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A internet: “o mundo do tudo pode” 68
3 A internet: “o mundo do tudo pode”
Figura 40: tirinha veiculada na revista eletrônica Iber
Antes de dar início à apresentação das questões que são expostas e
abordadas neste capítulo, devo compartilhar uma informação bastante relevante
sobre a internet e os sites de “paquera” feitos para e utilizados por homossexuais
masculinos. Segundo o pesquisador da University of Queensland, Mark J.
McLelland, as redes de computadores vêm sendo usadas por homossexuais
A internet: “o mundo do tudo pode” 69
como ferramenta de busca de parceiros há pelo menos quinze anos, desde o
começo da década de 1990. Tudo começou nos BBS30 e depois evoluiu através
da internet com os primeiros sites de namoro na web, que teriam surgido antes
mesmo dos sites voltados para o público heterossexual31. Portanto parece que o
ato de procurar parceiros e encontros pela rede é um hábito inserido na cultura
gay há alguns anos. Levando em conta um dos meus questionamentos iniciais
(essa rede online de busca de parceiros para homossexuais seria uma variação
ou adaptação dos sites de namoro para heterossexuais, e a internet seria um
simples prolongamento do espaço das “paqueras” homossexuais), esta
constatação trouxe uma perspectiva esclarecedora sobre o conteúdo deste
terceiro capítulo que trata da internet e dos sites de “pegação” gay.
Aqui também serão desenvolvidas questões sobre as representações
visuais dos sites de busca de parceiros para homossexuais masculinos. Para
conduzir esta argumentação, apresento primeiramente o que chamo nesta
pesquisa de “mundo do tudo pode” e, a partir daí, introduzo o debate sobre suas
representações imagéticas. Quais são essas páginas, como elas operam? Quais
são os sites mais procurados e porquê? De que forma a linguagem visual de
algumas páginas influencia na usabilidade e na popularidade desses
mecanismos?
Uma vez apresentadas tais representações, proponho pensar nesses
sites como produtores ou reprodutores de estereótipos da homossexualidade
masculina.
Outro aspecto que deve ser ressaltado é a importância do papel das
entrevistas para a obtenção de muitos dos dados contidos neste capítulo, uma
vez que são analisados aqui dados inerentes à utilização da internet como
ferramenta para obter parceiros e como isso acontece através da utilização dos
30 Bulettin Board System: muito utilizado pouco antes da popularização da internet,
um BBS pode ser definido como um computador que aceita ligações de usuários
externos e oferece serviços como troca de arquivos, correio eletrônico, chat, jogos e
informações. Alguns BBS fazem conexões regulares entre si, formando redes de trocas
de mensagens, como Fidonet e RBT. Outros expandiram seus serviços, oferecendo
também conexão à internet. Como os BBSs normalmente não mantém ligações
dedicadas com a rede, o acesso à internet costuma ser limitado ao uso do correio
eletrônico. 31 Esses dados foram retirados do programa de TV Plugado em sexo: vem teclar
comigo, transmitido dia 5 de maio de 2008, às 23h30. O autor da declaração acima é
Mark J. McLelland PhD, pesquisador da University of Queensland.
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sites voltados para essa busca. Neste sentido, os depoimentos foram
fundamentais para a compreensão deste meio. Ao todo foram realizadas vinte e
quatro entrevistas em três etapas, três entrevistas piloto, treze entrevistas com
enfoque nos sites e mais oito entrevistas online via MSN, sobre os
relacionamentos afetivos/sexuais dos usuários de sites de busca de parceiros
para homossexuais masculinos.
“O mundo do tudo pode”
“Não existe interdição que não possa ser transgredida. Freqüentemente a transgressão é admitida, freqüentemente ela é prescrita.” Georges Bataille
Segundo Perlongher, 1986, os relacionamentos homossexuais
constituem “Uma rede de relações complexas entre os corpos, cuja natureza
reside no oposto da ordem cristalizada, das convenções, instituições,
constituições de todas as escalas, e que mistura diversos imaginários sociais.”
Nesta dissertação, vemos como isso se reflete e se reproduz na internet, e
também como a web facilita a reprodução dessa rede de encontros e
relacionamentos. É justamente nesse momento que ocorre o que chamo de
“mundo do tudo pode”. A expressão surgiu em uma entrevista, realizada para
esta dissertação, na qual um rapaz usou tais termos para referir-se à internet
como uma espécie de “zona franca” que permite a realização de qualquer
desejo, fantasia, ou fetiche, bastando apenas digitar as palavras certas para
executar sua procura de forma precisa.
O “mundo do tudo pode” abarca os espaços nos quais acontecem os
relacionamentos sexuais esporádicos que fazem parte de uma intimidade que o
usuário compartilha somente com os outros participantes desse “mundo”, ou
seja, ele não leva tais relações para fora desse ambiente, não as apresenta para
seus amigos ou familiares, tornando esse “mundo” desconhecido para aqueles
que não fazem parte dele. Na maior parte das vezes, tais encontros casuais
permanecem secretos, sendo partilhados somente entre pessoas muito próximas
ou que sejam freqüentadoras desses espaços.
“A “paquera” homossexual constitui, no fundamental, uma estratégia de procura de um parceiro sexual adaptada às condições históricas de marginalização e clandestinidade dos contatos homossexuais. Esta necessidade de salvaguardar certo segredo vai ter um papel decisivo, segundo Pollack, na determinação das características dos modos de conexão inter-homossexual; “isolamento do ato sexual no tempo e no espaço, a limitação a um mínimo dos ritos de preparação do ato sexual, a dissolução da relação imediatamente após o ato, o desenvolvimento de um
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sistema de comunicação que permite esta minimização dos investimentos, enquanto maximiza os rendimentos orgásticos.” (apud Pollack, 1983, p. 53, in: Perlongher, 1986, p. 157)
Para Mark J. McLelland, 2008, o caráter “secreto” da internet facilitou a
proliferação dos encontros homossexuais, uma vez que a identificação ali ocorre
por meio de apelidos, permitindo, então, uma preservação que só é possível na
rede, uma vez que em bares e boates gays qualquer pessoa poderia facilmente
ser identificada.
Na “pegação”, seja nos chats, nos sites ou ao vivo, a identificação só
acontece se a pessoa assim quiser, o que torna possível uma vivência reservada
ao “virtual” e que transcorre somente nesses espaços. É comum ouvir relatos de
homens que fizeram sexo com parceiros dos quais eles não sabem seus
verdadeiros nomes ou, ainda, de situações em que nenhuma das partes se
identificou.
Uma parcela desses relacionamentos não sai do cyberespaço e os que
saem, muitas vezes ficam reservados a um espaço bem delimitado: o das
saunas, motéis, escadas e banheiros públicos, estacionamentos e outros pontos
de “pegação”.
A internet e o “mundo do tudo pode”
A internet apresenta-se como uma alternativa bastante atraente para
pessoas que, por alguma razão, não possam ou não queiram procurar parceiros
fora da rede, além de constituir uma forma rápida e constante de obter sexo
casual, como uma espécie de ponto de encontro quase sempre disponível.
Existem diversos autores que abordam a internet em pesquisas
acadêmicas, enfatizando seu caráter de ponto de encontro. Entre eles estão
Bauman, Laddaga, Castells e Nicolaci da Costa, além de outros.
Nesta pesquisa, a internet apresenta-se como suporte das
representações dos sites de busca de parceiros para homossexuais masculinos.
Este espaço não é somente um ponto de encontro, mas também um universo
pictórico que abriga uma série de imagens que retratam subgrupos e culturas da
homossexualidade masculina, em alguns casos mostrando estereótipos
associados à homossexualidade, como a representação barbie, por exemplo.
Este suporte constitui uma etapa importante no desdobramento de
algumas questões propostas para esta dissertação, como, por exemplo, a
relação entreos estereótipos apresentados na rede e o uso que as pessoas
fazem dos sites ou, ainda, se existe alguma relação entre os estereótipos
reproduzidos na rede e os que são encontrados fora dela.
A internet: “o mundo do tudo pode” 72
As páginas especificamente voltadas para homossexuais masculinos que
buscam encontros, parceiros ou qualquer forma de contato com esse universo,
constituem um ambiente de reunião para diferentes culturas da
homossexualidade masculina. O “mundo do tudo pode” não está completamente
inserido na internet, ele se estende para além se pensarmos na proposta da
procura de um encontro que virá a se concretizar fora dela ou no uso da internet
como um estimulo visual para qualquer forma de “despertar da sexualidade”32. O
movimento dentro e fora da rede é constante, e as referências visuais entre
online e offline são mescladas todo o tempo. Isso vale para todos os tipos de
usuários como mostra Nicolaci-da-Costa:
“Foram criados ambientes coletivos próprios, como as salas de bate-papo, que reuniam inúmeros usuários e podiam ser freqüentadas por quem quer que assim o desejasse, independentemente de onde vivesse. A criação desses ambientes de encontro coletivos foi o que realmente subverteu todos os parâmetros então vigentes de comunicação à distância, pois inaugurou uma era em que contatos interpessoais podiam ser travados virtualmente (geralmente por escrito) (...) Movidos pela curiosidade de experimentar algo completamente novo, milhões de pessoas ao redor do mundo passaram a despender horas à frente de um computador, freqüentando os ambientes de encontros e construindo relacionamentos virtuais mais ou menos duradouros.” (Nicolaci-da-Costa, 2005, p. 57)
A partir de um “mundo do tudo pode” que se funde e se mistura entre
vivências que ocorrem dentro e fora da rede, pode-se pensar na internet como
reprodutora dos estereótipos que foram apresentados nos capítulos anteriores
ou como uma produtora de novos estereótipos?
Se a web produz estereótipos, quais seriam eles? Como aconteceria essa
articulação com as representações do offline? Para tentar esclarecer estas
questões, é necessário explorar melhor o conteúdo da rede relacionado aos sites
de encontro e busca de parceiros para homossexuais masculinos.
3.1. Os sites de busca de parceiros para homossexuais masculinos
Nesta seção, apresento uma descrição e uma análise da amostragem
geral dos sites pesquisados, lembrando que ao todo visitei aproximadamente
setenta páginas na tentativa de obter uma amostra significativa do que é
32 Alguns entrevistados citaram constantemente o uso da internet para “despertar
a sexualidade” segundo eles a rede funciona para muitos como um estímulo visual para
a masturbação.
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oferecido na rede para a busca de parceiros. Contudo, vale ressaltar que faço
uma análise mais detalhada do conteúdo e da linguagem visual apenas dos
cinco sites mais mencionados pelos entrevistados, que são os seguintes:
Disponível.com, Manhunt.net, Gaydar.co.uk e dois sites da rede Muscle.com –
BigMuscle.com e Bearwww.com.
Para fazer a exposição dos sites nesta seção, os seguintes critérios
foram utilizados: em um primeiro momento faço uma apresentação do que existe
na rede voltado para homossexuais masculinos relacionado à busca de
parceiros, ou seja, quais sites, o que mostram, qual seu conteúdo; para, a partir
desta introdução, abordar aspectos do funcionamento técnico e operacional do
site, como, por exemplo, a criação de um perfil e a apresentação dos recursos
mais comumente encontrados na navegação dessas páginas. Além disso,
apresento também alguns critérios relacionados ao design dessas páginas,
como a escolha das imagens utilizadas nas homes e as formas cromáticas mais
encontradas nesse meio.
Os sites de busca de parceiros voltados para homossexuais masculinos
existentes na internet constituem mecanismos de busca complexos, abrindo uma
gama bastante extensa de possibilidades a seus usuários. Entre suas formas
mais conhecidas estão os “sites de pegação”, os chats online e o “segundo
Orkut”33.
Os “sites de pegação” apresentam diferentes variações de expressão
visual além de aspectos da conduta das várias culturas existentes no universo
homossexual masculino.
Existem sites de busca de parceiros voltados para diferentes segmentos
da homossexualidade, como, por exemplo, sites específicos para homossexuais
femininos, como o GaydarGirls.com – não tão populares ou difundidos quanto os
voltados para os rapazes –, e os voltados para homossexuais masculinos como
o GaydarGuys.com, Manhunt.com e os sites da rede Muscle.com, que procuram
atrair um público de bodybuilders, possuindo alguns desdobramentos como o
33 O segundo Orkut consiste em um perfil fake criado por alguns usuários para
freqüentar comunidades relacionadas a sexo, sejam elas heterossexuais ou
homossexuais.
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site BigMuscleBear.com, para rapazes musculosos, com pêlos no corpo,
“parrudos”34 e seus admiradores.
