acumulao flexvel teve como experincia caracterstica o
regime de acumulao toyotista, implantado na dcada de 1970 no Japo, pautado na
flexibilizao da produo e nas inovaes tecnolgicas como a robtica, qumica fina, a
microeletrnica, a biotecnologia. Assim:
[...] a acumulao flexvel marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padres de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produo inteiramente novos: novas maneiras de fornecimento de servios financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovao comercial tecnolgico e organizacional. HARVEY (1992, p. 40).
No meio industrial a adoo de novas tecnologias ao mesmo tempo em que
aumenta a produtividade da empresa, diminui a fora fsica de trabalho humano, resultando
por um lado no aumento do exrcito industrial de reserva e os chamados postos de trabalho
precrio, temporrios, sub-contratados, terceirizados. E do outro, tem-se a exigncia por
trabalhadores multifuncionais superqualificados, nos postos de trabalho formais. Gerando o
que pode ser denominado de corrida do trabalhador na busca da empregabilidade,
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21
qualificar-se, adequar-se ao mercado de trabalho na esperana de conseguir postos
permanentes e estveis de trabalho.
Nesse sentido essas mudanas proporcionadas pela acumulao flexvel,
ultrapassam o mbito fabril e possibilitam novos redimensionamentos scio-espaciais, nos
modelos econmicos, polticos, ideolgicos e culturais do mundo globalizado, que atingira os
lugares de formas diferenciadas.
1.1.1 A influncia na organizao do trabalho
Como reflexo dessa nova fase do capital, do estgio atual de transio do
modelo taylorista-fordista para acumulao flexvel, percebe-se novas formas de organizao
da produo, de gesto da mo-de-obra, bem como novas estratgias empresariais.
Marcio Pochmann destaca que as novas estratgias empresariais e as
mudanas na organizao do trabalho nas empresas, principalmente, as grandes corporaes
multinacionais, das ltimas dcadas seria resultado das novas estratgias de competitividade e
produtividade empresarial. Para demonstrar as novas estratgias empresariais Pochmann nos
apresenta o seguinte quadro.
Quadro 01 - Novas estratgias empresariais ESTRATGIAS DE COMPETITIVIDADE ESTRATGIAS DE PRODUTIVIDADE
- desverticalizao da produo;
- diversificao dos produtos;
- recomposio da produo interna com a
externa (novo mix de produo);
- elevao na qualidade dos produtos;
- reduo dos custos de produo;
- mudana no lay-out da produo;
- redefinio dos fornecedores (just-in-time);
- flexibilidade produtiva (economia de
escopo);
- reduo de custos e do tempo morto;
- desmonte de parte da estrutura produtiva;
- programas de qualidade total e gesto
participativa;
- programas de reengenharia;
- terceirizao e subcontratao de mo-
-
22
- inovaes tecnolgicas e organizacionais;
- nova conduta empresarial
(desnacionalizao, fuso, incorporao ou
abandono da atividade).
de-obra;
-melhor aproveitamento das possibilidades
da economia de escala (reduo dos
estoques);
- redefinio do contedo da atividade
empresarial: fechamento da empresa ou
passagem representante comercial. Fonte: Marcio Pochmann. In: O emprego na globalizao: A nova diviso internacional do trabalho e os
caminhos que o Brasil escolheu: 2001, p. 44
Nesse sentido o novo modelo de empresa moderna se desenvolve, segundo
Pochmann (2001), de um lado, a partir das tecnologias duras (hardware), com o predomnio
de um paradigma tcnico-cientfico marcado pela microeletrnica, biotecnologia,
microcomputadores, informtica e, por outro lado, apoia-se tambm em tecnologias leves
(software), estas impactando diretamente nas novas tarefas realizadas nos postos de trabalho e
nas novas tcnicas de gesto da produo alterando, pois a organizao do trabalho. o que
Pochmann (2001) nos mostra no quadro a seguir.
Quadro 02 - Novas organizaes de tarefas Ampliao da quantidade de tarefas exercidas pelo mesmo trabalhador, rompendo em parte,
com a monotonia da repetio dos movimentos e reduzindo os tempos mortos (novo perfil do
trabalhador).
Rotao das funes, a partir da adoo de tecnologia de uso flexveis que exige maior
polivalncia do trabalhador para o exerccio de mltiplas tarefas (trabalho polivalente).
Combinao das atividades de execuo com as de controle, o que torna mais complexo e
integrado o exerccio do trabalho com a deciso sobre metas de produo e resultados
(ampliao da autonomia relativa).
Constituio de grupos de trabalho (semi-autnomos ou autnomos) com alguma capacidade
de deciso sobre problemas e soluo imediata no desenvolvimento das operaes no plano da
produo de bens e servios (trabalho em grupo). Fonte: Marcio Pochmann. In: O emprego na globalizao: A nova diviso internacional do trabalho e os
caminhos que o Brasil escolheu: 2001, p. 45.
-
23
Associado nova organizao do trabalho constri novas formas de
administrao do trabalho, como tambm novas tcnicas de gesto do trabalho. o que
Pochmann (2001) nos mostra no quadro a seguir:
Quadro 3 - Nova administrao do trabalho Reduo de nveis hierrquicos, diminuio nas funes de chefias, introduo de
sistemas participativos e abertos de deciso, com maior dilogo e treinamento do pessoal
de administrao e produo (novo estilo gerencial).
Adoo de programas voltados para o envolvimento do trabalhador com os interesses da
empresa, por meio de novos instrumentos de participao e controle na tomada de deciso
e de maior seletividade na contratao e no uso da mo-de-obra (programas de qualidade).
Tentativas de integrao do trabalhador, por meio da motivao pessoal (participao nas
tomadas de deciso e maior responsabilidade com os resultados da empresa) e da auto-
realizao, com atividades fora do contexto do trabalho (Esporte, lazer e cultura) que
envolvam, sempre que possvel, a famlia (formas de comunicao renovadas).
Redinamizao das relaes de trabalho, graas a acordos na planta produtiva, com o
intento de evidenciar a transparncia e a credibilidade dos atores diante da cultura da
empresa. Fonte: Marcio Pochmann. In: O emprego na globalizao: A nova diviso internacional do trabalho e os
caminhos que o Brasil escolheu: 2001, p. 47.
Essa nova organizao e administrao do trabalho deixa clara a inteno
voltada para responsabilidade do trabalhador ao bom funcionamento da empresa, pois as
atenes nesse sentido se voltam para a motivao do trabalhador para que ele vista a camisa
da empresa, percebendo a mesma como uma famlia e no como locus de reproduo
ampliada do capital e de explorao do trabalho.
O trabalhador nesse sentido torna-se mais pressionado ao mesmo tempo em
que pressiona seu companheiro de trabalho pela busca de uma maior produtividade em funo
desses novos mecanismos de cooptao, tendo como diferencial no somente a insero de
tecnologia, mas tambm a captura da subjetividade do trabalhador.
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Ainda em relao s mudanas na organizao da produo e do trabalho
Sgreccia nos apresenta os seguintes esclarecimentos:
Nos sistemas de produo enxuta, o melhor desempenho obtido atravs do
uso de treinamento extensivo e de tcnicas que envolvem os trabalhadores na soluo dos problemas identificados no processo de trabalho, onde os trabalhadores so recompensados na medida em h uma melhoria na qualidade, vinculando remunerao ao desempenho;
Os sistemas de trabalho em grupo significa o abandono da rgida classificao e do controle severo no processo de trabalho pelos supervisores cedendo lugar autonomia dos empregados na definio das regras que regulamentam seu prprio trabalho;
A qualidade um elemento primordial, onde os trabalhadores so estimulados e treinados para identificar os problemas assim que eles aparecerem na linha de produo, para esse quesito os trabalhadores so envolvidos na inspeo de qualidade, manuteno de equipamentos, definio de tarefas e controle estatsticos da produo, includo a rotatividade de tarefas. (SGRECCIA, s/d, p. 24-25).
