a importância dos “instrumentos” certos · serviÇo uma taça de vinho não deve ser vista...
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SERVIÇO
Uma taça de vinho não deve ser vista apenas como
um recipiente para esse precioso líquido, mas sim, como
um instrumento fundamental na interação entre o vinho
e nossos órgãos de sentido.
Historicamente, o vinho já foi servido em copos (ou ta-
ças) de barro, madeira e diversos metais (estanho, chum-
bo, cobre etc). Entretanto, somente o vidro, descoberto
há mais de 4.000 anos, mostra-se completamente inerte
e, quando limpo, permite a apreciação correta do aspecto
visual do vinho (cor, transparência e brilho).
De acordo com o dicionário Aurélio, do ponto de vis-
ta químico, o vidro pode ser defi nido como uma subs-
tância sólida, transparente e quebradiça, que se obtém
pela fusão e conseqüente solidifi cação de uma mistura de
quartzo, carbonato de cálcio e carbonato de sódio. Já o
cristal é defi nido como sendo um vidro constituído de três
partes de sílica, duas de óxido de chumbo e uma de potás-
sio. Nesse caso, o chumbo torna a mistura mais pesada,
aumentando a capacidade de refração da luz e absorção
de radiações de alta potência.
Quando se deseja obter o máximo de um vinho (de-
gustações hedonísticas ou profi ssionais) deve-se dar prefe-
rência às taças completamente lisas, transparentes e fi nas
(as mais fi nas possíveis), sem detalhes coloridos ou cortes.
Esse estilo de taça permite que o palato comunique-se
intimamente com o líquido, sem interferências.
As taças de vinho devem ter, ainda, uma haste (pé) que
permita sua manipulação sem a necessidade de se tocar o
bojo, o que poderia acarretar na alteração da temperatu-
61por GUSTAVO ANDRADE DE PAULO
fotos VLADIMIR FERNANDES
A importância de usara taça certa para determinadotipo de vinho está claracomo um cristal para enófilose sommeliers em todo o mundo. Descubra você também a magiapor trás dessa fascinante experiência visual, olfativae gustativa.
a importância dos “instrumentos” certos
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ra do vinho. Além disso, a haste permite uma agitação mais
fácil, maximizando os aromas do vinho, embora alguma
experiência seja necessária para se evitar “desastres”.
Ainda que qualquer receptáculo com essas caracterís-
ticas possa ser empregado para servir vinho, na década
de 50, o professor Claus J. Riedel (1925-2004) foi o pri-
meiro designer a reconhecer que os aromas, o paladar e
o equilíbrio dos vinhos eram afetados pela forma do copo
em que eram servidos. Representando a nona geração de
uma família de produtores de cristal de alta qualidade, du-
rante uma degustação com amigos, Riedel verificou, aci-
dentalmente, que o mesmo vinho degustado em taças de
diferentes formatos, mostrava-se diferente. A partir desse
momento, auxiliado por degustadores experientes de todo
o mundo, iniciou sua busca por taças que combinassem e
complementassem cada tipo de vinho. Representando uma
revolução em sua época, ele cortou detalhes desnecessários,
adereços e cores, limitando as taças apenas ao bojo, haste
e base. As formas foram determinadas não em uma pran-
cheta, mas sim, por meio de tentativas e erros. A primeira
linha de taças de vinho criada com diferentes tamanhos
e formatos foi apresentada pela empresa Riedel em 1961,
sendo bela e funcional, de acordo com os princípios de
design da Bauhaus: “a forma segue a função”. Em 1973,
a linha Sommeliers foi apresentada ao público, alcançando
reconhecimento mundial.
Aromas e Sabores A qualidade e a intensidade de aromas são determi-
nados pela personalidade do vinho, mas também pela sua
afinidade ao formato da taça. Além disso, os aromas só po-
dem ser expressos em sua máxima intensidade se o vinho
for servido na temperatura e na quantidade corretas.
Assim que um vinho é servido começa, imediatamente,
a evaporar e seus aromas enchem a taça em camadas, de
acordo com sua densidade e gravidade específica. Com isso,
o tamanho e o formato da taça podem ser manipulados para
realçar os aromas típicos de uma determinada cepa.
