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Paulo Victorino
1889-1930 - PRIMEIRA REPÚBLICA
A REPÚBLICA ARMADA
(DE DEODORO A WASHINGTON LUÍS)
005 - Assim nascia a República
Antecedentes - A Abolição da Escravatura - A Questão Religiosa - A
Questão Militar - A Proclamação da República.
013 - Primeiros tempos -
Deodoro e Floriano
1889-1994 - Governo Provisório - Assembleia Constituinte - A
eleição do primeiro Presidente da República - Deodoro, o marechal
impulsivo - O fechamento do Congresso - Floriano, o "Marechal de
Ferro" - A Revolta da Armada, na baía da Guanabara - A Revolução
Federalista no Rio Grande do Sul - A Consolidação da República.
030 - A Pacificação -
Prudente de Morais
1894-1898 - E deixaram Prudente sozinho - Pacificação interna: a
anistia geral - Pacificação externa: reatando com Portugal; os
ingleses e a ilha de Trindade; enfim, solução para Missões; o território
do Amapá - Ainda a pacificação interna: Vitorino e o Florianismo - A
Guerra de Canudos - O atentado - A pacificação do Exército - De
volta ao interior paulista.
047 - A recuperação financeira –
Campos Sales
1898-1892 - A hora de pagar a conta - O desafio do orçamento -
Implicações políticas da crise - Os anos de vacas magras - O
coronelismo - A Comissão Verificadora - Fim de Governo.
057 - Saneamento e desenvolvimento -
Rodrigues Alves
1902-1906 - O poder sem fim do Presidente - Candidatos em penca
- O consenso e a eleição - Rio, uma cidade doente - Osvaldo Cruz -
A febre amarela - A peste bubônica - A varíola - A "Guerra da Vacina"
- Urbanização do Rio de Janeiro - O barão do Rio Branco - A questão
do Acre - Fim de governo.
075 - Um mandato e dois Presidentes -
Afonso Pena e Nilo Peçanha
1906-1910 - Fim da "Política dos Governadores" - Postulantes à
Presidência - O "Jardim da Infância" e o "Bloco do Morro da Graça" -
O governo de Afonso Pena - Rondon, o "Marechal da Paz" -
Imigração e progresso - Rui Barbosa, a "Águia de Haia" - A morte de
Afonso Pena - O governo de Nilo Peçanha.
089 - A Política de Salvação Nacional -
Hermes da Fonseca
1910-1914 - Civilismo versus militarismo - O movimento civilista - E
Hermes ganhou a eleição - Durante a festa, um canhonaço - A
"Revolta da Chibata" - A vitória aparente - A repressão severa - A
"Política de Salvação Nacional": no Estado do Rio de Janeiro; no
Estado de Pernambuco; no Estado da Bahia; no Estado do Ceará; no
Estado de Alagoas; outras salvações - O governo Hermes da
Fonseca.
109 - O caminho para a paz -
Venceslau Brás
1914-1918 - Em busca de um sucessor (Pinheiro Machado) - A
segunda vertente (olgarquias São Paulo/Minas) - Os vícios da
República (intervenções) - O caso do Estado do Rio - A crise em nível
federal - O epílogo, com Nilo Peçanha - O Brasil e a 1ª Guerra
Mundial - A Ronda da Morte (gripe espanhola) - A Guerra do
Contestado - Fim de governo.
127 - As estruturas do poder -
Delfim Moreira e Epitácio Pessoa
1918-1922 - Eleitos Rodrigues Alves e Delfim Moreira - Fim da
bonança - Morre Rodrigues Alves (e depois Delfim) - A nova
campanha presidencial - Aí vem o Presidente! - O Ministério - Obras
do Governo - A sucessão - As cartas de Artur Bernardes - A questão
de Pernambuco - O motim - As revoltas de 5 de julho: na Vila Militar;
na Escola Militar; no Forte de Copacabana - O mito dos 18 do Forte
- Independêmcia e Morte.
145 - A Revolução dos "Tenentes" -
Artur Bernardes
1922-1926 - A campanha eleitoral - Nilo Peçanha e a sucessão
fluminense - Borges de Medeiros e a sucessão gaúcha - A revolução
gaúcha de 1923 - Reina a paz nos pampas - Militares de 1922 são
julgados - A revolução de 1924 em São Paulo - Os azares do levante
- A retirada dos civis - Sublevação no Sul - O encontro das duas
frentes - Surge a Coluna Prestes - A longa marcha pelo Brasil - Notas
à margem - Um governo sem obras.
165 - O canto do cisne -
Washington Luís
1926-1930 - Consertando as finanças públicas - Café em crise - O
navio segue seu curso - Churrasco com leite - Surge a Aliança Liberal
- Um comício na Esplanada - A "Tomada da Bastilha" - Nas eleições,
o de sempre - Revolução em marcha.
181 - O fim da Primeira República
(República Velha)
1930 - O problema de quorum na Câmara Federal - Assassinato do
deputado Souza Filho - O episódio que mudou a História - A
República de Princesa (Paraíba) - Enfrentando João Dantas -
Confronto com o Governo Federal- O assassinato de João Pessoa -
A marcha da Revolução - Imprevistos enfraquecem o comando - O
levante no Rio Grande do Sul - O Cavalo de Troia - Relógios fora de
sincronia - Do sul, a marcha para o Rio de Janeiro - Do nordeste, a
marcha para o sudeste - O beijo contido por trinta anos - A Batalha
de Itararé - Minas Gerais na Revolução - Epílogo.
203 - O naufrágio do "Titanic"
(Um presidente é deposto)
1930 - A Junta Militar - A interferência do Cardeal - O "Titanic"
começa a afundar - O fim da Primeira República.
Paulo Victorino
CAPÍTULO UM
ASSIM NASCIA A REPÚBLICA
"A República nasceu militar, militarista e militarizada. Os
Abolicionistas (já vitoriosos) e os Propagandistas da República
(que se julgavam vitoriosos) foram ultrapassados pelos dois
marechais que vieram 'irreconciliáveis' da estranha Guerra do
Paraguai."
(Helio Fernandes – Tribuna da Imprensa - 23/08/2008)
A história da independência das colônias americanas começa bem distante da
América, do outro lado do Atlântico, no coração da velha Europa. Pouco mais de
dez anos haviam se passado desde o início da Revolução Francesa, e uma
sucessão atropelada de acontecimentos levou a França de volta à monarquia
com Napoleão Bonaparte, cuja ambição não tinha limites que não pudessem ser
ultrapassados.
Pois foi invasão das tropas napoleônicas à Península Ibérica, em 1807, que
criou um reboliço nas colônias latino-americanas, gerando, primeiro,
desorientação total; depois, uma reação natural de fidelidade à coroa espanhola,
com a formação de governos provisórios e, por fim, o despertamento da
consciência de que, subjugada a Espanha por Napoleão, surgia uma
oportunidade única para que os vice-reinos assumissem seus destinos,
- 006 –
declarando a própria independência. De como o processo se efetivou, das lutas
fraticidas e da divisão dos vice-reinos em uma porção de pequenas repúblicas,
isso é assunto para uma História das Américas, que não cabe neste trabalho.
Basta registrar que a inexistência de um rei a quem servir e a repulsa ao império
invasor criaram condições para que praticamente toda a América Latina se
tornasse republicana, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, que já tinham
feito sua opção em 1776.
Não foi o caso do Brasil, que as circunstâncias encaminharam para um
processo histórico totalmente diferente. Com Portugal invadido, a família real e
a nobreza se instalaram em sua antiga colônia, que passou a ser a sede de
reinado, oficializada com a criação do Reino Unido Portugal-Brasil-Algarves.
Esse elemento distinto alterou a nossa história, pois evitou fracionamento do país
em vários pequenos territórios e, a par disso, garantiu a permanência do regime
monárquico após a Independência, contrariando a opção do restante das três
Américas. Garantiu, ainda, uma relativa estabilidade, que permitiu a D. Pedro 2º,
primeiro monarca nascido no Brasil, ficar no poder por meio século, sem maior
contestação, seja ao regime, seja à pessoa do Imperador.
Todavia, o fim da Guerra do Paraguai levou o país a fazer uma reavaliação de
seus próprios destinos. A guerra, ainda que inevitável, trouxe um custo elevado
em vidas humanas, um preço pago com o sangue dos próprios soldados
brasileiros, recrutados, sabe Deus em que circunstâncias, e utilizados como
peças de guerra, sem maiores preocupações com a preservação das vidas. E,
enquanto, lá fora, os soldados da pátria morriam na defesa das liberdades, aqui
dentro permanecia a escravidão a serviço de uma oligarquia alheia aos
problemas do povo, controlando o poder de forma absoluta pelo voto seletivo e
restrito aos cidadãos de boa renda.
Outro fator a interferir na vida nacional era a inconveniente união entre a
Igreja e o Estado. De um lado, o clero recebia seus proventos dos cofres
públicos; de outro, o Imperador tinha a prerrogativa de nomear bispos e interferir
em assuntos administrativos da Igreja, a contragosto dos religiosos.
Por fim, outra realidade passa a ser questionada, e esta na esfera militar.
Cessada a guerra e, não tendo mais com que se preocupar quanto à segurança
nacional, os militares foram remanejados para serviços menores e fora de suas
atribuições, como a perseguição e caça de escravos foragidos. Contando com
uma forte representação no Congresso, acharam eles que já era momento de
- 007 -
ter uma participação política mais ativa, o que originou a criação do Clube Militar
e a disposição manifesta de tornar públicas as suas opiniões, embora isto fosse
vedado taxativamente pelo regulamento.
Assim, dentro da rediscussão dos problemas brasileiros, provocada pelo
reavivamento nacional, surgiram questões importantes, que puseram por terra
toda a estrutura, aparentemente sólida, de nosso Império.
A Abolição da Escravatura
Durante seu longo reinado, D. Pedro 2º, em harmonia com os gabinetes do
parlamento, vinha tratando acabar, gradualmente, com o trabalho escravo,
eliminando primeiro os navios negreiros, depois tornando livres as crianças
nascidas de mãe escrava, por fim dando alforria aos escravos maiores de
sessenta anos.
Havia ainda a abolição feita em separado por algumas regiões e cidades
brasileiras. Em março de 1884 foi extinta a escravidão no Ceará e, em julho do
mesmo ano, o Amazonas lhe segue o exemplo. No Rio de Janeiro, em São Paulo
e em outros Estados, a campanha abolicionista vinha ganhando força cada vez
maior, e a voz de Castro Alves, nos anos sessenta, repercute, agora com nomes
como o de José do Patrocínio, que não usa só o seu dom da palavra e do
convencimento, como ainda presta ajuda na fuga de escravos e na proteção dos
fugitivos.
A assinatura da Lei Áurea, pela princesa Isabel, representa uma arriscada
manobra política, mas a única possível, na tentativa de salvar o trono. Todavia,
se de um lado o ato aproxima o trono a uma larga parcela da opinião pública, de
outro, enfurece as classes rurais dominantes, que dependem da mão-de-obra
escrava para sustentação da lavoura. Agora, são estes que se rebelam e vão
engrossar as fileiras dos republicanos, com seu apoio pessoal e financeiro,
deslocando ainda mais o centro de equilíbrio do poder.
A Questão Religiosa
Sabe-se bem da grande influência política da maçonaria na vida brasileira,
atuando primeiro no processo de independência, depois, nas revoluções que
eclodiram durante a fase inicial do Império e, finalmente, registrando participação
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ativa no Congresso e em outros setores da vida pública. Como não poderia
deixar de acontecer, sua ação estende-se também sobre a vida religiosa,
alterando o tradicional dia-a-dia dos conventos.
Os padres defendiam ideias francamente liberais e muitos deles acabam se
identificando com os maçons, aderindo a eles, primeiro discretamente, depois,
de forma escancarada, e contando, senão com o consentimento, pelo menos
com a tolerância de seus superiores.
A paz termina quando, numa homenagem prestada pelas lojas maçônicas do
Rio de Janeiro ao seu grão-mestre, Visconde do Rio Branco, se registra um
incidente de maior monta. O padre Almeida Martins, que também é maçom, se
apresenta na cerimônia em seus trajes de sacerdote e faz um discurso de
saudação, representando a loja do Grande Oriente do Lavradio, recebendo, por
isso, uma punição do bispo diocesano, D. Pedro Maria de Lacerda. Reincidente
em sua atuação, é, então, suspenso das ordens sacras.
Começa aqui uma guerra surda em que os maçons passam a hostilizar a Igreja,
enquanto esta, por seus bispos, age duro contra os religiosos renitentes na
prática da maçonaria.
Ocorre, então, um incidente mais grave. O bispo de Olinda, D. Vital Maria
Gonçalves de Oliveira, jovem de vinte e poucos anos, resolveu aplicar, na área
sob sua jurisdição, as recomendações da Encíclica de 1864, do papa Pio IX,
proibindo o clero de participar de cerimônias patrocinadas por maçons. O bispo
chama particularmente cada um dos sacerdotes envolvidos e ordena-lhes que
se dediquem tão somente à vida religiosa, afastando-se de atividades estranhas
aos conventos.
Encontrando oposição, D. Vital acabou por suspender as irmandades
recalcitrantes, impedindo-as de receber novos membros, de participar de ofícios
religiosos e até de vestir os seus hábitos. Algumas dessas irmandades recorrem
ao Governo e D. Vital, por sua parte, recorre ao Papa que lhe dá poderes para
agir com rigor contra os rebelados.
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Está formado o imbroglio, provocado pela espúria união entre o Estado e a
Igreja. O acordo entre o Governo e o Vaticano determinava que todas as bulas
papais, para serem cumpridas no país, deveriam primeiro receber o execute-se
do Governo brasileiro, o que não acontecera com a Encíclica cujas
recomendações o bispo insistia em aplicar. A crise agrava-se mais ainda quando
o bispo do Pará, D. Antônio Macedo Costa, faz um protesto formal contra a
maçonaria e se solidariza com D. Vital.
Foi a conta. O Governo apresenta ação criminal contra os dois religiosos,
perante o Supremo Tribunal de Justiça, por desrespeito aos poderes do Império.
Presos, os dois bispos são levados ao Rio de Janeiro, julgados e condenados a
dois anos de prisão com trabalhos forçados, sendo instaurados processos
também contra outros padres que lhes deram apoio.
Isto ocorreu em 1º de julho de 1873 e só ao final da pena é que os dois bispos
foram anistiados, por decreto do Gabinete presidido pelo Duque de Caxias. Mas
o desastre já acontecera e seus efeitos são irremediáveis.
A Questão Militar
Dentre todos os problemas que o Governo vinha enfrentando, por certo, o mais
grave de todos, e o mais decisivo para o fim do Império, foi a questão militar. Sob
acusação de terem feito manifestações políticas, foram punidos os coronéis
Sena Madureira e Cunha Matos, provocando descontentamentos no Exército e
resultando num violento discurso do Visconde de Pelotas, que era um militar
exercendo, naquele momento, um mandato de senador, o qual tomou a defesa
dos militares punidos. O ministro que aplicou as punições, general Franco de Sá,
que também era senador, reassumiu sua cadeira no Senado e replicou às
acusações no mesmo tom, reafirmando sua posição de manter os militares
afastados de manifestações políticas.
Um dos coronéis punidos, Sena Madureira, se achava em Porto Alegre, sob o
comando do marechal Deodoro da Fonseca. Sentindo-se ofendido com o
discurso do ex-ministro, Sena foi aos jornais e publicou uma nota violenta contra
o General Franco de Sá, com o que envolvia indiretamente o seu comandante,
marechal Deodoro, que foi interpelado a respeito.
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Agravava-se a crise. Deodoro enviou um ofício, por via marítima,
manifestando sua opinião de que "não há questão disciplinar, porque o
regulamento veda discussão entre o subordinado e seu superior. O senador
Franco de Sá atuava como parlamentar e não como militar, não sendo, naquele
momento, um superior se dirigindo ao coronel, mas sim um senador a emitir sua
opinião". Esse oficio cruzou com outro que veio do Rio de Janeiro, também por
via marítima, aplicando punição a Sena Madureira por "referências
inconvenientes a um membro do Parlamento e por ter criticado atos de um ex-
Ministro da Guerra".
Deodoro recusou-se a aplicar a punição. Sena Madureira, longe de se
acomodar, voltou à imprensa com nova manifestação. No Rio, o ex-ministro e
senador exigiu explicações do Chefe do Conselho, Barão de Cotegipe. E, de
Porto Alegre, Deodoro comunicava ao governo que havia autorizado outros
oficiais a fazerem manifestações de solidariedade ao colega punido.
No Rio de Janeiro, o jornal "O País", de Quintino Bocaiúva, publicava um
manifesto de solidariedade a Deodoro, assinado por 150 oficiais e cadetes. E
Benjamim Constant, que também era militar, conseguiu um manifesto, assinado
por Deodoro e pelos oficiais sob seu comando, na defesa dos direitos de classe.
Na tentativa de debelar a crise, o governo manda vir ao Rio de Janeiro o
marechal Deodoro e o coronel Sena Madureira, mas o tiro sai pela culatra, pois,
ao chegarem na capital federal, em 26 de janeiro de 1887, os dois foram
recebidos com entusiásticas manifestações de oficiais e cadetes.
Provocações de um lado e de outro, queda de Ministro, apelos a D. Pedro
para que interviesse na questão, tudo foi experimentado, sem efeito, até surgir a
figura conciliadora de Rui Barbosa, que reunido com os militares na casa de
Deodoro, redigiu um manifesto pacificador, assinado primeiro por Deodoro e pelo
Visconde de Pelotas, em seguida pelos demais.
Depois, em 18 de maio de 1887, o visconde de Pelotas fez um discurso no
Senado, na presença do Barão de Cotegipe, pedindo a todos os envolvidos que,
em nome da nação, a questão fosse encarada e resolvida de modo honroso e
digno. Mas o mal já estava feito e não havia mais como restabelecer a confiança
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recíproca entre governo e militares. Aquele representava a ordem, estes
detinham a força. O desfecho havia de ocorrer, apenas não se sabia quando.
A Proclamação da República
O movimento de sedição, que levou ao golpe de Estado, derrubando o Império
e proclamando a República não foi um acidente. Estava bem planejado e tinha
até uma data para acontecer: 17 de novembro de 1889. A operação foi bem
planejada e envolvia mesmo táticas de guerra, como a da contra-informação, isto
é, a divulgação de boatos para criar um clima propício à ação. Falhou apenas na
cronologia, pois Quintino Bocaiúva e o major Solon Ribeiro provocaram sua
antecipação de dois dias.
Deodoro adoeceu, e recolheu-se à sua casa. Coube, então ao major Sólon
espalhar a falsa notícia de que Deodoro estava preso, juntamente com Bocaiuva,
e que, por ordem do ministro Visconde de Ouro Preto, vários batalhões seriam
removidos da capital para pontos distantes do país. Esse alarme falso provocou
a rebelião imediata de dois batalhões da Cavalaria, aquartelados em São
Cristóvão, aos quais se juntou, logo em seguida, todo o Regimento de Cavalaria
e, pouco depois, várias outras unidades militares.
Isso aconteceu no dia 14 de novembro de 1889. Logo na manhã do dia
seguinte, foram buscar Deodoro em sua casa, o qual, apesar de doente, assumiu
prontamente o comando das Forças Armadas. O ministro Ouro Preto avisou o
Imperador sobre o movimento e, em seguida, tentou juntar forças para a
resistência, reunindo, no pátio do Quartel General, no Campo de Santana, todo
o destacamento policial ao seu alcance, e mais a Brigada de Infantaria, sob o
comando do general Almeida Barreto, ficando a cargo de Floriano Peixoto (até
então aparentemente legalista) comandar ambas as forças para o contra-
ataque.
Faltou disposição, tanto aos comandados, quanto ao comandante, para que
esse contra-ataque se realizasse. As tropas rebeldes invadiram o edifício do
Ministério da Guerra, entre vivas e aclamações dos soldados que deveriam
defendê-lo. Ali mesmo, após um diálogo "ligeiro e ríspido", o Marechal Deodoro
determinou a prisão do Visconde de Ouro Preto, dirigindo- se depois ao Arsenal
da Marinha, para confirmar o apoio da Armada, consumando-se, assim, o golpe.
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Não houve participação popular. O povo olhava, indiferente, as tropas que
circulavam pela rua do Ouvidor e outras vias da cidade. Ainda na tarde do dia 15
de novembro de 1889, José do Patrocínio conseguiu reunir um pequeno
agrupamento popular que, de tão pequeno, coube dentro da Câmara Municipal.
À noite, o mesmo Patrocínio foi à casa de Deodoro para levar um manifesto com
as poucas assinaturas que conseguiu obter. E é só o que registra a história,
quanto ao envolvimento popular no ato de Proclamação da República.
O Presidente do último gabinete parlamentar, Visconde de Ouro Preto, foi
deportado para a Europa. O major Sólon Ribeiro, já referido acima, entregou ao
Imperador uma mensagem do Governo Provisório, que o obrigava a deixar o
Brasil, o que aconteceu na madrugada do dia 17. Toda a família imperial foi
transportada para a corveta "Parnaíba", de onde ocorreu o transbordo para o
vapor Alagoas.
Segue, para o exílio, o Imperador, e com ele, meio século de história do Brasil
imperial. Estava proclamada a República e voltavam as esperanças de se
construir uma nova nação, dentro dos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade.
Post scriptum
A República, fruto de um golpe militar, padeceu de um mal crônico que a
acompanhou em toda sua história: a falta de sustentação popular que lhe daria
legitimidade, o que propiciou a constante ingerência da caserna em assuntos de
natureza política, imiscuindo-se na ação dos governos, velada ou
ostensivamente, e criando condições de instabilidade permanente a governos
eleitos por voto popular.
Esse status, se prolongou até o ano de 1964, quando outro golpe colocou os
militares no poder, onde ficaram por 21 anos. Mas esse longo período de
ditadura, se trouxe um pesado ônus à Nação, deu-lhe também um bônus. Em
1985, afastando-se do poder, os militares, afinal, se recolheram aos quartéis
para cumprir suas funções previstas na Constituição, deixando, de uma vez por
todas, de tutelar a nação, a qual reconquistou, afinal, a plena soberania, sem
mais o temor de golpes ou ameaças de golpes que punham em risco a
estabilidade institucional.
Paulo Victorino
CAPÍTULO DOIS
PRIMEIROS TEMPOS DA REPÚBLICA
DEODORO DA FONSECA E FLORIANO PEIXOTO - 1889-1894
Há muitas semelhanças entre o comportamento de Deodoro, nosso
primeiro Presidente, e D. Pedro I, nosso primeiro Imperador. Os
dois eram liberais, mas apolíticos, tinham uma formação voltada
para o militarismo, eram temperamentais e impulsivos, defendiam
suas ideias até o uso extremo da força, mas um e outro revelavam
ingenuidade total no que se refere ao jogo político.
No mesmo dia 15 de novembro de 1889, após a Proclamação da República, é
editado o Decreto nº1 do Governo Provisório, traçando as diretrizes básicas do
regime que se iniciava.
Fica instituída a República dos Estados Unidos do Brasil, adotando como
forma de governo a República Federativa, isto é, o poder passa a ser
compartilhado com as vinte unidades provinciais, ao contrário da Monarquia,
onde o sistema era unitário e centralizador. O Rio de Janeiro, que era designado
"Município Neutro da Corte" passa a ser "Distrito Federal". As províncias, agora,
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chamam-se "Estados". Deodoro é o chefe do Governo Provisório, enquanto se
estabelece a nova ordem para a convocação de eleições constituintes.
Já pela manhã do dia 15, logo após o golpe, o tenente Vinhais apodera-se do
telégrafo, enviando mensagem a todos os Presidentes de Província, na qual
anuncia a implantação do novo regime e a deposição do ministério monárquico,
"pelas forças de terra e mar".
Ao contrário do que ocorrera por ocasião da Independência, desta vez não
há qualquer reação à mudança, registrando-se até uma certa apatia, como se
estivesse administrando um fato esperado há algum tempo, e agora apenas
consumado. Somente a Bahia esboça um sinal de reação, para voltar logo à
normalidade, ao saber que o Imperador cedera à imposição das circunstâncias,
e que a tomada do poder deu-se sem derramamento de sangue.
Diante da transição pacífica de regime, cuida-se de tomar as providências
para sua consolidação. Deodoro organiza o primeiro ministério, formado com os
civis e militares mais envolvidos no processo de mudança:
Justiça, Campos Sales; Guerra, Benjamin Constant; Marinha,
contra-almirante Eduardo Wandenkolk; Relações Exteriores,
Quintino Bocaiúva; Interior, Aristides da Silveira Lobo; Fazenda,
Rui Barbosa; Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Demétrio
Ribeiro.
Este último foi nomeado por indicação dos positivistas e Deodoro sequer o
conhecia [o positivismo é sistema filosófico materialista, que se apoia
exclusivamente nos fatos e experiências práticas, repelindo por inteiro os
princípios de fé. É partidário de um governo forte e centralizado].
No dia 17, após a partida de D. Pedro II, os positivistas, por sugestão de
Benjamim Constant, vão ao Palácio, em passeata, para prestar solidariedade ao
novo governo, levando à frente uma faixa com os dizeres "Ordem e Progresso",
frase criada por essa corrente filosófica, e incorporada, em seguida, à nova
Bandeira Nacional, criada por decreto de 19 de novembro. Com dois
representantes no pequeno Ministério, esperavam eles direcionar o governo e a
constituição na trilha de suas ideias. Se não o conseguiram de todo, pelo menos
deixaram presença marcada por toda a República Velha e na outra subsequente,
- 015 -
perdendo, porém, gradativamente, o fascínio que despertavam ao final do
império.
Dentre as primeiras medidas do Governo Provisório, destacam-se a
separação entre a Igreja e o Estado, a secularização dos cemitérios, e a
instituição do registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos, o que, até
então, era validado pela Igreja.
Ficou acertado também, que, no primeiro aniversário da República, se
instalaria a Assembleia Constituinte, segundo convocação a ser feita
oportunamente.
A Assembleia Constituinte
As providências para a instalação da Constituinte já iam adiantadas. Em 3 de
dezembro de 1889, dezoito dias após a Independência, o governo nomeava uma
comissão, presidida por Saldanha Marinho e composta de cinco juristas, com a
missão de elaborar um anteprojeto a ser encaminhado aos constituintes, em seu
tempo oportuno, para análise e aprovação. Essa comissão apresentou, não um,
mas três anteprojetos, redigidos respectivamente por Américo Brasiliense,
Rangel Pestana e Magalhães Castro.
Esses três trabalhos são, agora, entregues a um outro jurista, Rui Barbosa,
que, com sua proverbial habilidade, reuniu as ideias em um único texto,
unificando conceitos, aprimorando a forma e, além do que lhe fora pedido,
alterando até o conteúdo dos textos iniciais, ao acrescentar na consolidação
vários dispositivos que não estavam nos anteprojetos originais.
Se, em teoria, tudo estava correndo dentro do concertado com os
republicanos, na prática, a coisa era diferente. Como dissemos, no ministério,
havia dois positivistas, Benjamin Constant e Demétrio Ribeiro, ambos
defensores de um governo forte e centralizado e, sobretudo este último, tudo
fazia para que fosse protelada a convocação da Assembleia.
Dentro do Exército, também, surgia uma corrente, sustentada por destacados
militares, que defendia a manutenção de todo o poder com o Governo Provisório.
O próprio marechal Deodoro relutava em fazer a convocação, irritando os
- 016 -
republicanos mais exaltados, os quais se manifestavam pela imprensa,
reclamando o prosseguimento da democratização do regime e lembrando que a
indefinição do governo já vinha causando desconfianças em países amigos, que
retardavam em reconhecer o novo regime, trazendo dificuldades para o comércio
exterior.
Prevaleceu o bom senso e, em 22 de junho de 1890, finalmente, realizou-se
a convocação da Constituinte para a data já estabelecida, com eleições a se
realizarem dois meses antes. Com efeito, as eleições se realizaram em 15 de
setembro de 1890, porém, em ambiente tumultuado e com sérias acusações
quanto à lisura do pleito, já que nomes totalmente desconhecidos conseguiram
um número expressivo de votos, incompatível com sua pouca ou nenhuma
projeção junto ao eleitorado.
Mas, pelo menos, houve eleições, e grandes inteligências nacionais
conseguiram se sobressair, impondo sua força de liderança e neutralizando a
vulgaridade dos demais. Com exceção de Benjamim Constant, que não se
candidatou, os demais ministros (Campos Sales, almirante Wandenkolk,
Quintino Bocaiúva, Silveira Lobo, Rui Barbosa e Demétrio Ribeiro) foram todos
eleitos.
O anteprojeto, com a nova redação proposta por Rui Barbosa, foi, então,
encaminhado à Assembleia Constituinte que, como previsto, se instalou no dia
15 de novembro de 1890.
A nova Constituição
Em um ano e dois meses, o projeto final estava pronto, discutido, emendado e
votado. A Constituição, em sua redação final, foi promulgada pelo Congresso em
24 de fevereiro de 1891, entrando imediatamente em vigor. No dia seguinte, seria
eleito o presidente da República, nesta primeira vez, excepcionalmente, por via
indireta, com o voto dos parlamentares. Somente a partir do segundo Presidente
é que as eleições passariam a ser por voto direto.
A nossa Carta Magna, embora incorporando as várias medidas já tomadas
pelo Governo Provisório, era inspirada na Constituição norte-americana,
estabelecendo no país um regime republicano, com governo presidencialista e
sistema federativo. (O contrário disto seria regime monárquico, com governo
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parlamentarista e sistema unitário). Na prática, os governos que se seguiram
adotaram apenas um presidencialismo forte e centralizado, dificultando ao
máximo a aplicação do princípio federativo, já que os Estados sempre foram
dependentes, política e financeiramente, do governo central.
O fiel da balança pendeu, agora, para as oligarquias rurais, principalmente de
São Paulo e Minas Gerais, gerando a política que ficou sendo conhecida como
de "café com leite", com o poder se alternando entre esses dois Estados até o
fim da República Velha, em 1930.
Porém, em relação à Constituição de 1824, a nova Carta representou
considerável avanço. As eleições para a Câmara, Senado e Presidência da
República passaram a ser diretas e universais. Na Carta anterior somente os
deputados eram eleitos e, assim mesmo, por voto censitário, isto é, segundo a
renda de cada um.
Os senadores deixaram de ser vitalícios. O voto era livre (não obrigatório) e
universal (cada eleitor, um voto, sem contar a renda de cada um) mas somente
para homens, maiores de 21 anos, e com uma série de outras restrições, pois
estavam proibidos de votar, além das mulheres, também os analfabetos, os
militares e os religiosos. Com todas essas limitações, e não sendo obrigatório o
voto, o número de eleitores era muito pequeno, representando muito pouco o
universo populacional, em torno de 40 milhões de almas.
As mulheres ganharam direito a voto na Constituição de 1834, os militares e
os religiosos, na de 1945 (com idade reduzida para 18 anos) e os analfabetos,
na de 1988 (com idade reduzida para 16 anos). Nos cem anos de República
ampliou-se, pois, passo a passo, o contingente eleitoral, tornando-o mais
expressivo com relação ao conjunto da população.
A eleição do primeiro
presidente da República
Enquanto se discutia a nova Constituição, eram feitas articulações para a
eleição presidencial. Como se recorda, Deodoro era chefe do Governo Provisório
e urgia eleger o presidente da República para um mandato regular, previsto para
quatro anos. Na oposição, lançaram-se as candidaturas de Prudente de Morais
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e do marechal Floriano Peixoto, respectivamente para presidente e vice; pelo
governo, aparecia o nome do próprio marechal Deodoro para presidente, tendo
como companheiro de chapa o almirante Eduardo Wandenkolk.
Deodoro permaneceu candidato sem se afastar do governo, o que o mantinha
como chefe supremo das Forças Armadas e, literalmente, com maior poder de
fogo. O ambiente era pesado e a discussão transcorreu por todo o período
constituinte, em clima tenso e no meio da boataria. Ninguém em sã consciência
acreditava que, perdendo as eleições, Deodoro consentisse entregar o poder
aos seus opositores. E o rumo tomado pelos acontecimentos mostrava a
realidade da situação, como conta o historiador Hélio Silva:
"Corria entre os Congressistas rumores de que as tropas sairiam dos
quartéis, no caso de o marechal Deodoro não ser eleito. Alarmados com
o que se dizia, Floriano, Campos Sales, José Simeão e outros, resolveram
se reunir na casa deste último para planejar as providências que deveriam
tomar no caso de vitória de Prudente [oposição]. Proclamado o presidente
da República, o Congresso deveria dar-lhe posse imediatamente, no
próprio edifício onde funcionava. O Ministério, também, já deveria estar
organizado. Passariam a aguardar os acontecimentos em sessão
permanente, enquanto se trataria de angariar reforços. O almirante
Custódio de Melo [também da oposição] já tinha armado um esquema
para reagir. Eleito Prudente, o militar iria a toda pressa para o cais novo,
embarcaria num escaler à sua disposição a caminho do cruzador Primeiro
de Março. Seu plano era levantar as forças de mar".
Percebe-se o ambiente em que transcorreram as eleições. Acordos de
bastidores, porém, garantiriam a eleição do marechal Deodoro para Presidente,
enquanto que os governistas se propuseram em eleger para vice o candidato da
oposição, marechal Floriano Peixoto. Foram, em consequência, sacrificadas as
candidaturas de Prudente (oposição) e Wandenkolk (governo), numa dobradinha
que procurava misturar óleo e água, na esperança de obter uma substância
homogênea.
"Votaram 234 representantes. Prudente passa a presidência [do
Congresso] a Antônio Euzébio Gonçalves de Almeida para fazer a
apuração. O marechal Manuel Deodoro da Fonseca é eleito por 129 votos,
contra 97 dados a Prudente de Morais. Depois, é feita a eleição para vice-
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Presidente. O marechal Floriano Peixoto, candidato da oposição, é eleito
por 153 votos, contra 57 dados ao almirante Eduardo Wandenkolk."
Com o "jeitinho brasileiro", estava vencida a primeira crise. Outras mais
estavam por vir.
Quem era Deodoro
Manuel Deodoro da Fonseca, agora Presidente da República dos Estados
Unidos do Brasil, nasceu em Alagoas em 1927, participou da repressão a
revoltas contra o Império e esteve presente nas guerras do Prata e do Paraguai,
chegando ao posto de marechal em 1884, após o que foi nomeado comandante-
de-armas no Rio Grande do Sul, onde se envolveu nos acontecimentos que, à
sua revelia, colocaram-no na liderança do movimento que pôs fim ao império.
Há muitas semelhanças entre o comportamento de Deodoro, nosso primeiro
Presidente, e D. Pedro I, nosso primeiro Imperador. Os dois eram liberais, mas
apolíticos, tinham uma formação voltada para o militarismo, eram
temperamentais e impulsivos, defendiam suas ideias até o uso extremo da força,
mas um e outro revelavam ingenuidade total no que se refere ao jogo político. D.
Pedro prosperou enquanto tinha ao seu lado o hábil José Bonifácio, que lhe
moldava as ideias e sugeria os caminhos a percorrer, mas deu-se mal quando
os irmãos Andrada passaram para a oposição.
Já o velho marechal (Deodoro assumira o governo com 62 anos) não tinha
quem exercesse uma influência maior dentro do governo e lhe dirigisse as ações
no trânsito pela complicada teia da vida pública, em que é preciso administrar,
ao mesmo tempo, várias correntes antagônicas.
Foi assim que, logo no início do Governo Provisório, comprou o plano
mirabolante de seu Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, que consistiu na emissão
desenfreada de moeda sem lastro, originando a especulação, gerando inflação
e piorando a situação financeira do país, que já se tornara ruim no final do
Império. Como agravante, consentiu com a exigência de Rui para que o plano
fosse posto em prática sem discussão prévia com o restante do ministério, com
o que assumiu individualmente as consequências pelo seu fracasso. Como
quebra, criando um clima de animosidade entre Rui e seus auxiliares diretos,
acrescentou ao governo mais dificuldades do que podia administrar.
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No mais, sua inexperiência política era proverbial. Ao receber, mais tarde, o
anteprojeto da Constituição, consolidado pelo próprio Rui, reclamou da
inexistência, nele, de um Poder Moderador, dando ao Executivo a prerrogativa
de dissolver o Congresso e convocar novas eleições. Achava que era impossível
governar, se não tivesse controle pessoal sobre o parlamento.
Por fim, eleito Presidente de fato (não mais provisório), transferiu para o barão
de Lucena a incumbência de organizar um novo Ministério, como se ainda
estivéssemos no regime parlamentarista, com separação entre Chefe de Estado
e Chefe de Governo..
Tal como aconteceu com D. Pedro I, essa inexperiência, aliada à
impulsividade, colocou-o, por fim, em confronto aberto com seus opositores, até
criar uma situação irreversível, fechando todos os caminhos para o diálogo e
ficando sem alternativas para enfrentar uma crise por ele mesmo criada.
O fechamento do Congresso
e a renúncia
O acordo emergencial feito por ocasião das eleições presidenciais desgostou
profundamente a oposição e estabeleceu as raízes da instabilidade política, pois,
junto com Deodoro, também foi eleito o marechal Floriano Peixoto que, além de
oposicionista, era inimigo pessoal de Deodoro. Inicia-se logo uma conspiração
para a derrubada do governo, com a participação pouco velada do próprio vice-
Presidente, enquanto que, no Congresso, uma oposição persistente
praticamente obstruía a ação presidencial.
Por outro lado, decretos governamentais polêmicos causavam péssima
repercussão junto ao Congresso e à opinião pública. Um deles, foi a concessão
do porto de Torres a uma empresa privada, com empréstimos em condições
especiais e outras facilidades. Mais concessões se fizeram da mesma maneira,
uma delas envolvendo a Companhia Geral de Estradas de Ferro.
A reforma do Banco do Brasil deu margem a favorecimentos que acabariam
envolvendo nomes importantes da vida nacional, entre empresários e políticos
influentes. Não havia, entretanto, má fé do Presidente, que acreditava piamente
estar colaborando para acelerar o desenvolvimento nacional.
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No meio de tantos amigos, Deodoro nem precisava de inimigos, se bem que
os tinha, e muitos, principalmente dentro do Congresso Nacional, onde a
situação se tornou insustentável.
Impossibilitado de governar, tomou uma medida de extrema gravidade, cujas
consequências nem de longe podia imaginar: por decretos presidenciais, fechou
o Congresso Nacional, estabeleceu Estado de Sítio e mandou que forças
militares cercassem os edifícios da Câmara e do Senado.
Embora a maioria dos parlamentares aceitasse a situação de fato, retirando-
se para seus Estados de origem, um grupo de deputados, de pequeno número,
mas de grande força, intensificou o movimento conspiratório e conseguiu
levantar a Marinha, sob o comando do almirante Custódio José de Melo,
colocando em cheque o governo.
Este, inicialmente, pensou em resistir, mas depois desistiu, temendo que o
choque de tropas militares viesse levar o país a uma guerra civil, de
consequências imprevisíveis, porém, certamente, desastrosas..
Doente, cansado e desiludido, Deodoro manda chamar Floriano, a quem
entrega o governo, assinando o ato de renúncia, em 23 de novembro de 1891,
com uma frase que deixou para a História: "Assino o decreto de alforria do último
escravo do Brasil.." Morre nove meses depois e, conforme seu desejo expresso,
é enterrado em trajes civis, dispensadas as honras militares.
Os que conheceram Deodoro, sempre elogiaram sua integridade. O grande
mal de nosso primeiro Presidente foi que, durante toda vida, preparou-se para a
guerra, mas estava despreparado para a paz. Sua formação era de caserna e o
ambiente político exige um jogo contínuo de simulações, de avanços e recuos,
que não condiziam, nem com seu temperamento, nem com sua personalidade,
dotado que era de uma espinha dorsal inflexível.
Quem era Floriano
Floriano Vieira Peixoto, que assume a presidência da República após a
renúncia de Deodoro, nasceu em Vila de Ipioca, Alagoas, em 1839. Filho de uma
família pobre e numerosa (tinha outros nove irmãos), seus pais o entregaram
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aos cuidados de um tio, senhor de engenho no litoral alagoano. Patrocinado pelo
tio, estuda no Rio de Janeiro e, terminado o colégio, assenta praça num quartel
de Infantaria para, em seguida, matricular-se no Colégio Militar. Teve
participação ativa na Guerra do Paraguai, atuando nas batalhas de Tuiuti, Itororó,
Lomas Valentinas e outras.
Paralelamente à vida militar, sempre manifestou especial interesse pela
política, sendo filiado ao Partido Liberal, que fazia oposição ao governo imperial.
Em seu Estado natal, tornou-se proprietário de dois engenhos, o que lhe deu
contato com a vida rural, a pobreza e a injustiça social, rotinas bem conhecidas
do povo nordestino. Mesmo sendo senhor de engenho, tinha uma posição
francamente abolicionista.
Em 1884, foi nomeado presidente da Província de Mato Grosso, onde ficou
por um ano. Chegou ao topo de sua carreira militar em 1888, ao ser promovido
a marechal de campo. No último gabinete do Império, foi nomeado ajudante
geral do Exército. Nessa condição, em 15 de novembro de 1889, coube a ele
comandar as tropas que, dentro do Campo de Santana, deviam preservar o
Quartel General do Exército contra a investida dos soldados do marechal
Deodoro, protegendo a autoridade do Chefe de Governo ali asilado. Recusou-
se, porém, a ordenar o contra-ataque, permitindo que Deodoro invadisse o
quartel, com a subsequente prisão do ministro Visconde de Ouro Preto, chefe do
Conselho de Ministros do Império.
Essa traição jamais for perdoada pelos seus inimigos que lhe apontam,
também, outras fraquezas de caráter, como relaciona Iberê de Matos:
"a traição a Ouro Preto [mencionada acima]; a aversão que lhe tinham
Deodoro e Benjamin Constant, que não podiam ser gratuitas; a atitude
dúbia ou traiçoeira no episódio da eleição [à vice-Presidência]; o apego
ambicioso a um poder que não lhe pertencia; a impiedosa repressão, com
requintes de maldade, culminando com as tentativas de assassinato, pelo
desterro para regiões inabitáveis, de homens como José do Patrocínio, e
os massacres no Paraná e Santa Catarina; seu desprezo pela dignidade
de homens como Gaspar da Silveira Martins, Custódio de Mello, Saldanha
da Gama, Wandenkolk, José do Patrocínio, Olavo Bilac e tantos outros
que foram vítimas de processos infamantes e perversos..."
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Outro autor, José Maria Bello, faz sua análise da personalidade de Floriano:
"Não se distinguia Floriano por nenhum dom exterior de fascínio ou de
domínio. Descuidado de si mesmo, máscara medíocre, de traços
inexpressivos e adoentados. Falta-lhe, por exemplo, o porte marcial, o
élan, o olhar lampejante de Deodoro. Não lhe vibra a voz arrastada de
caboclo do Norte; não se lhe impacientam jamais os gestos e as atitudes.
Pela perfeita impassibilidade, como por outras virtudes e defeitos,
lembra Benito Juarez [presidente mexicano do Sec. XIX], vindo da mesma
origem ameríndia. Não tem brilho a sua inteligência que é, especialmente,
a intuição divinatória dos homens. Escassa a sua cultura, quase reduzida
aos vulgares conhecimentos técnicos da profissão. Não revela
curiosidades intelectuais, dúvidas, aflições de vida interior. Desdenha o
dinheiro. Deixam-no completamente indiferente as comodidades
materiais da vida.
Despreza a humanidade e, por isso mesmo, nivela facilmente todos os
valores que o cercam. Confundindo-se de bom grado nas multidões
humildes das ruas, conserva-se, entretanto, impenetrável a qualquer
intimidade. A família, de pequeno estilo burguês, esgota-lhe, porventura,
a capacidade afetiva.
Como os de sua raça cabocla, é um irredutível desconfiado. Não se
expande nunca. Simples e acessível embora, é incapaz de intempestivas
familiaridades, de grossas e alegres pilhérias, tão fáceis, sempre, em
Deodoro. No fundo, um triste. A sua ironia, tão frisante no vasto anedotário
que corre por sua conta, tem sempre alguma coisa do gélido e do cruel
dos temperamentos ressentidos e amargos."
É este homem, cujo perfil o aproxima mais a uma máquina do que a um ser
humano, que chega, agora, ao governo e se propõe a consolidar a República
com sua mão de ferro.
A questão constitucional
Começa bem o governo. Logo ao assumir, em 23 de novembro de 1891,
Floriano procura restabelecer a ordem constitucional quebrada por Deodoro.
Convoca para o dia 18 de dezembro o Congresso fechado por seu antecessor e
acaba com o Estado de Sítio, restabelecendo todas as garantias constitucionais,
mas, por outro lado, intervém no sistema federalista, depondo, em nome da
ordem, quase todos os governadores de Estado que apoiaram Deodoro quando
este decretou a dissolução do Congresso.
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Criou, porém, outra crise institucional. O artigo 42 da nova Constituição
determinava que, "se no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou
vice-Presidência não houverem ainda decorridos dois anos do período
presidencial, proceder-se-á a nova eleição". Floriano recusou-se a fazê-lo,
alegando que a Constituição se referia a eleição presidencial pelo voto direto,
sendo que Deodoro e ele foram eleitos em condições excepcionais, por voto
indireto do parlamento.
Com efeito, por um cochilo de redação, as Disposições Transitórias
estabeleciam que a primeira eleição seria indireta e que "O Presidente e o vice-
Presidente eleitos na forma deste artigo [por via indireta] ocuparão a Presidência
e a vice-Presidência da República por quatro anos". Ora, Deodoro renunciou e
Floriano não, permanecendo válido seu mandato.
