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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaçãoINTERCOM SUDESTE 2006 – XI Simpósio de Ciências da Comunicação na Região Sudeste.Ribeirão Preto, SP - 22 a 24 de maio de 2006.
A IMPORTÂNCIA DOS IMAGINÁRIOS LOCAIS NA REVITALIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL: FEIRA DOS SONHOS DE
INVERNO DE RIO PARDO-RS
Claudiana y Castro1
Resumo: O presente artigo propõe uma reflexão sobre a importância dos imaginários locais na revitalização e preservação do patrimônio cultural imaterial das comunidades que, herdeiras deste legado, transformam-no em atrativo turístico para o desenvolvimento do turismo cultural. Para tanto, trata-se de um estudo de caso da Feira dos Sonhos de Inverno, evento realizado no município de Rio Pardo - RS. A comunidade utiliza o patrimônio cultural imaterial como importante atrativo turístico e, desta forma, estabelece laços de preservação com o mesmo. Além disso, a revitalização vem acompanhado do imaginário associado a imigração luso-açoriana, pioneira no município que, entre outros legados materiais e imateriais, traz agregado a receita do tradicional sonho português.
Palavras chaves: imaginário, patrimônio cultural imaterial, turismo cultural, Rio Pardo,
Feira dos Sonhos de Inverno.
1. Introdução
O Turismo destaca-se como um importante fenômeno social, econômico e
cultural e, por meio de suas manifestações e fluxos, apresenta-se, como importante
atividade na integração de povos, costumes e crenças. Por outro lado, apresenta-se como
um fenômeno complexo a ser teorizado com maior abrangência, envolvendo questões
sociais, políticas, ambientais, comunicacionais, pscicológicas, entre outras, o que vem a
ser um reflexo de sua complexidade.
O presente artigo propõe uma reflexão sobre a importância dos imaginários
locais na revitalização e preservação do patrimônio cultural imaterial e, em decorrência,
para o desenvolvimento do turismo cultural. A reflexão teórica será realizada, primeiro,
com um resgate da questão do imaginário, utilizando-se para tal os autores Mafessoli,
1 Mestranda em Turismo- Universidade de Caxias do Sul – UCS Email- clauycastro@yahoo.com.br
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Gastal, Pesavento. Dando continuidade ao tema proposto será feito a reflexão sobre
patrimônio cultural, com o embasamento dos autores Choay e Iphan, por fim
definiremos a conceituação de turismo cultural, apartir de Beni, Barretto, Gastal e
Castrogiovanni.
As idéias assim construídas serão utilizadas para um novo olhar sobre a Feira
dos Sonhos de Inverno que é realizada no município de Rio Pardo-RS. A comunidade
local revitalizou uma receita tradicional da culinária luso-açoriana e, como tal, parte de
seu patrimônio cultural imaterial para utilizá-lo como incentivador da feira que, por sua
vez, constitui-se em atrativo turístico para o desenvolvimento do turismo cultural. Além
disso, a revitalização vem acompanhada do imaginário associado à imigração luso-
açoriana, pioneira no município que, entre outros legados materiais e imateriais, traz
agregado a receita do tradicional sonho português.
Segundo Fornari (2001), o sonho é uma iguaria, representa uma comida
delicada, de bom paladar e bonita apresentação. Qualquer comida muito bem preparada.
É um doce fofo, estufadinho e em forma de bolota, feito com farinha de trigo, ovos e
leite. É frito na gordura quente e depois passado no açúcar com canela. Na França, onde
foi inventado, tem o voltairiano nome de “pet-de-nonne”, o que é quase nome feio.
2. O Imaginário: algumas reflexões
A reflexão feita aqui representa um esforço no sentido de compreender a
constituição do imaginário, porém, ressalta-se a pretensão de restringir sua
conceitualização. Segundo Maffesoli (2001), o imaginário é uma sensibilidade, é o que
move as multidões, a aura que envolve a cultura, uma atmosfera que caracteriza o
estado de espírito de um povo. Além disso, para o autor, o imaginário desenvolve a
função de vínculo social por ser um sentimento partilhado, uma vibração comum, sendo
determinado pela idéia de fazer parte de algo.