Os aromas mais frágeis e leves são os florais e os de fru-
tas frescas, que vão se localizar na parte mais alta da taça,
junto à borda. Abaixo desses, na parte medial, encontram-
se os aromas vegetais, terrosos e minerais. Os aromas mais
pesados, típicos da madeira e do álcool, permanecem na
parte baixa da taça, junto à superfície do vinho.
Ao agitar um vinho, aumenta-se a superfície de con-
tato desse com o ar, aumentando a evaporação e a in-
tensidade dos aromas. Entretanto, a agitação não leva a
uma mistura dos aromas. Isso explica porque o mesmo
vinho servido em taças diferentes mostra aromas varia-
dos (um mesmo vinho pode mostrar-se frutado numa
taça e com aromas vegetais em outra).
O conteúdo é quemdetermina a forma Copos grandes, com capacidade superior a 700 ml,
permitem sentir as diferentes camadas de aromas durante
uma inspiração lenta, suave e prolongada (10 segundos).
O formato da taça força a cabeça a posicionar-se de
tal maneira que o vinho não seja derramado. Geralmente,
os movimentos da cabeça e do corpo são inconscientes,
mas bastante precisos. Assim, vinhos servidos em taças
com bocas largas são sorvidos com a cabeça voltada para
baixo, enquanto taças estreitas forçam a cabeça a mover-
se para trás, permitindo que o vinho flua por gravidade.
Essas mudanças de posição influenciam na região da boca
onde o vinho terá seu primeiro contato. Com isso, a taça
certa pode fazer uma dramática diferença na experiên-
cia gustativa de um vinho. Vale lembrar que os quatro
sabores básicos são percebidos com maior intensidade
em locais diferentes da língua: doce na ponta, amargo na
região posterior, ácido nas laterais e salgado nas regiões
mediais às regiões sensíveis ao ácido.
Ao degustar um vinho, um enófilo concentra-se na ava-
liação da cor (exame visual), dos aromas (exame olfativo) e
do paladar (exame gustativo). Entretanto, são poucos os que
“enxergam” que a taça é um instrumento fundamental e in-
dispensável na transmissão das características de determina-
do vinho aos nossos órgãos de sentido, sendo desenhada para
enfatizar a harmonia de um vinho. A taça deve ser vista como
um instrumento capaz de unir a personalidade de um vinho,
seus aromas, paladar e aparência.
A uva (ou o corte de diferentes uvas) é o principal fa-
tor a ser considerado ao se escolher a taça ideal. O equi-
líbrio entre quantidade de fruta, acidez, taninos e álcool
deve ser potencializado pelo formato e tamanho da taça.
A forma da taça é responsável pela qualidade e inten-
sidade de aromas e pelo fluxo do vinho para a boca. Seu
tamanho determinará o espaço “respirável”, que deve ser
escolhido de acordo com a personalidade de cada vinho.
Os tintos necessitam taças maiores, brancos pedem taças
médias e os fortificados são servidos em taças pequenas,
que enfatizam as características frutadas e não o álcool.
A taça ideal para um tinto de Bordeaux, tânico, com
muito extrato e moderada acidez deve ser larga e alta, per-
mitindo a máxima expressão da complexidade aromática
do vinho. O diâmetro da parte mais alta, junto à borda,
deve ser menor que o da parte mais baixa do bojo, concen-
trando os aromas. Essa taça direciona o vinho para o cen-
tro da língua, criando uma harmonia entre fruta, taninos
e acidez. A borda deve ser bem cortada, reta, permitindo
que o vinho flua delicadamente para a língua.
Já a taça ideal para um tinto da Borgonha, com alta
complexidade aromática (frutas delicadas), deve ser bastan-
te larga em sua porção mais baixa, apresentando um estrei-
tamento abaixo da boca, que volta a ser larga e aberta. É
perfeita para vinhos com alta acidez e moderada quan-
tidade de taninos, pois direciona o vinho para a pon-
ta da língua, realçando a fruta e balanceando a acidez
naturalmente alta do vinho. A borda também deve ser
bem cortada, reta, permitindo um fluxo linear do líqui-
do. Taças com as bordas arredondadas, que perturbam
o fluxo laminar do vinho, tendem a acentuar a acidez e
as sensações desagradáveis do vinho.
No geral, as taças para os vinhos brancos são meno-
res que as para tintos. O princípio básico para tal está na
temperatura ideal de serviço. Como os vinhos brancos são
bebidos em temperaturas mais baixas, é melhor servir uma
quantidade menor de cada vez, evitando-se que o vinho
esquente. Para os brancos encorpados, com moderada aci-
dez, a taça deve ter a parte baixa mais larga e a boca mais
estreita. Ela direciona o vinho para o centro da língua, har-
monizando seus componentes.
