a inversão do Ônus da prova nas relações de consumo
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A Inversão do Ônus da Prova nas Relações de Consumo
O presente artigo visa fornecer subsídios para a defesa do consumidor em
juízo, relativamente ao instituto da inversão do ônus da prova, quando
presentes alguns requisitos.
A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
1 INTRODUÇÃO
O processo de modificações sofridas pela sociedade impõe ao
mundo jurídico uma maior flexibilidade na sua atuação, visando tutelar os
direitos do cidadão.
Na esteira da tutela legal da dignidade humana, encontra-se a busca
da proteção do homem como sujeito de direito na relação de consumo, sendo
que o legislador constitucional visou resguardar a defesa dos seus direitos que,
por muito, tinha sido esquecida.
É cediço que o consumidor, por definição, é vulnerável, sendo
considerado o pólo fragilizado das relações de consumo, haja vista que se
subordina ao fornecedor por critérios diversos, como por exemplo, o
econômico, o tecnológico e o científico.
A visão da relação de consumo na via processual consubstancia-se,
para a análise deste estudo, à figura da inversão do ônus da prova, insculpida
no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor.
Nesse sentido, verifica-se que a matéria probatória, no
desenvolvimento do processo civil, vigora como ponto chave para a formação
do livre convencimento do magistrado no seu anseio de prolatar uma justa
decisão.
De outro norte, o critério de distribuição da prova na esfera do
processo civil, apresenta-se diferenciado do âmbito das relações de consumo.
Cumpre esclarecer que a teoria do ônus da prova, disposta nas normas do
Código de Processo Civil, permanece inalterada nos seus fundamentos,
identificando a figura da inversão do ônus da prova no Direito de Consumo num
sistema próprio, visto que os seus momentos são diferenciados e opostos.
Ademais, no atual pensamento jurídico, o juiz atua na constituição
da carga probatória, observando os fins sociais do processo, motivo pelo qual
não há o que se falar em favorecimento de uma das partes na lide, ao passo
que a imparcialidade do juiz ampara-se na obrigatoriedade de apreciar a
inversão do ônus da prova, seja qual for a fase processual.
A propósito, indaga-se, ainda, o momento adequado para o
magistrado apreciar os pressupostos da mudança na distribuição do ônus, os
quais convalidam a argumentação verossímil ou a hipossuficiência do
consumidor.
Nas diversas hipóteses, tem-se a aplicação da inversão no início do
processo, no início da fase de saneamento e somente após a produção de
provas (na prolação da sentença).
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Sendo assim, a questão do ônus da prova no Código de Defesa do
Consumidor é de grande relevância nos tempos atuais, tendo em vista as
constantes demandas ajuizadas no Poder Judiciário sob a égide da lei
consumerista, sendo, pois, de ciência geral que a questão probatória é ponto
crucial no sistema processual brasileiro, isso porque é ela que vai confirmar a
veracidade dos fatos alegados pelas partes, servindo, também, como
fundamento da pretensão jurídica.
2 ASPECTOS GERAIS DO SURGIMENTO DA TUTELA DO CONSUMIDOR -
DA EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE DE CONSUMO AO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
Os efeitos, positivos e negativos, sofridos pela sociedade após a
revolução industrial são incontáveis. Essa ideia de mudança após a revolução
industrial está fortemente entrelaçada à inovação tecnológica.
A inovação tecnológica trouxe o engrandecimento da produção. Por
sua vez, o engrandecimento da produção permitiu, e ainda permite, que cada
vez mais pessoas tenham acesso aos bens de consumo inseridos no mercado.
Ou seja, a produção passou a ser em série, as contratações passaram a ser
em série, surgindo, assim, uma verdadeira sociedade de massa. (Caldeira,
2001, p. 38).
Outrossim, o aumento da complexidade dos bens colocados à venda
no mercado fez com que o consumidor se torne tão somente o destinatário final
daquele produto, onde, na maioria das vezes, não é dado conhecer todas as
características do bem com o qual tem contato diariamente.
3
Na tentativa de mudar essa situação, começaram a surgir os
movimentos de defesa do consumidor. Paulo Sandroni (1994, p. 71) narra a
evolução destes movimentos:
A defesa do consumidor surgiu nos Estados Unidos com a
fundação das entidadesConsumer´s Research (1929)
e Consumer´s Union (1936), como reação aos preços
extorsivos fixados pelos monopólios.
A partir de 1965, a luta dos consumidores adquiriu
dimensões internacionais sob a liderança de Ralph Nader,
que dirigiu amplo movimento de fiscalização popular,
obrigando várias empresas a fabricar produtos menos
nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.
No Brasil, a defesa do consumidor é uma preocupação
relativamente recente e ainda muito limitada ao poder
público. A primeira iniciativa ocorreu em São Paulo, onde
foi criado em 1976 o PROCON (Sistema Estadual de
Proteção ao Consumidor, vinculado à Secretaria de
Economia e Planejamento do Estado). É integrado por
dois órgãos: o Conselho Estadual de Proteção ao
Consumidor (deliberativo) e o Grupo Executivo de
Proteção ao Consumidor (executivo).
A partir das leis existentes nos Estados Unidos e na
Europa, o Congresso Nacional aprovou, a 11 de setembro
de 1990, a lei de n. 8.078, com um amplo código de
defesa do consumidor.
4
A descrição acima transmite um breve panorama dos
acontecimentos históricos que levaram à criação do Código de Defesa do
Consumidor. Todavia, deixou o referido autor de mencionar que antes da
criação do CODECON, a defesa do consumidor já havia sido alcançada como
garantia constitucional, proposta no art. 5º, inciso XXXII da atual Constituição
Federal (BRASIL, 2010, p. 09), que assim dispõe:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na
forma da lei, a defesa do consumidor.
Ao analisar o referido princípio constitucional, há de se advertir que
deve-se buscar a paridade das partes no processo no seu efetivo sentido, e
não somente a igualdade jurídica formal, vez que esta última seria claramente
atingida com o emprego de regras legais estáticas. (Nery Júnior, 1999, p. 114).
Assim, a tutela do consumidor emerge e se justifica pela busca do
equilíbrio na relação entre as partes. (Almeida, 2000, p. 19).
João Batista de Almeida (2000, p. 19), também comenta acerca do
surgimento da tutela do consumidor, explanando que:
Foi uma reação a um quadro social, reconhecidamente
concreto, em que se vislumbrou a posição de inferioridade
do consumidor em face do poder econômico do
fornecedor, bem como a insuficiência dos esquemas
tradicionais do direito substancial e processual, que já não
5
mais tutelavam novos interesses identificados como
coletivos e difusos [...].
De mais a mais, acrescenta-se que o Código de Defesa do
Consumidor possibilitou a este buscar os seus direitos. Trouxe as ferramentas
necessárias para atender aos reclamos da sociedade e restabelecer o princípio
da igualdade nas relações entre consumidores e fornecedores.
3 ELEMENTOS FORMADORES DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Sabe-se que para aplicação das normas constantes do
Código de Defesa do Consumidor, faz-se necessário analisar o
conceito de relação jurídica de consumo.
Segundo Senise (2001, p. 121), relação de consumo “é o vínculo
jurídico dotado de características próprias sobre o qual incide o microssistema
denominado Código de Defesa do Consumidor”.
Nesse sentido, imperioso identificar a figura dos elementos que a
compõe, quais sejam, o fornecedor e o consumidor, como elementos
subjetivos, e produto e serviço, como elementos objetivos, o que se passa a
fazer nos próximos itens.
3.1 CONSUMIDOR
O conceito legal de consumidor está previsto no artigo 2º da Lei
8.078/90 (BRASIL, 2010, p. 803), estabelecendo que:
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire
ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
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Tal conceito é muito bem abordado por José Geraldo Brito Filomeno,
nas palavras de Ada Pelegrini Grinover (1991, p. 26-27) que o dissecou,
lecionando da seguinte forma:
O conceito de consumidor adotado pelo Código foi
exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-
se em consideração tão-somente o personagem que no
mercado de consumo adquire bens ou então contrata a
prestação de serviços, como destinatário final,
pressupondo-se que assim age com vistas ao
atendimento de uma necessidade própria e não para o
desenvolvimento de uma atividade negocial.
A denominação de consumidor é igualmente descrita por Tupinambá
Miguel do Nascimento (1991, p. 21):
Assim, consumidor pode ser a pessoa física, o que jamais
alguém pretendeu negar. Mas uma pessoa jurídica,
devidamente constituída e registrada, com personalidade
independente da de seus membros, também pode
adquirir, como destinatário final, uma máquina de
escrever ou mesas de escritório, ou então servir-se da
atividade de um autônomo, que venha lhe reparar a
máquina. Esta pessoa jurídica, nestas situações, está
abrangida, por ficção jurídica, pelo conceito de
consumidor. [...] As sociedades irregulares – as que têm
os atos constitutivos formalizados, embora sem o
competente e necessário registro – e as sociedades de
fato – as que são carentes de atos constitutivos e,
logicamente, de registro, por não terem personalidade
jurídica, não são consumidores. No entanto, nem por isso
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as relações de consumo em que, faticamente, participem
estão destuteladas pelo Código do Consumidor. As
pessoas que as compõem são pessoas físicas e, como
tal, são as consumidoras.
Destaca-se, ainda, a definição sugerida por Nelson Nery Júnior
(1995, p. 53), o qual sugere quatro conceituações:
[...] a) O conceito padrão ou standard (art. 2º, caput),
segundo o qual consumidor é pessoa física ou jurídica
que adquire produto ou serviço, como destinatário final; b)
a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que
haja intervindo nas relações de consumo (art. 2º,
parágrafo único), a fim de possibilitar a propositura
da class action (prevista art. 81, parágrafo único, III); c)
vítimas de acidente de consumo (art. 17), a fim de que
possam valer-se dos mecanismos e instrumentos do CDC
na defesa de seus direitos; d) aquele que estiver exposto
às práticas comerciais (publicidade, oferta, cláusulas
gerais dos contratos, práticas comerciais abusivas, etc).
