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Universidade de LisboaFaculdade de Direito
DIREITO DAS OBRIGAESVolume I Introduo; Da constituio das obrigaes
Prof. Doutor Menezes Leito
Lus Manuel Lopes do Nascimento
2005/2006INTRODUO
Seco I O DIREITO DAS OBRIGAES E A DEFINIO LEGAL DEOBRIGAO
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. A definio de obrigao
O Direito das Obrigaes encontra-se essencialmente regulado no Livro II do Cdigo Civil, cujo
art. 397. nos define a prpria figura da obrigao como o vnculo jurdico por virtude da qual uma
pessoa fica adstrita para com outra realizao de uma prestao.
Para Prof. Menezes Cordeiro, na obrigao, em jogo apenas est a posio do devedor.
Em sentido amplo, podendo abranger todo e qualquer vnculo jurdico entre duas pessoas.
Haver, portanto, que efectuar uma contraposio:
A sujeio o correlativo passivo dos direitos potestativos, constituindo na necessidade de
suportar as consequncias jurdicas correspondentes ao exerccio de um direito potestativo
(algum que tem um prdio entre outro prdio e a via pblica pode ver constituda sobre ele uma
servido legal de passagem em benefcio do prdio encravado art. 1550.).
No possvel incluir o conceito de obrigao na figura da sujeio, uma vez que no estado de
sujeio no possvel obstar a que surjam efeitos jurdicos correspondentes ao exerccio do
direito potestativo. Pelo contrrio, a obrigao eminentemente violvel, ainda que acarrete
com a sano do artigo 798 ou do 817;
O nus consiste na necessidade de adoptar uma conduta em proveito prprio, ou seja, na
necessidade de realizar certo comportamento para beneficiar de uma situao favorvel (nus da
prova referido no art. 342.). A obrigao no se confunde com o nus uma vez que consiste
num dever jurdico, imposto em benefcio de outra pessoa, o credor (398). Pelo contrrio,
aquele que est onerado pelo nus no tem qualquer dever, pelo que o seu no acatamento no se
pode considerar ilcito, traduzindo-se apenas na perda ou na no obteno de uma vantagem.
O dever jurdico genrico consiste na situao em que se encontram os outros sujeitos
relativamente aos titulares de direitos absolutos. Relativamente a direitos de personalidade, como
a vida, ou a direitos reais como a propriedade, todos os outros sujeitos esto obrigados a um
dever geral de respeito, cuja infraco pode acarretar a responsabilidade civil (art. 483.).
Este dever geral de no se confunde com a obrigao. Efectivamente, nesta existe um vnculo
especfico que se traduz num situao jurdica entre o credor e o devedor. Pelo contrrio, os
direitos absolutos so direitos sem relao. RELATIVIDADE
O que caracteriza a obrigao em relao a estas figuras a circunstncia de determinada pessoa
se encontrar adstrita a realizar uma especfica conduta, positiva ou negativa, aco ou omisso , no
interesse de outra, tambm determinada. Essa conduta a prestao.
. Objecto e caractersticas do Direito das obrigaes
O direito das obrigaes assume-se como um ramo do Direito Civil que constitui o Direito
privado comum. Por esse motivo goza das caractersticas do Direito Privado: a liberdade e a igualdade
(no direito pblico predomina as caractersticas da autoridade e da competncia). Em princpio, os
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sujeitos das relaes obrigacionais tm os mesmos poderes e so livres de fazer tudo o que no se
encontre abrangido por uma proibio.
No direito privado a actuao dos sujeitos insere-se na sua liberdade de deciso, no relevando a
motivao com que foi tomado, salvo em casos graves de desconformidade ao sistema jurdico.
A unidade do Direito das Obrigaes assim fornecida em funo do conceito de obrigao,
tratando-se de um ramo de Direito cuja unidade no resulta de uma semelhana funcional ou material
entre as relaes da vida que regula, mas antes de uma semelhana de consequncias jurdicas geradas a
partir de uma relao obrigacional. Sempre que surja estruturalmente a vinculao de uma pessoa para
com outra adopo de determinada conduta, essa situao potencialmente regulada pelo Direito das
Obrigaes.
O direito das obrigaes abranger essencialmente as seguintes realidades (grande
heterogeneidade de matrias):
- Circulao de bens:
So abrangidas pelo Direito das Obrigaes todas as situaes das quais resulte alteraes na ordenao
jurdica dos bens de negcios jurdicos. Assim, so regulados pelo Direito das Obrigaes a transmisso
dos direitos reais (art. 408.), os contratos que a desencadeiam compra e venda art 874., a doao
art. 940. (ainda 1022, 1129) bem como os fenmenos de transmisso de crditos e de dvidas
(577, 589, 595, 424).
- Prestao de servios: de prestao de servios (arts. 1154.), uma modalidade contratual atpica,
que a lei regula em trs modalidades tpicas: o mandato (art. 1157.) o depsito (1185.) e a
empreitada (art. 1207.). O contrato de trabalho deixado para legislao especial (art. 1153.).
- Instituio de organizaes:
Aqui encontramos o contrato de sociedade civil (arts. 980.), que aparece regulado pelo Direito das
obrigaes como a forma comum de associao de pessoas apara a explorao de uma actividade
econmica lucrativa.
- Sanes civis para comportamentos ilcitos e culposos:
Estas sanes civis consistem essencialmente na obrigao de indemnizar os danos causados (arts.
562.), cuja fonte genericamente designada por responsabilidade civil. No mbito da
responsabilidade civil subjectiva, o sistema do Cdigo distingue a responsabilidade civil delitual (arts.
483.) da responsabilidade civil obrigacional (798.), consoante esteja em causa a violao de uma
situao jurdica absoluta, ou antes a violao de obrigaes. A sano civil aparece aqui associada a umafuno de compensao dos danos sofridos pelo lesado, levando a que por vezes seja obliterada perante
valorizao deste ltimo aspecto.
- Compensao por danos, despesas ou pela obteno de um enriquecimento:
A matria da compensao de danos abrangida pela responsabilidade pelo risco (arts. 499.) que,
no se apresenta neste caso como tendo natureza sancionatria, visando exclusivamente a compensao
dos danos segundo critrios objectivos de repartio do risco. J a compensao de despesas abrangida
pela gesto de negcios (art. 464.), instituto que visa tutelar as actuaes realizadas sem autorizao em
benefcio de outrem. A compensao do enriquecimento abrangida pelo instituto do enriquecimento
sem causa (art. 473.), que visa precisamente determinar a compensao dos enriquecimentos obtidosinjustamente custa de outrem.
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de extrema importncia a matria do Direito das Obrigaes, uma vez que abrange todo o
comrcio jurdico-privado (excepo das matrias relativas ao Direito Comercial) e todas as sanes civis
para a actuao dos privados, bem como diversos institutos destinados a efectuar a compensao por
danos ou despesas verificadas ou por aquisies obtidas custa alheia.
Seco II PRINCPIOS GERAIS DO DIREITO DAS OBRIGAES
Para o Prof. Menezes Leito, constituem princpios gerais do Direito das Obrigaes a
autonomia privada, a boa f, o ressarcimento dos danos, a restituio do enriquecimento sem causa
e a responsabilidade patrimonial.
. O princpio da autonomia privada
O Prof. Menezes Cordeiro diz-nos que autonomia corresponde a uma permisso genrica de
produo de efeitos jurdicos.
Em sentido literal consiste na possibilidade que algum tem de estabelecer as suas prprias
regras. Tecnicamente deve referir-se que dado que as normas jurdicas se revestem de generalidade e
abstraco, o que os privados fazem criar comandos, que s para eles vigoram. assim a possibilidade
de algum estabelecer os efeitos jurdicos que se iro repercutir na sua esfera jurdica.
Na autonomia privada existe uma permisso genrica de conduta, porque a todos os sujeitos da
ordem jurdica reconhecida esta possibilidade de produo de efeitos jurdicos, no havendo nenhum
que deles seja excludo. uma permisso genrica de actuao jurgena1. Pelo contrrio, no direitosubjectivo existe uma esfera de competncia, j que relativamente a certo bem, ele o objecto de um
direito subjectivo, efectua-se a sua atribuio exclusivamente a uma pessoa, uma vez que todos os outros
sujeitos vm a ser excludos dessa atribuio. Por isso no direito subjectivo existe uma permisso
normativa especfica.
Autonomia privada liberdade de produo reflexiva de efeitos jurdicos, na medida em que os efeitos
jurdicos produzidos iro repercutir-se na esfera dos sujeitos que os produzem. Essa produo reflexiva de
efeitos depende da utilizao do negcio jurdico.
Recordemos a distino entre negcio e outros factos jurdicos. O facto jurdico aquele que
produz efeitos jurdicos. Estes dividem-se em factos jurdicos strictu sensu (os que resultam de qualquer
comportamento humano voluntrio, como o decurso do tempo ou a morte) e actos jurdicos, que so
aqueles em que existe um comportamento humano. Aqui h a distinguir entre actos jurdicos simples ou
negcios jurdicos, nos primeiros temos apenas liberdade de celebrao e no segundo, para alm desta,
temos tambm liberdade de estipulao.
Negcio jurdico acto d a autonomia privada marcado pela presena de liberdade de celebrao e de
estipulao.
Facto jurdico o evento o qual o direito associa determinados efeitos jurdicos.
1 Defenio do Prof. Menezes Cordeiro
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Por isso os negcios so o instrumento tpico da autonomia privada (liberdade de produo de
efeitos jurdicos). Dentro dos negcios tambm podemos distinguir entre : unilaterais e bilaterais. Em
ambos as partes exercem autonomia privada. Contudo, quanto constituio de obrigaes, a lei atribui
primazia aos contratos (art. 405. liberdade contratual - liberdade de celebrao, de escolha do tipo
de contrato e de celebrao).
Os negcios unilaterais s em certos casos podero dar origem a obrigaes, uma vez que o art.
457. (princpio da tipicidade) refere que a promessa unilateral de uma prestao s obriga nos casos
previstos na lei.