Eis o ardil utilizado. Sendo "vice" por todo o período de quatro anos, cabia a
ele, Floriano, substituir o Presidente enquanto durasse sua ausência, ou seja,
até o final do mandato.
Verificaram-se intensos e polêmicos debates, tanto na imprensa como no
Congresso, ficando este com a responsabilidade de resolver a questão. Numa
solução essencialmente política, o Congresso se manifestou favoravelmente à
permanência de Floriano na presidência até o final do período. Essa solução foi
defendida como saída pacífica para a crise, dado que, num clima de
efervescência política, qualquer outra conclusão poderia trazer consequências
funestas para a incipiente democracia brasileira.
Para cumprir a Constituição, durante todo o mandato, Floriano se considerava
"vice-Presidente, em substituição ao Presidente ausente". É o velho jeitinho
brasileiro para legitimar o ilegítimo e consolidar como definitivo o que deveria ser
transitório. No Brasil, quase sempre dá certo...
Revolta da Armada (1892)
No dia 6 de abril de 1892, é lançado um manifesto, assinado por treze generais
e almirantes, exigindo que Floriano convoque novas eleições, nos termos da
Constituição. Entre os signatários, está o contra-almirante, Eduardo
Wandenkolk, que nas eleições indiretas teve de engolir a derrota, em favor do
acordo de bastidores que entregou a vice-Presidência ao marechal Floriano.
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Paralelamente, ocorrem manifestações populares nas ruas do Rio de Janeiro,
enquanto a imprensa incendeia os ânimos, alimentando a polêmica em torno de
tão controvertida matéria. Floriano, então, apela à força bruta, reprimindo com
energia os protestos de rua, decretando "Estado de Sítio" e colocando na
indisponibilidade os oficiais insubordinados, através de aposentadoria
compulsória que os retirou do comando, solucionando, momentaneamente a
crise.
Não contente com a vitória, manda castigar severamente os envolvidos,
deportando-os para as selvas inabitadas da Amazônia, e condenando-os a viver
como bichos do mato, distantes da civilização. Não foram poupados jornalistas,
homens de letras e até congressistas, que estavam protegidos com imunidades
parlamentares. Entre estes se encontrava José do Patrocínio, o homem que se
empenhou na libertação dos escravos e, depois, se entregou à causa
republicana.
No ano seguinte, porém, o contra-almirante Custódio de Mello, ministro da
Marinha, se desentende com o marechal e demite-se, sublevando grande parte
da Armada, estacionada na baía da Guanabara, e recebendo reforços com o
apoio do almirante Saldanha da Gama, em dezembro de 1893. Ambos tinham
pretensões diferentes, já que Saldanha continuava monarquista mas, neste
momento, a aliança convinha a um e outro. A seu lado, está também o almirante
Wandenkolk que, por razões pessoais, desejava ver o marechal fora do poder.
Felizmente para o marechal, a sublevação não atingiu o Exército, que
permaneceu fiel ao governo, o qual contava ainda com o apoio da nova classe
dominante na República, a oligarquia formada pelos ruralistas.
Como resposta imediata, Floriano ordenou à artilharia um contra-ataque que
atingiu pesadamente os rebelados. Não encontrando maior receptividade no Rio
de Janeiro e fracassando em sua tentativa de tomar a cidade, uma boa parte da
Armada se retirou para o sul do país com o fim de reforçar a Revolução
Federalista iniciada no Rio Grande no ano anterior. Desembarcou na cidade de
Desterro, Santa Catarina (hoje, Florianópolis) e procurou contato com os
revolucionários gaúchos que, entretanto, não viram com bons olhos esse apoio
inesperado e não solicitado. Enquanto isso, o Governo central consegue
restabelecer sua frota, enviando-a também para o sul e sufocando a Revolta da
Armada.
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Revolução Federalista
no Sul (1893)
A par com a eleição para a criação Assembleia Nacional Constituinte, elegia-
se, também os representantes que iriam cuidar de redigir, votar e promulgar, em
seu Estado, a Constituição Estadual. Assim se fez, também, no Rio Grande do
Sul e, em 14 de julho de 1891, exatamente na data do centenário da
promulgação da Carta Magna da França, era proclamada a Constituição gaúcha,
reproduzindo, quase na íntegra, o anteprojeto redigido por Júlio de Castilhos,
com o auxílio de Assis Brasil e Ramiro Barcelos, com teor fortemente
centralizador, concentrando grande parte dos poderes nas mãos do governador
do Estado.
Com efeito, a partir desta data, o Governador passava a ser eleito por cinco
anos, com direito a reeleição (mais tarde, Borges de Medeiros, usando deste
dispositivo, ficou no poder por 28 anos). Além disso, podia governar por decreto
e tinha a prerrogativa de nomear, ele próprio, o vice-Governador. Havia um
legislativo, mas sua ação se restringia à elaboração e aprovação do orçamento.
Prevaleciam, pois, no Rio Grande, as ideias dos positivistas, aliados de um
governo forte, centralizado e ditatorial. Assim, eleito governador, Júlio de
Castilhos, nos seus 31 anos de idade e amigo do então Presidente Deodoro da
Fonseca, passou a ser o mais jovem ditador no Brasil.
Acontece que, à semelhança de seus vizinhos uruguaios, o Rio Grande do Sul
possuía duas correntes políticas fortes e claramente definidas: de um lado os
blancos, republicanos, também conhecidos como chimangos; de outro, os
colorados, federalistas, também conhecidos como maragatos.
Júlio de Castilhos era um republicano e, com a Constituição que ele mesmo
preparou, garantiu-se perpetuamente no poder, afastando a chance de seus
opositores. Estava espalhada a semente da discórdia que levaria o Rio Grande
do Sul a dois anos e meio de uma guerra sangrenta e fratricida.
A revolta explode em 1893 e os combates se espalham por todo o Estado.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, sai Deodoro, entra Floriano. Este, pela lógica
deveria aliar-se aos federalistas, contudo achou-os perigosos ao novo regime,
por defenderem, ainda, ideais monarquistas. Assim, o novo Presidente optou por
apoiar os republicanos, liderados pelo governador Júlio de Castilhos, apesar de
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este ser amigo de Deodoro e haver, tempos atrás, assumido posição contra a
permanência de Floriano no poder. Política tem dessas coisas...
No início de 1894, os federalistas avançam sobre Santa Catarina, seguem até
a cidade de Desterro (Florianópolis) e vão se juntar aos revoltosos da Armada,
que vieram do Rio de Janeiro (ver tópico anterior), seguindo depois para o
Paraná, onde tomam a cidade de Curitiba. Não havia, porém, fôlego para
continuar. Uma revolução, naquela época, com grande limitação de recursos
técnicos, exigia quantidade apreciável de homens, por conseguinte, armamento
e munição para todos eles, o que faltava aos revoltosos. Com prudência, então,
recuaram, concentrando-se apenas no Rio Grande do Sul e mantendo sua
posição até a saída de Floriano e a posse do novo Presidente, Prudente de
Morais, que consegue um acordo honroso para ambas as partes.
O governo de Júlio de Castilhos saiu fortalecido com o apoio que recebeu de
Prudente de Morais, ao mesmo tempo em que o Congresso Nacional,
participando dessa obra de pacificação, votou a anistia total aos participantes do
movimento revolucionário. Estava superada a crise, mas não as divergências.
Os blancos e os colorados tinham ideais quase irreconciliáveis e marcavam suas
posições políticas até pela cor dos lenços que amarravam ao pescoço. Os mais
fanáticos, cuidavam também da cor das roupas usadas em casa e pelos
familiares. A propósito, comenta D. Alzira Vargas do Amaral Peixoto, em seu
livro "Getúlio Vargas, meu Pai":
"Comecei a observar em torno de mim e a fazer perguntas. Por que
havia desespero e ódio em tantas fisionomias? Por que não podia
cumprimentar certas pessoas? Por que janelas se fechavam
silenciosamente e outras se abriam ostensivamente? Por que não podia
usar vestidos de cor vermelha? Por que uma cidade pequena como São
Borja se dava ao luxo de possuir dois clubes sociais? Por que só
podíamos entrar em um e devíamos virar o rosto quando éramos
obrigados a passar em frente ao outro? Por que somente uma parte da
família de minha avó, do ramo Dornelles, tinha relações conosco? Por
quê?"
Essa situação perdurou até 1928, quando Getúlio Vargas (um blanco casado
com uma colorada) assumiu o governo do Rio Grande do Sul e iniciou um
processo de união entre as duas facções, mostrando que aquele Estado não
conseguiria sair de suas fronteiras para abraçar o resto do país, enquanto se
ocupasse inteiramente com lutas internas.
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Por fim, unidos os destinos, em 1930, Getúlio, um blanco, colocou em seu
pescoço um lenço vermelho e subiu com destino ao Rio de Janeiro para a
derrubada do Presidente Washington Luís e a tomada do poder, no qual
permaneceu 15 anos!
E consolidou-se a República
Os anos do governo Floriano foram difíceis para ele e, sem dúvida, muito mais
difíceis para seus opositores, perseguidos sem trégua e castigados na forma da
lei e muito além do que a lei permitia... Seu governo, longe de ser pacificador, foi
um agente multiplicador de ódios, de tal maneira que a posse de Prudente de
Morais, em 15 de novembro de 1894, trouxe a todos um alívio geral, mesmo com
o conhecimento de que os dois eram supostamente amigos e correligionários.
Floriano deixou uma terrível marca em sua passagem pela Presidência e os
historiadores lhe reservam, no inferno, um apartamento perpétuo, sem ar
condicionado. Todavia, teria sido, o marechal, tudo o que dele falam?
O processo histórico é extremamente lógico, não se guia por princípios de
ética. Herói é o vencedor, subversivo é quem perde. E Floriano ganhou a luta,
cumprindo seu objetivo, qual seja, o de consolidar a República Brasileira,
permitindo que os seus sucessores (à exceção do marechal Hermes) fossem
todos civis e, até o fim da República Velha, a sociedade teve sua participação no
governo, ainda que de forma limitada, representada pelas suas oligarquias. Mas
o poder político-militar se manteve afastado durante esse período de quarenta
anos. Ou se não afastado, pelo menos controlado em todas as tentativas para a
retomada do poder.
Grupos interessados na perpetuação do regime forte, representado pelo
marechal, até que tentaram mantê-lo no poder, gerando forte boataria, em meio
à qual se realizaram as eleições. E mesmo depois de empossado o novo
presidente da República, o primeiro eleito por voto direto, continuou havendo a
conspiração dos saudosistas, mais realistas que o rei, e que desejavam a volta
do florianismo. A tudo Floriano assistia com desprezo, como conta Hélio Silva:
"Quando, meses depois, um grupo de jovens oficiais da Escola Militar vai
visitá-lo em seu retiro, na Fazenda Paraíso, na antiga Estação da Divisa,
hoje município de Deodoro, Estado do Rio de Janeiro e lhe dirige um apelo
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como a única esperança da República, Floriano sorri, respondendo com
sua frase famosa e derradeira: Eu sou um inválido da Pátria... Não sairá
mais dali, até 29 de julho de 1895, quando termina sua vida."
O velho e bravo guerreiro não durou nove meses após sua última batalha,
mais violenta que todas as outras de que participara na Guerra do Paraguai. E
como naquela, conquistou a vitória, apesar da barbárie e das marcas de sangue
e violência que deixou em sua passagem. Ao menos para ele, a missão estava
cumprida. Descanse em paz.
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Paulo Victorino
CAPÍTULO TRÊS
O CAMINHO DA PACIFICAÇÃO
PRUDENTE DE MORAIS - 1894-1898
No dia da posse, Prudente e o seu futuro Chefe de Polícia,
André Cavalcanti, esperaram, sem sucesso, pela condução
oficial, que não apareceu. Às pressas, alugaram uma
carruagem, a única disponível no largo do Machado, toda
velha e desconjuntada, e foi com isso que o novo Presidente
chegou ao Palácio dos Arcos, onde o Congresso estava
reunido para empossá-lo, na presença de representantes de
vários países amigos, mas com a ausência notada do
antecessor, Floriano. O representante da Inglaterra,
presente à solenidade, percebeu de imediato a situação
vexatória em que se encontrava o Presidente empossado e
ofereceu-lhe a própria carruagem, luxuosa, para fazer o
trajeto até a sede do Governo. Um piquete de alunos do
Colégio Militar, reunido às pressas, formou a escolta
presidencial, emocionando o novo Presidente.
Floriano Peixoto, o Presidente, que está terminando seu mandato, e
Prudente de Morais, o Presidente eleito e em vias de tomar posse, vieram do
mesmo partido e até caminharam juntos nos primeiros tempos da República.
Ambos haviam sido candidatos de oposição a Deodoro da Fonseca, nas eleições
indiretas que se seguiram à promulgação da Constituição de 1891.
Naquela época, todos se lembram, Prudente aceitou o sacrifício de ver
queimada sua candidatura ao mais alto cargo da nação, para que se tornasse
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possível uma composição, elegendo Deodoro (Presidente) e Floriano (vice).
Com todo esse passado de afinidades, o resultado das novas eleições
presidenciais, dando vitória a Prudente, deveria despertar o maior entusiasmo
nos gabinetes do Palácio Itamarati, onde se achava instalada a sede do governo
federal.
Entretanto, nada disso aconteceu. Não era do feitio de Floriano animar-se com
qualquer acontecimento, por importante que fosse e, no caso da indicação do
candidato governista, sua atitude foi de prevenção e desconfiança. Quando
sondado por Francisco Glicério a respeito do nome de Prudente, o marechal fez
sérias ponderações, alertando que uma vez no governo, Prudente se sentiria
fortalecido para perseguir até os seus próprios companheiros de partido. Ainda
assim, tranquilizou o chefe republicano, dando sua garantia pessoal de que o
eleito, quem quer que fosse, tomaria posse normalmente, em respeito à
Constituição.
As eleições, efetivamente, se realizaram em 1º de março de 1894 e, conforme
o previsto, ganhou o partido governista, com Prudente de Morais, paulista, e
Manuel Vitorino Pereira, baiano, respectivamente para Presidente e vice.
Embora assumindo o compromisso de garantir a posse, o que realmente fez,
Floriano não tomou qualquer iniciativa para facilitar a transição de governo, como
costuma acontecer, até mesmo quando o eleito seja um adversário político, que
não era o caso.
E deixaram Prudente sozinho
Nem o próprio eleito imaginava o caminho que teria de trilhar para assumir
o cargo e iniciar o seu governo. A desfeita, ou grosseria, que seria o termo mais
apropriado, começou em sua chegada ao Rio de Janeiro, por estrada de ferro,
num significativo dia de Finados. Nenhuma comitiva oficial para recebê-lo, nem
mesmo alguém que, isoladamente, se apresentasse em nome do governo.
Nada. Apenas um amigo pessoal, que o ajudou a sair com a bagagem e chegar
até o hotel.
Mais tarde, um pedido de desculpas. Floriano estava doente e não pôde dar-
lhe a atenção que merecia, mas o receberia em audiência quando quisesse.
Prudente apressou- se, pois, a enviar um telegrama ao Chefe da Nação
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solicitando a prometida audiência, tendo como resposta o silêncio total e
absoluto.
A posse se daria no dia 15 de novembro de 1894 e, desde a sua chegada ao
Rio, foram duas semanas de isolamento. No dia 15, Prudente e o seu futuro
Chefe de Polícia, André Cavalcanti, esperaram, sem sucesso, pela condução
oficial, que não apareceu. Às pressas, alugaram uma carruagem, a única
disponível no largo do Machado, toda velha e desconjuntada, e foi com isso que
o novo Presidente chegou ao Palácio dos Arcos, onde o Congresso estava
reunido para empossá-lo, na presença de representantes de vários países
amigos, mas com a ausência notada do antecessor. Não houve, pois, a
cerimônia tradicional de transmissão de faixa.
O representante da Inglaterra, presente à solenidade, percebeu de imediato
a situação vexatória em que se encontrava o Presidente empossado e ofereceu-
lhe a própria carruagem, luxuosa, para fazer o trajeto até a sede do Governo.
Um piquete de alunos do Colégio Militar, reunido às pressas, formou a escolta
presidencial, emocionando o novo Presidente.
Mas, no palácio, também, ninguém o esperava. As portas estavam abertas,
à disposição do primeiro que chegasse. Prudente, então, mandou chamar o
chefe-geral da Diretoria dos Negócios do Interior, funcionário de carreira, o qual,
no exercício de suas funções, ratificou os primeiros atos do Presidente, inclusive
a nomeação do novo Ministro do Interior, com o que o Governo ficou legalmente
constituído.
Contornando as dificuldades, mas já Presidente, Prudente organizou o seu
ministério, que ficou assim constituído:
Guerra, general Bernardo Vasques; Relações Exteriores, Carlos
Augusto de Carvalho; Justiça, Interior e Instrução Pública, Antônio
Gonçalves Ferreira; Viação e Obras Públicas, Antônio Olinto dos
Santos Pires; Fazenda, Francisco de Paula Rodrigues Alves,
conterrâneo e amigo fiel, que lhe foi útil, durante parte do governo,
até ser substituído por Bernardino de Campos; Marinha, contra-
almirante José Alves Barbosa.
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Quem era Prudente de Morais
Prudente José de Morais e Barros, era descendente de uma família de
ruralistas da cidade de Itu, onde nasceu em 1841. Embora pertencendo a uma
família influente, o que lhe permitiria queimar etapas em sua carreira política,
preferiu subir pelo próprio esforço, desde os primeiros degraus, elegendo-se à
Câmara Municipal, aos 24 anos, após concluir o curso na Faculdade de Direito
de São Paulo. Em 1868, elege-se deputado pela Província de São Paulo pelo
Partido Liberal (oposição ao Império).
Em 1873, com a fundação do Partido Republicano (ainda dentro do período
Imperial), adere a essa nova legenda, passando a ser um propagandista e
defensor do regime que viria a ser instalado em 1889. Assim, após a
Proclamação da República, Deodoro nomeia-o Presidente do Estado de São
Paulo.
Realizando-se as eleições para a Constituinte, elege-se senador e torna-se o
presidente do Senado. Perdeu as eleições indiretas à presidência da República,
em 1891, para eleger-se, finalmente, por via direta, em 1894.
Com a instalação de seu governo é que, de fato, começa a influência da
aristocracia rural, sobretudo de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, com
destaque para os dois primeiros Estados, numa alternância de poder que deu
origem à chamada política do "café com leite".
Observe-se que essa "dobradinha" se referia à maior influência dos dois
Estados na política nacional e não necessariamente à origem dos candidatos.
Deodoro e Floriano eram de Alagoas; Hermes da Fonseca, do Rio Grande do
Sul; Epitácio Pessoa, da Paraíba; Washington Luís, do Estado do Rio. Por São
Paulo, tivemos Prudente de Morais, Campos Sales, Rodrigues Alves e Júlio
Prestes, sendo que este último não chegou a tomar posse. Por Minas, os
presidentes foram Afonso Pena, Venceslau Brás, Delfim Moreira e Artur
Bernardes.
A anistia geral
Instalado o governo, o problema que se afigurava mais urgente era o da
pacificação nacional. No Rio Grande do Sul, a luta entre as duas facções
políticas continuava ameaçando a unidade do país e até a sua soberania, pelo
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envolvimento indireto das potências vizinhas que, a qualquer pretexto, poderiam
intervir, com consequências imprevisíveis, mas fáceis de imaginar, vivas que
ainda estavam na memória as guerras cisplatinas e seu trágico desdobramento
com a Guerra do Paraguai.
No Rio de Janeiro, a situação não era menos grave. Floriano Peixoto morreu
alguns meses após o término de seu governo, mas o florianismo estava vivo e
atuante, incendiado por militares desejosos de um governo forte, no que eram
acompanhados pelos positivistas, partidários da centralização de todo o poder
nas mãos de um só homem.
Os dois agrupamentos somados não eram muitos no conjunto da população,
mas conseguiam fazer barulho, o suficiente para aparentar uma certa força,
criando instabilidade e dificultando a consolidação de um governo democrático,
com o respeito devido à Constituição e aos poderes instituídos por ela.
Havia, ainda os restauradores, com esperanças de restabelecer o Império,
extinto há pouco mais de cinco anos e, portanto, mantendo-se ainda como uma
ameaça em potencial.
Urgia, pois, controlar as paixões, criar um ambiente de transigência e uma
vontade nacional de buscar o entendimento, tarefa nada fácil, naquele turbilhão
de ideias, aspirações e ambições, acrescidas ao regionalismo cerrado, que
impedia, aos rebeldes, de enxergar um palmo além das próprias fronteiras para
contemplar a realidade de todo o conjunto do país.
Iniciando a missão a que se havia proposto, já em 1º de janeiro de 1895,
Prudente de Morais assina um decreto, indultando as praças do Exército e da
Guarda Nacional que aderiram à revolta contra o governo Floriano. Tratava-se
de um gesto de boa vontade para conseguir que os revolucionários, ainda em
armas no Sul, se dispusessem a negociar.
Diga-se, a bem da verdade, que estes outrora rebeldes também já estavam
cansados da guerra e esperavam por um fato novo que lhes desse uma saída
honrosa para a entrega das armas.
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Fim da Revolução Federalista
Para o Rio Grande do Sul, segue o general Francisco Moura, com instruções
expressas de se manter afastado de Porto Alegre, evitando influências do
governo estadual em seu trabalho, o que poderia comprometer a aproximação
dos dois lados em conflito. Este preposto não obedeceu as ordens, insistindo em
ficar na capital do Estado, e por isso foi substituído pelo general Inocêncio
Galvão de Queirós, nomeado comandante da Região Militar, que instalou seu
quartel general em Pelotas, ao sul do Estado e distante da capital, procurando
atrair para lá os representantes de ambos partidos, a fim de tratar com eles as
condições para a paz.
Já há algum tempo, o almirante Custódio de Melo, vencido na Revolta da
Armada e levado até a Argentina por um navio de bandeira portuguesa, havia
cruzado as fronteiras e se achava outra vez no Brasil, assumindo o comando da
Revolução Federalista, mesmo a contragosto de alguns de seus chefes.
Foi uma injeção de ânimo nos revoltosos, escondidos no Uruguai, os quais
voltaram, reorganizando as frentes de ataque, sem, entretanto, obter sucesso
nas suas investidas guerrilheiras.
Saldanha da Gama, com setecentos homens, entre guerrilheiros e desertores
da Marinha, atravessa o rio Quaraí e põe-se em confronto com as tropas do
general Hipólito Ribeiro, numa operação suicida, dado que as proporções em
homens e armamentos eram altamente favoráveis às tropas legalistas que
defendiam o governador Júlio de Castilhos.
O resultado não podia ser mais trágico. Em 1º de junho de 1895, o almirante
foi morto a lancetadas e teve seu corpo mutilado. Perdendo o comandante, seus
homens foram facilmente dispersados, sem condições de se reorganizar.
Da outra parte, o governador Júlio de Castilhos, que, ao início havia
manifestado seu desejo de chegar a um acordo, agora rompe com o general
Galvão de Queirós, ao tomar conhecimento dos termos em que o general
colocava o armistício e que o governador considerava desonrosos para seu
governo. Então, resolve o governador chamar para si a responsabilidade da
pacificação e permite o retorno dos exilados, entre eles o líder dos primeiros
momentos, Gaspar Silveira Martins.
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Meses depois, em 11 de outubro de 1895, após prolongado e polêmico
debate, com vários incidentes entre os parlamentares, o Congresso vota um
projeto do senador Campos Sales, concedendo anistia plena a todos os
envolvidos em movimentos revolucionários, o que coloca fim à guerra que, desde
há muito, vinha infelicitando o Sul do país.
Quanto ao Rio de Janeiro, capital federal e pulso do país, nele a agitação
prosseguia, ameaçando os alicerces do governo, vindo a contar, mas tarde, até
com a conivência do vice-presidente da República, Manuel Vitorino Pereira.
A questão com Portugal
Voltemos um pouco no tempo para relembrar o fim da Revolta da Armada,
ainda no governo de Floriano Peixoto. Como se recorda, a forte reação do
Exército, fiel ao governo federal, impediu o sucesso do movimento e uma parte
da esquadra revoltosa se dirigiu ao Sul a fim de unir-se ao movimento federalista,
ficando uns poucos navios na baía da Guanabara, sendo estes facilmente
dominados.
Na medida em que a tensão foi aumentando, alguns países mandaram
navios para a baía, sob o pretexto de proteger seus cidadãos residentes no país
mas, Inevitavelmente, passaram a ter um envolvimento claro e ameaçador no
conflito.
De um lado, se encontravam os Estados Unidos, que viam na República uma
possibilidade de maior aproximação com o Brasil, ampliando, pois, sua área de
influência nas Américas. Estes, por consequência, se colocavam favoráveis a
Floriano.
De outro, se colocava a Inglaterra, para a qual seria preferível o retorno da
monarquia, regime mais compatível com a Europa, facilitando a manutenção da
hegemonia britânica que, desde 1807, se fazia bem visível no Brasil. Suas
simpatias se voltavam, assim, para os revoltosos, que combatiam o governo
republicano.
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Por último, estava presente Portugal, com quatro séculos de história ligados
à nossa terra. Lembremo-nos, além do mais, de que o Brasil, por treze anos,
abrigou a sede do reino. Além do mais, em nosso país, por meio século governou
D. Pedro II, um descendente da família imperial, e aqui, como é natural, se
formou numerosa colônia lusitana.
Assim, mais do que na defesa de seus cidadãos, foi nesse sentimento de
irmandade que uma corveta portuguesa, ancorada na baía, abrigou o almirante
Saldanha da Gama e outros combatentes vencidos no choque com as tropas
legalistas.
Foi o bastante. Floriano, impassível, não conseguia ver no gesto, uma
colaboração para pôr fim ao conflito, achando mais que se tratava de uma
ingerência indevida de uma potência estrangeira nos negócios brasileiros. O
comandante do navio argumentou com o sagrado direito de asilo, reconhecido
por todos os países do mundo. Floriano retrucou, alegando que não se tratava
de asilados, mas de insubmissos que deveriam ser entregues às autoridades
brasileiras para julgamento e punição.
As precárias condições de higiene do navio não permitiam manter a bordo,
por muito tempo, essa população adicional e, para evitar o pior, o comandante
mandou levantar âncoras e seguir para o Sul, onde os asilados seriam
desembarcados em um país vizinho. Já Floriano achava que a intenção
portuguesa era colocar os revoltosos perto da outra área de conflito, permitindo
o engajamento deles à Revolução Federalista, o que realmente acabou
acontecendo.
Floriano não teve dúvidas em romper relações com Portugal. Este era mais
um assunto que Prudente de Morais, agora Presidente, tinha a resolver. Em
março de 1895, quatro meses após a posse do novo governo, foram reatadas as
relações com Portugal, ficando superado o incidente que, diga-se de passagem,
podia de todo ter sido evitado.
Política internacional
Outros problemas envolvendo disputas territoriais preocuparam, ainda, o
governo de Prudente, e foram resolvidos com a participação do Barão do Rio
Branco, habilidoso em tratar de assuntos internacionais. Entre eles se inclui a
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invasão da ilha da Trindade pelos ingleses, o caso do território de Missões e a
questão do Amapá.
As ilhas da Trindade foram descobertas em 1501 pelo navegante português
João da Nova e estiveram sempre incorporadas ao território brasileiro. Embora
de terreno inóspito e impróprio para qualquer atividade produtiva, sua posição
dentro do oceano Atlântico é estratégica e isso levou a Inglaterra a invadi-la,
assumindo posse no ano de 1895.
Sentindo- se ferido em sua soberania, o Brasil, representado pelo ministro
do Exterior, Carlos de Carvalho, formalizou um protesto junto ao governo inglês,
que não devolveu o território, nem aceitou qualquer proposta de arbitramento.
Entrou no assunto, então, o governo português que realizou gestões a favor do
Brasil, logrando bons resultados. Pelo Brasil, as tratativas foram levadas a efeito
pelo Barão do Rio Branco.
Quanto ao território das Missões, as disputas vinham já desde o início do
século XIX e os inúmeros tratados assinados entre o Brasil e o Uruguai
acabaram não sendo obedecidos, principalmente, porque as partes sempre
deixaram de levar em conta os interesses dos espanhóis e portugueses
residentes nas áreas de conflitos. Agora, o problema foi levado ao arbitramento
do presidente dos Estados Unidos, Stephen Grover Cleveland, que em definitivo,
considerou o território como sendo brasileiro.
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Restava ainda uma área de litígio que era o Amapá, ocupada por
brasileiros, mas reivindicada pela França como parte integrante da Guiana
Francesa. Os dois países recorreram, desta vez, ao arbitramento do presidente
da Suíça e a defesa brilhante do Barão do Rio Branco deu convencimento de
que as terras pertenciam ao Brasil, recebendo decisão favorável do presidente
suíço.
O problema era o
vice-Presidente
Em novembro de 1896, portanto, um ano depois da posse, Prudente de
Morais entrega o governo ao seu vice, enquanto convalescia de uma intervenção
que sofreu para a retirada de cálculos renais e que o deixou mais enfraquecido
do que seria natural para uma operação tão simples. O que se veio a saber mais
tarde era que sua resistência estava minada, já, com os primeiros efeitos de uma
tuberculose, doença fatal, naqueles tempos em que não se dispunha de recursos
técnicos, nem para o diagnóstico, nem para o tratamento.
Na forma constitucional, em 10 de novembro de 1896, assume Manoel Vitorino
Pereira que, mesmo no exercício interino da presidência, achou por bem
reformar o ministério e praticar atos administrativos mais consistentes, pois não
havia uma previsão clara do tempo em que o titular ficaria afastado.
Diplomaticamente, Bernardino de Campos, amigo de Prudente, obteve uma
solução intermediária, conseguindo do governante provisório uma lista de
candidatos possíveis, para ser submetida ao Presidente que, dentre os vários
nomes, indicaria aqueles que desejaria ver no ministério.
Vitorino era um opositor de Prudente, participando veladamente da agitação
promovida por florianistas, positivistas e restauradores e via no afastamento
temporário do Presidente a oportunidade para criar uma situação de fato que
levasse Prudente à renúncia, tal como havia acontecido com Deodoro no período
anterior. Contava, para isso, com o apoio de uma expressiva parcela dos
congressistas, com os quais se reuniu, apresentando um programa de governo,
e insistindo em que não seria possível ao país suportar uma paralisia mais
demorada naqueles graves momentos da vida nacional.
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Investido em sua missão, vai Bernardino à casa de Prudente. Não foi fácil o
trabalho de convencer o Presidente a aceitar a proposta para trocar o ministério.
O Presidente enfermo achava que o ato de seu substituto era uma traição que
não podia ser aceita. Retrucou Bernardino que a negociação de um novo
ministério era o melhor que se podia conseguir naquele momento e que a recusa
daria aos seus inimigos o pretexto que estavam procurando para aplicar um
golpe de estado. Disse mais que ele, Bernardino, fora convidado para ocupar a
pasta da Fazenda, o que lhe permitia acompanhar os acontecimentos e estar
atento a uma eventual conspiração. Só assim Prudente concordou em escolher,
entre os nomes listados, os que achava melhores para o novo ministério.
Cabe ponderar que, apesar de sua infidelidade, Vitorino não estava de todo
errado quando insistia que era preciso assumir o governo na sua totalidade.
Havia tarefas que exigiam inteira dedicação e total mobilidade e, entre elas,
estavam os graves acontecimentos que se desenvolviam na Bahia.
A guerra de Canudos
Foi numa época bem distante que, nos sertões do nordeste brasileiro, onde
o rio São Francisco separa os Estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia, surgiu
Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido simplesmente como Antônio
Conselheiro, nascido em 1828 na pequena cidade de Quixeramobim, Ceará.
Com mais de sessenta anos, meio louco, como registra a história oficial,
encontra na extrema miséria da região, aliada a uma profunda ignorância do
roceiro quanto às coisas mais rudimentares da vida, um campo propício para sua
pregação política e religiosa. Suas ideias eram um emaranhado quase
incompreensível, misturando um catolicismo caboclo com a profecia da
restauração do trono e a volta de D. Pedro II, que, a essa altura, já havia até
falecido.
Era mais uma manifestação cabocla do sebastianismo que, séculos atrás, já
tinha levado o próprio padre Vieira aos tribunais da Inquisição e que a tradição
fez criar raízes profundas e perenes de norte a sul do Brasil, impressionando os
homens mais simples, que nunca ouviram falar no rei D.Sebastião, mas que,
respeitosos e atemorizados, esperavam o evento de acontecimentos fantásticos
que revolucionariam suas próprias vidas.
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É nesse caldo de cultura que se desenvolvem as ideias de Antônio
Conselheiro o qual, reunindo uma pequena multidão de ignorantes e desvalidos
da sorte, convenceu-os a acompanha-lo na busca de um paraíso terrestre. Foi
assim que, após longa peregrinação, fundaram a comunidade de Canudos ao
nordeste da Bahia.
Uma análise superficial da situação já permitiria ao governador da Bahia,
Luís Viana, perceber que esse punhado de fanáticos não se constituía em
ameaça ao regime. Seu problema era a fome, a miséria, a pouca ou nenhuma
instrução, a falta de perspectivas com relação ao futuro, a procura de um melhor
porvir, já que o presente nada lhes oferecia.
A própria pregação de Antônio Conselheiro sobre a restauração da
monarquia era vaga, não tendo ele qualquer possibilidade de coordenar forças
para uma ação prática. Este era indubitavelmente um problema social e não um
caso de polícia.
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Assim não pensou o governador, que tratou de aniquilar sem demora aquele
foco de revolta, contando com o apoio do novo governo federal, agora nas mãos
do Presidente interino, Manuel Vitorino Pereira, também um baiano e com
predisposição para o uso da força, como argumento mais eficaz que o
convencimento.
Por outro lado, se o governo contava com a força, os fanáticos contavam
com sua suposta predestinação. Assim, as duas primeiras expedições que o
governador enviou contra o arraial de Canudos, a partir de 1896, fracassaram.
No ano seguinte, foi o governo federal que enviou tropas de reforços, que
também foram aniquiladas. Alarmado com a situação, o governo central ordena
ao Exército que prepare um contingente especial, com 6 mil homens que,
finalmente, consegue tomar e arrasar o arraial, morrendo Antônio Conselheiro e,
praticamente, toda a população.
De 10 mil habitantes, aproximadamente, ficaram vivos não mais que 400
prisioneiros, entre velhos, mulheres e crianças. Antônio Conselheiro teve a
cabeça decepada e transformada em troféu. Essa última fase da guerra ocorreu
já com Prudente de Morais de volta ao cargo.
Da parte do governo, o saldo da guerra também foi estarrecedor. Mais de
cinco mil homens morreram nas quatro investidas à cidadela. Os que voltaram,
na sua maioria, tiveram que suportar não apenas as sequelas da guerra, como
o abandono das próprias autoridades.
Prudente reassume
o governo
Aflito e angustiado com os rumos que iam tomando as coisas na Bahia,
Prudente de Morais, ainda em casa, preocupava-se também com a conspiração
em andamento para afastá-lo definitivamente do governo. Não teve dúvidas. No
dia 4 de março de 1897, sem aviso prévio, apareceu no Palácio, não encontrando
o vice. No uso de suas prerrogativas, simplesmente reassumiu o governo e
mandou entregar a Manuel Vitorino um comunicado de que cessara sua
interinidade e que, desde aquele momento, ele não era mais o Presidente em
exercício.
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Assim foi o retorno do Presidente, na brilhante narrativa do jornalista e
historiador Hélio Silva:
"À saída da estação, toma um carro de praça. A carruagem roda
pela cidade, no passo tardo de suas velhas alimárias, no rumo do
Catete. A sentinela, surpreendida, alerta a manhã de sol com sua
clarinada estridente, chamando a guarda para a continência
presidencial. Mas não é o vistoso landau da Presidência que entra,
e sim um modesto fiacre de aluguel, descendo dele, magro e ereto,
na verticalidade que o caracteriza, Prudente de Morais. Minutos
depois, um cabo da guarda leva a Manuel Vitorino o ofício em que
o presidente comunica haver reassumido o Governo."
Aparado, desta forma, o golpe em andamento, o próximo passo era resolver
a crise na Bahia e apagar o incêndio que se formara no Rio de Janeiro.
Sobre Canudos, já fizemos o relato sucinto no tópico anterior. Quanto ao Rio
de Janeiro, o retorno inesperado de Prudente ao Governo trouxe espanto, mas
não arrefeceu os ânimos. Durante sua ausência, se formaram brigadas
paramilitares com nomes patrióticos, como Brigada Tiradentes, ou Benjamin
Constant ou Frei Caneca, ou Deodoro, ou Moreira Cesar.
Prudente tinha dificuldades em contê-las. A todo momento, essas milícias
fardadas apareciam nas ruas, sendo dissolvidas pela polícia, mas em pouco,
voltavam à carga. O presidente se achava no ponto mais baixo de sua
popularidade e a desordem parecia totalmente fora de controle, até que um
trágico incidente veio reverter a situação.
O atentado
Em 5 de novembro de 1897, Prudente de Morais, em companhia de seu
ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, vai ao cais do porto
para receber, em pessoa, alguns batalhões que voltavam da guerra de Canudos.
Em certo momento, repentinamente, um anspeçada [soldado, aspirante a
cabo] aponta uma pistola ao Presidente, mas a arma falha no tiro. Então, o
ministro da Guerra e mais o coronel Mendes de Morais tentam dominar o
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rebelde, mas, na luta que se segue, o soldado consegue sacar um punhal,
atingindo mortalmente o general Bittencourt.
A tragédia comoveu a cidade do Rio de Janeiro e a imprensa, que se voltaram,
quase unânimes, no apoio ao Governo e ao restabelecimento da ordem. Com o
assentimento do Congresso, foi decretado o Estado de Sítio. Calam-se os
jornais, desaparecem as milícias. Passeatas se fazem nas ruas, mas, desta vez
para dar apoio ao Governo.
Alguns políticos da oposição, como o deputado Pinheiro Machado, são
presos, ignorando-se novamente a imunidade parlamentar. Francisco Glicério
(que indicou Prudente como candidato em 1894) teve de fugir para São Paulo,
onde permaneceu escondido. Manuel Vitorino é denunciado à Justiça. Fecha-se
o Clube Militar.
O atentado de 5 de novembro deu ao Presidente os poderes extraordinários
de que ele necessitava para ficar acima dos conspiradores e dispor de
instrumentos que possibilitassem o esmagamento total do golpe em andamento.
A cidade, antes em polvorosa, voltou à paz. Os correligionários rebeldes
reaproximam-se do presidente.
O Exército, antes florianista, mostrou-se extremamente sensibilizado com a
morte do marechal Bittencourt, tomando medidas rígidas para restabelecer a
disciplina na sua forma mais ortodoxa, livre da contaminação política e voltando-
se exclusivamente para suas atividades profissionais.
A última etapa da pacificação nacional teve um preço alto, com o sacrifício de
um dos mais valiosos auxiliares do Presidente, mas, finalmente, esse trabalho
estava terminado. O país voltou à paz e à ordem. Restava, agora, cuidar das
finanças públicas, mas isso é tarefa que só o próximo governo conseguirá
realizar.
A missão a que se propôs o Presidente estava cumprida. Prudente de Morais
termina seu mandato e volta para Piracicaba, onde morre, em 3 de dezembro de
1902, vitimado pela tuberculose que o atingira e que foi o ponto inicial de todo o
drama por que atravessou o país durante o seu governo.
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Paulo Victorino
CAPÍTULO QUATRO
A RECUPERAÇÃO FINANCEIRA
CAMPOS SALES - 1898-1902
E começaram os tempos difíceis. Em janeiro de 1899, dois
meses após a posse de Campos Sales, o governo teve de cumprir
uma das cláusulas contratuais do "funding loan", que era a retirada
de circulação de papel moeda no valor do empréstimo de
emergência, para incineração, evitando que tal empréstimo viesse
a ser um dinheiro a mais para realimentar a inflação. O programa
incluía também o aumento de impostos, sempre recebido com
descontentamento geral. Havia ainda o aumento de taxas
aduaneiras e outras, uma forma indireta de se retirar o dinheiro da
circulação. O universo de contribuintes foi aumentado com a
taxação de todas as fontes visíveis de produção e trabalho.
Passada a turbulência que se seguiu à Proclamação da República, e
serenados os ânimos, após o governo de Prudente de Morais, o Brasil tinha seu
acerto a fazer com a comunidade financeira, uma decisão que estava sendo
protelada desde os tempos do Império.
Com efeito, a Guerra do Paraguai exigiu enormes gastos com a formação e
deslocamento de tropas, com a compra de material bélico, com a construção de
navios para reforçar a Armada. Passada a guerra, as despesas tiveram de
continuar, para permitir recomposição da vida nacional, após a desmobilização
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das tropas, e para resolver os problemas de um batalhão de mutilados ou de
portadores de outras sequelas deixadas pelas condições da vida em campanha.
Os gabinetes que se seguiram, até o último deles, chefiado pelo Visconde de
Ouro Preto, só fizeram piorar a situação.
A República recebeu do Império essas pesada herança e, como se não
bastasse tudo isso, meteu-se na malfadada experiência do encilhamento, que
descontrolou definitivamente a economia do país.
O plano de Rui Barbosa, ministro da Fazenda do Governo Provisório, até
que era simples e, pelo que diziam, até já tinha dado certo em outros países,
como na vizinha Argentina.
Primeiro, ignora-se o padrão monetário, que tem o ouro como lastro.
Segundo, emite-se a descoberto uma certa soma de dinheiro, colocando-
o na praça sob a forma de empréstimos para a criação e fomento de novas
empresas, capazes de produzir riqueza.
Terceiro, a riqueza gerada equilibra a oferta e a procura, permitindo a
recomposição do padrão monetário e, como num passe de mágica, o país
se enriquece e se solidifica, permitindo o reinício do círculo vicioso, já
ampliado na forma de uma espiral.
É o que, nos dias de hoje, se convencionou chamar de pedaladas. E como
o coelho surgiria da cartola vazia, isso ninguém se preocupou em perguntar.
Então, o sonho virou pesadelo. O empréstimo fácil gerou empreendimentos
igualmente fáceis e mal estruturados, que jamais poderiam dar certo. Os bem-
intencionados se puseram em aventuras fantásticas, cujos resultados ficaram
longe do retorno esperado. Os mal-intencionados (e quantos!) se aproveitaram
da situação para projetar empresas fantasmas ou para especular na Bolsa de
Valores.
Na hora da verdade, as empresas não produziram e os negócios
mirabolantes estouraram tal qual uma bolha de sabão. Caiu a Bolsa e
desequilibrou-se o
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mercado, gerando uma espiral inflacionária, com a desvalorização da moeda
interna e o aumento da dívida externa do país.
O governo de Floriano Peixoto, que se seguiu a Deodoro, não pôde deter-se
no problema, pois havia uma questão emergente a resolver, qual seja, o
restabelecimento da ordem pública, que ameaçava a estabilidade do regime. Se
por um lado obteve sucesso, agindo com mão de ferro para aplacar a rebeldia,
por outro, gerou ódios contra o poder constituído, entregando ao sucessor uma
panela de pressão entupida e pronta para explodir.
Prudente de Morais também não pôde cuidar da dívida externa, pois cabia
a ele outra tarefa, ainda mais importante, qual seja, a de desobstruir as válvulas
desse enorme caldeirão, cuidando de promover a pacificação nacional. Assim,
ficou para Campos Sales, o quarto Presidente do Brasil, a missão de atacar os
problemas econômico-financeiros que afligiam o país e impediam o seu
desenvolvimento.
Quem era Campos Sales
Manuel Ferraz de Campos Sales nasceu em Campinas, no ano de 1841.
Formou-se em Direito na Faculdade do largo de São Francisco, elegendo-se
deputado provincial em 1867. Era um republicano histórico, tendo promovido e
participado da organização do Partido Republicano que, por um quarto de
século, marcou sua presença no parlamento do Império, vindo a se tornar, a
partir de 1889, na principal vertente política da República.
Em 1885, elege-se deputado federal e, em 1889, integra o ministério de
Deodoro, ocupando a pasta da Justiça. Em 1896, torna-se presidente do Estado
de São Paulo mas, já no ano seguinte, se desincompatibiliza, para atender o
chamado do partido, candidatando-se à presidência da República.
Eleito, passa a ser o quarto presidente do Brasil, e o segundo indicado por
São Paulo, representando os interesses da aristocracia rural paulista e mineira.
Assim, ao mesmo tempo em que manteve um favorecimento à agricultura, com
protecionismo e com uma política de valorização do café, por outro lado, colocou
em segundo plano o setor industrial, que sobreviveu à custa de muitos
sacrifícios, sofrendo violentamente o impacto da política de estabilização
financeira do país.
- 050 -
A opinião de Campos Sales se traduz na declaração de que o Brasil tem
uma vocação voltada para a agricultura, devendo dedicar-se àquilo que sabe
fazer, e importando tudo o mais. Esse preconceito prevaleceu até o governo de
Juscelino Kubitschek (1955-1960), quando um plano de desenvolvimento pôs a
indústria nacional em seu lugar merecido. Até então, a expressão "indústria
brasileira" era sinônimo de produto de segunda categoria.
O desafio da proposta orçamentária
O orçamento proposto pelo Congresso para o ano de 1898 apresentava um
quadro sombrio da situação financeira. Mesmo limitando-se à previsão das
despesas essenciais de governo, deixando de lado a pretensão ao
desenvolvimento, ainda restava um déficit de cinco milhões de libras esterlinas
(cerca de 60 milhões de dólares).
