amazÔnia: pegadas na floresta - uma abordagem da superexploração da força de trabalho

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    AMAZNIA:Pegadas na floresta

    uma abordagem da

    superexplorao da fora de trabalho

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    P598 Picoli, Fiorelo

    Amaznia: pegadas na foresta: uma abordagem dasuperexplorao no trabalho / Fiorelo Picoli 2. ed.Florianpolis: UFSC, 2011.

    171 p.; 14,8 x 21 cm.

    ISBN 978-85-61682-65-1

    1. Amaznia. 2. Superexplorao. 3. Fora de trabalho.I Picoli, Fiorelo

    CDD 330

    Copyright 2011 Fiorelo Picoli

    Capa

    Tiago Roberto da SilvaFoto da capa

    Julia Freeman-Woolpert

    RevisoRenato Gomes Tapado, Maria da Paz Sabino

    Reviso nalProf. Ms. Luzia Aparecida Oliva dos Santos

    Editorao eletrnica

    Carmen Garcez, Tiago Roberto da SilvaBibliotecria

    Luiza Helena Goulart da Silva

    Todos os direitos reservados a

    Editoria Em DebateCampus Universitrio da UFSC Trindade

    Centro de Filosoa e Cincias HumanasBloco anexo, sala 301

    Telefone: (48) 3338-8357Florianpolis SC

    www.editoriaemdebate.ufsc.brwww.lastro.ufsc.br

    Impresso no Brasil

    2011

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    FIORELO PICOLI

    AMAZNIA:

    Pegadas na florestauma abordagem da

    superexplorao da fora de trabalho

    Florianpolis

    2011

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    SUMRIO

    Prefcio ..................................................................................... 7

    Apresentao..........................................................................11

    1. O exrcito industrial de reserva e

    a explorao do trabalho ............................................15

    2. A explorao e a mais-valia............................................29

    3. A superexplorao dos trabalhadoresno setor de transformao de madeiras ................39

    4. Mulheres e crianas vtimas daexplorao no trabalho................................................73

    5. A falta de treinamento, a seguranano trabalho e a violncia.............................................91

    6. O salrio e a vida social nasuperexplorao do trabalho...................................117

    7. Resumo................................................................................135

    8. Concluso.........................................................................145

    Poema Sina de trabalhador.........................................153

    Lista de abreviaturas .........................................................155

    Referncias ...........................................................................157

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    Prefcio

    As noes de tempo e espao so quase inexistentes nasanlises dos problemas nacionais realizadas pela maioriados cientistas sociais brasileiros. Essa gravssima decinciade formao no ocorre por acaso: o carter fragmentado queassumiu o ensino de graduao e ps-graduao em nossas

    universidades, aliado dose considervel de colonialismoque nossos estudantes sofrem, implicam necessariamente aeliminao desses dois fatores estruturantes de todo pensamentocrtico. por essa razo que a maioria dos estudos consagrados realidade brasileira est baseada em autores e perspectivas queguardam escassa relao com a realidade na qual seus autoresesto inseridos. Capazes de reproduzir argumentos oriundos dos

    centros de pensamento das metrpoles com certa preciso, so,no obstante, incapazes de utiliz-los de maneira criativa nostrpicos. Reproduzem, no criam. So divulgadores de teoriasalheias e por esta razo no conseguem dialogar com elas emuito menos superar suas debilidades.

    O estudo de Fiorelo PicolliAmaznia: pegadas na forestaanalisa a regio amaznica e constitui um comportamento quase

    solitrio no cenrio intelectual brasileiro. Professor integrado emsua regio, dedicou seu doutoramento ao estudo das madeireirasna Amaznia e, para tal, realizou importante pesquisa sobre aintegrao dessa regio latino-americana ao mercado mundial.O resultado foi um importante diagnstico sobre a explorao damadeira na regio de Sinop, mas tambm um acertado mergulhona dinmica que o capital criou na regio nas trs ltimas dca-

    das. Fica claro para o leitor da srie completa da qual este livro apenas a ltima parte que tanto na ditadura como no regime

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    democrtico a voracidade do capital no diminuiu. E muitascrticas que eram dirigidas ao regime poltico podem agora ser

    vistas como diagnstico supercial, incapazes de dar conta dastransformaes que ainda operam na regio.

    Foi nessa empreitada que Fiorelo lanou mo de um im-portante autor, ainda desconhecido do pblico brasileiro noobstante ser um exitoso cientista social latino-americano ,que foi Ruy Mauro Marini. A utilizao de sua perspectiva te-rica, especialmente do conceito de superexplorao da fora

    de trabalho, lanado no clssicoDialtica da dependncia, so-mente lanado no Brasil recentemente, iluminou um problemaque a perspectiva liberal no pode mais esconder e a que osestudos de inclinao crtica no conseguem responder ade-quadamente. Ora, por que a ditadura acabou e a fora de traba-lho continua sendo tratada em um regime de superexploraoque nega ao trabalhador as condies mnimas de reproduo

    que se vericam nos pases centrais? Este fato, com o qual amaioria dos intelectuais e polticos parecem j ter naturalizado,no continua sendo um pilar de pesquisa decisivo para nossasuniversidades?

    As concluses da pesquisa que agora o leitor tem em suasmos respondem de maneira contundente s indagaes acima eindicam que um diagnstico mais preciso desta realidade apenascomea. Por outro lado, rearmam que a teoria social latino--americana desenvolveu nos ltimos 50 anos uma capacidade deanlise que indispensvel para o conhecimento de nossa reali-dade social e que precisa de novas contribuies tericas. Paratal, ser necessrio que o estudante, o professor e o leitor curiosointelectualmente superem a atitude colonial que est sempre vi-da para consumir a ltima novidade terica de Paris ou de NovaYork, desconhecendo as notveis e decisivas contribuies de

    cientistas sociais da Amrica Latina. Observe-se que os intelec-

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    tuais metropolitanos no desconhecem os mais importantes in-telectuais que aqui trabalham.

    A recuperao da perspectiva terica da dependncia, emsua verso marxista, realizada por Fiorelo foi essencial para queele chegasse aos resultados que o leitor agora possui. Como ex-plicar a pobreza, a violncia e a explorao se no pelo conceitode superexplorao? Como foi possvel dispensar essa perspec-tiva analtica quando a realidade brasileira exige explicaes pa-ra os grandes problemas sociais de nosso tempo?

    Enm, eis aqui um estudo que ajuda a desvendar os segredosda acumulao capitalista na regio amaznica e ao mesmo tem-po permite uma visibilidade maior para uma perspectiva tericaque, por razes polticas, foi esquecida em nossas universidades.

    Prof. Dr. Nildo Domingos Ouriques

    Professor do Departamentode Cincias Econmicas da UFSC.

    Doutor em Economia Internacional Universidade Nacional Autnoma do Mxico.

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    Apresentao

    Este o quarto livro de uma srie de quatro que versam sobrea Amaznia Legal brasileira. Permanecemos com a mesmapostura de anlise, tal como discorremos nas obras anteriores,levando-se em conta o processo de colonizao ocorrido naregio, com um recorte ao trabalho madeireiro. O presente tra-

    balho tem o propsito de causar um certo desconforto ao leitor,para que possa atingir seu intento. Pauta-se em desconstruir osconceitos e os preconceitos, frutos dos condicionamentos so-ciais fabricados. Alm disso, ao se produzir esta obra levamosem considerao o pblico denido, ao qual direcionaremos asreexes aqui suscitadas. No objetivamos produzir uma alter-nativa de leitura universal, que venha ao encontro dos anseios e

    de necessidades mais abrangentes, mas sim pensamos na parcelade pblico restrito e seleto, interessado no saber amaznico.

    Ao dissertarmos acerca das temticas inerentes ao processode formao produtiva regional, tomamos os cuidados para nodenir e concluir os conceitos. Firmamos o propsito de nodeixar a anlise acabada, mas instigar o leitor e oportunizar a elea curiosidade e a busca de novas bibliograas. Por meio desse

    direcionamento, possvel organizar um processo de aprendi-zagem, como tambm, apresentar a Amaznia por meio de umdesao, tanto para quem escreve tanto para quem faz a leitura.Com essa determinao, convidamos os leitores para fazermosjuntos esta viagem que est apenas comeando.