Pode-se encontrar, também, páginas voltadas para os diferentes
subgrupos e culturas da homossexualidade masculina, algumas com uma
grande diversidade, como os sites para ursos e barbies, além de outros com
menos variedade, mas tão facilmente acessíveis como as webpages
especificamente voltadas para algum fetiche ou prática sexual, como leathers,
BDSM, gears, military, truckers 35.
A forma de utilização desses sites é razoavelmente simples e
semelhante. O usuário faz um perfil pessoal e preenche um cadastro com alguns
detalhes de sua constituição física e preferências sexuais – alguns sites são tão
detalhados, que já vêm com opções pré-estabelecidas para serem preenchidas,
tais como ativo, passivo ou versátil, solteiro ou casado, homossexual, bissexual
ou heterossexual – e, por fim, faz uma descrição breve de si e o que procura em
um parceiro. Ainda há a opção de colocar disponíveis para visualização uma ou
mais fotos, que podem ou não ter conotação sexual, o que varia conforme o
regulamento de cada site e o desejo do usuário.
Os muitos sites de “pegação” que existem hoje na rede possuem
diferentes quantidades de mecanismos de funcionamento, ferramentas de
procura e filtros que traçam o perfil do usuário que mais se adequaria ao gosto
de quem procura. Entretanto, fui surpreendida ao ouvir de dois entrevistados que
estes consideram a complexidade das ferramentas de busca uma limitação e
não uma vantagem na procura de um perfil específico. O que pode ser visto no
depoimento abaixo:
“A ferramenta de busca do Gaydar te dá tantas opções de busca, que te atrapalha. Às vezes você pode gostar de tudo aquilo ou nada. É chato, você não tem como se enquadrar, você perde um monte de gente, pessoas que podem simplesmente ver a sua foto e gostar”.
34 Para o “universo ursino” os parrudos são rapazes musculosos que não
necessariamente tem uma aparência atlética. São homens altos, corpulentos de braços
fortes, mas com certo acúmulo de gordura não existentes em atletas e bodybuilders. 35 Leathers, gears, military e truckers são gírias relacionadas a fetiches
encontrados em alguns sites ligados a sexo para homossexuais masculinos. Leather
designa o fetiche com couro; gear, com roupas esportivas e uniformes não militares;
military, com uniformes militares, armas de fogo e acessórios relacionados a fardas; e
truckers é o termo usado para designar os que têm fetiche por caminhoneiros.
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Alguns sites são totalmente gratuitos, enquanto outros oferecem
algumas facilidades e uma sofisticação na navegação com o pagamento de uma
taxa mensal, proporcionando um status VIP ou gold, forma como a maioria dos
sites denomina os usuários pagantes.
As formas de interação entre os usuários desses sites são muitas e vão
para além do primeiro apelo visual que é oferecido ao acessar a página inicial.
Existem diversas opções como troca de mensagens instantâneas,
encaminhamento direto de mensagens para caixas de e-mail e bate papo em
tempo real. Pode-se também utilizar outros recursos, como adicionar pessoas
como melhores amigas, favoritas e também deixar emoticons36, além de dar nota
aos perfis que o usuário mais gostar.
Há ainda neste mesmo contexto a promoção de concursos de beleza
internos, como acontecem no site www.gaydar.co.uk e nos sites da rede
muscle.com.
Nas imagens abaixo apresento um exemplo do preenchimento do perfil
do site www.manhunt.net, mostrando alguns detalhes de como realizar uma
busca por outros usuários.
Figura 41: detalhe do preenchimento do perfil do site Manhunt.net. O primeiro passo é
criar um nome para o perfil, inserir endereço de e-mail, criação de senha e leitura dos
termos de utilização do site.
36 Emoticons são grafismos, imagens, símbolos e desenhos, como, por exemplo,
smiles e GIFs animados, utilizados em alguns programas da internet.
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Figura 42: opções pré-estabelecidas para preenchimento pelo usuário, como:
constituição corporal, preferência por práticas sexuais (ativo ou passivo), local e data
para encontro, além do espaço para o cabeçalho e o about, um texto criado pelo usuário,
resumindo suas características pessoais em poucas palavras
Figura 43: procura no site Manhunt.com e lista com os perfis que se encaixam na
busca realizada
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Figura 44: exemplo de perfil do site Manhunt.net
3.1.1. Os perfis versus as homes
Um aspecto me chamou bastante a atenção ao observar os sites para a
pesquisa: mesmo com o contraste estético entre as diferentes culturas da
homossexualidade masculina, existe uma constante homogeneidade de imagens
contidas nas homes dos sites de busca de parceiros.
Por outro lado, observa-se uma diferença marcante ao pensar nos perfis
existentes e nas homes dos sites. Há um contraste constante entre imagens –
homens musculosos com o torso nu, em poses que remetem ao sexo ou à
sexualidade de uma forma geral –, com os muitos perfis contidos dentro dos
sites. Já na área restrita aos perfis, a semelhança entre as imagens se repete, só
que de outra maneira.
Na “parte de dentro” dos sites, ou seja, nos perfis, podemos ver outros
padrões imagéticos recorrentes, que se apresentam da seguinte forma: close-
ups de órgãos sexuais, cuecas molhadas, ânus expostos, pênis em ereção
sendo comparados com todo tipo de objeto fálico, ou seja, uma série de alusões
ao caráter sexual dos sites, mas com imagens que na maioria das vezes não
foram trabalhadas por um profissional. Em contrapartida, existem outros perfis
A internet: “o mundo do tudo pode” 78
mais discretos que exibem somente partes de corpos como uma espécie de
quebra-cabeças. Raramente vêem-se perfis com fotos exibindo o rosto dos
usuários. Abaixo, seguem alguns depoimentos que mostram a opinião de
usuários com relação ao conteúdo dos perfis dos sites de busca de parceiros
para homossexuais masculinos:
“Tem gente que põe foto do pinto ao lado do desodorante Rexona que é um
tubo enorme, ou do controle remoto. Tem gente que tem um pau enorme e põe
ao lado de lata de cerveja para comparar tamanho, grossura (risos).”
“Eu acho ótimo as pessoas que têm um texto assim: “pirus e bundas
falantes nem me escrevam.” (...) Então por que está ali? (...) Então saí dali,
porque a maioria não põe o rosto.”
“É, meus perfis eram super discretos, uma coisa assim: uma foto do corpo,
um comentário e nada. (...) E nu, não, eu nunca botei nada nu.”
A aparência da maioria dos perfis dos sites de “pegação” está descrita
nos depoimentos acima, o que denota uma outra forma de homogeneidade
imagética ali contida. Além disso, nesses perfis, estão implícitas algumas
questões que vão além da simples apresentação informal do conteúdo. Ao
aprofundar-se um pouco mais nessas imagens, pode-se notar variações
recorrentes de alguns estereótipos ligados à homossexualidade masculina, como
ativo e passivo, por exemplo.
Nas muitas vezes que os usuários colocam fotos somente de seus
genitais, pode-se levar em conta a existência de um “código” que explicita
sexualmente ativos e passivos. Ativos costumam colocar fotos de seus pênis em
destaque, enquanto passivos fazem o mesmo com fotos de suas nádegas ou
ânus. Este fato não constitui uma obrigatoriedade, mas pode ser constatado com
significativa freqüência ao se observar as preferências sexuais associadas aos
perfis com essas imagens.
Além desses exemplos, existe uma minoria de usuários que se recusa a
colocar fotos que exponham algo a mais do que seu corpo, ou seja, existe a
crença de que ao não exibirem seus rostos, eles estão contando com algum tipo
de preservação. Outros acreditam, também, que não mostrar muito faria parte de
um jogo de sedução. Portanto, em alguns casos, não se aposta no obvio, a
opção por revelar, ou não, certas partes configura uma atmosfera de “suspense”
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que pode tornar bem mais interessante para alguns a procura em sites de busca
de parceiros.
“No fundo – ou no limite – para ver bem uma foto, mais vale erguer a cabeça ou fechar os olhos. (...) A subjetividade absoluta só é atingida em um estado, um esforço de silêncio (fechar os olhos é fazer a imagem falar no silêncio) a foto me toca se retiro seu blábláblá costumeiro “técnica”, “realidade”, “reportagem”, “arte”, etc. Nada dizer, fechar os olhos, deixar o detalhe remontar sozinho a consciência afetiva.” (Barthes, 1984, pp. 84,85)
Por outro lado, existem aqueles que contam com um tipo de exposição que
não teriam no meio da rua, ao exibir pernas, um peitoral definido ou um pênis
enorme. Alguns usuários afirmam que a rede abre precedente àqueles que
preferem exibir partes do corpo que normalmente não se mostram expostas a
um potencial parceiro em um primeiro momento ou em um encontro fora da
internet.
Pode-se dizer que de certa forma os perfis podem diferenciar-se das
imagens da home, pois boa parte dos usuários tem uma aparência física
diferente daquela dos modelos expostos na abertura das páginas, além de
muitos não contarem com os recursos fotográficos utilizados em estúdios ou
know-how necessário para retocar uma foto digitalmente. Contudo, eles guardam
semelhanças com as homes, ao reproduzir certos padrões imagéticos, alguns
estereótipos e muitas vezes estarem associados a algum tipo de postura ligada à
sexualidade.
3.1.2. A relação imagem, desejo e sexualidade nos sites
A relação entre as imagens ligadas ao sexo/sexualidade e a utilização
dos sites é muito estreita. Apesar de alguns entrevistados afirmarem não
utilizarem os sites para procurar um parceiro, havia sempre a menção de que as
imagens ali contidas funcionariam como uma espécie de “revista eletrônica de
conteúdo adulto”. Isso fica bem ilustrado em certos depoimentos que obtive por
parte de alguns entrevistados. Um deles afirma nunca ter utilizado os sites para
procurar um parceiro, somente osprocura os sites “a título de curiosidade (...) é
só para masturbação, p******* sabe? Ver também quem do seu círculo freqüenta
a rede.”
Além dessa utilização da internet como “revista eletrônica”, o contato com
a rede pode levar usuários para um pouco além do estímulo visual e tornar-se
A internet: “o mundo do tudo pode” 80
uma ferramenta de busca para satisfazer outros de seus desejos sexuais, uma
vez que fica bem clara a utilização que é feita desses espaços, como explica
outro entrevistado: “o Disponível diz: “sexo já”. (...) Os sites são para arrumar
alguém para fazer sexo, para excitação sexual ou procura de parceiros.”
Por outro lado ainda, quando um site foge ao apelo sexual direto, seu
conteúdo muitas vezes não fica claro e, segundo alguns entrevistados, “pode
haver confusão na intenção do site”, o que, ainda segundo eles, poderia
ocasionar o “fracasso” do site, uma vez que as imagens funcionam como
chamariz. Ao serem questionados sobre alguns sites que mostram imagens de
dois homens abraçando-se ou rapazes de mãos dadas na rua, alguns rapazes
afirmam que não se sentiam atraídos a conhecê-los ou explorá-los mais
detalhadamente, como é o caso do anúncio mostrado na figura 45. Em alguns
depoimentos, isso pode ser percebido de forma bem clara:
“A primeira coisa que se nota é o visual: as imagens têm que usar o
estereótipo para atingir, têm que usar, senão não vai atingir”.
Outros entrevistados também mencionam como as imagens direcionam o
usuário e o estimulam a conhecer o conteúdo:
“A imagem serve para te ligar que é de p******”. “Esse site deve ser
vazio, essa imagem de dois carinhas juntos no meio da rua soa falso.”
Figura 45 e figura 46: imagem de dois homens abraçados mostrada aos entrevistados e
imagem do site anunciado, o Significant Others
(http://www.significantothers.co.uk/uncovered.php)
É interessante perceber nas imagens acima que tanto o anuncio quanto o
site fogem bastante da proposta gráfica do restante do conteúdo visto nesta
dissertação, porém, todas as vezes que essas imagens foram apresentadas para
usuários, as reações a elas foram negativas. Por outro lado, as imagens vistas
nos sites comumente citados e utilizados como referência pelos entrevistados
são bem aceitas entre os rapazes, assim como os estereótipos contidos nas
homes ou nos perfis dos sites.
A internet: “o mundo do tudo pode” 81
Os estereótipos que vão além das homes
Pode-se notar de forma razoavelmente clara ao se observar alguns
perfis em sites de busca de parceiros que algumas vezes existe uma relação
próxima entre as figuras utilizadas por usuários para retratarem a si mesmos nos
perfis dos sites, e a intenção erótica/pornográfica das imagens contidas na
home. Abaixo, seguem alguns exemplos de perfis de sites que possuem
imagens de alguma forma semelhantes àquelas encontradas nas homes.
