a materialidade e a afetividade do livro na era digital_alcar 2015

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Tauana Jeffman

Professora substituta no dep. de Comunicação Social – UFSM

Doutoranda em Ciência da Comunicação – UNISINOS

Mestre em Comunicação Social – PUCRS

Graduada em Publicidade e Propaganda – UNIPAMPA

A materialidade e a afetividade

do livro na era digital

Esta reflexão é um fragmento do trabalho:

Era (uma vez) digital: Um estudo etnográfico sobre consumo

e socialização entre leitores através do Skoob e do YouTube.

Desenvolvido durante a primeira etapa da

Análise de Conteúdo, que se intitula

“leitura flutuante”, onde se estabelece um

primeiro contato com o que será analisado.

O que é um livro?

O livro não é apenas um objeto material.

É um objeto simbólico, representando o “repositório de tudo o

que foi feito de melhor, pelo homem, nas artes e na ciência”

(DEBRAY, 1996, p. 141).

O livro é uma instituição, uma força, uma tecnologia.

É uma “tecnologia suficientemente flexível para

adaptar-se aos novos tempos” (BELLEI, 2002, p. 40).

Sua história tem cerca de seis mil anos, iniciada com os

textos fixados em tabuletas de argila, que foram sucedidas

pelo papiro, pelo pergaminho, pelo códex, pelo impresso e

pelo digital, sendo que, estes dois últimos, convivem

concomitantemente em nossos dias.

E o futuro do livro?

O futuro do livro é um tanto quanto traumático para a

sociedade; pois pode significar o desaparecimento

da “própria manifestação material da essência imaterial

do humano” (BELLEI, 2002, p. 12).

Mas por quê?

Porque, quando se pensa o livro na era digital, imagina-se

apenas o e-book e o hipertexto como protagonistas,

como se a evolução tecnológica deixasse-nos apenas os

bites e sucumbissem os átomos.

A materialidade e a afetividade do livro

estão presentes na era digital.

Os átomos estão presentes.

O e-book e o hipertexto

Na concepção de Bellei (2002, p. 29), o surgimento do

computador afetou o livro apenas de duas maneiras:

1> reproduzindo de forma digital os livros impressos e

apresentando-os em telas; e

2> modificando o livro de forma radical, transformando-o

em hipertexto.

Para Procópio (2010, p. 21), o livro na era digital é

sinônimo de livro digital.

Ou seja, o livro impresso viverá apenas enquanto os

saudosistas resistirem à tecnologia.

Acredita que não há uma ruptura entre o livro impresso

e o e-book, mas sim, uma “continuidade natural”, desde o

manuscrito até o livro digital.

Chartier (2002, p. 22) constata que a tecnologia digital

provoca sim uma ruptura, alterando nossa relação com

o livro e a escrita.

Nossa relação com o texto depende tanto de seu

conteúdo quanto de seu suporte, e é exatamente esta

“ordem dos discursos que se transforma profundamente

com a textualidade eletrônica”.

Em outras palavras, as formas que permitem a leitura

do texto, ou sua visão e audição, “participam

profundamente da construção de seus

significados”, pois “o ‘mesmo’ texto, fixado em letras, não

é o ‘mesmo’ caso mudem os dispositivos de sua escrita e de

sua comunicação” (CHARTIER, 2002, p. 62).

Não acreditamos na morte do livro (tão logo)

Não acreditamos na morte do livro (tão logo)

Não acreditamos que livro na era digital seja sinônimo de livro digital.

Não acreditamos na morte do livro (tão logo)

Não acreditamos que livro na era digital seja sinônimo de livro digital.

Não acreditamos que não há rupturas.

Acreditamos que o livro na era digital é a relação – nem sempre

harmoniosa – entre a escrita manuscrita, o impresso e o texto eletrônico

(CHARTIER, 2002).

Livro físico x Livro digital

Chartier (1999a, p. 13) nota que o livro eletrônico apresenta

uma diferença cultural, para além da diferença tecnológica.

Em outras palavras, “a revolução do livro eletrônico é uma

revolução nas estruturas do suporte material escrito

assim como nas maneiras de ler”.

O livro digital > relação fria e distanciada com o leitor

O livro físico > relação mais íntima e afetiva

O consumo de livro físico e o consumo de um livro digital

nunca serão o mesmo, porque a experiência de

consumo modifica-se profundamente, dependendo de

sua plataforma (CHARTIER, 1999a, p. 71).

Por isso, o fim do livro seria o fim da maneira

de ler tal qual conhecemos hoje.

O livro é valorizado em nossa época:

Não precisa ser acessado, conectado, carregado ou upado.

Seu projeto editorial é um prazer visual, segurá-lo em nossas

mãos é um deleite.

A materialidade do livro

Nessa relação mais afetiva e íntima que o livro físico

estabelece com seu leitor, outros aspectos complementam sua

experiência de leitura.

Hardcover

Paperback

Hardback

As marginalias “traduzem

uma apropriação pela

escrita do livro lido”

(CHARTIER, 2002, p. 96).

As marcações também são úteis para a memorização do conteúdo

da leitura, pois conforme Johnson (2001, p. 15), “nossa memória

visual é muito mais duradoura do que nossa memória textual”.

Os sentidos enriquecem nossa experiência com os livros.

Através da materialidade chegamos

à imaterialidade (MILLER, 2013).

Unboxing literário

Lindstrom (2009, p. 55) atribui o comportamento de rebanho

aos “neurônios-espelho”, ou seja, “neurônios que se ativam

quando uma ação está sendo realizada e quando a mesma ação

está sendo observada”.

Lindstrom (2009, p. 56) explica-nos:

“é como se ver e fazer fossem a mesma coisa”.

Observar os outros comprando e repetir seu

comportamento também é justificado pela dopamina,

“uma das substâncias químicas cerebrais ligadas ao prazer”.

Imitação + Prazer = unboxing

“Ai meu Deus, essa sensação é maravilhosa. Abrir uma compra é tipo ... orgasmos. [...]

Livros, livros, livros, muitos livros. [...] A Tatiane Feltrin, em um vídeo dela, indicou e eu

comprei porque tava barato. [...] Olha isso aqui! O Chamado do Cuco. Calma que eu vou

abrir pra vocês. [...] O cheiro disso aqui é maravilhoso [...] Não é uma porcaria não,

vou mostrar pra vocês [...] Dá pra ler nas férias, tô feliz”.

Esta experiência relaciona-se também ao sentir, tocar,

apreciar.

A leitura é enriquecida de outros sentidos, como

demostra a narração dos vídeos, que fala-nos sobre

cheiros, texturas, brilhos, capas, etc.

Conclusões

Na era digital, o livro físico tem seu espaço, dotado de

materialidade e afetividade, possibilitando

experiências de leitura e de consumo.

Os livros, dotados de “corpo e presença”, oferecem uma

experiência de leitura diferente do que um e-book.

Os livros físicos, através de sua materialidade, encaminham-nos

à afetividade. Tornam-se amigos, companheiros de uma vida,

confidentes de histórias e caminhos para nossa própria

subjetividade.

Referências

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Obrigada tauanamwj@hotmail.com

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