Outrossim, os conceitos acima citados, apesar de extremamente
importantes para a definição de consumidor à luz do Código de Defesa do
Consumidor, nem somados se comparam à relevância da expressão
"destinatário final" utilizada pelo legislador, posto que a referida denominação
restringe a possibilidade de aplicação da lei consumerista.
Por exemplo, a paciente que necessita de um exame para
constatação de câncer de mama gera uma relação de consumo com a clínica
que escolher para a realização do diagnóstico. Agora, o médico oncologista
que compra a máquina competente para realização de tal exame para montar
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sua clínica e prestar serviços para pacientes como o acima citado, não pratica
relação de consumo com a fabricante de tal equipamento.
Neste sentido, entende o próprio IDEC – Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor, nas palavras de Lazzarini, Oliveira e
Nunes Júnior (1991, p. 12):
[...] A aquisição para revenda, por apresentar
uma destinação eminentemente profissional, não é
protegida pelo Código de Defesa do Consumidor. Não há
aíconsumidor, na acepção jurídica. Só a aquisição
para fins não profissionais, isto é a que não se
processa no exercício das
funções de produção, detransformação
ou de distribuição, recebe a tutela especial do Código.
[...] O fundamental é que o produto ou serviço não
seja adquirido com a finalidadede produção ou
comercialização, mas sim para uso próprio, alheio à
atividade econômica. (Grifou-se).
Dito isto, nota-se que o espírito do legislador ao caracterizar a
relação de consumo é oferecer proteção tão somente aos destinatários finais
dos produtos ou serviços adquiridos, e não dar excessivos direitos a aqueles
que se utilizam dos produtos como meio de auferir vantagem lucrativa.
Esse espírito se confirma, pois José Geraldo Brito Filomeno, um
dos autores do anteprojeto da Lei 8.078/90, nas palavras de Ada Pellegrini
Grinover (1991, p. 24), é hialino ao afirmar :
[...] O conceito de consumidor adotado pelo Código foi
exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-
se em consideração tão-somente o personagem que no
9
mercado de consumo adquire bens ou então contrata a
prestação de serviços, como destinatário final,
pressupondo-se que assim age com vistas ao
atendimento de uma necessidade própria e não para o
desenvolvimento de uma outra atividade
negocial. (Grifou-se).
Ou seja, destinatário final é aquele que adquire certo bem ou serviço
para o seu próprio uso, não tendo a pretensão de utilizá-lo como bem de
produção.
Quanto à pessoa física, se compra um bem para utilizá-lo como
consumidor final, o enunciado do artigo 2° acima transcrito se aplica de
imediato: ela é consumidora.
Entretanto, no que concerne à pessoa jurídica, é preciso fazer a
ressalva de que somente será consumidora se o bem adquirido não servir
como meio para sua produção que será colocada no mercado novamente.
Como exemplo, imagina-se uma resma de papel ao ser comprada
por uma empresa. Pergunta-se: essa empresa é consumidora? Depende. Se a
empresa, hipoteticamente, for uma metalúrgica, que comprou o papel para a
impressão de memoriais internos, sim, terá adquirido o papel de destinatária
final e será uma consumidora daquele determinado produto. Entretanto, se a
empresa que comprou aquela resma de papel for uma gráfica, que pretende
produzir impressos para determinado cliente, a mesma não será destinatária
final do produto e, portanto, resta prejudicada sua condição de consumidora.
(Bellini Júnior, 2006, p. 65).
Em complemento, segue o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça:
10
RECURSO ESPECIAL – CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS –
DESTINATÁRIO FINAL [...] – Insere-se no conceito de
"destinatário final" a empresa que se utiliza dos serviços
prestados por outra, na hipótese em que se utilizou de tais
serviços em benefício próprio, não os transformando para
prosseguir na sua cadeia produtiva. (REsp. 488274 – MG
– 3ª T. – Rel. Min. Nancy Andrighi – DJU 23.06.2003 –
p.367).
Como visto acima, o legislador definiu o conceito
jurídico de consumidor, estabelecendo que qualquer pessoa, seja física ou
jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, não
comercializando o serviço ou produto, caracteriza-se por ser consumidor.
3.1.1 Consumidor por equiparação
Além do consumidor propriamente dito, o Código de Defesa do
Consumidor (BRASIL, 2010, p. 803), no parágrafo único do artigo 2°, faz
expressa alusão àqueles que são equiparados a consumidor, senão assim
vejamos:
Art. 2°: Omissis.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade
de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo.
O dispositivo acima citado há de ser enxergado em consonância
com as disposições do art. 17 (BRASIL, 2010, p. 805), inserido na seção que
disciplina a questão da responsabilidade dos fornecedores de produtos e
11
serviços e art. 29 do mesmo diploma legal (BRASIL, 2010, p. 806), inserido no
capítulo que trata “Das Práticas Comerciais e “Da Proteção Contratual”, que
assim determinam:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos
consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte,
equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (2002, p. 208) ao doutrinar sobre
a matéria, preleciona que:
Toda e qualquer vítima de acidente de consumo equipara-
se ao consumidor para efeito da proteção conferida pelo
CDC. Passam a ser abrangidos os
chamadosbystander que são terceiros que, embora não
estejam diretamente envolvidos na relação de consumo,
são atingidos pelo aparecimento de um defeito no produto
ou no serviço.
Segundo Cecília Matos (1994, p. 19), “a equiparação é elemento
indispensável, porquanto nem sempre as questões de consumo relacionam-se
como o consumidor em sentido estrito, mas a relação pode se dar com pessoa
tão vulnerável quanto ele”.
A título ilustrativo, suponha-se que um acidente automobilístico
acontece em razão de um defeito de fabricação do veículo X e machuca uma
criança que era passageira naquele carro. Ora, na acepção estrita do que é
consumidor não poderia a criança aproveitar-se do Código de Defesa do
Consumidor, uma vez que não fora ela quem adquirira o veículo como final
consumidora. Entretanto, é equiparada ao consumidor, posto que um acidente
12
de consumo lhe afetou, sendo protegida pelo Diploma Consumerista (Bellini
Júnior, 2006, p. 67).
No mesmo norte, a jurisprudência não tem deixado de lado a
questão da equiparação:
Direito Processual Civil – Agravo- Doação de Sangue –
Código de Defesa do Consumidor – Aplicação na espécie
– Consumidor por equiparação – Bystanders – Inversão
do ônus da Prova – Denunciação à lide – Vedação – O
doador de sangue como terceiro estranho à relação de
consumo entre o prestador de serviços de hemoterapia e
as pessoas que precisam de transfusão de sangue, é,
quando vítima de um acidente de consumo decorrente de
fato do serviço, equiparado ao consumidor para fins de
responsabilidade perante terceiros, por força do disposto
no art. 17 do Codecon, que protege os
denominados bystanders, reconhecendo que os danos
causados por vícios de qualidade dos bens ou serviços,
com frequência, não afetam somente o consumidor, mas
também, terceiros estranhos à relação de consumo.
Cuidando de consumidor por equiparação, correta a
aplicação das disposições do Codecon, relativas à
inversão do ônus da prova e a vedação da denunciação à
lide. Recurso improvido. (TJRJ, AI n. 362-2001-RJ, Rela.
Desa. Marly Macedônio França, j. em 08/05/2001).
Desta forma, além da figura do consumidor exposta no artigo 2° da
lei consumerista (stricto sensu), existem as figuras dos consumidores por
equiparação, dentre os quais a do artigo 17 (bystander – espectador e vítima
do evento). Com espeque no mencionado dispositivo, toda vítima de um
serviço ou produto defeituoso (responsabilidade pelo fato do produto ou do
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serviço) estará amparada pelo Código de Defesa do Consumidor,
principalmente pelas normas de responsabilidade objetiva.
3.2 FORNECEDOR
A definição de fornecedor como sujeito de direito foi enquadrada no
Código Consumerista (BRASIL, 2010, p. 803), em seu artigo 3°, que assim
dispõe:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de
produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação.
Depreende-se que o legislador tratou de introduzir no artigo
transcrito praticamente toda e qualquer forma de atuação no mercado
consumerista, não deixando de fora sequer as pessoas físicas que forneçam
produtos ou serviços na posição de autônomo ou firma individual. (Oliveira,
2009, p. online).
Na doutrina de João Batista de Almeida (2003, p. 41), tem-se que:
Praticamente, a definição legal esgotou todas as formas
de atuação no mercado de consumo. Fornecedor é não
apenas quem produz ou fabrica, industrial ou
artesanalmente, em estabelecimentos industriais
centralizados ou não, como também quem vende, ou seja,
comercializada produtos nos milhares e milhões de
14
pontos-de-venda espalhados por todo o território. Nesse
ponto, portanto, a definição de fornecedor se distancia da
de consumidor, pois, enquanto este há de ser o
destinatário final, tal exigência já não se verifica quanto ao
fornecedor, que pode ser o fabricante originário, o
intermediário ou o comerciante, bastando que faça disso
sua profissão ou atividade principal. Fornecedor é, pois,
tanto aquele que fornece bens e serviços ao consumidor
como aquele que o faz para o intermediário ou
comerciante, porquanto o produtor originário também
deve ser responsabilizado pelo produto que lança no
mercado de consumo (CDC, art. 18). O conceito legal de
fornecedor engloba também as atividades de montagem,
ou seja, a empresa que compra peças isoladamente
produzidas para a montagem do produto final (p. ex.,
automóveis), as de criação, construção, transformação
(de matéria-prima em produto acabado), bem como as de
importação, exportação e distribuição (p. ex., do
atacadista para os pequenos varejistas).
Por derradeiro, apesar de não constar do preceptivo de lei
anteriormente transcrito, a palavra “atividade” traduz o significado de que todo
produto ou serviço prestado deverá ser efetivado com habitualidade.