Figura 47: perfil do site BigMuscleBear Figura 48 : perfil do site Gaydar.co.uk
Figura 49: perfil do site Gaydar.co.uk Figura 50: perfil do site Manhunt.net
Portanto, a repetição constante dos estereótipos fica presente não
somente nas páginas principais dos sites, mas também nas imagens utilizadas
por muitos usuários, e, além disso, pode-se pensar na constituição de um padrão
imagético relacionado diretamente à internet, ou seja, na formação de um novo
estereótipo derivado daquele barbie/beefcake que é difundido em alguns meios
de comunicação ligados à homossexualidade masculina só que próprio da
internet, sendo que, neste caso, quem cria, propaga e alimenta esse estereótipo
são os usuários dos sites.
Sendo assim, os estereótipos apresentam-se de diversas maneiras nos
sites, seja reforçando o caráter de “entretenimento adulto” desses espaços ou
devido à interação com os usuários na constituição de seus perfis. A existência
desses perfis possibilitou a criação e a reprodução de estereótipos e
A internet: “o mundo do tudo pode” 82
personagens como o “saradão da internet”37 ou aqueles presentes nos vastos
sites de fetiches. Antes de sua difusão na rede, os adeptos de fetiches ou
práticas sexuais especificas partilhavam espaços de interação mais restritos ou
fechados, mas atualmente a informação sobre essas práticas pode ser acessada
de qualquer localidade no mundo conectada à rede.
Seria a rede, então, produtora de novos estereótipos? Ou a internet
funcionaria apenas como uma extensão daqueles que existem nos meios de
comunicação offline voltados para a homossexualidade masculina?
3.2. Verdade ou conseqüência? – Estereótipo: produção, reprodução e/ou extensão
Esta seção tem como objetivo principal discutir a relação da internet com
a produção e a reprodução de estereótipos ligados à homossexualidade
masculina. A escolha do conteúdo imagético utilizado aqui deu-se basicamente
por duas vias: a primeira foi a observação que fiz dos sites de busca de
parceiros e a segunda, as repetidas menções a alguns deles nas entrevistas que
realizei para esta dissertação. O cruzamento desses dados forneceu pistas
interessantes para averiguar qual o papel da internet na propagação das
imagens estereotipadas contidas nas páginas e o que ocorre com essas figuras
em decorrência da interação dos usuários com os sites.
Para conduzir esta argumentação, apresento primeiramente os
estereótipos e representações imagéticas mais freqüentemente visualizados na
rede através das imagens dos sites de busca de parceiros com que tive contato
durante o levantamento de dados, expondo detalhes, semelhanças e diferenças
em seus projetos de design, como a utilização de cores, fotografias, ilustrações e
aspectos de navegação das páginas, para, então, a partir dessa apresentação
inicial, apontar questões relacionadas à constituição e à reprodução de alguns
estereótipos da rede.
37 O que os usuários chamam de “saradão da internet” é o rapaz que monta seu
perfil nos sites de parceiros com fotos que levam a crer que ele possui um corpo
musculoso ou em forma, mas na verdade aquelas imagens em pouco lembram a
aparência daquele indivíduo ali retratado.
A internet: “o mundo do tudo pode” 83
3.2.1. Quem é quem na rede: o design, os estereótipos e as representações
Os sites de busca de parceiros voltados para homossexuais masculinos
são mecanismos bastante democráticos em abrangência, porém possuem
contornos muito específicos no que diz respeito a quem são direcionados.
Existem diferentes categorias de sites que são voltados para os diversos
subgrupos e culturas da homossexualidade masculina.
Entre essas categorias e variações estão sites dirigidos para bears,
muscles, leathers, turkish, gears, além de outros especificamente ligados a
fetiches ou práticas sexuais específicas como top-bottom (ativo ou passivo),
considerando que, quando se trata de ativo e passivo, muitas vezes a imagem
pode fazer referência também a “dominador e dominado”, além de outros tipos
de representações e referências ligadas ao BDSM.
Para a melhor compreensão dos estereótipos e das representações
contidas nos sites, optei por expor o conteúdo que melhor os sintetizava.
Primeiramente, ressalto aspectos relacionados ao design das páginas, para, em
um segundo momento, comentar os estereótipos que estão presentes nesse
meio de comunicação.
As páginas foram separadas e selecionadas em duas categorias:
subgrupos e culturas; e sites ligados a fetiches e práticas sexuais específicas.
Boa parte das páginas expostas aqui foi indicada por amigos ou
entrevistados. Algumas outras, encontrei explorando os sites e pesquisando
seus links.
3.2.1.1. O design: subgrupos, culturas e etnias
Exemplos de sites bears
Figura 51: site BcnBears.com Figura 52: site AllBears.net
A internet: “o mundo do tudo pode” 84
Figura 53: site BearWorld.com Figura 54: site Bmb.com
Os sites bears e as peculiaridades em seu design
Os sites voltados para bears utilizam cores que remetem à bandeira bear,
ou seja, uma adaptação da bandeira do arco-íris, variando do marrom claro até o
preto. Essa gama cromática é muito utilizada em impressos voltados para os
“ursos”. Além das cores, outro símbolo forte relacionado ao movimento bear e
bastante encontrado é a pata do urso. Alguns sites ligados à cultura “ursina”
empregam ilustrações, enquanto outros criaram personagens próprias, utilizando
o animal urso como forma de representação. Porém, de uma forma geral, os
sites bear mais utilizados e citados por usuários contam com a mesma “fórmula”:
uma ou mais imagens de usuários ilustrando a sua página de abertura, em
conjunto com algumas referências da cultura bear, como pode ser visto nos
exemplos anteriores.
Exemplos de sites muscle e jocks
Figura 55: site BigMuscle Figura 56: site DudesNude
Figura 57: site Gaydar.co.uk Figura 58: site RealJock.com
A internet: “o mundo do tudo pode” 85
O design dos músculos
Sites muscles, jocks e barbies, muitas vezes recorrem à cor branca como
fundo, o que os torna um excelente pano de fundo para a utilização de cores de
diferentes matizes. De forma semelhante aos sites bears, pode-se perceber
referências à bandeira do arco-íris, neste caso em sua versão original. Alguns
detalhes de navegação como menu, logotipo e barra de rolagem, também
podem ter cores vibrantes ou detalhes coloridos. A forma sob a qual as imagens
são apresentadas não varia muito entre si, bem como a aparência dos modelos
utilizados: homens musculosos, sem camisa, às vezes somente com roupas de
baixo ou em trajes de banho. Vale ressaltar que este é o modelo imagético mais
recorrente na maioria dos sites de busca de parceiros voltados para
homossexuais masculinos, formando uma espécie de padrão.
Exemplo de sites normal gay
Figura 59: site NormalGay.com Figura 60: site Qausus.com
Everyday design
Sites normal gay, segundo relatos dos usuários, constituem uma espécie
de “movimento de resistência” daqueles que dizem não se “encaixar em lugar
nenhum”. Sua linguagem visual é bastante semelhante entre eles, porém não tão
diferente dos sites jocks/barbies, a não ser pela ausência de modelos
fotográficos em suas páginas de abertura. É comum visualizar cores claras ao
fundo, menu de opções à esquerda, e fotos de perfis dos usuários na home.
Curiosamente, esta é uma “fórmula”, ensinada e praticada por alguns
webmasters, para a construção de websites acadêmicos e empresariais.
A internet: “o mundo do tudo pode” 86
Exemplos de sites para asiáticos, japoneses, turcos e negros
Figura 61: site GayEbonyxxx.com Figura 62: site HairyTurkish.com
Figura 63: site FridaeGayAsia.com Figura 64: site JapanBoyz.com
Design e etnia
Sites voltados para diferentes grupos étnicos possuem aparências bem
variadas entre eles. O que é mostrado acima são exemplos do que existe na
rede portando esse conteúdo. A semelhança de tais espaços com o restante do
que existe ligado à busca de parceiros para homossexuais masculinos encontra-
se na disposição das imagens e na forma como elas são apresentadas: homens
nus masturbando-se, ilustrações explícitas de dois rapazes fazendo sexo na
home, além de torsos nus e modelos com corpos depilados abraçando-se. A
utilização das cores é diversa, algumas vezes fazendo alusão à bandeira
nacional do país ao qual se refere (como no site JapanBoys.com) e em outras,
sem nenhum motivo aparente para a escolha. Quanto à navegabilidade, todos
funcionam de forma bem semelhante, com um menu de ferramentas, um espaço
para realizar buscas e outro para inserir o login.
3.2.1.2. O design: fetiches e práticas sexuais específicas
Os sites voltados para fetiches e práticas sexuais especificas não
possuem uma variedade tão extensa para escolha de uma mesma categoria
como as páginas mostradas na seção acima. Entretanto, possuem uma gama
razoavelmente grande de temáticas. Durante a procura online, pude encontrar
uma série de especificidades ligadas a tais variações: fetiches com couro –ou
A internet: “o mundo do tudo pode” 87
relacionado não ao BDSM –, fetiches gear, ou seja, por todo o tipo de uniforme
não militar e roupa esportiva – roupas de mergulho, ciclistas, boxeadores, roupas
infláveis, uniformes de trabalho, frentistas, pedreiros, pipoqueiros,
caminhoneiros,etc. –, fetiche por uniformes militares de todas as forças armadas,
BDSM e submissão, fetiche por pés, fetiche pelo uso de objetos sexuais, e,
finalmente, o fetiche ligado a alguma faixa etária específica, como por rapazes
entre 18 e 21 anos e homens com mais de 40 anos.
A apresentação desta sessão difere um pouco da anterior pela seguinte
razão: não existe uma homogeneidade específica no design de cada grupo de
fetiche ou determinada prática sexual, mas ainda assim a maioria desses sites
possui aspectos em comum em seu design. Sendo assim, optei por agrupá-los
em categorias para que se possa ter uma idéia geral de seus conteúdos. Os
comentários relacionados ao design de todos os sites apresentados nesta seção
vêm após a exposição de seu conteúdo.
Exemplos de sites trucker e caminhoneiros
Figura 65: site BigTrucker.com Figura 66: site GayTruckers.com
Figura 67: site TruckChaser.com
Exemplos de sites gear e militares
Figura 68: site GearFetish.com Figura 69: site GearFetish.com
A internet: “o mundo do tudo pode” 88
Figura 70: site GayMilitaryxxx.com Figura 71: site MilitaryFantasy.com
Exemplo de site leather e BDSM
Figura 72: site Slave4Master.com
Exemplos de sites voltados para uma faixa etária específica
Figura 73: site GaydarYoung.com Figura 74: site HotMature.com
Design, sexo e fetiche
No que diz respeito à linguagem visual desses sites, sua aparência geral
não difere muito do restante das páginas da seção anterior. Nas homes pode-se
visualizar quase sempre a imagem de um modelo que representa a temática
abordada pelo site, com alguma parte do seu corpo à mostra – o torso, as
pernas, uma camiseta entreaberta –, podendo-se visualizar repetidas vezes o
gesto “mãos nos genitais”38.
38 Manipular os genitais desta forma é uma “gíria” utilizada na “pegação” de rua
conhecida como “passar o cartão” e “digitar a senha”, ou seja, o rapaz interessado
manipula seus genitais olhando para a contraparte da paquera que, se estiver
interessada, retribui o gesto.
A internet: “o mundo do tudo pode” 89
Outra forma de linguagem visual utilizada nesses sites é a pose que
insinua uma postura sexual. Já na palheta de cores usada, nota-se a repetição
do uso do preto, das cores escuras e do vermelho em muitas ocasiões, enquanto
nos sites especificamente voltados para fetiches militares percebe-se a repetição
do uso de diferentes tonalidades de verde – muito provavelmente por remeter ao
aparato militar – e aos uniformes de campanha.
Na seção seguinte, serão discutidos os estereótipos que estão presentes
nos sites apresentados anteriormente e como se dá a relação dos usuários com
as imagens apresentadas nos sites.
3.2.2. Estereótipos: produção, reprodução ou extensão?
“O sujeito amoroso não tem à sua disposição nenhum sistema de signos confiáveis.” (Roland Barthes)
Esta seção tem como objetivo dar continuidade à discussão das questões
pertinentes ao tratamento gráfico que o design dá especificamente às imagens
dos sites de busca de parceiros. Contudo, neste momento, mais do que a
descrição das características mais evidentes de seu design gráfico, como foi
apresentado acima, o que será discutido é o papel da internet na produção ou
reprodução de estereótipos através dos sites. Afinal, qual o papel dela? Como
acontece a relação entre as imagens da home das páginas e o propósito dos
sites? Existe uma conexão entre a visível homogeneidade imagética existente no
universo online da procura de parceiros e o uso que é feito dessas páginas?