    O indicativo de liberdade e trnsito construtivo nos tornapossvel entender a amplitude da relao na produo e no tra-

    balho. Assim, foi necessrio conhecer como se fundamenta oconceito de exrcito industrial de reserva, como ocorrem, na

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    prtica, as marcas e as pegadas deixadas em nome da produ-o de mercadorias. Avaliamos quais mecanismos que regulam

    a classe trabalhadora, visto que, a formao de maior oferta quea procura de trabalhadores passa regular as aes e as estratgiasdo modelo de concentrao de capitais.

    Com esse entendimento, buscamos compreender como ocapitalista se retira do controle da fora de trabalho, para, pos-teriormente, criar mecanismos reguladores que consolidam aexistncia do exrcito industrial de reserva. importante carac-

    terizar como se consegue desenvolver formas de acumulaopor meio de ndices de mais-valia mais elevados que interferemna dinmica trabalhista de forma agressiva. So observadas asformas de utilizao dessa mo de obra atravs da intensicaodas jornadas de trabalho, seu prolongamento, assim como o re-baixamento dos salrios. Identicamos a importncia do Estadocomo intermediador das tticas, tanto coletivas como univer-

    sais, que contribuem na dinmica da explorao, para, na pr-tica, ocorrer a mais-valia na produo. Apontamos, ento, queo processo de trabalho se torna desigual quando uma das partesenvolvidas nasce da perspectiva do lucro, e, a outra, subsiste ese reproduz enquanto espcie, com a nalidade de continuar alabuta nas indstrias.

    Procuramos reconhecer a funo do trabalhador no setor detransformao orestal, para vericarmos como ele est inseridona produo, por meio da indstria de transformao madeireira,e como acontece a extrao das rvores na oresta. Observamoso envolvimento da fora de trabalho na coleta das rvores, noarraste das toras, no carregamento dos caminhes, no transporte,no descarregamento nas indstrias, na transformao da tora emmadeiras beneciadas e no carregamento das madeiras para osmercados consumidores. Ao mesmo tempo, foi nossa tarefa dis-

    tinguir como estes trabalhadores se adaptam vivendo em casas

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    cedidas pelos empresrios no prprio local em que se localizao processo produtivo; como a qualidade destas moradias e as

    formas a que so submetidos pelo domnio da empresa.Analisamos como se efetiva a insero de crianas, menores

    e mulheres no processo produtivo, sendo considerados exrcitoindustrial pelos grupos econmicos, e utilizados conforme a ne-cessidade da classe empresarial. Ao mesmo tempo, pretendemoscompreender a dinmica que os envolve e os torna cobiados, vis-to fornecerem mais lucro que os trabalhadores homens adultos.

    Alm de considerar o tratamento diferenciado, importanteobservar que estes trabalhadores so, na maioria das vezes, sub-metidos explorao, quando comparada com outros pases e ou-tras regies do Brasil. Na sequncia, apresentamos o tratamento mulher, visto no se levar em considerao as suas peculiaridades,pois, na maioria das empresas, no existem nem banheiros desti-nados a elas e, quando existem, faltam requisitos bsicos de uso.

    Outro tema de que tratamos a questo do acidente detrabalho, muito comum na regio, principalmente no setor detransformao de madeira. As tcnicas que vo da coleta dasrvores ao beneciamento da tora so realizadas de forma primi-tiva, sem, no entanto, considerar que nestas operaes esto pre-sentes trabalhadores. Alm disso, os acidentados no recebemo adequado socorro, como tratamento mdico e hospitalar. Os

    trabalhadores raramente so treinados ou usam equipamentos desegurana, muito menos receberam orientao quanto aos pri-meiros socorros em caso de acidentes. Quando o trabalhador seacidenta, desligado da empresa e ocorre a contratao de outrotrabalhador para repor a fora produtiva perdida.

    Vericamos, assim, os mecanismos existentes para entendera trajetria da fora de trabalho inserida no processo produtivo.

    Tambm procuramos demonstrar os nveis salariais da categoria,vistos atravs da lgica da superexplorao da classe trabalhado-

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    ra, sendo a subsistncia e a reproduo da fora de trabalho quedeterminam a sua existncia e as formas de tratamento. A lgica

    serve para reproduzir e perpetuar o modelo de produo capita-lista com a nalidade de agregar valor na produo por meio damais-valia relativa e absoluta, vindo tambm a proporcionar o re-baixamento do poder de consumo da fora de trabalho.

    Neste processo, procuramos identicar que, atravs da su-perexplorao da classe trabalhadora, o capitalista retira partedo valor necessrio para subsistncia e sua reproduo, e, assim,

    paga valor abaixo do normal. Ao produzir uma relao desigualentre as classes trabalho/capital, as formas de explorao tor-nam-se mais agressivas, e os trabalhadores, submissos, obedien-tes e dominados, tornam-se refns de sua prpria liberdadecomo fora de trabalho assalariada.

    Alm de serem marginalizados como cidados, tambm vi-vem praticamente excludos da vida social da comunidade em

    que vivem. Restam-lhes a separao e o represamento, o con-namento no processo produtivo, para, com isso, se efetivar algica da expanso capitalista na Amaznia brasileira. Com estabreve abordagem preliminar, convidamos voc para juntos reali-zarmos uma confortvel e instigante viagem Amaznia...

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    O exrcito industrial de

    reserva e a explorao

    do trabalho

    Ao desenvolvermos as relaes entre a fora de trabalho e o

    capital, concentramos nossa investigao nas indstrias detransformao de madeiras da Amaznia Legal brasileira, tam-bm como suas conexes nas relaes econmicas, produtivas,ambientais, trabalhistas e estatais. Ao tratarmos da mo de obrae de suas relaes nesse espao de economia perifrica, preocu-pamo-nos em identicar os limites e as dependncias entre osfatores sociais, morais e econmicos, localizados por meio do

    comportamento sistmico, que envolve o mundo do trabalho eda produo capitalista.

    Faz-se necessrio identicarmos a formao do exrcito in-dustrial de reserva, a acumulao capitalista da mais-valia, asformas de ocupao da fora de trabalho por meio da lgica daexplorao, a presena das mulheres e das crianas, o treinamentoe a segurana do trabalhador, os salrios e a vida social da classe

    trabalhadora, e a partir desse indicador formarmos um diagnsticoreal da incluso do homem no espao extrativista orestal.

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    Consideram-se as condies de trabalho no processo produ-tivo deste setor, e, assim, so identicadas as formas de utilizao

    dessa mo de obra na relao de explorao entre classes no pro-cesso produtivo. Alm disso, necessrio ressaltar que a exploraono trabalho se qualica em um estgio mais avanado na regio,chegando a um quadro de superexplorao. Nesta estratgia in-dispensvel identicar os mtodos peculiares no tratamento da for-a de trabalho na regio, bem como apontar as regras criadas paratransformar esta relao de trabalho sob a dominao e a violncia.

    Com essa dinmica, percebe-se que a Amaznia, ao abrir-seao capital nacional e transnacional, necessita reproduzir, tam-bm, a fora de trabalho e utilizar-se de estratgias que impem classe mtodos que os levam a produzir mais trabalho que emuma condio normal de simples explorao. Os grupos econ-micos necessitam, antes de tudo, dominar o mercado da forade trabalho; mas necessitam, tambm, e cada vez mais, dominar

    as reas produtoras atrasadas (Sodr

    , 2002, p. 441). Dessa for-ma, o trabalho livre continua uma questo pendente. A abolioda escravido, em 1888 (como a precria abolio da escravidoindgena em 1755), foi ato parcial s remotamente inspirado noeventual af de liberdade dos cativeiros (Martins, 2000, p. 12).

    O capitalista consegue realizar a acumulao de capitais naAmaznia, estabelecendo como regra a concentrao e a cen-tralizao da riqueza, por meio da lgica expansionista. Nestesentido, a expanso capitalista da ltima fronteira brasileira e asrelaes de trabalho e do capital em pouco se alteram na formae no tratamento na regio. Elas so praticamente as mesmas nasdiferentes partes da Amaznia, pois inerente ao processo aliinstalado. O carter da forma implantada no processo de expan-so de capitais segue regras locais prprias quanto ao tratamentoda fora de trabalho, mas as formas de explorao so denidas

    e estabelecidas pelo sistema capitalista mundial.