Em relao nova forma de organizao do trabalho e o novo papel do
trabalhador importante destacar essa passagem de Lopes (2000):
Na antiga organizao do trabalho a maioria dos trabalhadores estava ocupada em manusear e intervir diretamente em cada fase do produto. Na organizao automatizada, por sua vez, o papel dos operrios , na maior parte do tempo, preparar, monitorar os equipamentos, ou ainda, regular o fluxo da produo quando surge algum problema. Cresce, tambm, a importncia do trabalho de manuteno das mquinas e dos processos. A natureza do trabalho deixa de ser cada vez mais ao direta de transformao da matria, para se tornar atividade abstrata (trabalho imaterial), na qual a capacidade de percepo, elaborao simblica e as relaes de equipe so exigncias predominantes do processo produtivo. Nesse tipo de organizao a funo do trabalhador deixa de estar atrelada a uma tarefa ou a um posto-mquina. Passa a ser entendida com base em sua insero na rede de comunicao no interior da empresa. H grande mobilidade funcional em virtude de as necessidades tcnicas serem mais flexveis e mais variada. Cada trabalhador tem de estar preparado e disponvel para tapar buracos, socorrer de imediato os postos de trabalho e as funes que esto atravancando o tempo certo da produo (multifuno). (LOPES, 2000, p. 272).
Dessa forma o que nos parece apontar essa nova etapa do capital, que as
novas formas de organizao e de diviso do trabalho, que ultrapassam o mbito da empresa,
so estratgias de reestruturao do capital no seu contnuo processo de reproduo,
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reproduzindo, pois, a histrica submisso do trabalhador ao plano do capital, atravs da
insero de novas tecnologias e novas tcnicas de gerir e organizar o sistema produtivo.
No que se refere s mudanas tcnicas da acumulao flexvel tudo indica
segundo Lopes (2000) a capacidade de realizar operaes simultneas em funo das
mquinas serem computadorizadas e numricas tal fato diminuiria o capital imobilizado pela
diminuio do tempo de espera os volume do meio circundante, possibilitando ento a
fabricao de produtos em pequenos lotes e diversificado, otimizando, pois o tempo de
operao e circulao.
Ainda em relao flexibilizao tcnica, Lopes (2000) ressalta os
seguintes aspectos: a flexibilidade e a sintonia fina entre os fluxos de informao so
garantidas por uma rede de comunicao que se conecta aos vrios pontos e setores de
produo; nos transportes e na movimentao da produo flexvel, h eliminao de
mquinas e operaes desnecessrias, criando percursos alternativos, eliminado os postos
ociosos rgidos no fordismo, tal transporte denominado de linha assincrnica de
montagem que se apresenta sob malhas e cadncias flexveis, possibilitando uma melhor
organizao e controle da circulao e dos suprimentos.
Em se tratando da presena dos computadores Lopes (2000) ressalta a
importncia dos mesmos para a mobilizao gerencial entre os departamentos, nos sistemas
de fbrica e os departamentos de projetos os computadores (CAD - Computer Aided
Desing) auxiliam no desenvolvimento de produtos e peas atravs de informaes cedidas
desde o setor de fabricao; a aproximao entre a departamento de projetos e a rea de
processo pelo CAM Computer Aided Manufacturing economiza no tempo de concepo.
Todas essas transformaes tecnolgicas, citadas anteriormente segundo
Lopes (2000), seriam a transformao de tempos mortos em tempos produtivos, alm da
produo de tempo oculto, que seria para ele a realizao simultnea de duas ou mais
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operaes, que nos processos rgidos com base eletromecnica eram realizadas
sucessivamente e de forma interrompida, maximizando, pois a gesto do capital fixo,
circulante e dos fluxos de materiais, elevando o tempo de ocupao efetiva dos trabalhadores
no automatizados e dos equipamentos.
Entretanto, cabe aqui uma ressalva a respeito desse modo de acumulao
flexvel. Como j foi dito, esse sistema foi e caracterstico de pases capitalista de economia
avanada, em pases como o Brasil h alguns traos dessa insero tecnolgica o que varia da
prpria diviso espacial de regies e de tipos de empresas. O que queremos dizer que em
alguns setores produtivos ainda predomina uma organizao fordista ou sistema misto entre
fordismo e acumulao flexvel, ou seja, a prpria contradio capitalista entre o velho e o
novo.
1.1.2 A influncia na diviso do trabalho
De acordo com o dicionrio de filosofia organizado por Hilton Japiass a
diviso do trabalho vista como uma repartio ou separao das tarefas necessrias
sobrevivncia de um grupo entre os diversos membros desse grupo e que embora j tenha
existido nas sociedades pr-industriais, a diviso do trabalho desenvolve-se
consideravelmente com o surgimento da sociedade industrial. Ou seja, a diviso do trabalho
relativa e especfica de uma sociedade e que ao longo da histria da sociedade ganha um
sentido diferenciado, tornando-se parte essencial das contradies do sistema capitalista.
Tal forma de anlise da diviso do trabalho tem sua fundamentao nos
pressupostos marxista, que segundo Hilton Japiass foi Karl Marx que deu um alcance
filosfico a essa expresso fazendo dela o fundamento lgico de todas as contradies
econmicas do sistema capitalista. Contradies que, segundo o referente autor, teria
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atingindo seu grau mximo com a taylorizao, isto , com a repartio altamente racional do
"trabalho em cadeia", tentando englobar todos os fatores necessrios a uma produtividade
tima.
Nesse sentido a diviso do trabalho surge com o prprio desenvolvimento
social, a medida em que o homem foi desenvolvendo por meio do trabalho mos e braos,
sedentarizando, construindo vnculos com seu lugar modificando o meio ao mesmo tempo em
que ia se adaptando a ele, surgiu o excedente e cada um da tribo ficaria encarregado de uma
determinada tarefa, isso nas sociedades primitivas.
Entendemos, ento, que a diviso do trabalho consiste na repartio do
trabalho que cada trabalhador realiza, que vai desde o nvel mais geral distribudo entre os
grandes setores econmicos da sociedade at o nvel mais especfico de uma fbrica. Tanto
numa dimenso como em outra existe uma diviso no somente nas funes a serem
realizadas, como tambm na distribuio e localizao dessas funes em determinado
espao.
J nas sociedades mais desenvolvidas a diviso do trabalho ganha uma
amplitude mais complexa. Marx (1968) diferencia a diviso social do trabalho em suas
diferentes escalas, especificadamente em trs nveis que se complementam na reproduo da
sociedade. A diviso do trabalho geral seria a agricultura, manufatura e o comrcio; a diviso
do trabalho especial seria a diviso de cada ramo em espcies; e a terceira diviso do trabalho,
seria aquela que deveria chamar de "diviso de tarefas propriamente dita a que se
estabelece em cada ofcio e profisso (...) e que se faz na maioria das manufaturas e das
oficinas (MARX, 1968, p. 402-403).
Uma das principais e necessrias caractersticas da diviso do trabalho na
sociedade moderna ou ps-moderna no entraremos nesse mrito de discusso entre moderno
ou ps-moderno a adequao do trabalhador ao ritmo acelerado de modernizao das
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mquinas, dos instrumentos de trabalho, de novas tcnicas organizacionais e de gesto
empresarial, atravs do processo constante de qualificao e requalificao do trabalhador.