Negcio unilateral Vs multilaterais ou contratos:
diz-se unilateral o negcio que tenha uma nica parte, multilateral quando, se assuma como
produto de uma ou mais partes (parte no significa necessariamente pessoa) ;
nos negcios unilaterais, os efeitos no diferenciam as pessoas que nele tenham intervindo; noscontratos, os efeitos diferem duas ou mais pessoas;
so ex., de negcios unilaterais o testamento 2179 ou a procurao 262. So ex. de contrato a
doao 940, compra e venda 874;
o negcio unilateral completa-se, por definio, com a declarao que os consubstancie. Os
contratos resultam do encontro de duas vontades, atravs de uma proposta e da sua
aceitao (duas declaraes);
. A liberdade contratual e os seus contedos
O que caracteriza o contrato negcio que ambas as partes esto de acordo em relao aos
efeitos jurdicos produzidos, atravs de duas declaraes negociais harmonizveis entre si
(autovinculao art. 232.). a liberdade contratual , a possibilidade conferida pela ordem jurdica a
cada uma das partes de autoregular, atravs de um acordo mtuo, as suas relaes para com a outro, por
ela livremente escolhida, em termos vinculativos para ambos (art. 406., n.1).
Liberdade de celebrao faculdade que atribuda s partes de celebrar ou no o contrato, sem
constrangimentos de qualquer ordem. No aparece directamente referida no art. 405., embora se encontre
implcita na expresso celebrar contratos diferentes dos previstos neste cdigo e esteja pressuposta noregime da formao do contrato, referido nos art. 228. do CC.
Liberdade de seleco do tipo negocial consiste em as partes no estarem limitadas aos tipos negociais
reconhecidos pelo legislador (a enumerao dos contratos meramente exemplificativa). As partes podem
livremente escolher os contratos que entenderem, mesmo que o legislador ignore totalmente a categoria
escolhida (contratos inominados).
Liberdade de estipulao faculdade de estabelecer os efeitos jurdicos do contrato (art. 405. do CC).
Esta liberdade pode ser exercida, quer no momento da celebrao do contrato quer posteriormente atravsde aditamentos ou modificao a um contrato j celebrado.
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Referncia liberdade de extino contratual, por mtuo acordo (art. 406.). Nestes casos a
extino do contrato anterior resulta de um contrato extintivo em relao ao qual existe liberdade de
celebrao e liberdade de estipulao.
Uma consequncia importante no mbito do Direito das Obrigaes a supletividade das suas
regras, isto , elas podem ser afastadas pela vontade das partes.
. Restries liberdade contratual
Pressuposto da aplicao integral de todas estas consequncias da autonomia privada a
existncia de uma absoluta igualdades entre as partes, tendo ambas poder negocial idntico e portanto a
mesma possibilidade deitar as clusulas contratuais. Porm, sabe-se hoje em dia que essa igualdade
jurdica no tem correspondncia no plano econmico.
Nesse caso a parte mais fraca pode ver-se constrangida, por fraqueza negocial, a aceitar celebrar
negcios em condies que normalmente no seriam por si aceites, dano por isso a ordem jurdica uma
tutela parte mais fraca2.
Apesar da importncia da liberdade contratual como princpio fundamental do Direito das
Obrigaes, no se pode aceitar que genericamente todo e qualquer contrato seja efectivamente baseado
na livre determinao de ambos os sujeitos.
Esta disciplina da liberdade contratual no se apresenta como um fenmeno absolutamente novo.
Desde sempre se admitiu uma restrio autonomia das partes, que consiste na proibio da celebrao
de negcios usurrios, em que uma das partes consegue obter benefcios injustificados atravs daexplorao da necessidade econmica da outra parte (art. 282.).
. Restries liberdade de celebrao
Uma importante restrio liberdade de celebrao consiste na obrigao de celebrao do
contrato. Uma das partes pode estar vinculada, por obrigao contratual ou legal, celebrao do contrato
com a outra parte. Nesses casos, a outra parte pode exigir essa celebrao (art. 817.) ou inclusivamente
obter sentena que produza os mesmo efeitos que o contrato prometido (art. 830.). A no
celebrao constitui ilcito obrigacional e gera obrigao de indemnizao.Nessa situao a liberdade de celebrao apenas existe para a parte que no esteja vinculada a
essa obrigao, e que por isso pode exigir a celebrao do contrato ou renunciar a ela. A outra parte tem
que corresponder s suas solicitaes, perdendo assim a liberdade de recusar a celebrao do contrato.
Com base na autonomia privada, as partes podem criar obrigaes de celebrao de contratos
(art. 410.). Quando a lei a impor obrigaes de celebrao, a autonomia encontra-se restringida,
podendo essa restrio considerar-se como um correctivo liberdade contratual, em virtude de se
pretender evitar os abusos de uma das partes que poderia facilmente constranger a outra parte a aceitar
2 Ao contrrio do ideal liberal expresso por Kant: quando algum decide alguma coisa por outrem possvel que cometa injustia, mas nenhuma injustia possvel quando se decide por si prprio.
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condies contratuais desvantajosas. No caso de contratos sobre bens essenciais pode mesmo haver
obrigao de celebrar contratos ou de no recusar a venda desse bem.
. Restries liberdade de estipulao
A liberdade de estipulao pressupe logicamente a liberdade de celebrao, pois uma parte no
livre de celebrar um contrato, tambm no livre de determinar o seu contedo.
As restries liberdade de estipulao so normalmente estabelecidas em virtude de uma
funo de ordenao do actual direito privado, que pretende disciplinar a liberdade contratual de forma a
evitar que esta seja exercida em prejuzo da parte economicamente mais fraca. Reconhece-se que numa
economia de economia de mercado, a autonomia privada pode em certos casos ser insusceptvel de obter
um adequado equilbrio das prestaes no contrato, o que leva o legislador a intervir.
. Contratos submetidos a um regime imperativo
Esta imposio legal justifica-se em razo da maior relevncia de certos contratos para a
satisfao das necessidades sociais elementares levando a que ela seja forada mesmo a aceitar condies
inquas se a sua recusa impedir a celebrao do contrato (contrato de trabalho trabalhador depende da
celebrao desse contrato para provar a sua subsistncia e a do seu agregado familiar ou o
arrendamento).
. Clusulas contratuais gerais
Consistem em situaes tpicas do trfego negocial de massas em que as declaraes negociais
de uma das partes se caracterizam pela pr-elaborao (antes da negociao), generalidade (aplica-se
a todos) e rigidez (no discusso do contedo).
Costumam caracterizar-se pela desigualdade entre as partes, pela complexidade e pela
natureza formularia, ainda que estas caractersticas no sejam de verificao necessria. Procura-se
assim:
- Por um lado evitar a introduo no contrato de clusulas de que o outro contraente no se
apercebeu.- Por outro lado, impedir o surgimento de clusulas inquas ou abusivas.
. O princpio do ressarcimento dos danos
Este princpio pode ser enunciado pela seguinte forma: sempre que exista uma razo de justia,
da qual resulte que o dano deva ser suportado por outrem, que no o lesado, deve ser aquele e no este a
suportar esse dano. A transferncia do dano do lesado para outrem opera mediante a constituio de uma
obrigao de indemnizao, atravs da qual se deve reconstituir a situao que existiria se no tivesse
ocorrido o evento lesivo (art. 562.).
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A simples injustia do dano sofrido no suficiente para se ter direito indemnizao. Da que o
dano seja normalmente suportado por quem o sofreu, como fazendo parte do risco geral da vida.
Em muitas ocasies ocorre um fenmeno que se denomina de imputao de danos. Quando a
lei considera existir, no apenas um dano injusto para o lesado, mas tambm uma razo de justia. A
situao de algum que o direito considera estar em posio mais adequada suportao do dano
denominada de responsabilidade civil (483.), cuja transferncia para o patrimnio do responsvel
efectua-se mediante a constituio da obrigao de indemnizar.
Tradicionalmente a imputao fazia-se pela culpa do lesante, cuja consequncia a do lesado
no ter direito a indemnizao, a menos que demonstre a culpa (art. 487./1 do CC). O rigor deste
regime foi atenuado pela consagrao de presunes de culpa do lesante (arts. 491., 492. e 493.).
Posteriormente, foi-se desenvolvendo a ideia de que a imputao de danos poderia mesmo dispensar
a culpa do lesante, e da surge a responsabilidade pelo risco, (483./2 do CC), onde se inserem vrios
casos (arts. 500., 501., 502., 503. ou 509.). Por ex., se algum atropela outrem, este ter de
indemnizar, mesmo que no tenha culpa.
A imputao de danos pode basear-se em permisses de sacrificar bens alheios no interesse
prprio, que tm como contrapartida o estabelecimento de uma obrigao de indemnizao (arts. 81./2 e
339./2 do CC). Aqui temos a responsabilidade por factos ilcitos:
- Imputao por culpa a responsabilidade baseia-se numa conduta ilcita e censurvel do
agente, que justifica dever ele suportar em lugar do lesado os prejuzos resultantes dessa sua conduta.
Tem uma funo reparatria do dano e sancionatrio do lesante.
- Imputao pelo risco o fundamento que lhe est na base uma ideia de justia distributiva.
Risco-proveito (aquele que retira proveito de uma situao deve suportar o prejuzo) risco
Profissional (aquele que exerce profisso de risco deve suportar o dano) risco autoridade (aquele
que define condutas alheias deve suportar tambm os danos).
- Imputao pelo sacrifcio a lei permite, em homenagem a um valor superior, que seja sacrificado
um bem ou direito pertencente a outrem, atribuindo uma indemnizao ao lesado como compensao
desse sacrifcio.
. O princpio da restituio do enriquecimento injustificado
Este princpio encontra-se formalmente consagrado na norma do art. 473./1 do CC. Sempre quealgum obtenha um enriquecimento custa de outrem sem causa justificativa tem que restituir aquilo com
que injustamente se locupletou.
H ainda muitas outras normas de Direito das Obrigaes que se podem justificar com base neste
princpio (por ex., 298/2; 442/2; 468/2; 472/1). Se num negcio jurdico invalido houver transmisso
dos bens para terceiro, esse terceiro responde com base no seu enriquecimento (art. 289./2 do CC). Se
ocorrer o incumprimento de um contrato-promessa em que tenha havido tradio da coisa a que se refere
o contrato prometido, o promitente vendedor tem que entregar, caso lhe seja exigido, ao promitente
comprador a valorizao que essa coisa entretanto obteve (art. 442./2 do CC), apesar de ter em princpio
direito a essa valorizao. A impossibilidade da prestao nos contratos bilaterais determina a restituioda contraprestao com base no enriquecimento sem causa (art. 795./1 do CC).
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A multiplicidade das disposies que se podem reclamar deste princpio pode implicar um certo
casusmo na sua aplicao, o que conjugado com a vaguidade da formulao do princpio torna
extremamente difcil a sua aplicao.