Transcorriam negociações para a venda de uma parte de nossa esquadra
para os Estados Unidos, que, na época, estavam em guerra com a Espanha,
pela libertação de Cuba. Admitindo-se que esse negócio pudesse render um
milhão de libras, teríamos ainda de buscar no mercado financeiro internacional
outros quatro milhões para fechar as contas, operação quase impossível, em
face da desconfiança dos banqueiros com relação à capacidade do Brasil em
saldar os compromissos de uma nova dívida.
Foi do próprio Campos Sales a ideia de fazer uma viagem à Europa, como
Presidente eleito, para sondar a receptividade de nossos credores quanto ao
estabelecimento de um funding loan [contrato de consolidação de dívida]
renegociando os débitos já contraídos e fazendo um novo empréstimo para
enfrentar o déficit orçamentário.
Embora difícil, não era de todo impossível sensibilizar os banqueiros, aos
quais não interessava uma situação de insolvência do país, pois isso dificultaria
o recebimento dos atrasados e ainda colocaria em sério risco o intercâmbio
comercial e abalaria os investimentos estrangeiros já realizados no Brasil.
Ademais, esse tipo de solução já havia contemplado a Argentina, a mesma
que, ao tempo do encilhamento, se dizia ter encontrado sucesso na ciranda
financeira. Pois a Argentina não só teve de refinanciar sua dívida externa como,
mais tarde, ainda denunciou o contrato assinado pelo governo anterior,
conseguindo um adendo com a redução dos juros inicialmente previstos.
- 051 -
Prudente de Morais, em fim de mandato, já pensava mesmo em enviar um
emissário ao velho continente e o oferecimento de Campos Sales veio a calhar,
não só pela sua capacidade e habilidade de negociador, mas também pela
autoridade que lhe dava a condição de Presidente eleito. Era ele que pretendia
negociar a dívida, e era ele mesmo que deveria tirar o país de seu estado de
insolvência, criando condições para o pagamento de um novo débito
consolidado.
A viagem e as negociações
Em abril de 1898, um mês após sua eleição, parte Campos Sales para a
Europa, visitando Paris, e depois Londres, encontrando receptividade à proposta
de uma renegociação. Essa vinha sendo também a ideia dos credores, aos quais
uma concordata, em último caso, seria melhor que o estado de total bancarrota.
Uma minuta de contrato para o funding loan já se achava até preparada, nas
mãos dos credores e, em cima dela é que se desenvolveram as negociações.
Como início, o Banco Rothschild oferecia um empréstimo de emergência
de 10 milhões de libras, exigindo como garantia todas as rendas alfandegárias,
mais as receitas da Estrada de Ferro Central do Brasil e do serviço de
abastecimento de água do Rio de Janeiro.
Em contrapartida, o Brasil deveria retirar do mercado e incinerar igual
quantidade de moeda brasileira, considerando a taxa de conversão do dia. Os
bancos credores organizariam um trust [coligação para uma ação conjunta] e
fariam a moratória da dívida consolidada até que o empréstimo de emergência
fosse pago, comprometendo-se o Brasil a não recorrer a novos saques
financiados enquanto durasse a moratória.
A solução proposta interessava a Prudente de Morais, que se vexava em
passar ao sucessor um país em estado pré-falimentar. Interessava também a
Campos Sales, que, assim, assumiria o governo com um problema não resolvido
mas, pelo menos, encaminhado para uma solução, a qual, já se sabia, viria a
custar um enorme sacrifício à nação.
Apesar da tragédia social proporcionada por qualquer ajuste feito com
seriedade, era do temperamento do novo presidente o ataque frontal aos
problemas, dispensando soluções de fachada. Não ignorava ele que, com o
- 052 -
aperto financeiro, o maior sacrifício seria exigido daqueles que menos tem a dar,
transformando o empobrecimento em miséria e a miséria em indigência. Mas
não havia outro caminho possível para restabelecer a saúde financeira do país.
Implicações políticas
O medo da doença acaba levando as pessoas a aceitar, mesmo a
contragosto, o remédio amargo e as restrições que o médico lhes impõe. Pelo
menos era o que pensava o novo Presidente, empossado em 15 de novembro
de 1898.
Assim, ao formar o seu ministério, esperava contar com a submissão da
sociedade à nova emergência e descartou as indicações políticas, dando ao seu
gabinete uma característica puramente técnica. Foram escolhidos os seguintes
nomes:
Guerra, marechal João Nepomuceno de Medeiros Mallet; Relações
Exteriores, Olinto de Magalhães; Justiça, Interior e Instrução Pública,
Epitácio da Silva Pessoa; Viação e Obras Públicas, Severino dos Santos
Vieira; Marinha. almirante Carlos Baltazar da Silveira.
O novo Presidente introduziu em seu governo outra modificação que deveria
ter acontecido desde os tempos de Deodoro: determinou que, doravante, todos
os despachos com os ministros seriam feitos isoladamente, acabando de vez
com as reuniões coletivas do ministério.
É até curioso que essa medida não houvera sido tomada pelos governos
anteriores. Em 1889 o regime passou a ser republicano e presidencialista, mas
as reuniões com os ministros continuaram a parecer mais as de um gabinete
parlamentarista. O Presidente sentava-se à cabeceira de uma grande mesa, com
os ministros à sua volta, participando eles de todas as discussões e influindo
naquelas decisões que em nada diziam respeito à sua pasta.
Campos Sales, afinal, assumiu a postura de um governo presidencialista,
reafirmando sua prerrogativa de admitir e demitir ministros, de tratar com cada
um os problemas da respectiva pasta, e de assumir o bônus ou o ônus pelas
decisões tomadas.
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Ao contrário do que esperava, porém, o novo ministério não foi bem aceito.
Reservas se faziam principalmente com relação aos dois ministros militares,
general Mallet e almirante Baltazar. Dentro do Exército houve pressão, dentre os
mais graduados, para a substituição de ambos os nomes por outros de maior
confiança da alta oficialidade. Era o florianismo, ainda presente nos quartéis.
Ainda no seio militar, surgiram restrições ao nome de Epitácio Pessoa,
acusado de ser anti-florianista e anti-militarista, sendo seu nome vetado, apesar
de tratar-se de pasta de natureza civil.
Campos Sales, porém, estava determinado a aplicar rigidamente o princípio
presidencialista, segundo o qual quem governa e escolhe seus ministros é o
Presidente. Não negociou cargos, nem transigiu em seu direito de nomear
ministros, como não usou critérios políticos para fazer das nomeações uma
moeda de troca. O ministério era seu e ponto final.
Os anos de vacas magras
E começaram os tempos difíceis. Em janeiro de 1899, dois meses após a
posse, o governo teve de cumprir uma das cláusulas contratuais do funding loan,
que era a retirada de circulação de papel moeda no valor do empréstimo de
emergência, para incineração, evitando que tal empréstimo viesse a ser um
dinheiro a mais para realimentar a inflação.
O programa incluía também o aumento de impostos, sempre recebido com
descontentamento geral. Havia ainda o aumento de taxas aduaneiras e outras,
uma forma indireta de se retirar o dinheiro da circulação. O universo de
contribuintes foi aumentado com a taxação de todas as fontes visíveis de
produção e trabalho.
Era a deflação que chegava, abalando o comércio e o crédito, bem como
onerando nossos dois principais produtos de exportação, o café no sudeste, e a
borracha, que ainda era uma fonte de sustentação da economia no norte do país.
Vieram as falências de empresas até então respeitáveis.
O próprio Banco da República, restringida sua capacidade de emissão de
moeda, viu-se em dificuldades financeiras, suspendendo pagamentos e criando
pânico na praça. Parecia o fim do mundo que chegava, naquele sombrio final de
século.
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O "coronelismo" a serviço do país
Maquiavel, político, historiador e filósofo (1469-1527) sustentava a tese de
que os políticos devem ter em mente, objetivamente, os fins a atingir, colocando
em segundo plano os preconceitos de ordem moral, já que, aos políticos, foi dada
a tremenda responsabilidade de apresentar resultados que contemplem o bem-
estar do povo sob seu governo. É certo que o pensador florentino sempre teve
seus discípulos no Brasil, ainda que não se confessassem como tal.
Em efetivo, o próprio Campos Sales, no objetivo nobre de criar raízes nos
Estados brasileiros, deu uma ajeitada na Constituição brasileira, criando uma
Comissão Verificadora, com poderes para alterar, à vista de todos, os resultados
consagrados nas urnas.
Para entender melhor o assunto, voltemos aos tempos do Império, mais
precisamente ao período regencial, quando foram criadas as Guardas Nacionais.
Diferentemente do Exército, que tem seu corpo efetivo e profissional, as Guardas
se apoiavam nas polícias-militares dos municípios, organizadas e mantidas
pelos latifundiários, que as usavam, como é natural, para a defesa de seus
próprios conceitos de ordem pública.
Essas guardas foram incorporadas à Guarda Nacional e os latifundiários que
as controlavam receberam a patente de coronel. Foi esta a origem dos coronéis
do sertão, e de sua política de ação, que passou a ser conhecida como
coronelismo e que, até os dias de hoje, se faz presente na vida nacional.
Não nos apressemos a condenar os governos regenciais por essa
arbitrariedade. Na ausência de um policiamento eficaz e centralizado, o
coronelismo simbolizava a ordem pública e o coronel, descontados os abusos
sempre cometidos, era a garantia de estabilidade social, contra a desordem que
se instalaria por todo país se não existisse essa figura de autoridade.
Não demorou que o coronelismo se consolidasse, também, como uma força
política, influindo nos destinos de sua cidade e, se possível, de seu Estado.
Pois era essa força emergente que Campos Sales pretendia usar, prestigiando
a autoridade estadual e trazendo o apoio dos Governadores ao seu governo.
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A Comissão de Reconhecimento
de Poderes
Foi nessa intenção, pois, que o presidente da República criou a Comissão
de Reconhecimento de Poderes, com objetivo simples e claro de fortalecer os
poderes estaduais. Essa Comissão se reuniria logo após as eleições, antes da
diplomação dos eleitos, e sua missão era a de filtrar os nomes escolhidos pelo
eleitorado, dando às bancadas de cada Estado a feição do Governador eleito,
ou seja, representando os coronéis que, naquele Estado e naquele momento,
eram o símbolo da ordem política e social.
A Comissão era formada pelo presidente da Câmara Federal da legislatura
anterior e por mais três deputados por ele mesmo escolhidos. Tinha como
objetivo examinar a lista dos candidatos que receberam maior votação, riscando
dessa relação todos os inimigos políticos do Governador de seu Estado que, por
serem adversários, poderiam dificultar os atos administrativos do governo
estadual, prejudicando, em consequência, o conjunto da população. Os que não
estivessem sintonizados com o Governador de seu Estado, simplesmente eram
impedidos de tomar posse, sendo substituídos por outros mais afinados com a
administração.
Em contrapartida, os governadores eleitos se propunham apoiar
irrestritamente o presidente da República em todos os seus atos, garantindo a
execução das decisões federais em seus respectivos Estados, sem contestação.
Era uma política de compadres, um acordo espúrio que fraudava a vontade das
urnas, e que recebeu a denominação de Política dos Governadores.
Moral à parte, como aconselhava Maquiavel, o princípio fortaleceu os
governos estaduais e, por tabela, criou um governo central forte e autoritário,
capaz de enfrentar a oposição às duras medidas de ordem econômica,
necessárias para vencer a crise financeira.
Fim de Governo
Com o artifício da Comissão Verificadora e com a firmeza na aplicação das
medidas solicitadas para tirar o país do lodaçal em que se encontrava, Campos
Sales chega ao fim de seu mandato com economia do país plenamente
restabelecida e com as finanças em ordem, o suficiente para permitir ao seu
sucessor um governo de desenvolvimento.
- 056 -
Conquistou tudo, o Presidente, menos a simpatia popular. Campos Sales
terminou seu governo com o menor índice de popularidade jamais registrado
pelos seus antecessores, fato que os jornais de oposição faziam questão de
alardear, e que a população do Rio de Janeiro não fez por esconder.
No dia 15 de novembro de 1902, a faixa presidencial é transferida para o
novo Presidente, Rodrigues Alves, enquanto Campos Sales se retira, com a
consciência tranquila de um dever cumprido. Mas, no trajeto do palácio
presidencial à estação da Central do Brasil, onde tomaria o trem de volta para
São Paulo, uma multidão se comprimia nos dois lados das ruas, fazendo-se ouvir
uma estridente vaia que, pela voz do Rio de Janeiro, representava sentimento
do povo de todo o Brasil. O historiador José Maria Bello sintetiza a passagem
de Campos Sales pela Presidência:
"Depois de um longo e penoso sacrifício exigido da comunidade brasileira,
transmitia ao seu sucessor uma casa em ordem, com a escrita equilibrada.
Degradara-se ainda mais a política republicana, com a Política dos
Governadores; aviltara-se a significação democrática do Parlamento;
diluíam-se as derradeiras esperanças no livre jogo das instituições
representativas; o seu confessado suborno a imprensa, como que
oficializara a corrupção jornalística; à sombra de seu plano de extrema
deflação monetária, tinham feito excelentes negócios banqueiros e
especuladores estrangeiros e nacionais. No entanto, ao seu saldo, levava
Campos Sales a sua perfeita probidade pessoal, a sua tolerância e a
firmeza com que respeitara os seus compromissos de governo. Sem os
seus quatro anos de compressão fiscal, seria muito difícil a Rodrigues
Alves iniciar um grande programa de obras públicas."
Viu como o estudo da História do Brasil é importante para o conhecimento
atual do país em que vivemos? Quem não conhece a História, está fadado a
repeti-la, é o que diz a voz popular. E alguns acrescentam que está fadado a
repeti-la, sim, mas em tom de farsa.
Só para fechar este capítulo. Campos Sales voltou para São Paulo, onde
grupos adrede preparados se concentravam para aplaudi-lo. Em 1905,
estudantes da Faculdade de Direito tentaram articular, sem sucesso a sua volta
à presidência da República. Não fez fortuna na presidência, embora outros
tantos tenham enriquecido com suas medidas de contenção. Em 1909, voltou à
política, como senador e foi no exercício desse cargo que a morte veio encontrá-
lo para dar-lhe o descanso final, no ano de 1913.
Paulo Victorino
CAPÍTULO CINCO
SANEAMENTO E DESENVOLVIMENTO
RODRIGUES ALVES - 1902-1906
O movimento anti-vacina começou com protestos de rua, logo
descambando para a desordem. No dia 10 de novembro de 1904,
bandos de arruaceiros, insuflados por agitadores profissionais,
tomaram as ruas do Rio de Janeiro, provocando depredações e
destruindo principalmente os lampiões a gás usados na iluminação
da cidade. A agitação durou três dias, com a perturbação do
trânsito e a destruição de ruas, de onde foram arrancadas as
pedras para formar barricadas e, por fim, os revoltosos se puseram
em confronto as forças policiais. Não tardaria que o movimento se
alastrasse, atingindo uma situação incontrolável, quando a ele
aderiram também as forças do Exército. Não era mais uma revolta,
era uma guerra.
Um grande mal, que assolava o Brasil republicano, era a ausência de
partidos fortes, que tivessem um contingente eleitoral capaz de se fazer
representar com energia e eficácia, de norte a sul do país. Com o surgimento da
República, e facilitados pela nova Constituição, fundaram-se partidos estaduais
que se coligavam para participar de pleitos nacionais, mas sem perder sua face
provinciana. Francisco Glicério até tentou reunir todas essas forças numa grande
corrente de união nacional, fundando o PRF-Partido Republicano Federal, que
elegeu Prudente de Morais e Campos Sales, mas, tirando-se dele o invólucro
federalista, por dentro permaneciam as mesmas correntes estaduais com as
quais se tinha de negociar para eleger um Presidente da República.
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Aproveitando-se dessa inexistência de unidade partidária, Campos Sales
criara, no período anterior, uma força política sob o comando do governo central
e representada pela Política dos Governadores, já vista no capítulo anterior, mas
que sempre é oportuno recapitular.
O artifício consistia em nomear uma Comissão de Verificação, que analisava
os nomes de todos os deputados eleitos, descartando aqueles que faziam
oposição em seu próprio Estado, e substituindo-os por suplentes que rezavam
pela cartilha do Governador de plantão. Com isso, fortalecia-se os governos
estaduais que, em reciprocidade, apoiavam, com restrições mínimas, os atos do
governo federal.
A unidade nacional, polarizada em torno do presidente da República, supria
a lacuna deixada pela fraqueza dos partidos, criando-se, assim, um quarto poder,
inconstitucional, mas efetivo, que lembrava muito o Poder Moderador dos
tempos do Império. Assim, aproximando-se o fim do mandato de Campos Sales,
com esse poderoso instrumento nas mãos, foi ele que assumiu a tarefa de
coordenar sua própria sucessão, dentro do partido governista.
Candidatos em penca
Muitos eram os postulantes à candidatura presidencial dentro da ala
governista, todos apresentando suas credenciais de republicanos históricos,
aqueles que, de longa data, firmaram sua posição a favor da República e, por
fazerem oposição ao Império, não usufruíram, naquela época, as vantagens
proporcionadas pelo poder.
Proclamada a República, foram vozes destacadas na defesa do novo
Regime e, nessa condição, se julgavam aptos a pleitear a homologação de sua
candidatura.
Entre eles, estavam Quintino Bocaiuva, presidente do Estado do Rio de
Janeiro, Francisco Silviano Brandão, presidente de Minas Gerais, Bernardino de
Campos, um fiel amigo e colaborador do governo de Prudente de Morais, Rui
Barbosa, ilustre jurista, responsável pelo texto final do anteprojeto da
Constituição de 1891 e José Gomes Pinheiro Machado, correligionário do
presidente do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, um nome que vinha se
projetando na política nacional.
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Com o poder decisão em suas mãos, o presidente da República examinou
todos os nomes propostos, descartando-os um a um, sempre no objetivo de
encontrar um candidato de consenso entre os governadores.
Quintino Bocaiúva não tinha sido feliz como governador e deixou o Estado do
Rio em estado pré-falimentar; Silviano Brandão não encontrava muita
ressonância em alguns Estados, sendo entretanto um bom nome para compor a
chapa como vice, representando a aristocracia mineira; Bernardino seria uma
boa escolha, porém, seu espírito independente e resoluto ameaçava a política
de austeridade que marcou o governo Campos Sales, e que tanto sacrifício
custou à nação; Rui Barbosa tinha tudo a seu favor, mas lhe faltava projeção
política junto aos governadores, cuja atuação, como vimos, era fundamental para
o sucesso da nova política. O mesmo acontecia com Pinheiro Machado,
excessivamente regionalista.
O consenso e a eleição
Em seu gabinete, silenciosamente, Campos Sales costurava uma aliança
que apontava para outro nome, fora do círculo dos intitulados republicanos
históricos. Era o presidente do Estado de São Paulo, Rodrigues Alves, um
político que desenvolveu sua carreira dentro da monarquia e que só aderiu à
causa republicana no último momento, quando percebeu que o Império vivia
seus últimos dias, uma evidência que àquela altura, já havia sido constatada até
pelo imperador.
Contra seu nome, levantaram-se vozes consagradas da política paulista,
como as de Prudente de Morais, Adolfo Gordo, Cerqueira Cesar, Júlio de
Mesquita e Alfredo Pujol, os quais, juntamente com outros próceres paulistas,
lançaram dois manifestos contra o candidato escolhido pelo governo central.
Todavia, esses protestos não ultrapassaram as divisas do Estado, sinal de que,
como previra Campos Sales, o nome apresentado estaria recebendo um apoio
quase unânime dos governadores.
Dentro da chamada política do café com leite, foram, pois, lançadas as
candidaturas do paulista Rodrigues Alves, para presidente, e do mineiro Silviano
Brandão para vice, ambos eleitos em 1º de março de 1902. Quis o destino que
Silviano Brandão morresse antes da posse. Com esse imprevisto, Rodrigues
Alves tomou posse sozinho, no dia 15 de novembro de 1902, e um novo vice foi
eleito em 18 de fevereiro de 1903, recaindo a escolha sobre outro mineiro,
Afonso Pena, ex-deputado e ex-presidente de Minas Gerais.
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Quem era Rodrigues Alves
O Conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves nasceu em
Guaratinguetá no ano de 1848 e pertencia a uma família de latifundiários.
Completou os estudos de 2º grau no Colégio Pedro II, sendo colega de turma de
Joaquim Nabuco. Na Faculdade de Direito de São Paulo teve forte liderança
entre seus pares, escreveu artigos para vários jornais da época e chegou a dirigir
um deles, do Partido Conservador em São Paulo. Já formado em direito, acabou
ingressando nesse partido, deixando a banca para dedicar-se exclusivamente à
política.
Embora pertencendo à ala conservadora, tinha ideias avançadas. Em 1872,
como deputado provincial, apresentou um projeto que estabelecia o ensino
público, obrigatório e gratuito, para o primeiro grau, provocando um saudável
debate em torno do assunto.
Em 1887, já era deputado federal e tinha seu nome indicado para Presidente
de São Paulo, ganhando as eleições. Quando governador, já fervilhava o
ambiente, agitado pela causa abolicionista. As opiniões se dividiam e os conflitos
mais exaltados entre defensores do abolicionismo e do escravagismo eram
reprimidos com energia pelo novo presidente da Província. De sua parte, embora
freando os excessos, Rodrigues Alves se confessava abolicionista, mas defendia
uma política gradual para a extinção do trabalho escravo, como, aliás, já vinha
sendo adotada pelo Império.
Sua presença política era constante e notável. Por duas vezes foi ministro
da Fazenda, por duas vezes ocupou o Senado Federal, fez parte da Assembleia
Constituinte e, em 1902, já no período republicano, voltou ao governo do Estado
de São Paulo.
A princesa Isabel, quando regente do Império, concedeu-lhe o título de
Conselheiro, que ficou como que incorporado ao seu nome próprio. Essa
designação lhe cabia muito bem e fazia jus ao seu temperamento "discreto,
sereno, liberal e sincero, mais atento à realidade das doutrinas, austero e
respeitável, sabendo sobrepor os interesses públicos aos partidários ou
particulares."
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Empossado, tornou-se o quinto presidente da República. Originário da
aristocracia rural e proprietário de fazendas de café, encarnava bem a política
agrária imposta por São Paulo e Minas Gerais, embora com uma visão bem mais
ampla dos problemas nacionais.
O Ministério
Tal como seu antecessor, Rodrigues Alves dispensou a participação política
na organização de seu ministério, preferindo escolher pessoalmente cada nome,
seguindo critérios estritamente técnicos. Mas, ao contrário de Campos Sales, era
sua intenção dar maior mobilidade aos ministros, fixando linhas gerais e
deixando aos seus auxiliares uma ampla liberdade de decisão.
O governo se iniciou com o seguinte Ministério:
Relações Exteriores, José Joaquim Seabra (J.J.Seabra), que o exerceu
interinamente até a nomeação subsequente do Barão do Rio Branco;
Justiça, Interior e Instrução Pública, Felix Gaspar de Barros e Almeida;
Fazenda, José Leopoldo de Bulhões Jardim; Viação e Obras Públicas,
general Lauro Severiano Müller, ex-governador de Santa Catarina;
Guerra, marechal Francisco de Paula Argollo; Marinha, contra-almirante
Júlio Cesar de Noronha.
É preciso dar um destaque especial para a nomeação do engenheiro
Francisco Pereira Passos para prefeito do Distrito Federal, pois sua atuação foi
muito importante dentro do projeto de saneamento e desenvolvimento dessa
cidade.
Rio de Janeiro, uma
cidade doente
Quem conhece a cidade do Rio de Janeiro hoje, com toda sua pujança e
beleza, inscrita entre as primeiras no roteiro turístico internacional, nem sequer
imagina o estado deplorável de abandono em que ela se achava no início do
século XX, a despeito de ter abrigado o reinado e de ser a sede do governo
presidencial republicano.
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As ruas do Rio de Janeiro eram estreitas e sujas. Os casarões, velhos e mal
construídos, se transformaram em grandes cortiços, onde se apinhava a
população carioca, num ambiente de promiscuidade e sem qualquer
preocupação com a higiene. Aos donos de tais cortições, o objetivo principal era
arrancar o dinheiro que pudessem, trazendo retorno rápido ao investimento,
totalmente despreocupados com higiene e saúde.
Facilitadas pelo ambiente contaminado, as pestes corriam soltas pelas
casas e ruas, não distinguindo os amontoados populares, das casas mais
abastadas, atingidas pela sujeira geral que se espalhava por tudo, terra, mar e
ar.
Rodrigues Alves, quando morava em seu palacete da rua Senador
Vergueiro, assistiu a morte da própria filha, atingida pela febre amarela. E além
da febre, havia a peste bubônica, a varíola...
A situação chegou a tal ponto que os navios estrangeiros puseram o porto
do Rio sob quarentena, passando ao largo, com medo de que o ar doentio
pudesse contaminar sua tripulação ou seus passageiros.
Aportar no Rio era sinônimo de morte. E se isso acontecia com o viajante
acidental, imagine-se então, com a população, obrigada a conviver dia e noite
com esse tenebroso ambiente. Era preciso fazer alguma coisa, e imediatamente.
Assim desejava o Presidente e esse era, também, o anseio da população do
Distrito Federal.
O sanitarista Osvaldo Cruz
Para sua sorte, a cidade contava com um homem sob medida para aquele
momento e para aquela missão. Osvaldo Cruz, então na juventude de seus trinta
anos, apresentava já um currículo apreciável. Cientista, médico e sanitarista,
teve a oportunidade de fazer um estágio no Instituto Pasteur, em Paris,
especializando seus estudos em bacteriologia.
Quando o Diretor do Serviço de Saúde Pública do Distrito Federal
necessitava nomear um técnico para o Instituto Soroterápico de Manguinhos,
escreveu para a França, consultando o Dr. Émile Roux, discípulo de Pasteur e
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um dos nomes mundialmente consagrados em soroterapia, pedindo que lhe
indicasse alguém confiável para essa função. E o dr. Roux respondeu que no
Brasil havia um cientista plenamente capaz para se desincumbir da tarefa, que
outro não era senão o próprio Osvaldo Cruz. Foi ele nomeado e desenvolveu
seu trabalho com competência, sendo promovido a diretor do próprio Instituto,
onde o novo presidente da República foi buscá-lo para assumir a difícil tarefa de
saneamento da cidade.
Osvaldo Cruz já havia estudado detidamente o assunto. Opondo-se às
crenças ainda alimentadas pela medicina tradicional, acompanhara atentamente
o trabalho desenvolvido pelo médico e cientista cubano, dr. Carlos Finlay (1833-
1915), que identificou o mosquito transmissor da febre amarela, desenvolveu um
trabalho eficiente em sua própria terra e erradicou essa doença em Cuba.
Tinha pleno conhecimento, também, dos estudos do cientista inglês Edward
Jenner (1749-1823), que desenvolvera uma vacina contra a varíola, já conhecida
no Brasil, pois D.João VI, em 1811, fizera sua importação, mandando vacinar
toda a cidade do Rio.
Assim, dominada a técnica, o que se necessitava para iniciar o saneamento,
era a planificação, com a criação de leis que lhe dessem o amparo e de equipes
que realizassem o trabalho.
A febre amarela
Tudo parecia, pois, muito simples. O Presidente desejava sanear a cidade,
contava com recursos para realizar a obra, tinha a colaboração de um cientista
respeitável e, finalmente, era desejo de toda a população que melhorassem as
condições de saúde no Distrito Federal.
Mas, até na classe médica, havia correntes que negavam ser a febre amarela
transmitida por mosquitos. Outros aceitavam a tese, mas não concordavam com
a vacina, achando que o caminho único e possível para a erradicação estava na
desinfecção do solo, ideia que chegou até a sensibilizar Rodrigues Alves, por ser
mais simples e causar menos danos políticos.
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Sondado a respeito, Osvaldo Cruz rechaçou a ideia e ameaçou pedir
demissão se o projeto fosse alterado. Assim, o Presidente concordou em que o
plano se desenvolvesse como fora concebido, isto é, com a aplicação obrigatória
da vacina.
Quanto se fez de oposição ao governo durante a execução do plano, nem
é bom contar. A população se sentiu atingida em sua liberdade de decisão, a
oposição encontrou um motivo sólido para atacar o governo e se colocar ao lado
do povo e os jornais, muito interessados em aumentar sua tiragem, atingiram
duramente, tanto o Presidente como o responsável pela campanha de
erradicação.
Todos tinham bons motivos para se colocar contra o projeto. Quando
recebida uma denúncia de doença, não se deixava por menos: as brigadas
sanitárias invadiam a casa suspeita, isolavam o doente, faziam a limpeza e
desinfeção do local e eliminavam os focos de mosquitos por toda a vizinhança,
recebendo em troca o ódio daqueles que tiveram seu domicílio violado.
Vencida a resistência, ainda que pelo uso da força e ao arrepio da
Constituição, a verdade é que os casos de morte pela febre foram diminuindo
ano a ano. De 584 óbitos em 1903, esse número caiu para 4 em 1908 (já no
governo de Afonso Pena). Em 1909, não se registrou nenhum caso de morte
pela febre amarela. Estava vencida a luta contra a doença, mas o desgaste
político fora imenso.
A peste bubônica
Velha conhecida dos marinheiros, a peste bubônica era típica da sujeira e
proliferação de ratos e insetos, muito comum nos navios, e agora comum
também em terra, no Rio de Janeiro. Havia até um calendário de alternância
entre a febre amarela e a peste bubônica: aquela era comum nos dias quentes
e úmidos do verão; esta se desenvolvia principalmente no inverno, facilitada pela
sujeira generalizada dos portos e dos casarões, onde proliferavam os ratos e
insetos de toda espécie.
A eliminação da peste bubônica, pois, dependia da mudança das condições
de higiene nas ruas e nas casas e o ataque a ela se deu com a realização de
obras públicas pela Prefeitura, assunto que é tratado em outro tópico.
- 065 –
A varíola e as desordens
Vimos a energia que teve de ser aplicada pelo Governo para garantir o
processo de erradicação da febre amarela e soubemos da invasão de domicílios
e do processo violento para subjugar a população aos intentos do governo,
causando uma revolta íntima e dando combustível suficiente para políticos e
jornais da oposição. Apesar dos protestos e das revoltas, a ordem pública foi,
entretanto, mantida.
Pretendia o governo repetir o mesmo processo para o combate à varíola e,
desta vez, precaveu-se com uma lei específica, votada a duras penas no
Congresso Nacional, e regulamentada pela mão de Osvaldo Cruz Previa essa
lei a aplicação de vacina obrigatória nas crianças, com doses de reforços, de
período em período. Era também obrigatória a vacinação de adultos, não se
admitindo nem em pensamento que alguém se recusasse a recebê-la, dado que
a erradicação do mal somente seria possível se toda a população fosse
imunizada.
O grande erro, em ambas as campanhas foi que se substituiu a força do
convencimento pela força da lei, aplicada pela coerção, se necessária, até com
o uso do contingente policial. Já escaldada pela primeira experiência, a
população do Rio de Janeiro não estava disposta a ser usada, outra vez, como
cobaia de experimentos, tanto mais que a vacina consistia na inoculação, no
organismo humano, de germes da própria doença, algo que, ao cidadão comum,
parecia um contra-senso e um perigo à saúde pública.
Ao coro de protestos que se seguiu, juntaram-se, alegremente as vozes da
oposição e da imprensa, com destaque especial ao Correio da Manhã, bem
como de positivistas, infiltrados em todos os setores da vida pública, inclusive na
esfera militar. Entre pessoas de cultura, inclusive médicos, encontravam-se
muitos que duvidavam da eficácia da vacina, outros aceitavam sua eficácia, mas
se insurgiam contra a obrigatoriedade da aplicação e muitos, simplesmente,
encontravam na ocasião um pretexto para a insurreição.
O movimento anti-vacina começou com protestos de rua, logo descambando
para a desordem. No dia 10 de novembro de 1904, bandos de arruaceiros,
insuflados por agitadores profissionais, tomaram as ruas da cidade, provocando
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depredações e destruindo principalmente os lampiões a gás usados na
iluminação da cidade. A agitação durou três dias, com a perturbação do trânsito
e a destruição de ruas, de onde foram arrancadas as pedras para formar
barricadas e, por fim, os revoltosos se puseram em confronto as forças policiais.
Não tardaria que o movimento se alastrasse, atingindo uma situação
incontrolável, quando a ele aderiram também as forças do Exército. Não era uma
revolta, era uma guerra.
A "Guerra da Vacina"
A participação militar, que deu proporções maiores ao descontentamento
popular, envolveu substancialmente as escolas militares do Realengo e da Praia
Vermelha. Na primeira, o movimento foi logo sufocado pelo general Hermes da
Fonseca. Já na segunda a o movimento tomou vulto com a rebeldia do general
Travassos e do senador Lauro Sodré, que também era um oficial-militar.
No dia 14 de novembro, Rodrigues Alves recebeu em audiência o general
Olímpio da Silveira que, fazendo uma ponte entre os militares revoltosos, trouxe
algumas reivindicações, incluindo o afastamento do ministro da Justiça,
J.J.Seabra. Entendeu o Presidente que não havia campo para negociações e
advertiu que usaria todos os recursos à sua disposição para garantir a
manutenção da ordem.
Chegada a noite, o general Travassos e o senador Sodré tomaram um bonde
e se dirigiram para a Escola Militar da Praia Vermelha onde depuseram o seu
comandante. Então, o primeiro assumiu o comando dos militares sublevados e
no dia seguinte, 15 de novembro de 1904, levou-os à rua intentando tomar de
assalto o Palácio do Catete. Antes de lá chegarem, porém, houve um choque
frontal com as tropas legalistas, comandadas pessoalmente pelos ministros da
Guerra e da Viação, respectivamente general Argolo e general Lauro Müller.
Não tiveram sucesso os chefes do levante. O general Travassos foi ferido
na perna e morreu dois dias depois, vítima de um choque pós-operatório. Lauro
Sodré escondeu-se em casa de um amigo, mas foi localizado e preso. Dominada
a rebelião, começaram as prisões, centenas delas. Decretou-se o Estado de
Sítio. A Escola Militar da Praia Vermelha foi fechada e seus alunos expulsos. O
jornal Correio da Manhã, tido como incitador da revolta, teve sua publicação
suspensa e a imprensa em geral passou a ser censurada.
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Ficaram, pois, prejudicadas as comemorações do 15º aniversário da
Proclamação da República. Nem havia o que comemorar. Com a sublevação
militar e o envolvimento de oficiais graduados, quebrou-se a disciplina,
comprometendo a unidade militar e, ademais, ainda havia focos de insurreição
civil nas ruas.
Soube-se mais tarde que a "Guerra da Vacina" era um pretexto para uma
revolução de âmbito nacional, envolvendo outros Estados, notadamente Bahia e
Pernambuco. A determinação do Governo em dominar a revolta no Rio de
Janeiro e punir com rigor os amotinados, impediu que o movimento se alastrasse
por outras partes do país.
Limpeza e urbanização
do Rio de Janeiro
Já dissemos atrás, quando nos referíamos à peste bubônica, que nenhum
plano de saúde daria certo sem a higienização da cidade, retirando-lhe o aspecto
doentio e criando condições sanitárias que impedissem o desenvolvimento de
epidemias. Para isso, era necessária a realização de obras públicas de vulto,
que o governo, sozinho, não teria como fazer, seja pela falta de uma estrutura
de engenharia especializada, seja pela falta de recursos financeiros para um
empreendimento dessa monta.
De sua parte, o governo não podia buscar esses recursos no exterior, pois,
por cláusula contratual, o país estava proibido de realizar novos empréstimos
enquanto perdurasse a moratória da dívida externa. Essa situação não servia ao
Brasil, que precisava de capitais para o desenvolvimento, nem agradava aos
banqueiros, aos quais interessava reiniciar seus empréstimos ao país, agora que
as finanças estavam em ordem. Como sair dessa situação?
Para equacionar o problema, desenvolveu-se um projeto que matava dois
coelhos com uma só cajadada, e este consistia em entregar a execução das
obras públicas a empresas privadas, dentro de um processo de terceirização.
Com efeito, várias empreiteiras foram organizadas como sociedades
anônimas de construção, ficando encarregadas de arregimentar mão-de-obra
adequada e, como empresas privadas, esses empreiteiros negociaram
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empréstimos diretamente com os banqueiros internacionais, permitindo o aporte
de dinheiro, sem a quebra das regras contratuais da moratória assinada pelo
governo.
Foi assim que o prefeito Francisco Pereira Passos pôde remodelar a cidade,
derrubando velhos casarões, construindo largas avenidas e realizando obras de
infra-estrutura para controlar o meio ambiente. Esse trabalho iniciou-se logo na
primeira fase do governo de Rodrigues Alves, em 1903.
Para dar mobilidade ao prefeito, foi assinada uma lei específica,
concedendo-lhe amplos poderes de ação. Essa extensão de poderes não
encontrou unanimidade. Rui Barbosa criticou o que considerava excesso de
poderes nas mãos de um só homem e outros o seguiram em discursos que foram
se tornando mais inflamados, à medida em que o próprio direito de propriedade
ia sendo questionado com a desapropriação de imóveis para andamento do
projeto.
Mudando a cara da cidade
Foi assim, pois, que o Rio de Janeiro conseguiu ser reurbanizado. Ao
término do mandato, o prefeito havia mudado a cara da cidade, conforme
descreve Hélio Silva:
"Mas quando Passos leu, perante o Conselho Municipal, a sua última
mensagem de prefeito, a cidade tinha mudado, com as aberturas das
avenidas Mem de Sá, Salvador de Sá, Gomes Freire, Passos, Beira Mar,
Atlântica; o alargamento das ruas Trezes de Maio, Carioca, Assembléia,
Sete de Setembro, Marechal Floriano, Visconde de Inhaúma, Acre,
Visconde do Rio Branco, Frei Caneca, Camerino, Catete, Laranjeiras,
bulevar 28 de Setembro; construção ou reconstrução do cais Pharoux e
dos Mineiros, largo da Glória, do Róssio, do Machado, de São Domingos,
do Passo e do campo de São Cristóvão. Cortavam-se ou arrasavam-se
os morros do Castelo e do Senado, para abrir novas vias de comunicação.
A velha metrópole desaparecia, dando lugar ao Teatro Municipal, à Escola
de Belas Artes, à Biblioteca Nacional, todo o conjunto de novos edifícios
da avenida Central, as redações do Jornal do Comercio, do Jornal do
Brasil, de O País. As sedes do Clube Naval, Militar, Jockey Club Brasileiro.
Em 1906, Copacabana surge no plano da cidade, a avenida Nossa
Senhora de Copacabana, as ruas Santa Clara e Barroso (Siqueira
Campos), Salvador Correia (Princesa Isabel). Ainda não figura o traçado
da Vila de Ipanema, com a sua praia do Arpoador. Nem Leblon e a Lagoa
Rodrigo de Freitas tinham sido incluídos no processo de urbanização.
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Houve, também, a reconstrução do cais do porto, outro foco de doenças,
eliminando-se as pontes e plataformas de madeira e substituindo-as pelo
concreto. Cuidou-se do aprofundamento das águas, permitindo que navios de
grande calado pudessem chegar até o cais, evitando o trabalho e o custo do
transbordo para embarcações menores. Enfim, o Rio de Janeiro ganhou nova
aparência e nova vida, num projeto de longo prazo, que colocou a cidade entre
as maiores, mais importantes, e mais belas do mundo.
Embora com menor alarde, outras obras se realizaram pelo país afora, dentro
de um programa integrado de desenvolvimento. Não chamaram tanto a atenção
quanto as do Rio de Janeiro, por ser este a capital do país, e por ter um
considerável aglomerado populacional.
Nessa época, o Rio tinha 700 mil habitantes, amontoados no centro e
circunvizinhanças. Assim, os problemas ali tornavam-se mais complicados que
em outros lugares. Na contrapartida, quando solucionados, os resultados se
faziam ouvir aos quatro cantos do país.
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A diplomacia de Rio Branco
Outro homem ajustado seu tempo, foi José Maria da Silva Paranhos Junior,
barão do Rio Branco, nascido no Rio de Janeiro em 1845, filho do Visconde do
Rio Branco. Ainda criança, acompanhou o pai ao sul do país, quando se
negociava com a Argentina e o Uruguai a adesão do Brasil à guerra contra o
Paraguai. Interessou-se logo pela carreira diplomática e foi nesse campo que
prestou inúmeros serviços à pátria, recebendo até uma citação elogiosa do
próprio Rui Barbosa que o chamou de Deus Terminus (nos limites de Deus).
No governo Prudente de Morais, já se havia resolvido algumas questões
territoriais envolvendo a disputa com a Guiana Francesa pelo Amapá, a solução
definitiva com relação ao território das Missões, na divisa com a Argentina e a
questão levantada com a invasão, pela Inglaterra, da ilha da Trindade.
Assumindo agora o Ministério da Justiça, em substituição a J.J.Seabra, resolveu
outra pendência territorial, desta vez envolvendo questões de divisa com a
Guiana Inglesa.
Mas nenhum problema deu tanto trabalho e envolveu tantas negociações
como a questão territorial entre Brasil e Bolívia pela posse do território do Acre.
A questão do Acre
Não era uma simples disputa por questões de limite. O território do Acre
envolvia problemas econômicos, que recrudesceram com o ciclo da borracha e
a solução era difícil, mesmo em se contando com a cooperação das partes
envolvidas, e se constituía em desafio até para o hábil e experiente Rio Branco.
No princípio, era apenas uma selva, que os brasileiros foram invadindo e
povoando, sem maiores transtornos. A povoação se fez sob as vistas do governo
boliviano que não encontrava motivos para disputa. Os limites entre os dois
países nem estavam claramente definidos naquela região. Um tratado
diplomático chegara a ser assinado em 1867 pelo governo imperial mas não foi
aplicado por qualquer das partes.
As dificuldades maiores começaram em 1895, quando um aventureiro
espanhol se dispôs a levantar os moradores da região, acenando-lhes com a
possibilidade de criar ali um território autônomo, o que ameaçava a integridade
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territorial tanto do Brasil como da Bolívia. Ambos os países reiniciaram as
conversações, resultando em um novo tratado, assinado no mesmo ano. Em
1899 esse tratado foi consolidado por outro, envolvendo terras mais ao norte do
Acre, o que gerou protestos do Peru, pois a área agora envolvida era limítrofe
aos três países. Assim, a questão ficou em suspenso por tempo indeterminado,
até que uma atitude inusitada e intempestiva da Bolívia elevou a temperatura ao
ponto da fervura.
Envolvimento dos
Estados Unidos
Aconteceu que, em 1901, o governo boliviano, com o assentimento do
Congresso daquele país, e no desprezo total pelos interesses dos seus vizinhos,
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entregou todo o território do Acre ao Bolivian Syndicate, um cartel formado de
capitalistas norte-americanos, ao qual cabia explorar e administrar a área com
plenos poderes, com o que ficava ameaçada a soberania não só do Brasil, da
Bolívia e do Peru, como de toda a região norte do nosso continente, incluindo
Equador, Colômbia e Venezuela.
Na época, os Estados Unidos manifestavam abertamente sua vocação
imperialista, retirando Cuba da influência espanhola e envolvendo-se em
conflitos na América Central. Pode-se imaginar o perigo que representava a
existência de um Estado independente americano em região tão estratégica e
envolvendo a borracha, matéria prima essencial, encontrada só na Amazônia.
Aumentava a preocupação, porque esses Syndicates [cartéis], proliferavam
em outras partes do planeta e tinham um claro objetivo de firmar presença
americana em áreas do interesse daquele país, garantido sua influência cultural,
política e econômica.
Enquanto o Brasil estudava a melhor maneira de enfrentar o problema,
aconteceu que a reação veio espontaneamente dos brasileiros ali residentes,
chefiados por Plácido de Castro, nascido no Rio Grande do Sul, mas com
residência fixada no Acre.
Foi em agosto de 1902 que Plácido levantou o patriotismo dos brasileiros ali
residentes e iniciou um movimento armado contra a Bolívia. A guerra se
espalhou por todo o território, conseguindo os patriotas expulsar as forças
bolivianas estacionadas em Puerto Alonso.
A essa altura, a Bolívia preparava uma reação, com o envio de mais tropas
para a região, objetivando dominar o conflito. Por sua vez, tropas brasileiras
também foram deslocadas para a área, visando proteger a população e os
nossos interesses na região.
Enquanto, por um lado, as partes conflitantes tomavam uma posição de
força, por outro lado, o ministro da Justiça, Barão do Rio Branco agia, por via
diplomática, procurando fazer com que a Bolívia cancelasse o contrato assinado
com os empresários ianques. Depois, o Barão, por sua conta e risco, cuidou de
afastar da disputa o sindicato americano, conseguindo sua desistência do
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empreendimento, em troca de uma indenização, pelo Brasil, no valor de 126 mil
libras..
Por fim, intensificou suas gestões com a diplomacia boliviana para liquidar
de vez a questão do Acre, evitando que o problema voltasse à tona no futuro.
Em 17 de novembro de 1903, finalmente, foi assinado o Tratado de Petrópolis,
em que ficava validada a posse e soberania do Brasil sobre todo o território do
Acre.
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Não saiu barato, para o Brasil, o tratado de paz. Como indenização, a Bolívia
recebia dois milhões de libras. Ademais, o Brasil se comprometia a efetivar a
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, cortando a floresta
amazônica. Mas a compensação era grande, pois ficavam anexados ao território
brasileiro mais 180 mil quilômetros quadrados de terra rica em seringais e, com
os impostos arrecadados nos anos seguintes, foi possível ressarcir o país das
despesas havidas.