Nesse novo momento do capital os trabalhadores bem como a sua
distribuio e localizao no prprio interior da fbrica ganham novas dimenses, a diviso
do trabalho, referente organizao dos trabalhadores no processo produtivo fabril, ganha
novos contornos desde o papel ou funo de cada trabalhador na sua relao com a
mercadoria bem como na organizao e forma de controle desses trabalhadores atravs das
novas estratgias empresariais.
Entretanto embora haja uma diminuio na repetio e monotonia do
trabalho, tem-se uma intensificao do trabalho e do lucro por meio da reduo do tempo
gasto na produo de uma mercadoria, ao que parece a diviso do trabalho multiplicada, no
pela diviso do trabalho entre os trabalhadores, mas pela substituio de grande parte dos
trabalhadores por mquinas e pelo trabalho polivalente dos trabalhadores que ainda
continuaram na empresa, sob a presso da perda do emprego pela competitividade.
Em relao nova diviso do trabalho Lopes (2000) faz o seguinte
comentrio:
[...] diviso do trabalho menos ntida entre operrios de manuteno e da fabricao, entre as diferentes categorias hierrquicas; linha de demarcao mais difusa do que nas empresas dos pases ocidentais, entre a direo e a execuo, com o trabalhador conhecendo e dominando melhor o processo global de produo, o que se torna possvel pelas prticas de gesto correntes nas empresas japonesas, em particular pelas prticas de mobilidade interna.(LOPES, 2000, p. 270).
Embora a diviso do trabalho no aparea to nitidamente como em
processos anteriores (linha de montagem) em funo da freqente automao, ao que parece
ela mais acentuada nos postos de trabalho perifricos:
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A automao crescente do processo produtivo tem gerado nova diviso do trabalho, na qual os trabalhadores se encontram ocupados, preferencialmente, nas tarefas de ajustagens, manuteno de equipamentos, na preveno das ocorrncias anormais, de maneira que os melhoramentos gerados sejam sistematicamente incorporados produo. Nesse tipo de trabalho o lugar do sujeito e das relaes intersubjetivas seria absolutamente central, na medida em que a mobilizao psquica do indivduo, do sujeito do processo de trabalho, constituiria a precondio mesma de toda atividade produtiva. (LOPES, 2000, p. 264-265).
Nesse sentido, diferentemente do fordismo, a organizao do trabalho, bem
como a diviso do trabalho no interior fabril, ganha um outro contorno mais flexvel atravs
da rotao das funes, da polivalncia do trabalhador e da organizao em pequenas ilhas ou
grupos, que j no tem uma posio rgida como tinha na linha de montagem, possuindo at
mesmo uma certa "autonomia" para tomar algumas decises, o que torna o trabalhador mais
alienado por sentir que a empresa tambm lhe pertence.
1.2 Uma perspectiva Geogrfica: a Geografia do Trabalho
Como temos mencionado no decorrer deste texto, a diviso do trabalho
acompanha o prprio desenvolvimento da sociedade, neste sentido torna-se tambm uma
diviso social do trabalho medida que a sociedade se organiza em funes e atividades
diferentes para o trabalho, lembrando sempre que por meio do trabalho que ocorre a
reproduo social ao mesmo tempo em que o trabalho no existe fora das relaes sociais
sendo, pois uma relao dialtica.
Da mesma forma que no existe relaes sociais que no ocorram num
tempo e num espao, logo podemos falar que a diviso social do trabalho uma diviso
espacial do trabalho, ou seja, a diviso do trabalho reproduzida na sociedade e no interior da
fbrica se materializa sobre diferentes formas, dimenses e significados no espao.
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Para Moreira (1987, p. 200) tudo comea na categoria espao, o espao a
categoria principal da representao geogrfica. E a forma da relao do espao com o
territrio e a paisagem que define o seu conceito, e, em conseqncia, os conceitos de
territrio e de paisagem, nesse sentido a definio de espao no se faz por si mesmo, mas
tambm pelos princpios da lgica geogrfica: localizao, distribuio, conexo, distncia,
delimitao e a escala.
Tratando das categorias de anlise geogrfica Moreira (1987) ressalta ainda
que:
Se espao, territrio e paisagem formam o rol de categorias de base de construo geogrfica das sociedades, so os princpios lgicos a base dessa base. So eles a matria-prima de tudo na geografia. So quem cria o espao, converte o espao em territrio e d origem ao que chamaremos as categorias destas categorias base. (MOREIRA, 1987, p. 200)
Em seguida sintetiza:
Assim refundidas, as categorias centrais da geografia nos permite uma seqncia estrutural de pensamento, de maior poder metodolgico: (1) os princpios so base da construo da representao geogrfica do mundo; (2) o espao a categoria da articulao primria dos princpios; (3) o territrio a decorrncia do recorte em domnios na relao homem-meio espacialmente organizada; (4) a paisagem a forma como o arranjo dos recortes espaciais do territrio alcanado pela nossa percepo sensvel; (5) a sociedade geograficamente organizada a sociedade estruturada nos termos estruturais acima descritos (...) Sendo o territrio um recorte do espao e a regio, paisagem e meio categoria do territrio. (MOREIRA, 1987, p. 201-203).
Nesse sentido podemos apreender a diviso do trabalho e suas teias de
relaes pelo olhar do gegrafo, seja pela relao dialtica distribuio/localizao do
aparecimento fenomnico das formas expressas na paisagem e suas respectivas funes e
inter-relaes que do um significado de domnio e poder ao espao, passando, pois, ao plano
do domnio territorial das relaes que podem ser vista no plano do metabolismo espacial e
ambiental.
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Especificamente a temas referentes ao trabalho e suas relaes, a Geografia
do Trabalho tem buscado proporcionar as bases tericas e metodolgicas para uma leitura
geogrfica da realidade. O tema do trabalho vem sendo tratado ultimamente por alguns
gegrafos dentre eles destacamos Moreira, Thoms Jnior, Harvey e outros gegrafos os
quais vem mantendo um dilogo constante com socilogos e economistas.
Segundo Moreira e Thomz Jnior, o tema do trabalho sempre esteve
presente na geografia com La Blache, Sorre, Santos, George este ltimo tratando mais
diretamente sobre a temtica, entretanto numa perspectiva de uma "estatstica do emprego" do
que uma Geografia do Trabalho.
Nesse sentido, a Geografia do Trabalho busca duas perspectivas de anlise:
uma relao estabelecida entre o homem e a natureza, numa relao do metabolismo
ambiental e outra do metabolismo scio-espacial, constitudo pela relao entre os homens.
importante ressaltar que ambas as dimenses tanto ao nvel do
metabolismo ambiental ou social so relaes passveis de localizao, mapeamento e
diferenciao de acordo com o tipo de relao que se estabelece no seio social, com o valor de
troca reorientando o valor de uso as relaes de metabolismo ambiental so tambm
reorientadas e reordenada pelo metabolismo social, o que queremos dizer que a forma como
os homens se organizam para a produo a forma como o homem se relaciona com a
natureza.
De acordo com Moreira (2001) ambas relaes so formas de mediao do
homem com o mundo em duas escalas que se entrecruzam e se diferenciam em outros nveis,
no qual o metabolismo espacial :
[...] uma relao de intercmbio do homem com os outros homens que se passa por meio da cooperao na diviso do trabalho, uma relao intra-social na qual a configurao do espao (no macro-espao da Estado e no micro-espao da famlia, da escola, do bairro ou da empresa) intervm como
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uma forma de regulao da relao humana desde o mbito natural. (MOREIRA, 2001, p. 199).
