a dúvida shakespeariana

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LITERATURA

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A DÚVIDA SHAKESPEARIANA

WILSON LUQUES COSTA

SÃO PAULO

BRASIL

2013

Não pensar

Abolir todo e qualquer pensamento

De fato: as coisas adredemente preparadas

A quantidade exata de morfina e pronto

Sim

Veja que paradoxo ou quase um cogito cartesiano

Como pensar pelo pensamento o nada...

Oh, sim!

Creio que desta vez resolveste um problema filosófico

E tu que vivias a negar o nada

Tens agora o que sempre negaste em vida

Por favor, mudemos de conversa

Não...

Fiquemos nesse conceito filosófico

Fenomenologicamente o nada a ti te aparece

Posto desse modo é compreensível que naquele exato momento e somente naquele exato momento é que se dá a apreensão fenomenológica

Tu

Sujeito

(hipókheimenon)

conhecedor do objeto

Mas não pensar

A certeza exata

E tu que duvidaste e puseste em xeque todo tipo de certeza

Falemos do desespero

O que temes é o desespero e a não possibilidade de não poder escarnecer de modo efusivo de sua figura

Sim!

O medo!

Ter o medo do medo

Da impotência do não retorno

Todos os abraços te serão impotentes

A fuga da calma

Não ter a calma suficiente

A compreensão

A certeza é o que mais te dói

Sim!

Já falaste

Mas por que te apegas a esse corpo escasso

Tudo voltando ao mesmo

Serás o que foste antes

O medo

O estômago carcomido por morcegos

Lépidas baratas a ronronar na tua carne

Ratos

Lagartixas

O roxo e o amarelo desfalecendo-se entre as murchas rosas de teu corpo

Medo do relógio contínuo

Relógio do sol substituindo as tuas horas

O balancim emperrado

Imóveis panteras do tempo

Medo da perda dos laços

A vingança entorpecida

Uma pedra única cinzelando os teus dias

Lápide precisa

Uma

Duas datas

Um nome

Sobrenome

Categoria inválida dentro do cosmo apeirônico

Nos primeiros meses as visitas constantes

Depois o abandono

Depois de alguns dias purgação do sangue

Ágape das drosophilas zombeteiras

O sangue coalhado adubando a terra ignota

Restarão ainda cartilagens

Unhas que insistirão em crescer

Debalde tarefa das unhas

O contorno da caveira delineando-se sobre o teu corpo

Tu

Entregues à estupidez dos dias

Ossos

Um crânio de Hamlet ou outro qualquer

Evocação apenas

Neurônios carcomidos pelos curto-circuitos das sinapses que se desfazem

Crianças brincando com o teu fêmur

Nas ruas uma bagatela pelo teu osso

Medo também quando chegam as louvaminhas

As pseudas cordialidades

As coroas superfaturadas pelos floristas plutocráticos

Carpideiras ao redor

Velas dilatando-se sob o olhar das preces

Um par de sapatos comprado às pressas

Débito à posteridade

Único legado

O corpo exposto

O pecado ressuscitado

Em black-tie o teu corpo no esquife

O abraço abnegado

Tortura do tempo que se congela

O caminho

A sirene

A terra

O último torrão grotesco

A solidão perene

A pá na parede

A tarde que estertora

Falta de ar

Posicionamento correto

Ausência da mater com os biscoitos de Madeleine

Castas de indigentes carnificinas

Tudo hermeticamente fechado

O corrosivo óleo da eternidade

A incorporação à natureza

Engrenagens que se desarticulam

Nem mais reconheces o teu corpo

Soma helênico

Movimento longínquo nas esquinas

Nos bulevares

Riem à vontade

Desconhecem os seus dias de infortúnio

Altas gargalhadas

Algumas lembranças esparsas

O nome que fica na memória de poucos

A memória sendo julgada

No ossário o metacarpo que resiste

Lá fora um tempo que voa

Lá dentro um tempo que escoa

Lento

Lentíssimo

Nada pensar

Abolido todo e qualquer pensamento

Um

Dois meses

As visitas que rareiam

Algumas toscas reminiscências

Dez

Vinte anos

Ossos jogados ao relento

Como não pensar pelo pensamento o nada

Oh, sim

De fato

Creio que desta vez resolveste um grande problema filosófico

Tiveste de fato a devida compreensão de teu ser

A ontologia precisa

Agora e para sempre

Nada pensar...

FIM

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