Além do mais, e não é pouco, evitou-se uma guerra entre Brasil e Bolívia, a
qual, envolvendo também interesses americanos, ninguém sabe como iria
terminar.
Outras questões de menor importância, envolvendo conflitos com o Peru
(divisas com o Acre), Equador, Colômbia, Venezuela e Guiana Holandesa, foram
resolvidas com a ação paciente desse hábil negociador.
Fim de governo
O tempo é o melhor juiz. Administrando os problemas nacionais com
determinação, Rodrigues Alves conseguiu colocar contra si setores expressivos
da sociedade brasileira e despertar a ira da população, principalmente do Rio de
Janeiro. Ao fim de mandato, ainda não estava assentada a poeira, mas as vozes
dissidentes não encontravam a mesma repercussão dos primeiros tempos.
A obra de saneamento e desenvolvimento estava realizada. O Rio de Janeiro
renasceu e o país permanecia em paz. A despeito das grandes despesas
realizadas durante a gestão, em consequência das obras contratadas, a situação
econômica do país era boa e o plano de estabilização de seu antecessor,
permanecia firme. Realizou-se um bom trabalho, mas os cofres públicos não
foram delapidados.
Mais uma etapa da vida nacional estava cumprida. Rodrigues Alves,
deixando a presidência, ainda se elege, uma vez mais, governador do Estado de
São Paulo, e depois, senador da República. Em 1818, volta a ser eleito
presidente da República, mas, desta vez, não chega a tomar posse. As razões,
você conhecerá, quando chegar o momento.
Paulo Victorino
CAPÍTULO SEIS
UM MANDATO E DOIS PRESIDENTES
AFONSO PENA E NILO PEÇANHA - 1906-1910
Durante o período de Afonso Pena, havia dois blocos em
destaque, que influíam nos destinos do governo. Um deles era
formado por jovens entusiasmados, mas românticos e
inexperientes, e, por isso, ficou conhecido como o Jardim da
Infância. Era comandado pelo mineiro Carlos Peixoto Filho,
presidente da Câmara, de 35 anos. O outro bloco tinha como líder
inconteste o gaúcho José Gomes Pinheiro Machado, sexagenário,
no auge de sua carreira política, e formava o Bloco do Morro da
Graça, onde residia o chefe.
Não há mal que sempre dure, nem há bem que nunca acabe. Sobretudo em
política, que tem uma dinâmica própria, capaz de fazer implodir os planos mais
consistentes, reduzindo-os, num piscar de olhos, a um monte de entulho. E um
projeto para durar mil anos, desaparece instantaneamente, como num passe de
mágica, assim que mudem os fatores que lhe davam sustentação.
Dois governos atrás, o Presidente Campos Sales criara a Política dos
Governadores, que, fraudando a vontade das urnas, permitia aos governos
estaduais comandar bancadas fortes dentro do Congresso Nacional e, em troca,
essas bancadas eram colocadas a serviço dos interesses do governo central.
Foi assim que o Presidente conseguiu levar adiante seu rígido plano de
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recuperação financeira para, em seguida, comandar o processo de sucessão e,
por fim, pôde entregar ao presidente eleito uma casa em ordem.
Foi também da mesma maneira que Rodrigues Alves suportou a tremenda
pressão da sociedade contra seu plano de erradicação dos surtos epidêmicos
que atingiam o Rio de Janeiro e, também em nível nacional, encetar a política de
desenvolvimento que o país estava a reclamar. Para um e outro estadista, não
lhes faltou o apoio dos caciques estaduais, e das bancadas que eles
comandavam.
Todavia, a força da Política dos Governadores, em muito se assemelha à
dureza dos diamantes, capazes de cortar os mais rígidos materiais, mas que, a
um toque bem dado, perdem sua estrutura, estilhaçando-se em milhares de
pedaços.
E foi o que aconteceu quando a oligarquia cafeeira pretendeu transferir para
os cofres do governo os prejuízos que se anunciavam com a superprodução e a
ameaça de baixa dos preços do café. Acenaram eles para a política de proteção
aos investimentos, um vício de que o capitalismo brasileiro não conseguiu se
livrar até os dias de hoje.
Esta é a regra geral. Com as vacas gordas, se faz a capitalização dos lucros,
no melhor estilo liberal; com as vacas magras, promove-se a socialização dos
prejuízos, com uma volúpia que não se encontra nem nos regimes de economia
estatal centralizada.
O Convênio de Taubaté
A crise do café era um acontecimento previsível a quem acompanhasse o
desenvolvimento dessa cultura. A lavoura cafeeira, que estava concentrada no
Estado do Rio de Janeiro, atravessou as fronteiras e caminhou por São Paulo,
em direção ao vale do Paraíba. Avançando mais, encontrou as terras roxas,
ainda virgens. Depois, seguindo por Campinas em direção à Alta Paulista,
pretendiam alcançar as barrancas do rio Paraná e, de Sorocaba, iam em direção
à Alta Sorocabana, num caminho que parecia nunca mais ter fim.
O Brasil era um país de vocação agrícola, como já o dissera um Presidente,
todavia, sequer tínhamos um ministério da agricultura para prover a
diversificação das plantações de forma a garantir várias culturas, com
perspectivas de encontrar mercado que as absorvesse.
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Deixando na conta dos fazendeiros, num liberalismo perigoso e
inconsequente, a corrida se deu exclusivamente em favor do café, sem levar em
conta que o mercado tem uma capacidade limitada de compra. E aconteceu que,
em 1905, São Paulo tinha plantados já 600 milhões de pés de café, com uma
produção pronta e encalhada de 11 milhões de sacas de 60 quilos.
Alarmados com a bomba que estava para explodir, reuniram-se na cidade de
Taubaté, vale do Paraíba, os presidentes do Estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá,
de Minas Gerais, Francisco Sales, e do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, resultando
desse encontro um convênio, assinado em 26 de fevereiro de 1906, pelo qual se
iniciava uma política de preços mínimos, lastreados em ouro, sobretaxando o
valor-ouro, e recomendando empréstimos para a estocagem do produto com
objetivo de forçar a alta no mercado. Esse acordo previa, também, uma política
de contenção de plantio, taxando-se violentamente qualquer novo
empreendimento nesse setor.
Quem pagaria essa conta? Ah, sim, a execução do projeto era transferida ao
governo federal, que nem fora consultado a respeito, o qual deveria arrecadar a
taxa-ouro e aplicá-la no pagamento das dívidas contraídas pelo Estado.
Rodrigues Alves, já em fim de governo, ao saber do convênio, manifestou-se
contra ele e, no que toca ao governo federal, não tomou qualquer providência
para tornar possível sua execução.
Em represália, os cafeicultores resolveram interferir diretamente na sucessão
presidencial, articulando, eles mesmos, as candidaturas do mineiro Afonso
Pena, para presidente, e do governador fluminense Nilo Peçanha, para vice.
São Paulo, que já tinha feito três presidentes consecutivos, preferia abrir a
mão de um quarto candidato para evitar que o nome escolhido pelo Presidente
viesse a contrariar os seus interesses.
Afonso Pena, o escolhido, estava comprometido com a política do café, e Nilo
Peçanha, como governador do Rio, era um dos signatários do Convênio de
Taubaté. Falhou a Política dos Governadores e Rodrigues Alves, deixou, assim,
de fazer o seu sucessor.
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Os postulantes à presidência
O candidato presidencial do gosto do Presidente seria Bernardino de Campos,
mas este praticamente queimou sua candidatura com uma entrevista
contundente dada ao jornalista Alcindo Guanabara, do jornal O País, em que
criticava o presidente Rodrigues Alves e pedia uma revisão constitucional para
reorganizar a nação, atingindo também, em sua fala, outras forças presentes na
vida nacional, como a oligarquia rural.
O gaúcho Pinheiro Machado, a esta altura, já tinha domínio político amplo, era
líder de uma forte bancada no Congresso Nacional e pretendia se lançar
candidato, levantando a bandeira de seu Estado, o Rio Grande do Sul.
Sua estratégia, bem-sucedida, foi usar o apoio dos estudantes de Direito de
São Paulo para lançar a candidatura de Campos Sales, com o objetivo de dividir
os paulistas e, assim, enfraquecer a pré-candidatura de Bernardino de Campos.
Resultou que os três saíram enfraquecidos e, nessa situação, não lhes restou
alternativa senão apoiar Afonso Pena.
Para os articuladores desta opção, só faltava agora neutralizar a candidatura
de Rui Barbosa, pleiteada pelo Estado da Bahia. Mas ele próprio se convenceu
da inviabilidade de seu nome e, por fim, resolveu, também apoiar Afonso Pena,
que foi eleito em março e tomou posse em 15 de novembro de 1906.
Note-se que, com a máquina dominando tudo, o eleitorado tinha muito pouco
a decidir, pois já recebia da cúpula um prato feito, e a opção era pegar ou largar.
As forças políticas se aglutinavam em torno de um único nome, limitando ou
eliminando a liberdade de escolha.
Ademais, o voto não era obrigatório, as mulheres não tinham direito a voto e
o alistamento dos eleitores era feito pelos próprios partidos, através de seus
cabos eleitorais. Nesse processo de alistamento eleitoral, criava-se facilidades
para os correligionários e dificuldades à oposição.
Por fim, se tudo isso falhasse, o voto a descoberto, ou a bico de pena permitia
o controle da vontade dos eleitores. E, se ainda assim a votação estivesse
apertada, era possível falsear as atas eleitorais, até chegar ao resultado
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pretendido. Com todos esses recursos, durante a primeira República, o sistema
nunca perdeu uma eleição. E, como se viu, na mais completa lisura.
Quem era Afonso Pena
Afonso Augusto Moreira Pena, nascido em Minas Gerais em 1847, não era
um republicano histórico. Toda sua carreira política se desenvolveu à sombra do
Império, ao qual serviu até o último momento.
Estudou na Faculdade de Direito do largo de São Francisco, juntamente com
Rodrigues Alves. Ingressa depois no Partido Liberal e, em 1874, se elege
deputado provincial. Quatro anos mais tarde, vai para a Câmara de Deputados,
onde cumpre quatro legislaturas, de 1878 a 1889, quando houve a mudança do
regime. Servindo o Império, foi ministro da Guerra em 1882, da Agricultura em
1883 e da Justiça em 1885.
Proclamada a República, elege-se deputado constituinte em 1890. Depois, em
1892, passa a ser o presidente do Estado de Minas Gerais. Terminado o
mandato, torna-se, por três anos, presidente do Banco da República. Em 1899
elege-se senador, voltando ao parlamento.
Quando se tornou Presidente do Estado, em 1892, a capital de Minas Gerais
ainda era a Vila Rica do Ouro Preto. Cuidou, pois, de construir, 40 quilômetros
ao norte, uma nova cidade, planificada, destinada a ser em definitivo a capital de
Minas Gerais.
Foi assim que surgiu Belo Horizonte, inaugurada na passagem de governo
ao seu sucessor. Em sua homenagem, a via principal da cidade tem o nome de
avenida Afonso Pena.
Mergulhado de corpo e alma na política brasileira, por mais de 30 anos, em
contato diuturno com os problemas nacionais, parecia ser, dentre todos, o mais
apto a galgar o posto mais alto da vida pública, qual seja, a Presidência da
República.
- 080 -
As forças políticas
Tomando-se como exemplo os Estados Unidos da América, constatamos a
existência, naquele país, de duas correntes de opinião, que se aglutinam,
respectivamente, em torno do Partido Republicano e do Partido Democrata.
Há centenas de minorias com liberdade para se expressar politicamente,
mas, na essência, os únicos que tem peso suficiente para influir são os
republicanos e os democratas, dominando o cenário em um bipartidarismo
natural, posto que representam, em sua quase totalidade, as duas principais
correntes da opinião nacional.
Ao contrário, a cultura política do Brasil (e isto vale até os dias de hoje) nunca
proporcionou a criação de partidos políticos fortes, com ideologia marcante,
capazes de representar as várias correntes de opinião pública.
Na prática, a política brasileira não se desenvolve em torno de partidos, mas
de blocos de interesse que, ao sabor dos acontecimentos, se formam e se
desmancham, para voltar mais tarde com nova composição e novos interesses.
Durante o período de Afonso Pena, havia também dois blocos em destaque,
que influíam nos destinos do governo. Um deles era formado por jovens
entusiasmados, mas românticos e inexperientes, e, por isso, ficou conhecido
como o Jardim da Infância. Era comandado pelo mineiro Carlos Peixoto Filho,
presidente da Câmara, de 35 anos.
O outro bloco tinha como líder inconteste o gaúcho José Gomes Pinheiro
Machado, sexagenário, no auge de sua carreira política, e formava o Bloco do
Morro da Graça, onde residia o chefe.
Já vimos, em tópico anterior, a habilidade de Pinheiro Machado em atrair
Campos Sales para a disputa eleitoral, dividindo São Paulo e permitindo a
eleição de um mineiro para a Presidência. E é ele que vem dar trabalho ao novo
governo que, para não perder sua sustentação no Congresso, teve de apoiar-se
no Jardim da Infância de Peixoto Filho.
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O Ministério
O primeiro ministério de Afonso Pena ficou assim formado:
Relações Exteriores, José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio
Branco, 61 anos, nome incontestável mesmo entre os oposicionistas do
governo; Justiça, Interior e Instrução Pública, Augusto Tavares Lima, 47
anos, ex governador de Minas; Fazenda, Davi Moretzson Campista,
carioca, 43 anos, deputado federal; Viação e Obras Públicas, Miguel
Calmon du Pin e Almeida, baiano, descendente do Marquês de Abrantes;
Guerra, marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, 51 anos, sobrinho do
marechal Deodoro. Este foi, mais tarde, substituído pelo general Luís
Mendes de Morais, primo do ex-presidente, Prudente de Morais; Marinha,
Almirante Alexandrino de Alencar, gaúcho, 58 anos, um dos participantes
da Proclamação da República.
O governo de Afonso Pena
Com a casa deixada em ordem pelos seus antecessores e com o crédito
exterior reabilitado, Afonso Pena não tinha qualquer compromisso com a
austeridade econômica, e tinha todos os compromissos com a minoria que lhe
propiciou a candidatura e garantiu sua eleição.
O Convênio de Taubaté, que alterara os rumos das eleições presidenciais,
estava agora aprovado pelo Congresso Nacional, por maioria esmagadora. Na
Câmara, a aprovação se deu por 107 contra 15 votos e no Senado, por 31 contra
6 votos. Essa votação tinha acontecido ao final do governo de Rodrigues Alves,
e a revelia deste.
Como a criação de uma Caixa de Conversão, conforme previsto no Convênio,
dependia de leis complementares, os interessados esperaram a mudança de
governo para concluir os trâmites, o que aconteceu sem maiores problemas.
Afonso Pena, que, quando governador de Minas, já construíra uma cidade
para abrigar a nova Capital do Estado, sonhava agora em marcar sua passagem
pela Presidência da República com a realização de grandes obras, abrangendo
o país inteiro. Incluia, em seus planos, ferrovias cortando o Brasil por todos os
quadrantes, e a tão sonhada ferrovia Norte-Sul, ligando Belém do Pará a Porto
Alegre.
- 082 -
Num primeiro momento, as linhas já existentes seriam prolongadas, ao norte,
até as barrancas do Rio São Francisco e, ao sul, partindo de São Paulo, pela
Alta Sorocabana, e atravessando os Estados do Paraná e Santa Catarina, até a
capital do Rio Grande do Sul.
Na Alta Paulista, partindo de Bauru, um novo ramal seguiria a noroeste,
atravessando o Estado do Mato Grosso, até chegar a Santa Cruz de la Sierra,
na Bolívia. E projetava, mais, reforma de portos, melhoria da vida nas cidades,
subsídio às indústrias, etc., etc.
O Brasil vivia um daqueles momentos de euforia, esquecendo-se de um
detalhe muito importante: todo o progresso vinha sendo conseguido com o
dinheiro fácil dos empréstimos no exterior, ou seja, sacava-se outra vez sobre o
futuro, deixando as dívidas para serem pagas pelos governos seguintes. Era
mais uma das pedaladas, as quais o Brasil se acostumou a ver no decorrer de
sua história.
Pondo-se de lado esse fato, no mais, o quadriênio foi profícuo em obras,
embora não tenha conseguido levar a efeito todo o plano, por demais ambicioso
para um período tão curto.
Rondon, o marechal da paz
Dentro do plano de expansão e desenvolvimento do governo Afonso Pena,
surge mais um nome para a página de heróis brasileiros: Cândido Mariano da
Silva Rondon, nascido em 1865 na cidade de Mimoso, Estado do Mato Grosso.
Estudou na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro e, em 1890,
formou-se em Ciências Físicas, Naturais e Matemáticas.
Em 1894 ingressa para a comissão construtora de linhas telegráficas que
ligam Goiás a Mato Grosso. É nessa atividade que surge sua primeira
oportunidade de contato com rudes fazendeiros, escravos maltratados e índios
desconfiados e hostis para com os homens brancos.
- 083 -
Desenvolve, então um trabalho de pacificação, conseguindo dos órgãos
governamentais a demarcação de terras de vários povos indígenas. Sem esse
programa paralelo de relacionamento com as tribos selvagens, seria impraticável
a instalação das linhas telegráficas em pleno sertão, e menos ainda, garantir o
seu funcionamento regular, evitando depredações.
Assim, em 1910, conseguiu que o governo promovesse a criação do Serviço
de Proteção ao Índio (SPI), precursor da FUNAI, que ficou sob sua direção.
Com esse processo integrado de engenharia e de socialização dos silvícolas,
foi possível fazer com que a rede de telégrafos chegasse até o Estado do Acre,
atravessando quase dois mil quilômetros de florestas e desenvolvendo uma
riquíssima experiência com a participação, também, de geógrafos e naturalistas.
Seu trabalho foi, finalmente, reconhecido quando, em 1955, o Congresso
Nacional aprovou uma lei especial que lhe dava o posto de marechal do Exército.
Rondon veio a falecer em 1958.
- 084 -
Imigração e progresso
No governo Afonso Pena surgiu uma nova onda imigratória, de várias
nacionalidades e para diversos pontos do país. Os italianos foram para o interior
de São Paulo, os alemães, para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os
poloneses e russos, para o Paraná, chegam novas levas de portugueses e
também de libaneses, estes últimos que a população se habituou chamar,
carinhosamente de turcos.
A economia continuava centralizada no café e na borracha, produtos dos quais
ainda éramos os grandes exportadores. Da borracha por exemplo, o Brasil
conseguia suprir 80 por cento das necessidades do mercado internacional.
Com relação à borracha, vivendo o presente mas desdenhando o futuro,
vivemos uma situação que não perduraria por muitos anos, pois, dependendo
exclusivamente de seringueiras nativas, e sem que os produtores se
preocupassem em fazer uma plantação regular e ordenada, acabamos perdendo
mercado para outros novos países, especialmente a Malásia.
O país podia contar, afinal, com um modesto desenvolvimento industrial, com
tecelagens e indústrias de bens de consumo, tudo para venda no mercado
interno. O futuro da indústria era promissor, pelos incentivos oficiais que recebia
e pela chegada de imigrantes que vinham reforçar a mão-de-obra nas cidades.
Diplomacia
O Barão do Rio Branco, confirmado uma vez mais na pasta de Relações
Exteriores, prosseguiu em seu trabalho diplomático de resolver questões com os
países vizinhos, atuando no sentido de delimitar as fronteiras passíveis de litígio,
especialmente com a Colômbia, a Venezuela, o Peru e o Uruguai.
Em 1907, Rui Barbosa foi indicado para representar o Brasil na Conferência
de Paz de Haia (Holanda), defendendo ardorosamente o princípio de igualdade
de todas as nações soberanas, independentemente de sua projeção.
Rui impressionou a todos com sua oratória e, num feito extraordinário, obteve
a aprovação de seu projeto de criar uma Carta Internacional de Arbitragem para
resolver conflitos internacionais.
- 085 –
Tamanha a impressão causou que seu nome foi incluído entre os Sete Sábios
de Haia, assim escolhidos: Rui Barbosa, Barão Marshal, Nelidoff, Choate, Kapos
Meye, Léon Bourgeois (Prêmio Nobel da Paz em 1920) e Conde Tornieli. Para
nós, Rui ficou para sempre conhecido como A Águia de Haia.
A sucessão presidencial
Descuidando-se do fato de que o poder central já não tinha mais aquela força
que lhe era dada pela Política dos Governadores, Afonso Pena, pretendendo
seguir o exemplo de seus antecessores, assumiu a tarefa de coordenar a
escolha de um candidato às próximas eleições presidenciais e jogou todas as
cartas sobre o nome de seu ministro da Fazenda, o jovem Davi Campista,
contrariando, com isso, as pretensões veladas de outros auxiliares e, o que é
pior, levantando a fúria do todo poderoso Pinheiro Machado, que detinha o
controle do Congresso Nacional.
O escolhido pelo Presidente, como se recorda, era um dos egressos do Jardim
da Infância e não tinham, nem ele, nem seus companheiros, lastro político para
sustentar uma luta dessa envergadura.
Entre os governistas, a candidatura não despertou interesse maior. Se os
caciques republicanos não lhe faziam franca oposição, também não tinham
motivos para cruzar lanças nesse terrível embate que é o processo eleitoral,
menos ainda se dispunham a queimar seu prestígio por um nome de menor
projeção, e que não tinha qualquer identificação com as forças políticas
dominantes.
Já o grande opositor, Pinheiro Machado, viu nesse lance a grande
oportunidade de provocar uma cisão dentro do governo e, manhosamente,
insinuando-se entre oficiais militares de prestígio, conseguiu convencer o seu
conterrâneo marechal Hermes da Fonseca, então ministro da Guerra, a se lançar
candidato, reavivando o saudosismo dos governos fortes de Deodoro e Floriano.
Era o florianismo que renascia do meio das cinzas.
- 086 -
Os acontecimentos se precipitam. Em 12 de maio de 1909, aniversário do
Hermes, o capitão Jorge Pinheiro, lança a candidatura do marechal, fazendo, em
presença do ministro, severas críticas ao governo.
Animado, o marechal apresenta a Afonso Pena uma carta seca e ríspida,
pedindo demissão do Ministério. Na ocasião, assegurou ao Presidente que não
se envolveria no processo eleitoral, mas, no dia seguinte, enviou uma carta a
Afonso Pena, retificando sua posição.
Rui Barbosa, sondado a respeito por Pinheiro Machado, descarta seu apoio,
não por ser o candidato um militar, mas pelo tom militarista com que a campanha
havia sido lançada.
Finalmente, no dia 19, em protesto contra tal candidatura, o deputado Carlos
Peixoto Filho, renuncia à presidência da Câmara, solidarizando-se com o
presidente da República. Com essa renúncia, bem intencionada mas ineficaz,
desfaz-se também o bloco de apoio presidencial, o chamado Jardim de Infância.
O Presidente ficou só, completamente só. O golpe foi pesado demais,
levando-o à depressão, à doença e ao fim. No dia 14 de junho de 1909, após
dois meses de crise política, morria Afonso Pena, assumindo em seu lugar o
vice, Nilo Peçanha.
Quem era Nilo Peçanha
Nilo Procópio Peçanha nasceu em Campos, Estado do Rio, em 1867. Vindo
de origem humilde, lutou muito para realizar seus estudos na própria cidade
natal. Concluído o colégio, foi para Recife, onde matriculou-se na Faculdade de
Direito. No ano de 1887, já advogado, retornou à cidade de Campos onde
montou um escritório de advocacia.
Idealista e vivamente interessado pela política e pelos problemas sociais do
país, participou da campanha abolicionista e, depois, lutou pela Proclamação da
República. Foi deputado constituinte, deputado federal e, em 1903, elege-se
governador do Rio de Janeiro, em substituição a Quintino Bocaiúva. Em 1906,
elege-se vice-presidente da República.
- 087 -
Assumindo o governo, pela morte de Afonso Pena, reorganizou o gabinete,
criando um novo ministério para cuidar de assuntos da agricultura, indústria e
comércio. Foram seus ministros:
Relações Exteriores, Barão do Rio Branco; Justiça, Esmeraldino
Bandeira; Fazenda, Leopoldo de Bulhões; Viação, Francisco de Sá;
Guerra, Carlos Eugênio de Andrade Guimarães; Marinha, Alexandrino de
Alencar; Agricultura, Indústria e Comércio, Antônio Cândido Rodrigues.
- 088 -
Embora sendo um político habilidoso, não teve como registrar sua passagem
pelo governo, tanto mais que assumiu para si a responsabilidade de prosseguir
o plano traçado por seu antecessor. Ademais, além do curto tempo que lhe
restava, pouco mais de um ano, recebeu o governo embaralhado com a disputa
presidencial, que se desenvolvia com dinâmica própria, afetando a presidência
da República, sem que o Presidente pudesse fazer alguma coisa para mudar o
rumo dos acontecimentos.
Como se não bastasse, havia desentendimentos entre ruralistas mineiros e
paulistas sobre a execução do Convênio de Taubaté, ocasionando disputas que
se prolongaram até o fim do mandato.
Honra lhe seja feita, teve a humildade de dar continuidade ao governo anterior,
não se induzindo à tentação de criar novos planos para um período tão curto
(faltavam 15 meses para se encerrar o mandato), o que seria ineficaz e custoso
para o país.
Entregue a faixa presidencial ao sucessor, permaneceu na vida política, tendo
sido uma vez mais Governador do Rio de Janeiro, elegeu-se duas vezes
senador, foi Ministro das Relações Exteriores no governo de Venceslau Brás e
tentou voltar à presidência em 1921, sendo derrotado. Faleceu no Rio de Janeiro,
em 31 de março de 1924.
Paulo Victorino
CAPÍTULO SETE
A POLÍTICA DE SALVAÇÃO NACIONAL
HERMES DA FONSECA - 1910-1914
A campanha à presidência da República teve um cenário bem
definido de polarização. De um lado, o candidato militarista,
marechal Hermes da Fonseca e, de outro, o candidato civilista Rui
Barbosa. Um dos pontos positivos da candidatura Hermes foi a
reação do Movimento Civilista que, pela primeira vez, na História
da República, levou o povo às ruas, pelo país afora, ouvindo e
aplaudindo a oratória brilhante de Rui Barbosa e criando um divisor
de águas na política nacional. Como o voto era facultativo e
sabidamente fraudado, o alistamento da classe média era
insignificante, já que ninguém se propunha a entrar num jogo de
cartas marcadas, referendando um processo inválido.
Os acontecimentos que levaram à candidatura de Hermes da Fonseca, foram
antes o resultado de uma trapalhada aprontada pelo próprio presidente Afonso
Pena, ao apresentar o nome de seu jovem ministro, Davi Moretzson Campista
como candidato oficial do governo, sem fazer antes qualquer sondagem às
forças que lhe davam sustentação. Maior prudência seria necessária, não
apenas em atenção aos seus aliados, mas porque Campista era egresso do
Jardim de Infância e tal indicação ia bater de frente contra a bancada controlada
pelo seu opositor, Pinheiro Machado, provocando um terremoto no Congresso.
- 090 -
Ainda em tempo de recuar, Afonso Pena insistiu em manter essa indicação, e
não foi por falta de aviso. Consultado, Rui Barbosa expôs sua opinião, alto e a
bom som, alertando o Presidente sobre a imaturidade do candidato, além do que
este não tinha tradição para conseguir se impor às correntes políticas nos vários
Estados.
Tentou o Presidente obter apoio de São Paulo e Minas mas só recebeu
evasivas. Consultando o Barão do Rio Branco, reserva moral da nação, este
escusou-se diplomaticamente a se envolver no assunto.
Que mais faltava, a guisa de sinalização, para indicar ao Presidente que o
caminho escolhido era incerto e perigoso, e deveria ser abandonado? Pois o
recuo, lamentavelmente, não estava em seus planos, e aconteceu o previsível.
No Congresso, Pinheiro Machado, que era militar, começou, então, a articular
a candidatura do Ministro da Guerra, marechal Hermes da Fonseca, o que levou
Carlos Peixoto Filho a renunciar à presidência da Câmara, perdendo o
Presidente a sua já precária base parlamentar.
No Exército, militares saudosos do florianismo, lançaram a candidatura do
marechal como representativa das Forças Armadas, dando-lhe, pois, um caráter
militarista, mal disfarçado com o nome do civil Venceslau Brás, apontado para
vice.
Civilismo versus militarismo
Forma-se, então, um movimento oposicionista, com a candidatura civilista de
Rui Barbosa, tendo como vice o ex-governador de São Paulo, Albuquerque Lins,
ambos sustentados, em sua campanha, com o dinheiro dos cafeicultores
paulistas e, portanto, sujeitos a um esquema político pré-definido.
Viajando pelo Brasil, Rui Barbosa se atirou à sua pregação com um fervor
missionário, levantando multidões, ao denunciar a máquina política montada
desde os primórdios da República, que impunha nomes, controlava a votação e,
como se não bastasse, fraudava as atas, para garantir a eleição de seu
escolhido.
- 091 -
Procurando isentar-se de qualquer preconceito contra o Exército, Rui
Barbosa, em carta a Hermes da Fonseca, deixa claro que "...a farda de que veste
[o marechal] não constitui objeção ao exercício dessa magistratura suprema.
Nada exclui, entre nós, o militar, de servir ao país nesse posto, uma vez que ele
se não confira ao militar, mas ao cidadão. (...) Assim, se o honrado marechal
saísse do Congresso, do seio de um partido, ou de um passado político para a
situação de chefe do Poder Executivo, o fato seria natural e a sua candidatura
teria sido acolhida com o meu imediato assentimento".
Posta nestes termos, a campanha deixava de ser um embate entre dois
candidatos à presidência, transformando-se claramente em confronto entre o
civilismo, representado por Rui Barbosa, e o militarismo, na pessoa do marechal
Hermes da Fonseca.
Assim se desenvolveu a propaganda, e a pregação de Rui deu origem ao
chamado Movimento Civilista, que levantou o país durante todo o ano de 1909,
até as eleições de 1910.
O Movimento Civilista
Um dos pontos positivos da candidatura Hermes foi a reação do Movimento
Civilista que, pela primeira vez, na História da República, levou o povo às ruas,
pelo país afora, ouvindo e aplaudindo a oratória brilhante de Rui Barbosa e
criando um divisor de águas na política nacional.
Como o voto era facultativo e sabidamente fraudado, o alistamento da classe
média era insignificante, já que ninguém se propunha a entrar num jogo de cartas
marcadas, referendando um processo inválido.
A situação não mudou e o próprio Rui antecipava isso nas campanhas,
deixando claro que a possibilidade de ganhar nas urnas e ser validado pelo pela
Comissão Verificadora era praticamente nula, mas, a voz que não se conseguia
ouvir nas urnas, tinha agora a possibilidade de se fazer ouvir nas ruas.
Os eternos ausentes, desta vez, se alistaram e incentivaram outros a fazê-lo.
A classe média começou a exercer sua função na política nacional, como
formadora de opiniões e multiplicadora de idéias. E Rui Barbosa lançou o seu
Credo Político, como base de sustentação ao governo, que vale à pena ler:
- 092 -
"Creio na Liberdade onipotente, criadora das nações robustas; creio na
Lei, a primeira das suas necessidades; creio que, neste regime, soberano
é só o Direito, interpretado pelos tribunais; creio que a República decai
porque se deixou estragar, confiando-se às usurpações das forças; creio
que a Federação perecerá se continuar a não acatar a justiça; creio no
Governo do povo pelo povo; creio, porém, que o Governo Popular tem a
base da sua legitimidade na cultura da inteligência nacional, pelo
desenvolvimento nacional do ensino, para a qual as maiores liberdades
do erário constituirão sempre o mais reprodutivo emprego da riqueza
comum; creio na Tribuna sem fúrias, e na Imprensa sem restrições;
porque acredito no poder da razão e da verdade; Creio na moderação e
na tolerância, no progresso e na tradição; no respeito e na disciplina, na
impotência fatal dos incompetentes e no valor insuprível das
capacidades."
E Hermes ganhou a eleição...
Tudo aconteceu direitinho como Rui antecipara em sua campanha. Em 1º de
março de 1910 um novo eleitorado foi às urnas para registrar a sua vontade e,
mais uma vez, a escolha popular foi fraudada, deste o sufrágio até a confirmação
pela Comissão Verificadora.
A principal concentração eleitoral do país estava nas capitais e foi nelas que
Rui conseguiu arregimentar a maior quantidade de novos eleitores. No interior,
o voto de cabresto e o poder sem fim dos coronéis impediam maior avanço da
oposição.
Pois foi nas capitais que as sessões eleitorais, na sua maioria, não se abriram,
seja pela falta de mesários, ou por conflitos que impediram seu funcionamento.
O próprio Rui Barbosa e seus assessores passaram o dia procurando por uma
sessão que estivesse aberta e na qual pudessem votar.
Durante a apuração, as fraudes ocorreram de um lado e do outro. Partidários
da oposição, tal qual seus adversários, souberam bem manipular as atas,
falseando-as em proveito próprio. O jornal O País fez vazar uma circular
endereçada aos chefes civilistas, na qual se recomendava que, ao preencher as
atas nas sessões eleitorais sob seu controle, fizessem diminuir 20 por cento no
total de votos de Hermes, acrescentando-os ao total de votos de Rui.
- 093 -
Rui Barbosa ganhou, com pequena vantagem, no Distrito Federal (Rio de
Janeiro), em sua terra natal, a Bahia, e nos Estados sob o controle da oligarquia
que o apoiou, como em São Paulo e Minas Gerais.
No restante do país, o resultado a favor de Hermes da Fonseca foi
acachapante. Por exemplo, no bloco de Estados formado por Amazonas, Pará,
Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte, cerca de 95 por cento dos votos válidos
foram para Hermes da Fonseca.
A luta de Rui Barbosa prosseguiu no Congresso Nacional, junto à Comissão
Verificadora e, mais tarde, na Justiça, procurando provar a inelegibilidade do
vencedor, já que ele era um candidato sem título de eleitor, não estando, pois,
no gozo de seus plenos direitos políticos, conforme determinava a lei. O
marechal era alistável (tinha direitos) mas não se alistou (perdeu esses direitos).
Toda retórica resultou nula. O nome de Hermes foi homologado e, em 15 de
novembro de 1910, era o marechal empossado na presidência da República, em
substituição a Nilo Peçanha.
Quem era Hermes da Fonseca
Hermes Rodrigues da Fonseca nasceu em 1855 na cidade de São Gabriel,
Rio Grande do Sul, 300 quilômetros a sudoeste de Porto Alegre. Era sobrinho do
marechal Deodoro e, bem cedo, abraçou a carreira militar. Mantendo-se
afastado da política, seu nome não alcançou, durante o Império e no início da
República, a notoriedade do tio. Em 1906, foi ministro da Guerra do governo
Afonso Pena e só então, obteve o posto de marechal do Exército.
Foi eleito presidente da República em março de 1910, e como ainda faltavam
mais de oito meses para a posse, aproveitou esse lapso para fazer uma
tumultuada viagem à Europa.
Ao passar pela Alemanha, foi convidado pelo Kaiser Guilherme II para assistir
manobras militares. Esse ato provocou protestos de seus adversários, e uma
reação negativa por parte da França, pois o treinamento de nosso pessoal de
Exército e Marinha era feito pela missão militar francesa, surgindo, então, a
desconfiança de que o interesse de Hermes era romper o contrato vigente e
assinar um acordo com a Alemanha para prosseguir na tarefa.
- 094 -
Já em Portugal, sua visita trouxe uma infeliz coincidência, pois, quando era
recepcionado pelo rei, chega a notícia de que se iniciara a revolução republicana
que pôs fim ao Império luso.
Durante seu governo, morre sua esposa, e Hermes vem a contrair núpcias
com a jornalista e caricaturista Nair de Teffé, que não perdoava, na ironia de
seus traços, as figuras mais representativas da política (diz uma piada que
Hermes se casou com a jornalista só para se livrar dela no jornal...)
Nair de Tffé foi uma das mais avançadas figuras femininas da primeira
República. Introduziu nos salões a música popular brasileira, numa época em
que nossas modinhas eram consideradas música de taverna. E não teve dúvidas
em apoiar a vilipendiada compositora Chiquinha Gonzaga, levando-a para tocar
e cantar no palácio.
Pelos anos sessenta, já viúva, e com a parca aposentadoria que recebia dos
cofres públicos, dedicou-se a criar algumas crianças que adotara. E, presente a
um programa de TV, não hesitou em fazer uma caricatura do então presidente
Costa e Silva.
O novo ministério ficou assim constituído:
Relações Exteriores, José Maria da Silva Paranhos, Barão do Rio
Branco; Justiça, Interior e Instrução Pública, Rivadávia da Cunha
Corrêa; Fazenda, Francisco Antônio de Sales; Viação e Obras
Públicas, J.J.Seabra; Agricultura, Pedro de Toledo; Guerra, general
Emilio Dantas Barreto; Marinha, Almirante Joaquim Marques
Batista de Leão.
Durante a festa, um canhonaço
No dia 22 de novembro de 1910, sete dias após a posse, quando se verificava
uma recepção a bordo do navio português Adamastor, com a presença do novo
Presidente e de todo o ministério, ouve-se um sonoro troar de canhão, vindo de
uma das peças da esquadra brasileira, causando preocupação e alarme entre
os presentes.
- 095 -
A mudança de governo não se fazia em clima de absoluta tranquilidade. O
Presidente, se contava com ampla cobertura das Forças Armadas, não era
unanimidade entre os militares e, como já se viu, tinha uma oposição consistente,
vinda de interesses contrariados e momentaneamente fora do poder. Além do
mais, na formação de seu Ministério, foi afastado o nome do anterior ministro da
Marinha, almirante Alexandrino de Alencar, despertando animosidade nos meios
castristas.
Tudo isso passava instantaneamente pela cabeça daqueles que participavam
da festividade, menos a verdadeira razão daquele tiro inusitado, que nada tinha
de saudação ao novo governo. Não era a Marinha, como arma, que se revoltava,
mas sim os marinheiros da esquadra, sob a chefia de João Cândido, marinheiro
de primeira classe. A sedição envolvia os navios Minas Gerais (sede da revolta),
São Paulo, Deodoro e Bahia, ameaçando se alastrar pelos demais vasos de
guerra.
Em radiograma ao presidente da República, transmitiram suas
reivindicações: queriam a abolição do castigo da chibata, humilhante, doloroso
e mutilador.
A Revolta da Chibata
O castigo pela chibata (chicote com pregos) não era coisa nova e vinha, já,
desde os tempos do Império. Abolido pelo Governo Provisório, foi reintroduzido
por um decreto, ainda no mesmo governo, dado que os oficiais da Marinha
consideravam impossível manter a ordem dentro da corporação, se não
tivessem um meio eficaz de coerção à indisciplina dos marinheiros.
E não era para menos. À falta de voluntários, os marinheiros eram recrutados
pelos processos mais variados e, muito à revelia dos escolhidos, para um
período de serviço de quinze anos. Entre eles havia tanto gente da pior espécie,
recolhida a bordo, quanto meninos de doze ou treze anos, expulsos de casa
pelos pais, e que iniciavam o aprendizado da profissão como grumetes.
A disciplina se fazia rígida até para os padrões militares, com trabalho pesado
e prolongado, e com raríssimas folgas para pisar em terra firme. Era a
escravidão, abolida no fim do Império, mas que permanecia com todos os seus
horrores a bordo dos navios, recebendo a chancela da lei.
- 096 –
Qualquer marinheiro faltoso, dependendo da gravidade de sua falta, recebia
desde uma pena leve, como prisão numa solitária, por três dias, até a pena de
25 chibatadas, limite raramente respeitado, podendo a violência ser estendida
até a inconsciência e a morte do infeliz. A aplicação da chibata era tão frequente
que havia até mesmo carrascos designados dentro de cada navio, para a
aplicação do castigo.
Os protestos dos marinheiros já vinham sendo feitos veladamente, por
bilhetes anônimos, que, se descobriu, eram redigidos por um marinheiro
intelectual, Francisco Dias Martins, conhecido como mão negra.
Não conseguindo, nem assim, sensibilizar os oficiais, agora, a revolta estoura
com toda sua fúria, ficando o mão negra encarregado da comunicação escrita.
O comando permaneceu nas mãos de João Cândido, rude marinheiro, incapaz
de medir as consequências de cada ato e de deter as mãos assassinas que, com
seus atos de barbárie, iam criando uma situação irreversível e tornando
impossível a conciliação.
- 097 -
A vitória aparente
Para se ter ideia da violência, nenhum oficial a bordo, do mais graduado, ao
mais simples, ficou vivo. Foram todos mortos e colocados em câmara-ardente.
Depois, os marinheiros, em radiogramas enviados à terra exigiam além da
eliminação da chibata, também a anistia geral pelos crimes cometidos. Exigiam
mais - pasmem! - a presença, a bordo, do próprio presidente da República, para
completar as negociações, ameaçando destruir a cidade, se não fossem
atendidos em seus desejos.
A situação era tensa. Com o poder de fogo que tinham, os rebelados podiam,
de fato, destruir qualquer alvo à sua volta, dentro da baía da Guanabara. Uma
reação pelas forças de terra não ajudaria muito, na medida em que muitas vidas
seriam perdidas, além do que estaríamos destruindo o melhor do nosso
patrimônio naval.
O deputado José Carlos de Carvalho, oficial da Marinha, com autorização do
Congresso, vai a bordo e constata a gravidade da situação. De lá traz para a
terra o último marinheiro chicoteado, que foi estopim da revolta, deixando-o em
estado grave num hospital. No depoimento do próprio deputado, "...as costas
desse marinheiro assemelham-se a uma tainha lanhada para ser salgada".
Era o dia 25 de novembro de 1910. No palácio do Governo, reúnem-se o
Presidente, os ministros e gente experiente da política, analisando a situação.
Foi o conselheiro Rodrigues Alves que, perguntado, deu a palavra final. Se não
havia outro caminho, que então se concedesse a anistia, não porque a
merecessem, mas para não mergulhar o país em tragédia ainda maior.
O Congresso, a contragosto, e sob protestos de muitos, votou favoravel à tal
anistia. Ao cair da tarde, o Presidente assinou a lei, coadjuvado pelo ministro da
Marinha, pelo chefe de Polícia e pelo deputado José Carlos de Carvalho.
Ainda nesse dia, a anistia foi aceita a bordo, contrariando a muitos, pois o
objetivo central, que era a eliminação da chibata, não havia sido atingido. Mesmo
assim, uma mensagem enviada ao oficial da Marinha e deputado José Carlos de
Carvalho, transmitia a concordância, anunciava a entrega da esquadra e fazia
uma ameaça:
- 098 -
"Entraremos amanhã ao meio-dia. Agradecemos os seus bons
ofícios em favor da nossa causa. Se houver qualquer falsidade, o
senhor sofrerá as consequências. Estamos dispostos a vender caro
as nossas vidas - Os revoltosos."
Passaram-se poucos dias e nova rebelião estoura, pela mesma razão, mas
esta de menores proporções, envolvendo pessoal de base na ilha das Cobras e
mais os marinheiros de um vaso de guerra.
Calcularam mal, estes outros marinheiros, os efeitos de seu movimento, pois
desta vez, não envolvendo a população da cidade, o Governo sentiu-se seguro
para ordenar o bombardeio contra a ilha, morrendo quase todos, dentre os
seiscentos revoltosos.
A repressão severa
Para o Governo, esta nova revolta resultou em lucro. Alarmado com a
reincidência e com o temor de que a situação saísse do controle, o Congresso
não teve dúvidas em aprovar o Estado de Sítio.
A trágica ironia era que os mesmos que antes defendiam a anistia, incluindo
Rui Barbosa, agora clamavam pela necessidade de medidas excepcionais para
o controle absoluto da situação.
E, suprema das ironias, no bombardeio contra ilha das Cobras, foram
utilizados os navios Minas Gerais, São Paulo e Deodoro, os mesmos que, dias
antes, haviam ameaçado bombardear a cidade do Rio, pondo em xeque as
instituições.
Amparadas pela suspensão de parte das garantias constitucionais, as forças
policiais foram às ruas fazendo uma operação de varredura, na qual prenderam
indiscriminadamente marinheiros e civis, criminosos ou não.
Muitos dos marinheiros presos estavam garantidos pela anistia concedida
anteriormente, entre eles o chefe da revolta, João Cândido. Entre os civis se
achavam desocupados inconsequentes e um punhado de prostitutas. Era um
vale tudo, amparado pelo estado de exceção.
- 099 –
O navio cargueiro "Satélite" partiu, então, para a Amazônia, levando, segundo
relato de bordo, uma carga de "105 marinheiros, 292 vagabundos (sic), 44
mulheres e 50 praças do Exército". Seguindo instruções, a maior parte dos
homens foi entregue à "Comissão Rondon" para trabalhos forçados. Os
restantes, inaptos para o serviço, foram simplesmente abandonados na floresta,
distantes um do outro, para não haver possibilidade de se reorganizarem.
Os prisioneiros que ficaram no Rio de Janeiro foram, posteriormente,
encerrados em uma cela solitária no presídio da ilha das Cobras, sendo que
apenas dois sobreviveram, um deles, o próprio João Cândido que, mais tarde,
fez a narrativa de toda a tragédia. Mas este já é um assunto que não cabe neste
espaço.
Apenas um comentário final. Não se pode nem de longe inculpar Hermes da
Fonseca pelos excessos cometidos. Os que conheceram o marechal, apontam-
no como brando, pacífico e bondoso, voltado para sua atividade militar e pouco
afeito à política e às ações repressivas.