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    A expanso capitalista, ao reproduzir-se de forma ampliada,tambm reproduz a fora de trabalho para servir ao setor produtivo

    com regras prprias para a regio. A relao de trabalho e da produ-o cria mecanismos de trabalho com crescente dependncia. Issopode ser observado quando comparado com outras regies fora doespao amaznico: elas so criadas conforme a necessidade do ca-pitalista local. Essa estratgia dene padres de acumulao para oscapitalistas e de dependncia para a fora de trabalho1.

    Assim, a dinmica separa o processo produtivo entre o capi-

    tal e o trabalho. Formam-se, a partir da, dois grupos distintos: emum extremo os capitalistas e proprietrios do empreendimento; nooutro, a fora de trabalho e detentora da fora fsica. Os empres-rios do setor de transformao de madeiras da regio representam ocapital nacional e internacional de forma jurdica e os proprietriosdos empreendimentos processam a capacidade produtiva da trans-ferncia de capitais oriundos de outros locais. Estes recursos podem

    ser provenientes da nao brasileira ou transnacional, porm seusobjetivos so idnticos aos da expanso e da acumulao.

    A fora de trabalho da Amaznia constituda pelo processode marginalizao social da regio e das demais partes do Pas.So trabalhadores despossudos e marginalizados, que buscamsuprir as necessidades bsicas de subsistncia para si e para re-produzir a fora de trabalho futura. Os trabalhadores do setor de

    1 As circunstncias mais ou menos favorveis em que se conservam e se reproduzemos assalariados em nada modicam o carter fundamental da produo capitalista. Areproduo simples reproduz constantemente a mesma relao capitalista: capitalistade um lado e assalariado do outro. Do mesmo modo, a reproduo ampliada ou aacumulao reproduzem a mesma relao em escala ampliada: mais capitalistas oumais capitalistas mais poderosos, num polo, e mais assalariados, no outro. A forade trabalho tem de incorporar-se continuamente ao capital como meio de expandi-lo; no pode livrar-se dele. Sua escravizao se dissimula apenas com a mudanados capitalistas a que se vende, e sua reproduo constitui, na realidade, um fator de

    reproduo do prprio capital. Acumular capital , portanto, aumentar o proletariado(MARX, 1998 p. 716-17).

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    transformao de madeiras, por serem indivduos represados noprocesso histrico, por meio de sucessivas reprovaes, migram

    para a regio em busca de novas alternativas para subsistir ereproduzir-se, tendo a proletarizao nas indstrias madeireirascomo alternativa. Ao assumirem as vrias funes de trabalho,so vistos apenas como um componente do processo produtivoe passam a ser uma mercadoria como qualquer outra, necessriae indispensvel, pois sem mo de obra no acontecem a repro-duo e a acumulao na regio.

    Nesta perspectiva, faz-se necessria a existncia de forade trabalho e capitalistas, que, juntos, conseguem realizar a re-produo. Assim, um polo fundamenta-se em reproduzir capital,enquanto o outro, a fora de trabalho; um no sobrevive sem ooutro. Dentro desta lgica e nestes extremos acontece o cicloprodutivo da fora de trabalho2. a lgica do sistema capitalis-ta, mas podemos romp-la e tornar o homem livre? possvel a

    busca de novas alternativas que venham ao encontro dos anseiosda classe trabalhadora e capitalista? Para responder, na prtica,essas indagaes, faz-se necessrio romper o j estruturado pro-jeto elaborado e determinado pelas elites dominantes. Isso signi-ca acabar tambm com o sistema dominador, ou aperfeio-lopor meio de um projeto mais solidrio e justo, que contemple aincluso social de todos os atores que movimentam a regio.

    O sistema estabelecido de forma global, com regras impos-tas, criadas pelos grupos econmicos, faz acontecer o processomigratrio para a Amaznia. Nessa lgica, o setor de transforma-o de madeiras transforma-se, tambm, em rea de livre acessoao exrcito industrial de reserva, vindo das diferentes regies

    2 Se algum tivesse 100.000 acres de terra, o mesmo nmero de libras esterlinas eoutro tanto de gado, que seria esta pessoa rica sem trabalhador, seno um trabalhador?Uma vez que os trabalhadores fazem os ricos, quanto mais trabalhadores, maior a

    riqueza. [...] O trabalho do pobre a mina do rico (MARX, 1998, p. 717, citandoJohn Bellers, 1696).

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    brasileiras. Alm disso, quando de interesse do capital, este es-trategicamente toma a iniciativa de oferecer as condies neces-

    srias para o deslocamento de trabalhadores para servirem aosinteresses da reproduo. Utiliza a nova fronteira de expansocomo novo ncleo de formao de capitais e fora de trabalho.Na dependncia, quando o capital se desloca para a Amaznia,junto transfere a fora de trabalho, um depende do outro. O pri-meiro, para acumular riqueza, e o segundo, para subsistir, masambos para reproduzir-se em nome do sistema global.

    Este elo entre os capitalistas e a fora de trabalho frutoda necessidade do processo produtivo estar sempre rodeado demo de obra, efetivando-se, assim, a explorao por meio dastarefas humanas. Esta a nica forma de expandir-se e um fa-tor determinante para conseguir acumular atravs da mais-valia.O objetivo maior da sociedade dominante produzir mais commenor custo e, consequentemente, produzir mais mercadorias

    com menos trabalho.Contudo, o salrio, fundo de subsistncia da fora de traba-lho, fundamenta-se nas necessidades de manter e reproduzir a for-a de trabalho. Por outro lado, a classe trabalhadora s vende suafora de trabalho ao capitalista se esta puder se transformar emlucro no processo produtivo. A classe trabalhadora tem acesso aosprojetos econmicos da regio atravs de sua fora de trabalho,passa a movimentar e oxigenar o objeto maior da sociedade capi-talista organizada, que a produo de mercadorias para servir aomercado. Seu trabalho possibilita a expanso e a concentrao decapitais na Amaznia brasileira de forma que ele possa ser incor-porado ao capital de maneira concentrada. Esta ttica vem efetivara reproduo dentro da racionalidade sistmica da formao decapitais; a razo de existir do processo capitalista.

    Para acontecer a reproduo da riqueza deve primeiro exis-tir fora de trabalho, constituda pelo exrcito industrial de re-

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    serva. Prova disso que, nos anos 70 e 80 do ltimo sculo, aindstria de transformao madeireira da Amaznia necessitou

    importar trabalhadores para movimentar o processo produtivo.Assim, atrada para a nova fronteira de expanso a massa dedespossudos e marginalizados do Pas. No caso especco deSinop e regio, o setor de transformao de madeiras absorvehoje pessoas pobres, sem emprego e sem qualicao que pormuito tempo se deslocaram para a regio em busca de melhorescondies de vida para sua famlia, aumentando signicativa-

    mente a populao das vilas operrias do setor industrial de Si-nop (Souza, 2001, p. 148).

    Os capitalistas no objetivam suprir somente as necessi-dades momentneas de oferta de trabalho, mas constituir umasuperpopulao de trabalhadores sua disposio, formando,assim, o exrcito industrial de reserva. Dessa forma, criam-seos elementos propcios para a produo, para oportunizar altas

    taxas de lucro, pois este deve ser reinvestido na produo paraexpandir seus negcios. Assim, preciso tornar a fora de traba-lho submissa e dependente, tirando-lhe todas as oportunidadesde vislumbrar algo diferente que ser mo de obra disposiodestes empreendimentos3.