Pesavento interpreta o imaginário como
Um sistema de representações sociais, construídas historicamente e que se expressam por discurso, imagens e práticas. Isso equivale a dizer que são construções mentais que dão significados ao mundo e que permitem a identificação, o reconhecimento, a classificação e atribuição de valor a realidade. Mais ainda, podemos avançar nesta linha de entendimento e dizer que participam da construção da realidade, uma vez que compartilham deste núcleo de investimento original que faz com que as
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pessoas enxerguem o mundo, as relações sociais e a si próprias de uma determinada maneira. Partilham, pois, desta capacidade mágica do imaginário de fazer o mundo existir desta ou daquela maneira, guinado e iluminando o olhar, dando existência à coisa nomeada e admirada. Sendo um universo paralelo de sinais, o imaginário, como uma constelação de representações, tem a propriedade também de se substituir ao mundo do real, pois as pessoas fazem dele e nele a sua realidade (2003, p.209)
Essa abordagem indica a presença de uma aura partilhada, de uma coletividade e
da relação retroativa estabelecida entre cultura e imaginário conforme expõe Maffesoli
(2001), mas menciona também como próprio do imaginário a atribuição de valor e
construção da realidade a partir de um sistema de idéia e imagens de representação. Para
Pesavento (1995, p.35), o imaginário é como um sistema simbólico de idéias e imagens
de representação coletiva o qual todas as sociedades criam para si.
Maffesoli (1995) diz que:
O imaginário é uma configuração racional de imagens, decorrente de experiências e de realidade vividas, contextualizadas pelas características de cada um. Geramos um código simbólico próprio no inconsciente, uma coleção de imagens que vão sendo liberadas através da revisitação.
O turismo também faz parte desse mundo de imaginários, de idéias, de sonhos e
de representações, pois é, antes de tudo, um conjunto de pré-concepções e percepções
de imagens e valores de significado cultural, construído por quem viaja, antes mesmo da
experiência realizada. Muitos turista, antes de chegarem ao seu destino, já elaboraram
representações mentais dos lugares que irão visitar. Imaginar é um ato mágico,
presentifica o objeto pensado, a coisa desejada. Ao realizar uma viagem, na
contemplação da paisagem, o turista desloca seu olhar para um olhar que sua
imaginação visualiza.
A concepção do imaginário turístico deve abranger a perspectiva de identidade
do lugar. Identidade, conforme aquilo que faz de um lugar diferente, único, fruto da
interação entre indivíduos e natureza ali existentes. O imaginário é constituído de
imagens interiores, de pessoas, lugares, objetos de lembranças ou de informações
significativas, armazenadas na memória, de idéias, de visões, de explicações ou de
racionalizações que são construídas e utilizadas. O imaginário é, pois, um sentimento
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resultado de visões, de projeções ou de construções que os grupos elaboram a partir dos
conteúdos armazenados na memória individual e coletiva.
Em relação ao turismo, Gastal (2005) ressalta que os imaginários podem ajudar a
trabalhar bem melhor, desde o planejamento à comercialização. Além disso, o turismo
necessita da diversidade que os imaginários podem proporcionar.
Ainda, segundo Gastal (2001) as viagens e o imaginário sempre andaram juntos.
Por isso ela apresenta o trabalho de imagem construído por New York, Estados Unidos,
que de forma estratégica, utilizou o símbolo da maça (big apple) como estereótipo,
interpretado pelo imaginário coletivo como a cidade em que os excessos são permitidos,
uma vez que a maçã representa a tentação e o pecado. Sem dúvida, tais símbolos geram
curiosidade e motivação aos turistas levando se em consideração o perfil adequado para
a situação colocada.
É nesse sentido que as representações mentais construídas no turismo ocorrem a
partir do momento da intenção da viagem e constituem um universo elaborado pelo
imaginário, que vai ser desvelado na realização dessa viagem, quando se constroem
novas representações.
3. O Patrimônio cultural imaterial
A origem da expressão patrimônio cultural deriva dos termos monumento e
monumento histórico. A palavra monumento deriva do latin monere, que significa trazer
à lembrança, estaria carregada de uma função memorial, cuja essência residiria na
natureza afetiva que envolveria determinada construção. O monumento está fortemente
relacionado com o passado vivido e a memória, contribuindo, dessa forma, para a
preservação da identidade de uma comunidade étnica, religiosa, tribal, nacional (Choay,
2001). A palavra patrimônio de origem latina, derivada de pater que significa pai, num
sentido mais social do que a simples referencia à paternidade física (Houaiss, apud
Machado, 2004). Enquanto conjunto de bens pertencentes ao pater, é utilizada no
sentido de herança, legado, ou seja, aquilo que o pai deixa para o (s) filho( s).
Patrimônio é um conjunto de bens produzidos por outras gerações, ou seja, os
bens resultantes da experiência coletiva que um grupo humano deseja manter como
perene. Nesse sentido, patrimônio supera a definição estreita de um conjunto estático de
objetos, construções, documentos, obras, sendo uma marca, um vestígio que
individualiza os seres humanos temporal e culturalmente distintos.