Para os brancos leves, frutados e ácidos, a taça não tem
necessidade de ser larga, pois apenas os aromas frutados
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devem se expressar. Ela também não deve ser muito alta,
pois a baixa concentração de álcool não permite um bom
transporte desses aromas muito delicados. A borda da taça,
discretamente mais alargada que a porção alta, direciona o
vinho para a ponta da língua, acentuando a fruta e ameni-
zando a acidez naturalmente elevada.
Os champanhes e demais vinhos espumantes, duran-
te muitos anos, foram servidos em taças baixas e largas,
conhecidas como “coupe”. Entretanto, foram substituídas
pela “flûte”, que mantém a efervescência por mais tempo,
permitindo uma melhor apreciação das bolhas (“perla-
ge”). Recentemente, a “flûte” sofreu pequena modificação,
tornando-se mais larga, com a forma de uma tulipa. Essa
nova forma combina comprimento com uma boca mais
estreita, realçando as carac-
terísticas dos espumantes.
em umrestaurante Durante um jantar em
ou numa degustação bem
organizada, o emprego de
taças corretas mostra sua im-
portância em dois momen-
tos. O primeiro é quando as
taças chegam à mesa, mostrando que o estabelecimento se
preocupa com a qualidade do vinho a ser servido e que
o anfitrião deseja potencializar ao máximo a experiência
gustativa do cliente. O segundo momento é a degustação
propriamente dita, em que a taça correta amplia as sensa-
ções visuais, olfativas e gustativas do vinho.
Uma demonstração prática Em recente degustação na ABS-SP, Padelis Paliouras,
vice-presidente de vendas da Riedel e Master Sommelier,
demonstrou de forma incontestável a importância do for-
mato da taça na apreciação de diferentes vinhos. Foram
apresentados quatro vinhos, cada um deles em uma taça
Riedel especialmente desenhada para tal uva/corte.
O primeiro vinho foi um Sauvignon Blanc neozelandês,
da Matariki Wines. Em sua taça específica, o vinho mos-
trou-se com aromas de frutas brancas tropicais (maracujá,
abacaxi), mel e toques florais. Na boca, tinha boa acidez
equilibrada com o teor alcoólico. Ao ser servido em uma
taça para Chardonnay, desapareceram os aromas de frutas
e o álcool do vinho foi realçado, prejudicando o equilíbrio.
Poderia se dizer que se tratava de outro vinho.
O Chardonnay, argentino, produzido pela Família
Zuccardi, em sua taça correta, mostrava-se com bas-
tante fruta madura, aromas tostados, amanteigados, de
madeira e mel. Bem equilibrado na boca. Ao ser servido
na taça para Cabernet Sauvignon, foi potencializado o aro-
ma de madeira, encobrindo um pouco a fruta. O álcool
também apareceu mais facilmente.
O Pinot Noir da Borgonha produzido por Albert
Bichot, na taça desenhada para Borgonha tinto, mos-
trou-se com bastante fruta
vermelha (cassis, cereja),
aromas de especiarias, to-
ques de chocolate e licor
de jabuticaba. Na boca, es-
tava equilibrado, com tani-
nos finos. Ao ser servido na
taça para Sauvignon Blanc,
desapareceram os aromas
de especiarias e os taninos
pareciam bem mais duros.
O quarto vinho foi o Marques de Casa Concha, da
Concha y Toro (Chile). Em sua taça, mostrou-se com mui-
ta fruta vermelha, com aromas de cravo, baunilha, mentol
e toques animais. Na boca, estava equilibrado, com taninos
finos. Ao ser degustado na taça para Pinot Noir, os toques da
madeira desapareceram e a acidez pareceu diminuir.
Para todos os vinhos, o retorno para suas taças espe-
cíficas resultou no “reaparecimento” de todos os aromas
e características “perdidas”. Parecia mágica para quase
todos os presentes.
A g r A d e c i m e n t o s : À e x pA n d , p o r f o r n e c e r A s
tA ç As e o s v i n h o s u t i l i z A d o s n A d eg u stA ç ã o e A
pA d e l i s pA l i o u r As , p e l A c o n d u ç ã o dA m e s m A .
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