    3 Neste sentido, Bernard de Mandeville, no comeo do sculo XVIII, citado por Marx(1998, p. 717-18), dene: Nos pases onde a propriedade est bem protegida, maisfcil viver sem dinheiro do que sem os pobres, pois quem faria o trabalho? [...] Se no

    se deve deixar os pobres morrerem de fome, no se lhes deve dar coisa alguma quelhes permita economizarem. Se esporadicamente um indivduo, custa de trabalho ede privaes, se eleva acima das condies em que nasceu, ningum lhe deve criarobstculos: inegvel que, para todo indivduo, para toda a famlia, o mais sbio praticar a frugalidade; mas interesse de todas as naes ricas que a maior parte dospobres nunca que desocupada e que, ao mesmo tempo, gaste sempre tudo o queganha. [...] Os que ganham sua vida com o trabalho quotidiano s tm como estmulo, para prestar seus servios, suas necessidades. Por tornar ativo o trabalhador umsalrio moderado. Um salrio demasiadamente pequeno, segundo o temperamento do

    trabalhador, deprime-o ou desespera-o; um demasiadamente grande torna-o insolentee preguioso. [...] Para tornar feliz a sociedade [isto , os que no trabalham] e para

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    Essa dinmica do mundo do capital que oprime a fora detrabalho o fator que fundamenta a explorao da classe traba-

    lhadora e a sua dominao. Nessa dialtica, podemos entendera fora de trabalho da indstria madeireira da Amaznia, poisvive entre os extremos da pobreza, na qual os trabalhadores soconnados dentro do processo produtivo. Para Santos (2001, p.132), a misria acaba por ser a privao total, com aniquila-mento, ou quase, da pessoa.

    Por outro lado, a pobreza uma situao de carncia, mas

    tambm de luta, um estado vivo, de vida ativa, em que a tomadade conscincia possvel. Miserveis so os que se confessamderrotados. Mas os pobres no se entregam (Santos, 2001, p.132). E assim, surge a grande massa proletarizada e pobre dascidades, cuja nica mercadoria so seus msculos e o seu cre-bro (Catani, 2001, p. 29). Na carncia de perspectivas acontecea acumulao de capital da classe burguesa, pois da retirada

    de excedentes da fora de trabalho que se efetiva a acumulao.Seria necessrio que os trabalhadores almejassem o futuro,mesmo sem perspectivas, para que pudessem fugir do controledo capital. Esta a regra estabelecida pela lgica da reproduoimposta e dependente. Os trabalhadores submetidos s condi-es de pobreza so produtivos; sendo miserveis, tornam-sederrotados e deixam de sonhar com perspectivas para superar acondio de explorao no trabalho. Assim, o capitalista atingeo seu objetivo maior ao se constituir pela lgica que fundamentaa existncia do capitalismo4.

    que o povo viva contente, mesmo em condies miserveis, necessrio que a maioriapermanea ignorante e pobre. O saber aumenta e multiplica nossos desejos, e, quantomenos um homem deseje, mais fcil satisfazer suas necessidades.4 No se compra a fora de trabalho para satisfazer as necessidades pessoais doadquirente por meio dos servios que ela presta ou do que ela produz. O objetivo docomprador aumentar seu capital, produzir mercadorias que contm mais trabalho

    do que ele paga e cuja venda realiza tambm a parte do valor obtida gratuitamente(MARX, 1998, p. 721).

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    Diante dessa postura capitalista construda uma relaode dependncia entre as classes. Apresenta-se denida e con-

    dicionada pelo objetivo maior da classe dominante, que cria ascondies da existncia de trabalho pago e trabalho no pagoatravs da mais-valia. isto que oxigena e fomenta o mundoda acumulao, pois sem trabalhadores disposio da classecapitalista, ela no consegue se reproduzir, mesmo tendo dis-posio tcnicas avanadas no processo produtivo.

    Desta forma, em escala ampliada, os capitais centralizam

    socialmente a riqueza e ela acontece em estgio avanado dareproduo, pois ocorre primeiro a concentrao individual devrios capitais, que so fruto da mais-valia extrada da classetrabalhadora. Neste sentido, ela s pode acontecer quando ocapitalista tem sua disposio grandes quantidades de traba-lhadores, e estes so obrigados a fornecer trabalho excedenteatravs da imposio dos mecanismos criados.

    Para Rosdolsky (2001, p. 248), no capitalismo, de fato, nose pode negar a existncia de um exrcito industrial de reserva e aenorme inuncia que ele exerce sobre os salrios. Assim, o pro-cesso trabalhista em estgio avanado da acumulao atrai relati-vamente sua grandeza, cada vez menos trabalhadores. E o velhocapital periodicamente reproduzido com nova composio repele,cada vez mais, trabalhadores que antes empregava (Marx, 1998,p. 731). Nesse sentido, o que determina a acumulao capitalista a variao entre capital constante e capital varivel (Marx,1998, p. 732). Assim, a procura de trabalho no determinada pe-la magnitude de capital global na empresa, mas pela magnitudede capital varivel (Marx, 1998, p. 732).

    Nessa lgica, quando ocorre o aumento do capital global,cresce tambm sua parte varivel, ou fora de trabalho que nelese incorpora, mas em proporo cada vez menor (Marx, 1998,p. 732). Na fase acumulativa de capitais, a reduo da fora de

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    trabalho proporciona aos capitalistas a disponibilidade de tra- balhadores de forma elstica e crescente, porm so necess-

    rios investimentos cada vez maiores de capital constante, frutodo trabalho excedente, que s podem ocorrer em sua plenitudequando formado o exrcito industrial de reserva.

    Estabelecida esta constituio, os trabalhadores so os boisdo sistema capitalista: consomem apenas uma parte do que produ-zem, a parte necessria para que continuem vivos e trabalhando, aoutra parte a mais-valia, apropriada pela burguesia, que vive s

    custas da classe trabalhadora (Catani, 2001, p. 32). O capital sse desenvolve quando se relaciona com a fora de trabalho e apro-funda as formas capitalistas para tirar vantagens nesta relao5.

    Nesse sentido, todos os movimentos da indstria modernanascem da transformao constante de uma parte da popula-o trabalhadora em desempregada ou parcialmente emprega-da (Marx, 1998, p. 737). Para a indstria moderna, a existn-

    cia de uma superpopulao excedente de mo de obra torna-seuma necessidade, vindo a proporcionar as condies ideais paraa acumulao de capitais. Mas o aumento do capital varivel tambm aumento de mais trabalho, porm no de mais tra-balhadores empregados, pois os capitalistas tm cada vez mais

    5 Se uma populao trabalhadora excedente produto necessrio da acumulaoou do desenvolvimento da riqueza no sistema capitalista e, mesmo, condio de

    existncia do modo de produo capitalista, ela constitui um exrcito industrialde reserva disponvel, que pertence ao capital de maneira to absoluta como sefosse criado e mantido por ele. Ela proporciona o material humano a servio dasnecessidades variveis de expanso do capital e sempre pronto para ser explorado,independentemente dos limites do verdadeiro incremento da produo. Com aacumulao e com o desenvolvimento da produtividade do trabalho que a acompanha,cresce a fora de expanso sbita do capital. Essa fora de expanso cresce em virtudedas seguintes causas: aumento e elasticidade do capital em funcionamento e a riquezaabsoluta da qual o capital constitui apenas uma parte elstica; as condies tcnicas doprprio processo de produo, a maquinaria, os meios de transportes etc. possibilitam

    a transformao mais rpida, na mais larga escala, do produto excedente em meios deproduo adicional (MARX, 1998, p. 735).

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    necessidade de extrair mais trabalho de menor quantidade detrabalhadores (Marx, 1998, p. 739).

    O desenvolvimento do modo de produo capitalista neces-sita colocar cada vez mais trabalho em menor quantidade de tra-balhadores. Este deve ser acompanhado com menor dispndiode capital varivel, explorando mais, extensiva ou intensiva-mente, as foras de trabalho com menos capital (Marx, 1998,p. 739). Outra forma disponvel aos capitalistas a substituioprogressiva de trabalhadores menos hbeis por qualicados, tais

    como: mo de obra madura por iniciante; masculina por femini-na; adulta por jovens e crianas.

    O que determina a taxa de emprego a composio org-nica do capital, principalmente quando acontece o aumento docapital varivel. Na prtica, a superpopulao utuante provmda quantidade menor de capital varivel investido, quando com-parado com o investimento do capital constante. Assim, a oferta

    de trabalho no condiz com a necessidade de absoro dos tra-balhadores existentes, pois j existem trabalhadores no processoprodutivo e, alm disso, deve absorver a nova oferta de mo deobra que se apresenta como apta ao processo de trabalho. Aoatingir uma superpopulao disposio dos capitalistas, este po-de se retirar do controle, a fora de trabalho atravs da formaodo exrcito industrial de reserva se encarrega de fazer esta parte.