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A Conferência de Paris (1972), sobre a proteção do patrimônio mundial,
cultural e natural, definiu patrimônio cultural e natural. Considera como patrimônio
cultural, no seu Artigo 1°:
- os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de elementos que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;- os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;- os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como as zonas, inclusive lugares arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico (IPHAN, 2005).
Em 1989 foi divulgada a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura
Tradicional e Popular, durante Conferência Geral da UNESCO. O documento
reconheceu a cultura popular e tradicional como parte do patrimônio cultural. Para
tanto, divulgou-se a seguinte definição:
A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem às expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes (IPHAN, 2005).
Em 1998 é promulgada outra nova Constituição (ainda em vigor), abarcando
vários artigos sobre o patrimônio cultural brasileiro. Nesse documento se efetiva a
definição desse patrimônio, precisamente no Artigo 216º:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I– as formas de expressão;II – os modos de criar, fazer e viver;III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
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artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico ( IPHAN, 2005).
O Decreto-Lei nº 3.551, de 04 de agosto de 2000, representou outro avanço
considerável do conceito de patrimônio cultural brasileiro: tal documento instituiu o
registro de bens culturais de natureza imaterial e criou o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial. O registro dos bens imateriais são, a partir de então,
condicionados à inscrição em um dos seguintes Livros: Livros de Registro dos Saberes;
Livro de Registro das Celebrações; Livro de Registro das Formas de Expressão; e Livro
de Registro dos Lugares.
É visto que o conceito de patrimônio atualmente abrange as relações, os hábitos
e até receitas culinárias. Patrimônio cultural imaterial compõe-se pelas canções, crenças,
celebrações, lendas, os saberes que passam de uma geração para outra, as manifestações
cênicas, lúdicas e plásticas, lugares e espaços de convívio e dialetos. Para muitas
pessoas, o patrimônio imaterial é uma fonte de identidade e carrega a sua própria
história.
É justamente este fazer humano de grande expressividade da comunidade que
deve ser valorizado, pois este patrimônio é único dentro de cada grupo e a comunidade
passa a entender melhor o seu presente e o passado. O reconhecimento da importância
dos elementos imateriais na constituição do patrimônio cultural tem servido, entre
outras coisas, para lhe agregar mais sentido e significado e aproximá-lo mais do
cotidiano das sociedades.
A comunidade local é a peça fundamental para a valorização de seu patrimônio
cultural. O conhecimento e a apropriação dos valores e tradições irão contribuir para a
conscientização sobre a importância de sua proteção, ou seja, são fatores indispensáveis
no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos
sentimentos de identidade e cidadania. São o cotidiano e o legado cultural apresentado
pelos seus principais atores, a própria comunidade, desenvolvendo seus afazeres diários,
seus usos e costumes.
O Turismo, por sua vez, tem sido um fator importante para a preservação e
resgate de tradições locais, que de outro modo, tenderiam a desaparecer. O patrimônio
cultural surge como importante atrativo para o desenvolvimento do turismo cultural.
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4 Turismo Cultural: um elo entre o presente e o passado
O Turismo cultural vem nos últimos anos ganhando força enquanto segmento do
turismo vinculado às questões de preservação do patrimônio cultural. Apesar das
diferentes classificações hoje empregadas a atividade turística, alguns autores afirmam
que de maneira ampla, todo tipo de turismo enquadra-se dentro de um contexto cultural,
uma vez que todas as movimentações decorrentes do turismo implicam contato humano
e cultural num espaço determinado.
Conforme Barretto (2003, p. 19), segundo a qual, turismo cultural pode ser
interpretado como “todo o turismo em que o principal atrativo não seja a natureza, mas
algum aspecto da cultura humana. Esse aspecto pode ser a história, o cotidiano, o
artesanato ou qualquer outro dos inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange”.
Conforme Lucas (2003, p.01):
Seja chamado de turismo cultural, turismo de patrimônio ou turismo de patrimônio cultural, o fenômeno de viajantes em busca de encontros excitantes e educativos com as pessoas, as tradições, a história e a arte dos povos. É uma maneira de atrair mais visitantes de outras nações, assim como satisfazer a crescente demanda do turismo doméstico por descobrir nossas próprias raízes e identidades. Mais que isso, exemplos de todo o mundo demonstram que um sistema de turismo cultural no qual as próprias comunidades investem na preservação, no desenvolvimento e na promoção de seus principais sítios históricos e tradições, pode constituir-se em parte de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento sustentável.
