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Terceira Geração do Modernismo Brasileiro

1945 – 1960

adeilsonsousa

Contexto Histórico - Brasil

1945 – Fim da ditadura Vargas;

início da redemocratização brasileira;

convocam-se eleições gerais;

os partidos são legalizados, sem exceção;

Vargas renunciou em outubro. O general Eurico

Gaspar Dutra, ex-ministro da Guerra de Vargas,

venceu as eleições e tomou posse em janeiro de

1946.

Vargas ganhou as eleições presidenciais de 1950.

Criou então a Petrobrás e estatizou a geração de

energia elétrica.

Em 1954, Vargas se suicidou.

No ano seguinte, Juscelino Kubitschek foi eleito

presidente. Seu governo privilegiou os setores de

energia, transporte, alimentação, indústria de base

e educação.

Em 1960, Kubitschek inaugurou Brasília, a nova

capital do país.

Logo depois, inicia-se um novo tempo de

perseguições políticas, ilegalidades,

exílios.

Contexto Histórico - Mundo

Fim da II Guerra Mundial

Início da Era Atômica

ONU

Declaração dos Direitos do Homem

Guerra Fria

A literatura brasileira, assim como o cenário sócio-político,

passa por transformações.

A prosa tanto no romance quanto nos contos busca uma

literatura intimista, de sondagem psicológica, introspectiva, com

destaque para Clarice Lispector. Ao mesmo tempo, o

regionalismo adquire uma nova dimensão com Guimarães Rosa

e sua recriação dos costumes e da fala sertaneja, penetrando

fundo na psicologia do jagunço do Brasil central. Um traço

característico comum a Clarice e Guimarães Rosa é a pesquisa

da linguagem, por isso são chamados instrumentalistas.

Na poesia, surge uma geração de poetas que se

opõem às conquistas e inovações dos modernistas de

22. Negam a liberdade formal, as ironias, as sátiras e

outras ―brincadeiras‖ modernistas, os poetas de 45

buscam uma poesia mais ―equilibrada e séria‖. Os

modelos voltam a ser os Parnasianos e Simbolistas.

Características da Poesia

negam a liberdade formal, as ironias, as sátiras modernistas;

dedicam-se a uma poesia mais ―equilibrada e séria‖;

restabelecimento da forma artística e bela;

modelos parnasianos e simbolistas.

Representantes Cronológicos

João Cabral de Melo Neto

Geir Campos

Lêdo Ivo

Ferreira Gullar

Mauro Mota

Ferreira Gullar e o Concretismo

O Concretismo fixa-se no Brasil com a Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

As poesias concretas trazem novas formas de expressão: valorização da forma e da comunicação visual, sobrepondo ao conteúdo.

Cubismo Concretismo

Europa Brasil

Há vários escritores que se dedicaram ao Concretismo nos anos 50. Dentre eles, Ferreira Gullar.

Esse assunto será melhor detalhado posteriormente.

À chamada Geração de 45 pertencem poetas não catalogáveis.

Dentre eles, destaca-se João Cabral de Melo Neto

João Cabral de Melo Neto

Nascimento

09/01/1920

Natural

Recife - PE

Morte

09/10/1999

Passou a infância em São Lourenço da Mata, no engenho da família, onde teve contato com a literatura de cordel. Estudou no Recife. Mudou-se em 1942 para o Rio de Janeiro e lá ingressou na carreira diplomática o que o levou a viver longos períodos fora do Brasil.

Vídeo – João Cabral

Romaria – Carlos Drummond

A Milton Campos

Os romeiros sobem a ladeira

cheia de espinhos, cheia de pedras,

sobem a ladeira que leva a Deus

e vão deixando culpas no caminho.

Os sinos tocam, chamam os romeiros:

Vinde lavar os vossos pecados.

Já estamos puros, sino, obrigados,

mas trazemos flores, prendas e rezas.

Romaria – Carlos Drummond

No alto do morro chega a procissão. Um leproso de opa empunha o estandarte. As coxas das romeiras brincam no vento. Os homens cantam, cantam sem parar.

Jesus no lenho expira magoado.

Faz tanto calor, há tanta algazarra.

Nos olhos do santo há sangue que escorre.