    Neste estgio, o capital sujeita a classe trabalhadora redu-o de seu salrio e a submete a mais trabalho, atravs da pres-so que a prpria classe exerce entre si. O exrcito industrial dereserva se apresenta latente, quando est apto ao trabalho, maseste se apresenta como alternativa imediata. Esto disposiodos capitalistas, utuantes. So empregos que se apresentam deforma sazonal; estagnado aquele que foi um dia assalariado,sai do emprego, mas no consegue voltar; no pauperismo, sub-mete-se a qualquer trabalho, onde tem e quando tem. Quando

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    no existe exrcito industrial de reserva em pontos estratgicosda produo, o capital encarrega-se de cri-los e coloc-los

    sua disposio, atravs de opes criadas. Nesse sentido, Bra-verman6 indica com clareza esta concepo.

    Atravs das perspectivas capitalistas criadas para a expan-so, a fora de trabalho se encaminha para lugares onde o capitaldeseja se instalar. Assim, criou-se a forma certa para as regies Nordeste e Centro-Sul do Pas, possibilitando a transfernciados trabalhadores que se encontravam em estado utuante, os

    sem-trabalho, proporcionando a opo para migrarem para umanova fronteira de trabalho na Amaznia.

    A fora de trabalho, a princpio, atrada para a indstria detransformao de madeiras por melhores salrios momentneos,dentro de um projeto previamente estabelecido pelas foras ca-pitalistas. Assim, as oscilaes locais do mercado de trabalhode um ramo particular de produo so apenas fenmenos de

    repartio da populao trabalhadora nos diversos ramos em quese aplica o capital, de acordo com suas necessidades variveis(Marx, 1998, p. 742). Contudo, a procura da fora de trabalhono se identica apenas com o aumento do capital, muito menoscom a oferta de trabalhadores na regio, ou com o crescimento daclasse trabalhadora, mas como estratgia da expanso capitalista.

    6

    Nas condies do capitalismo, o desemprego no uma aberrao, mas uma parte necessria do mecanismo de trabalho do modo capitalista de produo. continuamente produzido e absorvido pela energia do prprio processo deacumulao. E o desemprego apenas a parte contada ocialmente do excedenterelativo da populao trabalhadora necessria para a acumulao do capital e que por sua vez produzida por ele. Essa populao excedente relativa, o exrcito dereserva industrial, assume formas variadas na sociedade moderna, inclusive osdesempregados; os temporariamente empregados, os empregados em tempo parcial; amassa das mulheres que como donas-de-casa ou domsticas constituem uma reservapara as ocupaes femininas; os exrcitos de imigrantes, tanto agrcolas como fabris;

    a populao negra com suas taxas extraordinariamente elevadas de desemprego; e asreservas estrangeiras de trabalho (BRAVERMAN, 1981, p. 326-27).

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    Nesta perspectiva, a acumulao aumenta a procura detrabalho, aumenta tambm a oferta de trabalhadores, liberan-

    do-os, ao mesmo tempo em que a presso dos desempregadoscompele os empregados a fornecer mais trabalho (Marx, 1998,p. 743). Contudo, os proletrios sem trabalho exercem pressosobre os salrios dos que esto empregados, baixam os salrios;aumenta a quota da mais-valia (Luxemburg, 1976, p. 485). Poroutro lado, a queda dos salrios caminha junto com o aumentoda jornada de trabalho; sua elevao com aumento da ocupao

    (Luxemburg, 1976, p. 486). Os capitalistas, ao desenvolverema fora de trabalho e coloc-la sua disposio, desenvolvem abase da acumulao na regio. O exrcito industrial de reservasurge como consequncia de uma acumulao muito lenta queno acompanhou o aumento da populao (Luxemburg, 1976,p. 499) e pela tecnologia disponvel na produo.

    A superpopulao desempregada assume forma utuante

    ou latente. Com o exrcito industrial de reserva regularizado,a jornada de trabalho atinge seu ponto mximo, tanto em horastrabalhadas, como tambm, em sua intensidade, acompanhadade salrios baixos. Assim, as massas desprovidas do Brasil soatradas para trabalharem na indstria de transformao de ma-deiras. A fora de trabalho que chega para este novo espao paratrabalhar torna-se mais uma pea necessria da expanso capita-lista que busca acumular e concentrar riqueza.

    No projeto de expanso capitalista da ltima fronteira brasi-leira, pela extrao dos recursos orestais, os grupos econmicosso contemplados por recursos naturais abundantes e criam umasuperpopulao de trabalhadores disposio do capital. Assim,o exrcito industrial de reserva desempenha papel fundamentale se torna necessrio ao modo capitalista da produo, pois a suaexistncia fator decisivo para a formao da acumulao. Con-

    tudo, os benefcios da expanso da Amaznia tornam-se frutos

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    nas mos apenas de grandes conglomerados nacionais e interna-cionais que ali vo se constituir e instalar, como um prolonga-

    mento do movimento sistmico de acumulao mundial.A dialtica do projeto capitalista tem a capacidade de criar

    extremos entre as classes: no regime burgus os que trabalhamno lucram e os que lucram no trabalham (Marx e Engels,1993, p. 91). Alm disso, os trabalhadores so levados a noparticipar como cidados do que lhes de direito na sociedadeem que vivem, sendo-lhes negadas todas as oportunidades para

    seu desenvolvimento e crescimento. A dominao caracteriza-sede todas as formas, incluindo tambm sua famlia de forma ex-tensiva, pois o processo produtivo tem, como objetivo apenas, aprodutividade do trabalho e a gerao do lucro ao capitalista daproduo de mercadorias. Marx7 dene as reais condies da for-a de trabalho no sistema capitalista e suas imposies como fatorpreponderante da degradao e da fragmentao do ser humano.

    A fora de trabalho do setor madeireiro est a caminho domel8 mais uma vez. A cada dia que passa ela ca mais prxi-

    7 Dentro do sistema capitalista, todos os mtodos para elevar a produtividade dotrabalho coletivo so aplicados s custas do trabalhador individual; todos os meiospara desenvolver a produo redundam em meios de dominar e explorar o produtor,mutilam o trabalhador, reduzindo-o a um fragmento de ser humano, degradam-no categoria de pea de mquina, destroem o contedo de seu trabalho, transformandoem tormento, tornam-lhe estranhas as potncias intelectuais do processo de trabalho,

    na medida em que a este se incorpora a cincia, como fora independente, desguramas condies em que trabalha, submetem-no constantemente a um despotismomesquinho e odioso, transformam todas as horas de sua vida em horas de trabalhoe lanam sua mulher e seus lhos sob o rolo compressor do capital. Mas todos osmtodos para produzir mais-valia so, ao mesmo tempo, mtodos de acumular, etodo aumento da acumulao torna-se, reciprocamente, meio de desenvolver aquelesmtodos. Infere-se da que, medida que se acumula capital, tem de piorar a situaodo trabalhador, suba ou desa sua remunerao. [...] Acumulao de riqueza num polo, ao mesmo tempo, acumulao de misria, de trabalho atormentante, de escravatura,ignorncia, brutalizao e degradao moral, no polo oposto, constitudo pela classe

    cujo produto vira capital (MARX, 1998, p. 749).8 A busca do mel, bem como o encontro com este doce dourado, uma metfora

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    ma da colmeia, local de depsito do precioso lquido por tantosprocurado. necessrio transformar-se em abelhas operrias e

    deslocar-se de um lugar para o outro, a nica forma para che-gar ao produto cobiado. Estes trabalhadores, mesmo cansados,no desistem, desejam encontrar as opes que o territrio ama-znico oferece. O trabalhador mantido pobre e submisso buscaincessante o mel, porm as opes para colocar as mos nopote brilhante tornam-se quase impossveis. A meta e a luta con-tinuam, o rme propsito de chegar ao mel sagrado, terra

    prometida onde o brilho do ouro existe.

    usada ao longo do texto para demonstrar que as pessoas que se deslocam para aAmaznia buscam um sonho. Mesmo aos marginalizados e despossudos no processohistrico, a regio apresenta-se como um novo eldorado, e este veio acompanhadode muito brilho e luz intensa. Assim, o mel representa o alimento, a riqueza e aesperana de uma nova vida a todos os que chegam com o rme propsito de ver seussonhos realizados. A metfora que passamos a utilizar neste livro, tambm foi muito

    til no livro Amaznia: do mel ao sangue os extremos da expanso capitalista(PICOLI, 2004a p. 16; PICOLI, 2004b, p. 11 e PICOLI, 2004c, p. 39).