Ilustra Antônio Herman Vasconcelos Benjamin (2001, p. 276), o
conceito jurídico do fornecedor quanto à habitualidade:
O importante nessa definição é que qualquer pessoa, seja
pessoa física, seja jurídica, é considerada fornecedor,
desde que pratique alguma daquelas atividades
15
enumeradas. O CDC, em nenhum momento fala em
habitualidade como requisito para a caracterização da
posição jurídica do fornecedor. Parece, contudo, que uma
certa profissionalidade está implícita. Tanto assim que é
feita referência, no texto do dispositivo, a desenvolvimento
de atividades, o que indica, senão habitualidade, pelo
menos algum componente profissional.
Dito isto, além de observar quem é fornecedor, nos termos
em que a lei preceitua, faz-se necessário ter em mente que, além disso, este
precisa fornecer seus serviços de modo frequente.
3.3 PRODUTO E SERVIÇO
Estabelecidos os conceitos concernentes aos elementos subjetivos
da relação de consumo (consumidor e fornecedor), os parágrafos 1º e 2º do
artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 2010, p. 803)
conceituam os elementos objetivos da relação consumerista, da seguinte
forma:
Art. 3º. Omissis.
§ 1º - Produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material
ou imaterial.
§ 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive
as de natureza bancárias, financeiras, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.
A definição legal de produto é demasiadamente ampla, sendo muito
difícil afigurar um objeto ou coisa que não se amolde como móvel ou imóvel,
16
material ou imaterial, gozando êxito o Código em difundir sua aplicabilidade nas
mais diversas relações negociais entre consumidor e fornecedor.
Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1991, p. 23), de forma
ampla, conceitua produto, merecendo transcrição:
Ao conceito de produto, para fins das relações de
consumo, interessa saber que é um bem com
determinado conteúdo finalístico. É um bem porque, no
sentido genérico, tem aptidão para satisfazer
necessidades humanas e, mais do que isto, tem valor
econômico e pode ser objeto de uma relação jurídica
entre pessoas. Não importa ao conceito se não móveis ou
imóveis, corpóreos ou incorpóreos (art. 3º, § 1º, do
Código). De outro lado, agrega-se ao conceito a sua
finalidade. É aquele que é suscetível de circular das mãos
do fornecedor para o consumidor, como destinatário final,
circulação que pode ser física, significando tradição da
posse (bem alugado, arrendado, leasing, etc.), ou jurídica,
esta importando na mudança da titularidade dominical do
bem (compra e venda, permuta, etc.).
Assim, considera-se produto todo e qualquer bem, desde que objeto
de uma relação consumerista, destinado a saciar uma precisão do consumidor.
A propósito, o vocábulo "bem", mais vasto que o termo "produto", melhor
identificaria o primeiro objeto das relações consumeristas. Este raciocínio é
corroborado por Filomeno (2001, p. 48):
Na versão original da Comissão Especial do Conselho
Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da
Justiça, bem como no texto final aprovado pelo plenário
do referido órgão extinto pelo atual governo federal, em
17
todos os momentos se fala em ‘bens’- termo tal que de
resto é inequívoco e genérico, exatamente no sentido de
apontar para o aplicador do Código de Defesa do
Consumidor os reais objetos de interesses nas relações
de consumo. Desta forma, e até para efeitos práticos, dir-
se-ia que, para fins do Código de Defesa do
Consumidor, produto(entenda-se “bens”) é qualquer
objeto de interesse em dada relação de consumo, e
destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente,
como destinatário final.
Relativamente à conceituação de serviço, a definição trazida pela lei
também é bastante ampla e busca alcançar a mais extensa gama de atividades
alastradas pelos fornecedores, as quais possam ser objeto de uma relação de
consumo.
A seu turno, Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1991, p. 23),
também ousou conceituar serviço:
Serviço é prestação de atividade, é o labor em favor de
outrem. Nem toda atividade, porém, ingressa no conceito
que interessa à lei de proteção ao consumidor. Primeiro,
tem que ser atividade que se localiza no mercado de
consumo. E, mais do que isto, atividade remunerada.
Aqui, o caráter de ser gratuito o serviço prestado exclui da
lei a atividade. Pela onerosidade, o conceito abrange a
atividade de autônomos em geral, as atividades “de
natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” (art.
3º, § 2º, do Código), dos órgãos públicos, das
concessionárias e permissionárias, e também dos
profissionais liberais (art. 14, § 4º), tais como médicos,
advogados, farmaceutas, engenheiros, arquitetos, etc.
18
Acrescentando à característica remuneratória dos serviços, tal como
discorrida por Nascimento, Cláudia Lima Marques (2006, p. 114), preceitua
que:
A expressão utilizada pelo art. 3º do CDC para incluir
todos os serviços de consumo é “mediante remuneração”.
O que significaria esta troca entre a tradicional
classificação dos negócios como “onerosos” e gratuitos
por remunerados e não-remunerados? Parece-me que a
opção pela expressão “remunerado” significa uma
importante abertura para incluir os serviços de consumo
remunerados indiretamente, isto é, quando não é o
consumidor individual que paga, mas a coletividade
(facilidade diluída no preço de todos) ou quanto ele paga
indiretamente o “benefício gratuito” que está recebendo. A
expressão “remuneração” permite incluir todos aqueles
contratos considerados “unilaterais”, como o mútuo, assim
como na poupança popular, possuem um sinalagma
escondido e são remunerados.
Assim, observa-se que, para que seja identificada a pessoa como
sendo fornecedora, é necessário que a mesma detenha, além da habitualidade
de uma profissão, o fornecimento do serviço mediante remuneração. Do
contrário, não será caracterizada relação de consumo.
4 CONCEITO DE PROVA
Existindo controvérsia acerca de determinado acontecimento, as
alegações fáticas trazidas pelas partes não bastam para que o juiz possa
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julgar. Faz-se necessário que as partes demonstrem ao magistrado que suas
alegações são verdadeiras.
Isso porque, a fim de decidir a controvérsia, o juiz deve conhecê-la.
E o processo é precisamente o instrumento destinado ao conhecimento e
decisão da lide. (Santos, 1983, p. 9).
Aclibes Burgarelli (2000, p. 22), define a palavra prova da seguinte
maneira:
No direito processual, provar resume-se na realização de
uma tarefa necessária e obrigatória, para constituir estado
de convencimento no espírito do juiz, este na condição de
órgão julgador, a respeito de um fato alegado e sua
efetiva ocorrência, tal como foi descrito. Prova, assim, é
meio, é instrumento utilizado para a demonstração da
realidade material. De modo a criar, no espírito humano,
convencimento de adequação. Prova judiciária, por seu
turno, é o meio demonstrativo de veracidade entre o fato
material (fato constitutivo do direito) e o fundamento
jurídico do pedido. Vale dizer é o meio pelo qual se
estabelece relação de veracidade e adequação entre a
causa próxima e a causa remota, elementos da causa de
pedir. Estabelecida a relação, por meio da prova, ao juiz é
dada a tarefa de aplicar a lei, a hipótese normativa de
incidência fática, em regra, a norma de direito material.
Arruda Alvim (1996, p. 399), de sua parte, conceitua prova, dizendo
consistir esta "naqueles meios definidos pelo direito ou contidos por
compreensão num sistema jurídico, como idôneos a convencer o juiz da
ocorrência de determinados fatos [...]”.
20
Para Moacyr Amaral Santos (1994, p. 11), prova "é a verdade
resultante das manifestações dos elementos probatórios, decorrente do exame,
da estimação e ponderação desses elementos; é a verdade que nasce da
avaliação, pelo juiz, dos elementos probatórios".
Humberto Theodoro Júnior (2003, p. 381-382) diz que provar "é
conduzir o destinatário do ato (o juiz, no caso dos litígios sobre negócios
jurídicos) a se convencer da verdade acerca de um fato. Provar é conduzir a
inteligência a descobrir a verdade".
Finalmente, transcrevem-se as nobres palavras do emérito Joel Dias
Figueira Júnior (1997, p. 251), acerca da conceituação de prova judiciária:
A prova é a “alma” do Direito aplicado ao caso
concreto, sem a qual as pretensões subjetivadas nos
pedidos individualizados não encontrarão respaldo
algum. Todo o processo, como instrumento capaz de
levar à concretização do direito material violado ou
ameaçado e, numa escala mais ampla, à pacificação
social, gira incessantemente em torno de um único e
eterno eixo – as provas; sem elas, não há direito
subjetivo e, sem direito, não há processo. (Grifou-se).
Assim, a prova se mostra como verdadeiro instrumento que
possibilita ao juiz e às partes reconstruir acontecimentos pretéritos, permitindo
ao primeiro usar dessa reconstrução histórica para pôr fim ao conflito de
interesses que lhe foi submetido a exame.
E a essa atividade, onde todos os sujeitos processuais tentam influir
na convicção do juiz, chama-se instrução. (Dinamarco, 2002, p. 34).
21
A instrução se faz necessária para que o magistrado adquira o
conhecimento fático necessário para poder proferir julgamento.
Entretanto, o juiz ao colecionar as provas trazidas pelos litigantes do
processo não forma juízo de verdade absoluta.
Durante a instrução processual, o juiz recria os fatos históricos
necessários para formar sua convicção, porém, estes fatos não passam de um
juízo de verossimilhança, não de verdade absoluta. (Bellini Júnior, 2006, p. 18).
Assim, o que se atinge com a coleta produzida através da instrução
processual nada mais é que a aparência da verdade.
4.1 OBJETO DA PROVA
Em regra, a prova tem como objeto um fato. Faz-se necessário, no
entanto, seja ele controvertido, segundo a doutrina.
Em verdade, é preciso que, além de controverso, seja ele relevante
para a solução da lide. Por isso, não se provam fatos notórios (art. 334, I do
CPC), os que foram confessados (art. 334, II do CPC) e também aqueles sobre
os quais há presunção legal (art. 334, IV do CPC). (Santos, 2006, p. 51).