Para compreender a abrangente definição do autor, coloca-se que o turismo de
patrimônio cultural envolve aspectos do saber, do pensar, do sentir e do agir de uma
comunidade, a busca do conhecimento empírico do turista através do contato com a
cultura do destino turístico, tendo como principal agente educativo, o anfitrião, suas
expressões artísticas e manifestações culturais tradicionais, evidenciando que as
próprias comunidades investem na preservação de suas tradições de que a cultura só
existe pela comunidade que a construiu, ou seja, a cultura como identidade da
comunidade.
Turismo Cultural é o acesso a esse patrimônio cultural, ou seja, à história, à
cultura e ao modo de viver de uma comunidade. Caracteriza-se, também pela motivação
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do turista em conhecer regiões onde o seu alicerce está baseado na história de um
determinado povo, nas suas tradições e nas suas manifestações culturais e religiosas.
Beni (2003, p. 422), afirma que o turismo cultural refere-se à afluência de
turistas a núcleos receptores que oferecem como produto essencial o legado histórico do
homem em distintas épocas, representando a partir do patrimônio e do acervo cultural,
encontrando nas ruínas, nos monumentos, nos museus e nas obras de arte.
Gastal e Castrogiovanni (2003) apresentam algumas exigências para a existência
do turismo cultural, para que o mesmo aconteça de forma ordenada, atingindo os vários
objetivos de integração e preservação propostos por tantos estudiosos:
- o adequado ordenamento do território;
– salvaguarda dos sítios (urbanos e zonas protegidas);
– articulação da criação de produtos de turismo cultural na perspectiva humanista
defendida pelo Conselho da Europa;
– gestão dos fluxos dos visitantes;
– melhor informação;
– melhor acolhimento.
Contudo, o Turismo Cultural intensifica a auto-estima da comunidade local e oferece
a oportunidade de uma compreensão e comunicação entre os povos de formações
diversas. Tornando-se uma prática que incentiva manter a memória local, sendo um
elemento construtivo da identidade, capaz de impulsionar a cidade e a comunidade a
conscientizarem-se, pois valorizando e preservando o patrimônio e a identidade local,
estarão automaticamente fazendo o mesmo consigo.
5. Rio Pardo: contextualização histórica
O Município de Rio Pardo surge com a função militar, por sua localização
estratégica na defesa do território português, dos ataques dos espanhóis. Agregando-se
aos militares e suas famílias, os açorianos começaram a chegar em Rio Pardo em 1754.
Em 1809, na primeira divisão administrativa da então Capitania do Rio Grande de São
Pedro, um Decreto Real criava quatro as primeiras vilas, entre elas Rio Pardo. Situada
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entre a confluência dos rios Pardo e Jacuí. Pelo porto também passavam mercadorias
vindas de Porto Alegre, depois conduzidas por tração animal a outros locais da
Província, principalmente a Serra e a Fronteira.
Do contexto histórico, o município preserva ainda as edificações e os costumes
herdados das famílias luso-açorianas que colonizaram o município. A riqueza de seu
patrimônio histórico e cultural esta expresso nas igrejas, nos sobrados, nos casarões
antigos de arquitetura neoclássica com influência portuguesa, nas ruas e praças, nos
grupos folclóricos luso-açorianos e na culinária típica portuguesa. (Prefeitura Municipal
de Rio Pardo, 2000)
5.1 A História dos Sonhos Rio Pardo
Segundo relato da Senhora Eneiva, cidadã Riopardense, a presença dos sonhos
em Rio Pardo começaria na segunda metade do século XIX, quando a receita foi trazida
de Portugal pela irmã de Dona Lucila Lisboa Fischer, que uma vez ou outra vinha
passar o Natal com a família brasileira. A receita dos sonhos portugueses foi
incorporada aos costumes da família, que reunião-se para fazer os sonhos e saboreá-los
com café ou chá.
Conta a Senhora Eneiva que esta receita incorporou-se aos rituais da família
Lisboa, que a manteve como tradição. Mais tarde, a família Lisboa passou a administrar
a estação férrea de Rio Pardo. Local de grande movimentação, por onde transitavam
passageiros vindos de diversas regiões. Os sonhos, então passaram a ser preparados e
vendidos aos passageiros dos trens por garotos da cidade. A família viveu e tirou
proveito durante muitos anos destes sonhos. Largamente apreciados e reconhecidos
como os sonhos de Rio Pardo passaram a ser encomendados e adquiridos pelos
viajantes que os levavam em grandes latas para diferentes locais.