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    A explorao e a mais-valia

    No processo produtivo, faz-se mister a criao do exrcitoindustrial de reserva e coloc-la disposio dos capitalis-tas. Por meio da lgica da acumulao, so necessrias grandesquantidades de trabalhadores disposio da classe detentorado processo produtivo, para efetivar-se a concentrao de capi-

    tais. Com estes trabalhadores organizados, facilita-se a segun-da etapa, a produo da mais-valia, meta principal de qualquerprojeto expansionista, na busca incessante do lucro. Para Marx(1998, p. 578), a produo capitalista no apenas produode mercadorias. Ela essencialmente produo de mais-valia.O capital determina por meio de sua lgica as formas de ex-trao de excedentes nas jornadas de trabalho, meta nal do

    processo produtivo.Para Smith (1978, p. 198), os patres constituem a tercei-

    ra classe, a dos que vivem do lucro. o capital de exploraoinvestido na mira do lucro que movimenta a maior parte do tra- balho til de uma sociedade. O modo de reproduo capita-lista concretiza-se pela retirada de excedentes das jornadas detrabalho da classe trabalhadora. Este trabalho passa ser o lucro

    do capitalista que investe em nova acumulao, pois a sua ra-

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    zo de existir. Nesse sentido, quando um trabalhador inseridono mercado de trabalho madeireiro, o processo de extrao de

    mais-valia torna-se o objeto maior na relao trabalho/produo. da criao do exrcito industrial de reserva que o capitalistaconsegue extrair excedentes nas jornadas de trabalho com maisfacilidade, e assim reproduzir o capital atravs do lucro.

    A mais-valia criada pelo prolongamento da jornada detrabalho, da intensicao desta e da diminuio dos salriosda classe trabalhadora, conforme observaes anteriores. Isso

    se torna possvel por meio da lgica da reproduo capitalista,dentro do processo de transformao de madeiras, que torna afora de trabalho condio e objeto de trabalho para servir aosistema concentrador. A mais-valia absoluta o prolongamentodo dia de trabalho, e mais-valia relativa a decorrente da contra-o do tempo de trabalho necessrio e da correspondente altera-o na relao quantitativa entre ambas as partes componentes

    da jornada de trabalho (Marx

    , 1998, p. 366). Contudo, daprodutividade que a fora de trabalho ana o processo de produ-o das mercadorias, gerando mais produtos e mais mais-valia,e torna-se possvel efetivar-se a lgica de produzir excedentespara acumulao.

    Para facilitar o entendimento, usaremos dois casos de pro-duo para comparar e demonstrar a relao de valor entre traba-lho e produo. Utilizaremos as mesmas condies de trabalho,com jornadas iguais de oito horas trabalhadas. No primeiro casoforam produzidas 1.000 cadeiras para vend-las por R$ 10,00 =10.000,00. No segundo caso foram produzidas 2.000 cadeiraspara vend-las por R$ 10,00 = 20.000,00. Desta maneira, quan-do a produtividade sobe e o valor da fora de trabalho o mes-mo, o valor produzido dobra, consequentemente, o capitalistaconsegue rebaixar o valor de custo da cadeira, mas produz uma

    mais-valia extraordinria. Marini (2000, p. 113-14) dene:

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    ao aumentar a produtividade, o trabalhador s criamais produtos no mesmo tempo, mas no mais valor;

    justamente este fato o que leva ao capitalista individu-al a procurar o aumento de produtividade, j que issolhe permite rebaixar o valor individual de sua merca-doria, em relao ao valor que as condies gerais da

    produo lhe atribuem, obtendo assim uma mais-valiasuperior de seus competidores ou seja, uma mais--valia extraordinria. Assim essa mais-valia extraordi-nria altera a repartio geral da mais-valia entre os di-

    versos capitais, ao traduzir-se em lucro extraordinrio,mas no modica o grau da explorao do trabalho naeconomia ou no ramo considerado, isto , no incidena cota de mais-valia. Se o procedimento tcnico que

    permite o aumento de produtividade se generaliza paraas demais empresas e, assim, se uniformiza a taxa de

    produtividade, isso no produz tampouco o aumentoda cota de mais-valia: se ter apenas acrescentado a

    massa de produtos, sem fazer variar o seu valor ou, oque a mesma coisa, o valor social da unidade de pro-duto se realiza em termos proporcionais ao aumentode produtividade do trabalho.

    Para melhor entendimento do processo, no que diz respeito mais-valia, podemos exemplicar atravs da apresentao deum conjunto amplicado da produo das mercadorias. Utiliza-remos como suposio uma certa indstria que produz mveisde madeira. Vamos denomin-la indstria X. Atribumos os cus-tos do capital constante e capital varivel em horas de trabalho por ano. Para produzir mercadorias so necessrios meios deproduo como: edicaes, ferramentas, matria-prima, dentreoutros, com custo anual de 8.000 horas de trabalho. Supomos,tambm, que a depreciao acontea no perodo de um ano, ape-

    nas para facilitar o entendimento do processo. A fora de traba-

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    lho produz estas mercadorias com custo anual de 2.000 horas detrabalho. Atravs desta exposio, podemos concluir: 8.000 +

    2.000 = 10.000 horas, este o custo e, ao mesmo tempo, o valordas mercadorias produzidas pela indstria de mveis. Os valoresso representados atravs do capital constante e do capital vari-vel, ou seja, C + V9.

    O valor em dinheiro determinado pelo custo das merca-dorias, sendo o trabalho que determina este valor. Agora, supo-nhamos que o capital varivel e a fora de trabalho precisem

    nesta estrutura de seis horas dirias para cumprir esta tarefa, mastrabalhem 12 horas. Neste caso especco, tivemos 2.000 horasa mais de trabalho. Estas horas esto alm do nosso clculo ini-cialmente necessrio. As horas a mais so trabalho excedente, e,sendo trabalho excedente, so produo de mais-valia. Temos:8.000 horas de capital constante, 2.000 horas de fora de tra-balho necessrias em forma de capital varivel, 2.000 horas de

    trabalho excedente, ou mais-valia, cando agora com um novoclculo 8.000 + 2.000 + 2.000 = 12.000 horas. Apresenta-se umanova composio de valores, sendo representada por C + V + MV.

    Podemos fazer uma breve anlise sobre a indstria de mveisde madeira, que est sendo nosso ponto de investigao, analisan-do os resultados atravs dos valores do trabalho normal e trabalhoexcedente. No primeiro caso, C + V representado por 8.000 +2.000 = 10.000 horas, sem excedentes, e no segundo caso, C +V + MV representado pelos valores de 8.000 + 2.000 + 2000 =12.000 horas, com trabalho excedente e produo de mais-valia

    9 Para a representao das diferentes formas da formao do capital, podemos usarC para identicar capital constante, V para representar capital varivel e MV pararepresentar a mais-valia. O capital constante composto pelos meios de produo:equipamentos, mquinas, matrias-primas, edicaes e combustveis. O capitalvarivel representao de valor da fora social de trabalho na produo das

    mercadorias. A mais-valia consiste no valor do trabalho no pago ao trabalhador noprocesso produtivo.

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    de 2.000 horas. Esta exemplicao facilita o entendimento darelao, pois quem consegue produzir excedente fora de traba-

    lho, por no permanecer constante no processo produtivo, tendoa capacidade de oscilar de forma que aumente a mais-valia, trans-formada em lucro nas mos do capitalista. No entanto, a transfor-mao ocorre sem aumento do valor da fora de trabalho.