No fundo dessas relaes esto a tecnologia, a mudana do valor de uso
para o valor de troca que ordena essa relao e os arranjos territoriais, onde atravs do
trabalho o homem apropria-se da natureza modificando-a ao mesmo tempo em que se
modifica e transforma o ambiente. Nesse sentido pode-se falar em duas dimenses de
entender a realidade natural em natureza interna ao homem (sua naturalidade) e natureza
exterior ou ambiente (o corpo externo do homem). no jogo entre estas duas dimenses que
se desenvolve o prprio ser humano, numa relao que tem o trabalho como elemento
mediador. ao modificar sua natureza exterior que o homem substantiva suas potencialidades
naturais, adestrando a mente os msculos na transformao do ambiente.2
Esse constante processo de extrao de recursos naturais, de modificao do
homem, alterando as condies do ambiente em que vive atravs do trabalho, assume
contornos diferenciados a medida em que o valor de uso ganha o sentido de valor de troca.
Moreira (2001) ao tratar do metabolismo socioambiental explicita que o valor separa natureza
e trabalho, populao e trabalho em pessoas que trabalham e que no trabalham, por fim
separa populao e capacidade fsica, numa reduo da populao trabalhadora a fora de
trabalho, o trabalho passa a ser ento, o processo de transformao da natureza pela fora de
trabalho, numa clara limitao do homem a uma coisa fsico-econmica e da natureza a um
grande e inesgotvel arsenal de recursos naturais, nesse sentido o utilitarismo econmico
domina a relao ambiental.
Nesse sentido a temtica do trabalho passvel de ser estudada pela
Geografia no somente pela tradicional relao homem-meio presentes desde sua
sistematizao, como tambm pela localizao, distribuio do fenmeno do trabalho em
2 Essas questes so discutidas por Moraes no texto Meio ambiente e cincias humanas, ao fazer reflexes sobre
a natureza no Marxismo.
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determinado territrio, suas tramas relacionais e suas divises espacializadas com contornos
diferenciados pela organizao social.
1.2.1 Territrio e diviso territorial do trabalho
J dissemos anteriormente que a diviso do trabalho e suas relaes so
passveis de serem compreendidas pela geografia por meio das categorias: espao, territrio,
paisagem e meio e princpios localizao/distribuio. Entretanto, queremos ressaltar aqui o
territrio por entender que dentre as categorias geogrficas, o territrio contempla a trama de
relaes de poder e domnio intrnseco na diviso do trabalho no interior fabril.
O que nos remete a trs observaes: primeira, estamos entendendo que o
territrio faz parte da totalidade do espao, o significado de territrio tem aqui um significado
de recorte escalar; segunda, embora o territrio aparea como categoria central de nossa
anlise as outras categorias como paisagem, meio, regio se fazem presente explcita ou
implicitamente; e terceira o territrio est relacionado tambm questo do poder que
determinados grupos, enquanto representantes do capital, exercem em determinado espao.
Nesse sentido a questo do territrio diz respeito tambm ao domnio e
influncia que determinados grupos exercem sobre o espao. Por trs de uma diviso
territorial do trabalho h agentes que modelam essa diviso do trabalho em determinado
territrio e provocam contornos diferenciados resultando no que Pochmann (2001)
denominou de "estratificao do trabalho" seja ao nvel de economia mundial estruturada nas
relaes entre centro e periferia ou no interior fabril estruturada na capacitao do trabalhador
a adequao as novas tecnologias.
Mencionamos tambm anteriormente que a diviso do trabalho consiste na
repartio do trabalho que cada trabalhador realiza, que vai desde o nvel mais geral
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distribudo entre os grandes setores econmicos da sociedade at o nvel mais especfico de
uma fbrica. Tanto numa dimenso como em outra existe uma diviso no somente nas
funes a serem realizadas, como tambm na distribuio e localizao dessas funes em
determinado espao, traduzida pelo domnio territorial de cada funo na produo de bens e
mercadorias.
O domnio territorial relacionado diviso do trabalho exercido em vrias
escalas, dentre elas podemos citar, em nvel internacional, onde cada nao exerce uma
atividade diferenciada no cenrio produtivo, regional onde cada regio fica encarregada de
uma determinada funo no territrio nacional e local no territrio de uma empresa nas
diversas funes realizadas por cada trabalhador associado diferena setorial, onde cada
trabalhador possui uma localizao especfica no conjunto da distribuio das funes,
expresso na planta da empresa.
Faremos agora algumas consideraes da diviso territorial em nvel de
diferena nos territrios internacionais. Aqui torna oportuno relatar o entendimento de
Pochmann (2001) sobre a da diviso internacional do trabalho, no contexto atual, quando
ressalta a diviso internacional do trabalho como resultado da lgica funcional do sistema
econmico e social:
Assim, a correlao de foras entre as distintas naes engendraria a geografia mundial da gerao e absoro de riqueza e de criao e destruio de postos de trabalho, havendo possibilidades de manifestao de mltiplas formas de dominao de uma nao por outra, por meio das dimenses polticas, militar, econmica e cultural. A Diviso Internacional do Trabalho seria, assim, obra constituda por diversos fatores, no conformada por ordenamento natural, mas sim uma repartio capitalista prpria do trabalho. (POCHMANN, 2001, p. 15).
Dessa forma a diviso territorial do trabalho internacional estaria
relacionado com o poder e domnio de naes mais desenvolvidas sobre as subdesenvolvidas
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e com a funo de cada Pas na economia mundial reproduzindo a lgica do desenvolvimento
desigual e combinado intrnseco ao sistema capitalista:
[...] a diviso espacial do trabalho no capitalismo encontra-se diretamente associada circulao internacional do capital, conforme afirma Bukharin (Bukharin, 1984). Sendo a dimenso financeira que comanda em grande medida decises da empresa, a partir do centro capitalista mundial, a periferia seria uma conformao derivada de sua capacidade de pagamento de recursos externos absorvidos domesticamente. Sua condio geral de economia especializada, tradicionalmente voltada para atividades de exportao, refletiria o comando de quem tem o poder de definir a circulao do capital, que, em ltima instncia, se encontra preocupado com a possibilidade de retorno dos recursos investidos e com o cumprimento dos contratos estabelecidos. (POCHMANN, 2001, p. 17).
Embora a geopoltica mundial tenha tomados contornos diferenciados com
emancipao territorial e independncia de vrias naes no decorrer do sculo XIX e XX, a
relao estabelecida entre as naes de centro e periferia ainda designada pelas naes de
centro dotadas de maior sistema financeiro, sendo a produo de bens de cada pases
determinada pela necessidade do capital. Nesse sentido Pochmann (2001) destaca trs
momentos distintos da diviso internacional do trabalho, acompanhando o desenvolvimento e
reestruturaes do modo de produo capitalista. A primeira estaria ligada dicotomia entre
os produtos manufaturados de centro e os produtos primrios da periferia:
Enquanto o setor agrcola era o grande empregador nos pases perifricos, o setor urbano, especialmente a indstria, destacou-se no emprego da maior parte da mo-de-obra nas economias centrais.[...] Toda essa estratificao e hierarquizao do trabalho no mundo contribui para a manuteno de enormes diferenas de potencialidades do desenvolvimento nacional. Alm disso, foi fonte de grande assimetria na gerao e absoro da renda mundial. (POCHMANN, 2001, p. 22).