. O princpio da boa f
A boa f representa um conceito polissmico.
Menezes Cordeiro traduz os valores fundamentais do sistema.
Sentido subjectivo ignorncia de estar a lesar direitos alheios, sendo esse o sentido da referncia posse
de boa f no art. 1260..
Sentido objectivo regra de conduta. Aparece-nos nos arts. 227., 239., 334., 437. e 726./2 do CC.
Esto em causa no vnculo obrigacional regras de comportamento que proporcionaro a
satisfao do direito de crdito mediante a realizao da prestao pelo devedor, sem que resultem danos
para qualquer das partes. Pode acontecer que a realizao da prestao no permita a plena satisfao do
direito de crdito ou a exigncia de cumprimento pelo credor pode aparecer contrria funcionalizao
dos direitos de crdito em virtude dos prejuzos que causa ao devedor. Por esse motivo a lei estabelece
deveres de boa f para ambos os sujeitos da relao obrigacional.
No mbito do direito das obrigaes, o princpio da boa f objectiva encontra-se essencialmente
plasmado em cinco institutos:
- Responsabilidade pr-contratual (art. 227./1 do CC).
- Integrao dos negcios (art. 239. do CC).
- Abuso de direito (art. 334. do CC).
- Resoluo ou modificao dos contratos por alterao das circunstncias (art. 437./1 do CC).
- Complexidade das obrigaes (art. 726./2 do CC).
Estes institutos concretizam deveres acessrios de proteco (evita que surjam danos para as
partes), informao (sobre o objecto da negociao) e lealdade.
O art 762./2 do CC manda aplicar estes deveres tanto no cumprimento da obrigao como no
exerccio do direito. Os casos dos arts 334. e 437. correspondem a uma manifestao especfica do
princpio da boa f que consiste em tornar ilegtimo o exerccio de certas posies jurdicas quando ele se
apresenta como contrrio a vectores do sistema.A boa f divide-se ainda em dois postulados fundamentais:
- Tutela da confiana proteco das partes atravs de:
- Situao de confiana (boa f subjectiva).
- Justificao para essa confiana.
- Investimento de confiana.
- Imputao da confiana.
- Primazia da materialidade subjacente avaliao das condutas no apenas pela conformidade com
os comandos jurdicos, mas tambm de acordo com as suas consequncias. Realiza-se em trs
vectores:- Conformidade material das condutas.
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- A idoneidade valorativa.
- Equilbrio no exerccio das posies.
. O princpio da responsabilidade patrimonial
Consiste na possibilidade de o credor, em caso de no cumprimento, executar o patrimnio do
devedor para obter a satisfao dos seus crditos. Esta situao constitui um corolrio da evoluo do
direito civil.
No direito Romano era permitido ao credor matar ou escravizar o devedor. Hoje ao credor
apenas reconhecido a possibilidade de executar o patrimnio do devedor para obter a satisfao do seu
crdito. A ordem jurdica reconhece ao credor um direito prestao e ao devedor um dever de prestar,
sem assegurar por alguma forma a realizao desse direito ou o cumprimento desse dever (art.817. do
CC).
Ao definir a obrigao no art. 397. do CC como o vinculo jurdico que provoca a adstrio
realizao de uma prestao, pressupe-se o recurso a um tribunal para a segurar essa prestao. O
recurso para tribunal faz-se enquanto a prestao possvel, para exigir essa mesma prestao (aco
de cumprimento - art. 817.). Caso a realizao da prestao j no seja possvel o credor s poder
reclamar uma indemnizao (incumprimento definitivo arts. 978. e 808. - e impossibilidade
culposa de cumprimento art. 801.). O direito indemnizao tem fundamento na responsabilidade
civil causado pelo ilcito obrigacional.
O regime da responsabilidade patrimonial pode ser estabelecida atravs de trs postulados:
- Sujeio execuo de todos os bens do devedor art 601.. a responsabilidade patrimonial
ilimitada, estendendo-se a todos os bens do devedor. Existem excepes:
- Bens insusceptveis de penhora, que o so por desempenharem uma funo essencial subsistncia ou
dignidade do devedor, ou em virtude de a funo a que esto afectos ser superiora garantia dos crditos
(direitos reais).
- A situao da separao patrimonial, tratando-se de situaes em que a lei prev a sujeio de certos
bens do devedor a um regime prprio de responsabilidade por dvidas (bens adquiridos pelo mandatrio
no mandato sem representao art. 1184.; a meao nos bens comuns do casal, em relao aos bens
prprios do cnjuges arts. 1695. e 1696.).
A limitao da responsabilidade civil pode ainda ocorrer por conveno das partes (arts.602. e 603.).
- S dos bens do devedor art. 817., onde se limita o poder de execuo ao patrimnio do devedor.
Duas excepes:
- Situaes em que h bens de terceiro a responder pela dvida (fiana art. 627.; penhor 667. e 717.)..
- Quando tenha sido impugnada a transmisso de bens para terceiro (art. 610.).
- Estando todos os credores em p de igualdade trata-se da no hierarquizao dos direitos de
crdito pela ordem da sua constituio. a regra do concurso de credores prevista no art. 604. do
CC. Excepes referidas no art. 604./2 que representam casos em que o credor obtm direitos
reais de garantia, os quais atribuem ao seu titular a faculdade de ser pago frente dos demaiscredores em relao ao bem objecto do seu direito.
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Podemos dizer que existe um duplo risco de que, na fase da execuo, os bens penhorveis do
devedor no sejam suficientes para satisfao do crdito. Esse duplo risco consiste, quer na
possibilidade de o devedor por aco ou inaco fazer diminuir o seu patrimnio, quer na
eventualidade de outros credores se anteciparem e penhorarem os bens primeiramente. Este risco
pode ser evitado de duas maneiras:
- Atravs da concesso aos credores da possibilidade de reagir contra aces ou omisses do devedor de
onde podem resultar diminuies do seu patrimnio, ou seja, meios de conservao da garantia geral das
obrigaes (arts. 605., 606., 610. e 619.).
- Atribuio de outras garantias para alm do simples poder de execuo do patrimnio do devedor, ou
seja garantias especiais das obrigaes (fiana art 627. ou o penhor art. 604./2 do CC).
No confundir a responsabilidade patrimonial da responsabilidade civil. Na responsabilidade
civil, encontra-se em causa a imputao a algum dos danos causados pelo seu comportamento ou
abrangidos numa zona de riscos a seu cargo. No caso da responsabilidade patrimonial, aparece em
causa a sujeio do patrimnio do devedor ao poder de execuo dos seus credores.
Seco III CONCEITO E ESTRUTURA DA OBRIGAO
. Generalidades
Sendo o direito de crdito um direito subjectivo, a definio do seu conceito ter que ser
traada a partir do seu objecto, que conforme resulta do art. 397. vem a ser a prestao, ou seja ocomportamento que o devedor est vinculado a adoptar em benefcio do credor.
No entanto, esta configurao do direito de crdito como um direito a um simples
comportamento do devedor tem levantado a objeco de que o comportamento do devedor no ,
susceptvel de lhe ser coactivamente imposto, atravs de sanes fsicas (ningum pode ser coagido
fisicamente a realizar uma prestao). O credor apenas pode proceder execuo do patrimnio do
devedor (art 817), para obter por via judicial a satisfao do seu direito custa dos bens do devedor
(execuo especfica, a que se referem os art. 827.) ou uma indemnizao pelos danos sofridos com a
no realizao da prestao (indemnizao por incumprimento art. 798.).
Por esse motivo, questiona-se se o verdadeiro objecto do direito de crdito no ser antes opatrimnio do devedor, uma vez que s atravs dele o credor pode obter judicialmente a satisfao do seu
direito.
Temos duas realidades que podem ser tomadas como possveis objectos do direito de crdito:
- A prestao (conduta do devedor).
- O patrimnio (bens do devedor).
Para o Dr Carlos L. Barata, a relao obrigacional do artigo 397 apaga quase toda a posio do
credor e muito pensado na pessoa do devedor.
. Teorias personalistas
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chega a constituir (art. 401./1), extinguindo-se a obrigao, em caso de impossibilidade superveniente
da prestao (art. 790.), sendo que essas solues seriam incompreensveis se o objecto do direito de
crdito fossem os bens do devedor. Por ultimo a inexistncia de bens no patrimnio no impede algum
de assumir obrigaes.
- O crdito como uma relao entre patrimnios.
Sustenta-se que tendo o direito de crdito sido na origem um vnculo pessoal, hoje essa sua :configurao
estaria abandonada, tendo ele se transformado num vnculo entre patrimnios, sendo as pessoas do credor
e do devedor meros representantes jurdicos dos seus bens. Assim, no seria o devedor que deve ao
credor, mas antes o patrimnio do devedor que deve ao patrimnio do credor. O direito de crdito seria,
consequentemente, semelhana do direito real, um direito sobre benscom a nica diferena que no
recai sobre bens determinados, mas antes colectivamente sobre todo o patrimnio do devedor.
errado na medida em que os patrimnios so complexos de bens e as relaes jurdicas apenas se
estabelecem entre pessoas, no se identificando a titularidade de um patrimnio como a representao que
consiste na substituio de pessoas na celebrao de actos jurdicos.
- O crdito como um direito transmisso dos bens do devedor.
V-se a obrigao como um processo de aquisio de bens, uma vez que coloca o objecto do direito no
na pessoa, mas em bens. O fim da obrigao seria sempre a aquisio da propriedade, pelo que a
diferena entre o direito de crdito e o direito real residiria na circunstncia de este ser exercido
directamente sobre a coisa, enquanto naquele haveria um fenmeno de propriedade indirecta, um
direito aquisio de bens do devedor. Dentro desta teoria temos duas concepes: alienao da
propriedade do devedor ou o credor como sucessor do devedor.
Qualquer destas concepes apresenta-se como incorrecta, uma vez que a obrigao no envolve a
transmisso ou sucesso de bens, uma vez que a prestao pode ser de facto, e nem tem que possuir valor
econmico. Mesmo no mbito das prestaes de coisa, o que est em causa a conduta do devedor
relativa entrega da coisa, que juridicamente distinta da transmisso da propriedade sobre ela. Assim, o
direito de crdito tem sempre como objecto a prestao do devedor, sendo o direito a uma conduta de
outrem no recaindo sobre os bens ou valores do seu patrimnio. Efectivamente, mesmo que o credor
possa penhorar bens do devedor em caso de incumprimento, estes so sujeitos venda executiva para
pagamento, no ficando o credor proprietrio desses bens.