Ninguém não percebe, o dia é de festa

No adro da igreja há pinga, café, imagens, fenômenos, baralhos, cigarros e um sol imenso que lambuza de ouro o pó das feridas e o pó das muletas.

Meu Bom Jesus que tudo podeis, humildemente te peço uma graça. Sarai-me, Senhor, e não desta lepra, do amor que eu tenho e que ninguém me tem.

Senhor, meu amo, dai-me dinheiro, muito dinheiro para eu comprar aquilo que é caro mas é gostoso e na minha terra ninguém não possui.

Jesus meu Deus pregado na cruz, me dá coragem pra eu matar um que me amola de dia e de noite e diz gracinhas a minha mulher.

Jesus Jesus piedade de mim. Ladrão eu sou mas não sou ruim não. Por que me perseguem não posso dizer. Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.

Os romeiros pedem com os olhos, pedem com a boca, pedem com as mãos. Jesus já cansado de tanto pedido dorme sonhando com outra humanidade.

Características da Poesia de João

Objetividade na constatação da realidade.

Em alguns casos, tendência ao Surrealismo.

Nível temático:

1. O Nordeste

2. A Espanha

3. A Arte

O Poeta-Engenheiro

Preocupação com a estética, com a arquitetura da poesia, construindo palavra sobre palavra, como o engenheiro coloca pedra sobre pedra.

Poeta racional

poesia calculada

Combate ao sentimentalismo choroso

Linguagem enxuta, concisa, elíptica (falar do sertanejo)

Aquele rio

está na memória

como um cão vivo

dentro de uma sala.

Como um cão vivo

dentro de um bolso.

Como um cão vivo

debaixo dos lençóis,

debaixo da camisa,

da pele. Um cão, porque vive,

é agudo.

O que vive

não entorpece.

O que vive fere.

O homem,

porque vive,

choca com o que vive.

Viver

é ir entre o que vive. O que vive

incomoda de vida

o silêncio, o sono, o corpo

que sonhou cortar-se

roupas de nuvens.

O que vive choca,

tem dentes, arestas, é espesso.

O que vive é espesso

como um cão, um homem,

como aquele rio.

ouça o poema interpretado por

João Cabral

Como ouvir?

...

Aquele rio

é espesso

como o real mais espesso.

Espesso

por sua paisagem espessa,

onde a fome

estende seus batalhões

de [secretas

e íntimas formigas. E espesso

por sua fábula espessa;

pelo fluir

de suas geléias de terra;

ao parir

suas ilhas negras de terra. ... Espesso,

porque é mais espessa

a vida que se luta

cada dia,

o dia que se adquire

cada dia,

(como uma ave

que vai cada segundo

conquistando seu vôo).

Trechos do poema

O CÃO SEM PLUMAS - "Discurso

do Capibaribe"

( O cão sem plumas - 1949 - 1950)

Trechos do poema

ALTO DO TRAPUÁ

(Paisagem com Figuras - 1954 - 1955)

Já fostes algum dia espiar

do alto do Engenho Trapuá?

Fica na estrada de Nazaré,

antes de Tracunhaém.

Por um caminho à direita

se vai ter a uma igreja

que tem um mirante que está

bem acima dos ombros das chãs.

Com as lentes que verão

instala no ar da região

muito se pode divisar

do alto do Engenho Trapuá. Se se olha para o oeste,

onde começa o Agreste,

se vê o algodão que exorbita

sua cabeleira encardida, ...

Se se olha para o nascente, se vê flora diferente. Só canaviais e suas crinas, e as canas longilíneas de cores claras e ácidas, femininas, aristocráticas, ... Porém se a flora varia segundo o lado que se espia, uma espécie há, sempre a mesma, de qualquer lado que esteja. É uma espécie bem estranha: tem algo de aparência humana, mas seu torpor de vegetal é mais da história natural. ... Apesar do pouco que vinga, não é uma espécie extinta e multiplica-se até regularmente. Mas é uma espécie indigente, é a planta mais franzina no ambiente de rapina,

Em 50 anos de intensa atividade literária, João Cabral de

Melo Neto publicou 18 livros de poemas e 2 autos

dramáticos

"Morte e Vida Severina"

"Auto do Frade".