Uma Segunda Diviso Internacional do Trabalho ocorreu a partir do sculo
XX, especialmente aps a Segunda Guerra Mundial quando houve uma reestruturao na
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economia dos pases que diretamente ou indiretamente sofreu impactos da Segunda Guerra
Mundial. o que ressalta Pochmann (2001):
[...] a predominncia de um quadro de guerra fria [...] terminou favorecendo no segundo ps-guerra no apenas a reconstruo da Europa e do Japo, mas a reformulao do prprio centro capitalista mundial, com a gerao de um bloco de pases semiperifricos engajados tanto na estratgia anti-sistmica (economia centralmente planejada) como na estratgia pr-sistmica (economia de mercado subdesenvolvida), [...] que possibilitou a conformao de um conjunto de naes semiperifricas, a partir de sua parcial industrializao. (POCHMANN, 2001, p. 22-23).
A terceira Diviso Internacional do Trabalho tratada por Pochmann (2001)
est ligada ao novo cenrio tecnolgico, organizacional comandado pelo processo de
financeirizao que segundo ele resulta tanto na valorizao fictcia da riqueza, por meio da
autonomizao do capital a juros, como tambm subordina a dinmica econmica a taxas
reduzidas de expanso produtiva.
Entretanto, ressalta o referido autor que as modificaes causadas na
Diviso Internacional do Trabalho desde 1970 estariam associadas ao processo de
reestruturao empresarial, que viria acompanhado de uma nova Revoluo Tecnolgica
gradativa, cujo centro de financeirizao pertenceria aos pases capitalista avanado:
Com o aprofundamento da concorrncia intercapitalista tem havido uma maior concentrao e centralizao do capital, seja nos setores produtivos, seja no setor bancrio e financeiro, o que concede maior importncia ao papel das grandes corporaes transnacionais, [...] o aumento do poder da grande empresa parece inquestionvel, mesmo diante da produo em rede, que potencializa a lgica de menor custo de produo possvel, inclusive com formas de degradao do trabalho, (...) com a crescente internacionalizao do capital, um mesmo grupo econmico atua em diversas naes simultaneamente, indicando que o comrcio internacional tende a ser vez mais entre empresas do que entre naes. (POCHMANN, 2001, p. 27-28).
Dessa forma traa-se o desenho desigual da diviso territorial do trabalho
em nvel mundial pelo poder de determinadas naes com a maior capacidade financeira e
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tecnolgica em detrimento de outras que no possuem esse aparato tecnolgico, , pois, sobre
essa base que parece caminhar a atual diviso territorial do trabalho, no que diz respeito tanto
aos postos de trabalho, pela exigncia de trabalhadores mais qualificados, como a produo
de bens da sociedade cada vez mais industrializados.
Como resultado dessas inovaes tecnolgicas torna-se cada vez mais
presente no territrio das naes o que Santos denominou de meio tcnico-cientfico, isto , o
momento histrico no qual a construo ou reconstruo do espao se dar com um crescente
contedo de cincia e de tcnicas. Segundo Santos (1997), esse cunho tecnolgico e cientfico
que se espalha pela sociedade proporciona mudana importantes no territrio:
[...] de um lado na composio tcnica do territrio e, de outro lado, na composio orgnica do territrio, graas ciberntica, s biotecnologias, s novas qumicas, informtica e eletrnica. Isso se d de forma paralela a cientifizao do trabalho. O trabalho se torna cada vez mais trabalho cientfico e se d tambm, em paralelo, a uma informatizao do territrio. Pode-se dizer, mesmo, que o territrio se informatiza mais, e mais depressa, que a economia ou que a sociedade. Sem dvida, tudo se informatiza, mas no territrio esse fenmeno ainda mais marcante na medida em que o trato do territrio supe o uso da informao, que est presente tambm nos objetos. (SANTOS, 1997, p. 139-140).
Segundo Santos (1997) h uma especializao extrema de tarefas no
territrio que so a raiz das complementaridades regionais: h uma nova geografia regional
que se desenha na base da nova diviso territorial do trabalho que se impe. Para ele foi o
perodo tcnico-cientfico da humanidade, isto , "a possibilidade de inventar a natureza, de
criar sementes como se elas fossem naturais por meio da biotecnologia, que permitiu que no
espao que parecia um deserto da regio Centro-Oeste e da Bahia se transformassem num
vergel formado por um caleidoscpio de produes de soja". (SANTOS, 1997).
Santos (1997) ainda acrescenta que a modernizao no se d de forma
homognea, mas se apresenta diversa segundo regies e lugares, como a pobreza e a riqueza,
da entendermos tambm cada funo da regio nesse novo mapa que se desenha no Brasil
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pela diviso do trabalho, carregado muita das vezes de injustias e disparidades econmicas
entre as regies do Sudeste e o restante das regies brasileiras.
Muitas dessas desigualdades regionais remontam a histria do Brasil,
principalmente ao processo de industrializao que ocorreu de forma desigual entre as
regies. Atualmente concentrado na regio sudeste, o processo de industrializao brasileiro
ocorreu pelo modelo substitutivo de importao e apresentava algumas caractersticas que
destacamos como principais: inicialmente, desenvolveram os ramos destinados a suprir a
demanda da elite e da classe mdia; a indstria acompanha a estrutura monopolista existente,
j nascendo fortemente concentrada em termos de ramos e empresas; h um condicionamento
de todos os setores existentes vinculados aos ramos-base postos a servios dos lucros
oligoplicos, como a agropecuria energia e a circulao, pr-determinandos-os como
modelos. (MOREIRA, 2003).
Como conseqncia dessas trs caractersticas temos no espao brasileiro o
reflexo desse modelo de desenvolvimento industrial concentrado e desigual entre as regies:
Duas distores socioespaciais derivam dessas trs principais caractersticas. Primeiramente, a evoluo industrial brasileira centrar-se- fundamentalmente no desenvolvimento da indstria de bens de consumo consumidos pela elite e pela classe mdia, durveis numa primeira fase, passando rapidamente para os no-durveis na fase seguinte, desenvolvendo-se os ramos de bens de capital e bens intermedirios na medida e nos limites do paradigma do consumo. Em segundo lugar, a estrutura oligopolista reproduz-se na forma da concentrao e centralizao espacial da indstria, localizando-a quase toda na regio Sudeste. (MOREIRA, 2003, p. 5).
Se por um lado essas regies ganharam uma caracterstica de
desenvolvimento em relao s outras regies brasileiras, em funo de uma maior insero
tecnolgica, pelo sistema financeiro, rodovirio, ferrovirio, consideradas regies core do
Brasil, por outro lado so regies onde a degradao ambiental e os problemas urbanos como
desemprego so mais acentuados.
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Ao tratar dos modelos industriais brasileiros, especificadamente o modelo
centrado na acumulao automobilstica Moreira (2003) relata sobre a diviso do trabalho
presentes nas regies:
A matriz de espao centrada na acumulao automobilstica, pelo fosso que se estabelece entre a regio desenvolvida e industrial, a regio Sudeste, e as demais regies, com ela envolvida como fornecedoras de fora-de-trabalho, a regio Nordeste, de alimentos, a regio Sul, e de espaos para expanso econmica, as regies Centro Oeste e Norte, hierarquiza as relaes regionais numa diviso inter-regional de trabalho centrada em So Paulo. Esta diviso territorial do trabalho distingue e separa o centro industrial e as regies-complemento, organizando todos os fluxos territoriais do capital e do trabalho nestes termos. (MOREIRA, 2003, p. 6).