- O crdito como expectativa da prestao, acrescida de um direito real de garantia sobre o
patrimnio do devedor. possvel distinguir na obrigao duas relaes fundamentais, o dbito e a responsabilidade. A relao
de dbito corresponderia a um dever do devedor entendido como o estado de presso psicolgica em
que o devedor se encontra por existir um preceito que o manda realizar a prestao a determinada pessoa
-e a uma legtima expectativa do credor, entendida como um estado de fidcia jurdica de receber a
prestao pelo simples facto de lhe ser juridicamente devida, mas que no corresponde a um direito que
ele possa fazer valer se a prestao no for espontaneamente realizada. A relao de responsabilidade
corresponderia a um estado de sujeio, seja de uma pessoa, seja de uma ou mais coisas, seja de um
inteiro patrimnio, e ao correspondente direito daquele, a quem seja devida uma prestao, de fazer valer
essa sujeio, com o fim de tomar provvel a realizao da prestao pelo devedor, ou de obter o objectoda prestao, ou o seu valor no caso de ela no ser espontaneamente realizada.
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. As teorias mistas/dualistas
Para estas doutrinas, a obrigao tanto tem por objecto a prestao como patrimnio do devedor,
posio que se considera corresponder ao antigo direito romano, que distinguia entre a vinculao pessoal
do devedor e a sua responsabilidade bem como ao antigo direito germnico que estabelecia uma distino
entre dvida e a responsabilidade. O dbito seria o vinculo principal da obrigao, considere no dever de
efectuar a prestao, enquanto a responsabilidade consistiria num vnculo de garantia, traduzido num
estado de sujeio do patrimnio do devedor ao credor, que lhe asseguraria o equivalente patrimonial da
prestao, em caso de no cumprimento. O credor teria dois direitos fundamentais, um direito prestao,
que seria um direito pessoal, e um direito sobre o patrimnio do devedor, que seria um direito real de
garantia.
A teoria da Schuld und Haftung caracteriza-se por considerar o direito de crdito como um
somatrio destes dois elementos autnomos: o direito prestao e o direito de execuo sobre o
patrimnio. Esta teoria defende que, apesar de fazerem parte do direito de crdito, estes dois direitos
teriam natureza diversa entre si, mesmo quando coexistentes no mesmo sujeito, o que seria demonstrado
pelas seguintes razes:
- O distinto objecto qualificativo da dvida e da responsabilidade.
- A possibilidade de a dvida e a responsabilidade terem uma diferente extenso quantitativa.
- A possibilidade de um dos direitos substituir sem o outro.
- A possibilidade de a responsabilidade e a dvida respeitarem a sujeitos diferentes.
- A possibilidade de os dois direitos se constituir ou extinguirem em momentos diferentes.
A doutrina que sustenta esta concepo tem apresentado alguma divergncia quanto natureza da
responsabilidade. Alguns afirmam o seu cariz privatstico, configurando-a como um direito real de
garantia sobre bens do devedor. Outros acentuam o seu cariz publicstico, configurando-o como um
direito de natureza processual, dirigido contra o Estado.
Assim, em relao fiana, ela no constitui exemplo de responsabilidade sem dvida, uma vez
que o fiador um verdadeiro devedor, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, ainda que a sua
obrigao seja onde se ess6ria da do devedor (art 627.), sendo a assuno dessa obrigao o dofundamento da sua responsabilidade.
Por outro lado, a situao das obrigaes naturais no exemplo de dvida sem responsabilidade,
porque, ou so verdadeiras obrigaes, o que demonstraria precisamente que o direito de execuo no
faz parte do direito de crdito, ou no so consideradas obrigaes, e ento, a ausncia de
responsabilidade corresponde precisamente a uma ausncia de dvida.
A afirmao de que se pode verificar a constituio e extino da responsabilidade em momentos
diferentes tambm incorrecta. Na garantia relativa a obrigao futura, manifesto que nunca existir
responsabilidade se no se constituir a dvida. J quanto prescrio, ela constitui uma efectiva causa de
extino, no apenas da responsabilidade, mas tambm da obrigao civil, independentemente dacontrovrsia em torno da natureza da obrigao natural.
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Finalmente, h que salientar a incorreco da qualificao do poder de execuo como direito
real de garantia do crdito, uma vez que as caractersticas destes direitos so a prevalncia e a sequela e
nenhuma delas existe no poder de execuo. Essa incorreco deriva do erro de se atribuir natureza
substantiva ao direito de execuo, quando a sua natureza afinal, meramente processual,
correspondendo aco executiva, meio de tutela judicial do direito de crdito e no objecto deste direito.
As doutrinas sustentando a complexidade do vnculo obrigacional
Uma das tentativas de superao da contradio entre a prestao e o patrimnio do devedor
consiste na configurao da obrigao como uma realidade complexa, abrangendo uma srie de
componentes, onde se encontraria tanto a prestao como a execuo sobre o patrimnio do devedor.
Autores estrangeiros Zepos, Siber, Karl Larenz.
a doutrina defendida entre ns por Pessoa Jorge. Para este autor, a obrigao constitui uma
estrutura complexa, mas mesmo mais complexa do que pretendem as teorias dualistas, j que qualquer
das partes, o credor e o devedor, tema sua posio integrada por um conjunto de poderes e deveres de
natureza diversa, que tomadas em globo constituem o direito de crdito e a obrigao..
. Posio adoptada
A obrigao no se pode considerar um direito incidente sobre os bens do devedor, sendo antes
um vnculo pessoal entre dois sujeitos, atravs do qual um deles pode exigir que o outro adopte
determinado comportamento em seu benefcio.
esta a concepo adoptada pelo legislador que no seu art. 397. consagra ateoria clssica,
definindo a obrigao como o vnculo jurdico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra
realizao de uma prestao, negando a existncia de qualquer direito do credor sobre o patrimnio
do devedor. Efectivamente, a aco executiva representa apenas a aplicao pelo Estado de uma sano
pelo incumprimento das obrigaes, atravs da qual se assegura proteco jurdica ao direito de crdito.
Reconhecendo-se que o credor no tem qualquer direito sobre os bens do devedor, parece claro
que tem que se reconhecer-lhe um direito subjectivo prestao, uma vez que o devedor est
vinculado ao cumprimento.
Seco IV CARACTERSTICAS DA OBRIGAO
- A patrimonialidade.
Por patrimonialidade, entende-se a susceptibilidade de a obrigao ser avalivel em dinheiro, tendo
contedo econmico. Como argumentos em defesa desta tese invoca-se o facto de a execuo apenas se
poder exercer sobre o patrimnio do devedor e, como esta execuo pressupe sempre a liquidao
do crdito numa soma pecuniria, da resultaria a necessidade de a prestao ter valor pecunirio. Para
alm disso, estaria em princpio excluda a ressarcibilidade dos danos morais causados pelo
incumprimento das obrigaes. Daqui resultaria para a tese clssica a insusceptibilidade de se
constiturem obrigaes sem natureza patrimonial.
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O actual Cdigo Portugus afastou-se dessa orientao referindo que a prestao no necessita de ter
carcter pecunirio, mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteco legal (art.
398., n.2). Fica assim consagrada a admissibilidade de constituir obrigaes sem cariz patrimonial
(emisso de um desmentido ou de um pedido de desculpas). Resta saber quais as hipteses que esto
excludas por no corresponderem a um proteco legal.
Antunes Varela pretende-se excluir do mbito da obrigao dois tipos de prestao: as prestaes que
corresponderam a simples caprichos ou manias do devedor e as prestaes que correspondam a situaes
tuteladas por outras ordens normativas, como a religio, ou o trato-social.
Menezes Cordeiro no h obstculos a que se constituam obrigaes relativas a meros caprichos, desde
que se refiram a situaes jurdicas. Apenas se corresponderem a outros complexos normativos que no
sejam admissveis.
Galvo Telles a questo tem pouco interesse j que a maioria das obrigaes revestir natureza
patrimonial. Da que seja incorrecto limiarmente a partir da referncia ao art. 398., n.2, a
patrimonialidade como caracterstica das obrigaes, uma vez que tero natureza excepcional as situaes
em que a obrigao no reveste cariz patrimonial. Justifica-se por isso que se fale em patrimonialidade
tendencial (o crdito, enquanto direito prestao (art. 397.) garantido atravs da aco de
cumprimento e da execuo do patrimnio do devedor (art. 817.).
O Prof. Menezes Leito considera que a razo est com Menezes Cordeiro. Efectivamente, o
facto de o interesse do credor corresponder a uma mania ou capricho para a generalidade das pessoas (ex:
a realizao de uma tatuagem) no exclui a sua eventual importncia para o credor e da a admissibilidade
de, atravs do exerccio da autonomia privada, se constituir uma obrigao com esse objecto. Apenas se a
situao disser exclusivamente respeito a outras ordens normativas (comparecer em certo encontro social,
rezar determinadas oraes) que a sua juridicidade excluda e da no poder-se admitir uma efectiva
constituio de obrigaes.
Justifica-se, por isso, que se fale da existncia de uma patrimonialidade tendencial.
Efectivamente, o crdito, enquanto direito de prestao (397) garantido atravs da aco de
cumprimento e da execuo do patrimnio do devedor (817). Consequentemente o direito de crdito
consiste num activo patrimonial do credor da mesma forma que a obrigao um passivo no
patrimnio do devedor. Tal demonstrado pelo facto de, no momento do vencimento, a aco executiva
permitir a realizao de dinheiro em substituio do objecto da prestao. Mas, mesmo que o crdito
esteja vencido, ele representa um activo do credor, que o pode transformar em dinheiro, atravs da suacesso onerosa a terceiro (577), ou da sua afectao a fins de garantia (679).
*ver aula prtica do dia 24/10/05
- A mediao ou colaborao devida.
Uma outra caracterstica da obrigao a de que o credor no pode exercer directa e imediatamente o seu
direito, necessitando da colaborao do devedor para obter a satisfao do seu interesse. Neste sentido se
fala em mediao, uma vez que s atravs da conduta do devedor o credor consegue obter a
satisfao do seu interesse. O direito de crdito tem assim como caracterstica a mediao da actividade
do devedor ou a exigncia das obrigaes. E da colaborao deste, para que o credor consiga obter a
realizao do seu direito.