    A fora de trabalho possuidora exclusiva da capacidade deproduzir excedentes, que servem para agregar valor na acumu-lao de capitais, fruto da mais-valia. Com a simples adio de

    certa quantidade de trabalho, acrescenta-se novo valor, e, com aquantidade do trabalho adicionado, preservam-se no produto osvalores originais dos meios de produo (Marx, 1998, p. 236).Quando isso ocorre, sem a socializao dos resultados exceden-tes da produo com fora de trabalho, acontece a apropriao por parte do capitalista. Nessas condies, para o trabalhadorsomente interessa um dia normal de trabalho, pois o valor de

    sua mercadoria-trabalho, representado pela condio social desua subsistncia.

    Para determinar como se obtm a taxa de mais-valia noprocesso produtivo, tomamos o valor global do produto e de-le deduzimos o valor do capital constante, valor que nele ape-nas reaparece. O valor remanescente o nico valor realmentegerado no processo de produo da mercadoria (Marx, 1998,p. 255). A taxa de mais-valia determinada pela equao entretrabalho excedente dividido pelo trabalho necessrio. Trabalhonecessrio o tempo durante o qual o operrio produz o equi-valente em tempo de trabalho de seus meios de subsistncia(Coggiola, 1998, p. 23).

    O trabalho excedente tempo durante o qual o operrioproduz valores que sero embolsados de graa pelo capitalista:a mais-valia (Coggiola, 1998, p. 23). Nesse sentido, tambmquando se verica a reduo indireta dos salrios, a diferena

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    do capital varivel vai parar no bolso do capitalista (Luxem-burg, 1976, p. 406). A remunerao em forma de salrio cum-

    pre a funo de ocultar os trabalhos no pagos, que so embol-sados pelo capitalista (Coggiola, 1998, p. 34). O resultado aexpresso real do nvel de apropriao do capitalista, em detri-mento da fora de trabalho. Assim, o lucro trabalho no pago, produto da explorao do trabalhador assalariado. A relao--capital essencialmente uma relao de explorao (Singer,2000, p. 29). Estas denies podem ser mais bem observadas

    em Marx10

    , que, na mesma perspectiva, ele11

    conclui as circuns-tncias da produo da mais-valia na relao ao trabalho/capital.

    Para produzir mais-valia necessrio ir alm do dia de tra-balho normal da classe trabalhadora. A faanha possvel pormeio dos capitais individuais e produzida no ncleo do pro-cesso produtivo. Por outro lado, o sistema nanceiro tem a ca-pacidade de centralizar a riqueza dispersa da sociedade. Assim,

    os capitais associados vo formar o sistema nanceiro e este vaipara o crdito de forma socializada e centralizada. Na lgica ca-pitalista, sob as leis que regem o mundo do trabalho e do capital,

    10 Determina-se a taxa de mais-valia no atravs da relao que existe entre a mais-valia e o capital global, mas pela que existe entre ela e o capital varivel; do mesmomodo, a dimenso do produto excedente se determina no pela relao entre o produtoexcedente e o restante do produto total, mas pela que existe entre ele e a parte doproduto que representa o trabalho necessrio. De acordo com o objetivo dominante

    da produo capitalista de produzir mais-valia, mede-se a riqueza no pela magnitudeabsoluta do produto, mas pela magnitude relativa do produto excedente (MARX,1998, p. 265-66).11 As magnitudes relativas do preo da fora de trabalho e da mais-valia sodeterminadas por trs circunstncias: 1) a durao do trabalho ou a magnitude extensivado trabalho; 2) a intensidade normal do trabalho ou sua magnitude intensiva, segundoa qual dada quantidade de trabalho despedida em determinado espao de tempo; 3)nalmente, a produtividade do trabalho, segundo a qual a mesma quantidade de trabalhofornece, dependendo do grau de desenvolvimento das condies de produo. Evidente,so possveis as mais diversas combinaes, com um dos trs fatores constante e dois

    variveis, ou com dois fatores constante e um varivel, ou, nalmente, com todos os trsfatores simultaneamente variveis (MARX, 1998, p. 591-92).

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    o trabalhador s pode obter 20 de subsistncia se este entregar40 em forma de trabalho, sendo 20 em forma de valor-de-troca e

    40 em forma de valor-de-uso.A classe trabalhadora produz uma parte da jornada neces-

    sria para sua subsistncia, e a outra para a classe capitalista emforma de excedentes do dia trabalhado, que tem como objetivotransformar-se em capital constante. desta forma que se geraa acumulao, a dinmica do mundo que gera as mercadorias,produzir mais riqueza com a nalidade de acumular. A dinmica

    da troca gera uma relao de equivalncia, para obter 20 se en-tregam 20, assim se gera uma relao desigual e necessria paraa concentrao.

    Por outro lado, o mundo do trabalho tambm o mundo docapital. a relao de subordinao da classe trabalhadora, bemcomo dos limites impostos a este mundo do trabalho, a relaode posse que se efetiva por parte do capitalista. Os dois mundos

    se relacionam e crescem em estreita relao, um para acumular,o outro para subsistir. Este o comeo, o meio e o m da relaoentre trabalho e produo de mercadorias.

    Produzir mais-valia a relao que determina a existnciaentre capital e trabalho. Assim, o modo da produo capitalistavai se associar s relaes dos homens, pois a sociedade capita-lista s se justica atravs da existncia da fora de trabalho, e

    esta produzindo excedentes em suas jornadas de trabalho. des-sa forma que o produto do trabalho se desvincula do trabalhador,formando vnculo apenas com a produo. Desvincula-se no quediz respeito aos frutos da relao, pois, na sociedade capitalis-ta burguesa, ela pertence apenas aos capitalistas. O trabalhadorapresenta-se como fonte da propriedade privada ao reproduzir osistema pelo seu trabalho.

    Segundo Pasinetti (1974, p. 18), o crescimento econmico obra dos capitalistas. A reproduo ampliada sempre decorre

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    da mais-valia, e, neste caso, o capitalista tem o livre arbtrio como destino do lucro, pois este pode ser consumido ou agregado em

    forma de capital. O verdadeiro sentido de tirar excedentes na jor-nada de trabalho aplic-lo, investir em capital produtivo, fazen-do contnuas aplicaes constantes para gerar mais produo. Issovai formar o crculo vicioso da acumulao, pois o capitalista stem sentido em existir no ato que capitaliza permanentemente osexcedentes do processo produtivo, usando, assim, a prerrogativada mais-valia, produzindo mais, com menor quantidade de traba-

    lhadores. O Estado fator importante na organizao dessa lgi-ca, ele apura, na prtica, a acumulao, por meio da mais-valiacoletiva, determinando o preo mnimo dos salrios, bem comodeterminando todas as relaes entre as classes.

    As relaes de trabalho vo alm da empresa e do Estado,hoje haveria um motor nico, que exatamente a mais-valiauniversal (Santos, 2001, p. 29). Neste sentido, as empresas

    que resistem e sobrevivem so aquelas que obtm a mais-valiamaior, permitindo-se, assim, continuar a proceder e competir(Santos, 2001, p. 30). Esta a nova lgica do mundo globaliza-do. Na passagem de milnio, no basta explorar a classe traba-lhadora, preciso ir alm, criar mecanismos de superexplorao,vindo agravar a relao entre trabalho e capital.

    O Estado serve de capitalista coletivo e regulador, pois esta servio da classe dominante nas estratgias e nos mecanismospara tirar excedentes da classe trabalhadora. Exemplo disso umpas inacionado, a cada reajuste - passa a receber um salriomenor que deveria para reproduzir a sua fora de trabalho (San-droni, 1985, p. 81)12. Para Mszros (2002, p. 121), na verdade oEstado pertence materialidade do sistema capitalista e corpori-12 De acordo com os dados do Dieese, entre 1957 e 1977 o salrio mnimo real[brasileiro] diminuiu de 100 para 48. Ou melhor, aqueles que recebiam o salrio

    mnimo de 1977 podiam comprar apenas a metade (ou pouco menos) do quecompravam os trabalhadores vinte anos antes (SANDRONI, 1985, p. 81).

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    ca a necessidade da dimenso coesiva de seu imperativo estruturalorientando a expanso e para a extrao do trabalho excedente.

