2015out19 - execução penal e o stf
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EXECUÇÃO PENAL E O STF: DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
Por Ingrid Bays
É preciso ter em mente diante de qualquer discussão que envolva o
âmbito da execução penal que não podemos permitir que se trate um
cidadão cumprindo pena (ou segregado cautelarmente) como mero
objeto processual, despojando-o dos direitos que lhe foram (ou
deveriam ter sido) garantidos no processo de conhecimento. Assim,
também na execução penal devem ser observados, entre outros, os
princípios do devido processo legal, contraditório, da ampla defesa,
da legalidade, da imparcialidade do juiz, da proporcionalidade e da
razoabilidade.
Em que pese haja divergência entre a natureza da execução penal,
me filio aos que se posicionam no sentido de que sua natureza é
mista: tanto jurídica quanto administrativa, pois conduzida pelos
Poderes Executivo e Judiciário. É regida, portanto, por um sistema
interdisciplinar, em que se fundem regras do direito penal, do
processo penal e do direito administrativo. De qualquer sorte, em
razão do princípio da legalidade, sempre deverá predominar o caráter
jurisdicional da execução. Como regra geral, devemos ter ciência de
que nas situações em que não há previsão de um requisito expresso
em lei, o magistrado não pode exigi-lo. Em havendo, caso seja dúbio,
deverá prevalecer a posição mais favorável ao cidadão segregado.
Após breves considerações iniciais, pretendo abordar duas posições
adotadas pelo Supremo Tribunal Federal que explicam a expressão
“dois pesos e duas medidas” expressas no título.
A Corte Superior, por um lado, vem decidindo que a ausência de vaga
em estabelecimento prisional adequado, fazendo com que o
cumprimento da pena ocorra em regime mais gravoso que o fixado
na sentença configura constrangimento ilegal.[1] O tema obteve,
inclusive, no ano de 2011, repercussão geral reconhecida no Recurso
Extraordinário nº 641.320/RS, o qual ainda não foi julgado. Assim,
adotando uma interpretação pró-finalidade da execução penal, as
decisões vêm sendo, acertadamente, no sentido de que o preso
deverá aguardar sua vaga em regime mais benéfico, já que não há
previsão legal de se aguardar no regime em que se encontra. Não se
pode, por óbvio, imputar ao condenado uma falha do Estado, diante
de sua notável falta de capacidade estatal em gerir o sistema
penitenciário.
De outra banda, mas no mesmo Supremo Tribunal Federal,
entendeu-se que a exigência de exame criminológico, [2] mesmo
diante da ausência de previsão legal, é legítima, e assim o juiz
poderá exigir tal exame, mesmo que na prática isto acarrete,
fatalmente, o aguardo em regime mais grave do que o merecido e
determinado pelas condições legais. Conforme decidido pela Corte,
“o silêncio da Lei a respeito da obrigatoriedade do exame
criminológico, contudo, não inibe o juízo da execução do poder de
determiná-lo, desde que fundamentadamente. Isso porque a análise
do requisito subjetivo pressupõe a verificação do mérito do
condenado, que não está adstrito ao “bom comportamento
carcerário”, como faz parecer a literalidade da lei, sob pena de
concretizar-se o absurdo de transformar o diretor do presídio no
verdadeiro concedente do benefício e o juiz em simples homologador,
como assentado na ementa do Tribunal a quo”.[3]
É nítida a incoerência entre os dois posicionamentos adotados pelo
Supremo Tribunal Federal. Não obstante a necessidade de se
observar o princípio da legalidade, base do direito penal do estado
democrático de direito, deve-se sempre reconhecer “a dignidade da
pessoa do preso como parâmetro para todas as medidas a serem
tomadas, percebendo-o concretamente como ser integrante da
sociedade”.[4] Além do mais, é imprescindível que garantias
fundamentais não venham a ser afetadas pelo rigor de uma
interpretação literal. Para tanto, é necessário que se debata com mais
intensidade a execução penal e os desafios que a permeiam.
[1] STF. HC nº 113334/DF. Rel. Min. Rosa Weber. Primeira Turma.
Julgado em 26 de novembro de 2013.
[2] Sobre o exame criminológico, ver a Súmula Vinculante nº 26 do
STF e Súmula nº 439 do STJ.
[3] STF. RHC nº 121851/SP. Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma.
Julgado em 13 de maio de 2014.
[4]SÁ, Alvino Augusto de. Desafios da execução penal. Boletim
IBCCRIM, n. 238, set., 2012, pp. 16-17.
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