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Tem sido apontada como permitindo estabelecer a sua distino dos direitos reais, uma vez que a estes
faltaria essa caracterstica, na medida em que consistiriam num poder directo e imediato sobre uma
coisa. J os defensores de uma concepo personalista do direito real negam a possibilidade de utilizar
esse critrio de distino, na medida em que, configurando o direito real como uma obrigao passiva
universal, consideram o exerccio de poderes sobre a coisa como um reflexo factual ou econmico dessa
obrigao. manifesto, no entanto, que a mediao existe nas obrigaes e falta nos direitos reais, j que
enquanto nestes o direito do credor se exerce directamente sobre coisas, naquelas o direito prestao s
realizvel atravs de um intermedirio, que o devedor, que se vincula assim a prestar a colaborao
necessria para que o credor obtenha a satisfao do seu interesse.
Em certos casos, pode, porm, suceder que, perante a recusa do devedor em prestar, o credor possa obter
a satisfao do seu direito prestao por via judicial, como sucede na execuo especfica (art. 827).
Tal no justifica, porm, que se deixe de considerar a mediao como caracterstica das obrigaes, j
que, se por via judicial se pode substituir a conduta do devedor em ordem a obter a satisfao do direito
do credor, tal ocorre precisamente porque o devedor se vinculou a prestar essa conduta para esse efeito.
* ver aula prtica do dia 21/10/05 jurisprudncia
- A relatividade.
Pode ser entendida em dois sentidos:
- Atravs de um prima estrutural: neste sentido se refere que o direito de crdito se estrutura com
base numa relao entre credor e devedor.
A relatividade estrutural do direito de crdito e da obrigao , a nosso ver, indubitvel. O direito
de crdito apresenta-se como o direito de exigir a outrem uma prestao. S pode ser excludo
pelo seu titular, o credor, contra outra pessoa determinada que tenha o correlativo dever de
prestar. Assim, distingue-se dos direitos reais, que se caracterizam por terem carcter
estruturalmente absoluto, na medida em que no se estruturam atravs de um relao de
pessoas. oponveis erga omnes.
- Atravs de um prisma de eficcia: neste sentido se refere que o direito de crdito apenas eficaz
contra o devedor. Consequentemente s a ele pode ser oposto e s por ele pode ser violado. Da que a
obrigao no possa ter eficcia externa, ou seja, eficcia perante terceiros.
Aqui a questo mais discutvel:
- Cunha Gonalves: deriva em termos conceptualistas a relatividade em termos de eficcia, defendendo
que os direitos de crdito nunca podem ser violados por terceiros, j que, sendo direitos relativos, osterceiros no tm o dever de os respeitar. Assim, os direitos de crdito s poderiam ser violados pelo
devedor, no tendo o terceiro qualquer responsabilidade pela sua frustrao. Esta soluo resultaria do art.
406, n. 2 e da distino entre a responsabilidade delitual e a responsabilidade obrigacional (j que o art.
483., relativo violao de direitos absolutos, sujeita responsabilidade civil, com a consequente
obrigao de indemnizar, a sua violao culposa por qualquer pessoa, enquanto o art. 798., relativo
violao do direito de crdito, restringe ao devedor a responsabilidade obrigacional).
- Galvo Telles, Gomes da Silva: entendem que o dever geral de respeito, que a todos assiste, de no lesar
os direitos alheios tambm abrangeria os direitos de crdito, que consequentemente teriam tutela delitual
(483. do CC).
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- Menezes Leito (posio intermdia): embora no aceite a existncia de um dever geral de respeito dos
direitos de crdito, admite alguma oponibilidade dos crditos perante terceiros, atravs da aplicao
do princpio do abuso de direito (334. do CC). O terceiro poderia ser assim responsabilizado nos
casos em que a sua actuao lesiva do direito de crdito se possa considerar como um exerccio
inadmissvel da sua liberdade de aco (autonomia privada).
Com efeito, na maioria dos casos o terceiro que contrata com o devedor no deve ser responsabilizado
pelo facto de este violar as suas obrigaes, uma vez que faz parte da autonomia privada de cada um a
possibilidade de contrair sucessivas obrigaes mesmo que no esteja em condies de as cumprir
(no existe um requisito de legitimidade de constituio de obrigaes). 604/1
Consequentemente, temos de reconhecer que a constituio de um crdito a favor de terceiro
plenamente vlida, independentemente de existir um crdito incompatvel. Assim, temos de considerar a
no responsabilidade do terceiro nessa situao.
Em casos excepcionais, a responsabilizao do terceiro poder ser estabelecida, sempre que ele contratar
em termos tais que este acto seja considerado um exerccio inadmissvel de posies jurdicas (quando
infringir o art. 334. do CC).
* ver aula prtica do dia 21/10/05
- A autonomia.
Pela expresso autonomia considerar-se-ia como caracterstica da obrigao o facto de ser regulada pelo
Direito das Obrigaes. Assim, no poderiam ser consideradas como obrigaes aquelas situaes que
embora estruturalmente obrigacionais viessem a ser reguladas por outros ramos do direito (por ex., a
obrigao de pagar alimentos, estruturalmente obrigacional, mas que se apresenta regulada pelo Direito
da Famlia).
Assim, entenderamos que ao conceito de obrigao (art. 397.) se deveria acrescentar a
regulao pelo Direito das obrigaes, j que as demais no seriam verdadeiras obrigaes.
Esta uma concepo errada, uma vez que a autonomizao de uma obrigao no impede a sua
regulao pelo Direito Obrigaes nas partes no sujeitas ao seu regime especfico (a estrutura da
obrigao autnoma e no autnoma idntica).
O Prof. Menezes Leito considera assim trs caractersticas das obrigaes: a patrimonialidade
tendencial, a mediao e a relatividade.
Seco V DISTINO ENTRE DIREITOS DE CRDITO E DIREITOS REAIS
. A distino entre direitos de crdito e direitos reais
A distino essencial que se deve estabelecer entre os direitos de crdito e os direitos reais
consiste no critrio do objecto: os direitos reais so direitos sobre coisas; os direitos de crdito so
direitos a prestaes, direitos a uma conduta do devedor.
Se o crdito um direito prestao, ele caracteriza-se por necessitar da mediao ou
colaborao do devedor para ser exercido. Assim, mesmo quando a prestao tem por objecto uma
coisa, o credor no possui qualquer direito directo sobre ela, o que s sucederia se possusse um
direito real. Tem apenas o direito a que o devedor lhe entregue essa coisa. O direito prestao. O
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credor necessita assim da colaborao do devedor para satisfazer esse seu interesse. Nos direitos reais o
credor no necessita da colaborao de ningum para exercer o seu direito, j que o seu direito incide
directa e imediatamente sobre uma coisa, no necessitando da colaborao de outrem para ser exercido.
Direito absoluto, sem qualquer tipo de relao.
Da mesma forma, o direito de crdito distingue-se dos direitos reais em virtude da sua
relatividade estrutural. O direito de crdito assenta numa relao, o que implica que tenha que ser
exercido contra o devedor. O direito real no assenta em qualquer tipo de relao, dado que se exerce
directamente sobre a coisa, podendo ser oposto a toda e qualquer pessoa (oponibilidade erga omnes).
HECK qualificava o direito real como um muro que protege contra todas as direces e o direito
de crdito como um muro que apenas protege numa direco.
O direito de crdito um direito relativo pelo que a sua oponibilidade a terceiros limitada s
podendo ocorrer em certas circunstncias. Pelo contrrio, a oponibilidade do direito real a terceiros
plena. Efectivamente o direito real adere coisa e estabelece uma vinculao tal com a coisa que dela jno pode ser separado. Esta a denominada inerncia, que caracteriza os direitos reais.
A inerncia tem uma sua manifestao dinmica que a sequela, a qual significa que o titular de
um direito real pode perseguir a coisa onde quer que ela se encontre e pode sempre ser exercido3.
O direito de crdito j no tem esta caracterstica. Se algum tem direito a uma prestao e o
devedor aliena o objecto da mesma, o credor j no a pode exigir. S lhe resta pedir uma indemnizao ao
devedor por ter impossibilitado culposamente a prestao. Incumprimento definitivo da prestao.
Outra caracterstica dos direitos reais que os permite distinguir dos direitos de crdito a
denominada prevalncia, que, no seu sentido amplo, significa a prioridade do direito real
primeiramente constitudo sobre posteriores constituies, salvo as regras do registo, e a maiorfora dos direitos reais sobre os direitos de crdito, o que significa no ser possvel constituir
sucessivamente dois direitos reais incompatveis sobre o mesmo objecto, s um podendo prevalecer.
Assim, se algum vender o mesmo objecto duas vezes a pessoas diferentes prevalecer a primeira
alienao, ou em caso de bens sujeitos a registo, a que primeiro for registada. Tal significa a exigncia de
um requisito de legitimidade para a constituio dos direitos reais (art. 892. ), uma vez que com a
primeira alienao o vendedor perde a sua legitimidade para dispor do bem.
Essa caracterstica no existe nos direitos de crdito, que no se hierarquizam entre si pela ordem
da constituio, antes concorrem em p de igualdade sobre o patrimnio do devedor que rateado para se
efectuar um pagamento proporcional (art. 604. , n. 1). Assim, se algum tiver um patrimnio no valorde 1000 euros, e assumir sucessivamente duas obrigaes pagar 1000 euros a dois credores distintos, as
duas obrigaes foram validamente assumidas, tendo o patrimnio do devedor que ser dividido. Tm
todos uma posio equivalente sobre o patrimnio do devedor, a no ser que surjam acompanhados de
um direito real que atribua prevalncia no pagamento (art. 604. , n. 2). Efectivamente, os direitos reais
tm mais fora do que os direitos de crdito, pelo que, no caso de um conflito entre um direito real e um
direito de crdito, ser aquele que prevalecer.
3 Por exemplo, se algum proprietrio de um determinado bem e outrem o vende a um terceiro, que por
sua vez o torna a revender, para reclamar a coisa do seu possuidor actual o proprietrio no necessita dedemonstrar a invalidade de todas as transmisses, bastando-lhe demonstrar a sua propriedade para obter arestituio da coisa, atravs da aco de reivindicao (art. 1311. ).