Conforme ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior (1997, p.
416), tem-se que:
Toda a prova há de se ter um objeto, uma finalidade, um
destinatário, e deverá ser obtida mediante meios e
métodos determinados. A prova judiciária tem como
objeto os fatos deduzidos pelas partes em juízo. Sua
finalidade é a formação da convicção em torno dos
mesmos fatos. O destinatário é o juiz, pois é ele que
22
deverá se convencer da verdade dos fatos para dar a
solução jurídica ao litígio.
O mesmo autor (1997, p. 418-419), ao comentar a respeito da
finalidade e destinatário da prova, diz que:
O processo moderno procura solucionar os litígios à luz
da verdade real e é, na prova nos autos, que o juiz busca
localizar essa verdade.
Como, todavia, o processo não pode deixar de prestar a
tutela jurisdicional, isto é, não pode deixar de dar solução
jurídica à lide, muitas vezes essa solução, na prática, não
corresponde exatamente à verdade real.
O juiz não pode eternizar a pesquisa da verdade, sob
pena de inutilizar o processo e de sonegar a justiça
postulada pelas partes [...].
Em consequência, deve-se reconhecer que o direito
processual se contenta com a verdade processual, ou
seja, aquela que aparenta ser, segundo os elementos do
processo, a realidade.
Enfim, do ponto de vista objetivo e prático do processo, a finalidade
da prova é formar a convicção do juiz, permitindo-lhe, por meio de
convencimento, compor a lide, ou seja, a função da prova é a apuração da
verdade para convencê-lo de quem tem razão.
5 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
5.1 ÔNUS DA PROVA
Inicialmente, chama-se a atenção para o fato de que a premissa
basilar neste tópico é a de que, conforme ensina Tânia Lis Tizzoni Nogueira
(2001, p. 72), “às partes incumbe o ônus de provar suas alegações. Não se
23
trata de obrigação, trata-se da carga que recai sobre elas, e assim agem
visando seu próprio interesse”.
Assim, em regra, a obrigação está atrelada ao direito material, onde
requer-se uma conduta de adimplemento ou cumprimento, restando certo que
a omissão do devedor poderá ocasionar na sua coerção para que cumpra a
obrigação que lhe fora imputada. Já o ônus caracteriza-se por uma faculdade
da parte, não sujeitando-se à coerção, mas aos efeitos que a inércia resultará.
Nos dizeres de Pontes de Miranda (2000, p. 458):
Ônus da prova é o ônus que tem alguém de dar prova de
algum enunciado de fato. Não se pode pensar em dever
de provar, porque não existe tal dever, quer perante outra
pessoa, quer perante o juiz; o que incumbe ao que tem o
ônus da prova há exercer-se o seu próprio interesse.
Não divergindo, e de forma extremamente didática, ensina Carreira
Alvim (2006, p. 266) que:
O ônus probatório corresponde ao encargo que pesa
sobre as partes, de ministrar provas sobre os fatos que
constituem fundamento das pretensões deduzidas no
processo. Ônus não é sinônimo de obrigação e ônus de
provar não é o mesmo que obrigação de provar. O
conceito de ônus (encargo), enquanto necessidade de
prova para prevenir um prejuízo processual corresponde
ao conceito de “obrigação”, mas pertence a área distinta
do direito: o ônus, ao direito processual; a obrigação, ao
direito material [...]. O ônus não é o mesmo que “dever
jurídico”, mas um “encargo”. O dever é sempre em
relação a alguém; há uma relação jurídica entre dois
sujeitos, em que um deve uma prestação ao outro; a
24
satisfação da obrigação é do interesse do sujeito ativo. O
ônus, por seu turno, é em relação a si mesmo; satisfazer
o ônus é interesse do próprio onerado. Assim, o réu tem o
ônus da contestação.
Feitas tais considerações, como já dito, havendo controvérsia sobre
determinado acontecimento, as alegações fáticas trazidas pelas partes não
bastam. É preciso que os litigantes demonstrem ao juiz que suas alegações
são verídicas.
A realização da prova é um encargo que cabe à parte, um ônus.
De acordo com Plácido e Silva (1993, p. 282), “a palavra ônus
advém do latim onus (carga, peso, obrigação), na significação jurídica,
entende-se todo encargo, dever ou obrigação jurídica que pesa sobre uma
coisa ou uma pessoa, em virtude do que está obrigada a respeitá-los ou
cumpri-los”.
Ainda nos dizeres de Plácido e Silva (1993, p. 282), onus
probandi “é o ônus ou encargo da prova [...]. Sem fugir, pois, ao sentido literal
do vocabulário (ônus), exprime a locução: a obrigação de provar”.
Assim, o ônus da prova se apresenta como um fardo que deve ser
carregado pela parte interessada em produzir determinada prova. Caso a parte
deixe de provar aquele fato cujo ônus era seu, será sucumbente.
O juiz, quando da prolação da sentença, irá apreciar se a parte
cumpriu ou não o ônus probatório que a lei imputa como seu. Essa apreciação
será feita analisando se a parte demonstrou de modo adequado a existência
deste ou daquele determinado fato. (Bellini Júnior, 2006, p. 33).
25
O ônus é um componente imprescindível para o processo, capaz de
estimular os litigantes. Entretanto, não corresponde à concepção de obrigação.
Ou seja, não se pode exigir o cumprimento do ônus da prova, o qual é
facultativo.
Sobre o tema, colacionam-se os dizeres de José Albuquerque
Rocha (2000, p. 273):
O ônus da prova deve ser entendido como a necessidade
de ter uma conduta no próprio interesse, enquanto que o
dever importa conduta no interesse de outrem, nisso
consistindo a diferença entre ônus e dever ou obrigação.
Por consequência, a não observância do ônus não implica
ilicitude, senão perda da vantagem que se obteria com o
seu cumprimento, ao passo que a não satisfação do dever
constitui ilícito, porque prejudica o terceiro em favor de
quem existe o dever.
De acordo com Ernani Fidelis dos Santos (1997, p. 420), com um
simples exemplo fica mais fácil entender o que é o encargo do ônus da prova:
Quer-se provar que o cidadão não foi ao serviço
determinado dia, mas há dúvida sobre o fato. Sabe-se,
contudo, que dos trinta dias do mês faltou ele vinte e
cinco. Mesmo que a prova da falta pertença a outra parte,
já há probabilidade maior a lhe favorecer, de forma que o
empregado não pode ser desincumbido de provar o
comparecimento.
Assim, para Rocha (2000, p. 273), o ônus tem duas funções básicas:
26
“[...] Cria para a parte a necessidade de provar as alegações sobre
os fatos e [...] serve de regra de julgamento, segundo o qual o juiz deve julgar
contra a parte que tem o ônus de provar e não o faz”.
5.2 O ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O sistema legal de divisão do ônus da prova está estampado no
artigo 333, incisos I e II do Código de Processo Civil (BRASIL, 2010, p.
413), segundo o qual, o ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II –
ao réu, quanto a existência de fato impeditivo, modificativo
ou extintivo do direito do autor.
Da simples leitura do referido preceptivo de lei, constata-se
que: quem alega deve provar o alegado.
De acordo com Dinarmarco (2003, p. 792):
O princípio do interesse é que leva a lei a distribuir o ônus
da prova pelo modo que está no art. 333 do Código de
Processo Civil, porque o reconhecimento dos fatos
constitutivos aproveitará ao autor e o dos demais ao réu;
sem a prova daqueles, a demanda inicial é julgada
improcedente e, sem a prova dos fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos, provavelmente a defesa do réu
não obterá sucesso.
Importante salientar a definição das espécies de fatos narrados no
artigo 333 do Código de Processo Civil, na visão do doutrinador Ernani Fidelis
dos Santos (1997. p. 418), iniciando por fatos constitutivos, o qual “entende-se
os que revelam o direito do demandante”.
27
Por exemplo, quando o demandado não paga no vencimento uma
dívida proveniente de mútuo, caberá ao demandante o ônus de provar que
emprestou o dinheiro (apresentação de contrato, título de crédito, etc), e que o
prazo de pagamento expirou. (Fidélis dos Santos, 1997, p. 418).
Fato modificativo “é aquele que altere as condições iniciais do direito
pretendido pelo autor”, como, por exemplo, a prorrogação do prazo de
pagamento da dívida decorrente do contrato de empréstimo. (Fidélis dos
Santos, 1997, p. 418).
Fato extintivo “é aquele que é capaz de extinguir determinado direito
que gerou ao réu uma obrigação decorrente de qualquer relação jurídica”,
como por exemplo, o pagamento, o perdão e a prescrição da dívida. (Fidélis
dos Santos, 1997, p. 418).
Fato impeditivo “é aquele que pode causar algum obstáculo o direito
do autor”. Na situação hipotética do contrato de empréstimo, imagine-se que o
devedor era pessoa incapaz de praticar os atos da vida civil. (Fidélis dos
Santos, 1997, p. 418).
Além de uma razão de oportunidade e experiência, o fundamento da
repartição do ônus da prova se dá com espeque na noção de equidade, pois
não é uma só das partes responsável pela prova de suas alegações.
(Zolandeck apud Antônio Carlos de Araújo Cintra, 2009, p. 126).
5.3 O ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Chega-se ao objetivo real do presente estudo. Portanto, a análise
deste instituto será feita minuciosamente nos próximos itens.
28
A questão do ônus da prova perante o Código Consumerista
encontra amparo no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor
(BRASIL, 2010, p. 803-804), o qual determina que:
São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação
da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do
ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando,
a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando
for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias
de experiências. (Grifou-se).