- 100 -
Por outro lado, João Cândido, e os demais líderes da primeira sedição, não
tinham a exata noção de proporções, quando chacinaram todos os oficiais dos
navios rebelados, criando uma situação de todo irreversível. Daí para diante, o
espírito corporativo no seio militar esperava apenas uma oportunidade para a
desforra, e esta apareceu com a suspensão das garantias constitucionais, pela
decretação do Estado de Sítio. O resto, já se sabe.
A “Política de Salvação Nacional”
Os problemas políticos nos Estados da Federação vinham de longe, desde as
últimas eleições estaduais, ocorridas há três anos, nas quais os ganhadores
jubilavam e os perdedores, sentindo-se esbulhados, esperavam a hora oportuna
para uma revanche. Não eram forças populares em ação, mas oligarquias que
lutavam com unhas e dentes para aumentar a sua fatia de poder.
O início do governo Hermes da Fonseca era um complicado tabuleiro de
xadrez. No Congresso, permanecia o poder de Pinheiro Machado, que se
estendia aos governadores em sua órbita de influência. Havia também a
presença do deputado Fonseca Hermes e do deputado capitão Mário Hermes.
O primeiro era irmão do marechal e líder da maioria na Câmara. O segundo era
filho de Hermes e líder da bancada da Bahia.
Dentro do Ministério, ponteavam, pelo menos, duas forças contrárias a
Pinheiro Machado e com pretensões políticas em seus respectivos Estados.
Eram o Ministro da Viação, José Joaquim Seabra, baiano, e o Ministro da Guerra,
general Emilio Dantas Barreto, pernambucano. Ambos representavam correntes
atuantes na capital federal, mas estavam vivendo seus momentos de ostracismo
nos próprios Estados de origem.
Junte-se a tudo isso o fato de que, 1911, renovavam-se as Câmara
Municipais e 1912 era o ano de eleições para renovação dos governos estaduais,
assembleias legislativas e, em alguns Estados, também, do senado estadual.
Envolvendo-se na política regional, o governo central interveio o quanto pôde,
mudando os governos e alterando a composição de forças. Essas intervenções,
referendadas pelo Congresso, receberam oficialmente o nome de re-
saneamento político, mas a opinião pública, sarcasticamente, as chamou de
políticas de salvação.
- 101 -
Estado do Rio de Janeiro
A primeira salvação envolveu o Estado do Rio de Janeiro, onde a presença do
governador Alfredo Backer era contestada pela oposição, surgindo em
consequência duas Assembleias Legislativas, uma de apoio ao governador
empossado e outra apoiando o governador em litígio.
Alfredo Backer consegue um habeas-corpus, legitimando-o no poder, mas o
Ministro da Justiça envia tropas federais àquele Estado sob a alegação de que
era necessário garantir o patrimônio público e o bom funcionamento das
repartições. Desta forma, impôs-se pela força, e alterou o governo local, dando
posse ao candidato de preferência do governo central.
Estado de Pernambuco
A política salvacionista em Pernambuco foi uma das mais complicadas, mas
era também a mais compensadora, pela força que este Estado possuía no
cenário nacional. O controle do Estado se achava com a família Rosa e Silva,
mais particularmente nas mãos de Francisco Assis Rosa e Silva, nome de
tradição e projeção, pois já fora conselheiro do Império e, na República, elegeu-
se vice-presidente, junto com Campos Sales.
Político hábil, não criou dificuldades a Campos Sales em seu governo.
Diplomata, era adversário de Pinheiro Machado, mas foi favorável à candidatura
de Hermes da Fonseca. E, desta maneira, ficou bem com ambas as forças
dominantes, tanto no Congresso como na Presidência.
Sabia avançar, mas tinha o bom senso de recuar, quando a situação assim o
aconselhasse. Tal flexibilidade garantia a família na proeminência da política
pernambucana.
Sua superioridade passou a ser contestada, entretanto, na formação do
Gabinete, quando foi nomeado para o Ministério da Guerra o general Emilio
Dantas Barreto, engrandecendo Pernambuco, mas diminuindo o campo de
manobra dos Rosa e Silva.
Candidatando-se a governador pela oposição, com o apoio do Barão de
Lucena e José Mariano, o general Dantas Barreto desequilibrou as forças,
- 102 -
provocando o embate das duas facções, nos moldes do coronelismo, com
ocorrência de arruaças e lutas de emboscada. O Ministério da Guerra passou,
então, para as mãos do general Vespasiano Gonçalves de Albuquerque e Silva,
e Dantas Barreto seguiu para Recife, passando ele próprio a comandar a
campanha.
As eleições em Pernambuco, dentro do sistema fraudulento em voga, deram
vitória a Rosa e Silva, enquanto a oposição se declarava vitoriosa com Dantas
Barreto. As lutas nas ruas se intensificaram, a polícia estadual se rebelou, com
apoio dos praças do Exército.
O governador interino, Estácio Coimbra, não tendo condições de resistir,
renunciou ao governo, deixando sem base política o seu padrinho Rosa e Silva.
Foi o momento para o bote final. O Congresso Estadual (Assembleia e Senado
local) considerou vitorioso o general Dantas Barreto, homologando seu nome.
Trocando-se o comando militar, assumiu o coronel Abílio de Noronha, partidário
do ex-ministro da Guerra e permaneceu nesse posto até garantir a posse do
general Dantas Barreto no governo do Estado. Estava, pois, concluída a segunda
operação salvadora.
Estado da Bahia
A salvação na Bahia envolvia os interesses do ministro J.J.Seabra, a quem
interessava reassumir o controle total da política estadual, contando com o apoio
aberto do presidente da República, o qual chegou a fazer uma visita à Bahia,
acompanhado de seu ministro da Viação.
A reação veio por José Marcelino e Severino Vieira, que controlavam o
Congresso estadual (assembleia e senado) e o governo do Estado.
Pronto para a reação, o governo do Estado aumentou seu efetivo policial,
recrutando jagunços, trazidos dos sertões e até retirados da cadeia, onde
cumpriam penas pelos crimes cometidos. Ou seja, gente descompromissada
com a vida e disposta ao que der e vier. Eram já 4.500 militares, e mais de
seiscentos policiais civis, todos de alta periculosidade.
- 103 –
Ocorridas as eleições municipais, em 1911, houve como de costume,
divergência de resultados. Para garantir sua posição, o governo em exercício
sitiou a cidade, interditando inclusive o Congresso e impedindo os parlamentares
de exercer sua função. A justiça lhes concedeu o habeas-corpus e o governador
Aurélio Viana recusou-se a cumprir a ordem judicial.
Estava aí o pretexto para a intervenção. O Governo federal ordenou que o
general Sotero de Menezes pusesse suas tropas na garantia da lei, o que não
aconteceu, pois o efetivo do Exército era menos de um terço do efetivo da polícia
estadual.
Dado que o governador insistisse em descumprir o mandado judicial, Sotero
preferiu bombardear a capital, pelos fortes de São Marcelo e Barbalho, criando
pânico na cidade e obrigando o governador Aurélio Viana a renunciar.
No Rio de Janeiro, renunciava, também, o ministro da Marinha, em protesto
pelo bombardeio. Reposto no governo, Aurélio Viana volta a renunciar, dias
depois.
Realizaram-se, por último, as eleições para Governador e, contrariando a
rotina, o nome do vencedor, J.J.Seabra, não foi contestado, sendo ele
empossado, pacificamente, como governador da Bahia. A terceira salvação
estava consumada.
Estado do Ceará
No Ceará, de há muito, a política era controlada pela família Accioly.
Pressentindo que seu Estado seria o próximo a ser contemplado com a salvação,
o governador Antônio Nogueira Accioly, que aspirava pela reeleição, cuidou de
aumentar seu efetivo policial, nos mesmos moldes e pelo mesmo processo
utilizado na Bahia.
Em dezembro de 1911, desistiu da reeleição, mas impôs como candidato
José Joaquim Domingues Carneiro, que lhe era obediente e continuaria a zelar
pelos interesses da oligarquia que controlava o poder.
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A oposição, apoiando-se no militarismo, apresentou um candidato saído dos
quartéis, o coronel Marcos Franco Rabelo. A este candidato reuniram-se,
também, todas as forças políticas que, por mais de vinte anos, se achavam
afastadas do poder.
A partir daí, choques entre a polícia e a oposição passaram a ser frequentes.
Em 21 de janeiro de 1912, um domingo, a polícia dissolveu com extrema
violência uma passeata de crianças e mulheres, que promoviam a campanha do
coronel Rabelo.
Recusando-se, o governador, a entregar ao Exército o policiamento das ruas,
foram convocados Tiros de Guerra de outras cidades para virem à capital, para
participar da luta.
No dia 23, se concretizava a intervenção, com as tropas federais nas ruas. O
governador tentou, então outra manobra. Renunciou, entregando o governo ao
sucessor legal, Mauricio Gracho Cardoso, que era seu genro. A transferência foi
impugnada e, no cargo, foi investido o dr. José Boaventura Bastos, em 24 de
janeiro de 1912.
Em 12 de fevereiro, contrapondo-se à candidatura oposicionista do coronel
Marcos Franco Rabelo, o grupo Accioly lançou, então, outro militar, o general
Bezerril Fontenelle.
Não ficou nem para um, nem para outro. Marcos Franco Rabello, da oposição,
ganhou, tomou posse, mas não conseguiu maioria na Assembleia.
Resumo da ópera: o grupo contrário obteve um habeas-corpus, instalou outra
Assembleia paralela em Juazeiro e deu posse a Floro Bartolomeu, representante
do Padre Cícero, que começava a despontar no cenário político. Reinou a paz
no Ceará.
Estado de Alagoas
Era a família Malta que detinha o poder no Estado de Alagoas, protegida
também por Pinheiro Machado e com uma solidez de concreto, que nenhuma
política salvadora, aparentemente poderia derrubar.
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Embora o presidente da República fosse do Rio Grande do Sul, é bom que
se lembre que sua família tem origem em Alagoas, onde nasceu o tio, marechal
Deodoro, e onde vivia toda a sua parentela.
Foi assim que, contra a vontade de Hermes, o grupo de salvadores, que
representava a oposição, à procura de um nome para governador, resolveu
lançar a candidatura do general Clodoaldo da Fonseca, um primo-irmão do
Presidente, pouco afeito às lides políticas, mas que não resistiu ao convite para
galgar tão alto cargo.
Os Maltas não deixaram por menos, e apresentaram a candidatura do general
Olímpio da Fonseca, também parente do Presidente. Ficou então uma situação
curiosa, que seria cômica, se não fosse trágica. Tínhamos agora dois candidatos,
os dois militares, e os dois parentes do chefe da Nação que, a esta altura, ainda
que quisesse, não teria mais condições para apoiar o candidato dos salvadores.
Não durou muito a divisão. O próprio general Olímpio refletiu melhor e desistiu
da candidatura, ficando a vaga em aberto. Enquanto se procurava um novo nome
para substitui-lo, aconteceu que o governador Euclides Malta mandou reprimir
uma manifestação de adeptos do general Clodoaldo, que se realizava na praça
principal da cidade, com mortos e feridos de um e outro lado.
A reação popular a esse acontecimento foi grande e fortaleceu os
oposicionistas. A essa altura, a vitória da oposição era tida como certa e ninguém
queria queimar seu futuro político aceitando apresentar-se como candidato do
governo, pelo que, à falta de um opositor, Clodoaldo da Fonseca foi eleito e
empossado. Estava consumada outra salvação, e esta com sabor especial, por
implodir a estrutura de concreto representada pela oligarquia dos Maltas.
Outras salvações
Vencida a força da inércia, o mecanismo das salvações passa a funcionar
quase que automaticamente, e as oligarquias que dominavam os outros Estados
foram caindo, uma a uma, sem grandes dificuldades. São Paulo livrou-se da
ação salvadora, indicando para a sucessão do governador Albuquerque Lins, o
respeitável nome do conselheiro Rodrigues Alves, ex-governador e ex-
Presidente, contra o qual ninguém teria coragem de levantar a voz.
- 106 -
No Rio Grande do Sul, a presença de Borges de Medeiros, herdeiro político
de Júlio de Castilhos, não recomendava qualquer espécie de intervenção.
Borges de Medeiros, através de sucessivas reeleições, vinha dominando o
governo do Estado desde 1898 e, vamos adiantar, ainda ficaria no poder até o
ano de 1926, quando blancos e colorados se ajustam para um nome de
consenso, o de Getúlio Dorneles Vargas. Mas isso é futuro. O importante é saber
que, no Rio Grande do Sul, o status foi mantido.
O gaúcho Pinheiro Machado garantiu o prestígio no Estado natal, mas foi o
grande perdedor na Política de Salvação Nacional, pois teve seu caminho
cortado, passo a passo, em quase todos os Estados do país, tornando-se um
gigante de pés de barro, imenso ainda, mas sem condições de se sustentar na
nova ordem da política nacional.
O governo Hermes da Fonseca
Aos tantos problemas que atribularam o governo Hermes da Fonseca, ao final
de mandato, pode-se acrescentar mais um, de caráter internacional, mas que
viria afetar diretamente o Brasil.
Em 1912, com a derrocada do Império Turco-Otomano, rebelam-se os povos
iugoslavos, iniciando uma guerra local contra os turcos, numa coalizão formada
por Montenegro, Macedônia, Sérvia, Grécia, Bulgária e Albânia.
Derrotados os turcos, começam as lutas internas, o prenúncio da Primeira
Guerra Mundial, que, em 1914, começaria bem ali, em Serajevo (Bosnia-
Herzegovina).
Com o aumento da tensão internacional, os capitais externos começam a
escassear, balançando a já precária situação financeira do Brasil, que se vê
obrigado a recorrer a outra moratória.
Os problemas econômicos se agravam com a queda na exportação da
borracha, que agora enfrenta a concorrência asiática. Cai a renda proveniente
da exportação do café, provocando um déficit na balança comercial.
Concorrendo com a dívida externa, aumentam também os déficits
orçamentários. O festival com dinheiro alheio, que começou no governo de
Afonso Pena, mais precisamente a partir do Convênio de Taubaté, acabou.
- 107 -
Nesse quadro sombrio, nem era possível fazer uma administração grandiosa.
Hermes da Fonseca se limitou a prosseguir as obras projetadas por Afonso Pena
e continuadas por Nilo Peçanha, ampliando a rede ferroviária e estendendo,
tanto quanto possível, a rede telegráfica.
Foi em seu governo que se construíu o Forte de Copacabana, que, anos mais
tarde, em 1922, viriam a ser palco de outra revolta militar, em apoio ao próprio
Hermes. Também esse é um assunto para o futuro.
Um olhar sobre o futuro. Terminado o mandato, e passando o governo ao seu
sucessor, Hermes envolve-se, pelo menos indiretamente, nas revoltas de 1922,
é preso, depois é libertado, e retira-se para Petrópolis, onde morre, em 1923.
Com a morte do marechal Hermes, termina a participação da sua família na vida
política nacional.
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Post-scriptum
Na vida do marechal presidente, a figura de destaque é a
de sua segunda mulher, a jornalista e caricaturista Nair de
Teffé Hermes da Fonseca, que deu vida social ao palácio,
resgatando a música popular e prestigiando a figura da
compositora Chiquinha Gonzaga.
Em 1922, quando Hermes foi preso, suspeito de
participação nas revoltas militares, ela o acompanhou,
questionando não só o marechal reformado que o prendeu,
como o fato de ter sido posto em prisão militar sob o
comando de um coronel, patente inferior à dele.
Morto o marechal Hermes, dona Nair de Tefé adotou, em
sua vida, várias crianças, as quais sustentava e educava às
próprias expensas, com uma humilde pensão recebida a
partir do falecimento do marido.
Paulo Victorino
CAPÍTULO OITO
O CAMINHO PARA A PAZ
VENCESLAU BRÁS - 1914-1918
Nem as sete pragas do Egito, reunidas, causaram tanto estrago e
geraram tamanho pavor quanto a Gripe Espanhola, que chegou ao
Brasil em março de 1918 e teve sua presença marcada nos meses
seguintes. As escolas fecharam, depois fechou o comércio e ficou
semi-paralisada toda a atividade produtiva. Todas as mãos
disponíveis foram mobilizadas, de médicos e enfermeiros até
voluntários que, a última hora, foram instruídos para prestar os
mais elementares socorros. Nada disso evitou a imensa tragédia.
Os mortos eram recolhidos pelas ruas, empilhados em caminhões
e jogados em valas comuns, até que nem coveiros havia mais para
abrir essas valas, tendo-se que mobilizar tropas militares para
realizar o trabalho. Foi um dos grandes desafios enfrentados pelo
governo do pacato mineiro Venceslau Brás.
Transporte-se o leitor, por alguns momentos, para uma perdida cidade no
interior brasileiro. Por entre as árvores do bosque, um rio serpenteia, levando
suas águas ao destino final de quase todos os rios, que é o imenso oceano.
Numa curva, um pouco mais adiante, as águas se espraiam na várzea,
formando um remanso. O curso de água, até então agitado, faz uma pausa,
como se estivesse a tomar novo fôlego, antes de prosseguir sua longa viagem.
- 110 -
Numa de suas margens, encontramos um paciente pescador, que ajeita o
caniço, coloca a isca que ele mesmo preparou e joga a linha sobre as águas. Em
seguida, recosta-se ao tronco de uma árvore, cerra os olhos, como que
dormitando, e põe-se a filosofar sobre a vida, o país, a política e o mundo em
que vive, do qual participa intensamente, porém, num ritmo diferente de seus
companheiros.
Se tal cena se passa nas primeiras décadas do século 20, se a região é o
sul de Minas Gerais, e se a cidade escolhida para compor esta imagem for
Brasópolis ou Itajubá, muito provavelmente, o tranquilo pescador outro não é
senão o sereno político mineiro Venceslau Brás Pereira Gomes.
Em busca de um sucessor
Bem distante desse cenário, no Rio de Janeiro, na segunda metade do ano
de 1913, o ambiente era totalmente diverso. Centro nervoso do país, a política
do Distrito Federal fervilhava com as negociações para a escolha do sucessor
do marechal Hermes da Fonseca.
- 111 -
Um dos postulantes, pelos governistas, era Pinheiro Machado, embora
negasse isso sistematicamente. O outro, representando a oposição, era, uma
vez mais, Rui Barbosa, que sonhava em reencetar a campanha civilista de 1909.
Apesar de ter sido uma vítima indireta da Política de Salvação Nacional, que
tirou do poder dos Estados os seus mais fiéis correligionários, Pinheiro Machado
procurava, ainda, articular sua própria candidatura. Para tanto, aplicava uma
tática diversionista, lançando outros nomes que, em seguida, eram queimados,
tal como já ocorrera em eleição anterior.
Primeiro, ensaiou a candidatura de Rui Barbosa como nome de conciliação
nacional. Rui aceitou estudar a proposta, mas encerrou o assunto, quando lhe
foi colocada, como condição, a sua desistência a qualquer ideia de revisão
constitucional.
Pinheiro Machado já contava com essa recusa. Procurou, então o gaúcho
Sabino Barroso, nome de prestígio e projeção, certo de que ele rejeitaria o
convite. Como Sabino aceitou prontamente a candidatura, Pinheiro
desconversou, encerrando o assunto.
O terceiro a ser consultado, e vetado em seguida, foi o mineiro Francisco
Sales, que, quando ministro da Fazenda, teve um de seus atos questionado pelo
Tribunal de Contas, o qual levantou suspeitas quanto à lisura do processo.
Assim, a indicação do seu nome serviu apenas para tirá-lo da competição.
Passou, então, para o nome do governador do Rio de Janeiro, Oliveira
Botelho, de quem obteve uma resposta negativa.
A segunda vertente
As forças de São Paulo e de Minas Gerais, adversas a Pinheiro Machado, e
sonhando com o retorno da política do café com leite, reagiram às manobras
citadas e apresentaram Venceslau Brás, como um nome de consenso. Era um
político despretensioso, de gênio pacífico e conciliador.
- 112 -
Quando vice-presidente do Estado de Minas, Venceslau não criou
dificuldades ao governador João Pinheiro. Muito pelo contrário, por decisão
própria afastou-se da política até a morte deste, em 1909, quando, como vice-
Governador que era, teve de assumir o governo e, ainda assim, manteve a
política de seu antecessor, atraindo as simpatias daqueles que se achavam na
órbita do poder.
Eleito vice-presidente da República, em 1910, passou a ser oficialmente o
presidente do Senado, conforme mandava a Constituição vigente. Preferiu,
entretanto, retirar-se para Itajubá, afastando-se da política, com o que deu plena
liberdade de movimentos, tanto ao presidente da República, marechal Hermes
da Fonseca, como ao senador Pinheiro Machado que, como vice-presidente do
Senado, substituiu Venceslau no trabalho de articulação política.
Poderia haver melhor nome? O raciocínio dos governistas, tanto no bloco de
Pinheiro Machado, quanto no dos adversários deste, era que, uma vez eleito
Presidente, Venceslau Brás se renderia às articulações políticas vindas de fora,
sem fazer oposição aos interesses dos grupos políticos dominantes.
Não havia mais o que discutir. E assim, por unanimidade, escolheu-se o
mineiro Venceslau Brás para Presidente, compondo chapa com o maranhense
Urbano dos Santos, para vice.
Os adversários, por sua vez, firmaram posição, lançando o baiano Rui
Barbosa e o paulista Alfredo Ellis, ambos apoiados pelo governador da Bahia,
J.J.Seabra.
Que não iam ganhar, já sabiam. O que verificaram logo é que não havia mais
ambiente para arregimentar as massas, numa nova campanha civilista, como em
1909, até mesmo pela falta da motivação principal, que seria um opositor saído
dos quartéis.
Havia um protagonista, Rui Barbosa, mas faltava o antagonista, um papel
que, certamente, não cabia na personalidade de Venceslau Brás. Reconhecendo
essa realidade, Rui anunciou sua desistência à candidatura, chegando-se, pois,
às eleições, com uma chapa única. Realizado o pleito, em 1º de março de 1914,
contaram-se 532 mil votos para Venceslau Brás e 47 mil votos de simpatia para
Rui Barbosa. Note-se que, para
- 113 -
uma população em torno de 45 milhões de almas, o comparecimento às urnas
foi insignificante, revelando, novamente, a desilusão dos grandes centros pela
política nacional.
Assim, no dia 15 de novembro de 1914, com apoio quase irrestrito, Venceslau
Brás era empossado presidente da República, para um mandato de quatro anos.
Quem era Venceslau Brás
Venceslau Brás Pereira Gomes nasceu na cidade de Brasópolis, próximo a
Itajubá, em 1868. Na adolescência, mudou-se para São Paulo, onde completou
seu curso secundário, matriculando-se, em seguida, na Faculdade de Direito do
largo de São Francisco. Formado, volta ao interior de Minas, trabalhando, então,
como promotor público.
- 114 -
Em Minas Gerais, elege-se deputado estadual por duas vezes e, em 1902,
vai para a Câmara Federal. Em 1906 é eleito vice-Presidente de seu Estado e,
em 1909, substitui o governador João Pinheiro, que falecera. Em 1910, é eleito
vice-Presidente da República (por consequência, também presidente do Senado
Federal), mas retira-se para Itajubá, onde passa a maior parte de seu mandato.
Agora, eleito e empossado presidente da República, Venceslau Brás
organiza seu Ministério como segue:
Justiça, Interior e Instrução, Carlos Maximiniano Pereira dos
Santos, gaúcho e colorado; Exterior, Lauro Severiano Müller
catarinense e descendente de alemães, que vinha já ocupando a
pasta desde a morte do barão do Rio Branco; Fazenda, Sabino
Barroso, gaúcho e homem de confiança do Presidente; Agricultura,
João Pandiá Calógeras, engenheiro fluminense; Guerra, José
Caetano de Faria, gaúcho e opositor de Pinheiro Machado;
Marinha, almirante Alexandrino Faria de Alencar, gaúcho, que
vinha do governo anterior; Viação, Augusto Tavares de Lira;
Prefeito do Distrito Federal, Aurelino Leal, nome da confiança de
Pinheiro Machado.
Como se percebe, uma boa parte do Ministério atendia a indicações do Rio
Grande do Sul, fruto de entendimentos com o senador Pinheiro Machado e com
o governador Borges de Medeiros.
Os vícios da República
Infelizmente, muito do tempo de um Presidente era tomado, não em atos
administrativos do interesse da Nação, mas em resolver questões políticas e
legais, resultantes do sistema eleitoral vigente.
Como se disse em capítulos precedentes, a República levava consigo vícios
congênitos, como o voto de cabresto, as eleições abertas, registradas a bico de
pena, as atas eleitorais falsificadas e, sobretudo, as Comissões de Verificação
formadas nos parlamentos para referendar ou modificar o resultado das eleições.
Tudo isso acabava por provocar batalhas judiciais, gerando sentenças que,
na maioria das vezes, não eram cumpridas pelos vencedores, os quais detinham
o poder e a força policial para garantir suas posições.
- 115 -
Assumindo a Presidência, Venceslau encontrou alguns desses casos
pendentes e, com as eleições estaduais que se realizariam nos anos seguintes,
outros novos casos surgiriam, atormentando a vida do chefe da Nação e
colocando-o entre dois fogos. O peso era maior para o novo Presidente, dado o
compromisso assumido anteriormente, pelo qual as forças policiais seriam
sempre colocadas para defender as decisões da justiça, ainda quando o governo
não concordasse com elas.
Foi assim que se resolveram as questões surgidas nos Estados de
Pernambuco, Piauí, Amazonas, Alagoas, Espírito Santo e Goiás.
Mas houve um caso, o do Estado do Rio, envolvendo o ex-presidente Nilo
Peçanha, que merece ser visto em separado, pela maneira inusitada com que
ele se desenvolveu, e que comprometia a independência dos três poderes da
República.
O caso do Estado do Rio
O impasse criado no governo do Estado do Rio de Janeiro era uma bomba
de efeito retardado que surgiu nas últimas eleições estaduais, dois anos atrás, e
que Hermes da Fonseca vinha cozinhando, lentamente, em banho-maria,
passando seu teor explosivo ao sucessor, Venceslau Brás, com todas as honras
e glórias.
A querela vinha de longe e envolvia disputas pessoais, além do interesse
puro e simples pelo poder.
Nilo Peçanha, em 1908, elegeu seu sucessor no Estado, o correligionário
Oliveira Botelho, contando com sua fidelidade. Botelho, entretanto, rompeu com
o chefe, passando a apoiar ostensivamente o bloco político do senador Pinheiro
Machado.
Nas eleições a governador, em 1912, Oliveira Botelho, inopinadamente,
lança o nome de Feliciano Sodré, figura pouco conhecida, mas do agrado de
Pinheiro Machado. Furioso com a traição, Nilo Peçanha candidata-se, ele
mesmo, para fazer frente aos seus desafetos.
- 116 -
Claro que, tendo sido governador do Rio de Janeiro e Presidente da
República, enfrentando um adversário desconhecido do eleitorado, Nilo tinha
todas as chances de vencer as eleições.
Precavendo-se, o governador convoca a Assembleia Legislativa, onde conta
com a maioria, e trata alterar a composição das forças na mesa da Assembleia
que deverá verificar os resultados das eleições e determinar qual dos nomes
será referendado.
Retirando os nilistas dessa composição, o governador garante o sucesso das
manobras que se farão na verificação dos resultados, momento em que a
Assembleia deverá referendar o nome daquele que, segundo ela, foi o escolhido
das urnas.
Indignada, a oposição nilista apresenta recurso junto ao Supremo Tribunal
Federal, o qual anula o ato e manda restabelecer a antiga mesa da Assembleia.
Já a Assembleia Legislativa, orientada pelo governador, decide não cumprir
a ordem do STF e impede a entrada da oposição em plenário.
O governo, reforçando sua posição, manda cercar o prédio da Assembleia
com tropas policiais. Como resultado, passa a haver, então, dualidade de
legislativos, uma Assembléia apoiada pelo governador e outra firmada no
acórdão do STF.
A crise em nível federal
A posse do governador fluminense, sabe Deus qual seria, estava para ocorrer
a 31 de dezembro de 1914 e, como o marechal Hermes deixaria a Presidência
em 15 de novembro, era preciso agir com rapidez.
Os governistas, a 2 de outubro, solicitaram intervenção federal no Estado do
Rio. O presidente da República, apoiando o candidato de Pinheiro Machado,
aceita o pedido e envia mensagem ao Congresso, criticando a decisão do
Supremo e solicitando que este vote o Estado de Sítio para descumprir o
mandado judicial.
- 117 -
Na Câmara Federal, o deputado Fernando Mendes também critica o STF e
pede que seja votada censura Suprema Corte pela decisão tomada. Essa moção
absurda é retirada do Parecer à mensagem sobre o Estado de Sítio, sob a
alegação, mais absurda ainda, de que censurar o Supremo não é função da
Câmara, mas do Senado!
Em 15 de novembro de 1914, sai Hermes e entra Venceslau, que havia
jurado cumprir as decisões judiciais, sem entrar no juízo de valores das
resoluções.
Havendo interferido inicialmente na formação do Ministério, Pinheiro
Machado pensava estar com força suficiente para acuar o novo presidente da
República e vai ao Palácio, ameaçando retirar todo o Ministério sob seu controle
e mais o apoio de suas bancadas na Câmara e no Senado, se o Presidente
insistisse em enviar tropas na defesa da lei.
Nesse instante, Pinheiro percebeu que o mineiro sossegado e conciliador
não era tão fácil de manobrar como havia parecido a princípio. Venceslau reagiu
com energia, dispondo-se ele mesmo a demitir o Ministério, substituindo os
nomes indicados pelo gaúcho e colocando em seu lugar políticos vindos de
outras partes do país, que fossem igualmente capazes, e que, diferentemente,
estivessem dispostos a servir o país. Não havia mais o que conversar.
Em 27 de dezembro, quatro dias antes da posse, o grupo governista
estadual manda ao Presidente uma representação pedindo providências contra
a indevida interferência do Supremo Tribunal Federal em assuntos do Estado do
Rio. Na forma da lei, o Presidente encaminha tal representação ao Congresso,
que, entretanto, caminhava para o recesso de fim de ano, pelo que houve muita
agitação, mas nenhuma posição foi firmada.
O epílogo de uma crise
Havendo dualidade de Assembleias, conforme já dissemos acima, em 31 de
dezembro, passou a haver também uma dualidade de Governadores: Feliciano
Sodré foi empossado pelos governistas, enquanto que Nilo Peçanha era
empossado pela oposição.
- 118 -
O Estado achava-se agora em ponto de confronto, numa tensão tal que
qualquer incidente poderia realmente levar à eclosão de uma guerra civil.
O assunto arrastou-se por mais oito meses, até que, em 8 de setembro de
1915, ocorre o inesperado assassinato do senador Pinheiro Machado, que dava
sustentação aos governistas fluminenses.
Foi água na fervura. Perdendo sua base de apoio, os governistas desistiram
da luta e Nilo Peçanha, por fim, é reconhecido como Presidente do Estado do
Rio, para um mandato que vai até 31 de dezembro de 1918.
A crise que atingiu o Estado do Rio de Janeiro por mais de um ano não foi
maior que as questões levantadas nos outros Estados, em disputas
semelhantes. Ela é contada aqui em separado e com destaque, para mostrar
como, naquela época, era difícil a aplicação do princípio de independência entre
os três poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Usando de todos os estratagemas, cada um dos poderes independentes
interferia abertamente na ação dos outros dois, causando desordens e
tumultuando a vida do país.
O governo de Venceslau Brás se desenvolveu, todo ele, dentro do clima
proporcionado pela Primeira Grande Guerra. Ela começou em 28 de junho de
1914, quatro meses antes da sua posse, e terminou em 11 de novembro de
1918, quatro dias antes do término do seu mandato, com a entrega da faixa ao
seu sucessor.
Assim, as diretrizes do governo ficaram limitadas e condicionadas a esse
importante acontecimento histórico que, embora ocorrendo na Europa, influiu
decisivamente na vida das três Américas.
Na primeira fase, participaram da guerra, como inimigos a Alemanha, a
Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária; como amigos, a Inglaterra (Império
Britânico), a França e a Rússia czarista, acompanhadas, também, pela Sérvia e
Montenegro (Iuguslávia) e pela Bélgica (Países Baixos)
- 119 -
A Itália, embora aliada da Alemanha, acabou assinando um acordo secreto
com a Inglaterra, passando para este segundo bloco. Em 1917, saiu a Rússia,
premida pelos acontecimentos internos com a derrubada do Império e a
instituição do regime soviético.
Em compensação, nesse mesmo momento, entraram na guerra, ao lado dos
aliados, os Estados Unidos, o Brasil e os países da América Central.
Permaneceram na neutralidade Argentina, México, Chile, Venezuela e Paraguai.
Era a globalização de uma guerra que até aqui dizia respeito principalmente aos
países europeus.
Quanto ao Uruguai, Peru, Equador e Bolívia, estes ficaram em cima do muro,
rompendo relações com os países inimigos, mas sem qualquer outro
envolvimento.
Parece complicado, não? Mas foram quatro anos, em que as forças se
compuseram e se recompuseram, premidas por outros acontecimentos paralelos
à guerra.
A partir de 1917, o Brasil teve bombardeados vários navios mercantes. Em
represália, fez a apreensão outros tantos navios alemães que se achavam na
baía da Guanabara, bem como da canhoneira Eber, ancorada em Salvador.
O ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, que vinha prestando bons
serviços na diplomacia desde a morte do barão de Rio Branco, sofreu grandes
pressões, por ser de origem alemã, e teve de renunciar, sendo substituído por
Nilo Peçanha, que deixou o governo do Rio para atender essa emergência.
O Brasil se manteve na neutralidade, em relação à guerra, até 1º de junho
de 1917, quando foi decretado o Estado de Beligerância, precursor do Estado de
Guerra.
Quatro meses depois, a situação se agravou e, em 26 de outubro de 1918, o
Congresso Nacional "Reconhece e proclama o Estado de Guerra iniciado pelo
Império alemão contra o Brasil".
- 120 –
Nossa participação efetiva se deu com o envio, ao campo de batalha, de
médicos cirurgiões, auxiliados por um grupo de estudantes de medicina.
Também enviamos soldados, mas apenas para guardar o hospital brasileiro de
campanha.
No plano interno, desde a retração dos capitais estrangeiros, no fim do
governo Hermes da Fonseca, a situação ficou delicada, a ponto de termos de
recorrer a uma nova moratória da dívida externa. Depois, com a guerra em
andamento e o Brasil ainda em neutralidade, aumentamos nossas exportações
de produtos agrícolas e matérias primas.
Impossibilitados de importar indiscriminadamente como fazíamos antes,
tivemos que recompor a indústria nacional, azeitando as velhas máquinas
enferrujadas e colocando-as novamente na produção de bens de consumo.
Sem peças de reposição, tivemos de recorrer à mecânica nacional. Com isso,
ativou-se a economia interna, resultando na geração de novos empregos. Como
resultado de todas essas mudanças, ao término da guerra, nossa balança
comercial tinha um apreciável saldo positivo.
A ronda da morte
O ano de 1918 foi marcado por outro acontecimento, paralelo à guerra, mas
tão terrível como esta, como se a ira divina se abatesse sobre a humanidade
com o intuito de destruí-la, antes que os homens o fizessem com suas próprias
mãos.
Falamos aqui da gripe espanhola, importada da Europa, mas que chegou ao
Brasil com toda a fúria, despertando horrores, causando desorientação geral, e
enlutando centenas de milhares de famílias. Ficamos sem saber ao certo
quantos morreram, pois não havia tempo nem condições para identificar os
mortos.
Nem as sete pragas do Egito, reunidas, causaram tanto estrago e geraram
tamanho pavor quanto esta hecatombe, provocada pela epidemia, que chegou
ao Brasil em março de 1918 e teve sua presença marcada nos meses seguintes.
- 121 -
As escolas fecharam, depois fechou o comércio e ficou semi-paralisada a
atividade produtiva. Todas as mãos disponíveis foram mobilizadas, de médicos
e enfermeiros até voluntários que, a última hora, foram instruídos para prestar
os mais elementares socorros.
Nada disso evitou a imensa tragédia. Os mortos eram recolhidos pelas ruas,
empilhados em caminhões e jogados em valas comuns, até que nem coveiros
havia mais para abrir essas valas, tendo-se que mobilizar tropas militares para
realizar o trabalho.
Ao fim, realizou-se a contagem dos prejuízos materiais, já que não se pôde
contabilizar as perdas em vidas humanas.
Passado o pior, veio o retorno das atividades rotineiras. As férias escolares
se prolongaram pelo ano inteiro e o Congresso Nacional aprovou um projeto,
passando de ano todos os alunos da rede escolar, independentemente de
exames.
- 122 -
O Brasil sacudiu a poeira, deu a volta por cima, e reiniciou a vida, tal como
havia feito após a guerra do Paraguai. Mas os que viveram não esqueceram
jamais, e contavam aos seus descendentes, com a vivacidade de quem esteve
presente, o horror daqueles momentos.
Não que não tivéssemos, depois disso, outras gripes igualmente perigosas.
Nos anos 50, por exemplo, registraram-se as epidemias da gripe coreana e,
depois, da gripe asiática. Mas, a esta altura, já havia meios rápidos para deter
sua propagação, e o mundo contava, também, com poderosos remédios,
capazes de cortar o mal antes que ele se agravasse.
Já em 1918, houve a surpresa e o despreparo, além da falta de saneamento
básico, juntando-se, pois, vários fatores que contribuíram para transformar uma
grande epidemia numa enorme tragédia.
A Guerra do Contestado
Em 1912, a divisa entre Paraná e Santa Catarina era alvo de uma longa
disputa entre os dois Estados. Tratava-se de uma vasta extensão de terras, indo
desde o Rio Chopin, a oeste, até o Rio Negro, a leste.
O governo de Santa Catarina apegava-se a uma documentação bastante
antiga, que provava serem aquelas terras, originariamente, de seu Estado.
O Paraná contestava com o conceito de posse efetiva, ou seja, mais
importante que os títulos era a ocupação das áreas contestadas cujo
desenvolvimento era fruto do trabalho deste Estado.
A par da luta entre as duas unidades de uma mesma federação, eclodia outro
movimento, de caráter popular e místico, resultante da miséria, do descaso social
e de interesses econômicos, centralizados na produção da erva-mate.
Terminada a construção da estrada de ferro ligando São Paulo ao Rio Grande
do Sul, os trabalhadores envolvidos nesse projeto foram simplesmente
dispensados e abandonados ao desemprego.
- 123 -
Com a valorização das terras às margens da nova ferrovia, estas foram
concedidas a grandes companhias interessadas em projetos de colonização,
trazendo, em consequência, a expulsão de posseiros que faziam nelas uma
agricultura de subsistência.
A estes desocupados, junta-se uma terceira categoria, a dos jagunços,
descompromissados com a lei e a ordem.
Toda essa população de excluídos passa a afluir para as áreas em litígio, que
não pertenciam nem ao Paraná, nem a Santa Catarina, já que sua posse estava
sendo contestada por ambos os Estados.
Faltava apenas um líder carismático para levantar ali um movimento
messiânico, como ocorrera em Canudos. Esse líder surgiu em 1912 na figura do
monge José Maria, um biótipo do caboclo brasileiro que, à moda de Antônio
Conselheiro, trazia também longos cabelos e barba espessa, dedicando-se a
curas milagrosas e a pregar a restauração da monarquia.
Como em Canudos, também aqui o governo resolveu ignorar as questões
sociais envolvidas no drama, preferindo atacar os rebeldes, de frente, com forças
policiais.
Com menos sorte que Antônio Conselheiro, o monge líder do Contestado,
morre logo no primeiro embate com a polícia. Não obstante, os fanáticos
prosseguem na empreitada, confiantes de que o líder ressurgiria dentre os
mortos para retomar o comando.
Quatro longos anos se seguiram, com os rebelados enfrentando as forças
legais, quase sempre, levando a melhor.
Decidindo liquidar de vez com o problema, o governo manda, então, formar
um exército de sete mil homens, entregando-o ao comando do general Fernando
Setembrino de Carvalho. A essa altura, começava-se a formar a nossa força
aérea e os aviões fizeram sua estreia guerreando contra os próprios brasileiros.
- 124
Era trabalho dos aviões dispersar os agrupamentos revoltosos, abrindo
espaço para a penetração das forças de terra. Muitos desses infelizes, que não
foram chacinados na operação de guerra, acabaram por morrer de doenças
endêmicas como o tifo e a febre. Mas ainda sobrou um pequeno contingente,
que se dispunha a prosseguir até a morte em sua guerra santa.
Em 1916, a situação começou a se acomodar, quando uma negociação
consciente e descomprometida levou os dois governos estaduais a um acordo
sobre os limites do Paraná e Santa Catarina, estabelecendo-se assim as
responsabilidades de cada um pela ordem pública e social nos territórios.
A paz com os revoltosos, passou, então, a ser uma questão de tempo, de
firmeza e de habilidade na condução do assunto pelos próprios governos
estaduais. Nem foi preciso convocar o Exército Nacional, como havia sugerido o
general Setembrino, em seu relatório final.
Fim de governo
Considerados todos os componentes que limitaram a ação do governo central
nesses quatro anos, especialmente o conflito mundial que afetou todos os países
do globo e, igualmente, o Brasil, o saldo do governo Venceslau Brás é,
certamente, positivo.
A moratória internacional já tinha sido acertada no governo Hermes da
Fonseca. Coube a Venceslau fazer um governo de austeridade, cortando gastos,
reduzindo cargos públicos ao mínimo e emitindo letras do tesouro para captação
de recursos, as sabinadas, nome dado em alusão ao ministro da Fazenda,
Sabino Barroso.
A guerra, longe de nos causar despesas, ajudou a consertar nossa precária
situação econômico-financeira. Aumentamos as exportações, reativamos o setor
produtivo, gerando novos empregos, e terminamos o período com um superávit
em nossa balança comercial.
O presidente maleável, como muitos achavam, mostrou que tinha energia e
disposição suficiente para enfrentar os problemas, sem precisar de uma
eminência parda a dirigir-lhe os passos e determinar seus atos.
- 125 -
Terminado o governo, e transferida a faixa ao seu sucessor, Venceslau Brás
abandonou a carreira política e voltou para seu lugar de origem, a microrregião
de Itajubá, onde o velho rio, descansando um pouco mais sobre o remanso,
esperava pela volta do saudoso companheiro.
O ex-Presidente, pôde, então, retornar ao habitual sistema de vida, ajustado
ao ritmo da natureza, com a qual conviveu até os seus 98 anos de idade, muito
bem vividos. Morreu em 1966, a tempo de ver, em sua longa vida, caírem três
repúblicas, e ainda a tempo de ver o surgimento de um Regime Militar, com o
qual o país teve de conviver por 21 anos.
Que Deus o tenha em sua companhia.
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1918 - Termina a Primeira Guerra Mundial
1918 - A Gripe Espanhola
Paulo Victorino
CAPÍTULO NOVE
AS ESTRUTURAS DO PODER
DELFIM MOREIRA E EPITÁCIO PESSOA
Começa, em 5 de julho de 1922, a rebelião que deu origem ao
tenentismo, responsável por todo um ciclo revolucionário que iria
desaguar na Revolução de 1930, com o fim da Primeira República.
O movimento deveria eclodir no Rio de Janeiro, pela madrugada,
com uma operação coordenada, envolvendo a Vila Militar, a Escola
Militar e o Forte de Copacabana, além de outros quartéis isolados,
mais a. 1ª Companhia. Ferroviária, instalada em Deodoro, cujo
comando caberia ao capitão Luís Carlos Prestes. Entrariam em
armas, também, os quartéis de Curitiba e as guarnições de Mato
Grosso, estas últimas sob o comando do general Clodoaldo da
Fonseca, primo-irmão do marechal Hermes.
Deitado sobre a relva, o menino contemplava o céu azul, com um infindável
agrupamento de nuvenzinhas brancas, assemelhando-se a um rebanho de
carneiros pastando na imensidão das alturas.
Adolescente, com um futuro promissor à sua frente, ele jamais conseguiria
prever a borrasca pronta a se desencadear sobre o país a partir de 1918,
abalando as estruturas do poder, solapando rapidamente os alicerces da
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Primeira República, e fazendo com que, doze anos após, a imensa estrutura
política que sustentava o país viesse a desabar num só golpe, tal e qual um
castelo de cartas, afetando a vida de todos.
Com efeito, naquele ano de 1918, tudo ia muito bem para o país. A Primeira
Guerra Mundial permitiu restabelecer nossa balança comercial. Renasceu a
indústria nacional, fazendo lembrar os tempos de Mauá, e, nas cidades,
aumentou a demanda por mão de obra, originando uma nova classe de
trabalhadores e desenvolvendo outro tipo de sindicalismo, mais consistente e
organizado.
No cenário mundial, os frágeis acordos entre os Estados, como a Tríplice
Aliança e a Entente Cordiale, origens distantes do grande conflito, foram
substituídos pela Liga das Nações, uma associação de todos os países em um
único e sólido bloco, com um mesmo propósito e um só pensamento. As novas
ideias entusiasmavam os acadêmicos.
O Brasil contava agora com sua grande oportunidade de se desenvolver e
procurar um lugar entre os mais avançados países do globo. O governo de
Venceslau Brás mostrou que era possível ao Presidente administrar o país com
base na lei e no respeito à Constituição, sem se submeter a forças externas. Que
mais faltaria para o país deslanchar rumo ao futuro?
Até mesmo a transição de governo parecia transcorrer calma e tranquila.