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Em concluso, a distino entre direitos de crdito e direitos reais baseia-se numa diferena de
objecto. Os direitos de crdito so direitos sobre prestaes, os direitos reais direitos sobre coisas. Em
consequncia, os direitos de crdito possuem as caractersticas da mediao do devedor, da relatividade,
de uma oponibilidade a terceiros limitada, ausncia de inerncia e no hierarquizao entre si. Pelo
contrrio, os direitos reais so direitos imediatos, absolutos, plenamente oponveis a terceiros, inerentes a
uma coisa, dotados de sequela e hierarquizveis entre si, na medida em que a constituio de um direito
implica a perda de legitimidade para posteriormente constituir outro.
. A questo dos direitos pessoais de gozo
H certas figuras cuja qualificao como direitos reais se apresenta como controvertida. A nossa
lei denomina estes direitos de direitos pessoais de gozo (arts 407. e 1682.-A), entre os quais se inclui o
direito do locatrio (art. 1022.), do comodatrio (art. 1129.), do parceiro pensador (art. 1121.) e
do depositrio (art. 1185.).
O Prof. Antunes Varela qualifica-os de direitos de crdito. Para Oliveira Ascenso reconhece,
pelo menos, natureza real ao direito do arrendatrio. J o Prof. Menezes Cordeiro, defendeu numa
primeira fase a natureza real de todos os direitos pessoais de gozo, com a excepo do direito do
depositrio, face ao disposto no art. 1189., posteriormente passou a defender a tese personalista. O Prof.
Jos Mesquita defende uma posio intermdia, em que os direitos pessoais de gozo constituram um
tertium genus entre os direitos de crdito e os direitos reais. No seriam direitos reais, porque so
estruturalmente relativos, j que se estruturam numa relao entre o credor e o devedor. Mas tambm no
seriam direitos de crdito, porque so direitos imediatos sobre uma coisa corprea, j que no necessitamda colaborao do devedor para ser exercidos.
No devemos aceitar esta posio intermdia. Se o direito recai imediatamente sobre uma coisa,
no necessitando da colaborao do devedor para ser exercido, no se v como se pode afirmar que
estruturalmente relativo. Se o direito se estrutura numa relao com o devedor, no se v como pode ter
por objecto qualquer prestao sua, mas antes uma coisa. Para o Prof. Menezes Leito, a resoluo da
questo da natureza dos direitos pessoais de gozo passa assim por uma opo entre as teses
personalistas e realista, e no pela defesa de uma soluo ecltica.
O legislador pretendeu seguramente qualificar estes direitos como direitos de crdito,
estabelecendo que embora confiram o gozo de uma coisa, esse gozo resulta ou de uma obrigaopositiva assumida pela outra parte (locao, arts. 1022. e 1031. b) e parceria pecuria, arts. 1121. e
1125.) ou de uma obrigao negativa por esta assumida (comodato, arts. 1129. e 1133., n.1) ou ainda
de uma autorizao eventual (depsito, arts. 1185. e 1189.). No haveria assim um direito imediato
sobre a coisa, conforme caracterstico dos direitos reais, exigindo-se antes a mediao ou
colaborao do devedor que vimos ser caracterstica dos direitos de crdito . Por outro lado, a
insero sistemtica do seu regime no ttulo relativo aos contratos em especial e no no livro dos direitos
reais indica uma inteno de qualificao destes direitos como direitos de crdito.
No entanto, a verdade que o regime dos direitos pessoais de gozo tem muitas caractersticas
que os aproximam dos direitos reais, como seja o facto de admitirem uma tutela que extravasa dasimples aco de cumprimento e execuo (art. 817. ). Efectivamente, a lei admite a utilizao das
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aces possessrias contra terceiros que privem o titular do direito pessoal de gozo da coisa ou o
perturbem o exerccio do seu direito, aos quais equipara a outra parte no contrato (arts. 1037. , n.2,
1125. , n.2, 1133. , n. 2 e 1188. , n. 2). Quem assim qualificado pela lei como cultural devedor de
uma obrigao de gozo, vem a ser tratado pela mesma lei como eram tu1 qualquer lesante em caso de
violao desse direito de gozo. Pareceria faltar, aos direitos pessoais de gozo a relatividade estrutural que
caracteriza os direitos de crdito, sendo o direito pessoal de gozo estruturado em termos absolutos como
os direitos reais.
Para alm disso, o exerccio do gozo sobre a coisa normalmente gozo de realiza-se sem a
interveno de qualquer pessoa. O locatrio, o comodatrio, o parceiro pensador e o depositrio no
necessitam de recorrer outra parte para obter a satisfao dos seus direitos.
No caso do direito do locatrio parece existir alis um fenmeno de inerncia coisa,
semelhante ao que sucede com os direitos reais, uma vez que a lei consagrou no art. 1057. a regra: a
compra no prejudica a locao, na medida em que, ao se estabelecer que o adquirente da coisa sucede
nos direitos e obrigaes do locador, prev-se no fundo a possibilidade de o direito do locatrio perseguir
a coisa, seja qual for o patrimnio em que se encontre, soluo estranha a um direito de crdito em que a
subtraco de uma coisa ao patrimnio do devedor implica normalmente a impossibilidade de
cumprimento da obrigao de prestar essa coisa, e nunca a oneraro do patrimnio de terceiro com essa
obrigao.
Para alm disso, a lei vem estabelecer uma hierarquizao dos direitos pessoais de gozo
segundo a ordem da sua constituio ou registo (art. 407.), o que tambm se apresenta como uma
soluo estranha no mbito dos direitos de crdito, em que a regra no a da sua hierarquizao, mas
antes a do rateio sobre o patrimnio do devedor (art. 604., n.1).No podemos qualificar os direitos absolutos, dotados de inerncia e prevalncia e como direitos
reais?:
Por um argumento histrico-cultural. No mbito do direito romano os direitos reais eram
tutelados pelas actiones in rem e os direitos de crdito pelas actiones in personam. Ora, os
direitos pessoais de gozo foram sempre defendidos poractiones in personam e no poractiones
in rem, o que explica a sua configurao actual como direitos de crdito e no como direitos
reais;
Desta explicao histrica resulta a aplicao aos direitos pessoais de gozo de regras distintas
dos direitos reais. Uma delas a desnecessidade de legitimidade para constituir validamentedireitos pessoais de gozo sobre a coisa. Assim, se algum arrendar um prdio que no seu, o
arrendamento no deixa de se considerar validamente constitudo, apenas respondendo o locador
por incumprimento em caso de no conseguir proporcionar o gozo da coisa ao locatrio (art.
1034.). Neste sentido, a regra do art. 407. distinta do conflito entre direitos reais j que o
conflito entre direitos pessoais de gozo um conflito entre direitos validamente constitudos, ao
passo que o pretenso conflito entre direitos reais um conflito entre um direito e um no direito,
na medida em que o alienante s poderia eficazmente alienar uma vez o seu direito;
Por esse motivo, a defesa dos direitos pessoais de gozo distinta dos direitos reais. Estes
defendem-se atravs da aco de reivindicao (art. 1311.), onde necessrio demonstrar
que se o verdadeiro titular do direito real, o que s possvel, se no houver presunes da
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titularidade, atravs da demonstrao de uma aquisio originria do direito. Pelo contrrio, os
direitos pessoais de gozo so tutelveis contra a outra parte atravs das aces relativas aos
contratos que os constituram (art. 817.), bastando para esse efeito a invocao do respectivo
contrato (art. 406.). Essa invocao do contrato como fundamento do direito pessoal de gozo
nunca dispensada, uma vez que ela referida mesmo no caso do art. 1057.. Da que a nosso
ver no art. 1057. no exista qualquer fenmeno de sequela, mas antes uma situao de
transmisso forada das obrigaes, j que ela se funda na aquisio do direito com base no qual
foi celebrado o contrato, ou seja, numa aquisio derivada, no tendo que se demonstrar a vlida
constituio desse direito atravs de uma aquisio originria, ao contrrio do que seria tpico
dos direitos reais248.
Parece-nos assim de considerar que os direitos pessoais de gozo so direitos de crdito, uma
vez que atravs deles o titular adquire o direito a uma prestao do devedor, que consiste em
assegurar o gozo de uma coisa corprea, tutelvel atravs da aco de cumprimento . A satisfao
dessa prestao pressupe, porm, a atribuio ao credor um direito posse das coisas entregues, o que
justifica que a lei lhe atribua as aces possessrias para defesa dessa situao jurdica. A existncia de
posse nestes direitos no implica a sua qualificao como direitos reais (ao contrrio do que poderia ser
sustentado atravs de uma argumentao conceptualista a partir do art. 1251.), uma vez que neste caso o
direito ao gozo da coisa obtido a partir de uma prestao do devedor, resultando de um direito de
crdito.
Seco VI OBJECTO DA OBRIGAO: A PRESTAO
. Delimitao do conceito de prestao
Da definio do art. 397. resulta que a prestao consiste na conduta a que o devedor se obriga a
desenvolver em benefcio do credor. A prestao o contraponto no plano ontolgico da vinculao
assumida pelo devedor. Da que a realizao da prestao pelo devedor se considere como
cumprimento, importando a extino da obrigao (art. 762., n.1).
De acordo com o art. 398., n.1, a prestao pode tanto consistir numa aco ou numa omisso,
sendo o seu contedo determinado pelas partes dentro do limite legal. Pode tambm consistir no naactividade que o devedor desenvolve, mas antes no resultado dessa actividade (confronte-se os arts.
1152. e 1154. do C.C.) Prestao de factos/prestao de meios.
O art 398., n.2 estabelece um requisito suplementar, referindo-nos que a prestao, embora no
necessite de ter valor pecunirio, deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteco legal.
Estamos aqui perante um problema da patrimonialidade da prestao, a que a lei deu resposta negativa,
embora seja claro que a grande parte das prestaes revestem valor patrimonial. No entanto, a frmula
utilizada permite abranger como objecto da obrigao situaes no patrimoniais, mas que correspondam
a um interesse do credor que meream tutela jurdica, cm a publicao de um pedido de desculpas ou de
um desmentido em caso de difamao. J no constituiro, porm, objecto possvel da obrigao
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situaes que se reconduzam a outras ordens normativas4, cm o cumprimento de deveres religiosos (rezar
oraes) ou situaes de mera cortesia..
. Requisitos legais da prestao
. Generalidades
Face ao art. 397., a prestao constitui o objecto da obrigao. Nos termos do art. 398., as
partes tm faculdade de determinar o seu contedo dos limites da lei. Se a obrigao resultar de um
negcio jurdico, a prestao estar naturalmente sujeita s regras relativas ao objecto negocial (art.