Com relação às dificuldades que norteiam o consumidor no
momento da produção das provas de suas alegações, pertinentes as
ponderações de Sônia Maria Vieira de Mello (1998, p. 38-39):
Tal benefício, a inversão do ônus da prova, veio como
grande avanço prático com vista ao efetivo ressarcimento
do dano causado ao consumidor, pois uma das grandes
dificuldades para os consumidores de um modo geral é
justamente a questão da produção de provas no sentido de
provar o alegado, pois quando envolvem questões técnicas
de produtos ou serviços prestados, o próprio consumidor
não possui o preparo e o conhecimento suficientes para
munir-se destas provas e consubstanciar o seu direito, o
que já é de extrema facilidade para o fornecedor, muitas
vezes indústrias poderosas com departamentos jurídicos
extremamente competentes.
Deste modo, dentro de determinadas situações e presentes certos
requisitos, o ônus da prova será modificado para facilitar a defesa do
consumidor em juízo.
29
De acordo com Plácido e Silva (1993, p. 517), “a inversão deriva do
latim inversio; é a ação de inverter ou de mudar uma coisa em outra”.
Na doutrina e na jurisprudência pátria, a inversão, em matéria
probatória, ganhou suas força inicial na Justiça do Trabalho, conforme ensina
Mauro Pinto Marques (1997, p. 150):
Quando enfatizado pelo Direito do Trabalho brasileiro o
seu caráter de proteção ao mais fraco, pela possibilidade
de alegação, reclamação, sem necessidade de comprovar
a correspondência dela com a verdade, transferindo ao
reclamado a obrigação de desmerecer o alegado, ganhou
força a expressão inversão do ônus.
Nas palavras de Barbosa Moreira (1997, p. 36), “a inversão
representa a isenção de um ônus; quanto à parte contrária, a criação de novo
ônus probatório, que se acrescenta aos demais”.
Tal possibilidade é verdadeiro desdobramento do princípio da
igualdade, inserido no caput do artigo 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil, o qual proclama que “todos são iguais perante a lei”.
No processo, a repercussão de tal preceito emerge do fato de que
as partes e seus respectivos procuradores devem ser tratadas de maneira
igualitária, para que possam ter as mesmas chances de mostrar as suas
motivações em juízo. (Belli Júnior, 2006, p. 72).
De acordo com Antônio Carlos de Araújo Cintra (2002, p. 53):
A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora
do processo, obedece exatamente o princípio da
30
igualdade real e proporcional, que impõe tratamento
desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as
diferenças, se atinja a igualdade substancial.
Assim, para que exista uma igualdade justa no processo, é
necessário que as partes sejam colocadas em paridade de armas. Se elas são
desiguais, só poderá acontecer se forem tratadas desigualmente na dimensão
de suas diferenças.
A aplicação do princípio da isonomia, sob o enfoque proporcional, é
que acarretou à inversão do ônus da prova em prol do consumidor, o qual é
presumidamente vulnerável (art. 4º, I do Código de Defesa do Consumidor).
Conforme preceitua Bellini Júnior (2006. p. 74), “por isso mesmo é
que a inversão só pode ocorrer em favor do consumidor, que é a parte mais
fraca do litígio, a parte vulnerável. [...]. Nunca se inverte o ônus para
prestigiar a defesa do fornecedor”. (Grifou-se).
Mas a inversão não se aplica a todas as provas pretendidas pelo
consumidor. Até mesmo porque, quem é o destinatário da prova é o juiz, e é
ele quem deverá analisar se aquilo que está sendo requerido é pertinente ou
não ao processo.
Ainda conforme o doutrinador acima citado (2006. p. 75):
Nos litígios relacionados aos acidentes de consumo
previstos nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do
Consumidor, que atribuem responsabilidade objetiva ao
fornecedor, a inversão do ônus da prova poderá abranger
a questão do nexo de causalidade. Sendo objetiva a
responsabilidade, inócua qualquer discussão sobre a
culpa.
31
Nos demais litígios sobre consumidor, inclusive nos
acidentes de consumo onde o fornecedor for profissional
liberal (art. 14, §4 do CDC), a inversão poderá abranger o
nexo de causalidade e a culpa.
Ademais, vale trazer à baila a advertência de Dinamarco (2001, p.
66), o qual leciona:
“Nem todas as provas podem ter o seu encargo invertido. Evidente
que somente aquelas provas que estejam no âmbito técnico do fornecedor
poderão ser atribuídas a ele”.
Deste modo, é impossível a inversão do ônus da prova que implique
em ônus de prova negativa ao fornecedor, com o que, se fosse permitido,
estar-se-ia privilegiando o consumidor e cerceando a defesa do fornecedor.
Não divergindo, colhe-se da doutrina de Fredie Didier Júnior (2006,
p. 524):
Quando se está diante de uma prova diabólica, o ônus
probatório deverá ser distribuído dinamicamente, caso a
caso. [...] Em outras palavras: prova quem pode. Esse
posicionamento justifica-se pelos princípios da
adaptabilidade do procedimento às peculiaridades de
caso concreto, da cooperação e da igualdade.
No mesmo sentido, segue a recente jurisprudência do Tribunal de
Justiça Catarinense:
A prova da não-contratação alegada pelo consumidor é
impossível, conhecida também como “prova diabólica”,
cabendo à editora da revista fazer a prova da existência
32
da contratação correspondente aos descontos efetuados
diretamente na conta do cartão de crédito. Não se pode
impor que o agravante prove que não contratou os
serviços da empresa-jornalística, uma vez que esta
determinação se constituiria na denominada prova
negativa. Precedentes do STJ (TJ-RS, Des. Adão Sergio
do Nascimento Cassiano). (Apelação Cível n.
2004.028590-9, de Itajaí, Relatora: Desa. Maria do Rocio
Luz Santa Ritta, julgado em 24/07/2007). (TJSC,
Apelação Cível n. 2006.039109-5, Relatora: Desa. Subst.
Denise Volpato, julgado em 09/03/2011).
Por fim, ressalte-se que a decisão deferitória da inversão não implica
em pré-julgamento do mérito, favorável ou não à parte – ao contrário, cuida-se,
somente, de um ônus processual. (Sá dos Santos, 2006, p. 73).
5.4 REQUISITOS PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Para que o magistrado proceda com a inversão do ônus da prova,
não basta que a lide sob exame advenha de uma relação de consumo.
O artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor elenca em seu
inciso VIII, os requisitos necessários para que o juiz possa inverter o ônus da
prova, quais sejam: 1) ser o consumidor hipossuficiente; b) ser verossímil a
alegação do consumidor.
Em que pese a lei utilizar a locução “ou” entre uma hipótese e a
outra, parte da doutrina, que é a minoritária, entende que o juiz só deve deferir
33
a inversão caso vislumbre a ocorrência de ambas as hipóteses. Antônio Gidi
(1995, p. 34) defende esta hipótese:
Afigura-se-nos que verossímil a alegação tem que ser. A
hipossuficiência do consumidor per se não respaldaria
uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da
prova, se o fato afirmado é destituído de um mínimo de
racionalidade. A ser assim, qualquer mendigo do centro
da cidade poderia acionar um shopping center luxuoso,
requerendo preliminarmente, em face de sua
incontestável extrema hipossuficiência, a inversão do
ônus da prova para que o réu prove que o seu carro (do
mendigo) não estava estacionado nas dependências do
shopping e que, nele, não estavam guardadas todas as
suas compras de natal.
Em sendo verossímil a alegação do consumidor, ainda
seria preciso aferir a sua hipossuficiência? Como vimos,
inverte-se o ônus da prova apenas como forma de facilitar
a defesa do consumidor em juízo. Assim, se o autor, em
tese, dispõe de meios para provar as suas alegações, a
inversão é de todo desautorizada.
Temos, portanto, que, para que a inversão do ônus da
prova seja autorizada, tanto a afirmação precisa ser
verossímil, quanto o consumidor precisa ser
hipossuficiente.
Corroborando, segue o julgado:
34
Indenizatória. Cerceamento de Defesa. Não ocorrência.
Inversão do Ônus da Prova. Ausência de Requisitos.
Improcedência. Sentença correta. A inversão do ônus da
prova de acordo com o artigo 6º, inciso VIII do CDC fica
subordinada ao critério do julgador, quanto às condições
de verossimilhança das alegações e de hipossuficiência,
segundo as normas de experiência e de exame fáticos
dos autos. O que não ocorreu neste caso. Desprovimento
do recurso. (TJRJ, AC 3456889-2, Nona Câmara Cível,
Rel. Des. Joaquim Alves de Brito, j. em 04/07/2006).
Destarte, a maior parte da doutrina acompanha as palavras de
Barbosa Moreira (1997, p. 141):
O ato judicial, devidamente motivado, indicará a
ocorrência de uma dentre essas duas situações: a) a
alegação do consumidor é verossímil; ou b) o consumidor
é hipossuficiente. O emprego da conjunção alternativa - e
não da aditiva e – significa que o juiz não haverá de exigir
a configuração simultânea de ambas as situações,
bastando que ocorra a primeira ou a segunda. O
entendimento oposto, que manifestei em ocasião anterior,
deve ser evitado: em primeiro lugar porque se estaria
adotando, entre as duas possíveis exegeses, a menos
favorável ao consumidor; o que não parece razoável; em
segundo lugar, porque não colhe o argumento de que a
inversão, ditada pela simples hipossuficiência, poderia
conduzir a situações de extrema iniquidade, como a do
mendigo de rua que, propondo ação contra luxuoso
shopping center e que, nele, não estavam guardadas
todas as suas compras de natal. Inconvenientes deste
35
jaez serão evitados adequadamente, se o Judiciário vir na
hipossuficiência algo além da indigência financeira, e se,
além disso, for bem manejado o novo instrumento [...].
Stephan Klaus Radloff (2002, p. 64) adota a mesma posição:
Ponto pacífico entre os doutrinadores que os requisitos já
referidos atuam separadamente ou de forma concorrente,
assinalando que a presença de somente um deles é
suficiente para, considerando o livre critério do
magistrado, decretar a inversão do ônus da prova.