Para conduzir a argumentação neste subcapítulo, empreguei trechos das
entrevistas realizadas para esta dissertação, já que elas ilustram bem as
relações dos usuários com a rede, além de algumas imagens que demonstram
as diferenças entre as representações da rede e as que acontecem fora dela.
3.2.2.1. A rede: o objeto e seus objetivos
A primeira constatação que pude fazer após algumas entrevistas foi a
respeito do caráter de utilização da rede: por que aquelas imagens estão ali e
são apresentadas daquela forma? As imagens estereotipadas estão lá porque de
alguma maneira elas funcionam como um código, uma sinalização de uma
conduta sexual. Pouco importa se aquilo traduz ou não o que existe fora do
A internet: “o mundo do tudo pode” 90
suporte, seja ele o site, a filipeta ou o anúncio da revista, desde que deixe bem
claro o seu propósito.
Então, ao realizar uma observação em cerca de setenta sites, pude ver
claramente a repetição e a reprodução dos estereótipos ligados ao sexo, ao
desejo, e a homogeneidade das imagens ali contidas. A questão é o sexo, o
desejo, e principalmente a forma como são mostrados os objetos do desejo.
Para ilustrar um pouco do que existe na rede através da exposição da
opinião dos usuários, escolhi dois trechos de entrevistas que deixam claras suas
opiniões sobre o conteúdo da rede. São falas específicas sobre as imagens
contidas nas homes dos sites e o caráter dito “surreal” pelos entrevistados.
“No Gaydar39, cada vez que você entra tem uma imagem, tem teen, cara
mais velho, negro com branco, vários tipos de pessoas. Claro que a maioria está
naquele corpo saradasso”.
“Lá (na internet) você vai ver a barbie sem camisa mostrando o peito
maravilhoso, a barriga maravilhosa, o diafragma maravilhoso, enfim, isso tem, e
eu acho que os sites ficam muito nesse caminho em geral”.
Portanto, a partir desses depoimentos, torna-se um pouco mais claro que
a homogeneidade do conteúdo da rede é percebida claramente por quem a
utiliza. Então, ao acessar a internet, o que se encontra é o estereótipo do homem
musculoso, jovem e bonito. Por outro lado, pode-se supor também que aquilo
que difere deste estereótipo não tem espaço ou destaque na rede.
Uma vez o que se encontra quando se entra na internet é uma oferta
farta de belos corpos, procurei saber quais são as intenções ao se acessar a
rede e o que se procura naqueles espaços, ou seja, o que os rapazes esperam
encontrar na internet? As respostas obtidas levam a crer que os usuários vêem a
rede como um mecanismo de obtenção de sexo rápido e que o intuito inicial ao
procurarem um site de “pegação” é o de conseguir sexo, como pode ser visto
nos depoimentos a seguir:
“Internet é sexo direto, sem precisar gastar dinheiro com pizza. Não
precisa levar para jantar, gastar dinheiro, é grátis”, “A internet é o lugar do belo, é
pura imaginação.”.
“Acho que tem duas coisas, a primeira é tesão e a segunda, solidão. Quando você vai só pelo tesão, acho que a coisa flui muito melhor. Pela solidão pode ser uma coisa meio depressiva. Eu acho que no fundo, no fundo essas pessoas estão sempre procurando tudo, sexo sim, tem a coisa
39 O entrevistado refere-se ao site Gaydar (http://www.gaydar.co.uk/).
A internet: “o mundo do tudo pode” 91
do sexo bem mais presente, consciente, e no fundo lá no fundo todo mundo quer achar um puta relacionamento. Nada impede que isso aconteça, para sexo é um caminho, digamos, muito bom.” “Ninguém jamais descobriu a feiúra por meio de fotos. Muitos, por meio de fotos descobriram a beleza (...). Ninguém exclama, “isso é feio! Tenho que fotografa-lo.” Mesmo se o dissesse, significaria o seguinte: “Acho essa coisa feia... bela”. (...) o papel da câmera no embelezamento do mundo foi tão bem sucedido que as fotos mais do que o mundo, tornaram-se o padrão do belo.” (SONTAG, 2005, p. 37)
Através da fala dos entrevistados, vai ficando mais claro como a internet,
antes de qualquer coisa, opera nesses casos como mecanismo bastante
eficiente para procura de sexo ou excitação sexual. Portanto, o uso das imagens
estereotipadas que mencionei acima está diretamente relacionado a esta
constatação.
Assim como acontece fora da rede, a representação relacionada à
aparência barbie/beefcake possui um espaço razoavelmente grande na internet.
Pode-se especular o porquê desta constatação, porém não me proponho a
respondê-la, e sim somente apresentar algumas hipóteses que poderiam clarear
a questão, mesmo que parcialmente.
“Sabemos que a homossexualidade pode ser ainda mais previsível e estereotipada do que a heterossexualidade, a masculinidade e a feminilidade corriqueiras. Por outro lado, é um discurso que estende uma promessa de diferenciação (logo de significação) em relação ao previsível e ao estereótipo.” (Portinari, 1989, p. 93)
Primeiramente, pode-se pensar a cultura barbie como alicerce, uma vez
que ela vem sendo moldada desde a criação de um estereótipo beefcake. A
outra suposição estaria ligada à questão do desejo. A aparência da barbie ou do
“gay classic” pode ser encarada como referência para alguns, por povoar o
imaginário homossexual masculino como selo ou referência daquilo que é
desejável.
Apesar do discurso de muitos usuários mostrar-se “adverso” à estética
barbie, ela pode ser vista em figuras de “carne e osso”, na profusão de go go
boys em diversas boates gays pelo mundo afora e nos garotos de programa que
exibem seus corpos constantemente na via Apia, no Rio de Janeiro, ou no
parque do Trianon, em São Paulo.
Essa homogeneidade de figuras não está restrita a alguma região
geográfica, ou cultura específica, ela repete-se em sites de outras partes do
mundo, bem como em sites que são voltados para outros segmentos da cultura
A internet: “o mundo do tudo pode” 92
homossexual masculina como é o caso dos “ursos”. Tal semelhança pode ser
vista nas imagens mostradas na próxima página.
Tanto o site Manhunt.net, que possui versões em português, espanhol,
inglês alemão e francês, quanto o site LebTour.com, uma página libanesa
voltada para “ursos”, utilizam imagens de aparência semelhante para ilustrar
suas homes. O uso de símbolos de virilidade é uma constante nesses meios de
comunicação. Segundo alguns usuários, a utilização dos estereótipos acontece
justamente para atingir quem procura os sites, sinalizando seu intuito.
“O que eu acho é que essas imagens têm que usar os estereótipos certos para atingir. Tem que usar, senão não vai atingir. Meu ex entra na internet, no Disponível, porque ele sabe pela cara que lá tem p*****. É o objetivo, sacanagem, p******. As imagens são voltadas para isso mesmo. O maluco entra na internet, vê o cara de p** de fora, ele vai direto lá”.
Figura 75: site http://www.lebtour.com/ Figura 76: site http://www.manhunt.net/
Essas imagens e, por conseqüência, os estereótipos formados por elas,
funcionam como uma espécie de guia que conduz os usuários através das suas
navegações pela internet. Assim, quando um site utiliza imagens de homens
musculosos com gestos que insinuam uma postura sexual, ele está direcionando
os usuários para o intuito desse site, e tal sinalização funciona como atrativo.
“Você vê, sabe do que se trata. Se não interessa, salta fora.”
Portanto fica mais do que explícito que a reprodução desses estereótipos
está diretamente ligada ao desejo, ao sexo, à sexualidade, indo muito além da
tentativa de identificação e reconhecimento de um grupo específico, ou seja,
sites de “ursos”, de barbies ou de caminhoneiros utilizam os mesmos apelos
como chamariz.
A linguagem visual dos sites de “pegação” está diretamente ligada à
intenção dos encontros sexuais dos usuários desses espaços. Os estereótipos
ali exibidos são parte de uma vivência gay que é constituída por uma série de
condutas e hábitos exercidos pelos homossexuais masculinos, constituindo
A internet: “o mundo do tudo pode” 93
dados legítimos de suas práticas, bem como de um imaginário ligado a essa
cultura.
O mesmo padrão estético das homes dos sites pode ser visto também
em anúncios de revista, filipetas de sauna e boates com festas para solteiros
fora da rede, o que demonstra que esses estereótipos estão muito presentes no
que diz respeito às representações ligadas ao desejo e á sexualidade.
Tendo em vista todas essas constatações, pode-se pensar a rede como
simples reprodutora dos estereótipos que estão presentes nos meios de
comunicação offline? Ou a relação dos usuários com a rede modificou de
alguma forma essas representações e acrescentou aspectos que as tornam
próprias da rede?
3.2.2.2. Algumas representações além da imagem
Como visto acima, muitos sites de busca de parceiros usam estereótipos
ligados ao sexo e à sexualidade como cartão de visita. Contudo, os estereótipos
presentes nas páginas não estão limitados àqueles das páginas principais, e
devido à possível interação que os usuários têm nesse meio, outras formas de
estereótipos foram surgindo graças ao universo online.
Alguns desses estereótipos são de alguma forma próprios do imaginário
homossexual masculino antes mesmo do advento da internet, como é o caso de
ativo e passivo, efeminado e másculo, porém estes receberam novos contornos
na rede. Em outros casos, os sites promovem a criação de estereótipos próprios,
alguns inclusive incompatíveis com o que existe fora da internet, como, por
exemplo, a grande maioria dos perfis que são preenchidos por usuários que
exacerbam características de virilidade e masculinidade, além de uma aversão à
posição sexual de “passivo”, como veremos logo abaixo.
Opções pré-estabelecidas para preencher: ativos, passivos e
versáteis
A dicotomia ativo e passivo permeia territórios do universo homossexual
masculino, que vão além do ato sexual em si; elas passam por questões de
estigma e poder. Pode-se tentar estabelecer uma comparação valorativa entre a
posição cultural da barbie e a do homossexual masculino “ativo”. As duas são
consideradas estereótipos de força e masculinidade, como se tais atributos
remetessem de imediato a uma qualidade almejada e desejada por muitos
dentro desse universo. Tanto a barbie quanto o ativo, são estereótipos
A internet: “o mundo do tudo pode” 94
facilmente encontrados nos sites de busca de parceiros, seja em suas homes ou
em seus perfis.
“O “normal” é associado ao estereótipo do “ativo” e o “estigmatizado” ao de “passivo”, correspondendo o primeiro a função sexual do heterossexual masculino e o segundo, à função do heterossexual feminino. Por extensão, numa ordem inversa, o homossexual masculino “passivo” e o homossexual feminino “passivo” corresponderão ao “estigmatizado” e o homossexual masculino “ativo” e feminino “ativo” corresponderão ao “normal”. (Misse, 1979, p. 33)
A imagem do homossexual masculino ativo está diretamente ligada a
questões pertinentes à virilidade do indivíduo. É muito comum ver nos sites de
“pegação” uma abundancia de perfis exibindo as opções “ativo” ou “versátil”
(pessoa que faz tanto o papel ativo, quanto o passivo durante a relação sexual).
Identificar-se como “passivo” em um site de busca de parceiros é estigmatizante.
Muitos rapazes negam-se inclusive a assumir a sua homossexualidade nos
perfis, alguns inclusive insistem em marcar as opções bi ou heterossexual por
acreditarem que isso constitui um símbolo de masculinidade. O depoimento de
um entrevistado em especial ilustra bem a questão.
“Eu colocava que era ativo ou que fazia as duas coisas. Eu colocava que sou bi. Porque bissexual não é gay, bissexual ele até faz, mas ele não é homossexual. Ele até faz, mas ele não é gay. Tipo assim, eu sou gay, homossexual, mas gay é aquela coisa gay, que todo mundo pensa, num site desses, gay é gay, aquela coisa: viado.” “O estigmatizado tem sobretudo uma necessidade: a de controlar a “informação” de seu estigma, principalmente este não é evidente (caso do desacreditável). Como se dá a “informação social” do estigma? Ela é a linguagem que permite distinguir o “normal” do “estigmatizado”. Comporta uma expectativa de uma unidade contraditória, o eu-outro, e carrega sempre um componente normativo em forma de estereótipo.” (Misse, 1979, p. 26)
O que é bem interessante aqui é a criação de um estereótipo que só
funciona na rede, mas que está presente em espaços offline, e a construção de
um estigma que forma um contraponto muito presente no imaginário
homossexual masculino: o homossexual viril e másculo versus o homossexual
de gestos e condutas femininas. Neste caso, a imagem do feminino é rechaçada
pelo entrevistado e não só por ele. Sua preocupação em não parecer “aquela
coisa gay que todo mundo pensa”, não concerne só a ele. Realmente a maioria
dos perfis não é preenchida com a opção homossexual e muitos assinalam
heterossexual nos espaços destinados à opção sexual. Isso não diz respeito aos
parceiros com que se faz sexo, mas sim a um estereótipo que denota e, mais
A internet: “o mundo do tudo pode” 95
ainda, que aponta aquele que marca “heterossexual” ou “bissexual” em seu perfil
como menos efeminado do que aqueles que preenchem as linhas com
“homossexual”.