280. - nulidade do negcio se a prestao desrespeitar algum desses limites). A mesma situao ocorre se
a prestao for ilcita ou indeterminvel. As regras do art. 280. so aplicveis prestao, devendo por
isso ser fsica e legalmente possvel, lcita, conforme ordem pblica e aos bons costumes edeterminvel.
No obstante a aplicao da regra do art. 280., o legislador voltou a referir-se aos requisitos da
prestao nos arts 400. e 401., que tero de assim de ser articulados com o art. 280.
. Possibilidade fsica e legal
Face ao art. 280., n.1, a impossibilidade fsica ou legal produz nulidade do negcio jurdico.
Esta regra vem repetida no art. 401., n.1, mas os n. 2 e 3 estabelecem restries a essa soluo.
Para que a impossibilidade da prestao produza a nulidade do negcio jurdico, necessrio que ela constitua uma impossibilidade originria (art. 401., n.1). Se a prestao vem a
tornar-se supervenientemente impossvel, aps a constituio do negcio, este no nulo. A
obrigao que se vai extinguir, por forado art. 790..
O art. 401., n.2, admite, porm, casos em que a prestao originariamente impossvel, mas a
validade do negcio no afectada. Sero os casos em que o negcio celebrado para a hiptese de a
prestao se tornar possvel, ou em que o negcio sujeito a condio suspensiva ou a termo inicial
e, no momento da sua verificao, a prestao j se tornou possvel. admissvel a celebrao de
negcios para a eventualidade de a prestao se tornar possvel, o que abrange situaes como a prestao
de coisa absolutamente futura (art. 399.), caso em que o devedor fica obrigado a exercer as dilignciasnecessrias para que o credor adquira essa coisa (art. 880., n.1).
A impossibilidade deve, por outro lado, ser absoluta e no apenas relativa. O art. 401., n.3,
refere-nos que apenas se considera impossvel a prestao que o seja em relao ao objecto e no em
relao pessoa do devedor. A mesma regra aplica-se impossibilidade superveniente, por fora do
art. 791.. as prestaes so em princpio fungveis, pelo que o seu cumprimento pode ser efectuado
por qualquer pessoa (art. 767., n.1). Assim, se s o devedor estiver impossibilitado de prestar, ele
deve fazer-se substituir no cumprimento da obrigao. No h, por isso, obstculos constituio da
obrigao se a impossibilidade for meramente subjectiva, exigindo-se uma impossibilidade que o seja em
4 Larenz: o interesse do credor deve ser entendido meramente como o interesse jurdico em receber aprestao, no os interesses pessoais e econmicos que ela pode proporcionar. Assim o interesse docomprador receber a coisa comprada, no o de posteriormente a revender ou oferecer.
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relao ao objecto e no meramente em relao pessoa do devedor. Da a possibilidade reconhecida de
a obrigao ter por objecto coisas relativamente futuras (art. 211.), bem como a circunstncia de a
denominada impossibilidade econmica no ser considerada como verdadeira impossibilidade, por ser
apenas referida pessoa do devedor.
. Licitude
O requisito da licitude da prestao consta dos arts. 280., n.1 e 294., de onde resulta que o
objecto negocial no pode ser contrrio a qualquer disposio que tenha carcter injuntivo (limite
autonomia privada).
A ilicitude do negcio pode ser de resultado ou de meios, consoante o negcio vise
objectivamente um resultado ilcito ou se proponha alcanar um resultado licito, atravs de meios cuja
utilizao proibida por lei. Em ambos os casos o art. 280., n.1, considera o negcio como nulo5
.
. Determinabilidade
A prestao tem que ser determinvel. Esta regra resulta do art. 280., que estabelece a nulidade
do negcio jurdico cujo objecto seja indeterminvel. Deve esclarecer-se que indeterminvel no deve ser
confundido com indeterminado, j que a obrigao pode constituir-se estando ainda a prestao
indeterminada, desde que ela seja determinvel (prestaes indeterminadas: as obrigaes
genricas arts 539. e ss. e as obrigaes alternativas arts 543. e ss.).
Em caso de indeterminao da prestao, aplica-se situao o art 400. do CC, que refere que adeterminao da prestao pode ser confiada a uma outra das partes ou a terceiro; mas que, em qualquer
dos casos, deve ser feita segundo juzos de equidade se outros critrios no tiverem sido estabelecidos.
Nesta norma, a referncia a juzos de equidade no significa uma remisso para o mero arbtrio mas
antes juzos de razoabilidade. Consequentemente as partes tm de seguir critrios pr-establecidos de
adequao ao fim da obrigao e prossecuo do interesse do credor.
Caso no resulte do negcio qualquer critrio que permita realizar a determinao da prestao,
ele ter que ser considerado nulo por indeterminvel (art. 280., n.1), no podendo o art. 400. servir para
suprir essa nulidade.
. No contrariedade ordem pblica e aos bons costumes
A prestao no pode ser contrria ordem pblica e aos bons costumes (art. 280., n.2). Estes
so conceitos indeterminados, cuja concretizao deve se feita pelo julgador6 (invalidade do negcio que
tenha como objecto a realizao de favores sexuais). A referncia ordem pblica corresponde aos
5 Menezes cordeiro a ilicitude de resultado no deve ser confundida com a situao em que apenas ofim subjectivo de quem celebra o negcio ilcito, havendo que olhar ao fim subjectivo distinto emrelao das partes em relao ao negcio, sendo nulo no caso deste ser comum a ambas as partes (art.281.).
6 Menezes Cordeiro (bons costumes) deve abranger referncia a regras de conduta familiar, sexual edeontolgica.(ordem pblica) corresponde aos princpios fundamentais do ordenamento jurdico.
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denominados princpios fundamentais do ordenamento jurdico, cuja contrariedade, mesmo que no
constando de uma norma expressa, implica a invalidade do negcio.
semelhana do que acontece com a ilicitude, tambm apenas o fim subjectivo das partes pode
ser contrrio ordem pblica ou aos bons costumes. Nesse caso, o negcio s ser nulo, se o fim for
comum a ambas as partes (art. 281.).
Seco VIII A COMPLEXIDADE INTRA-OBRIGACIONAL E OS DEVERES
ACESSRIOS DE CONDUTA
Um dos problemas suscitados pela obrigao diz respeito complexidade do vnculo obrigacional,
que justifica que se fale de obrigao em dois sentidos:
- Um estrito, correspondendo definio do art 397., que apenas abrange o binmio direito de crdito-
dever de prestar.
- Outro amplo que abrangeria todo o conjunto de situaes jurdicas geradas no mbito da relao entre o
credor e o devedor259.
Neste sentido, a obrigao constitui analiticamente uma realidade complexa, que permite
abranger:
1) O dever de efectuar a prestao principal, que por sua vez pode analiticamente ainda ser
decomposto em sub-deveres relativos a diversas condutas materiais ou jurdicas; Este o elemento
determinante da obrigao e que lhe atribui a sua individualidade prpria. Por esse motivo, as
classificaes de obrigaes fazem-se normalmente tomando apenas em considerao essa realidade (odevedor compromete-se a entregar um automvel compra e venda ou a repar-lo contrato de
empreitada).
2) Os deveres secundrios de prestao, que correspondem a prestaes autnomas ainda que
especificamente acordadas com o fim de complementar a prestao principal, sem a qual no fazem
sentido; so funcionais em relao prestao principal, que visam complementar (o devedor, alm de se
obrigar a entregar o automvel ou a repar-lo, pode secundariamente comprometer-se a encher o
depsito ou proceder ainda a uma lavagem).
3) Os deveres acessrios, impostos atravs do princpio da boa f, que se destinam a permitir
que a execuo da prestao corresponda plena satisfao do interesse do credor e que essa execuono implique danos para qualquer das partes; sucedem, designadamente nas relaes contratuais
duradouras como a sociedade ou o trabalho, em ordem a no frustrar a intensa relao de confiana e
colaborao que deve vigorar entre as partes, mas tambm em todas as relaes obrigacionais em que se
justifique a tutela de uma situao de confiana (deveres acessrios de informao, proteco e
lealdade).
4) Sujeies, como contraponto a algumas situaes jurdicas potestativas que competem ao
credor; aqui podemos incluir a faculdade de interpelao nas obrigaes puras, que coloca o devedor na
situao de mora (art. 805., n.1), ou a resoluo do contrato em consequncia do incumprimento (art.
801., n.2). Verifica-se assim que o direito de crdito, no sendo estruturalmente um direito potestativo,pode incluir no seu seio elementos de carcter potestativo.
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5) Poderes ou faculdades, que o devedor pode exercer perante o credor; podemos referir a
faculdade de o devedor oferecer a todo o tempo a prestao nas obrigaes puras (art. 777., n.1) que,
no sendo aceite, importa a colocao do credor em mora (art. 813.) e as faculdades de determinar a
prestao nas obrigaes genricas (art 539.) e alternativas (art. 543., n.2).
6) Excepes, que consistem na faculdade de paralisar eficazmente o direito de crdito; pode-se
incluir a prescrio (art. 303.) a excepo de no cumprimento do contrato (art. 428.), o benefcio da
excusso (art. 638.) e o direito de reteno (art. 754.).
Conclui-se que a obrigao constitui uma relao complexa, onde se encontra algo mais do que
a simples decomposio dos seus elementos principais como o direito prestao e o devedor de prestar.
Nesses casos fala-se em relao obrigacional complexa. Assim, a obrigao no pode ser recondutvel
estruturalmente apenas aos elementos do direito de crdito e do dever de prestao, mas incluir tambm
um conjunto de situaes jurdicas que se unem num fim que a realizao do prprio interesse docredor.
Seco IX MODALIDADES DE OBRIGAES
. As obrigaes naturais. Problemtica da sua insero no conceito de obrigao.
Uma figura cuja qualificao como obrigao se apresenta como contravertida consiste nas
obrigaes naturais, a que se referem os artigos 402. e ss. do Cdigo Civil. Elas so definidas pelo artigo
402 como as obrigaes que se fundam num mero dever de ordem moral ou social, cujo
cumprimento no judicialmente exigvel, mas corresponde a um dever de justia. O que
caracteriza as obrigaes naturais assim a no exigibilidade judicial da prestao, resumindo-se a sua
tutela jurdica possibilidade de o credor conservar a prestao espontaneamente realizada, a que se
refere o artigo 403 do cdigo. Como consequncia exclui-se a possibilidade de repetio do indevido
(476), salvo no caso de o devedor no ter capacidade para realizar a prestao.