Por essa citao de Moreira (2003), evidencia-se a funo de cada regio no
cenrio brasileiro associado prpria expanso industrial sendo, ela "responsvel" pelo
ordenamento do espao brasileiro, at ento a mola mestra da expanso do capital.
o que observamos quando nos reportamos ao desenvolvimento industrial
brasileiro. Notamos que tanto o processo de urbanizao como, a diviso territorial do
trabalho, bem como as regies ditas mais "desenvolvidas" e "subdesenvolvidas" esteve
atrelada ao processo histrico de industrializao do Brasil.
J mencionamos que o processo de industrializao, chamado substitutivo
de importao, acompanha o prprio desenvolvimento capitalista concentrado e centralizado
na regio sudeste em funo da elite presente. Queremos ressaltar aqui os momentos
vivenciados pelo I e II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), que significaram grandes
alteraes do espao brasileiro como tambm a possibilidade de um reordenamento na
diviso territorial do trabalho.
O I PND vai de 1970 a 1974, e tinha como objetivo a modernizao do
campo principalmente das regies Centro-Oeste e da Amaznia. Essa modernizao do
campo trata-se na verdade de uma industrializao no campo, fundindo, pois agricultura e
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indstria num mesmo espao, proporcionando ao campo uma outra diviso do trabalho no
mais atrelada a dicotomia campo/cidade, mas ao grau de industrializao existente no campo
por regies, que vai da agroindstria clssica, expropriadora de renda e o complexo
agroindustrial.3
Sobre a superao da dicotomia campo/cidade com o complexo
agroindustrial Moreira (2003) destaca os seguintes fatos:
A modernizao tem relao com a industrializao da agropecuria, superando as barreiras que separavam as atividades primrias e secundrias, com efeito, sobre a relao de ambos com o setor tercirio [...]. Apontemos aqui os elementos que mais nos interessam. Primeiramente, a indstria de beneficiamento perde seu elo orgnico com a fazenda para ganhar a autonomia de uma atividade especializada. Por outro lado, atividades do setor tercirio, como a armazenagem, silagem e transportes, incorpora-se estruturalmente agroindstria. Bem como as atividades de pesquisa, voltadas diversificao e recriao das sementes. Tudo isso vai significar uma nova diviso territorial do trabalho, que transforma a antiga agroindstria numa estrutura orgnica de escala territorial de extenso mais ampla e complexa. (MOREIRA, 2003, p.14).
Entrando, pois, no circuito de modernizao do campo outras regies alm
da sudeste evidenciando uma relao centro periferia entre as regies brasileiras, visto que
para Moreira esse processo de modernizao do campo ganha um significado de expanso
paulista para as reas agrcolas da periferia do Sul, do Centro-Oeste e do oeste de Minas
Gerais.
Com o II PND, surge um novo mapa de distribuio industrial, no mais
apoiada no complexo agroindustrial, mas na desconcentrao de plantas industriais do centro
brasileiro para a periferia, pois o objetivo de II PND a desconcentrao industrial. o que
nos relata Moreira (2003) nessa passagem:
3 Sobre a diferena das trs modalidades de agroindstria ver Moreira, R. Modelo Industrial e Meio Ambiente no
Espao Brasileiro, Geographia, n.10, ano V. Niteri RJ, UFF/EGG, 2003.
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O Plano prev a implantao de plos de indstrias de bens intermedirios em Estados perifricos ao tringulo urbano-industrial de So Paulo-Rio de Janeiro-Belo Horizonte, em vista de atenuar presses sindicais e ambientais ai correntes. Umas sucesses de industriais instalam-se assim em reas de minerao do grande arco perifrico que circunda a regio core, a formando diferentes plos: o plo qumico-petroqumico do Triunfo-Canoas, nos arredores de Porto Alegre; o plo do nibio e de fertilizantes, em Catalo, no sul de Gois; o plo mnero-vegetal-siderrgico de Carajs, no sudeste do Par; o plo de potssicos, em Carmpolis, perto de Aracaju; o plo petroqumico de Camaari, nas cercanias de Salvador; o plo petrolfero de Campo/norte fluminense, prximo ao Rio de Janeiro; o plo de papel e celulose de Aracruz, ao norte de Vitria, no Esprito Santo; o plo carboqumico de Criscima, ao Sul de Florianpolis. So exemplos do novo mapa industrial que ento vai-se formando, com um grande crculo de plos de bens intermedirios localizados ao redor do Sudeste industrial, destinado a reduzir o grau de concentrao dessa regio, e indicando a inteno estratgica de implantar uma nova diviso territorial do trabalho industrial a partir da atuao desses plos. (MOREIRA, 2003, p. 8).
Embora essas regies pela estratgia dos I e II PNDs passam a ter um
carter de no apenas exportadores de alimentos, e de mo-de-obra, mas ganham no cenrio
nacional um carter industrializados exigindo uma maior qualificao dos trabalhadores
locais, o centro de comando financeiro ainda continua em So Paulo- Rio de Janeiro- Belo
Horizonte.
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CAPTULO 2
UM OLHAR GEOGRFICO SOBRE A FOSFERTIL:
o processo de constituio espacial.
Saber pensar o espao, para saber nele se organizar, para saber nele combater [...]. Afinal, nem toda regio montanhosa arborizada Sierra Maestra.
(Yves Lacoste)
Neste captulo trataremos do processo de constituio espacial da empresa
Fosfertil, sua histria e fatores nacionais que influenciaram na sua vinda para a regio de
Catalo, como referida por Moreira (2003) na citao anterior, acompanhando uma
reestruturao espacial em funo da mudana estrutural nos modelos poltico-econmicos
nacionais, internacionais e regionais.
A empresa j nasce inserida na nova lgica mundial e nacional. No plano
internacional estamos evidenciando a crise do fordismo, do modelo de acumulao fordista,
do modelo do Estado, tendo em vista um redirecionamento da diviso internacional do
trabalho. Em nvel de Brasil estamos evidenciando reestruturaes nos modelos polticos e
econmicos visando uma maior interligao entre os Estados brasileiros, porm ainda sob a
influncia do modelo de acumulao fordista e um estado assistencialista e principal agente
das grandes transformaes no espao brasileiro, pois as privatizaes e desconcentrao
industrial s a vieram ocorrer com fora no Brasil na dcada de 1990, mas no deixa de ser
um preparativo para essa nova lgica de distribuio espacial das indstrias pelo Brasil.
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2.1. Breve Histrico da vinda da Fosfertil para Catalo Gois.
Falar especificamente do histrico da empresa ressaltar as questes
referentes aos motivos e contexto em que a Fosfertil se localizou na regio, apontando a
importncia de Catalo na poca de quando veio a empresa, uma vez que a localizao dos
objetos no espao tem uma razo de ser ligada diretamente s necessidades de reproduo do
sistema capitalista.
A localizao e a distribuio so princpios bsicos para a Geografia desde
sua sistematizao enquanto cincia, pois, so atravs deles, juntamente com os princpios da
extenso e da conexo, que temos o traado geogrfico dos fenmenos, as suas formas
visveis, expressas nas paisagens vo se formando o todo espacial. Saber localizar onde est o
fenmeno faz parte do jogo dialtico de todo e parte, por um lado, e por outro lado existe uma
estratgia de localizao dos fenmenos, o que propicia uma singularidade aos fenmenos
scio-ambientais.