Morto Pinheiro Machado, vítima de mãos assassinas, no atentado ocorrido em 8
de setembro de 1915, a sucessão voltou ao âmbito da política do café com leite.
A bola da vez volta para São Paulo e o conselheiro Rodrigues Alves é apontado
para a sucessão presidencial, sem quaisquer contestações.
Completando a chapa, entra o mineiro Delfim Moreira na vice-presidência. As
eleições transcorrem em clima de paz, no dia 1º de março de 1918, com chapa
única, e a posse, conforme a Constituição, estava prevista para 15 de novembro
de 1918.
Fim da Bonança
Os meses seguintes mostraram que a realidade não era assim tão colorida.
Rodrigues Alves, como outros tantos, foi vítima da gripe espanhola, que eclodiu
- 129 -
em março, logo após as eleições. Conseguiu recuperar-se desse mal, porém
teve agravado o seu estado geral de saúde e não pode comparecer à posse, em
15 de novembro, assumindo o governo, provisoriamente, o vice-Presidente,
Delfim Moreira.
Ciente de sua interinidade, o vice confirmou o Ministério escolhido pelo titular,
composto dos seguintes nomes:
Relações Exteriores, Domício da Gama; Justiça, Interior e
Instrução Pública, Urbano dos Santos da Costa Araújo; Fazenda.
Amaro Cavalcanti, que declinou, sendo substituído por João
Ribeiro; Viação e Obras Públicas, Afrânio de Melo Franco;
Agricultura, Indústria e Comércio, Antônio de Pádua Sales; Guerra,
Pandiá Calógeras; Marinha, Almirante Antônio Coutinho Gomes
Pereira. Pela primeira vez, um civil é empossado no Ministério da
Guerra, mas a situação transitória do governo não aconselhava
contestação nos quartéis, ao menos naquele momento.
Rodrigues Alves muda-se de Guaratinguetá para o Rio de Janeiro,
passando a morar numa casa da rua Senador Vergueiro, a mesma em que
residira quando assumiu a Presidência pela primeira vez, de onde mantinha
contatos diários com o seu vice. Por essa razão, a casa ficou conhecida
carinhosamente como Catetinho, em alusão ao palácio presidencial.
Quanto ao governo provisório, este foi ironicamente cognominado de
Regência Republicana. O brasileiro não perde sua espirituosidade nem nos
momentos mais difíceis...
Contrariando as previsões mais otimistas, em 17 de janeiro de 1919, dois
meses após o dia em que deveria ter tomado posse, Rodrigues Alves veio a
falecer e, como não havia transcorrido metade de seu mandato, a Constituição
mandava convocar novas eleições.
Sem problemas, dado que Delfim não ambicionava o continuísmo e, por outro
lado, sofria de esclerose, não tendo condições de enfrentar um mandato de
quatro anos. Além disso, sem bases políticas, seu nome havia sido apontado
apenas para compor a chapa e não exatamente para governar.
- 130 -
A nova campanha presidencial
Encerrou-se, com este episódio, o curto período de tranquilidade política,
iniciado com a escolha do Conselheiro. O presidente de São Paulo, Altino
Arantes, insistia em que o novo candidato também deveria ser paulista, com o
que não concordava seu colega, o presidente de Minas, Artur Bernardes. Por
outro lado, o Rio Grande do Sul passou a influir diretamente, pela figura mais
representativa do Estado, o governador Borges de Medeiros, herdeiro político de
Júlio de Castilhos, e tendo à sua volta o mais ferrenho conservadorismo e
provincialismo do extremo sul.
No desempate, acorda-se em buscar um nome longe das influências
sulistas e a escolha recai sobre um fazendeiro da Paraíba, Epitácio Pessoa. O
novo candidato é um homem de imenso saber político e jurídico. Por sinal que,
neste momento, se encontra na França, participando da Conferência de Paz,
que se ocupava em dividir, entre as nações vencedoras, o espólio dos vencidos
na Primeira Guerra Mundial, mais especialmente da Alemanha e,
discricionariamente, aplicava aos perdedores as sanções necessárias. O vice, já
se sabe, continua sendo Delfim Moreira, já eleito e empossado no tempo devido.
Perdedor na Convenção que escolheu o candidato governista, Rui Barbosa
parte para uma candidatura de oposição, apoiado por Nilo Peçanha, e lança-se,
uma vez mais, na jornada cívica pelo país, sabendo, embora, que o jogo da
sucessão já estava decidido.
Realizadas as eleições, em 13 de abril de 1919, Epitácio Pessoa recebe
249.342 votos e Rui Barbosa, 118.303 votos.
Apenas para registro, Rui Barbosa pensou, inicialmente, em puxar o tapete
do Presidente eleito, usando de todo o seu saber jurídico. Apegava-se ele ao
fato de que Epitácio fora aposentado no STF por incapacidade física
permanente. Ora, contestava Rui, se ele era fisicamente incapaz para exercer o
cargo de juiz, como poderia ser considerado capaz para ocupar o mais alto
cargo, que é a presidência da República? Afinal, Rui desistiu de sua retórica e
aceitou a vitória do opositor.
A posse ocorre em 28 de julho de 1919 e, um mês depois, outra morte vem
tumultuar o processo. Desta vez falecia o vice-Presidente, Delfim Moreira, e
- 131 -
novas eleições foram realizadas para escolher seu sucessor, Francisco Álvares
Bueno de Paiva, até então senador federal por Minas Gerais.
Quem era Epitácio Pessoa
Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa nasceu em Umbuzeiro, pequena cidade
ao sul da Paraíba, na divisa com Pernambuco, sendo sobrinho do Barão de
Lucena, político pernambucano e ex-ministro no governo de Deodoro da
Fonseca.
Estudou na Faculdade de Direito em Recife e, aos 25 anos, elegeu-se
deputado constituinte. Foi ministro da Justiça de Campos Sales, mas renunciou
por desentendimentos com o Presidente que, apesar disso, indicou seu nome
para ministro do Supremo Tribunal Federal, onde se aposentou por incapacidade
física, conforme bem lembrou Rui Barbosa.
Na eleição, encontramo-lo na França, participando da Conferência de Paz,
onde defendeu, com um brilhantismo que faz lembrar Rui, as duas reivindicações
básicas do Brasil nas reparações de Guerra. Uma delas era o dinheiro que o
Brasil tinha depositado no Banco alemão, proveniente da venda de quase dois
milhões de sacas de café, depósito esse que a Alemanha bloqueou quando
nosso país lhe declarou guerra.
O crédito era incontestável, mas Inglaterra e França queriam que a
indenização se fizesse pela conversão do marco de após guerra e não pelo
marco no dia do depósito. Essa simples questão de câmbio daria ao Brasil um
prejuízo em torno de 90 por cento do valor original. Com a interferência dos
Estados Unidos, o Brasil conseguiu receber a indenização por seu valor real.
Outra questão que exigiu grande capacidade de negociação se referia aos
navios apresados na baía da Guanabara, em represália ao afundamento, pela
Alemanha, de vários navios mercantes brasileiros.
O Brasil desejava ficar com as embarcações alemãs, mediante justa
indenização, mas Inglaterra e França também tinham interesse de incorporá-las
às suas frotas. Mais uma vez, a mediação dos Estados Unidos levou à vitória
das posições brasileiras.
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Aí vem o Presidente!
Eleito presidente da República, e faltando quase três meses para a posse,
Epitácio, com a família, resolve ficar na Europa, recebendo homenagens e
aproveitando convites que lhe foram feitos por vários chefes de Estado.
Começa, então, uma viagem encantada, como só um príncipe dos velhos
tempos sonharia ter. Primeiro vai à Bélgica, onde é recebido solenemente pelo
rei Alberto e pela rainha Elisabeth, hospedando-se no palácio real. Regressando
a Paris, recebe homenagens na Universidade de Paris e na Câmara de
Deputados, além de ter um encontro com a colônia brasileira ali residente.
Em seguida, um trem real vem à França especialmente a buscá-lo para uma
viagem à Itália, onde é recebido pessoalmente pelo rei, acompanhado da corte.
Aproveitando o ensejo de sua presença na Península, faz uma visita protocolar
ao papa Benedito XV.
Voltando a Paris, é acolhido com pompa e recebe condecorações. Em
seguida, um destroier inglês o leva a Londres, onde é recepcionado pela família
real, visita o parlamento e cumpre um extenso programa.
Um cruzador inglês o leva, agora, até Lisboa, sendo recebido com
entusiasmo pelo presidente da República, e com reservas pelos monarquistas.
Volta, então à França, onde o governo lhe coloca à disposição um cruzador
para levá-lo aos Estados Unidos. O navio fica à deriva em pleno oceano.
Grandes problemas? De maneira alguma. Comunicado por telégrafo, o
governo americano apressa-se em enviar um navio transporte, que recolhe toda
a comitiva presidencial, transportando-a sã e salva para Nova York.
Sua chegada aos Estados Unidos faria inveja até ao Imperador D. Pedro II
que, em seus melhores momentos, jamais tivera tão festiva recepção. O navio
Imperator, transportando o Presidente eleito e sua comitiva, aproximou-se do
porto de Nova York escoltado por uma esquadra de destroieres americanos,
enquanto o forte anunciava a sua chegada com 21 salvas de canhão,
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representando os nossos 20 Estados, mais o Distrito Federal. Cada descarga
era correspondida pelos canhões das outras fortalezas.
De Nova York, segue para o Canadá e, no início de julho, volta a Boston,
ainda em tempo de assistir as comemorações do 143º aniversário da
Independência dos Estados Unidos.
Dois dias depois, usando um encouraçado que lhe fora colocado à
disposição pelo governo americano, Epitácio Pessoa retorna, enfim, ao Brasil,
fazendo uma escala no seu Estado natal para receber homenagens dos
paraibanos.
Prossegue, depois, na viagem, chegando triunfalmente no Rio de Janeiro,
em 21 de julho de 1919, sete dias antes da posse. Então, navios de guerra do
Brasil fazem escolta ao destroier americano, em sua entrada na baía da
Guanabara.
O Ministério
Anunciando seu Ministério, o Presidente, já empossado em 28 de julho de
1919, cria o primeiro confronto com as Forças Armadas, ao confirmar o nome de
Pandiá Calógeras, um civil, para ocupar o Ministério da Guerra. E fez mais,
confirmando também outro civil, João Pedro da Veiga Miranda, para o Ministério
da Marinha. Foi o primeiro ministério da República que, ao seu início, não contou
com a participação de militares.
Não tardou a reação. Logo após escolhido o Gabinete, Epitácio recebe em
sua casa a visita do almirante Antônio Coutinho Gomes Pereira, ex-ministro da
Marinha durante interinidade de Delfim Moreira, o qual manifesta sua
preocupação com relação ao estado de ânimo dos quartéis, conforme
depoimento do próprio Presidente:
"Na véspera da minha posse, às 11h30 da noite, em minha
residência, um dos mais prestigiosos generais da Armada me
aconselhava a recuar daquele propósito, para não expor o país às
vicissitudes de um movimento armado. Respondi-lhe como devia:
'Amanhã a imprensa publicará a nomeação de um civil para a Pasta
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da Marinha; a Armada, digo mal, os indisciplinados da Armada que
tomem a responsabilidade de perturbar a ordem constitucional da
República pelo fato de não querer o presidente, no uso
incontestável de seu incontestável direito, reconhecer-lhes título de
propriedade sobre uma das Pastas do Governo. Resistirei e
veremos como se comporta a nação'. No dia seguinte, com efeito,
os jornais davam a nomeação de dois ministros civis para as Pastas
militares."
O Ministério completo era assim formado:
Relações Exteriores, José Manuel de Azevedo Marques, por São
Paulo; Justiça, Interior e Instrução Pública, Alfredo Pinto Vieira de
Melo; Agricultura, Indústria e Comércio, Ildefonso Simões Lopes,
pelo Rio Grande do Sul; Fazenda, Homero Batista, pelo Rio Grande
do Sul; Viação e Obras Públicas, José Pires do Rio, engenheiro
paulista; Guerra, João Pandiá Calógeras, por Minas Gerais;
Marinha, Raul Soares, também por Minas Gerais.
Obras do governo
Sendo de origem nordestina, e conhecedor dos terríveis problemas gerados
pela seca, que transformava a pobreza em miséria, e a miséria em indigência
total, Epitácio Pessoa cuidou de incluir, pela primeira vez na História da
República, um programa sério de combate à seca.
Não foi por acaso que pôs, no ministério da Viação, o engenheiro Pires do
Rio, que já dirigira a Inspetoria de Obras contra as Secas, conhecendo os
métodos empregados até então, que consistiam simplesmente em criar frentes
de trabalho para minorar a tragédia durante os períodos críticos, sem nenhum
trabalho de estrutura para assentar os retirantes em suas cidades de origem.
Infelizmente, muitas das obras iniciadas tiveram de ser interrompidas pela
forte pressão dos barões do café que achavam um desperdício empregar verbas
no cultivo da indigência, quando esse dinheiro, segundo eles, poderia ser melhor
empregado no incremento da cultura cafeeira, gerando maior quantidade de
empregos. E com a interrupção do programa, muitos dos empreendimentos
ficaram inacabados, inutilizando os recursos despendidos.
- 135 -
No que tange às Forças Armadas, cuidou-se da remodelação do Exército, da
reconstrução de unidades navais e do adestramento do pessoal.
Redimindo uma dívida moral que vinha desde a Proclamação da República,
Epitácio revogou o decreto de banimento da família real, fazendo trasladar para
o Brasil os restos mortais do Imperador Pedro II e da Imperatriz Tereza Cristina.
Uma das grandes obras de urbanização no Rio de Janeiro foi o desaterro do
morro do Castelo com um avanço para o mar, formando uma explanada onde se
construíram as obras para a exposição do 1º Centenário da Independência, que
ocorreria em 1922.
Mas também cometeu os mesmos erros de seus antecessores. Tentou
suspender a sangria de recursos públicos com a valorização artificial do café,
medida corretíssima. Mas, pressionado uma vez mais pela oligarquia cafeeira,
voltou atrás, reavivando o Convênio de Taubaté, que mantinha uma caixa de
conversão com reservas para a sustentação dos preços.
Assim, ao contentar os fazendeiros, desgostou os industriais que, a esta
altura, já tinham um peso político apreciável para se fazer ouvir.
Desvalorizou, também, a moeda, provocando a inflação. O aumento de
custo de vida gerou manifestações de rua que foram reprimidas com violência.
A sucessão
Depois da posse, qualquer Presidente tinha de gastar a primeira metade de
seu quadriênio resolvendo questões com os Estados, e a outra metade
resolvendo questões com a sucessão presidencial.
Para Epitácio, a primeira parte até que foi simples, resumindo-se a uma
intervenção na Bahia para garantir a posse de seu correligionário, J.J.Seabra,
cuja vitória era contestada pela oposição, liderada por Rui Barbosa.
O problema maior estava na sucessão, cuja discussão incendiou o ambiente
político dois anos antes das eleições. Lançou-se o nome de Artur Bernardes,
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governador de Minas, aceito sem restrições, sofrendo só a oposição feita pelo
governador gaúcho, Borges de Medeiros. Quanto à vice-presidência, Epitácio
sugeriu que o nome viesse do nordeste, o que provocou, desde logo, uma
disputa pela indicação, entre J.J.Seabra, da Bahia, e José Bezerra, de
Pernambuco. Epitácio optou por um terceiro nome, o do maranhense Urbano
dos Santos, que já havia sido vice de Venceslau Brás.
Não se conformando com a solução, um grupo de políticos passou para a
oposição, criando um movimento que ficou conhecido como Reação
Republicana, e que lançou como candidatos o fluminense Nilo Peçanha para
Presidente e, para vice, o baiano J.J.Seabra, que tanta celeuma causara há
pouco, para empossar-se no governo da Bahia.
As cartas “apócrifas” de
Arthur Bernardes
Nunca uma campanha republicana se desenvolvera em nível tão baixo e
jamais se utilizara de expedientes tão mesquinhos, nos quais o que menos influía
eram os interesses da nação.
O episódio que mais agitou o período foi o de duas cartas, escritas em junho
de 1921 e atribuídas a Artur Bernardes, nas quais este faz desconsiderações ao
Exército e, especialmente, ao marechal Hermes da Fonseca, ao qual chama de
sargentão sem compostura".
Os envolvidos no rumoroso caso foram, de um lado, os cidadãos Oldemar
Lacerda e Jacinto Guimarães, desconhecidos dos meios políticos, que
confessaram, mais tarde, terem falsificado as missivas, a mando não se sabe de
quem, porque a ninguém interessou investigar.
Do outro lado, estavam o senador Irineu Machado, que acolheu os dois
cidadãos e encaminhou as cartas, como verdadeiras, para o jornal Correio da
Manhã, e o jornalista Mário Rodrigues, diretor-substituto do jornal, que não só
publicou as cartas, como também fez pesados comentários contra Artur
Bernardes.
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De todos, o único a parar na cadeia foi o imprudente jornalista. O senador
estava protegido por imunidade parlamentar. Os dois mentores da carta
assinaram uma ata, em maio de 1922, confessando a falsificação. Logo em
seguida foram liberados sem que se abrisse inquérito contra eles, nem tampouco
foram julgados, a qualquer tempo, pelo crime supostamente cometido.
Com isso, ficou a desconfiança, sempre presente, de que as cartas poderiam
mesmo ser verdadeiras, e que a confissão teria sido um arranjo político. Se
verdadeiras ou falsas tais cartas, jamais se saberá.
As eleições presidenciais se realizaram em 1º de março de 1922, com a
vitória certa de Artur Bernardes, mas, a partir daí os acontecimentos, nas áreas
política e militar, caminharam com a velocidade e a violência de um furacão.
A questão de Pernambuco
Era governador de Pernambuco Severino Pinheiro, apoiado por Rosa e Silva
e Manuel Borba. A família de Epitácio Pessoa estava na oposição, apoiando o
bloco político de Estácio Coimbra e Dantas Barreto.
Na campanha pela sucessão estadual, os governistas apoiavam o senador
José Henrique Carneiro da Cunha, enquanto a oposição se fixava no nome do
prefeito de Recife, Lima Castro.
No apoio à oposição, pretextando a preservação da ordem, o presidente
Epitácio manda o coronel Jaime Pessoa para comandar as tropas aquarteladas
em Recife. Foram, também, requisitadas forças da Paraíba para reforçar o
efetivo pernambucano.
A campanha desenvolveu-se pelos mesmos caminhos tortos sobre os quais
transitavam, corriqueiramente, as campanhas políticas no Nordeste. As tropas
iam à rua para manter a ordem e, na repressão havia tiroteios, invasão de jornais
e atos de força que, em pouco tempo, criaram na população um estado de
pânico.
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Houve, então, um incidente maior, que serviu para jogar gasolina no fogo.
Uma patrulha estacionada na entrada da cidade tinha como missão eliminar o
governador do Estado, no caminho ao Palácio, sendo sua referência apenas a
descrição do carro que seria usado pela autoridade.
Por uma infeliz coincidência, na hora errada e no lugar errado, passava outro
carro semelhante ao do governador, que foi prontamente fuzilado, matando seu
ocupante, Tomás Coelho, um advogado alheio a qualquer movimento político.
Exames periciais comprovaram que o tiro partiu de uma carabina Mauser, de uso
privado das Forças Armadas.
O motim
Iniciava-se o tumultuado mês de julho de 1922. Contrária às violências em
que, involuntariamente, tinha que se envolver, rebelou-se a jovem oficialidade de
Pernambuco e o tenente Oliveira Leite, em boa fé, enviou um telegrama ao
Ministro da Guerra, denunciando seu superior, o coronel Jaime Pessoa. Em
consequência de seu ato, foi punido com prisão.
Alguns de seus colegas, sentindo ser inútil qualquer reclamação ao Governo
central, fazem um apelo ao presidente do Clube Militar, marechal Hermes da
Fonseca, que vai ao socorro dos rebelados, enviando-lhes uma mensagem de
ânimo, incitando-os à luta, e afirmando que "os governos passam, e o Exército
fica".
Interpelado pelo Ministro da Guerra, o marechal confirma a autoria do
telegrama, recebendo voz de prisão e sendo mantido, quase que incomunicável,
no quartel do 3º Regimento de Infantaria, sob o comando do Cel. Severino
Correia.
Ato contínuo, seus companheiros assumem, solidariamente a
responsabilidade pelo teor do telegrama e, em represália, o governo manda
fechar o Clube Militar.
O episódio, no início circunscrito ao Estado de Pernambuco, torna-se agora
um problema nacional, levantando o ânimo da jovem oficialidade em vários
pontos do país, sobretudo no Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso.
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Jamais se apurou se as revoltas que se seguiram foram resultado de uma
explosão imanente, ou se eram fruto de uma conspiração há muito engendrada,
cuja senha foi o telegrama de Hermes aos jovens militares pernambucanos.
A revolta de 5 de julho de 1922
Começa aqui a rebelião que iria se desdobrar na formação do tenentismo,
responsável por todo um ciclo revolucionário que iria desaguar na Revolução de
1930, com o fim da Primeira República.
O movimento deveria eclodir no Rio de Janeiro, na madrugada de 5 de julho
de 1922, com uma operação coordenada, envolvendo a Vila Militar, a Escola
Militar e o Forte de Copacabana, além de outros quartéis isolados.
Merece registro, apenas, a 1ª Cia. Ferroviária, instalada em Deodoro, cujo
comando caberia ao capitão Luís Carlos Prestes, mas que não chegou a entrar
em ação, dado que Prestes contraiu tifo, ficando preso ao leito.
Entrariam em armas, também, os quartéis de Curitiba e as guarnições de
Mato Grosso, estas últimas sob o comando do general Clodoaldo da Fonseca,
primo-irmão do marechal Hermes.
No Paraná o movimento foi abortado desde o início, pela traição de um dos
envolvidos no plano. No Mato Grosso, a sublevação também não teve muito
sucesso, e a rendição foi assinada, sem maiores danos.
O grande problema, como não poderia deixar de ser, foi a cidade do Rio de
Janeiro, sede do Governo central, do Clube Militar ora fechado, e onde se achava
o marechal Hermes. Este após 17 horas de prisão, foi libertado, indo para o hotel
onde residia e depois, despistando os que o vigiavam, fugiu e abrigou-se na
chácara de um de seus filhos, Mário Hermes, militar e deputado federal.
A Vila Militar
Uma falha nas comunicações levou ao fracasso do levante na Vila Militar,
uma das peças chaves da rebelião. Tinha ficado entendido que, uma vez liberto,
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o marechal acharia um meio de se deslocar até aquele local e a sua chegada
seria a senha para que os dois regimentos revoltosos descessem à cidade.
Segundo um depoimento prestado mais tarde pelo já então brigadeiro
Eduardo Gomes, houve um mal-entendido quanto ao teor da mensagem,
achando o marechal que deveria aguardar na chácara pela passagem dos
regimentos, quando lhe seria entregue o comando.
Esse desentendimento resultou fatal, pois a rebelião, contida a tempo,
permitiu que se reorganizassem as forças leais ao governo, as quais foram, mais
tarde, utilizadas na repressão à Escola Militar.
A Escola Militar
A rebelião na Escola Militar contava com um comando selecionado, composto
de vários instrutores e tinha tudo para dar certo. Entre os rebelados estavam
Juarez Távora, Odilio Denys, Stênio Caio de Albuquerque Lima e Edmundo de
Macedo Soares.
O comando geral coube ao coronel José Maria Xavier de Brito, veterano da
guerra de Canudos e, neste momento, dirigindo a Fábrica de Cartuchos do
Realengo, também envolvida na conjuração.
Na operação, cuidou-se de vigiar o comandante da Escola, general Monteiro
de Barros, que foi impedido de sair de sua casa, após uma troca de tiros. Sob
vigia estavam também os soldados suspeitos de contrariar o movimento.
Na hora combinada, a Escola saiu em direção à Vila Militar onde, pensavam,
já encontrariam um contingente de rebelados aos quais deveriam se juntar. Ao
caminho, receberam um mensageiro informando que a sublevação naquele local
fracassou e a tropa estava de prontidão, sob o controle dos oficiais leais ao
governo.
Para testar a real situação, os rebelados tiveram a infeliz ideia de disparar
alguns tiros contra a Vila Militar. Foi como atirar pedras a um vespeiro. Unidades
formadas em combate deixaram os quartéis e avançaram no contra-ataque, num
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confronto que, logo no início, deixou morto o cadete Irapuã Xavier, além de outro
que ficou ferido.
Não havia condições de enfrentamento e a causa estava sabidamente
perdida. Em ordem, os alunos voltaram à Escola por ordens do próprio coronel-
comandante Xavier de Brito. No livro de ocorrências, o tenente Juarez Távora
registrou os acontecimentos, segundo sua própria versão, e os amotinados
ficaram no aguardo das consequências. Por volta do meio-dia houve prisões em
massa, sendo os prisioneiros levados para vários locais, inclusive para a ilha das
Cobras.
O Forte de Copacabana
O mais grave dos movimentos, nesse 5 de julho, foi o que ocorreu no Forte
da Igrejinha, ou Forte de Copacabana, subordinado ao 1º Distrito de Artilharia da
Costa. Era comandante da Artilharia o General Bonifácio da Costa e o Forte se
achava sob o comando do capitão Euclides Hermes, filho do marechal.
Ao raiar do dia, como já vimos, estavam debelados os movimentos da Vila
e da Escola. Muitos dos oficiais que não tinham conseguido se juntar aos
rebelados, mas que faziam parte da conspiração, trataram de buscar abrigo no
único lugar seguro, que, naquele momento, era o Forte. Assim, além de sua
população habitual, achavam-se lá, homiziados, mais de trezentos oficiais e
praças.
Cumprindo ordens do ministro Pandiá Calógeras, o General Bonifácio se
dirigiu ao Forte com o capitão José da Silva Barbosa, a quem pretendia entregar
o comando, substituindo o filho de Hermes. Ambos foram presos.
Mais tarde, dois outros tenentes legalistas foram ao Forte ver o que acontecia
e um deles, o tenente Mário Tamarindo Carpenter aderiu à revolta e lá ficou.
Pouco depois, outros sessenta militares que se achavam no Forte do Vigia
comunicaram ao seu comandante que estavam aderindo à revolta.
Sequestraram um bonde e foram se juntar aos companheiros de Copacabana.
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Iniciou-se a ação armada, primeiro com tiros secos de canhão, apenas para
permitir que a população fugisse. Depois, um novo canhonaço, desta vez com
carga pesada, direcionado ao QG do Exército, mas que caiu na casa ao lado,
matando três civis.
O ministro da Guerra, o civil Pandiá Calógeras, em pessoa, telefonou aos
rebeldes e repreendeu-os pelo tiro errado que causou vítimas no edifício ao lado.
Não devia ter feito isso. Corrigindo a posição do canhão, os rebelados mandaram
novo tiro, certeiro, que atingiu em cheio o Quartel General, levando à retirada o
ministro e todo o seu Estado Maior.
Reforçava-se assim a tese daqueles que reprovaram a nomeação de um civil
para o Ministério da Guerra. Faltava-lhe a malicia que só a vida de caserna traz.
O mito dos Dezoito do Forte
Embora vitorioso, o Forte não podia se sustentar por muito tempo e os chefes
tinham consciência de que a repressão aniquilaria a todos.
O capitão Euclides Hermes saiu para parlamentar com o ministro Pandiá
Calógeras e foi preso. De todo aquele contingente abrigado na fortaleza, que já
não era tão segura, a maioria resolveu se retirar, ficando apenas 28 homens: o
1º tenente Siqueira Campos, o 1º tenente Eduardo Gomes, o 2º tenente Newton
Prado e o 2º tenente Mário Tamarindo Carpenter, mais soldados, praças e
alguns civis.
A reação legalista começou a se fazer sentir, lenta e pesadamente, sobre o
Forte, que se achava cercado e acuado, sem condições de luta contra todas
essas forças de terra e de mar, dispostas a manter a ordem legal. Não adiantava
prosseguir, pois a derrota era apenas uma questão de tempo.
Decidiram, então, ir à rua e marchar sobre o Palácio, de peito aberto, fazendo
um avanço suicida e inconsequente. Dos 28 que se achavam no Forte, apenas
17 se dispuseram ir ao sacrifício. A Bandeira Nacional foi, então, cortada em 18
pedaços (cortar em 17 pedaços iguais seria muito complicado). Cada um
recebeu uma daquelas tiras e o 1º tenente Siqueira Campos ficou com duas
delas.
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Caminhando pela rua, encontraram um cidadão gaúcho, Otávio Correia, que
se juntou ao batalhão. Completaram-se, assim, os 18 que caminharam para a
morte e que se transformaram nos heróis do Dezoito do Forte.
Sem proteção, e sem condições de ataque, pouquíssimos sobreviveram. Dos
quatro tenentes, Carpenter morreu na hora, Newton Prado, gravemente ferido,
morreu depois. Siqueira Campos, ferido, sobreviveu e ainda participou de outros
movimentos, até 1930, quando afogou-se, após voltar de um encontro com Luís
Carlos Prestes.
O único sobrevivente foi Eduardo Gomes, que, ao correr da história,
participou do movimento tenentista e, depois, na 2ª República tornou-se
Brigadeiro do Ar e fundador da Força Aérea Brasileira. Em 1946 foi candidato à
Presidência da República e, até 1981, quando faleceu, teve participação ativa na
vida política brasileira.
Vale a expressão popular, segundo a qual viúvo é quem morre. Eduardo
Gomes sobreviveu aos seus colegas e teve tempo para construir uma biografia.
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Independência e morte
Estavam comprometidas de vez as comemorações dos 100 anos de
Independência do Brasil, cujas festividades vinham sendo ansiosamente
aguardadas nos últimos anos. Não havia mais os cadetes da Escola Militar, com
suas fardas imponentes para brilhar na abertura dos desfiles.
Parte da jovem oficialidade, e dos soldados que aderiram a ela, se viu
envolvida em grossos processos judiciais, que ainda se arrastariam por muitos
anos, antes de chegar à anistia geral. A grande exposição planejada para o
pavilhão na esplanada do Castelo se realizou, mas sem o mesmo brilho.
Os desfiles também aconteceram, mas o que se passava pela cabeça
daqueles jovens, depois de todos os acontecimentos vividos há pouco mais de
um mês?
Como se sentia o Governo, incluídos, nessa expressão, também o Senado
e a Câmara, caixas de repercussão da opinião nacional, incluídos ainda a Justiça
e o Ministério Público, envolvidos desenrolar dos processos contra os jovens
militares? E como se sentia, toda ela, a cidade do Rio de Janeiro, depois desses
acontecimentos?
O movimento de 5 de julho de 1922, marcado pela morte, foi na verdade o
nascimento de uma nova mentalidade, dentro e fora da caserna, gerando a
continuidade de movimentos revolucionários que enfraqueceram as oligarquias
dominantes, minando a base de sustentação dos governos fortes, os quais, a
partir dessa data, tiveram de conviver com um poder paralelo que, poucos anos
mais tarde, chegaria ao ápice, com a derrubada da Primeira República.
Quanto a Epitácio Pessoa, completou seu mandato em 15 de novembro de
1922, sendo, logo após, nomeado juiz da Corte Permanente de Justiça
Internacional de Haia, onde permanece até a queda da Primeira República, em
1930.
Então, retira-se à vida privada e morre, em 1942, aos 77 anos, vítima do mal
de Parkison.
Paulo Victorino
CAPÍTULO DEZ
A REVOLUÇÃO DOS "TENENTES"
ARTUR BERNARDES - 1922-1926
De 13 de maio de 1925 a 3 de fevereiro de 1927, os guerrilheiros
se deslocaram em direção ao centro-oeste e nordeste do país. Em
1927, o movimento se dissolveu, por vontade própria, confiante de
que já havia abalado as estruturas do poder. Pela sua grande
habilidade tática, Prestes logo se destacou entre os demais. Pela
primeira vez na história da República, um movimento revoltoso
apaixonou a opinião pública, que, geralmente, permanecia alheia a
esses acontecimentos. Muitas lendas surgiram, misturando a
verdade histórica e o mito e dificultando distinguir um do outro. A
guerrilha ficou conhecida como “Coluna Prestes” e seu mentor, Luiz
Carlos Prestes recebeu o cognome de "O Cavaleiro da Esperança".
O ano de 1922 foi um divisor de águas, dentro da Primeira República. Não
que a classe política, de alguma forma, tenha se reabilitado. Os métodos de ação
continuavam os mesmos: eleições fraudadas, dualidade de poderes,
interferências do poder central nas unidades da federação, decretação frequente
de estado de sítio, enfim, os mesmos velhos costumes que iam passando de um
governo para outro, transformando a democracia numa ficção.
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Todavia, o episódio das cartas supostamente escritas pelo candidato à
Presidência, Artur Bernardes, aviltando o Exército e seus oficiais, coloca em
marcha um processo revolucionário que se estende por oito anos, minando as
estruturas da República Velha e provocando sua queda.
Não importa se tais escritos são verdadeiros ou falsos. Vale sim que o
episódio é o combustível que faltava para atear fogo ao sistema social vigente,
a busca de outro que contemple, com novas regras, as multidões condenadas a
uma vida de pobreza, por vezes, indigente. Pelo menos, a intenção confessa era
essa.
O mentor de processo, em seu início, foi o ex-Presidente, marechal Hermes
da Fonseca, entusiasmando a jovem oficialidade e motivando-a a empreender
as mais rebeldes e impensadas revoltas, todas elas derrotadas no campo militar,
mas trazendo aos governos um desgaste político irreparável.
A faísca que provocou o incêndio veio de Pernambuco e a chama espalhou-
se para o Rio de Janeiro, Paraná e Mato Grosso. Ao morrer o marechal, a ação
tinha já moto próprio, gerando um movimento guerrilheiro que, durante dois anos,
percorreu o país, para se autodissolver, quando concluiu que os resultados
políticos da operação já estavam alcançados.
Esses jovens, que promoveram o processo conhecido como tenentismo,
atravessaram os anos vinte e marcaram sua presença nas décadas seguintes.
Dois deles, bem mais tarde, foram candidatos à presidência da República.
Eduardo Gomes tornou-se brigadeiro e coube a ele fundar a Força Aérea
Brasileira.
Os nomes de muitos outros nos são familiares e aparecem, ora ocupando
ministérios, ora envolvendo-se em acontecimentos sequentes da vida
nacional.Vale a pena, pois, conhecer o fascinante trajeto do tenentismo e ver
como ele mudou a história do país.
A campanha eleitoral
Artur Bernardes já era candidato à presidência da República quando, a 10 de
outubro de 1921, surgem as cartas a ele atribuídas, tendo como destinatário o
líder político mineiro Raul Soares. Todo o escândalo em torno do assunto não
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impediu o prosseguimento da campanha eleitoral, como não evitou, também,
que Bernardes ganhasse as eleições, que se realizaram em 1º de março de
1922, derrotando Nilo Peçanha, seu opositor na Reação Republicana.
O restante do ano desenvolveu-se em tumulto generalizado, com revoltas
militares e prisões em massa, conforme já foi contado no capítulo anterior.
Dentro desse clima tumultuado é que se deu a posse do novo Presidente, na
data prevista, ou seja, em 15 de novembro de 1922.
O vice-Presidente eleito, Urbano dos Santos, morreu dois meses após a
eleição. Aproveitando-se disso, J.J.Seabra, o candidato a vice pela oposição, vai
ao Supremo Tribunal Federal para pleitear sua posse no lugar do falecido, já que
ele foi o segundo mais votado. Só poderia ser, pois havia apenas dois
candidatos...
O STF negou provimento ao recurso e a manobra não logrou êxito. Então,
foi eleito para o cargo o deputado Estácio de Albuquerque Coimbra, que era o
líder do Governo na Câmara Federal.
Quem era Artur Bernardes
Artur da Silva Bernardes nasceu em 1875 em Viçosa, 150 quilômetros a
sudeste de Belo Horizonte. Formado em Direito, inicia sua carreira pública como
vereador em sua pequena cidade e logo demonstra sua capacidade de
comunicação e arregimentação política.
Torna-se primeiro deputado estadual e, depois, deputado federal. Destaca-
se como secretário de Finanças do governo de Minas e acaba se elegendo
presidente (governador) do Estado.
Sua projeção em nível nacional se dá com a candidatura à presidência da
República, dentro do esquema café com leite, mas enfrenta uma forte oposição,
tanto durante a campanha, como no decorrer de seu quadriênio. Basta lembrar
que, dos 48 meses de governo, 44 se desenrolaram sob estado de sítio, com a
suspensão de garantias constitucionais.
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Dois de seus opositores morrem logo no primeiro ano de governo: o marechal
Hermes da Fonseca, pivô das revoltas militares, e o tribuno Rui Barbosa. Os
outros adversários, quando pôde, ele não perdeu oportunidade de neutralizá-los,
de modo a não atrapalhar sua gestão. Entre eles, o fluminense Nilo Peçanha,
líder da Reação Republicana, e o gaúcho Borges de Medeiros, que se
manifestou contra sua candidatura.
Formou seu primeiro Ministério com os seguintes nomes:
Relações Exteriores, José Felix Alves Pacheco, piauiense; Justiça,
Interior e Instrução Pública, João Luís Alves, mineiro; Fazenda,
Rafael de Abreu Sampaio Vidal, paulista; Viação e Obras Públicas,
Francisco Sá, cearense, que já havia ocupado o cargo na gestão
de Nilo Peçanha; Agricultura, Indústria e Comércio, Miguel Calmon
du Pin e Almeida, baiano; Guerra, general Fernando Setembrino de
Carvalho, gaúcho; Marinha, almirante Alexandrino Faria de
Alencar, gaúcho. Este último veio a falecer em 1926, sendo, então
substituído pelo almirante Arnaldo Siqueira Pinto da Luz.
Nilo Peçanha e a
sucessão fluminense
Assumindo a Presidência, Bernardes sente sua autoridade contestada no
outro lado da baía da Guanabara, no Estado do Rio de Janeiro, quando são
eleitos governador e vice, respectivamente, Raul Fernandes e Artur Leandro de
Araújo Costa, ambos apoiados por seu opositor na campanha federal, Nilo
Peçanha. Os candidatos da simpatia do Presidente eram Feliciano Pires de
Abreu Sodré e Paulino de Souza (respectivamente para governador e vice).
Seguiu-se o de sempre. As eleições foram fraudadas, sob o controle nilista.
Então, instalaram-se duas Assembleias Legislativas, cada uma com sua
Comissão de Verificação de Poderes. A primeira reconheceu e empossou Raul
Fernandes, nilista; a segunda fez a mesma coisa com Feliciano Sodré,
bernardista.
O advogado de Raul Fermamdes, nada menos que Assis Chateaubriand,
obtém um habeas-corpus no Supremo Tribunal Federal. Bernardes encaminha
o caso ao Congresso para que este se incumba de referendar um dos nomes,
logicamente, o de sua escolha.
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Então, como ocorressem distúrbios nas ruas de Niterói, o presidente da
República decreta intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, dissolve as
Assembleias Legislativas e convoca novas eleições, nas quais teve o cuidado de
garantir a vitória de seu preferido, Feliciano Sodré.
Estava anulada no Estado, pelo menos em seu governo, a interferência
política de Nilo Peçanha.
Borges de Medeiros e
a sucessão gaúcha
No Rio Grande do Sul, é exagero falar em sucessão, pois, desde 1898 que
Borges de Medeiros vem sendo o sucessor dele mesmo, permanecendo
continuamente no poder, salvo em raros momentos em que teve de se licenciar,
quando, então, era substituído pelo vice, por sinal, nomeado pelo próprio
governador.
Na campanha sucessória de 1922, entretanto, o caudilho teve de enfrentar
um forte opositor, Assis Brasil, que saiu de seu exílio voluntário no Castelo de
Pedras Altas, para dar-lhe combate franco e aberto, numa aliança popular que
recebeu o nome de Aliança Libertadora.
As eleições se deram em 25 de novembro de 1922. De um lado e do outro a
fraude foi utilizada sem cerimônias. Como conta o escritor gaúcho, Mem de Sá,
"todos podiam votar. Podiam e votavam umas dez vezes, em mesas
eleitorais diferentes, em municípios próximos. Os mortos, quisessem ou
não, votavam também, engordando as urnas..."
Venceu Borges de Medeiros, cujo nome foi, a contragosto, chancelado pela
Comissão de Constituição de Poderes, formada pelos deputados Getúlio Vargas,
Ariosto Pinto e José Vasconcelos Pinto.
Como não alcançasse os três quartos do eleitorado, conforme mandava a
Constituição, Borges não titubeou em fazer sua interpretação pessoal da Carta.
Para ele, bastava eliminar os eleitores inscritos, mas que não votaram, que o
quorum seria alcançado. E todos os que lhe eram fiéis disseram Amém.
- 150 -
A revolução gaúcha
de 1923
Desta vez, a reeleição não foi assimilada pacificamente. Estourou uma
revolução, com Assis Brasil ao centro, mas retirando de suas tocas as velhas
raposas que dominavam em várias regiões do Estado, muitas delas vindas da
Revolução Federalista de 1893. Destaca-se o general Honório de Lemes.
Ignorante, semianalfabeto, mas com uma habilidade inata para a guerra,
conhecedor da topografia como nenhum outro, o general tinha seu próprio
exército, formado principalmente de lanceiros, homens que ninguém vencia no
combate corpo a corpo ou à pequena distância, até onde alcançassem suas
longas e poderosas lanças. E depois da vitória, vinha a degola dos feridos,
conforme tradição gaúcha, para que estes não lhes viesse interceptar o caminho
mais tarde.
O grito de guerra partiu de Passo Fundo, dado pelo deputado Artur Caetano
que, em 24 de janeiro de 1923, enviou um telegrama ao presidente da República,
informando que estava se movimentando com 4.000 revolucionários os quais só
deixariam as armas quando Borges, por sua vez, deixasse o poder.
Essa guerra civil, como conta Batista Luzardo, era
"alimentada a churrasco, fumo e mate, e cuja característica foi a
mobilidade das unidades em campanha, teve como chefes
supremos Borges de Medeiros, do lado governista, assessorado
- 151 -
pelo comandante da Brigada Militar, Cel. Afonso Emilio Massot, e
por vários oficiais de Exército, instrutores; e do lado revolucionário,
Assis Brasil, na liderança teórica, e os caudilhos Honório de Lemes
(fronteira do Sudoeste), Leonel Rocha (região norte), Estácio
Azambuja (região centro-sul), José Antônio Neto (Zeca Neto,
região sul). Os comandantes republicanos foram Firmino de Paula,
Flores da Cunha, Juvêncio Lemos, Firmino Paim Filho e Claudino
Nunes Pereira."
Reina a paz nos pampas
Renascia, assim a luta entre os blancos, donos do poder desde a
Proclamação da República, e os colorados, sempre na oposição.
A intervenção conciliatória do governo federal não poderia tardar, pois a
guerra, tal como estava colocada, fazendo renascer ódios antigos, não
terminaria "enquanto não tombasse o último gaúcho".
Primeiro, Bernardes envia para o Rio Grande do Sul o ex-ministro da Justiça,
o potiguar Augusto Tavares de Lira que, estranho ao ambiente sul-riograndense,
não obteve êxito.
Depois, segue para o sul o próprio ministro da Guerra, general Setembrino de
Carvalho, este sim, gaúcho, conhecedor do estado de espírito dos contendores
e hábil negociador.
O trem do general foi estacionado num desvio em Bagé, bem distante de
Borges e de Assis, para evitar influências indesejáveis em sua missão.
Funcionou como importante elo entre o general e as partes conflitantes, o major
Euclides de Oliveira Figueiredo (pai do futuro Presidente João Batista
Figueiredo) que, em momento crucial, chegou a salvar as negociações,
discutindo com o governador, sem prévia anuência, algumas cláusulas da
minuta, recusadas por este.
Finalmente, em 14 de dezembro de 1923, após onze meses de luta
sangrenta, foi assinada a Ata de Pacificação do Rio Grande do Sul, que ficou
conhecida como Pacto de Pedras Altas. Tinha dez cláusulas e estabelecia o
seguinte:
- 152 –
a) O governador empossado permanece no cargo até o final do
mandato;
b) não haverá mais reeleição;
c) o vice-Governador, até então nomeado pelo titular, passará a ser
eleito por voto direto;
d) a Constituição será modificada para se adaptar às normas
federais.
e) finalmente, o acordo concede uma anistia geral dos revoltosos,
selando a pacificação do Estado.
Contidas as lutas regionais, ainda que sem eliminar totalmente ódios e
prevenções, os chimangos e os maragatos, talvez sem o saber, estão prontos
para uma investida maior nos próximos anos, que é a derrubada da Primeira
República e a tomada do Poder Central, onde Getúlio Vargas permaneceria, sem
a menor cerimônia, por quinze anos.
Militares de 1922
são julgados
Desde as fracassadas revoltas de 5 de julho de 1922, o processo militar
contra os vencidos ia se encaminhando para um desfecho satisfatório a todas as
partes. Os militares revoltosos, presos em quantidade, foram bem tratados na
prisão e, depois de algum tempo, receberam liberdade condicional, enquanto
prosseguia o julgamento. A despeito da ação judicial, o 1º tenente Juarez Távora
chegou a ser promovido a capitão, fazendo antever que, uma vez julgados, as
penas seriam brandas.
Os jovens militares até concordavam com as penalidades previstas em lei,
mas esperavam ser capitulados no art. 111 do Código Penal Militar, com
aplicação de pena de prisão por dois anos, sem perda de patente, e com
readmissão à ativa do Exército.
Para surpresa geral, porém, o enquadramento se fez pelo art. 107, sendo eles
condenados a três anos, com expulsão do Exército e cassação dos postos e das
divisas.