Assim, a orientação legal é cristalina ao constar a partícula “ou”
entre os dois requisitos autorizadores da inversão do ônus da prova, deixando
expressamente consignado para que se proceda a mudança do fardo
probatório em uma ou outra hipótese, não precisando estarem os dois
requisitos presentes.
Além do mais, pode acontecer que um consumidor hipossuficiente
apresente uma alegação não necessariamente verossímil, mas que, porém,
necessite ser confirmada. (Sá dos Santos, p. 66).
É exatamente o que a lei quer alcançar.
No voto proferido pelo relator Ministro Waldemar Zveiter, a adoção
da tese referente à exigência de apenas um dos requisitos é confirmada, como
se vê da seguinte ementa:
Responsabilidade civil – Prova – Vítima de um ferimento
simples no dedo que, após o atendimento médico-
36
hospitalar, teve a extremidade do membro amputada
devido a um foco infeccioso – Inversão do ônus da prova
para que o médico e o hospital comprovem que o
atendimento foi adequado – Aplicação dos arts. 6, VIII e
14, § 4 da Lei 8.078/90 [...]. Dentro desse contexto
probatório deve ser encontrado o elemento definidor da
existência ou não da culpa dos réus, sendo esta
ensejadora, o fato gerador do dever de indenizar e,
tratando-se a controvérsia de uma relação de consumo,
posto que o autor é um usuário do serviço médico e os
réus prestadores de tal serviço, resulta cabível a inversão
do ônus da prova, como promana do art. 6, VIII do CDC
(Lei 8.078/90), já que verossímil a alegação do autor e, se
assim não fosse, com certeza hipossuficiente, segundo as
regras de experiência, pois encontra-se o autor em
patamar de inferioridade em relação ao médico e ao
hospital para discutir a qualidade do atendimento
prestado”. (STJ, REsp 171.988/RS, Rel. Min. Waldemar
Zveiter, j. em 24/05/1999). (Grifou-se).
Deste modo, entende-se que o juiz poderá inverter o ônus da prova
em favor do consumidor, na presença isolada da “hipossuficiência” ou
“verossimilhança”, desde que se reconheça a dificuldade que terá para a
produção da prova necessária ao julgamento da lide. Isso quer dizer que a
verossimilhança, por si só, já é hábil a autorizar a inversão da carga probatória,
facilitando, desde modo, o exercício do direito de ação e defesa por parte do
consumidor. (Zolandeck, 2009, p. 136).
5.4.1 O hipossuficiente
37
Como visto acima, um dos requisitos que a lei exige para que o
magistrado possa inverter o ônus da prova em favor do consumidor é a
hipossuficiência.
No presente estudo, o vocábulo “hipossuficiente” deve ser entendido
a partir da finalidade na norma, que é justamente a de tornar mais fácil, no
campo específico da instrução do processo, a defesa dos direitos do
consumidor. (Sá dos Santos, 2006, p. 67).
Deste modo, a hipossuficiência deve ser entendida como a
impossibilidade de produção da prova, seja porque não é acessível à parte,
seja porque há insuperável dificuldade que embaraça o acesso à obtenção de
informações nas quais estaria consolidada a prova do direito alegado, seja
porque inexiste o conhecimento das condições de prestação do serviço ou de
funcionamento do produto.
Nesse norte, Luiz Antônio Rizzato Nunes (2000, p. 123-124), ensina
que:
A hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão
do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento
técnico e informativo do produto e do serviço, de suas
propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco,
dos modos especiais de controle, dos aspectos que
podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das
características do vício, etc.
Não divergindo, segue o entendimento de Mirella D
´Angelo Caldeira (2001, p. 83):
38
“O fornecedor é quem detém os meios e técnicas de produção,
tendo, consequentemente, acesso aos elementos de provas relativas à
demanda, isto é, o fornecedor está em melhores condições de realizar a prova
de fato ligada diretamente à sua atividade”.
E é por isso que Tânia Lis Tizzoni Nogueira (1994, p. 58) chega a
afirmar que “na maioria dos casos, todos nós somos tecnicamente
hipossuficientes diante de um fornecedor, e somente em raras situações não
seremos”.
Mas não é só a doutrina que encampou a ideia de que a
hipossuficiência do consumidor está ligada às questões técnicas.
Toma-se por base a Ação Revisional de Contrato ingressada em
face de uma instituição bancária, julgada pelo Colendo Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul, na qual não se apreciou em nenhum momento a
hipossuficiência do correntista no sentido econômico, mas sim a
impossibilidade técnica da produção da prova e a facilidade do banco em juntar
cópia dos contratos e dos demonstrativos da conta, conforme segue:
CONSUMIDOR - Ação revisional de contrato bancário.
Ônus da prova imposto à instituição financeira -
Admissibilidade - Inteligência do art. 6º, VIII, da Lei
8.078/90. Na ação revisional de contrato bancário a
instituição financeira pode ser obrigada a juntar
documentos demonstrativos da evolução dos débitos e
créditos se houver dificuldade do cliente em fazê-lo, em
face do princípio da inversão do ônus da prova
39
consagrado no art. 6, VIII da Lei 8.078/90. [...] Por
isso, identificada a dificuldade do demandante em
produzir determinada prova que está em poder do
demandado, a distribuição do ônus da prova (art. 333
CPC) é flexibilizada com a aplicação do art. 6, VIII, do
CDC. (Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 758, dez.
1998, p. 344).
Outro típico exemplo consubstancia-se no sujeito que foi submetido
à transfusão de sangue que descobre, depois de um ano da transfusão, ser
portador do vírus HIV. Na ocasião, o sujeito não mais está em poder dos
documentos que comprovem a intervenção realizada. Neste caso, inverter-se-
ia o ônus da prova, com o objetivo de que o hospital ou laboratório comprove a
inexistência de erro no procedimento, bem como que o paciente submeteu-se
de forma efetiva ou não a uma transfusão de sangue naquele estabelecimento,
naquela época. (Oliveira, 2001, p. 382).
Assim, tem-se que o consumidor será considerado hipossuficiente
quando em determinado assunto estiver em desvantagem técnica ou de
informações se comparado com o fornecedor.
5.4.2 Da verossimilhança das alegações
Conforme acima explicado, já se sabe que o julgador pode inverter o
ônus da prova quando forem verossímeis as alegações do consumidor. Mas o
que é essa verossimilhança de que trata a norma legal?
40
Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (1991, p. 27) elucida a
questão da seguinte forma:
A qualidade de verossimilhança tem o significado que a
alegação parece verdadeira, não repugnando a verdade.
Não se exige que ela seja verdadeira, porque então
sempre dependeria de prova; basta a parecença com a
verdade, a crença de que seja faticamente real.
A inquietude dos juristas emerge de qual deve ser o grau de
exatidão para que se afirme ser verossímil ou não a alegação do autor, vez que
a inversão do ônus da prova pode levar a procedência em favor do autor no
caso de ausência de prova desconstitutiva do seu direito por parte do réu.
O professor Cândido Rangel Dinamarco (1995, p. 143) auxilia no
conceito de verossimilhança ao fazer a seguinte colocação:
“Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia
significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode
ser como a descreve o autor”.
Sendo assim, a verossimilhança repousa num juízo de
probabilidade, de tal modo que se apresente a alegação do consumidor como
provavelmente verdadeira. O magistrado aceita o fato como provável, e não
como verdadeiro. O consumidor não precisa provar veementemente o fato
alegado, até porque, neste caso, não haveria necessidade de se inverter o
ônus da prova, mas de demonstrar que o fato alegado é provável. (Bellini
Júnior, 2006, p. 88).
41
Nessa marcha, manifestou-se o Tribunal de Justiça de São Paulo,
nos seguintes termos:
É necessário que o autor leve ao magistrado um mínimo
de demonstração no sentido de que sua alegação é
verossímil. Que ofereça elementos, ou dados, ou indícios
quaisquer que, em confronto com a narração das
circunstâncias de que dá conta a inicial, que, em cotejo
com a descrição dos fatos que consubstanciam o direito
controvertido, possam, a priori, indiciar, apontar, sugerir,
induzir um quê de verdade. (Apelação Cível nº. 45.651-4,
10ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador
Souza José, julgado em 24.06.1997).
Por fim, oportuno esclarecer que a verossimilhança apontada no
caso, não deve ser confundida com a verossimilhança estampada no artigo 273
do CPC como requisito para a antecipação dos efeitos da tutela. No artigo 273
do CPC o juiz se baseia nas provas já existentes no processo, enquanto que
aqui o juiz apreciará as possibilidades de produção de prova em momento
posterior.
Aliás, Alexandre Costa de Araújo apud Luis Guilherme Marinoni
(2007, p. online) disseca a questão, nos termos que se passa a expor:
Essa convicção de verossimilhança é claro, não se
confunde com a convicção de verossimilhança da tutela
antecipatória, pois não é uma convicção fundada em
parcela das provas que ainda podem ser feitas no
processo, mas, sim, uma convicção fundada nas provas
que puderam ser realizadas no processo, e que, diante da
natureza da relação de direito material, devem ser
42
consideradas suficientes para fazer crer que o direito
pertença ao consumidor.
Permissível se concluir, então, nas palavras de Theodoro Júnior
(2001, p. 135) que:
"A verossimilhança é o juízo de probabilidade extraída de material
probatório de feitio indiciário, do qual se consegue formar a opinião de ser
provavelmente verdadeira a versão do consumidor".
5.5 O MAGISTRADO DIANTE DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
5.5.1 O dever de fundamentar a decisão
O juiz ao inverter o ônus da prova deve fundamentar sua decisão,
forte no art. 93, IX da Constituição Federal, o qual preceitua que:
Art. 93 º. Omissis:
IX. todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob
pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a
preservação do direito à intimidade do interessado no
sigilo não prejudique o interesse público à informação.