Assim, se o devedor tiver capacidade para realizar a prestao e a efectuar espontaneamente
(403/) j no pode pedir a restituio, mesmo que estivesse convencido, por erro, da coercibilidade do
vnculo.
As obrigaes naturais no podem ser convencionadas livremente pelas partes no exerccio
da sua autonomia privada, uma vez que uma conveno nesse sentido equivaleria a uma renncia
do credor ao direito de exigir o cumprimento, o que expressamente vedado (809). S podero
admitir-se obrigaes naturais com base na disposio do 402, de que seriam exemplos a obrigao
prescrita (304/2), o jogo e aposta (1245) e o pagamento ao filho de uma compensao pela obteno de
bens para os pais (1895/2).
A lei manda aplicar s obrigaes naturais o regime das obrigaes civis, em tudo o que no se
relacione com a realizao coactiva da prestao salvo as excepes do 404. Para o Prof. Menezes Leito
o alcance desta remisso ser muito mais reduzido do que primeira vista possa parecer. No lhes
aplicvel, o regime das fontes das obrigaes. A exigncia da espontaneidade do cumprimento da
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obrigao natural incompatvel com a estipulao de garantias. Finalmente, as obrigaes naturais
no se podem extinguir por prescrio.
Natureza jurdica das obrigaes naturais Para o Prf. ML, a obrigao natural no constitui uma
verdadeira obrigao jurdica, na medida em que nela no existe um vnculo jurdico por virtude do qual
uma pessoa fica adstrita para com outra realizao da prestao (397). A simples existncia de um
dever moral e social, que corresponda a um dever de justia, no basta para se considerar subsistente na
obrigao natural um vnculo jurdico, uma vez que a prpria lei que recusa ao credor natural a tutela
jurdica desse direito ao negar-lhe a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento Ora, essa faculdade
integra o contedo do direito de crdito e no dele conceptualmente separvel. Por outro lado, nas
obrigaes civis o cumprimento da obrigao no aumenta o patrimnio do credor, uma vez que o
devedor se limita a solver um crdito, que j consistia um valor patrimonial no mbito desse
patrimnio. Na obrigao natural a situao radicalmente distinta. Sem a faculdade de exigir o
cumprimento, o direito de crdito no tem contedo, no podendo nunca considerar-se um valor activo
patrimonial do credor.
Nas obrigaes naturais, no existe, consequentemente um direito primrio prestao, como
direito de crdito. A lei limita-se a reconhecer causa jurdica prestao realizada espontaneamente,
excluindo que o prestante possa vir a recorrer a repetio do indevido, Para 476/1 determina que o
regime de repetio do indevido aplicvel, sem prejuzo do disposto acerca das obrigaes naturais.
A funo do artigo 403/1 no reside numa juridificao da obrigao natural, mas antes na tutela
de aquisio pelo credor natural, em consequncia da prestao, qual se atribui assim causa jurdica.
Classificao das obrigaes em funo dos tipos de prestaes
Prestaes de coisa e prestaes de facto
As prestaes de coisa so aquelas cujo objecto consiste na entrega de uma coisa. Por ex., na
hiptese de algum comprar um bem, o vendedor obriga-se a entreg-lo (879 b)). Por sua vez, as
prestaes de facto so aquelas que consistem em realizar uma conduta de outra ordem, como na
hiptese de algum se obrigar a cuidar de um jardim (1154). prestao de servios.
Na prestao de coisa, pode ser distinguida a actividade do devedor (prestao do devedor) da
prpria coisa (coisa a prestar) que existe independentemente da sua conduta. O interesse do credorverifica-se normalmente em relao coisa, que tem uma existncia independente da prestao, e no em
relao actividade do devedor. No entanto, o direito de crdito nunca incide directamente sobre a coisa,
mas antes sobre a conduta do devedor, j que se exige sempre a mediao da actividade do devedor para o
credor obter o seu direito. Da que mesmo nos casos de prestaes de coisa, o credor no tenha
qualquer direito sobre a coisa, o que s sucede nos direitos reais, mas antes um direito a uma
prestao, que consiste na entrega da coisa.
Pelo contrrio, nas prestaes de facto no possvel distinguir entre a conduta do devedor e
uma realidade que exista independentemente dessa conduta. O direito tem por objecto a prestao do
devedor e o seu interesse no corresponde a nenhuma realidade independente dessa prestao.
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Hoje em dia, tem utilidade distinguir entre prestao de coisa presente e prestao de coisa
futura. O art 211 (diz respeito a coisas relativamente futuras) define-nos coisas futuras, como as que no
esto em poder do disponente ou a que este no tem direito, ao tempo da declarao negocial. Para Prof.
Menezes Leito, esta definio no se apresenta totalmente correcta, uma vez que, o conceito de coisa
futura mais amplo do que este, abrangendo ainda as coisas inexistentes e as coisas ainda no
autonomizadas de outras. Os bens futuros so assim aqueles que no tendo existncia, no possuindo
autonomia prpria ou no se encontrando na disponibilidade do sujeito, so objecto do negcio jurdico
na perspectiva de aquisio futura dessas caractersticas.
Se no h qualquer obstculo a que a prestao tenha por objecto as coisas presentes, j h
algumas restries constituio de obrigaes sobre coisas futuras uma vez que, embora o art. 399
admita genericamente a prestao de coisa futura, refere logo, porm, a existncia de casos em que a lei a
probe. Efectivamente, os bens futuros podem ser objecto de compra e venda (880), mas j no podem
ser objecto de doao (942/1).
As prestaes de facto tambm admitem uma classificao entre prestaes de facto positivo
(facere) e prestaes de facto negativo (que por sua vez se subdividem em prestaes de non facere e de
pati). As prestaes de facto positivo so aquelas em que a prestao tem por objecto uma aco e as de
facto negativo aquelas em que a prestao tem por objecto uma omisso do devedor, Estas admitem,
porm, ainda uma distino consoante a omisso que objecto corresponde a no realizar determinada
conduta (non facere) ou antes a tolerar/suportar a realizao de uma conduta por outrem (pati).
ainda possvel relativamente s prestaes de facto, estabelecer uma subdistino entre
prestaes de facto material e prestaes de facto jurdico. Nas primeiras, a conduta que o devedor se
compromete a realizar uma conduta puramente material, no destinada produo de efeitos jurdicos
(ex.: realizar uma determinada obra). Nas segundas, a conduta do devedor aparece destinada produo
de efeitos jurdicos, sendo assim esse resultado jurdico includo na prestao (ex: celebrar ou no
determinado contrato).
Prestaes fungveis e prestaes infungveis
As prestaes fungveis so aquelas em que a prestao pode ser realizada por outrem que no o
devedor, podendo assim este fazer-se substituir no cumprimento. Pelo contrrio, as prestaes
infungveis, so aquelas em s o devedor pode realizar a prestao, no sendo permitida a realizao porterceiro7.
O art 767/1, determina que a prestao pode ser realizada por terceiro, interessado ou no no
cumprimento da obrigao. Desta norma resulta que, regra geral, as prestaes so fungveis, Mas, o
art. 767/2, refere os casos em que a prestao infungvel: quando a substituio do devedor no
7 No deve ser confundida a distino entre prestaes fungveis e infungveis com a distino entrecoisas fungveis e infungveis, a que faz referncia o art 207. Relativamente prestao, a suafungibilidade consiste na possibilidade de substituio do devedor. Relativamente, s coisas, afungibilidade consiste em a coisa no estar individualizada, mas apenas determinada pelo seu gnero,
qualidade e quantidade. Assim, a prestao de coisa pode ter por objecto coisas fungveis ou infungveis,mas enquanto prestao naturalmente fungvel, uma vez que as coisas, sejam fungveis ou infungveis,no tm de ser entregues pelo prprio devedor.
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cumprimento no prejudica o credor (infungibilidade natural), ou quando se tenha acordado
expressamente que a prestao s pode ser realizada pelo devedor(infungibilidade convencional).
A fungibilidade da prestao tem importncia especial para efeito da execuo especfica da
obrigao. Efectivamente, se a prestao fungvel, o credor pode, sem prejuzo para o seu interesse,
obter a realizao da prestao de qualquer pessoa e no apenas do devedor, Admite-se, por isso, que o
credor requeira ao Tribunal que determine a realizao da prestao por outra pessoa, s custas do
devedor, Assim, se a prestao consistir na entrega de coisa determinada, o credor pode requerer em
execuo que a entrega lhe seja feita judicialmente (827). Tambm as prestaes de facto positivo
podem, quando fungveis, ser sujeitas a execuo especfica (828). Um fenmeno semelhante ocorre em
relao s prestaes de facto negativo fungveis em que, se a actuao consistir na realizao de uma
obra, se pode requerer que a obra em questo seja demolida custa do que se obrigou a no fazer (829).
Ainda, mesmo que a prestao consista na realizao de uma actividade jurdica (por ex., celebrao de
um contrato), admite-se a substituio no cumprimento atravs da emisso pelo Tribunal de uma sentena
com os mesmos efeitos do contrato prometido (830).
Se a prestao infungvel, a substituio do devedor no cumprimento j no possvel, pelo
que a lei no admite a execuo especfica da obrigao. Admite-se, porm, em alguns casos a aplicao
de uma sano pecuniria compulsria, que visa precisamente coagir o devedor a cumprir a
obrigao (829 A). Para alm disso, as obrigaes infungveis esto sujeitas a um regime especfico
em caso de impossibilidade de prestao, uma vez que nelas a impossibilidade relativa pessoa do
devedor (o pintor fica sem a mo direita) acarreta mesmo a extino da obrigao, em virtude de
no ser admitida a sua substituio no cumprimento (791).
. Prestaes instantneas e prestaes duradouras
Prestaes instantneas: aquelas cuja execuo ocorre num momento nico (entrega da coisa
no contrato de compra e venda). O seu contedo e extenso no so delimitados em funo do tempo.
Podemos dividi-las em:
- Integrais: so realizadas de uma s vez (entrega da coisa pelo vendedor art. 882.)
- Fraccionadas: aquelas em que o montante global dividido em vrias fraces, a
realizar sucessivamente (o pagamento do preo na venda a prestaes 934.). Podiam ser confundidas
com as prestaes duradouras peridicas. Nas fraccionadas est-se perante uma nica obrigao cujo
objecto dividido em fraces, com vencimentos intervalados, havendo definio prvia do montanteglobal e o decurso do tempo no influindo no contedo e extenso da prestao, apenas no modo de
realizao (compra e vend
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