Poeta do rigor, não existe em sua obra "o livro mais

importante" mas sim um conjunto de poemas fundamentais

da literatura brasileira.

Morte e Vida Severina

Morte e Vida Severina - Auto de Natal Pernambucano é um livro do

escritor brasileiro João Cabral de Melo Neto, publicado em 1966.

O livro apresenta um poema dramático, escrito entre 1954 e 1955 e

relata a dura trajetória de um migrante nordestino em busca de uma vida

mais fácil e favorável no litoral.

Em 1965, a pedido do escritor Roberto Freire, diretor do Teatro da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TUCA), o músico Chico

Buarque musicou o poema para a montagem da peça. Desde então sua

presença no teatro brasileiro tem sido constante

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O retirante explica ao leitor quem é e a que vai

— O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.

Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos

iguais em tudo e na sina: a de abrandar estas pedras suando-se muito em cima, a de tentar despertar terra sempre mais extinta,

Abertura de Morte e Vida Severina

Morte e Vida Severina

Um galo sozinho não tece uma manhã

Clarice Lispector

Nascimento 10/12/1920

Natural

Tchetchelnik - Ucrânia

Morte 09/12/1977

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo

altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque

no fundo a gente não está querendo alterar as coisas.

A gente está querendo desabrochar de um modo

ou de outro..."

Biografia

A família desembarcou em Maceió quando Clarice tinha 2 meses de idade;

depois fixou-se no Recife, onde a autora passou a infância.

Em 1935, a família foi para o Rio de Janeiro, onde Clarice ingressou na faculdade de Direito.

Em 1944, tornou-se bacharel em Direito e casou-se com um diplomata. Como embaixatriz viveu em diversos países.

Após divorciar-se, fixou-se definitivamente no Rio de Janeiro.

Vítima de câncer, faleceu no dia 9 de dezembro de 1977.

Tendência intimista da moderna literatura brasileira.

Eixo da obra: questionamento do ser, ―estar-no-mundo‖, pesquisa do ser humano

Romance introspectivo

Fixa-se na crise do indivíduo, na sua consciência e inconsciência.

Revalorização das palavras

Preocupação com o que está nas entrelinhas

A Hora da Estrela

Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe: — E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear? — Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de idéia. — E, se me permite, qual é mesmo a sua graça? — Macabéa. — Maca — o quê? — Bea, foi ela obrigada a completar. — Me desculpe mas até parece doença, doença de pele.

Eu também acho esquisito mas minha mãe botou ele por promessa a Nossa Senhora da Boa Morte se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu preferia continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome que ninguém tem mas parece que deu certo — parou um instante retomando o fôlego perdido e acrescentou desanimada e com pudor — pois como o senhor vê eu vinguei... pois é...

— Também no sertão da Paraíba promessa é questão de

grande dívida de honra.

Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-

namorado: — Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor? Da segunda vez em que se encontraram caía uma chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo.

(Clarice Lispector, A hora da estrela)

Texto atribuído a Clarice Lispector

Não te amo mais Estarei mentindo dizendo que Ainda te quero como sempre quis Tenho certeza que Nada foi em vão Sinto dentro de mim que Você não significa nada Não poderia dizer mais que Alimento um grande amor Sinto cada vez mais que Já te esqueci! E jamais usarei a frase Eu te amo! Sinto, mas tenho que dizer a verdade É tarde demais...

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

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Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo

E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.

Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.

Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!

E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.

Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.

Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.

Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.

Ler o conto indicado pelo PAS

O ovo e a Galinha

Nascimento 27 de junho de 1908 Cordisburgo, MG

Falecimento

19 de novembro de 1967 / Rio de Janeiro

Nacionalidade Brasileiro

Ocupação

Romancista e contista

Magnum opus Grande Sertão: Veredas

Escola/tradição

Modernismo

Guimarães Rosa o mágico do reino das palavras

Guimarães Rosa

Aluno brilhante, cursou Medicina, formando-se em 1930.

Era poliglota e seguiu carreira diplomática. Como diplomata, exerceu atividade na Alemanha, Colômbia e França.