- 153 –
Nessa situação, não tendo mais nada a perder, os envolvidos passaram para
a clandestinidade, iniciando uma conspiração contra o governo central,
procurando atrair sobretudo as forças militares e forças estaduais, instaladas no
sul e sudeste do país.
As sondagens se fizeram inicialmente em Ponta Grossa-PR e Florianópolis-
SC, onde se estabeleceu contato com os sobreviventes da guerra do Contestado
(1912-1916).
No Rio Grande do Sul, se achava em atividade normal o capitão Luís Carlos
Prestes. Como se lembra, ele não chegara a participar das revoltas de 1922 por
estar doente.
Assim, não envolvido no processo como revoltoso, pediu sua transferência
para o Batalhão Ferroviário em Santo Ângelo, onde servia como engenheiro,
mantendo a patente de capitão.
Osvaldo Cordeiro de Farias, também em cômoda situação, servia em uma
unidade de Artilharia, em Santa Maria. Havia articulações por toda a corporação
com o objetivo de fazer um levante em data a ser combinada.
Para o sul seguiu, também, Juarez Távora que, mais tarde, em momento
oportuno, regressou a São Paulo, para reunir-se a seus irmãos Joaquim Távora
e Fernando Távora.
A revolução de 1924
em São Paulo
Em São Paulo, no bairro do Pari, próximo aos quartéis da Luz, morava
Joaquim Távora. Em sua casa, reuniam-se os principais líderes da conspiração
no Estado, entre eles o major Miguel Costa, comandante da Força Pública,
Newton Estilac Leal, Filinto Müller e Diogo de Figueiredo, este último, irmão de
Euclides Figueiredo, que encontramos há pouco como emissário no Rio Grande
do Sul.
- 154 -
Os conjurados mantinham contato com as guarnições de Pouso Alegre, Três
Corações e Itajubá, no sul de Minas.
Em situação de suspeita neutralidade ficava o major Bertoldo Klinger, que
achava prematuro desencadear um processo revolucionário apenas com os
elementos de que dispunham.
Estávamos em março e o levante em São Paulo deveria ocorrer em 5 de
julho de 1924, dia em que se comemorava o segundo aniversário das revoltas
de 1922.
Cabia ao Paraná e Santa Catarina deter o avanço de tropas legalistas pela
serra do Mar, especialmente as que fossem desembarcadas no porto de
Paranaguá. O Rio enfrentaria, no próprio local, as forças governistas, impedindo
seu avanço. O Rio Grande do Sul esperaria seu momento para se manifestar
revoltoso.
Bloqueios seriam feitos, ainda, na subida de Santos e no vale do Paraíba,
neutralizando-se, assim, de todos os lados, os reforços que os legalistas
pretendessem enviar à capital paulista.
Cabia a São Paulo o peso maior das manobras, mas algumas pedras
surgiram no caminho. O 4º Regimento de Infantaria de Quitaúna resistia em
aderir ao plano.
Por outro lado, o major Klinger, até então neutro, dava sinais de impaciência,
podendo inesperadamente tornar-se um delator, o que comprometeria o sucesso
da conspiração.
Nos outros flancos, tudo parecia em ordem. O major Miguel Costa
comandaria o Regimento de Cavalaria da P.M. paulista, apoiado pelo 4º
Batalhão de Cavalaria em Santana.
- 155 -
O 2º Grupo de Artilharia e o 4º R.I., ambos em Quitaúna (zona oeste da
Capital paulista), avançariam até Pinheiros, ficando mais próximos da cidade.
Seriam tomados depois o Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo
estadual, as estações da São Paulo Railway e da Sorocabana, ambas no bairro
da Luz, a poucos quarteirões da cadeia pública e dos quartéis da Força Pública.
Ao mesmo tempo, se tomaria o telégrafo nacional, no centro da cidade, e a
estação da Central do Brasil, no Brás. O vale do Paraíba se rebelaria com os 5º
e 6º R.I.s, em Lorena e Caçapava, fechando o caminho entre São Paulo e Rio.
Um novo nome aparece agora, majestoso, o do general Isidoro Dias Lopes, já
reformado, até então desconhecido do grande público e até mesmo de alguns
setores mais informados, como a imprensa.
Após encontro com ele, Júlio de Mesquita Filho, do jornal O Estado de São
Paulo o descreve como uma
"figura pequenina e enxuta de um velho vestido à paisana e
protegido contra o frio, que era intenso, por um sobretudo preto com
a gola levantada e trazendo na cabeça um chapéu de pano preto
com a aba descida sobre os olhos. Vinha fazendo um cigarro de
palha. Ao ver-nos, levantou a cabeça, deixando-nos ver dois olhos
verdes e faiscantes de vivacidade e malícia".
Como lugar-tenente, estava o major Miguel Costa, comandante da Força
Pública do Estado de São Paulo. Outro nome de prestígio, o major Klinger,
permaneceu, desde o início, numa duvidosa neutralidade.
Os azares do levante
Ao final da noite de 4 de julho, o general Abilio de Noronha, comandante da
2ª Região Militar achava-se no Consulado Americano, participando das
comemorações do Independence Day, quando tomou conhecimento da rebelião
a estourar à zero hora do dia 5.
De imediato, dirigiu-se aos quartéis da Força Pública no bairro da Luz e,
chegando antes que os revoltosos, assumiu o comando dos soldados que ali
estavam, aos quais se acrescentava os que chegavam para a mudança de turno.
- 156 -
No Corpo Escola, o general encontrou o capitão Joaquim Távora, ao qual
deu ordem de prisão, originando um bate-boca entre os dois. Chega, então o
general Isidoro Dias Lopes, comandante da Revolução, que prende o general
Abílio e seu Estado Maior fazendo cessar, momentaneamente, a reação ao
movimento. Todo o restante das tropas estava nas ruas cumprindo, cada uma,
a tarefa que lhe foi entregue.
Falhou, entretanto o bloqueio das tropas legalistas e estas conseguiram se
instalar ao leste da Capital, iniciando o bombardeio à cidade. Numa das missões
a que fora incumbido, o capitão Joaquim Távora saiu gravemente ferido,
morrendo dias após. Assim, logo ao início, a revolução perde um de seus
mentores e peça importante no comando.
Sendo difícil atingir a todos os agrupamentos revoltosos, as forças legalistas,
a partir de 12 de julho, passaram a bombardear a população civil, de forma a
estabelecer um estado de pânico, bem como assestaram contra o parque fabril,
na zona leste da Capital, visando destruí-lo.
O objetivo era o de provocar a rendição dos revolucionários, obrigando-os a
encerrar a ação para não ver a perda inútil de vidas humanas e a destruição do
patrimônio econômico da cidade.
- 157 -
A retirada dos civis
Quem viu as imagens, sempre impressionantes, de retirantes num país em
guerra, pode fazer ideia do que se seguiu. Milhares de pessoas apavoradas
caminhavam pelas ruas, transportando como podiam crianças, velhos e doentes,
bem como carregando os poucos pertences que podiam levar. Esses infelizes
seguiam para o outro lado da cidade (zona sul e zona oeste), invadindo bairros
mais distantes, onde os residentes procuravam dar-lhes abrigo e conseguir o
alimento, a essa altura difícil, pela falta de abastecimento.
O governador Carlos de Campos retirou-se para Guaiauna (Central do
Brasil), lugar seguro e até confortável ao leste da cidade, onde reuniu-se às
tropas governistas.
Já o prefeito de São Paulo, Firminiano Pinto permaneceu em seu posto,
juntando-se ao presidente da Associação Comercial, José Carlos de Macedo
Soares e a outros nomes ilustres de São Paulo, na tentativa de organizar a
sociedade, quanto fosse possível, no socorro emergencial aos desabrigados,
fugitivos dos próprios lares e atirados à rua em pleno inverno.
A tática das forças legalistas contra a cidade deu certo. Para não causar
maiores danos à população civil, e para evitar que todo o parque industrial fosse
destruído, os revoltosos não tiveram outra solução a não ser a retirada das
tropas, o que ainda pôde ser feito em boa ordem.
Controlando parte das ferrovias (Sorocabana e São Paulo Railway), as tropas
revoltosas seguiram para Itirapina e Bauru. Depois, dispersando-se por vários
itinerários, reuniram-se outra vez às barrancas do rio Paraná, apresando vários
vapores e conduzindo o pessoal, rio abaixo, para a foz do rio Iguaçu, e depois
para Guaíra.
Estamos, agora, em 26 de setembro de 1924. Ali, nas margens do rio Paraná,
os revoltosos aguardam a definição das lutas que vão se desenrolar no sul do
país, de cujo andamento depende a estratégia a ser traçada para os meses
futuros.
- 158 -
Sublevação no Rio
Grande do Sul
No início de outubro, chegam a Foz do Iguaçu vários revoltosos, vindos do
Rio Grande do Sul, entre eles, o tenente Siqueira Campos, um dos sobreviventes
dos Dezoito do Forte; Alfredo Canabarro, representando o general Honório de
Lemes, de quem já ouvimos falar na guerra civil do ano anterior, e Dr. Anacleto
Firmo, representando o líder da Aliança Libertadora, Assis Brasil.
Ficou decidido que Juarez Távora partiria incógnito para o Sul, a fim de
estabelecer os contatos com a resistência civil e, principalmente, na área militar,
onde tinha bons relacionamentos.
Na madrugada de 29 de outubro de 1924, iniciou-se o movimento
revolucionário, simultaneamente nas guarnições de Uruguaiana, São Borja, São
Luís e Santo Ângelo, acompanhadas depois por Alegrete e Cachoeira do Sul.
Em Uruguaiana, chegou, depois, o general Honório de Lemes, a quem foi
entregue o comando da praça.
A luta prosseguiu por alguns meses, com algumas vitórias e uma série de
insucessos, de tal sorte que, ao findar-se o mês de março de 1925 os rebeldes
contavam com um pequeno contingente, para lutar contra as tropas legalistas,
que tinham efetivo dez vezes maior e provisão regular de munição e de víveres.
Não havia, pois, condições de se prosseguir na luta, e a decisão foi a de
bater em retirada, subindo em direção a Sete Quedas e Foz do Iguaçu, para
encontrar-se com os remanescentes da revolução paulista.
Essa decisão foi tomada num encontro, em São Borja, de três lideranças: o
capitão Luís Carlos Prestes, o tenente Siqueira Campos e o tenente João
Alberto.
Sendo Prestes o mais graduado entre os três, coube a ele assumir o
comando.
- 159 -
O encontro das
duas frentes
Iniciou-se, pois, a marcha em busca do novo destino. Em verdade, seria fácil
às tropas legalistas liquidar de vez com os rebeldes, tanto mais que alguns
prisioneiros conseguiram fugir e, ao se apresentarem de volta, deram ao
comando legal várias informações sobre o contingente revoltoso, que, sabemos,
era pequeno, estava cansado e praticamente sem munições.
Seguindo ao novo destino, um fator influiu a favor dos rebeldes. As tropas
legalistas eram do Exército e este, como se sabe, tinha sérias restrições ao
presidente Artur Bernardes, desde o episódio das cartas apócrifas.
Cumprindo sua obrigação, os legalistas atacaram os focos revolucionários,
extinguindo a revolução no sul, mas não pretendiam ir muito além disso. Apenas,
vez por outra, fustigavam os retirantes, quando poderiam simplesmente
massacrá-los. Com isso, deram a eles a oportunidade de uma retirada sem
maiores complicações.
Uma vez reunidas as forças de São Paulo e dos Estados sulinos,
especialmente do Rio Grande do Sul, ficou decidido empreender, a partir daquele
momento, uma luta de movimentos, usando a tática de guerrilha, mais adequada
em face da desproporção de recursos materiais e humanos. Aos revoltosos,
daqui em diante seria difícil renovar homens, armamentos e munição.
Surge a “Coluna Prestes”
O general Isidoro Dias Lopes, comandante da revolução, tinha já idade
avançada para dirigir operações de guerrilha, combinando-se, então, que ele se
internaria em um país vizinho (o local escolhido foi Paso de los Libres, Paraguai),
sendo o comando efetivo entregue a Miguel Costa. Já o general Isidoro, patente
maior e nome respeitado no Exército, permanecia comandante geral, mas sem
participar da ação direta.
As patentes militares dos participantes, a partir deste momento, foram
alteradas com comissionamentos feitos pelo general Isidoro, para estabelecer
uma hierarquia de comando dentro da tropa.
- 160 -
Foi, então, nomeado um Comando Maior que, após as promoções, ficou
assim constituído:
General Miguel Costa, comandante da Divisão; coronel Luís Carlos
Prestes, chefe da Divisão; tenente-coronel Juarez Távora, sub-
chefe; major Paulo Krügger, assistente; capitão Geri Aldo,
assistente; capitão Lourenço Moreira Lima, ajudante-secretário.
Estamos, então, em 13 de maio de 1925. Mais tarde, objetivando eliminar
dissidências entre os comandados, especialmente, desentendimentos entre
gaúchos e paulistas, a Divisão foi separada em quatro Destacamentos, assim
comandados:
1º Destacamento, tenente-coronel Cordeiro de Farias;
2º Destacamento, tenente-coronel João Alberto;
3º Destacamento, tenente-coronel Siqueira Campos;
4º Destacamento, tenente-coronel Djalma Dutra.
Inicia-se, então, o deslocamento, em direção ao centro-oeste e nordeste do
país, num movimento que duraria até 3 de fevereiro de 1927. Pela sua grande
habilidade tática,
Prestes logo se destacou entre os demais. Pela primeira vez na história da
República, um movimento revoltoso apaixonou a opinião pública, que,
geralmente, permanecia alheia a esses acontecimentos. Muitas lendas surgiram,
misturando a verdade histórica e o mito e dificultando distinguir um do outro. A
guerrilha ficou conhecida como Coluna Prestes e seu mentor, Luiz Carlos
Prestes recebeu o cognome de "O Cavaleiro da Esperança".
A longa marcha
pelo Brasil
A quilometragem feita nessa marcha, contando-se desde a partida do Rio
Grande do Sul, passando pela junção das tropas no rio Paraná, e indo até a
desmobilização é bastante discutida. O historiador José Maria Bello fala em 10
mil quilômetros, o general Miguel Costa estabelece 16 mil quilômetros e Prestes,
mais entusiasmado, chega a falar em 26 mil quilômetros. Mais cautelosos,
fiquemos com o primeiro número, que já é uma caminhada e tanto...
- 161 -
Com algumas reservas, pode-se estabelecer o seguinte roteiro, desde o sul:
Rio Grande do Sul, Paraná, Paraguai, Mato Grosso, Goiás, norte
de Minas, Bahia, Goiás novamente, Maranhão (atravessando o
atual Estado de Tocantins), Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Bahia, Piauí, Goiás, e,
finalmente, Mato Grosso, onde a Coluna se dissolveu, buscando
asilo na Bolívia. De lá, eles emigram, aos poucos, para a Argentina,
onde seria mais fácil arrumar trabalho para garantir a
sobrevivência.
- 162 -
Notas à margem
Impossível narrar todos os acontecimentos dessa jornada. No Nordeste, o
Governo pretendeu conseguir o apoio do Padre Cícero, o qual, acompanhando
a euforia da população, recusou-se a combater os revoltosos. No norte de Minas,
a Coluna atraiu as forças legalistas para as margens do rio São Francisco. E,
enquanto estas esperavam que os guerrilheiros atravessassem o rio para dar-
lhes combate, estes já haviam retornado pelo mesmo caminho, fazendo sua
travessia no ponto original.
Em Arraias-MT, Siqueira Campos entrou em uma igreja, a pretexto de rezar
e, usando um papel amarelado e gasto, desenhou um mapa do tesouro que
estaria guardado nos alicerces do prédio E colocou o falso mapa em um canto
qualquer, certo de que, um dia. algum fiel o encontraria e não resistiria à tentação
de derrubar o templo para descobrir a fortuna.
Em Carolina-MA, o bacharel Lourenço Moreira Lima, cartorário, se
entusiasmou de tal maneira que resolveu queimar todos os processos de
cobrança de impostos atrasados, recebendo aplausos dos devedores.
Próximo a Teresina-PI, Juarez Távora é aprisionado por forças legalistas,
ficando definitivamente fora da campanha. Foi encaminhado para a prisão em
um quartel do Rio de Janeiro, onde tentou uma fuga, sendo recapturado. Foi,
então, com dezenas de outros detidos, colocado em um navio, que ficou à
deriva, esperando por novas instruções. Finalmente, estabeleceu-se como
destino final a ilha da Trindade, a mais isolada de todas as prisões. Entre os
companheiros de prisão estava o 1º tenente Eduardo Gomes, sobrevivente dos
Dezoito do Forte.
Em 1926, Washington Luiz assumia a presidência da República. No Rio
Grande do Sul, estourava outra revolta, liderada por Alcides e Nelson
Etchegoven, no Regimento de Artilharia Montada de Cruz Alta, logo sufocada.
O ambiente fervilhava por toda parte. Começara a contagem regressiva para
o fim da República Velha.
- 163 -
Um governo sem obras
Costumava-se dizer, na época, que Artur Bernardes conseguiu ser o pior
dentre todos os Presidentes que passaram pela República. Por certo não sabiam
que outros, ainda piores, ciriam depois...
Mas, talvez a voz do povo estivesse certa. Epitácio Pessoa quando, em uma
reunião de cúpula, meses após a eleição de 1922, deixou implícita sua opinião
de que a renúncia de Bernardes antes da posse poderia ser uma solução para
os males que, naquele momento, afligiam o Brasil.
Com efeito, afora a tremenda agitação que cercou todo o quadriênio, não se
consegue encontrar nada de importante que marque a passagem de Artur
Bernardes pelo poder. Apenas ligeiras modificações na Constituição de 1891,
restringindo o uso do habeas corpus e aumentando-lhe o poder presidencial.
Alterara a constituição para facilitar a administração, não evitou que, em
quase todo o período de governo, vigorasse um quase permanente estado de
sítio, com a suspensão de garantias constitucionais.
Estabeleceu férias de 15 dias por ano para os trabalhadores, mas, na
ausência de uma legislação trabalhista consistente, nada impedia o empregador
de despedir, sem ônus, o empregado que estivesse chegando no tempo de
aproveitar esse direito.
Em 1927, Bernardes elege-se senador. Em 1934 faz-se deputado federal
para uma Câmara que Getúlio Vargas fechou três anos depois.
Volta a se eleger em 1946 e em 1954 para, em seguida exercer uma função
burocrática na Comissão Nacional do Petróleo, onde morre, logo após, em 1955.
Não deixou saudades.
- 164 -
Paulo Victorino
CAPÍTULO ONZE
O CANTO DO CISNE
WASHINGTON LUÍS - 1926-1930
Getúlio Vargas perde as eleições presidenciais de 1930 e até
reconhece a derrota, mas, logo em seguida, uma notícia percorre
as linhas telegráficas, de norte ao sul, colocando em comoção o
país inteiro: João Pessoa, o companheiro de chapa de Getúlio fora
assassinado em Recife! Não se sabia ainda as causas do crime,
que tinha motivação na política regional, mas com um claro
desdobramento de um crime passional. Entretanto, a comoção
nacional, transformada em revolta contra o governo federal, foi
suficientemente explorada pelos opositores para acelerar o
processo revolucionário.
"Governar é construir estradas". Com esta frase, Washington Luís sintetiza
sua passagem pela Presidência (governo) do Estado de São Paulo, entre 1920
e 1924, quando, findo o mandato, transferiu o poder para Carlos de Campos
(Este último viria enfrentar, pouco depois, a revolução comandada pelo general
Isidoro Dias Lopes, conforme já foi contado no Capítulo 10).
Bem antes, em 1921, pouco depois de empossado governador, Washington
Luís já tinha seu nome cogitado para a sucessão presidencial de 1926. De
acordo com a política do café com leite, em 1914 coube a Minas Gerais ocupar
a presidência da República, com Venceslau Brás.
- 166 -
Em 1918 foi eleito um paulista, Rodrigues Alves, que morreu sem assumir.
Então, o mineiro Delfim Moreira, Presidente em exercício, convocou novas
eleições. Os Estados de São Paulo, Minas e, agora, também o Rio Grande do
Sul, pelejaram para ter a primazia da indicação. Para baixar a temperatura, que
se achava em ponto de fervura, foi acertado o nome do paraibano Epitácio
Pessoa, como consenso.
Tudo isso já foi comentado em capítulos anteriores. Falta acrescentar que,
em 1921, para concordar com o lançamento do mineiro Artur Bernardes, os
caciques paulistas exigiram que, desde aquele momento, se firmasse um
compromisso, aceitando o nome do então governador Washington Luís como
candidato à sucessão presidencial de 1926.
Com este arranjo, foi possível saber, com uma antecipação de quatro anos,
quem seria o príncipe eleito para a sucessão de um governo que ainda nem
tomara posse, e nem sequer tinha começado a campanha eleitoral.
Chegamos, enfim a 1926. Washington Luís elegeu-se sem enfrentar
qualquer oposição. Rui Barbosa, o tribuno das grandes campanhas civilistas
havia morrido, e assim também Pinheiro Machado, cuja influência, antes, se
fizera sentir em todos os cantos do país.
Nilo Peçanha, por sua vez, fora anulado politicamente pela ação do
presidente Bernardes. Desta maneira, no pleito ocorrido em 1º de março de
1926, venceu a chapa única, com Washington Luís para Presidente e Fernando
de Melo Viana (mineiro) para vice.
A posse ocorreu em 15 de novembro de 1926. Se não houve aplausos,
ocorreu pelo menos alívio geral com a saída de Artur Bernardes, cujo poder
plenipotenciário não era mais suportado por ninguém, seja na sociedade civil, na
política ou nos quartéis.
O governo de Artur Bernardes havia sido de tal forma desastrado que
qualquer um que viesse a substituí-lo, por pior que fosse, deveria trazer uma
mudança de ares.
- 167 -
Usando uma expressão popular, com a saída de Bernardes, tirou-se da sala
o velho e mal-cheiroso bode. Com isso o ar se tornou mais respirável e até dava
para suportar as goteiras e rachaduras que comprometiam esse velho casarão
chamado Brasil.
Quem era Washington Luís
Washington Luís Pereira de Sousa nasceu em Macaé, Estado do Rio, em
1869, mas toda sua atividade política esteve ligada a São Paulo. Fez seus
primeiros estudos no Colégio Pedro 2º, do Rio de Janeiro, transferindo-se depois
para a capital paulista, onde cursou a Faculdade de Direito do largo de São
Francisco.
Terminado o curso, tornou-se promotor público em Barra Mansa, Estado do
Rio, para voltar, mais tarde, a São Paulo, montando um escritório de advocacia
na cidade de Batatais. Iniciou a carreira política como vereador e, depois, como
prefeito.
Exerceu cargos públicos no governo estadual paulista e, em 1914, elegeu-
se prefeito de São Paulo. Finalmente, em 1920, assume o governo do Estado,
de onde sai para a presidência da República.
Tinha o porte de um nobre. Vestia-se bem, aparecia em público com
frequência e dava ao seu governo um toque de autoridade aristocrática, uma
autoridade que não admitia ser contestada e que também não delegava seus
poderes a ninguém. Essa independência começa a se notar já na formação do
primeiro Ministério, escolhido por intuição própria, sem interferências políticas.
Estes foram os auxiliares nomeados:
Relações Exteriores, Otávio Mangabeira; Justiça, Interior e
Instrução Pública, Augusto Viana de Castelo; Fazenda, Getúlio
Dorneles Vargas; Viação e Obras Públicas, Victor Konder;
Agricultura, Geminiano Lira de Castro; Guerra, general Nestor
Sezefredo de Passos; Marinha, Arnaldo de Siqueira Pinto da Luz.
- 168 -
Consertando as finanças públicas
O novo Presidente saiu com uma vantagem sobre seus antecessores, pois
teve a oportunidade de iniciar o mandato governando de fato. Nenhuma
pendência ficara do quadriênio anterior. Não havia dualidade de Assembleias
Legislativas, nem disputas judiciais para a conquista do poder nos Estados.
Mudanças na Constituição, formuladas por inspiração de seu antecessor,
limitaram o uso do habeas-corpus, de que se lançava mão para defender cargos
ou posições.
O primeiro ato do novo Presidente foi suspender o estado de sítio. Depois,
voltou sua atenção para o eterno problema nacional, que é o descontrole das
finanças públicas.
Lembremos que Epitácio Pessoa (1918-1922) realizara obras por todo o
país e, de quebra, mesmo que a contragosto, sustentara os preços do café,
dentro do estabelecido pelo Convênio de Taubaté, provocando uma sangria nos
cofres públicos.
Já Artur Bernardes (1922-1926) passou os quatro anos de seu governo
combatendo movimentos revoltosos, o que ocasionou despesas com armas e
munições, bem como com deslocamento de tropas de um ponto a outro do
território. O resultado foi que, ao fim de tudo, mais uma vez, o país se achava
endividado e inadimplente.
Com Getúlio Dorneles Vargas no Ministério da Fazenda, iniciou-se, então,
uma política contencionista para equilibrar o volume de moeda em circulação
com as reservas de ouro que lhe serviam de lastro.
Foi aprovado no Congresso Nacional o projeto de reforma monetária
proposto pelo governo. Em substituição ao padrão real foi criada uma nova
moeda, o cruzeiro, cuja circulação começaria quando se tivesse concluído o
processo de estabilização. Em verdade, o cruzeiro só viria a ser usado 15 anos
mais tarde pelo mesmo Getúlio, não mais como ministro, mas como chefe do
Estado Novo.
Apesar do esforço para estabilizar a economia, vários fatores contribuíram
para deter o andamento do plano. Um deles foi proporcionado pelo próprio
- 169 -
ministro da Fazenda, Getúlio Vargas, que se afastou do Ministério para concorrer
ao governo de seu Estado, o Rio Grande do Sul, onde as mudanças na
Constituição puseram fim aos 28 anos de reinado de Borges de Medeiros.
Substituído no ministério por Francisco Chaves de Oliveira Botelho,
prosseguiu-se na aplicação do plano até que, em 1929, sofremos as
repercussões do crack na Bolsa de Nova York. Essa quebra originou depressão
nos Estados Unidos, com reflexos em todo o mundo, atingindo particularmente
o Brasil, que dependia, e muito, da importação, tendo como produto de troca
quase que tão somente o café.
O equilíbrio financeiro veio a ser alcançado muitos anos depois, já na Segunda
República, após um longo período de crise, que levou a população a um
empobrecimento ainda maior, trazendo desemprego em massa e contenção dos
salários.
Café em crise
A economia nacional sempre se ressentiu de uma política global, com
planificação adequada, capaz de criar, dentro do país, uma estrutura suficiente
para enfrentar as idas e vindas da economia mundial.
Os bons preços encontrados no mercado internacional para nosso produto
básico de exportação, o café, criavam a ilusão de uma segurança duradoura e,
a cada crise, o governo federal acabava por sustentar o prejuízo dos produtores,
às custas do resto do país.
Essa política de sustentação do café, feita pelo governo central, foi extinta
em 1924, quando Artur Bernardes transferiu para os Estados a responsabilidade
de estabelecer, cada um por sua conta, um sistema garantidor de preços. São
Paulo, principal produtor, criou, então, o Instituto do Café do Estado de São
Paulo.
Nesta nova entidade, vieram a se repetir os mesmos erros do passado. Os
produtores, a cada ano, estabeleciam as cotas de exportação e o excedente era
estocado.
- 170 -
Para garantir a manutenção desses estoques, o Instituto fazia empréstimos
no exterior e esse dinheiro, repassado ao Estado, financiava os agricultores,
como se o produto tivesse sido, de fato, vendido. A mágica era engenhosa, mas
ilusória, como todo o trabalho de prestidigitação.
A crise mundial de 1929 veio acabar com a farra. Cessou o empréstimo feito
por bancos estrangeiros. Os preços, conseguidos, não pelo abastecimento do
mercado, mas pela especulação, repentinamente, despencaram ao seu nível
mais baixo.
Como se não bastasse a queda na demanda, naquele momento, tínhamos
retidas em estoque 22 milhões de sacas de café, estoques que, é bom lembrar,
estavam sendo mantidos com empréstimos bancários.
Rapidamente, a situação se deteriorou, atingindo os Bancos, repercutindo no
comércio e na indústria, causando primeiro demissões em massa, depois
falências, depois mais demissões. Era o caos que se instalava, desta vez, sem
que se conseguisse enxergar uma luz ao fim do túnel.
Esse momento, embora sofrido, e até por causa disso, serve como um
tratamento de choque para a nação. Habituadas a assistir passivamente os erros
e abusos de governos e/ou de classes dirigentes, as vítimas saem agora para a
reação, culpando o poder público por todos os males de que padece o país.
Surge um sentimento generalizado de revolta, que se espalha e contamina
a todos. A crise polariza as correntes de opinião e as centraliza num só
pensamento. É o material combustível que se acumula e que, a uma centelha,
pode-se inflamar, causando grande incêndio. É nesse estado de espírito,
perigoso, mas desafiante, que encontramos o Brasil, ao final da década de vinte.
O navio segue seu curso
As oligarquias permanecem refratárias aos problemas nacionais. O assunto
em pauta agora, com a antecedência costumeira, é a sucessão presidencial. O
nome que desponta é o do governador de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de
Andrada, descendente do patriarca José Bonifácio.
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Antônio Carlos, professor, advogado, jornalista, com uma carreira política
respeitável, apresenta quase todos os qualificativos para assumir a presidência
da República.
Só há um problema, um único problema, mas que se revela o ponto fraco
de seu brilhante currículo. As ideias econômicas de Antônio Carlos seguem o
caminho oposto às do Presidente, e a conjuntura, delicada e grave, não
aconselha mudar um programa de saneamento que vem dando certo.
Washington Luís mostra-se inclinado, pois, a escolher um outro paulista, de
sua inteira confiança, que possa garantir a continuidade de sua política. As
atenções voltam-se para o governador de São Paulo, Júlio Prestes, filho do
coronel Fernando Prestes, que havia sido vice-Governador na gestão de Carlos
de Campos.
O governador tinha, pois, tradição política e estreita convivência com a
administração pública. O problema consiste em que ele era paulista e a vez era
dos mineiros.
A decisão foi considerada por Washington Luís uma questão fechada, não
sendo passível de entendimentos que contemplassem outras alternativas.
Então, por imposição, foram homologadas as candidaturas do paulista Júlio
Prestes de Albuquerque, para Presidente, e do baiano Vital Henriques Batista
Soares, para vice. Este último já havia sido deputado federal e senador da
República e era, no momento, governador de seu Estado.
Embora não desejassem um enfrentamento direto com o poder central,
vários próceres políticos mineiros se fechavam em torno do nome de Antônio
Carlos. Em último caso, até aceitariam outra solução alternativa, buscando-se
nomes em outros Estados, mas sempre sob orientação e chancela de Minas
Gerais.
Leite com churrasco
Em 17 de junho de 1929, reúnem-se no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, de um
lado, o deputado José Bonifácio de Andrada e Silva, irmão do governador
Antônio Carlos e líder da bancada mineira na Câmara Federal; de outro, o
deputado João Neves da Fontoura, representante do governador Getúlio Vargas,
e líder da bancada gaúcha na Câmara Federal.
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Devidamente autorizados por seus respectivos caciques, os dois firmam um
pacto político nos seguintes termos:
Se o presidente da República indicar o nome de Antônio Carlos,
os gaúchos o aceitarão sem restrição.
Se o Presidente indicar um outro mineiro que não Antônio Carlos,
os gaúchos aceitarão, desde que a vice-Presidência caiba ao Rio
Grande do Sul.
Se o Presidente se fixar em nome de outro Estado qualquer, o Rio
Grande do Sul lançará sua própria candidatura de oposição, na
pessoa de Getúlio Vargas ou na de Borges de Medeiros,
comprometendo-se Minas Gerais a aceitar irrestritamente qualquer
um dos dois nomes.
Este acordo ficou conhecido como o Pacto do Hotel Glória e, embora firmado
pelos dois líderes de bancada, tinha o pleno assentimento das lideranças
políticas nos respectivos Estados, dispostos que estavam a fazer oposição ao
governo central, se este insistisse no propósito de impor um nome paulista para
a sucessão.
Surge a Aliança Liberal
Formalizada a candidatura oficial, formou-se logo um bloco de oposição,
reunindo as correntes contrárias num enorme saco de gatos que foi batizado
como Aliança Liberal. Este bloco lançou as candidaturas do governador gaúcho
Getúlio Vargas para Presidente e do governador paraibano João Pessoa,
sobrinho de Epitácio, para vice.
A Aliança surgiu no Rio de Janeiro em 5 de agosto de 1929, numa grande
concentração, à qual compareceu o que havia de mais expressivo na oposição
à candidatura oficial.
A nova frente reunia o apoio de correntes as mais diversas. Por Minas
Gerais, tínhamos os ex-Presidentes Venceslau Brás, Epitácio Pessoa e Artur
Bernardes; o tenentismo se fazia representar com Juarez Távora, João Alberto,
Eduardo Gomes, Juraci Magalhães e outros; no Rio Grande do Sul, blancos e
colorados, pela primeira vez, estavam juntos: Borges de Medeiros, João Neves
da Fontoura, Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, Lindolfo Collor e Batista
Luzardo, entre outros, apoiavam seu conterrâneo.
- 173 -
Claro está que cada um deles tinha motivação própria, tratando-se de uma
mistura ocasional, feita ao sabor dos acontecimentos, sem a química que a
transformasse numa substância homogênea. Num processo de decantação,
todos os elementos apareceriam, de novo, cada um formando sua própria
camada.
Se Minas Gerais apoiava a candidatura gaúcha e dispensava até a indicação
da vice-Presidência, que foi entregue a um paraibano, isso não quer dizer que
se contentavam, os mineiros, com um segundo plano na política nacional.
Esperavam apenas por um momento para se projetar novamente no cenário com
o destaque a que Minas tinha direito.
Por outro lado, pode parecer estranho que os tenentes se entregassem,
repentinamente, às oligarquias que ousaram combater a ponto de sacrificar sua
carreira, seu futuro e sua tranquilidade.
É que, por detrás da candidatura oficial, os líderes tenentistas, tanto os que
se estavam no país quanto os exilados, retomavam a conspiração
revolucionária.
- 174 –
Juarez Távora, por exemplo, já fora da prisão, de onde havia novamente
fugido, recebeu do general Isidoro Dias Lopes um comissionamento na mesma
patente e, nessa condição, articulava a conspiração no Norte e Nordeste,
aguardando a senha para sublevar os quartéis militares. É bom relembrar que
Isidoro, general da reserva, mas com forte prestígio na caserna e entre os
revolucionários, era a eminência parda dos movimentos revolucionários e um
comissionamento chancelado por ele tinha o reconhecimento implícito dos
demais.
No Sul do país, o sentimento revolucionário também era patente, e até com
o conhecimento do governador e candidato a Presidente, Getúlio Vargas, o qual,
entretanto, oficialmente, se manifestava contra a rebelião armada, jurava
fidelidade ao presidente da República, e proibia os seus correligionários políticos
de fazer, nos palanques, qualquer propaganda subversiva. Tudo era Mise en
scène
A candidatura Vargas, assim, era uma cortina a encobrir o processo
revolucionário que estava em andamento e que, no momento oportuno, deveria
eclodir.
Um comício na Esplanada
A plataforma de governo do candidato deveria ser lida por Getúlio Vargas em
recinto fechado, na Capital Federal, com a presença das classes políticas e
empresariais que lhe estavam dando apoio. Não havia intenção de se fustigar o
presidente da República com uma manifestação popular diante de suas próprias
barbas. A capital fora escolhida porque ela era o caldeirão político onde
fervilhavam as ideias e criavam-se os fatos políticos.
A tolice do governo central foi tentar impedir que o ato político acontecesse
dentro de seu território. Os locais públicos dependem de alvará de
funcionamento e de outras facilidades concedidas pelo governo. Assim, se
tornam dependentes do poder público, não lhes sendo conveniente desagradar
àqueles que, em última instância, devem recorrer.
Foi assim que, por toda a cidade do Rio de Janeiro, não se encontrou um
lugar fechado onde realizar a reunião. Decidiu-se, assim, fazer o comício em
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local aberto, sendo escolhida para a concentração a esplanada do Castelo, local
que fora recentemente remodelado para as comemorações do 1º Centenário da
Independência.
Noticiado o comício para o dia 1º de janeiro de 1930, grande multidão se
concentrou nas calçadas para dar vivas a Getúlio e João Pessoa, que seguiam
em um mesmo carro. Ao chegar na Esplanada o povo que seguia a comitiva se
juntou a outra multidão que lá se encontrava para aplaudir o futuro presidente da
República.
Foi assim que um ato solene e restrito se tornou em uma manifestação
popular jamais vista por essa geração. Acontecimento semelhante, no Rio de
Janeiro, só no longínquo ano de 1820, quando o povo, reunido em frente ao
palácio real, exigia que D. João VI assinasse a Constituição Espanhola até que
fossem convocadas as cortes de Lisboa para preparar a primeira Constituição
da Revolução Liberal portuguesa.
A "Tomada da Bastilha"
Washington Luís respeitava profundamente Getúlio Vargas que, por sua
vez, se dizia fiel ao Presidente, a despeito de estar candidato pela oposição.
Havia até um acordo secreto, pelo qual um e outro se comprometiam a respeitar
os territórios políticos de cada um. Durante a campanha, Washington proibiria o
candidato oficial de visitar o Rio Grande do Sul e, por sua vez, Getúlio não
visitaria o Estado de São Paulo.
Acordos existem para serem rompidos. Convidado por jovens políticos
paulistas, Vargas arriscou-se a fazer uma visita protocolar a São Paulo, para ser
recebido por líderes oposicionistas, em manifestação singela e reservada.
Escolheu-se uma praça, ao lado do Pátio do Colégio, onde não caberia mais de
uma centena de pessoas.
O candidato chega de trem em 3 de janeiro de 1930 tendo, no desembarque,
a sua primeira surpresa. A praça fronteiriça à Estação do Norte achava-se
tomada por uma multidão, esperando pelo candidato.
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Contrafeito, Getúlio atravessa o aglomerado, conseguindo entrar no carro
que o levaria ao centro da cidade, assim que o povo se dispersasse. Nada de
dispersão. Ao contrário, o povo seguia entusiasmado, fechando a marcha atrás
da comitiva.
A grande e imprevista passeata seguiu pela avenida Rangel Pestana, o
parque D.Pedro e a ladeira general Carneiro, num percurso de aproximadamente
dois quilômetros, durante o qual outras pessoas abandonavam as casas ou
deixavam as calçadas, juntando-se ao cortejo, que ia se engrossando à medida
que chegava a cidade.
Qual não foi o susto dos políticos reunidos na pracinha, quando viram aquela
massa humana, subindo a ladeira em sua direção, logo atrás da comitiva. Pouco
acostumados ao contato com o povo, não tinham a menor ideia das reações que
se seguiriam ao encontro das duas procissões.
Chegando, finalmente ao local, com os políticos na praça e o povo tomando
a ladeira, alguém tentou inutilmente, pronunciar um discurso de saudação.
Outros procuraram, também, discursar, sem qualquer resultado. A multidão,
uníssona e constante, gritava uma palavra de ordem, surgida de momento e sem
ensaio prévio: "Nós queremos Getúlio... Nós queremos Getúlio".
Estava registrada a consagração popular da candidatura Getúlio Vargas, de
forma imanente, sem qualquer coordenação política e, mesmo, à revelia dos
políticos. A campanha fugia às mãos das lideranças, menos às de Getúlio, que
tinha um sexto sentido para perceber o nascimento de uma nova corrente,
firmada no apoio popular. Tal manifestação de apoio, que se prolongou até sua
morte, recebeu o nome de Queremismo.
Dentro do Queremismo, Getúlio construiu uma nova maneira de se fazer
política, conhecida por Populismo, que consistia em manipular a opinião pública,
dizendo ao povo aquilo que ele quer ouvir e criando a impressão de que o
governo está trabalhando com finalidade principal de atender aos seus anseios.
No correr dos tempos outros líderes políticos seguiriam a mesma tática, mas
não como Getúlio, que, somando seus dois governos, ficou no poder central por
quase duas décadas, sendo odiado por muitos, mas venerado pela classe
trabalhadora, cognominado por esta como o Pai dos Pobres.
- 177 –
Nas eleições, o de sempre
Em 1º de março de 1930 ocorreram as eleições e os políticos tiveram sua
última oportunidade de falsear os resultados através da fraude. De um e outro
lado, repetiu-se, com grande desfaçatez, a operação mistificadora, com os votos
clonados, as atas falsificadas, e os resultados proclamados sem o menor
escrúpulo. Era a República em descrédito, destruindo-se a si mesma em atos de
corrupção, de pretensa esperteza e de completa deterioração moral.
O resultado, já previsto, foi a eleição de Júlio Prestes. Na oposição, Getúlio
se conformara com as regras do jogo e chegara até a aceitar oficialmente a
derrota quando, em 26 de julho de 1930 uma notícia percorre as linhas
telegráficas, de norte ao sul, colocando em comoção o país inteiro: João Pessoa,
o companheiro de chapa de Getúlio fora assassinado em Recife!
Não se sabia ainda as causas do crime, que tinha motivação na política
regional, com desdobramentos de um crime passional. A primeira impressão
causada nos políticos e na opinião pública era que se tratava de contenda ligada
à campanha presidencial.
- 178 –
Como na política, assim como na ciência, nada se perde, tudo se transforma,
a comoção popular, transformada em revolta contra o governo federal, foi
suficientemente explorada pelos opositores para acelerar o processo
revolucionário.
Revolução em marcha
No Sul, os preparativos para a revolução iam adiantados, com Getúlio no
centro da conspiração, muito embora ele, com extrema habilidade, mantivesse
a aparência de ordem, prosseguindo no seu dia-a-dia como governador do
Estado.
Para comandar o levante, foi trazido um revolucionário de última hora, o
tenente-coronel Góis Monteiro, totalmente estranho ao movimento tenentista.
No Nordeste, estabelecido em Paraíba, estava Juarez Távora, com uma
patente comissionada, e, com habilidade e paciência, fazia as articulações
político-militares por toda a região.
A data finalmente acertada era 3 de outubro de 1930. O início estava
marcado para as 17h30, já que o expediente nas repartições se encerrava às
17h00, diminuindo a movimentação nesses locais.
Por um mal-entendido na troca de telegramas cifrados, Juarez Távora
entendeu que o Sul havia aceito sua sugestão para iniciar o movimento só na
madrugada do dia 4, causando com isso uma defasagem de horário que quase
põe a perder o levante, por eliminar o efeito surpresa.
Em Porto Alegre, o movimento sedicioso começou com a Guarda Civil,
tomando de assalto o Quartel General da 2ª R.M. e prendendo seu comandante,
o general Gil de Almeida.
No Norte, ainda que com atraso, foram tomadas as praças de Recife e a
capital da Paraíba, espalhando-se a rebelião, em seguida, para o restante da
região.
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Por ser mais apropriado, este assunto será comentado em capítulo aparte.
Por ora, basta deixar registrado que nos dois flancos, do Sul e do Nordeste, a
revolução se espalhou rapidamente, surpreendendo os próprios líderes.
No Norte, o comando militar era de Juarez Távora, enquanto que a liderança
civil era do Dr. José Américo. No Sul, a revolução seguiu para o Rio de Janeiro
comandada pelo general Góis Monteiro e a liderança civil incontestável era a do
governador Getúlio Vargas.
Quando as tropas sulistas se aproximavam do entroncamento de Itararé,
onde deveria ocorrer a mais sangrenta de todas as batalhas, no confronto com
as tropas legalistas ali acantonadas, chega a notícia surpreendente: Washington
Luís renunciara à presidência da República, assumindo o poder uma Junta
Militar, chamada de Junta Governativa, formada pelos generais Tasso Fragoso
e Mena Barreto, e pelo almirante Isaias de Noronha.
Caiu, de podre, a Primeira República. A nova fase que se inicia, a partir
deste momento, muda radicalmente a maneira de se fazer política, alterando os
costumes e modificando os métodos empregados.
Isso não quer dizer que a nova República seja melhor que o período que a
antecedeu. Apenas mudaram-se os hábitos e deslocou-se o eixo de influência,
contudo o povo permaneceu afastado das decisões.
Na Primeira República havia eleições e corrupção eleitoral, contaminando o
processo republicano. Já na Segunda República, simplificou-se o processo e
simplesmente as eleições foram suprimidas. Getúlio governou por 15 anos,
sendo os primeiros quatro anos com poder absoluto, sem constituição nem
Congresso. Depois, por três anos, com uma constituição promulgada que
ninguém respeitou. Por fim, nos últimos oito anos, com a constituição do Estado
Novo que ele mandou redigir e ele mesmo outorgou. Nesta, mais uma vez, sem
congresso, nem povo, e como o poder absoluto nas mãos do Pesidente.
A peça teatral intitulada Um Tiro no Peito cunhou uma fala reveladora da
cidadania cassada:
"O povo entra na História pela porta dos fundos".
- 180 –
Paulo Victorino
CAPÍTULO DOZE
O FIM DA PRIMEIRA REPÚBLICA
A REVOLUÇÃO DE 1930
No dia 3 de outubro de 1930, a data fatal para o levante, um
acontecimento inesperado facilitou os preparativos finais. No dia
anterior, falecera o grande herói das revoluções de 1893 e 1923, o
general Honório de Lemes. Como era de se esperar, os jornais
deram destaque e repercussão a esse fato, desviando, assim, a
atenção da população e das autoridades. Não houve sequer
desconfianças quando os alunos das escolas de Porto Alegre
foram dispensados das aulas mais cedo que de costume. No
palácio, Getúlio despachava como se fosse mais um dia de
trabalho. Nos bastidores, tudo estava preparado para o levante. A
não ser que surgisse algum outro fato novo e inesperado, a
articulação, muito bem cuidada, oferecia todas as condições de
sucesso.