No entanto, o ambiente offline parece ser bem distinto do conteúdo
apresentado em alguns dos perfis dos sites. Muitos entrevistados comentam
sobre essas diferenças e do que se pode esperar de um parceiro durante uma
relação sexual fora da rede. Como afirma um entrevistado:
“Dizer que é ativo, todos dizem. Todos, não. Dizem aqueles que são ou querem parecer mais machos, bofinhos, sabe? Normalmente o que marca “passiva” é a “bichinha” o “afeminado”, aí ninguém procura ou só procura quem gosta, e são poucos. Isto te prejudica muito, deixa você limitado, o seu público, quem te procura... Os mais machos marcam ativo ou “totalflex”. Agora na hora H, todos ficam de quatro para mim. Acho que falta ativo no mercado. Acho que devo começar a pular na cama na frente das bichas e ficar de quatro primeiro para ver se alguém me come!” A passividade está carregada de estigmas negativos. O estereótipo do
passivo, para o universo homossexual masculino, está diretamente ligado a uma
posição de feminilidade e submissão, e de certa forma, esta posição não é
exatamente desejada por muitos. Na verdade, no que diz respeito aos perfis dos
sites, a relação parece não se limitar a “passividade” ou “atividade” sexual, mas
também a uma conduta e aparência viril. Existiriam, então, algumas fórmulas de
sucesso tanto para as páginas principais dos sites quanto para seus perfis.
Aparência máscula + ativo + bissexual ou heterossexual + músculos = muitos
usuários, muitas visitas e um perfil muito popular. Algumas páginas promovem
concursos de beleza entre usuários que votam nos perfis mais interessantes
segundo eles. Um exemplo disso pode ser visto no site BigMuscle.com que
exibe os vencedores em sua home de tempos em tempos.
Essa associação constante entre “passividade” e “feminilidade” pode ser
vista não somente nos sites, mas também em outros meios de comunicação
ligados à homossexualidade masculina, e esta representação muitas vezes é
repassada ao público também de forma estereotipada. A citação abaixo mostra
um diálogo que se passa durante o episódio piloto do seriado Queer as Folk. A
cena ocorre em uma boate onde três personagens estão encostados no bar,
observando homens seminus passando para um lado e para o outro, quando o
interlocutor faz uma breve descrição de seus amigos.
“E esses são meus dois amigos, Ted e Emmet. Emmet pode ser um pouco “campy” ok, muito “campy” mas você tem que admitir, estes dias é preciso muita coragem para ser uma rainha em um mundo cheio de “comunardes”. Ted é esse cara super inteligente, e ele tem um coração enorme. Porém,
A internet: “o mundo do tudo pode” 96
aqui ninguém está interessado no tamanho desse órgão.” (Queer as Folk, 2000)40 Como podemos ver na fala de Michael, o narrador, o fato de seu amigo
ser campy o coloca em uma posição à parte. Entre outras coisas, Emmet
representa um estereótipo ligado a diversas características, entre elas o
feminino. O camp, neste caso, refere-se a uma conduta que mescla um excesso
ou um exagero estereotipado e proposital e uma conduta elegante. O dicionário
de termos gays Robert Scott define camp de duas formas, a primeira diz respeito
a uma espécie de conduta:
“O camp é uma análise critica e ao mesmo tempo uma grande brincadeira. O camp pega “algo” (normalmente uma norma social, um objeto, frase ou estilo”, e faz uma análise muito apurada do que aquele “algo” é e então pega essa “coisa” e apresenta-a de forma bem humorada. Como uma “performance”, apresentação, o camp é para ser uma alusão, uma pessoa sendo “campy” tem uma generalização de intencionalmente fazer uma piada ou manipular algo, sendo que camp é uma brincadeira, mas também é uma análise mais séria feita por pessoas que fazem graça de si mesmas para provar algo. Tem a ver com ser pretensioso, algo mais sério. É sobre ser pretensioso e controverso; é uma subversão heterodoxa totalmente envolta em pose irônica, o que provoca o choque e tem a intenção de ser ofensivo. (Scott, 2003)41 A segunda referência que o dicionário faz é uma relação entre o ato de se
vestir como alguém do sexo oposto relacionando à conduta drag e camp.
“Como parte do camp, o drag consiste em roupas e acessórios femininos, desde a maquiagem até alguns apetrechos femininos, tipicamente chapéus, luvas ou salto alto, para uma transformação total, complete com perucas, jóias e maquiagem completa. No caso de drag kings, ou transformistas mulher para homem, o oposto é verdadeiro e normalmente
40 “(…) and these are my two buddies, Ted and Emmet, Emmet can be a little “campy” ok, a
lot “campy”, but you got to admit, these days it takes a real guts to be a queen in a world full of
communards. Ted is this really smart guy and he’s got a really big heart, but nobody here is
interested in the size of that organ.” 41 Camp is a critical analysis and at the same time a big joke. Camp takes
“something” (normally a social norm, object, phrase, or style), does a very acute analysis
of what the “something” is, then takes the “something” and presents it humorously. As a
performance, camp is meant to be an allusion. A person being campy has a
generalization they are intentionally making fun of or manipulating. Though camp is a joke
it's also a very serious analysis done by people who are willing to make a joke out of
themselves to prove a point. It's about being pretentious and contentious; it is a
heterodox bouleversement all wrapped up in a tongue-in-cheek pose, which elicits shock
and is meant to be offensive.
A internet: “o mundo do tudo pode” 97
envolve formas exageradas dos conhecidos modelos de sexualidade masculina.” (Scott, 2003)42 O camp, por sua vez, constitui mais uma das facetas estéticas da cultura
gay e vem carregado de alguns estigmas por estar associado ao efeminado. Por
outro lado, também representa um estereótipo de esperteza e refinamento, além
de uma crítica bem humorada que funcionaria como uma espécie de sátira
proveniente de alguns indivíduos inseridos no universo homossexual. Isso pode
ser visto na fala do entrevistado acima, que afirma que “dizer que é ativo, todos
dizem”, e nas palavras da personagem de Michael. É a partir do estereótipo que
se criam caricaturas, a exemplo de Ted, “esse cara super inteligente, e ele tem
um coração enorme”. Porém aqui, “ninguém está interessado no tamanho desse
órgão”, o que significa que com tais “atributos”, ele não constitui um objeto de
desejo de muitos necessariamente, já que o que as pessoas procuram em uma
boate à noite ou em um “site de pegação” não é exatamente um bom coração.
Como tantos outros estereótipos discutidos nesta dissertação, ativo e
passivo encontram-se ligados diretamente a questões da sexualidade e do
desejo presentes não só nas falas dos entrevistados, mas também nas homes
dos sites da internet.
As razões para estarem aqui de forma tão destacada são: as repetidas
menções a esses termos nas entrevistas, a presença do estereótipo na home de
alguns sites e também por serem apresentados como opção pré-estabelecida na
constituição um perfil em todos os sites que visitei para esta pesquisa.
De qualquer forma, o passivo e o status de passividade em geral são
tomados como signos de estigma e de um estereótipo associado a qualidades
ruins ou inferiores. A passividade daqueles que ilustram os perfis dos sites de
busca deve permanecer escondida ou velada para garantir uma “amplitude” de
parceiros e a manutenção de uma aparência verdadeiramente viril e desejada.
“Este estereótipo está construído sobre a associação entre a função biossexual feminina (que chamaremos aqui de “receptor” do pênis) como um conjunto de atributos desacreditadores e outros de importância simbólica mais geral, e que chamaremos aqui de “passivo sexual”(...) o “normal” é associado ao estereótipo do ativo e o estigmatizado ao de passivo, correspondendo o primeiro à função sexual do heterossexual
42 As part of camp, drag occasionally consists of feminine apparel, ranging from
slight make-up and a few feminine garments, typically hats, gloves, or high heels, to a
total getup, complete with wigs, gowns, jewelry, and full make-up. In the case of drag
kings or female male-impersonators, the opposite is true and often involves exaggerated
displays of traditional male sexuality.
A internet: “o mundo do tudo pode” 98
masculino e o segundo à função do heterossexual feminino.” (Misse, 1979, p. 32-33)
Além disso, a própria “passividade” ou “atividade” ultrapassa questões
somente ligadas ao ato sexual em si e se relaciona também com atribuições de
poder e dominação. Portanto, definir ativo como viril e passivo como efeminado
seria limitar a questão e deixar de fora outros aspectos pertinentes relacionados
a essas formas de representação. Porém, enquanto “postura” sexual, dominador
e dominado, ativo e passivo dizem respeito também à entrega e confiança no
parceiro.
Portanto, “top boy” e “passiva” não são simplesmente classificações ou
denominações, e sim fazem parte de uma questão cultural mais ampla, bem
como de algumas questões referentes a outros aspectos da cultura
homossexual, como é o caso da aparência mais efeminada de Emmet ou da
extravagância associada a uma homossexualidade masculina feminilizada como
o camp. Vale lembrar, entretanto, que todos esses papéis podem ser
extremamente móveis. Posicioná-los ou impor regras fechadas e condições a
eles é uma tolice; somente fomenta e propaga o estigma de inferioridade da
“passividade”. Atividade e passividade são questões que vão muito além do que
pode ser suposto ou presumido sobre um individuo.
“Top e bottom, o em cima e o em baixo do erotismo do poder sem escalas intervenientes.Temos aí, pela exacerbação dos signos, a declaração nua e crua de que toda relação é uma relação de poder e de que o único princípio que interessa ao desejo é o princípio ativo e passivo em seu cerne: dominar e ser dominado. Estas são, com efeito, as verdades que a linguagem põe, embora não sejam as que ela propõe ao nível do dizer; elas constituem uma espécie de segredo. O discurso sado-masoquista não promove a dedução destas verdades através da reflexão crítica: simplesmente arranca-as da linguagem e as põe em cena, promovendo assim, contraditoriamente, o seu esvaziamento: “tudo isso não passa de um jogo”. (Portinari, 1989, p. 63)
Da mesma forma como a rede produz novas nuances para “ativos” e
“passivos” algumas outras informações relacionadas a condutas sexuais e
aparência também surgem nestes espaços. Um bom exemplo disso é a
exacerbação da associação entre “ser feminino” e “ser passivo”, sendo levada
tão a sério e se reproduzindo de forma tão ampla nos perfis dos sites na internet.
Entretanto, durante as entrevistas, alguns rapazes – independente da
aparência do entrevistado, fosse ela mais máscula ou mais efeminada – diziam
que faziam sexo na posição de passivos, porém isso não poderia ser revelado
na rede, somente pessoalmente ao parceiro.
A internet: “o mundo do tudo pode” 99
Curiosamente, em duas entrevistas que realizei em um mesmo dia, uma
com um rapaz que se diz cross dresser ou CD43 e outro que possui uma postura
absolutamente viril, ambos afirmam relacionar-se sexualmente somente com
homens heterossexuais casados e os dois dizem ser costumeiramente passivos
nas relações sexuais com esses parceiros. Quando questionados sobre o
porquê deste posicionamento, as repostas são absolutamente diferentes e ao
mesmo tempo convergentes. Um procura parceiros casas noturnas voltadas
para o público cross dresser e transexual; já o outro tem a seguinte estratégia de
paquera: dirige seu carro da Zona Sul do Rio de Janeiro, local onde ele reside,
até as regiões periféricas, e perambula pelos pontos de ônibus do subúrbio a
procura de eventuais parceiros. Segundo ele, o modelo de seu carro atraiu
parceiros em potencial com quem ele faz sexo nas regiões mais desertas dos
bairros da Zona Oeste carioca.
“Homens casados me procuram, homens héteros também. Durante o sexo, muitos deles se sentem culpados, dizem eu não sou gay, eu não sou gay... É aí que eu digo, querido, pode ficar calmo, o gay aqui sou eu. Apesar do que, de heterossexual aquilo (se referindo ao ato sexual) não tem nada. Mas acho complicado definir de forma fixa, representar.”