Conforme a Senhora Eneiva, a responsável pela receita, morreu na noite de
Natal em Rio Pardo, e a receita e o costume dos sonhos ganharam maior cuidado no
manter-se como segredo da família. Na década de 1960 e 1970, Biaggio Tarantino
conseguiu resgatar a receita e sua esposa Dona Eva, passou a serví-los aos jornalistas,
repórteres e artistas plásticos que participavam das comemorações da Semana Santa. Os
Sonhos começaram a ter fama através dos jornalistas que retornavam a Porto Alegre e
que ressaltavam o delicioso café na casa de Biagio com os famosos sonhos de Rio
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Pardo. Depois de Biagio, o Senhor Pascal e Dona Maria Emilia também passaram a
fazer os sonhos. Em 1994, foi criada a Casa do Turista, na Rua da Ladeira e os
proprietários sentiram a necessidade de ter o sonho por que muitos visitantes chegavam
pedindo os sonhos de Rio Pardo.
Em 2001, foi criada a primeira edição da Feira dos Sonhos de Inverno no
município de Rio Pardo, buscando a revitalização do patrimônio que foi herdado dos
luso-açorianos. A partir disso, a Prefeitura local buscou organizar oficinas para a
população, com o objetivo de difundir o saber fazer da receita dos sonhos para que mais
pessoas pudessem produzir a iguaria. Mais do que um evento cultural ou turístico, a
Feira dos Sonhos passa a realimentar o imaginário de Rio Pardo, com suas raízes luso-
açorianas.
O objetivo da Feira foi fazer com que os riopardenses revitalizem as raízes
portuguesas através da gastronomia. O sonho está ligado ao imaginário, pois as pessoas
sonham em viajar e imaginam vários aspectos do lugar a ser visitado. Esta feira utiliza-
se deste imaginário para atrair turistas que contemplam o seu patrimônio.
Este evento já esta na sua 5° edição, sendo que nesta feira contou com uma
programação variada e com 08 stand de produtoras de sonhos, entre elas: Sonhos
Dourados, Sonhos de Anjo, Sonhos Recheados Tia Mira, Sonhos Bem-Me-Quer,
Sonhos Sabor e Arte, Perola -o Sonho, Sonhos da Tia Leci, Sonhos Silvia. A Feira dos
Sonhos localiza-se na Praça Central em frente a Igreja Matriz Nossa Senhora do
Rosário.
A tradição desta receita e o segredo de seu preparo tornam-se parte do
patrimônio cultural imaterial da comunidade riopardense, que busca resgatar parte de
sua história através da realização da Feira do Sonhos de Inverno, cujo principal atrativo
são exatamente os famosos Sonhos de Rio PardO.
6. Considerações Finais
Analisar o campo do imaginário não se apresenta como uma tarefa fácil por se
tratar de um conceito complexo, conforme afirma Maffesoli (2001), ao ser limitado
acaba perdendo sua essência.
Diante das colocações dos autores sobre o imaginário, vale ressaltar que não
houve pretensão de delimitar o conceito de imaginário, podendo deixar no leitor um
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sentimento vago em relação a sua conceitualização. Todavia, como afirma Maffesoli
(2001), a sua concepção consiste justamente numa certa imprecisão.
O ser humano é um ser simbólico, sua relação com o mundo, com o trabalho,
com o lazer e turismo é sempre revestida de significações e valorizações. Todas as suas
relações são mediadas pelo significado ou pela perspectiva do imaginário. A começar da
linguagem, seu pensamento e seu comportamento fortalecem-se com uma rede
simbólica de mitos, artes, religiões, e fazeres humanos.
Buscando concretizar o imaginário de Rio Pardo, a comunidade realiza a Feira
dos Sonhos de Inverno, utilizando o saber fazer que esta na sua história, para o
desenvolvimento do Turismo Cultural no município. Sendo que o Turismo Cultural é
um turismo de integração entre povos, educativo, promovedor de inclusão social que
desenvolve aspectos sócio-culturais e promove o fortalecimento da identidade cultural
das comunidades. É o legado cultural dos luso-açorianos que esta sendo utilizado como
elemento de atração turística.
No município de Rio Pardo, o passado em suas diversas etapas constitui-se de
uma forma muito significativa ainda no presente, pois é um passado que ainda é
experimentado no cotidiano. Com isso percebe-se a importância do patrimônio cultural
imaterial, para as comunidades construir o imaginário locais.
7. Referências Bibliográficas
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GASTAL, S. Turismo na pós-modernidade: agregando imaginários. Trabalho apresentado no Congresso Brasileiro de Turismo, 2001, Fortaleza, CE, mai, 2001.
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_______________. Nação e Região: Diálogos do “Mesmo” e do ‘ Outro’. In: PESAVENTO. História e Cultura: Experiências de Pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
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