Assim, todo relacionamento do homem com o seu entorno parte do suposto
da escolha seminal da localizao, um processo de referncia da seletividade que vai dar na
construo do habitat, e assim do espao e do meio ambiente. A localizao um
procedimento plural, e ento a seletividade distribuio. O fio da unidade a prpria relao
do encadeamento dos fenmenos, em que ecossistema e habitat se entrelaam como
momentos de um s movimento processual, o de constituio do espao geogrfico, histria
da natureza e histria do homem se confundindo numa s. (MOREIRA, 2003).
Dessa forma pretendemos aqui enfatizar a diviso territorial intrnseca sua
localizao e contexto da mesma no cenrio regional, nacional e mundial de diviso do
trabalho, apontando, portanto fatores que influenciaram na sua vinda para a regio de Catalo.
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Pertencente atualmente ao grupo Fosfertil, a empresa a nica mineradora
que est localizada totalmente no municpio de Catalo, ao sudeste do estado de Gois4, e
atravs da BR-050 se integra aos centros dinmicos do Pas, tais como So Paulo, Braslia,
Uberlndia e Goinia. Fato esse que facilita o acesso produo, distribuio, circulao e
troca, bem como o escoamento de maquinarias necessrias extrao e beneficiamento de
minrios.
A Fosfertil uma empresa de capital aberto, controlada pela holding
Fertifs, que detm 56,21% das aes e tem entre suas principais acionistas a Bunge
Fertilizantes, Mosaic e Fertibras5. A Fosfertil de Catalo possui minas prprias, usinas de
beneficiamento, plantas qumicas, alm de ser a principal produtora brasileira de matrias-
primas para fertilizantes e fornecedora de insumos indstria qumica e prestadora de
servios de logstica6.
Foto 01 - Complexo Industrial da Fosfrtil S/A, localizada na
Fazenda Chapado. Disponvel em: http://www.fosfertil.com.br.
4 Existem na regio mais duas mineradoras: a Minerao Catalo e a Copebrs, essas duas localizadas em dois
municpios Catalo e Ouvidor, no Estado de Gois. 5 Relatrio Anual. Desempenho da Administrao e Contexto Social. Fosfertil 2004. P.93. 6 Relatrio de Impacto Ambiental- RIA. Fbrica de Fertilizantes do Terminal Rodo-Ferrovirio da
Ultrafertil. Catalo-Gois. Junho/2004.
http://www.fosfertil.com.br/
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A cidade de Catalo localiza-se no extremo sudeste de Gois e pertence
Microrregio de Catalo e Messoregio do Sudeste Goiano (mapa 01 abaixo); possui como
referncia o paralelo 18 10 latitude sul e meridiano 47 58 de longitude W. O municpio tem
uma rea de aproximadamente 4.197 quilmetros quadrados, estando encravado nas
extremidades do sudeste de Gois (INDUR, 1980), limitando-se a sul/sudeste com o estado de
Minas Gerais, onde se localizam as importantes regies deste Estado, denominado de Alto
Paranaba e Tringulo Mineiro. A localizao geogrfica da rea municipal concentra-se entre
os meridianos de 47 17 e 48 12W GR e paralelos 17 28e 18 30LS.7.
A Fosfertil se instalou na regio de Catalo no final da dcada de 1970,
nesse contexto, em funo da crescente necessidade de industrializao, modernizao a nvel
global, as mineradoras exerceram um papel fundamental no fornecimento de minrios que so
produtos primrios para o desenvolvimento de outros setores industriais.
7 Esses dados foram retirados do Diagnostico e Monitoramento scio-ambiental da cidade de Catalo-GO e do
entorno, na pgina 49.
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Mapa 01 Localizao do Municpio de Catalo (GO). Fonte: LABGEO (UFG/CaC).
Ao que tudo indica, a vinda da referida empresa est associada a fatores de
ordem mundial e nacional. No cenrio mundial dois fatores aqui nos chamam ateno: a
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necessidade mundial de minrios por conta de uma pretensa guerra vivificada com Guerra
Fria e a distribuio, para as chamadas periferias mundiais, de empresas mineradoras,
poluidoras, pois nesse contexto a questo ambiental j tinha se tornado uma questo
preocupante.
Com a necessidade mundial de estocar minrios, surgida a partir da Segunda
Guerra Mundial em funo do surgimento de um possvel conflito armado onde se tinha a
referncia de que pas desenvolvido era aquele industrializado, sendo os minrios
considerados produtos de base para vrias outras indstrias, a partir desse perodo (aps II
Guerra Mundial), houve uma grande expanso de mineradoras pelo mundo. De acordo Neto
(1998):
Os avanos obtidos nas tcnicas de produo mantiveram uma tendncia de ganhos de produtividade e buscaram-se economias de escala, que resultaram um crescimento da industria mineral em nveis maiores do que o produto mundial. As indstrias multinacionais estavam presentes em todos os continentes prospectando novos depsitos e implantando novos projetos, os meios de transporte evoluram e o mundo todo se tornou acessvel como fornecedor e consumidor de produtos minerais. (NETO 1998, p.14).
Dessa forma, em 1930 Getlio Vargas, fundamentando-se no iderio do
desenvolvimento industrial, deu incio a uma ampla reforma institucional visando
centralizao poltico-administrativa do pas e o fortalecimento do Estado no campo social e
econmico, ganhada importncia no seu governo minerao, nacionalizando-a e
regulamentando a sua explorao.
A partir desse momento vrias medidas foram tomadas para viabilizar a
explorao mineral e a industrializao alavancando o Brasil rumo ao desenvolvimento.
Dentre elas destacamos as seguintes:
Em 1934, foi criado o Departamento Nacional de Produo Mineral o
DNPM -, tinha como objetivo executar estudos referentes produo mineral do pas.
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Em 1934, o cdigo de Minas nacionalizou o subsolo, derrubando o direito
fundirio, atrelando o aproveitamento do subsolo concesso do governo federal, ficando a
cargo do mesmo aps o estudo do DNPM a autorizao a empresas privadas.
Em 1940 criou um novo Cdigo de Minas que estipulou a obrigatoriedade
da nacionalidade brasileira.
Entretanto, a preservao da nacionalidade brasileira na explorao de
minrios no durou muito. Em 1957 no governo de Juscelino Kubitschek a restrio ao capital
estrangeiro foi suspensa, permitindo que empresas estrangeiras de minerao se instalassem
aqui e disputassem os jazimentos e igualdade com as nacionais. (NETO, 1998, p. 21).
Dessa forma, assim que tomou posse o Presidente Castelo Branco
encaminhou duas mudanas na legislao referentes minerao:
Suprimiu a preferncia dos proprietrios do solo no aproveitamento dos recursos minerais de forma a facilitar a implantao de empreendimentos privados capazes de explorar os minrios e com a segunda atravs do Cdigo de Minerao, possibilitou e estimulou a criao de empresas constitudas legalmente no Pas, permitindo que estrangeiros se associassem para a explorao das riquezas minerais brasileiras, ferindo o monoplio das empresas nacionais. (NETO, 1998, p. 25).
Sendo, pois, a porta de entrada para as empresas transnacionais no Brasil que
aps a guerra fria se espalharam pelo mundo. Dando continuidade a aliana entre capital
nacional, estatal e estrangeiro, no incio da dcada de 1970, foi apresentado pelo Governo
Geisel um projeto de explorao de minrios, que ia ao encontro tambm das propostas do II
PND, de transformar o Brasil em uma Nao-Potncia por meio das seguintes metas:
(...) expandir a oferta interna de alimentos, aumentar as exportaes, criar oportunidades de ocupao rural, elevar a renda da populao rural, diminuir as desigualdades regionais e reduzir custos de alimentao no setor urbano. O alcance destas metas deveria concretizar o desenvolvimento econmico auto sustentvel do Brasil. (NETO, 1998: 28).