O presidente Washington Luís (1926-1930) tinha tudo para ser um monarca.
Fosse ele nascido de uma daquelas dinastias que dominavam a Europa do
Século 18, por certo faria boa figura entre os déspotas esclarecidos. Tinha a
finura de um nobre, a inteligência viva e o raciocínio límpido.
- 182 -
Mas, no reverso da moeda, Washington Luís era também inflexível em suas
decisões. Uma vez determinado o caminho a seguir para a equação de um
problema, não vacilava, não admitia interferências, não negociava. E a
negociação, já se sabe, é a alma da política;
Foi com esse personalismo, próprio de seu temperamento, que ele, no
momento em que julgou oportuno, assumiu a decisão de apresentar, como
candidato à sucessão presidencial, o governador de São Paulo, Júlio Prestes de
Albuquerque. por achá-lo em condições de prosseguir a política econômica
iniciada em seu governo, que vinha corrigindo distorções deixadas pelos
governos anteriores.
A manutenção do plano econômico precisava ser feita com todo rigor para
não pôr a perder os sacrifícios já feitos. Isso tornava-se ainda mais importante,
naquele momento, porque a crise mundial, desencadeada pela quebra da Bolsa
de Nova York, em 1929, atingiu o Brasil de forma dramática, fechando as portas
dos Bancos estrangeiros para novos empréstimos e paralisando os embarques
de café, nosso produto básico de exportação.
Todavia, sua insistência em considerar questão fechada o nome de Júlio
Prestes causou descontentamentos nos meios políticos e ocasionou o
surgimento de uma candidatura de oposição, que apresentou, para Presidente,
o nome de Getúlio Dorneles Vargas (governador gaúcho), e para vice, João
Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (governador paraibano), ambos contando
com o apoio de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (governador de Minas
Gerais).
Esse movimento de oposição tomou o nome de Aliança Liberal e os
aliancistas se tornaram a base civil do futuro movimento revolucionário.
A partir daí o ambiente torna-se tenso. Os partidários de uma e outra
candidatura fustigam-se uns aos outros, gerando violentas discussões que, não
raro, descambam para o enfrentamento físico.
Sendo a Câmara Federal uma caixa de ressonância do que acontece nas
ruas, não é de estranhar que tais lutas repercutam no plenário e nos corredores
do parlamento, com acusações mútuas e pedidos de satisfações pela parte que
se sente atingida. A paixão leva ao descontrole, e o descontrole leva à tragédia.
- 183 -
O problema do quorum
na Câmara Federal
Hoje, a facilidade do transporte aéreo permite que deputados e senadores
viajem semanalmente aos seus Estados de origem para um contato com as
bases, retornando à capital federal no início de cada semana.
Naquele tempo, isso não era possível, pois o transporte se fazia
principalmente por trem, raramente por rodovia, e, nos Estados mais longínquos,
até por navio.
Assim, por razões de ordem prática, o período legislativo se iniciava
somente no mês de maio, para encerrar-se em 31 de dezembro. Por 8 meses
seguidos, os congressistas ficavam na Capital Federal, longe de seus Estados e
de suas bases políticas.
Outro detalhe característico de nossos parlamentos: no mundo inteiro, a
obstrução dos trabalhos é uma arma da minoria, que se valem desse recurso
para retardar a ação da maioria, geralmente governista, obrigando-a buscar um
entendimento com a parte mais fraca. No Brasil é diferente. É a maioria que,
pelas mais diversas razões, usa o recurso da obstrução.
O final de 1929 veio encontrar o Congresso, sobretudo a Câmara Federal,
na efervescência de uma campanha eleitoral exaltada, que era levada ao
plenário na forma de inflamados discursos. Para evitar que a oposição usasse a
tribuna como palanque eleitoral, os governistas obstruíam a abertura das
sessões, negando o quorum para a realização dos trabalhos. Era comum que o
plenário estivesse cheio, mas, contados apenas aqueles que responderam a
chamada, não se conseguia mais que 20 ou 30 deputados oficialmente
presentes.
Os populares que acompanhavam a campanha de Getúlio Vargas logo se
aperceberam disso e passaram a ir, todas as tardes, à Câmara. Como as
galerias estavam interditadas ao público, a oposição vinha, então, às escadarias,
onde realizava comícios, atingindo, com sua retórica, os candidatos governistas.
- 184 -
Esta era a rotina. A oposição falava, o povo aplaudia os mocinhos e vaiava
os bandidos. Não faltavam os agitadores de plantão, que, no meio da plateia,
provocavam confusão e desordem. Na sacada, em tom de deboche, alguns
deputados governistas sempre acompanhavam o ato.
Assassinato do deputado
Sousa Filho
No dia 26 de dezembro de 1929, num desses comícios, o filho do deputado
Luís Simões Lopes, em inflamado discurso, fez algumas referências irônicas e
desairosas sobre o deputado governista Sousa Filho, arrancando aplausos do
público. O parlamentar, que se achava também na sacada, ouviu e não gostou.
Mais tarde, quando os oposicionistas se recolhiam ao interior do prédio,
Souza Filho interpelou o moço, agressivamente, dirigindo-lhe uma série de
impropérios. No ardor da mocidade, Simões Lopes (o filho) rebentou sua bengala
nas costas do agressor que, em revide, sacou de um punhal.
Numa reação instintiva, Simões Lopes (o filho) deu alguns passos atrás mas,
tendo sido interceptado em seu caminho, sabe-se lá por quem, caiu, ficando à
mercê do agressor, pronto para fincar-lhe o punhal. Nesse momento, então, o
Simões Lopes (o pai), acorrendo ao socorro do filho, sacou de um revolver e deu
um tiro certeiro e fulminante no desafeto. Na confusão, os deputados aliancistas
Plínio Casado e Adolfo Bergamini retiraram do local o agressor e o levaram para
lugar seguro.
No dia seguinte, pela primeira vez em muito tempo, houve quorum na
Câmara Federal, para a sessão de homenagem ao deputado assassinado, cujo
velório acontecia no salão nobre. Apesar de ameaçados, os aliancistas também
compareceram, já que Souza Filho era um grande adversário, mas um bom
amigo de todos eles. Em nome da Aliança Liberal, discursou o deputado Lindolfo
Collor, lamentando o acontecimento e enaltecendo a personalidade do falecido.
O trágico acontecimento arrefeceu os ânimos da campanha no edifício da
Câmara Federal, mas não diminuiu as atividades de um e outro lado para fazer
de seu candidato o escolhido das urnas. Cinco dias depois, encerra-se o período
legislativo e cada um viaja ao seu Estado para acompanhar as eleições, que
ocorreriam em 1º de março de 1930.
- 185 -
O episódio que
mudou a História
Já dissemos, no capítulo anterior que, nas eleições presidenciais ganhou o
candidato oficial, Júlio Prestes e seu oposicionista, Getúlio Vargas,
protocolarmente, aceitada a derrota. Mas a política é dinâmica e a única coisa
certa nela é a incerteza.
No dia 26 de julho de 1930, é assassinado o governador da Paraíba e ex-
candidato à vice-Presidência da República, João Pessoa. O mandante era seu
desafeto, João Dantas, um dos caciques da política paraibana. Sua morte trouxe
um forte abalo nos meios políticos e junto ao povo, em todo o país.
Cresceu, então, um sentimento de ódio e revolta contra o governo federal,
por se imaginar tratar-se de um crime ligado às recentes eleições presidenciais.
Em realidade, esse desenlace, que já era previsto, tinha motivos passionais e,
também, raízes na política regional, contrariada pela administração estadual.
A República de Princesa
(Estado de Paraíba)
Para entender, é preciso retroceder no tempo. Ao término do mandato do
governador paraibano, João Suassuna, em 1926, João Pessoa assume o cargo
e constata que os cofres do Estado estão vazios, o pagamento a fornecedores
não vem sendo feito, o funcionalismo não recebe seus proventos há algum
tempo e o Estado se se encontra em situação pré-falimentar.
Com energia e determinação, o novo governador começa um processo de
saneamento financeiro, combatendo a sonegação e obtendo, assim, de
imediato, um desafogo que lhe permitiu cobrir parte dos salários atrasados e
programar o início do pagamento aos fornecedores.
Todavia, essa fúria arrecadadora desagradou aos caciques políticos do
Estado que, como os marajás da antiga Índia, não se achavam na obrigação de
recolher impostos ou, pelo menos, não pretendiam fazê-lo com tamanha
religiosidade.
- 186 -
Com isso, o clima de tensão entre o governador e as forças político-
econômicas do Estado manteve-se tenso durante todo o governo. O ponto de
explosão foi atingido em 1929, quando João Pessoa, já candidato à vice-
presidência da República, baixou um decreto que impedia, no Estado, a
reeleição de deputados federais, limitando, assim, a ação de seus opositores.
Como se tal não bastasse, abriu uma odiosa exceção ao seu primo, Carlos
Pessoa, que, este sim, poderia recandidatar-se.
A sudoeste da Paraíba ficava a pequena cidade de Princesa, feudo do
coronel José Pereira, que controlava, com seu poder e seus jagunços, todo o
oeste do Estado, de cima a baixo. Fraudando o resultado das urnas, mantinha
ele não só um elenco de deputados estaduais como, também, controlava uma
pequena bancada na Câmara Federal, conhecida como os deputados de
Princesa. Atingido frontalmente em seus interesses, o chefe político protesta
junto ao governador, sem resultado.
Sentindo-se prejudicado com o resultado das eleições, João Pereira se
rebela e, em 1º de junho de 1930, assina o Decreto nº 1, proclamando a
Independência de Princesa, que se considera, a partir de então, separada da
Paraíba.
Por consequência, inicia-se uma guerra civil dentro do Estado, que o
governo legal tinha dificuldades de reprimir, pois o ministério da Guerra lhe
recusava a compra legal do material bélico necessário, enquanto seu opositor
conseguia armas e munições no mercado do contrabando.
- 187 -
Enfrentando João Dantas
Outro chefe político de prestígio era João Dantas, que dominava parte do
sertão paraibano e tinha parentesco com o ex-Governador João Suassuna. João
Dantas se sentia agastado e diminuído, e o governador João Pessoa nada fazia
para melhorar seu relacionamento com este poderoso adversário, pelo contrário,
não perdia oportunidade para atingi-lo.
Foi assim que, em uma diligência policial, sob um pretexto qualquer,
mandou prender familiares de Dantas, entre eles várias mulheres, provocando
indignação, ódio e um sentimento de vingança.
Algum tempo depois, a polícia recebeu um comunicado de suposto assalto
no escritório de João Dantas e, comparecendo ao local, constatou que não havia
ninguém. Mesmo assim, arrombou a porta e apreendeu livros, armas e
documentos. Muitos dos papéis recolhidos eram particulares e confidenciais e,
entre eles, haviam algumas cartas denunciadoras de um romance entre João
Dantas e a poetisa Anaíde Beiriz, com uma linguagem bastante escandalosa
para a época.
Melhor é ter bons inimigos do que maus amigos. Pois não é que pessoas
ligadas ao Governador, desejando agradá-lo, fizeram publicar uma dessas
cartas na primeira página do Jornal Oficial do Estado?
O romance, até então velado, passou a ser do conhecimento geral,
causando transtornos a João Dantas e obrigando Anaídes a mudar-se para
Pernambuco, onde a repercussão, imaginava-se, seria menor.
Mesmo assim, para João Dantas, tratava-se de uma questão de honra, e
como tal tinha que ser tratada. Era só esperar o momento, que não tardaria.
Confronto com o governo federal
Voltemos, outra vez, à campanha eleitoral. Sendo candidato a vice-
Presidente pela oposição, João Pessoa não teve escrúpulos em barrar a
propaganda do candidato governista, Julio Prestes, dentro do Estado da
Paraíba. Assumiu a direção dessa campanha o desembargador Heráclito
Cavalcanti.
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Em represália, o governador baixou um decreto afastando-o de suas
funções públicas, sob a alegação de que, ao adotar uma corrente política, deixou
ele de ter a isenção requerida a um juiz.
O Presidente da República, então, manda um telegrama ao desembargador,
transmitindo-lhe sua solidariedade, sendo rebatido pelo governador.
Houve então as eleições federais, em 1º de março de 1930 e, como se
esperava, João Pessoa conseguiu reverter a seu favor a nova bancada
paraibana, graças ao artifício já mencionado em tópico anterior.
Pelo menos aparentemente ele tinha ganho, porque, dentro do sistema
montado pelo presidente Afonso Pena (1906-1910), a votação de cada candidato
deveria ser submetida logo após a uma Comissão de Verificadora de Poderes,
para analisar cada nome, antes de confirmá-lo eleito.
Essa comissão, formada pelo Presidente da antiga legislatura, mais dois de
seus deputados, analisou com especial carinho os deputados eleitos pelos três
Estados que comandaram a oposição ao governo federal, ou seja, Minas Gerais,
Rio Grande do Sul e Paraíba. Foram, então, cortados e substituídos todos
aqueles nomes que o governo federal considerou inconvenientes, alterando a
seu favor as bancadas dos três Estados.
Coube à Paraíba uma atenção maior, dado as provocações havidas durante
a campanha. Desse Estado foram cortados praticamente todos os aliados de
João Pessoa, enquanto se considerava legitimamente eleitos os deputados da
República de Princesa.
João Pessoa estava duplamente derrotado: perdera a eleição presidencial,
na qual formava a chapa com Getúlio Vargas, e perdera sua bancada na Câmara
Federal, com o corte de quase todos os seus correligionários.
O assassinato de João Pessoa
Foi nesse clima que, em 26 de junho de 1930, João Pessoa viajou a Recife,
ao que se sabe, para visitar um amigo doente e, ao mesmo tempo, manter alguns
contatos políticos.
- 189 -
Ao fim da tarde, encontrava-se na Confeitaria Glória, tomando sorvete em
companhia do jornalista Caio de Lima Cavalcanti, quando um desconhecido para
à sua frente e descarrega uma arma a queima-roupa, fulminando-o
instantaneamente.
Os desconhecidos, bem como um acompanhante, foram prontamente
dominados e presos. O crime, soube-se depois, teve como mandante João
Dantas, que foi recolhido à prisão, onde, meses depois, apareceu morto.
Estava completada a tragédia, em que um crime de natureza passional se
misturava a todo um emaranhado político, envolvendo tramas, violência, fraude,
muita esperteza e, por fim, a justiça feita com as próprias mãos.
Pela precariedade do telégrafo, a notícia levou algumas horas para se
espalhar pelo país, mas, ao chegar a cada ponto, causava comoção e revolta,
criando sempre a ideia de crime político, ligado às eleições presidenciais.
Especialmente na Paraíba, o povo foi às ruas à caça de adversários de João
Pessoa. Muitos tiveram tempo de fugir, outros foram duramente atingidos. Quase
todos tiveram suas casas saqueadas e, depois, incendiadas.
Em São Borja, no outro extremo do país, conta Alzira Vargas do Amaral
Peixoto, filha de Getúlio Vargas, que naquele momento tinha apenas 15 anos:
"Uma noite, fomos ao cinema com papai e mamãe, como de
costume. Noite de 26 de julho. Mal havia começado o filme,
acenderam-se as luzes e, do palco, alguém comunicou ao público
a dolorosa notícia: 'João Pessoa foi assassinado!' (...) A indignação
foi geral. Nada mais podia impedir a marcha da Revolução. Toda a
nação estava chocada."
A questão da Presidência já tinha se encerrado, a partir do momento em
que Getúlio Vargas reconheceu sua derrota e a eleição de Júlio Prestes.
Agora, reacendiam-se os ânimos. Os cronômetros eram novamente
ajustados e recomeçava, pela última vez, a contagem regressiva para o início da
Revolução.
- 190 -
A marcha da Revolução
Verdade seja dita, se o assassinato de João Pessoa trouxe novo alento aos
revolucionários, na realidade a conspiração vinha sendo desenvolvida há bom
tempo, antes mesmo de se realizarem as eleições, cujos resultados, já se sabia,
seriam, como sempre foram, favoráveis ao governo. A derrota nas eleições, com
as fraudes do sistema, se tornaria uma bandeira da oposição, pretextando a
renovação dos costumes políticos.
Vejamos como andava a conspiração. Durante o trajeto da Coluna Prestes
(1924-1927) Juarez Távora, que fazia parte de seu Estado Maior, foi detido no
Piauí e, em seguida, remetido ao Rio de Janeiro, onde ficou prisioneiro, primeiro
na ilha de Trindade e, depois, na ilha das Cobras, de onde conseguiu fugir,
viajando incógnito para Montevidéu onde devia encontrar-se com exilados da
Coluna.
Nessa ocasião, obteve do general Isidoro Dias Lopes um comissionamento
na patente de general e, nessa condição, tratou de chegar ao nordeste, onde
começou as articulações com as forças políticas e militares da região. Seria ele
o comandante da operação no Nordeste.
Em Minas Gerais, havia o apoio furtivo do governador Antônio Carlos, que
não queria se comprometer com um movimento de contestação ao governo
federal, antes de ter segurança de que a ação pudesse trazer um resultado
eficaz.
Em 7 de setembro de 1930, Antônio Carlos transfere o governo de Minas a
Olegário Maciel, que havia sido eleito, ao mesmo tempo, presidente
(governador) do Estado e senador da República.
Assim, após assumir o governo de Minas, Olegário Maciel viaja para o Rio
de Janeiro para tomar posse no Senado e, nessa ocasião, mantém contato com
um dos articuladores da revolução, o gaúcho João Neves da Fontoura, ao qual
empenha a palavra de que dará, em seu Estado, toda a cobertura que se fizer
necessária.
No Rio Grande do Sul estava o núcleo principal da sublevação. Primeiro,
porque ali o governador continuava sendo Getúlio Dorneles Vargas; depois,
porque o Estado contava com um bom número de revolucionários de
movimentos anteriores; por fim, porque nos países limítrofes, Argentina e
- 191 -
Uruguai, se encontravam asilados os participantes do movimento de 1924 e da
Coluna Prestes.
Aliás, próprio Luís Carlos Prestes continuava sendo cogitado para assumir
o comando da nova revolução, caso em que seria comissionado, também, na
patente de general.
Imprevistos enfraquecem
o comando
No decorrer da conspiração, que, como dissemos, começara muito antes
da morte de João Pessoa, dois acontecimentos inesperados surpreendem os
tenentistas e vem enfraquecer as articulações na área militar. Embora sem
comprometer o movimento em seu conjunto, esses fatos trouxeram um
enfraquecimento na liderança e um abalo junto aos tenentes comprometidos
com a revolta.
No início de maio, ainda exilado na Argentina, Luís Carlos Prestes
comunica sua intenção de aderir ao comunismo, partindo para a luta
revolucionária contra todo o sistema capitalista e não apenas ao governo
Washington Luís.
Segundo seu próprio depoimento, a longa marcha pelo Brasil, comandando
a Coluna Prestes, trouxe-lhe a convicção de que não era possível montar um
novo governo, apoiado nas mesmas oligarquias que controlam cada parte do
país.
Preocupados com o rumo em que seguiam as coisas, os tenentes Siqueira
Campos e João Alberto viajam para Buenos Aires e, no dia 7 de maio de 1930,
participam, os dois e mais outros exilados, de uma reunião com Luís Carlos
Prestes, em que este apresenta seu Manifesto Socialista, que iria divulgar nos
próximos dias.
Em vão tentaram seus companheiros fazê-lo desistir de seu propósito e,
como ninguém aderisse a suas ideias, a reunião tornou-se de todo inútil para
ambos os lados.
- 192 -
No dia 9, pretendendo voltar rapidamente a Montevidéu, os dois tenentes
conseguiram um espaço no avião do Correio Aéreo, que decolou perigosamente,
à noite, sem instrumentos, com cinco pessoas a bordo, mais a carga normal de
correio.
Não se sabe qual a causa, o avião caiu nas águas geladas do mar, já em
território uruguaio. Dos cinco passageiros, somente João Alberto conseguiu
alcançar a praia. Siqueira Campos sentiu o choque térmico provocado pela água
gelada, teve cãibras e não conseguiu se movimentar, morrendo afogado.
Perderam-se, pois, de uma só vez, dois elementos de proa na causa
revolucionária, um por deserção e outro por acidente.
Prestes, é bom lembrar, foi o artífice da Coluna que percorreu o Brasil,
enquanto que Siqueira Campos participara de quase todos os movimentos
desde a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922, a qual comandou em
companhia de Eduardo Gomes.
O levante no Rio
Grande do Sul
Depois de várias datas marcadas e desmarcadas, ficou finalmente decidido
que a revolução se iniciaria no dia 3 de outubro de 1930 às 5h30 da tarde, após
o fechamento das repartições civis e militares, quando o movimento nesses
locais se tornava insignificante.
Por uma falha de comunicação, Juarez Távora, no nordeste, entendeu que
a marcha se iniciaria à zero hora do dia 4 e esse mal entendido quase pôs a
perder a revolução.
Neste ponto, entra em cena um revolucionário de última hora, o tenente-
coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro, cuja biografia assinala uma constante
mudança de posições, segundo suas próprias conveniências.
- 193 -
Em 1930, sentindo a fraqueza do governo Washington Luís, aderiu aos
revolucionários; em 1932, lutou contra a Revolução Constitucionalista, em São
Paulo; em 1937 aderiu ao golpe de Estado que restabeleceu plenos poderes ao
ditador Getúlio Vargas; em 1945, aderiu a outro golpe, que derrubou o mesmo
Getúlio.
Neste momento, porém, em que o movimento revolucionário ia ter início, sua
presença era indispensável, pela patente militar, que lhe dava supremacia de
comando.
De sua parte, o governador Getúlio Vargas cuidava de manter um jogo duplo.
No palácio, mantinha o ritmo de trabalho normal, fazendo com que a rotina
parecesse inalterada, tanto no gabinete, quanto nos quartéis das policias
estaduais.
Paralelamente, utilizava seus auxiliares diretos na articulação do
movimento, entre eles, o próprio vice-Governador, Osvaldo Aranha. E, para
completar, dava ao comandante da 3ª Região Militar, general Gil de Almeida, a
segurança de estar cuidando da ordem, não havendo qualquer fundamento os
boatos sobre uma possível revolução.
-194 -
No dia 3 de outubro de 1930, a data fatal para o levante, um acontecimento
inesperado facilitou os preparativos finais. No dia anterior, falecera o grande
herói das revoluções de 1893 e 1923, o general Honório de Lemes. Como era
de se esperar, os jornais deram destaque e repercussão a esse fato, desviando,
assim, a atenção da população e das autoridades. Não houve sequer
desconfianças quando os alunos das escolas de Porto Alegre foram dispensados
das aulas mais cedo que de costume.
No palácio, Getúlio despachava como se fosse mais um dia de trabalho. Nos
bastidores, tudo estava preparado para o levante. A não ser que surgisse algum
outro fato novo e inesperado, a articulação, muito bem cuidada, oferecia todas
as condições de sucesso.
O Cavalo de Tróia
Já há algum tempo, para iludir a vigilância militar, a Guarda Civil do Estado,
todas as tardes, ao encerrar seu expediente, entrava em forma, desfilando em
frente ao Quartel General do Exército e prestando continência ao comandante
da 3ª Região Militar, general Gil de Almeida.
Diariamente, repetia-se a mesma rotina. Por volta das cinco horas,
encerrava-se o expediente. Às cinco e quinze, pontualmente, o general, de sua
janela, acompanhava a passagem do desfile e se tranquilizava. Se algum
movimento estivesse sendo articulado em Porto Alegre, por certo que não teria
a colaboração do governo estadual, ao qual estava subordinada a Guarda Civil.
Naquele dia 3 de outubro de 1930, no mesmo horário de sempre, as tropas
passaram em frente ao QG, só que, enquanto o primeiro grupo continuava o
desfile, o segundo saiu de forma, tomou de assalto a portaria e invadiu o quartel,
aprisionando o General-Comandante.
Em seguida, ao sinal dado por um foguete, ocorreu o levante nos demais
quartéis, que foram tomados sem maiores dificuldades. Por todo o Rio Grande
do Sul, assim como em Santa Catarina e no Paraná, a revolução obedeceu ao
horário determinado.
Isso só não aconteceu no Nordeste, onde o comando estava nas mãos de
Juarez Távora.
- 195 -
Relógios fora de sincronia
Como no Sul, a articulação também seguia seu curso no Norte e Nordeste.
Ao aproximar-se a data fatal, já havia um comprometimento, maior ou menor, de
quartéis na Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do
Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará e Amazonas. Toda a região estava, pois
fechada e parecia não haver maiores problemas.
Em 25 de setembro de 1930, Juarez Távora recebeu um telegrama cifrado
de Osvaldo Aranha (Rio Grande do Sul), informando que o início do levante
estava marcado para 3 de outubro, às 5h30 da tarde.
A data era ótima, pois nesse dia estavam escalados para o serviço em suas
unidades militares os tenentes Agildo Barata e Juraci Magalhães, ambos
comprometidos, e elementos importantes do esquema na Paraíba, onde se
achavam Juarez Távora e o comando revolucionário.
O problema estava no horário, pois dificilmente se conseguiria sublevar os
quartéis em plena luz do dia, sendo conveniente que o início acontecesse na
calada da noite.
Juarez pretendia iniciar o levante na madrugada do dia 4 de outubro e
propôs que a data fosse mudada também no Sul do país, todavia foi infeliz na
redação do telegrama, que saiu nos seguintes termos: "ciente pt peço licença
iniciar marcha dia 4".
Aí estava o erro, pois Iniciar o levante é uma coisa, iniciar a marcha é outra
totalmente diferente. A autorização do Sul veio, mas referindo-se à alteração do
horário para a movimentação das tropas, que já deveriam estar sublevadas no
final da tarde!
Ao fim do dia 3, havendo chegado ao Recife, onde pretendia acompanhar o
início das operações, Juarez Távora foi surpreendido com a notícia de que o
levante já se iniciara no Sul e que o governo federal expediu um alerta a todos
os Estados para se prevenirem contra qualquer alteração de ordem, colocando
as tropas em prontidão.
- 196 -
Daí por diante, tudo correu mais por conta da capacidade de avaliação e
iniciativa de cada comandante. Por sorte, as reações se fizeram atropeladas,
mas a tempo certo. Em Recife, foi destruída a Central Telefônica cortando as
comunicações. Depois, retornando a Paraíba, Juarez encontrou as tropas
rebeladas e o povo às ruas. Dos outros Estados, foram chegando, aos poucos,
notícias animadoras sobre o resultado das operações. A primeira batalha estava
vencida.
Do Sul, a marcha para
o Rio de Janeiro
No Sul, como vimos, tudo caminhou dentro do previsto e as praças foram
tomadas sem resistência. Em seguida, formaram-se comboios ferroviários, que
subiriam em direção a São Paulo e, depois, seguiriam ao Rio de Janeiro, para a
tomada do poder.
De Porto Alegre, saíram as tropas sob o comando militar do tenente-coronel
Góis Monteiro e o comando civil do governador Getúlio Vargas. Somente
Osvaldo Aranha, teve de ficar em Porto Alegre, muito a contragosto, assumindo
o Governo estadual.
De Uruguaiana, divisa com a Argentina, parte o Destacamento Batista
Luzardo. Como a cidade fica a sudoeste do Rio Grande do Sul, o comboio fez
um itinerário diverso, sem passar em Porto Alegre, ficando de encontrar-se com
os demais num entroncamento ferroviário, já no Estado de São Paulo. O trem
seguiu, pois, por Alegrete, São Gabriel, Santa Maria, Tupanciretã, Júlio de
Castilhos, e Cruz Alta, até atravessar a fronteira com o Paraná, por Iraí.
Parando na estação em Santa Maria, segundo conta Luzardo, houve uma
invasão ao trem pela entusiasmada garotada do Colégio Santa Maria, que queria
participar da guerra.
Foi um custo para retirar os alunos e convencê-los de que sua missão,
naquele momento era estudar. Ainda assim, reiniciado o trajeto, descobriu-se
mais alguns clandestinos, que foram deixados na próxima estação, para
repatriamento.
- 197 -
O trajeto das duas caravanas, tanto a de Getúlio quanto a de Luzardo, era
interrompido, em cada parada, por multidões que se postavam nas estações, de
lenço vermelho ao pescoço, saudando os revolucionários.
Em Santa Catarina, no próprio dia 3 de outubro, o general Felipe Portinho
havia dominado a situação a favor dos rebeldes. Blumenau foi instituída capital
provisória do Estado, assumindo, como interventor, o tenente-coronel Arnoldo
Mancebo. No Paraná, a luta foi vencida sob o comando do major (agora
comissionado como general) Plínio Tourinho, que há meses vinha cuidando da
articulação e, em 3 de outubro, colocou-se à frente dos revoltosos. Assumiu o
governo o seu irmão, general (da reserva) Mário Alves Monteiro Tourinho.
Restava, pois, a grande batalha que deveria ocorrer em São Paulo, no
entroncamento de Itararé, onde o governo federal concentrara a maior parte de
suas tropas, para barrar o avanço da frente revolucionária. A Batalha de Itararé,
todos já sabiam, seria a mais dura e sangrenta dentre todas aquelas de que já
participaram os tenentistas, já diremos por quê.
- 198 -
Do Nordeste, a marcha
para o Sudeste
Voltemos ao nordeste, onde a situação já era de quase completo domínio,
após a perigosa oscilação causada pela desinteligência quanto aos horários de
início do levante. A esta altura, as notícias que chegavam ao comando indicavam
que os revolucionários dominavam a maior parte da região, devendo-se partir,
assim, para o trabalho de consolidação.
Juarez Távora, no comando geral do nordeste, nomeia José Américo de
Almeida como interventor da Paraíba e Chefe do Governo Provisório no Norte e
Nordeste, estabelecendo, assim, as bases civis do movimento.
Isto posto, passaram a ser nomeados os interventores nos Estados onde a
luta estava encerrada, quais sejam: Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Os interventores, à falta de normas definidas em lei, passaram a governar
discricionariamente. A única orientação de caráter geral estava no telegrama
enviado pelo comandante militar, Juarez Távora, ao comandante civil no
Nordeste, José Américo, nestes termos:
"(...) Desaconselho dissolução imediata do poder judiciário que,
nesta fase transitória, deverá continuar funcionando normalmente,
apenas se reservando o Executivo Revolucionário o direito de
discutir suas decisões contrárias ao espírito da revolução. Todo
Poder Legislativo deve ser considerado inexistente, desde a data
do início da Revolução, como dupla medida, de moralização e
economia. Saudações. General Távora."
Mais coerente, o interventor do Maranhão, de uma vez, extinguiu o Poder
Judiciário, já que, na prática, ele deixa de existir se as suas decisões tiverem de
ser submetidas à aprovação ou não do interventor.
O beijo contido por trinta anos
Um registro à margem da História. Juarez Távora e José Américo seguiam,
por trem, de Recife para Maceió, a fim de resolver problemas surgidos, e, como
o tempo era curto, havia ordem para manter a estrada de ferro desobstruída, a
fim de que o carro-de-linha pudesse transitar sem paradas.
- 199 -
Todavia, ao aproximar-se da estação de Quipapá, na Zona da Mata, divisa
de Pernambuco com Alagoas, uma pequena multidão se aglomerava sobre o
leito ferroviário, obrigando o carro-de-linha a parar, para não ocasionar um
múltiplo atropelamento.
Irritado, Juarez Távora desce do veículo mas, antes de qualquer reação,
uma jovem professorinha, sai da multidão e diz:
"General Juarez, como prova de gratidão do povo desta terra ao
libertador do Norte, quero somente dar-lhe um beijo!"
Beijo? Aquilo era uma revolução, não era uma maratona! Imediatamente o
comandante revolucionário mandou que a linha fosse desobstruída, retomou seu
lugar no carro e prosseguiu a viagem, deixando para trás toda uma população
desapontada.
O incidente ficou martelando na cabeça do general por um longo tempo.
Trinta anos depois, tendo de fazer uma viagem oficial ao Nordeste, procurou
saber se a professorinha de Quipapá ainda existia. Existia, sim, morava na
mesma cidade e ainda lecionava numa escola primária.
Foi assim que, no dia 16 de agosto de 1971, o general Juarez Távora
compareceu ao Grupo Escolar de São Benedito, distrito de Quipapá e, na
presença de todos os professores e alunos da escola, prestou uma homenagem
à professora Maria José Ramos, entregando-lhe uma "Rosa de Prata",
condecoração oferecida pelo comando da Escola Superior de Guerra.
A homenagem, na pessoa da professorinha, era estendida “a todas as
professoras primárias que se dedicam à benemérita tarefa de abrir os primeiros
caminhos à inteligência de nossas crianças, no interior do Brasil".
A Batalha de Itararé
No Sul, os comboios prosseguiam em direção ao Estado de São Paulo, com
encontro previsto no entroncamento de Itararé, divisa entre São Paulo e Paraná,
onde a paisagem muda bruscamente, e a terra fértil cede lugar a um grande
penhasco, às margens do rio, formando uma fortaleza natural, de onde um
exército dificilmente seria desalojado. Era ali, em Itararé, que o governo federal
mandara concentrar o maior peso de suas tropas, esperando a chegada dos
rebelados para o ataque fatal.
- 200 -
Já no dia 3 de outubro de 1930, na hora marcada para o início do levante, a
vanguarda revolucionária, estacionada naquelas imediações, iniciara o ataque,
obrigando o delegado de polícia a pedir reforços nas cidades vizinhas, tanto de
São Paulo como do Paraná.
A luta se desenvolveu na forma de guerrilha, enquanto, do lado inimigo,
tropas legalistas iam chegando e tomando posição na fortaleza, sob o comando
do general Pais de Andrade. Ao final, juntaram-se cerca de 2.400 soldados, bem
armados e municiados.
A ação revolucionária tinha de ser muito bem planejada. Os revolucionários
possuíam um efetivo de 4.200 homens, mas faltava armamento leve (armas
automáticas), necessário para uma operação de deslocamento ligeiro. Havia
apenas uma arma para cada quinze homens, o que diminuía consideravelmente
seu poder de ataque.
Formaram-se, então, quatro destacamentos, sob o comando geral do
general Miguel Costa, com missões bem definidas. O coronel Silva Junior, bem
como Batista Lusardo (1º e 2º Destacamentos) fariam o ataque pela vanguarda;
Flores da Cunha e Alexandrino Bitencourt (2º e 3º Destacamentos) dariam a
cobertura de retaguarda.
O ataque estava programado para as 12 horas do dia 25 de outubro. Porém,
logo ao raiar desse dia, soa o toque de um clarim e um mensageiro vindo do Rio
de Janeiro atravessa a linha de combate, invadindo a área dos legalistas com
uma bandeira branca nas mãos e levando mensagem para ser entregue ao
general Paes de Andrade. Não era rendição dos revolucionários, pelo contrário,
estes é que ordenavam a rendição incondicional das tropas legalistas.
O mensageiro era o deputado federal Glicério Alves e a mensagem, logo a
seguir confirmada, dava conta de que Washington Luís renunciara à presidência
da República na noite do dia 24.
Estava terminada assim, de forma lacônica e frustrante, a Batalha de Itararé,
expressão usada até hoje para designar um grande embate que não chega a
acontecer de fato.
- 201 -
Minas Gerais na Revolução
A missão de Minas Gerais, dentro do plano global, se restringia ao próprio
Estado e aos Estados limítrofes. Como o governador Olegário Maciel era já um
ancião de 75 anos de idade, essa condição transmitia ao presidente Washington
Luís um sentimento de tranquilidade, todavia, nos bastidores, a conspiração
prosseguia intensa.
Ao cair da tarde de 3 de outubro, iniciou-se o levante, com a prisão do
comandante interino da guarnição federal, que era o tenente-coronel José
Joaquim de Andrada, mas a rendição das tropas não se fez senão depois de
uma resistência que durou vários dias e ocasionou inúmeras baixas de ambos
os lados.
Tomada a praça de Belo Horizonte, o restante do Estado foi sendo
rapidamente dominado. Paralelamente, outros contingentes seguiram para a
Bahia, o Espírito Santo e Estado do Rio de Janeiro, saindo vitoriosos em suas
investidas, inclusive pelo fato de que o governo federal concentrava suas tropas
em Itararé, faltando reforços para outros pontos de luta.
Mesmo assim, a renúncia do presidente Washington Luís ainda colheu os
revolucionários de Minas em plena luta.
Epílogo
No Nordeste, um teco-teco revolucionário, comandado pelo aviador naval
Djalma Petit, desde o início do levante, vinha sendo usado para jogar folhetos
sobre as capitais, anunciando a tomada da praça e pedindo ao governador que
entregasse o cargo. Foi este o único avião da frota revolucionária.
O mesmo teco-teco levantou voo, em 27 de outubro de 1930, partindo de
Salvador, e levando Djalma Petit (o piloto), Juarez Távora (o comandante da
Revolução), seu secretário, tenente Mirocem Navarro, e o comandante da
Vanguarda Revolucionária, tenente Agildo Barata Ribeiro (que, mais tarde, a
exemplo de Prestes, bandeou-se para o comunismo).
Não houve imprevistos durante a viagem e todos chegaram ao Rio de
Janeiro sem mais percalços, no meio de aplausos de populares.
- 202 -
No dia 30 de outubro, desembarcam no Rio, também, os revolucionários
vindos do Sul, tendo à frente seu líder, Getúlio Dorneles Vargas, que seria
empossado como Chefe do Governo Provisório.
A chegada de Getúlio, a queda do presidente Washington Luís e a instalação
da República Nova são assunto para um próximo capítulo.
“Onde é que amarrei meu cavalo?”
Paulo Victorino
CAPÍTULO TREZE
O NAUFRÁGIO DO "TITANIC"
O PRESIDENTE É DEPOSTO
Crucificado em seu Governo, Washington Luiz, que não era melhor
nem pior que os outros que o precederam, carregou sobre suas
costas todos os pecados da República Velha, mal começada com
um golpe de Estado, mal continuada com um desrespeito
sistemático à ordem constitucional, e mal terminada com um novo
golpe, que viria implantar 15 anos de ditadura civil.
"O pensamento até parece coisa à-toa, mas como é que a gente voa,
quando começa a pensar..." Este trecho de uma música popular, bastante
conhecida, destaca o poder da imaginação para nos transportar, numa fração de
segundos, para os lugares mais distantes do universo, colocando-nos, com
absoluta segurança, dentro dos recintos mais bem policiados, onde ninguém
mais entraria impunemente.
Valendo-nos desse veículo virtual, seguro e rápido, vamos, com o leitor,
fazer uma viagem no tempo e no espaço.
Estamos agora na madrugada de 24 de outubro de 1930, uma sexta-feira,
na cidade do Rio de Janeiro, capital da República. Nas ruas, um movimento
desusado de tropas e viaturas militares, bem diferente do dia anterior, quando
havia apenas uma calmaria tensa, sinal das grandes tempestades.
- 204 -
Estamos agora em frente ao Palácio Guanabara, onde é total o bloqueio,
com soldados fortemente armados, que não permitem a ninguém entrar ou sair
do prédio. Usando de nossa faculdade, proporcionada pela imaginação,
entramos sem ser vistos ou barrados, subimos ao primeiro andar e passamos à
sala de reuniões da presidência da República.
Ao extremo da longa mesa retangular, com toda sua majestade, se acha
sentado o presidente Washington Luís. Nos demais assentos, à sua esquerda e
à sua direita, o pequeno ministério (eram apenas sete ministros), mais os chefes
do gabinete civil e do gabinete militar.
A Junta Militar
A porta da sala se abre e, sem audiência marcada, entram, eretos e com
porte marcial, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto, juntamente com o
almirante Isaias de Noronha. Os três formam a Junta Militar recém instituída para
a transição republicana.
O Presidente se levanta e encara os três visitantes. Todos os ministros,
ficam, também, em pé, e voltam-se para o centro da cena, onde se inicia um
embaraçoso diálogo entre o general Fragoso e o Presidente:
"O senhor deve compreender a imensa mágoa que sentimos: o
patriotismo nos ditou a atitude que assumimos. Aqui estamos,
porém, para fornecer-lhe todas as garantias..."
O Presidente rebate: "Não as preciso. Dispenso-as."
E o General prossegue, ignorando a interrupção: "...porque sua vida esta
correndo perigo, e queremos preservá-la."
"Nunca fiz caso da vida e, neste momento, desprezo-a, mais do que nunca",
replica o Presidente.
"Neste caso, o senhor responderá por todas as consequências", ameaça o
General.
"Por todas", conclui o Presidente, com firmeza.
- 205 -
O Presidente trazia ao coldre uma pistola. Os militares, como é natural,
também estavam armados. O Presidente, aparentemente sereno, encara com
firmeza seus interlocutores que, surpresos, ficam sem saber o que fazer. Por fim,
dão meia-volta e se retiram da sala.
Todos, então, voltam a sentar-se e a reunião prossegue do ponto em que
havia sido interrompida. Na parede, o relógio de pêndulo, marca, segundo a
segundo, o tempo que falta para o desfecho do drama.
Este diálogo, e as cenas que se seguem, foram emprestados de uma
testemunha viva dos fatos, o então ministro de Relações Exteriores, Otávio
Mangabeira.
A interferência do Cardeal
Mangabeira, sentindo inútil a resistência, pede licença, se retira da sala e
vai tomar providências que permitam uma saída honrosa a Washington Luís.
Tenta ligar para o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme, mas
as linhas telefônicas estão cortadas. Aceita, então, o oferecimento de Tasso
Fragoso, que manda um oficial buscar o Cardeal, mas quem vem em seu lugar
é o vigário geral Monsenhor Costa Rego, para inteirar-se do que está
acontecendo.
- 206 -
Foi uma inútil perda de tempo. O carro volta ao Palácio São Joaquim, sede
da Diocese, enquanto, no Palácio Guanabara, chega o 3º Regimento,
comandado pelo coronel José Pessoa, que toma todos os corredores e salas,
tornando prisioneiros os ocupantes do prédio. Antes não se podia entrar ou sair;
agora, não era nem possível circular de uma sala a outra.
Melhor para nós, que, estando invisíveis, não somos molestados por
ninguém. Assim, depois de longo e sofrido tempo, podemos ver o carro militar
chegando de volta e trazendo, desta vez, o próprio Cardeal, acompanhado do
Monsenhor, já nosso conhecido, e também de D. Benedito, Arcebispo de Vitória,
e amigo particular de Washington Luís.
Não subiu direto, o Cardeal. Ficou no saguão, reunido com o Comando
Maior, procurando assimilar os fatos e encontrar uma resposta à ansiedade de
todos, inclusive a dele mesmo.
Os três generais, que procuravam uma solução mais branda para o
Presidente, com uma prisão domiciliar na casa de D. Sebastião, foram
contrariados pelos demais oficiais, que desejavam prisão em quartel. Por fim,
chegaram a uma fórmula, ruim, mas a única admitida pelos militares.
O "Titanic" começa a afundar
D. Sebastião, então, subiu à sala de reuniões e comunicou o resultado das
conversações. Washington Luís ficaria preso no Forte de Copacabana; o
ministro da Guerra, no Forte São João; e o ministro da Justiça, no Quartel do 1º
Regimento da Cavalaria, em São Cristóvão.
"O Presidente abraçou, um por um, os seus ministros, o prefeito, os
membros de sua casa civil e militar, os seus filhos, em suma, os que lhe foram
companheiros naquela triste jornada.
Tinha, no rosto, o costumado sorriso. Não manifestava emoção. Houve,
entretanto, mais de um grupo que não conteve as lágrimas. (...) O palácio,
iluminado, era um grande navio soçobrando. Aqueles automóveis que partiam,
eram como embarcações buscando conduzir os náufragos à terra firme."
- 207 -
Uma esponja virtual foi passada sobre o também virtual quadro-negro,
apagando toda a Primeira República e deixando-o pronto para receber uma nova
História, a História de uma Revolução Traída.
O fim da Primeira República
Formou-se uma comitiva de dois carros. No primeiro ia o Presidente deposto,
mais o Cardeal Arcebispo, D. Sebastião Leme, o general Tasso Fragoso e o
Arcebispo de Vitória, D. Benedito. No segundo, partiam o monsenhor Costa
Rego e alguns militares de proa.
Como, a despeito do forte policiamento, ainda assim, se ajuntasse uma
pequena massa popular em frente o palácio, as viaturas saíram pelo portão dos
fundos, seguindo pelo túnel velho até o Forte de Copacabana. Aquele mesmo
local que viu nascer a revolução tenentista, em 1922, com o episódio dos Dezoito
do Forte, agora assistia o epílogo, com a prisão do Presidente deposto.
Washington Luís, pouco tempo depois, foi deportado para a Europa,
amargando 17 anos de exílio. Só voltou ao Brasil em 1947, quando a Segunda
República também já era morta. Ficou residindo em São Paulo, sua terra por
adoção, e passou o resto da vida dedicando-se a estudos históricos, havendo
publicado um livro e vários trabalhos de pesquisa. Faleceu dez anos depois de
seu retorno, já com 87 anos de idade.
Crucificado em seu Governo, Washington Luiz, que não era melhor nem
pior que os outros que o precederam, carregou sobre suas costas todos os
pecados da República Velha, mal começada com um golpe de Estado, mal
continuada com um desrespeito sistemático à ordem constitucional, e mal
terminada com um novo golpe, que viria implantar 15 anos de ditadura civil. A
História que o julgue.
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