“Outro dia eu saí com um carinha, desses do subúrbio, bem machinho HT do jeitinho que eu gosto. Ele viu meu carrão e me pediu carona. Eu fui alisando o p*** e dizendo: “olha só como você me deixa”. Aí ele dizia: “eu não sou gay”, mas eu botava a mão no p*** dele e tava duro. Eu encostei num matagal e disse: “me come aí”. E ele disse de novo que não era gay. Aí eu falei: “eu também não, mané. Tenho namorada, mas vi que você tá curtindo que nem eu, p*** durasso, vai se amarrar em me f****. Eu também não sou gay, curto minha namorada. Como ela legal, que nem você faz com as tuas “mulé”, mas homem é assim: f**** melhor, chupa melhor. A gente não é viadinho, não, colega. A gente só gosta muito de sacanagem”. E é assim que eu consigo os carinhas hétero e vou me relacionando com eles.”
Portanto, presumir que atividade ou passividade estão relacionadas a
uma postura mais máscula ou efeminada mostra-se um equívoco, porém na rede
para busca de parceiros, homossexuais masculinos que colocam seus perfis nos
sites dizendo-se “hétero” ou “bissexuais” já constituem um estereótipo sólido do
que é desejável nesses meios.
43 CD, ou cross dresser, é o homem que se veste de mulher somente para sair à noite, mas
não recorre a alterações cirúrgicas para parecer uma mulher. O CD procura ter uma postura
bastante máscula durante o dia e procura manter uma segunda identidade com nome e
sobrenome para não ser reconhecido.
A internet: “o mundo do tudo pode” 100
Talvez seja por isso mesmo que acontece uma exclusão de estereótipos
relacionados a tipos mais “efeminados”, o que fica claro quando se procura um
site de busca de parceiros que mostre qualquer imagem com essa construção.
A única página com representações ligadas a uma feminilidade que
encontrei foi o exemplo abaixo:
Figura 77: site http://travestisbr.cjb.net/
O site Travesti.cjb.net. na verdade é um “sub” site da rede
AdultFinder.com, que constitui uma grande cadeia internacional de namoro
online, seja heterossexual ou homossexual.
A rede e suas formas de masculinidade
Figura clássica e conhecida entre os homossexuais masculinos, a
representação do homem viril percorre não só o imaginário, mas também a
fantasia de muitos homens que se sentem sexualmente atraídos por outros
homens. Extremamente presente na grande maioria das homes dos sites de
“pegação”, encontra-se repetidas vezes a representação barbie-ativo-másculo
que constituí um estereótipo conhecido entre os homossexuais por “gay classic”,
possuindo inclusive sua gíria própria: topboy44.
Entretanto, entre o machão caricato e o homossexual visivelmente
efeminado, existem muitas variações e combinações que constroem dezenas de
estereótipos e representações da cultura gay masculina. Enretanto, outras
figuras encontrariam algum espaço na rede?
“(...) tipologias da homossexualidade masculina: “bichas” (efeminados), “mariconas” ou “tias” (efeminados maduros de mais de 35 anos) gays (sinônimo moderno de homossexual que abrange aqueles que não são ostensivamente femininóides) “bofes” – rapazes que sem necessariamente se autoconsiderarem homossexuais, ou ainda se gabando de não sê-lo, consentem em “transar” com bichas”. (Perlongher, 1988, p. 44)
44 Vale ressaltar que o topboy, seria não somente um homem musculoso e
másculo, mas também exclusivamente ativo em suas relações sexuais.
A internet: “o mundo do tudo pode” 101
O parecer de Perlongher é razoavelmente limitado, mas funciona como
uma espécie de “resumo das coisas”. Algumas das denominações apresentadas
por ele como “maduros de mais de 35 anos” podem ser encontradas facilmente
na internet hoje, quase vinte anos após a publicação de seu livro, nos sites de
busca de parceiros de forma mais rarefeita e de forma mais pontuada e precisa
nos webchats. Mais além, a internet funciona como um bom reprodutor das
categorias existentes no imaginário homossexual masculino e, por sua vez, cria
outras que precisam da rede para poder existir.
Para demonstrar isso de forma mais clara, fiz uma experiência: certa noite
realizei uma busca no bate papo do UOL45, à procura de salas de sexo e
encontros para homossexuais masculinos abertas por assinantes. Eis os
resultados da busca, com os nomes das salas abertas: “PASSIVO QUER ATV
DE 20+”, “P********* ENTRE MACHOS”, “*BOYS X MADUROS SP*”, “novos
maduros 35-45”, “COMEDORES DE C*”, “teens”, “boys cam 14 a 20”, “garotos
de programa”, “HT CASADOS”. Enfim, se a net se posiciona como um “lugar”
virtual para muitos e diferentes desejos, pode-se ver também, a partir de alguns
nomes das salas que foram encontradas, que ela também passa a abrigar novas
formas de fantasias e fetiches, como, por exemplo, a exibição em tempo real de
imagens via webcam através de salas de bate-papo voltadas para pessoas que
procuram isso.
Voltando à questão do masculino-feminino/passividade-atividade, os
chats criados por assinantes fornecem algum tipo de espaço para estereótipos
de “passividade” de forma mais velada, como no caso das salas de bate-papo
abertas por assinantes que possuem uma perenidade, afinal, dependem da
vontade seu criador para permanecer ali.
Por outro lado, pode-se pensar também na preocupação de parecer viril o
suficiente a ponto de não ter a sua masculinidade questionada, como um atributo
limitador das características dos perfis presentes nos sites, tanto como marcar
sempre ativo na caixinha de opções ao preencher um perfil. Enquanto eu
conversava com alguns amigos sobre a iniciativa de criar um perfil em alguns
sites para poder utilizar todos os recursos de navegabilidade, um de meus
informantes alertou-me: “tem que tomar cuidado com a foto que coloca lá para
não ficar parecendo bichinha passiva, senão ninguém vai te olhar.”
45 O UOL, ou Universo Online, é um provedor brasileiro que possui uma série de
salas de bate-papo em seu site.
A internet: “o mundo do tudo pode” 102
“Há uma preocupação tão grande dos gays com transarem com um
parceiro de aparência máscula, que se um cara desmunhecar ou for muito
mulher não tem praticamente chance de trepar nesses ambientes gays.”
(Perlongher, 1988, p. 83)
Contudo, independentemente das aparências, o papel desempenhado no
ato sexual, seja ele ativo ou passivo, não está relacionado diretamente à
aparência ou virilidade do individuo, ao contrário do que muitas vezes se
imagina. Um bom exemplo disso são os depoimentos acima: o do rapaz que vai
até as áreas periféricas da cidade para buscar parceiros e o do crossdresser que
afirma que entre “masculinidade” e “atividade” não existem papéis fixos. Existem
machões passivos e efeminados ativos. Portanto a relação viril-efeminado não
está diretamente ligada ao ato sexual, ou a quaisquer papeis que um individuo
venha a desempenhar sexualmente. Másculo e efeminado são mais duas faces
de uma cultura visual gay com diversas vertentes. Porém, quem utiliza a rede
para busca de parceiros, muitas vezes se coloca em um papel excludente,
criando estereótipos limitadores como o que relaciona quem se identifica como
homossexual como ser feminino e indesejável, e quem se diz heterossexual ou
bissexual com uma suposta virilidade.
“Fala-se em igualdade onde só há diferenças (não catalogáveis ainda por cima) e busca-se a diferença sempre lá onde ela não está, fala-se em poder como se isso fosse qualquer coisa de localizável e compartimentado quando ele está em toda parte, fala-se em homem e mulher onde só há a idéia disso e em relação sexual como se isso pertencesse a natureza, quando isso pertence exclusivamente ao imaginário”. (Portinari, 1989, p. 64)
Toda essa discussão ressalta um outro caráter da internet para busca de
parceiros, que é a constituição de uma existência à parte na rede que muitas
vezes é completamente desconhecida daqueles que fazem parte da convivência
offline desses indivíduos. Pensando-se a rede como um espaço à parte, é
possível a criação de representações e estereótipos próprios dela como os
descritos acima, bem como a crença compartilhada por muitos das maneiras
corretas ou incorretas de constituir perfis online, influenciando diretamente a
popularidade e a freqüência do site ou do perfil de alguém.
A suposta ausência de estereótipos
Curiosamente, existe uma categoria de páginas na internet que afirma
não se encaixar em nenhum estereótipo: os sites “normal gay”. Na home do site
http://www.normalgay.com, duas coisas chamam atenção: o cabeçalho que diz
“Normal Gay, para homens que não se encaixam em categorias”, acompanhado
A internet: “o mundo do tudo pode” 103
de um texto que diz: “Normal Gay, é para homens que não necessariamente
vivem na academia, ou que compreendem quando alguém fala “woof” para eles,
ou somente não gostam de sites que falam de partes do corpo. Nós gostamos de
homens com músculos e homens do tipo urso, mas sentimos que o site era
necessário para todos nós. Este site deixa você criar e manter seu próprio perfil
com fotos. Além de ver fotos de homens de todo o mundo, você pode procurar e
comparar você mesmo com outros.”46
O que a pessoa que criou este site não notou, é que o espaço em
questão não “foge” de nenhum estereótipo, ele apenas abarca a maioria dos
estereótipos que estão presentes na rede sem nenhuma restrição, como em
alguns sites.
Existe uma constante dualidade entre o caráter positivo e negativo de
ostentar um estereótipo na rede ou até fora dela. É claro que essa dualidade
está diretamente associada aos estigmas negativos ou virtudes ligados a tais
estereótipos. Algumas contradições quanto à associação de indivíduos com os
estereótipos puderam ser vistas em muitas entrevistas, por exemplo, nos trechos
a seguir: “eu não gosto do estereótipo, não quero ser ligado a ele e nem me
relaciono com pessoas que sejam. Isso só existe em revista e site. Você chega
num site, por exemplo, e só vê isso na página inicial. Vai ver os perfis.” Mais
adiante, na mesma entrevista, o rapaz afirma: “para transar, tem que ser bonito
né? Estar em dia com o corpo. Não precisa ser barbie, mas tem que ser
saradinho.”
A relação de quem usa a internet com essas representações e
estereótipos é muito transpassada por momentos de certeza e incertezas, com
todas essas nuances permeando o uso que cada individuo faz da rede.
Na próxima seção, será discutida também a questão da usabilidade da
rede para busca de parceiros, através da opinião de usuários e não usuários.
46 NormalGay ® is for guys who may not live at the gym, understand the term
"Woof" when spoken to them or just don't like body parts sites. We do like men with bigmuscles and men of the bear type, but felt this site was
needed for all of us. This site lets you create and maintain your own profile and photos. In addition to viewing profiles of guys from around the world, you can sort, search and compare yourself to others.
A internet: “o mundo do tudo pode” 104
3.3. A opinião de usuários e não usuários e seus relacionamentos: como as coisas “rolam” na rede
Esta seção apresentará outras questões relacionadas à utilização que é
feita da internet, como busca de parceiros para homossexuais masculinos, que
não foram apresentadas anteriormente. Neste momento, a ênfase está não só
nos porquês do acesso, mas, também, nas conseqüências dele: como
acontecem os relacionamentos que começam na rede e quais as expectativas
dos usuários.
Outro dado importante que será apresentado aqui é a escolha dos sites
mais utilizados pelos usuários e as razões de tais escolhas que muitas vezes
estão dissociadas da aparência ou do design do site.
Para a obtenção desses dados, foram fundamentais as três rodadas de
entrevistas que realizei para esta dissertação.
É bom lembrar, mais uma vez, que foram realizadas ao todo vinte e quatro
entrevistas, sendo três pilotos, treze após o recorte do objeto da pesquisa nos
sites de busca de parceiros e mais oito entrevistas online sobre os
relacionamentos sexuais/afetivos que ocorrem a partir da rede. Os entrevistados
possuem idades que variam entre 18 e 50 anos aproximadamente; suas áreas
de atuação profissional, renda e localização geográfica diferem bastante entre si;
além disso, nem todos utilizam os sites de busca de parceiros, porém o critério
para fazerem parte da amostragem é ter tido alguma forma de contato com eles
anteriormente e saber navegá-los.
3.3.1. Os usuários, os porquês da procura pela rede e o que esperam dela
Os usuários dos sites de busca de parceiros constituem um grupo
bastante heterogêneo. Existem rapazes de todas as origens, profissões e faixas
etárias que utilizam a rede para busca de parceiros.