(Grifou-se).
43
Fundamentar, segundo doutrina Nelson Nery Junior (2000, p. 176),
“significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a
decidir a questão daquela maneira".
Porém, convém destacar que é óbvio que nem todas as decisões
deverão ser fundamentadas, como é o caso de meros despachos de
expediente.
Entretanto, as decisões interlocutórias e as sentenças hão de ser
devidamente fundamentas. Assim, independentemente de acreditar que o ônus
deva ser invertido, deverá ser a decisão revestida da devida fundamentação.
Para fundamentar tal decisão, não basta que o magistrado copie o
dispositivo de lei, proferindo decisões do tipo: “presentes os requisitos legais,
defiro a inversão do ônus da prova” ou “os fatos apresentados pelo consumidor
mostram a necessária verossimilhança como o que defiro a inversão do ônus
da prova”. Tais fundamentos são deficientes e, fundamentação deficiente, em
regra, não é fundamentação. Fundamentar significa mostrar os motivos que
surgiram das questões de fato e direito, as quais sustentam a decisão. (Nojiri,
1999, p. 116).
A propósito, Nelson Nery Júnior (2000, p. 177), assim leciona:
Interessante observar que normalmente a Constituição
Federal não contém norma sancionadora, sendo
simplesmente descritiva e pricipiológica, afirmando
direitos e impondo deveres. Mas a falta de motivação é
vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte,
abandonando a técnica de elaboração da Constituição,
cominou no próprio texto constitucional a pena de
nulidade.
44
Assim, a fundamentação que defere a inversão do ônus da prova,
além de citar a regra geral, deve apontar os fatos, bem como a respectiva
demonstração de onde o julgador encontrou a verossimilhança da alegação ou
a hipossuficiência do consumidor.
5.5.2 A inversão ex officio
O dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que trata da
inversão do ônus da prova não registra se o juiz deverá ser provocado ou agirá
de ofício neste caso.
Invocando Barbosa Moreira (1997, p. 139), tem-se que:
A inversão poderá ser determinada tanto a requerimento
da parte, como ex officio: tratando-se de um dos direitos
básicos do consumidor, e sendo o diploma composto de
normas de ordem pública (art. 1º), deve-se entender que
a medida independe de iniciativa do interessado de
requerê-la.
Sendo uma norma de ordem pública, se quisesse o legislador que só
fosse aplicada mediante requerimento, teria incluído expressa menção nesse
sentido no dispositivo legal. Como não há qualquer tipo de restrição, a norma
deve ser interpretada da maneira mais abrangente possível, permitindo a
inversão do ônus da prova de ofício. (Bellini Júnior, 2006 p. 92).
45
5.6 MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO PARA A INVERSÃO DO ÔNUS
DA PROVA
A lei é omissa quanto ao momento para que seja procedida a
inversão de seu ônus, eis que o legislador não o declara, transferindo
esse munus para as regras de interpretação das normas jurídicas.
Diante dessa omissão, atualmente, existem três teorias do momento
próprio para o ato judicial que determina a inversão: 1) no despacho inicial; 2)
no despacho saneador e 3) na sentença.
5.6.1 No despacho inicial
Parte da doutrina acredita que o momento para a aplicação da
inversão do ônus da prova é no despacho inicial, eis que assim fazendo,
estaria, desde um primeiro momento, agindo de maneira transparente e
permitindo que cada parte tenha conhecimento de seus encargos.
Tânia Lis Nogueira (1994, p. 59), pensa nesse sentido:
Contudo, entendo que o autor consumidor deverá já na
inicial requerer a inversão do ônus da prova, e desta
forma a fase processual em que o juiz deverá se
manifestar sobre a questão será no ato do primeiro
despacho, que não se trata de mero despacho
46
determinante da citação, mas decisão interlocutória,
passível, portanto, de recurso de agravo.
Antônio Gidi (1995, p. 39), também pactua desta opinião, porém,
flexibilizando-a no sentido de se poder estender o momento da inversão até o
despacho saneador:
A oportunidade propícia para a inversão do ônus da prova
é em momento anterior à fase instrutória. Do momento em
que se despacha a inicial, até a decisão do saneamento
do processo, o magistrado já deve dispor de dados para
se decidir sobre a inversão. Assim, a atividade instrutória
já se inicia com cargas probatórias transparentemente
distribuídas entre as partes.
Corroborando, traz-se à baila um dos poucos julgados que mais se
aproxima da tese aqui defendida:
"[...] Por outro lado, o momento processual mais adequado para
decisão sobre a inversão do ônus da prova é o situado entre o pedido inicial e o
saneador". (TJPR, AC n. 7233, 5ª.Câmara Cível, Rel. Des. Bonejos Demchuk,
j. em 29.06.2001).
De outro norte, esclareça-se que existem divergências quanto a
essa tese. O Desembargador Gaúcho Voltaire de Lima Moraes (1999, p. 68)
adota posição em sentido contrário, nas seguintes lições:
47
A inversão do ônus da prova, com a devida vênia, não
deve ser decretada ad initio, quando o juiz analisa a
petição inicial, pois sequer houve manifestação do
demandado, não se podendo precisar, inclusive a
dimensão de sua resposta, muito menos os pontos
controvertidos. Assim, mostra-se prematura e indevida a
decretação da inversão do ônus da prova nessa fase do
procedimento.
Antônio Carlos Bellini Júnior (2006, p. 115), também coaduna com
essa linha de raciocínio:
Não deve ser a inversão realizada no recebimento da
petição inicial, pois naquele momento processual o juiz
conhece somente os argumentos trazidos pelo autor. O
magistrado somente terá uma noção dos pontos
controvertidos, que são os que realmente precisam ser
provados, com a vinda da contestação. Porém, se
inexistirem pontos controvertidos, inexiste a possibilidade
de o juiz identificar com precisão quais os pontos
contraditórios que deverão ser invertidos.
5.6.2 No saneador
Conforme já salientado, a inversão do ônus da prova está alicerçada
no princípio constitucional da igualdade, fato este que não pode ofender outros
princípios da mesma ordem.
48
Sendo assim, os doutrinadores que sustentam ser o contraditório o
momento oportuno para se proceder a inversão do ônus da prova, fazem-no
com argumento no próprio princípio constitucional do contraditório (artigo 5º,
inciso LV da Constituição Federal). (Bellini Júnior, 2006, p. 104).
O princípio do contraditório, segundo Sálvio de Figueiredo Teixeira
(1988, p. 97) é desdobramento do devido processo legal e consiste “na
garantia constitucional da igualdade substancial, um dos fundamentos da
democracia e um dos direitos essenciais do ser humano”.
Antônio Carlos de Araújo Cintra (2002, p. 56) completa a afirmação
acima dizendo que “decorre de tais princípios a necessidade de que se dê
ciência a cada litigante dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário.
Somente conhecendo-os, poderá ele efetivar o contraditório”.
Outrossim, o princípio do contraditório afigura-se num óbice para
inversão do ônus da prova no momento da sentença sem que antes tenha
avisado ao fornecedor que o faria. A doutrina de Simone M. Silveira Monteiro
(2003, p. 65) é nesse sentido:
Tenho que a inversão do ônus da prova, nos termos do
supracitado dispositivo legal, para ser eficaz no processo
deve ser expressamente determinado pelo juiz, sob pena
de implicar em cerceamento de defesa para a parte, a
quem passa a se imputar o ônus da prova.
49
Diversos acórdãos têm ratificado tal posicionamento. A propósito:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DESPACHO SANEADOR
- OCASIÃO DO JULGAMENTO SOBRE A INVERSÃO
DO ÔNUS DA PROVA - AGRAVO PROVIDO. O momento
adequado para a decretação da inversão do ônus da
prova dar-se-á por ocasião do saneamento do processo,
quando, inexitosa a audiência de conciliação, o Juiz tiver
fixado os pontos controvertidos, aí sim, em seguimento,
decidirá as questões processuais pendentes, dentre as
quais o cabimento ou não da inversão do ônus da prova
(art. 331, §2º, do CPC), ficando dessa forma cientes as
partes da postura processual que passarão a adotar.
(Revista de Direito do Consumidor, SP, RT, 1999, v. 31,
p.69). (TJSC, AI n. 00.012499-0, rel. Des. Sérgio Roberto
Baasch Luz, j. em 22/02/2001).
A inversão do ônus da prova, como exceção à regra geral
do art. 333, do CPC, depende de decisão fundamentada
do magistrado antes do término da instrução processual,
sob pena de não poder ser adotada na sentença, o que
incorreria em cerceio de defesa, devendo ser decidida, de
preferência, no momento do saneador, podendo, todavia,
ser decretada no despacho inicial, após especificação das
provas, na audiência de conciliação ou em qualquer
momento que se fizer necessária, desde que assegurados
os princípios do contraditório e ampla defesa. (TAMG, AC
n. 301800-0, j. em março de 2000).
Na mesma linha foi a decisão da Colenda 2ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Agravo de Instrumento nº
598600955 (Rel. Des. Lúcia de Castro Boeller, julgado em 11/05/1999):
50
“O exame dos requerimentos de aplicação de pena de confissão
ficta e de inversão dos ônus da prova deve ocorrer em saneamento”.
Ada Pellegrini Grinover (1991, p. 737), embora manifeste
entendimento segundo o qual o momento de deliberação a respeito da inversão
do ônus da prova deva ser quando da sentença, adverte:
É, todavia, medida de boa política judiciária, na linha
evolutiva do processo civil moderno, que confere ao juiz
até mesmo atribuições assistenciais, e na conformidade
da sugestão de Cecília Matos, que, no despacho
saneador ou em outro momento que preceda a fase
instrutória da causa, o magistrado deixe advertido às
partes que a regra de inversão do ônus da prova poderá,
eventualmente, ser aplicada no momento do julgamento
final da ação. Com semelhante providência ficará
definitivamente afastada a possibilidade de alegação de
cerceamento de defesa.