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O II PND privilegiou a construo de complexos industriais e energticos,
priorizando a indstria de base, que era sustentada no trip capital estatal, capital nacional e
multinacional. Entretanto, apesar do II PND, prever o fortalecimento das empresas de capital
nacional, as estatais acabaram por estar no centro da industrializao brasileira nos anos
setenta preparando a infra-estrutura para as empresas privadas operarem com lucro, inclusive
no setor de minrios. Fato esse arriscado para a economia brasileira, pois os grandes projetos
de infra-estrutura demandariam altos investimentos e se dessem prejuzos o nus ficaria com
o Estado, a empresa privada s faria parceria quando tivesse a certeza do sucesso do
empreendimento.
Dessa forma espalharam-se pelo Brasil vrias indstrias em setores
estratgicos de acordo com a necessidade econmica do pas, para descentralizar as indstrias
no sudeste e reestruturar outras regies do Brasil inclusive o centro-oeste, inserindo-o no que
era considerado o fluxo econmico do pas.
Neste momento eram considerados estratgicos os minrios, dentre eles o
fosfato, bsico para a agricultura para o abastecimento do mercado interno e externo, uma vez
que o pas enfrentava dificuldades para abastecimento de produtos utilizados na fertilizao
do solo em funo da crise do petrleo e aumento da taxa de importao.
Seguindo esse caminho, o ento presidente Geisel tornou a indstria de
fertilizantes um dos pontos de apoio para a concretizao do II PND, investindo maciamente
na instalao de um parque nacional de fertilizantes, fazendo com que ele evolusse
rapidamente8.
Nesse sentido entre 1974 e 1986 foi desenvolvido o PNFCA-Programa
Nacional de Fertilizantes e Calcrio Agrcola. J descobertas jazidas de rocha fosftica em
Minas Gerais (Patos de Minas e Arax) e em Gois (Catalo/Ouvidor), iniciou-se sua 8 Segundo, o consumo de rocha fosftica na dcada de setenta at noventa, aumentou cinco vezes, sendo que ate
1970 a produo nacional no superava 30% das necessidades internas e treze anos depois o Brasil j se tornaria independente. (NETO, 1998, p. 33).
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explorao e mais tarde a indstria de fertilizantes, aumentando o uso de calcrio (que passou
de 1 milho 679 mil toneladas de nutrientes no incio de 1974, para 3 milhes e 149 mil em
19779) e a reduo nas importaes. Foi criada a Petrofrtil em 1976, subsidiria da Petrobrs
para explorar a rocha fosftica a ser usado na agricultura de exportao.
Toda essa poltica de explorao do fosfato para incentivar a produo
agrcola para o mercado interno e externo levou o governo, na dcada de setenta, expanso
de fronteiras agrcolas para as reas de cerrado, principalmente nas regies de Minas Gerais,
sul de Gois e Mato Grosso, dando origem a projetos como o Polocentro, Programa de
Assentamento Dirigido ao Alto Paranaba (PADAP). E mais tarde, no final da dcada de
setenta, juntamente com essa expanso, houve uma interiorizao da indstria de fertilizantes
para essas regies10.
Com essa medida, as unidades de solubilizao junto s jazidas teriam
economia no transporte, mo-de-obra abundante e barata, desenvolvimento para as regies
consideradas atrasadas, maior facilidade de consumo uma vez que era na prpria regio onde
se precisaria de maior corretivo e fertilizao do solo.
J em relao desconcentrao de indstrias pelo globo, pases capitalistas
subdesenvolvidos como o Brasil, receberam empresas poluidoras, pois precisavam limpar o
lixo dos pases desenvolvidos. No foi nada muito diferente do que j havia ocorrido com o
Brasil colnia, exportador de matria-prima e importador de produtos manufaturados,
mantendo, portanto a histrica relao de submisso centro-periferia e de desigual diviso do
trabalho. A esse respeito Pochmann ressalta os seguintes aspectos:
(...) a nova Diviso Internacional do Trabalho parece referir-se mais polarizao entre a produo de manufatura, em parte dos pases semiperifricos, e a produo de bens industriais de informao e comunicao sofisticados e de servios de apoio produo gerada no centro
9 Idem Ibidem: 34. 10 Idem Ibidem.
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do capitalismo. Nas economias semiperifricas, a especializao em torno das atividades da indstria de transformao resulta cada vez mais, da migrao proveniente da produo de menor valor agregado e baixo coeficiente tecnolgico do centro capitalista que requer a utilizao de mo-de-obra o mais barata possvel, alm do uso extensivo de matria-prima e de energia, em grande parte sustentada em atividades insalubres e poluidoras do ambiente, no mais aceitas nos pases ricos. (POCHMANN, 2001, p. 34).
Percebe-se, ento, o papel do Estado como legitimador e instrumento
viabilizador da reproduo do capital hegemnico em detrimento da soberania dos recursos
nacionais. Contribuindo para a concretude da poltica neoliberal, que viera a se manifestar
mais fortemente no final da dcada de 1980/1990 e para a dependncia do Brasil ao capital
internacional enfraquecendo as empresas nacionais.
Outra medida referente poltica de industrializao e povoamento do
interior do pas, proposta no governo militar para viabilizar o progresso e o desenvolvimento
das regies pouco industrializadas. A idia era tornar o Centro Oeste alvo do capital nacional
e internacional associado s polticas do I e II PND, de modernizao da agricultura e
descentralizao industrial, com o intuito de minimizar as presses ambientais, a crise fiscal e
a crise do petrleo em 1973.11
importante ressaltar que esse processo de desconcentrao industrial foi
apenas em nvel de planta empresarial e no de sede, pois ao que se sabe o escritrio da
referida empresa no est localizada na cidade de Catalo mais sim em So Paulo.
Todos esses fatores motivadores da vinda da referida empresa para a regio
de Catalo expressam sua entrada aos reordenamentos espacial a nvel mundial e nacional, no
que diz respeito ao processo de urbanizao, industrializao e de diviso do trabalho, ou seja,
no circuito do capital.12
11 Sobre as fases de industrializao Brasileira e a importncia do II PND ver Moreira: Modelo Industrial e Meio
Ambiente no Espao Brasileiro. 12 A mesma dcada que veio a Ultrafrtil para Catalo veio tambm outras Mineradoras como a COPEBRS e a
Minerao Catalo.
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Nesse sentido queremos ressaltar dois momentos principais da instalao da
Fosfertil na regio de Catalo, momentos esses que vo proporcionar modificaes nas
paisagens locais como tambm reestruturar a dinmica regional ao mesmo tempo em que a
instalao da prpria empresa acompanha a reestruturao territorial na escala regional,
nacional e internacional.
2.2 A reestruturao territorial no modelo produtivo brasileiro.
Segundo Deus (2003), aps a dcada de 1970 o Brasil comea a apresentar
uma nova configurao territorial em funo das inovaes tecnolgicas ocorridas no meio de
transporte e de comunicao. Inovaes essas acompanhadas de mudanas tanto na
organizao do espao como na economia e na sociedade brasileira.
Como j foi dito anteriormente, um dos propsitos do II PND era controlar
os desequilbrios regionais, atravs da instalao de plos industriais nos estados do centro-
oeste e do norte do Brasil e do equilbrio entre os estados do Rio de Janeiro, So Paulo e Belo
Horizonte, era o que afirmavam os mentores do plano:
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