Quanto aos encontros que acontecem na rede, efetivamente em pouco
diferem daquilo que existe offline no universo homossexual masculino.
Entretanto, a “pegação” de internet (expressão utilizada para designar os
relacionamentos esporádicos estabelecidos online) depende necessariamente
da rede para existir. Lá, a comunicação ocorre primeiramente pelo virtual e
algumas vezes, dependendo do desfecho da situação, não sai dela.
“O cyberespaço é um espaço onde as máquinas reinam soberanas. Lá
máquinas se comunicam com máquinas e homens se comunicam com homens
A internet: “o mundo do tudo pode” 105
através de máquinas. Ou seja, no cyberespaço, o homem não tem vida
independente da máquina.” (Nicolaci-da-Costa, 1998, p. 63)
Entretanto, boa parte desses relacionamentos acaba transpassando o
limite do virtual, tendo continuidade nos espaços offline, mesmo que a rede seja
fundamentalmente a maior “fonte de abastecimento” desse tipo de encontro.
A primeira coisa que me chamou atenção com relação aos usuários dos
sites foram as condutas no momento da apresentação a outros usuários. Ao
criarem um perfil para um site, ou ao assumir um apelido para o chat, muitas
vezes criam personagens que diferem daquilo que é conhecido por seus amigos,
familiares e colegas de trabalho. Portanto, a internet funciona, para alguns, como
uma vivência à parte, um espaço onde usuários experimentam personagens e se
expressam de uma forma que só é possível ali.
“(...) proponho que a Internet possa servir, para alguns sujeitos, de espaço
potencial, isto é, um espaço neutro, livre das tensões do mundo interno e das
pressões da realidade externa”. (Romão-Dias, 2007, p. 4)
Vale ressaltar também que apesar do suposto caráter anônimo da rede,
os usuários preocupam-se bastante com as informações sobre eles que são
veiculadas na rede. A criação de um perfil obedece algumas regras claras sobre
o que é permitido ou não. Isso pode ser visto neste trecho da declaração de um
entrevistado: “eu quero mostrar o perfil do gay ideal que mora na Zona Sul, tem
um “statuszinho”, ele trabalha com arte (...) aí você vê que é uma procura direto
por aquilo”.
Além disso, existe uma outra preocupação: onde sua imagem será
veiculada. Para alguns, existe uma gradação desde os sites que funcionariam
quase como uma boate, ou seja, que são só para a procura de um parceiro em
potencial, até outras páginas que fariam parte de uma socialização um pouco
mais ampla. As declarações do tipo: “evito sites freqüentados por qualquer um”,
repetem-se constantemente na fala de alguns entrevistados. Um em especial, foi
bem específico quanto às restrições em criar um perfil no Disponível.com, o site
mais visitado e citado pelos entrevistados:
“No Disponível eu tenho. Fico sem graça, porque acho que é p***** demais.(...) eu procurei o Gaydar, porque eu achava a cara dele um pouco menos... mais alto nível do que o Disponível. Ah, desculpa, porque você sabe: eu sou mega... fresquinho”.
O mesmo entrevistado afirma também ter uma identificação maior com um
site em especial devido à aparência de sua home. Ele diz: “eu me identifico mais
A internet: “o mundo do tudo pode” 106
com o Gaydar. Tem essa coisa de várias bandeirinhas; vai ser um perfil ‘ah,
international boy’”.
Algumas formas de relacionamento que passam pela rede
O principal motivo da procura dos sites é o sexo e/ou o estímulo sexual
visual. A maioria dos entrevistados critica e até faz piadas sobre pessoas que
procuram um relacionamento além do sexo casual em ambientes como esses,
outros,ressaltam que a internet funciona como qualquer outro tipo de “pegação
de rua”:
“Já fiz todos os tipos de pegação: banheiro, rua, McDonalds, Arpoador, o banheiro da Central... Só fui por curiosidade. A pegação é escancarada. Em Sampa tem uma estação de metrô que tem banheiro. Você entra no metrô e tem aquela fumaça de sexo. Na internet é a mesma coisa, só é mais eficaz às vezes, porque sempre tem alguém lá que você vai querer vinte e quatro horas por dia.”
Entretanto, alguns admitem que existe a possibilidade de surgir um
relacionamento mais estável desse tipo de encontro. “Todos os meus
namorados, conheci na internet”.
Apesar de toda a questão das imagens estereotipadas contidas nesses
sites, existe uma heterogenia de usuários e de gostos no que diz respeito à
exploração do sexo de uma forma geral, como afirma um dos entrevistados:
“É um canal para f*****, você encontra de tudo: sexo a dois, a três, a
cinco, a dez, para o preto, o branc,o o gordo e o magro”.
Usuários de sites de busca de parceiros afirmam, em sua maioria, que a
internet constitui uma ferramenta bastante eficiente para encontrar um par,
qualquer que seja o propósito do encontro: fazer sexo casual, encontrar um
amigo ou até namorar. Muitos deles atribuem essa eficiência à especificidade do
meio; por exemplo, ursos vão diretamente a sites ou chats de ursos. Outros
afirmam que a internet acabou com o desencontro entre ativos e passivos, além
de constituir uma oportunidade de encontrar um parceiro sem sair de casa vinte
e quatro horas por dia. Isso, segundo alguns usuários, constituiria uma fonte
segura de procura, uma vez que é possível freqüentar “pontos de pegação”
mesmo quando você não está lá, afinal seu perfil continua ali quando seu
computador é desligado. Na rua, eles estariam expostos a um perigo constante,
seja por parte de marginais, agressores homofóbicos ou até mesmo pela polícia
que costuma dar batidas regulares nesses locais.
Outro aspecto interessante do “mundo do tudo pode” é o fato de que, na
maioria das vezes, existe uma participação flutuante e não perpétua nessa
realidade. O que quero dizer é: os namoros, casamentos e relacionamentos
A internet: “o mundo do tudo pode” 107
estáveis dos homossexuais masculinos não estão contidos no “mundo do tudo
pode”; e mais, ter um relacionamento estável, muitas vezes pode significar
“cometer suicídio” no “mundo do tudo pode”. Um exemplo disso pode ser visto
no seguinte depoimento: “nós sabíamos que éramos duas “pegadeiras” de
internet e pelo bem do relacionamento desfizemos os dois perfis.”
Não é nada incomum ver casais desfazendo o perfil no Orkut e fechando
todas as contas nos “sites de pegação” da internet. Entretanto, quando o casal
se dissolve, as partes voltam a fazer parte do “mundo do tudo pode” quase que
imediatamente, em alguns casos, seja reabrindo os perfis, ou reatando contatos
com antigos conhecidos que só faziam parte deste universo. Muitos não usuários
que encontrei são homens inseridos em algum tipo de relacionamento que de
alguma forma os impede de continuar acessando a rede.
3.3.2. Os não usuários e suas restrições
Primeiramente, gostaria de definir o que caracteriza um não usuário, pois
em todas as entrevistas que realizei, pude constatar que, mesmo aqueles que
afirmam não usar a internet para fins de busca de parceiros, já a usaram em
algum momento, seja por curiosidade ou como tentativa. Esta, no caso dos não
usuários, muitas vezes se demonstra frustrada, como afirma um dos
entrevistados:
“Eu abri e aí vi um universo de pessoas vazias que buscam sexo fácil com papos médios escrotos, e pô, eu não sou uma pessoa vazia e nem quero uma imagem atrelada a isso. Eu não vou entrar num lugar tipo mercado das carnes só mostrando o rótulo e me oferecer. Eu não sou isso. Eu acho que eu tenho mais coisas além, a acrescentar, entendeu? Além de site de procura.”
Os não usuários preferem, por motivos bastante diversos, não utilizar a
internet como meio para encontrar um parceiro, seja para sexo ou namoro.
Alguns passaram por experiências ruins – em alguns casos até envolvendo
violência física – ou então não a consideram um meio eficaz ou confiável para
isso. A hipótese de serem enganados ou de alguém mentir para eles, de se
decepcionarem com alguém com quem eles já houvessem criado expectativas
na net, afasta muitas pessoas da rede de encontros virtuais. Portanto, para
muitos não usuários, a rede não constitui uma boa ferramenta para conhecer
pessoas com o objetivo de iniciar um relacionamento afetivo.
“Muitos se dizem incomodados com a possibilidade de seus interlocutores mentirem. Justamente por conta disso, alguns integrantes deste grupo revelam ter tentado se encontrar pessoalmente com algumas pessoas que
A internet: “o mundo do tudo pode” 108
conheceram na Rede. No entanto, quando esses contatos aconteceram, isso não os deixou mais aliviados. Pelo contrário, a decepção com estes encontros foi tão grande que lhes serviu de confirmação de que não é possível confiar em relações iniciadas na Rede.” (Romão-Dias, 2007, p. 12)
Um outro motivo que afasta alguns rapazes dos sites de busca de
parceiros é o costume de conhecerem pessoas ao vivo, como afirma outro
entrevistado: “eu prefiro cara a cara, conhecer a pessoa pessoalmente”. Alguns
acreditam que o contato cara a cara pode prever más intenções por parte de um
possível agressor no encontro ao vivo, enquanto na internet as pessoas podem
iludir através de falsas identidades.
“(...) seja por conta das mentiras que os interlocutores podem contar, seja porque os próprios entrevistados idealizam muito um encontro “olho-no-olho”, as relações interpessoais que se iniciam na Rede não vingam. Grosso modo, a impressão que se tem é que, para os representantes deste grupo, se as pessoas não são, fora da Rede, exatamente o que elas dizem ser dentro dela, há alguma falsidade em jogo. Esta falsidade é insuportável para eles.” (Romão-Dias, 2007, p. 13)
Alguns entrevistados alegam que, com as pessoas que eles encontram na
net, não seria possível um namoro, pois esse meio está voltado somente para o
sexo casual, e pessoas que o freqüentam não estariam interessadas nisto, ou,
pelo menos não em fazer isto pela internet. Outros ainda, dizem que quando
utilizaram a internet com estes fins, as surpresas quase sempre foram negativas,
seja porque algumas pessoas utilizavam fotos falsas, utilizavam efeitos ou
recursos gráficos para torná-las mais atrativas ou simplesmente enviavam fotos
de outras pessoas para o possível interessado.
Finalmente, existe, dentro do grupo dos não usuários, uma pequena
parcela de pessoas que afirma não precisar da internet, pois, em sua
argumentação, dizem ter todas as suas necessidades sexuais – sejam elas de
namoro ou de encontros casuais – satisfeitas sem a ajuda da rede, logo nunca a
procuraram com este propósito.
“Consigo o que quiser na rua, na hora que quiser vinte e quatro horas por
dia”.
Sejam quais forem os motivos para usar ou não usar a rede, os discursos
dos não usuários e dos usuários mostra-se bastante semelhante, porém em
sentidos opostos. Melhor dizendo, as razões que um grupo tem para utilizar a
rede são praticamente as mesmas que outro grupo tem para não utilizá-la como
meio de paquera, “pegação” ou na procura de namorados. Além disso,
curiosamente, aqueles que dizem não utilizar a rede propriamente para contatos
A internet: “o mundo do tudo pode” 109
sexuais, parecem ter um conhecimento bem amplo do que se pode encontrar ali,
além de opiniões próprias sobre a aparência de alguns sites.
Pensando nisso, incluí nas entrevistas, após o piloto, uma pergunta que
pedia aos usuários que dissessem qual o site que eles mais gostavam e por quê.
A partir dos resultados, fiz uma seleção dos cinco sites mais citados pelos
entrevistados, e todas as informações sobre eles estão no próximo subcapítulo.
3.4. Qual a opinião deles? Os sites mais citados nas entrevistas e por que
Para fazer a exposição dos sites mais citados pelos entrevistados,
procederei da seguinte forma: a página mais citada será a primeira e a menos
citada será a última. A imagem escolhida para representá-los é a home de cada
um, retirada da internet entre fevereiro e abril de 2008. Abaixo de cada imagem,
farei uma descrição de aspectos gráficos e de navegabilidade do site, seguidos
das opiniões dos entrevistados sobre cada um deles.
O favorito: amado e odiado Disponível.com
Figura 78: página de abertura do site Disponível.com
O “Disponível”, forma como é chamado o referido site por todos os
entrevistados, é de longe o mais citado e mais utilizado pelos usuários, inclusive
pelos não usuários de sites de busca de parceiros. Oito pessoas o apontaram
como favorito.