5.6.3 Na sentença
Por fim, cabe analisar as razões daqueles que acreditam que o
momento oportuno para inverte-se o ônus da prova é na sentença.
Aqueles que defendem tal posicionamento baseiam-se em
argumentos técnicos.
51
Para eles, a inversão do ônus probatório é regra técnica a ser
aplicada pelo juízo ao sentenciar, quando irá apurar a essência da prova
produzida, sendo que após fazê-lo, se existirem dúvidas na formação de seu
convencimento, poderá aplicar o critério da inversão do ônus da prova. (Bellini
Júnior, 2006, p. 98).
Para abrir o rol de defensores de tal tese, inicia-se trazendo o
entendimento de Ada Pelegrini Grinover em comentários ao anteprojeto de lei
que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor (1991, p. 735):
Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do
ônus da prova [...] é o do julgamento da causa. É que as
regras de distribuição do ônus da prova são regras de
juízo, e orientam o juiz, quando há um non liqued em
matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa.
Constituem, por igual, uma indicação às partes quanto à
sua atividade probatória. Como o juízo de
verossimilhança, decorrente da aplicação das regras de
experiência, deixa de existir o non liqued (considera-se
demonstrado o fato afirmado pelo consumidor) e,
consequentemente, motivo algum há para a aplicação de
qualquer regra de distribuição do ônus da prova. Por isso
mesmo, como ficou anotado, não se tem verdadeiramente
uma inversão do ônus da prova em semelhante hipótese.
Para Cíntia Rosa Pereira de Lima (2003, p. 229):
O momento para a inversão do ônus da prova é o
momento de julgar a lide por ser uma regra técnica do
juízo para evitar o non liqued. E o fornecedor terá de ser
52
diligente se quiser o benefício da improcedência do
pedido do consumidor. Aliás, se as alegações do
consumidor não procedem, o fornecedor terá meios
suficientes para ilidí-las.
Ernani Fidelis dos Santos (1997, p. 278), não só orienta ser a
sentença o momento adequado para aplicar o instituto, mas explica, ainda, o
exato momento da sentença em que o juiz deverá fazê-lo:
Ao juiz cumpre julgar de acordo com seu convencimento,
o que faz presumir que, no momento do julgamento,
esteja de posse de todos os elementos necessários para
concluir pela existência ou inexistência dos fatos, o que,
todavia, não impede que todos ou alguns, sem
possibilidade de conclusão de certeza, permaneçam
duvidosos, hipótese, então, que obriga o juiz a lançar mão
do critério subsidiário da prova, em princípio,
considerando não provado o que está em dúvida [...].
Neste exato momento, pois, do julgamento, é que o juiz
empregará, se for o caso, a regra de experiência,
considerando provado o fato que nela se baia, posição
esta defendida por Kazuo Watanabe, um dos autores do
Projeto do Código de Defesa do Consumidor.
O entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Amazonas
coaduna com esta linha de raciocínio:
53
Todavia, penso que a inversão do ônus da prova deverá
ser analisada apenas na sentença, quando o julgador
avalia o conjunto probatório e vê quem faltou com o seu
dever de comprovar os fatos do processo e por isso ficou
prejudicado por essa omissão. Ou seja, depende de todo
o contexto probatório [...]. A dita inversão do ônus da
prova prevista no Código de Defesa do Consumidor se dá
no momento do julgamento, quando o magistrado avalia
quem deveria ter provado tal fato, em face do acesso à
prova. (TJPR, AC n. 8319, rel. Des. Domingos Ramina, j.
em 26-03-2002).
Os que defendem a sentença como um momento para a aplicação
da inversão do ônus da prova rechaçam a tese de que se estaria cerceando o
direito do fornecedor ao contraditório, com a alegação de que estes deveriam
conhecer a lei, bem como as incumbências que esta lhe traz.
Sustentam, para tanto, que essa alegação não procede, porque
ninguém pode alegar prejuízo por ignorar a lei, e a possibilidade de inversão do
ônus da prova é previamente legislada e, portanto, desde logo o fornecedor
tem conhecimento do instituto. (Pereira de Lima, 2003, p. 229).
Nesse sentido:
“Tratando-se de relação de consumo, a inversão do ônus da prova,
que é regra de julgamento, pode se dar no momento da sentença, tendo em
vista que o fornecedor não pode alegar desconhecimento de prática tão comum
nesta seara”. (TJSC, AC. n. 2004.023963-7, da Capital, rel. Des. Victor
Ferreira, j. 12-02-2009).
54
De outro norte, importante destacar que para Carlos Alberto Barbosa
Moreira (1997, p. 306), a inversão do ônus da prova no momento da sentença,
implicaria, sim, em cerceamento de defesa:
A inversão ordenada na sentença representará, quanto ao
fornecedor, não só a mudança de regra até ali vigente,
naquele processo, como também algo que comprometerá
sua defesa, porquanto, se lhe foi transferido um ônus que,
para ele, não existia antes da adoção da medida,
obviamente deve o órgão jurisdicional assegurar-lhe a
efetiva oportunidade de dele se desincumbir.
Na mesma esteira, segue o entendimento de Sandra Aparecida Sá
dos Santos (2006, p. 79):
O fator surpresa não pode existir no processo, seja qual
for a natureza do objeto, bem como no que concerne ao
reconhecimento do direito, porque processo e surpresa
são incompatíveis entre si.
Do contrário, comprometer-se-ia por completo a defesa do
demandado, que antes do julgamento não teria o ônus
processual da produção da prova, porque até então
seriam aplicadas as regras gerais do processo.
Além disso, de admitirmos a inversão na sentença
estaremos também violando o princípio da economia
processual.
55
É que, para atacarmos referida decisão no bojo da
sentença, não nos resta outra opção: interposição de
apelação, com preliminar de cerceamento de defesa. No
caso de o tribunal acolher a preliminar, os autos serão
remetidos ao juízo a quo, para a reabertura da instrução.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça corrobora a tese
desfavorável:
[...] Há muito se consolidou nesta Corte Superior o
entendimento quanto à aplicabilidade do Código de
Defesa do Consumidor às instituições financeiras
(enunciado n. 297 da Súmula do STJ) e, por conseguinte,
da possibilidade de inversão do ônus da prova, nos
termos do inciso VIII do artigo 6º da lei consumerista. [...]
Mesmo que controverso o tema, dúvida não há quanto ao
cabimento da inversão do ônus da prova ainda na fase
instrutória - momento, aliás, logicamente mais adequado
do que na sentença, na medida em que não impõe
qualquer surpresa às partes litigantes, posicionamento
que vem sendo adotado por este Superior Tribunal,
conforme precedentes. 4. Recurso especial parcialmente
conhecido e, no ponto, provido. (REsp 662608/SP, rel.
Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 12-12-2006).
Assim, pelo estudo realizado, restou claro que, em que pese a
doutrina dividir-se quanto ao momento apropriado para que seja procedida a
inversão do ônus da prova, a jurisprudência, na sua maioria, já posicionou
entendimento no sentido de aplicar tal ato quando da instrução do feito.
56
6 CONCLUSÃO
O efetivo acesso à justiça e a defesa do consumidor em juízo, a
princípio, são os objetivos deste trabalho.
Sabendo-se que as sentenças hão de se acostar nas provas
produzidas pelos litigantes, fácil é concluir que, quanto mais se garantir
tratamento igualitário às partes no acesso à justiça, melhor há de se dar a cada
um o que é seu.
Por isso, o equilíbrio na distribuição do ônus da prova, nas relações
jurídicas, é indispensável para a efetiva garantia do devido processo legal.
O juiz tem papel crucial na busca pela verdade real (ou como
mencionado no bojo do estudo, pela busca da “aparência da verdade”),
determinado a produção das provas que entender necessárias, no sentido de
manter os litigantes em posição de igualdade.
A aplicabilidade do instituto da inversão do ônus da prova é medida
que se impõe, toda vez que esteja presente qualquer dos requisitos legais,
quais sejam, a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança de suas
alegações.
Nesse sentido, consagra-se o princípio constitucional da igualdade
e, em consequência, por que não dizer que o alcance da efetiva prestação
jurisdicional, que de outra forma, estaria predestinada à ineficácia.
A produção de provas no processo é ponto de extrema importância
para o julgamento da lide, o que revela, pois, a necessidade de sua inversão
nas hipóteses apontadas.
A propósito, um dos principais aspectos abordados foi o momento
adequado para que seja procedida a inversão do onus probandi.
57
Por derradeiro, ouso demonstrar a opinião por mim defendida, qual
seja, que o momento certo para que seja tomada tal decisão seja no momento
da produção de provas.
Compactuo com tal corrente, eis que na inicial o magistrado ainda
não tem mãos todos os elementos necessários para a formação de sua
convicção, necessitando ouvir, primeiramente, o que a parte contrária tem a
dizer, enaltecendo, assim, os princípios do contraditório e ampla defesa.
Inverter-se o ônus da prova no momento da sentença, seria o
mesmo que cercear a defesa do consumidor em juízo, seja porque o fator
surpresa não pode existir no processo, seja por questão de economia
processual.
Ora, se existe a fase de instrução probatória, nada mais justo do que
o juiz conhecer dos fatos naquele momento. Na decisão final, o magistrado
deve ter plena convicção do seu convencimento. O Judiciário não pode valer-
se de decisões temerárias, afinal, é a ele que as partes socorrem-se para
resolver seus conflitos de interesses.
Por fim, acrescenta-se que os reflexos trazidos com os mais de vinte
anos de existência da Lei 8.078/90 são visíveis no Judiciário, tendo em vista o
alto número de demandas ajuizadas sob a égide da lei consumerista, o que
contempla a busca da efetiva proteção dos direitos do consumidor, sendo que
a inversão do ônus da prova é mais um mecanismo posto para a efetivação
desses direitos como garantia constitucional do devido processo legal.
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