Em 1952, fez uma viagem de nove dias a cavalo através do sertão de Minas Gerias.

em 1963, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, mas intuindo que morreria ao tomar posse, adiou-a por quatro anos. Morreu em 16 de novembro, vítima de um infarto fulminante, exatamente três dias depois da posse.

O ―dialeto‖ mágico de Guimarães Rosa

A incorporação do falar coloquial do sertanejo

Utilização de recursos poéticos

A recorrência da silepse de número

Rupturas sintáticas

O uso de derivação imprópria

O emprego de neologismos

A utilização de diminutivos

O emprego de aforismos

AFORISMOS Sentença moral breve e conceituosa; máxima; princípio básico ou indiscutível da ciência ou da arte.

―Moço! Deus é paciência. O contrário é o diabo.‖

―Viver é muito perigoso.‖

―Amar é reconhecer-se incompleto.‖

―O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita.‖

sertão é do tamanho do mundo‖;

―Vingar, digo ao senhor : é lamber, frio, o que o outro cozinhou quente demais.‖;

―Quem desconfia, fica sábio.‖;

―Sertão é o sozinho.‖;

―Sertão : é dentro da gente.‖;

―Vivendo, se aprende ; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas.‖;

―...amor só mente para dizer maior verdade.‖;

―quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.‖

Grande Sertão: Veredas

Publicado em 1956

Único romance escrito por Guimarães Rosa, é considerado sua obra-prima e um dos mais importantes textos da literatura brasileira.

Enredo

O romance se constrói como uma longa narrativa oral, cujo ponto de partida é um situação bastante verossímil: um velho fazendeiro, ex-homem de armas e de letras, presta um depoimento sobre sua própria experiência a um interlocutor, também letrado, cuja fala é apenas sugerida. Portanto, das 460 páginas do romance flui um monólogo ininterrupto, através do qual o personagem-narrador, Riobaldo, conta sua vida a um interlocutor que jamais tem a palavra.

Como contador de histórias, Riobaldo vai emendando um caso no outro, tendo sempre a preocupação de discutir a existência ou não do diabo.

Toni Ramos (Riobaldo) e Bruna Lombardi (Reinaldo ou Diadorim)

Grande Sertão: Veredas,

instalação de Bia Lessa no MLP

(Museu da Língua Portuguesa)

Grande Sertão - Veredas (1985)

Guimarães Rosa, com seus experimentos lingüísticos, sua técnica, seu mundo ficcional, renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminhos até então inéditos.

Autodidata, começou ainda criança a estudar diversos idiomas, iniciando pelo francês quando ainda não tinha 7 anos, como pode se verificar neste trecho da entrevista anos mais tarde:

―Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns

dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do

hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de

outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por

divertimento, gosto e distração."

O conhecimento de línguas estrangeiras seria um aliado de Guimarães Rosa, especialmente no que diz respeito à tradução da sua obra, já que o escritor mineiro se notabilizou pela invenção de vocábulos, além do registro da linguagem sertaneja brasileira, inacessível a tradutores estrangeiros.

Ler os contos indicados pelo PAS

A terceira Margem do Rio

A hora e a Vez de Augusto Matraga

Ouvir a música indicada pelo PAS

A Terceira Margem do Rio

Oco de pau que diz: Eu sou madeira, beira Boa, dá vau, triztriz Risca certeira Meio a meio o rio ri Silencioso, sério Nosso pai não diz, diz: Risca terceira

Água da palavra Água calada, pura Água da palavra Água de rosa dura Proa da palavra Duro silêncio, nosso pai

Margem da palavra Entre as escuras duas Margens da palavra Clareira, luz madura Rosa da palavra Puro silêncio, nosso pai

Meio a meio o rio ri Por entre as árvores da vida O rio riu, ri Por sob a risca da canoa O rio riu, ri O que ninguém jamais olvida Ouvi, ouvi, ouvi A voz das águas

Asa da palavra Asa parada agora Casa da palavra Onde o silêncio mora Brasa da palavra A hora clara, nosso pai

Hora da palavra Quando não se diz nada Fora da palavra Quando mais dentro aflora Tora da palavra Rio, pau enorme, nosso pai

A terceira Margem do Rio – Caetano Veloso e Milton Nascimento

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