O site foge um pouco à proposta gráfica encontrada na maioria das
outras páginas encontradas na rede, utiliza cores vibrantes como o laranja, e
A internet: “o mundo do tudo pode” 110
tons de amarelo, além de ser caracterizado por conter ilustrações e não
fotografias – enquanto em sua maioria, sites de busca utilizam imagens
fotográficas –, muito embora a temática desses desenhos não fuja ao restante
das páginas de “pegação” da rede.
Curiosamente, o Disponível é o que tem o design mais criticado entre os
entrevistados, além de ter problemas funcionais e de navegabilidade. A principal
critica que o site recebeu diz respeito à falta de opções de busca. Não existem
possibilidades concretas, a não ser que a pessoa seja um usuário pagante. Para
olhar perfis no site, são necessários vários cliques e uma dose de paciência para
encontrar o que se deseja no meio dos links que ficam passando no topo da
página no momento da procura. Além disso, existe um limite de perfis que o
usuário gratuito pode ver por dia.
Seu funcionamento básico é muito semelhante ao de qualquer outro site:
para ter acesso a algumas das funções, é necessário um cadastro, e para uma
navegação completa no site, é necessário o pagamento de uma assinatura.
Então, apesar de todas as falhas de navegabilidade, qual o segredo da
popularidade do Disponível? “O Disponível é de longe o mais feio, mas também
é o mais conhecido e cheio”. O site ganha usuários pela sua popularidade e
freqüência. Sua divulgação acontece no boca a boca dos usuários em festas,
filipetas e anúncios de revista. Além disso, o Disponível tem trios elétricos nas
principais paradas gays do país.
“No caso do Disponível, lá é o conteúdo e a propaganda boca a boca. Eu tive asco a primeira vez que eu entrei no Disponível. Eu pensei: bicho isso é coisa de viadinho, de viado, mas depois eu fui vendo os perfis e pensando: hm, aqui tem coisa boa. Um bom canal para conhecer gente. Aos poucos vi que todos os meus amigos estavam lá também.” Outra questão interessante sobre o Disponível é a facilidade em obter um
encontro de forma rápida ao acessar o site.“O Disponível diz ‘sexo já’(...) Lá
pode-se conseguir algo na mesma tarde. Tem nas opções: livre agora, daqui a
pouco, à tarde, à noite”.
Constatar que não é somente o design ou a aparência de um site de busca
que faz sua popularidade é muito interessante, uma vez que se aposta na
utilização de belos rapazes para atrair mais usuários, e uma proposta de design
diferenciada como a do site Disponível.com atrai tantas pessoas.
A internet: “o mundo do tudo pode” 111
Os “empatados em segundo”: Manhunt e Gaydar
Figura 79: página de abertura do site Manhunt.net
Figura 80: página de abertura do site Gaydar.co.uk
Os sites Manhunt.net e Gaydar.co.uk, são citados por muitos entrevistados
como “uma ótima alternativa para arrumar gente alto nível no mundo todo”.
Quatro pessoas os apontaram como favoritos. São sites com um design bastante
atrativo, que funcionam de maneira muito semelhante. Ambos possuem figuras
diversificadas em suas páginas de abertura, que contam com o recurso do
A internet: “o mundo do tudo pode” 112
refresh, ou seja, cada vez que o usuário dá reload na página, ou espera alguns
segundos sem mexer no cursor, a figura da home muda. Os dois utilizam
imagens de homens brancos, negros, asiáticos, rapazes utilizando roupas de
ginástica ou uniformes. Contudo, o tipo físico desses modelos não varia. Em sua
maioria, são homens musculosos com o torso desnudo. A navegação nos dois
sites é simples e cheia de opções. Além disso, todo o acesso é gratuito,
nenhuma taxa é cobrada. Ambos são tão populares e conhecidos quanto o
Disponível.com, porém alguns indivíduos criticam a falta de usuários brasileiros
nos dois sites, dizendo que a variedade de pessoas fica limitada, sendo mais
fácil buscar parceiros da mesma cidade no Disponível.com. Tal fato tornaria os
outros dois menos freqüentados por brasileiros, ou serviriam como segunda
opção.
Uma critica bastante repetida aos dois sites é o caráter fantasioso de suas
imagens, assim como as imagens de alguns perfis. Segundo alguns usuários,
sites como Manhunt e Gaydar perdem público por representarem um estereótipo
que não existe. “Esses carinhas juntos abraçados no Gaydar coloca o gay como
normal, como se pudéssemos abraçar no meio da rua normal. Acho isso meio
fake”. “Esses caras lindos das aberturas dos sites, nunca vamos encontrar isso
lá dentro. O Gaydar tem muito disso.”
Ao mesmo tempo, outros usuários elogiam a home dos dois sites como
uma bela amostra do que pode e deve ser desejável.
“É legal ver esses caras ali. Meu irmão quer ver a Sheila Carvalho na
Playboy, eu quero ver o gatão na capa do Manhunt.”.
Muitos músculos e muitos pêlos: BigMuscle.com e Bearwww
Figura 81: página de abertura do site BigMuscle.com
A internet: “o mundo do tudo pode” 113
Figura 82: página de abertura do site Bearwww.com
Os sites BigMuscle e Bearwww são o quarto e o quinto sites mais
mencionados pelos usuários da internet. Curiosamente, os dois parecem
pertencer a extremos opostos da cultura gay masculina, porém ambos estão
muito próximos quando se pensa em quantas vezes foram mencionados por
usuários e não usuários. Os sites bears foram bastante mencionados por
pessoas que não se identificam com o grupo.
BigMuscle
O BigMuscle não possui um design semelhante à maioria das páginas
voltadas para bodybuilders ou jocks47, com uma página branca ilustrada por um
cabeçalho com uma referência sutil do propósito do site, um torso nu e o nome
do site em uma fonte razoavelmente grande. Vermelho e laranja são as cores
utilizadas no cabeçalho e em alguns grafismos, mas, na verdade, o que chama
atenção são as fotos dos usuários que estão constantemente em refresh na
home do site. Quanto às formas de utilização, o BigMuscle é um dos mais
elogiados pelos usuários, por conta de seus concursos de beleza internos, pela
possibilidade de traçar um itinerário de viagens que o usuário irá fazer como
forma de alertar outros usuários desses locais para isso, além de possuir acesso
ilimitado ao seu conteúdo, inclusive para quem não tem perfil no site.
Qual a razão da popularidade do BigMuscle? Segundo quem utiliza o site,
na rede Muscle.com, você encontra o que está procurando, sem demora e de
forma razoavelmente fácil. “No BigMuscle e no BigMuscleBear, você só vê
sarado ou parrudo, não tem nhê nhê nhê. Enganação, é fácil. Se você tem tesão
47 Bodybuilder e jocks são gírias para fisiculturistas e atletas respectivamente.
A internet: “o mundo do tudo pode” 114
em fortão, lá é o seu lugar, já no Disponível, no Gaydar, você tem que ficar
peneirando. É mais chato.”.
Bearwww
Uma das conseqüências dessa popularização da internet como
ferramenta de busca de parceiros para homossexuais masculinos é justamente a
criação de segmentos específicos de sites, ou seja, páginas que atendem à
grande especificidade cultural e subjetiva existente dentro da cultura gay, como é
o caso das páginas bear, proporcionando a proliferação de suas diferentes
linguagens visuais, que são bastante marcantes e diversas dentro do mesmo
universo.
Citado e conhecido por “usuários bear e não bear”, o site Bearwww é
extremamente popular no meio “ursino”. Considerado um “Disponível dos ursos”,
o site possui um design que em muito se assemelha ao restante das páginas
bear existentes na rede. Ele utiliza tons de marrom e símbolos bem associados
ao movimento urso, como as pegadas e as marcas de unhas, além de algumas
imagens de homens com barba e muitos pêlos no corpo, com detalhes de um
torso desnudo em um dos cantos. Quanto à navegação, é um site bastante
completo: possui algumas opções de filtros e uma limitada liberdade a usuários
não cadastrados que desejam visualizar perfis, vetando apenas fotografias que
mostrem os genitais dos usuários. O site também promove concursos de beleza
internos e possui uma loja que vende produtos ligados ao movimento urso:
bandeiras, pins, cordões e vídeos de conteúdo adulto com a temática bear.
Porque o site é o escolhido entre outros que são tão semelhantes a ele?
Alguns usuários especulam que ele é um dos primeiros e mais longevos sites
bears que existem e, portanto, tem muitos perfis, é popular e por alguma razão
bastante freqüentando por brasileiros, uma vez que não existem sites bears
nacionais. “Para mim, que sou urso, o melhor é o Bearwww. Tem variedade,
muitos brasileiros e não é complicado.”
Por outro lado, a quantidade de estrangeiros no site é bem vista pelos
brasileiros, por uma razão interessante: muitos visitam o Brasil e muitos dos
usuários fazem potenciais contatos fora do país, que podem vir a se concretizar
em alguma viagem de trabalho ou lazer. “No Bearww, já conheci um australiano
lindo que veio para cá e sai com vários argentinos lá em Buenos Aires. É um
excelente canal para conhecer gente de fora.”
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3.5. Mais algumas constatações interessantes acerca da rede
Ao fazer a seleção dos sites mais citados pelos entrevistados, uma coisa
me chamou a atenção apesar de toda a fala própria sobre os estereótipos, o que
se espera ver nos sites e como deve ser a sua navegabilidade, suas cores, sua
linguagem visual, que imagens usar e como os modelos devem ser retratados: o
site mais elogiado e utilizado é justamente o mais freqüentado por outras razões
que vão além do design da página e estão um pouco além do alcance de
qualquer projetista. Quem os freqüenta e sua popularidade no meio
homossexual masculino, além da quantidade de pessoas que os freqüentam,
são os mantenedores do sucesso do “campeão” Disponível.com.
Em outros casos, o design dos sites parece fazer a diferença para
alguns, como no elogiado Gaydar, citado por muitos rapazes por ser uma das
mais versáteis, completas e detalhadas ferramentas para buscar um parceiro,
sendo sinônimo de bom gosto para alguns, porém de restrição para outros que,
por sua vez, consideram seus filtros de busca internos tão complexos que
chegariam a ser limitadores.
Outros fatores além do design também são decisivos na escolha de qual
site freqüentar ou procurar. Como a internet vem crescentemente sendo utilizada
como ponto de encontro e meio de comunicação entre as diversas culturas da
homossexualidade masculina, o ponto decisivo na escolha do site está no objeto
da procura. Se essa procura for pontuada, e o usuário tiver em mente que as
palavras chave são bear ou ursos, já existe uma limitação imposta a todos os
outros sites não bear, e a existência desses sub-segmentos na rede é apenas
uma das conseqüências da popularização dos sites gays. A criação de
segmentos específicos de páginas que atendem à grande especificidade cultural
e subjetiva existente dentro da cultura gay, proporciona a proliferação de suas
diferentes linguagens visuais, que são bastante marcantes e diversas dentro
desse mesmo universo.
Por outro lado, é importante lembrar-se do principal motivo da procura
pelos sites de busca segundo os entrevistados, que seria a obtenção de
encontros para o sexo casual, o que dá todo um sentido à linguagem visual
utilizada na maioria das páginas, que mostram em suas homes corpos nus ou
poses que insinuam algum tipo de atividade sexual. Entretanto, é válido lembrar
que esse estereótipo tão ligado ao sexo funciona como uma espécie de
sinalização para o propósito daqueles espaços, e que seus usuários – em suas
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buscas online – têm uma preocupação real sobre o conteúdo dos sites e se eles
vão atender de forma rápida e eficaz aos seus desejos.
Existe outro fator que torna a rede ainda mais interessante e curiosa: seu
aspecto flutuante na vida de muitos usuários e não usuários. Não é nada
incomum ver casais desfazendo seus perfis no Orkut e fechando todas as contas
nos sites de “pegação” na internet. Entretanto, quando o casal se dissolve, as
partes voltam a fazer parte do “mundo do tudo pode”, quase que imediatamente
em alguns casos, seja reabrindo os perfis ou reatando contatos com antigos
conhecidos que só faziam parte desse universo.
Portanto, o “mundo do tudo pode” e o “mundo real” dos relacionamentos,
mostram-se concomitantes, porém, incompatíveis muitas vezes. Essa
observação aplica-se também à validação dos estereótipos, considerados pelos
usuários como indispensáveis no caso do mundo virtual, em função da clareza e
do apelo erótico que proporcionam, mas considerados, também, como
indesejáveis ou incompatíveis com o “mundo real”. Essa indesejabilidade e/ou
incompatibilidade do estereótipo com o “mundo real” constituiu o principal foco
da análise final do material coletado por esta pesquisa.
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