    A sanha desvairada do modo capitalista de produo, arti-culado com o Estado, faz mudar as perspectivas da classe tra-balhadora. A possibilidade de encontrar o mel para a fora detrabalho cou retida pelos capitalistas em forma de mais-valia, emais uma vez nega-se a oportunidade de abordar esta jia purae venerada por todos. O produto sagrado passou pelas mos daclasse trabalhadora, porm os mecanismos impostos a ela deter-

    minam que no tenha acesso ao fruto de seu prprio trabalho.Assim, mais uma vez lhe negado o acesso ao produto de seuprprio trabalho, e o mel cristalizado na forma deste traba-lho vai formar grandes pores do doce, mas serve apenas paraagregar valor em mos de grandes conglomerados econmicos.

    Muitos desses grupos, com sede alm-ptria dos assalaria-dos, apresentam-se na regio amaznica de forma vertical ape-

    nas para tirar vantagens econmicas. Logo aplicam sua lgica,sem levar em conta a existncia de homens, mulheres e crianas,bem como da fragilidade da oresta tropical. Esses grupos apre-sentam-se com o intuito da concentrao e objetivam apenas ofruto do trabalho alheio, ou seja, esta magnitude apresenta-seem forma de mel, e, principalmente, quando produzido pelosproletrios em forma de jornadas excedentes.

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    A superexplorao dos

    trabalhadores no setor detransformao de madeiras

    Apartir do entendimento das formas de como submetida afora de trabalho, da criao do exrcito industrial de reser-va para produo da mais-valia, temos condies de abordar asreais condies de trabalho no setor de transformao de ma-deiras da Amaznia, do Mato Grosso, da regio norte do Estadomato-grossense e sinopense13. necessrio conhecer a fora de

    13 Para falar da fora de trabalho do setor de transformao de madeiras, so utilizadostambm os dados prvios conseguidos na realizao do projeto de pesquisa Prevenode acidentes de trabalhos I e II. Estas pesquisas foram realizadas junto ao setor de

    transformao de madeiras de Sinop no perodo de 1995 at 1998, pela Universidadedo Estado de Mato Grosso Unemat. Os referidos trabalhos foram realizados sobnossa coordenao nas duas etapas. Na primeira etapa tivemos como participante oprofessor Milton Luiz Neri Pereira, e, na segunda, o Professor Josivaldo Constantinodos Santos. No citado perodo, foram realizadas vrias pesquisas usando diferentesmetodologias para chegar aos dados com menor margem de erro (anexos snteseda pesquisa e cha tcnica explicativa). Na primeira etapa, usamos como tcnica oquestionrio. Foram entrevistados 34 empresrios, 108 trabalhadores, 53 trabalhadoresque j sofreram algum tipo de acidente de trabalho, todos os entrevistados pertencendoao setor de transformao de madeiras. Tambm foram entrevistadas pessoas ligadas

    aos rgos do setor, oito trabalhadores e suas famlias vtimas de acidentes de trabalho.A estratgia foi no sentido de entender o grau de sofrimento em que vivem esses

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    trabalho do setor de transformao de madeiras, pois nele seapresentam as formas mais apuradas no que tange explorao e

    superexplorao do trabalho. Utilizaremos como base de nossapesquisa o processo de transformao de rvores, mas no per-dendo de vista as demais atividades que incluem o homem, poiselas se processam da mesma forma, independente da atividade.

    Os tericos do passado conseguem explicar a explorao dotrabalho observando a sociedade capitalista da Europa, nascidaem uma poca e denida em um local prprio. Ao tratarmos das

    relaes de trabalho e capital na Amrica Latina, especicamentena Amaznia Legal brasileira, os seus conceitos continuam fun-damentando as relaes de trabalho, porm faz-se mister buscarexplicaes para entendermos o que acontece atualmente. Nessaperspectiva, no podemos nos ater somente explorao da for-a do trabalho e levar em considerao apenas os conceitos quefundamentam as formas de explorao da classe trabalhadora.

    Hoje, temos uma nova perspectiva, pois, no Brasil e naAmrica Latina, o modelo capitalista de desenvolvimento ba-seia-se no crime ambiental, na dependncia econmica e na de-sigualdade social (Leonelli, 2000, p. 43). Assim, a classe tra-balhadora passou a trabalhar inquestionavelmente mais maishoras por dia, por ano e ao longo da sua vida. Como o fazem

    trabalhadores acidentados e suas famlias. O relatrio nal dos trabalhos da primeiraetapa consta com 77 pginas e faz parte do banco de dados da Unemat. Na segundaetapa dos trabalhos, a equipe de pesquisadores usou como metodologia a observaosistemtica no participativa, quando visitamos 35 empresas com um roteiro deobservao prvio, buscamos as respostas com visitas in loco. A pesquisa no se atevesomente aos acidentes de trabalho, embora esse fosse o objetivo principal. Procuramosentender todo o processo de transformao de madeiras para entrar na intimidadedos envolvidos neste tipo de trabalho. Neste sentido, contemplamos as seguintespreocupaes, quanto aos trabalhadores: acidentes de trabalho, moradia, condiesfsicas das indstrias, mquinas e equipamentos, remunerao dos trabalhadores, vida

    social, mulheres e menores no trabalho. O relatrio nal da segunda etapa da pesquisaconsta de 85 pginas e faz parte do banco de dados da Unemat.

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    em troca de uma recompensa total menor, a taxa de exploraoaumentou muito (Wallerstein, 2001, p. 87).

    So mudanas de nossos dias. Existe uma nova forma detratamento da fora de trabalho e as mudanas so sentidas aolongo dos tempos. O aprofundamento das relaes entre traba-lho e capital orienta para uma catastrca situao da classe tra-balhadora: talvez 85% das pessoas que vivem dentro da econo-mia-mundo capitalista no tenham padres de vida superioresquelas das populaes trabalhadoras do mundo h quinhentos

    ou mil anos (Wallerstein, 2001, p. 105). Mesmo que a riquezatenha aumentado no mundo capitalista, ela foi distribuda de for-ma desigual, e o maior acesso aos produtos no signica maioracesso s necessidades bsicas de subsistncia e reproduo daclasse trabalhadora.

    Para trazer luz o entendimento do trabalho dos temposmodernos, fundamentamo-nos no conceito de superexplorao

    de Marini. Assim, ao desvincular-se de um estgio de explora-o e partir para um segundo estgio, a superexplorao, en-contramos uma nova relao entre trabalho/capital. Somenteentendendo o processo de explorao alm da j convencionadamundialmente, podemos entender a explorao que se processana Amrica Latina e, principalmente, a que ocorre na Amazniaem nossos dias. Segundo Marini (2000, p. 159-60):

    observamos, inicialmente, que o conceito de superex-plorao no idntico ao de mais-valia absoluta, jque inclui tambm uma modalidade de produo demais-valia relativa a que corresponde ao aumento daintensidade do trabalho. Por outro lado, a conversode parte do fundo de salrio em fundo de acumulaode capital no representa rigorosamente uma formade produo de mais-valia absoluta, dado que afeta

    simultaneamente os dois tempos de trabalho no inte-

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    rior da jornada laboral e no s o tempo de trabalhoexcedente, como acontece com a mais-valia absoluta.

    Por tudo isso, a superexplorao se dene mais pelamaior explorao da fora fsica do trabalhador, emcontraposio explorao resultante do aumento desua produtividade, e tende normalmente a expressar--se no fato de que a fora de trabalho se remunera por

    baixo de seu valor real.

    Este conceito fundamenta a relao, pois a fora de traba-lho com remunerao abaixo de seu valor real atinge um estgioavanado na relao trabalhista. Assim, ao intensicar o trabalho,este se apresenta como o aumento da intensidade do trabalho enesta perspectiva, como um aumento da mais-valia, conseguidaatravs de uma maior explorao do trabalhador (Marini, 2000,p. 123). Neste mesmo tratamento est o prolongamento das jor-nadas de trabalho e todas as relaes de trabalho no espao ama-znico. Outro procedimento que devemos levar em considerao

    a reduo do consumo do trabalhador, vindo a converter-se emfundo de acumulao dos projetos econmicos ali instalados.

    Contudo, a superexplorao no espao amaznico no sedesvincula do processo da produo de mercadorias, apenasassume uma posio diferenciada na relao, pois a classe tra-balhadora para se reproduzir se submete a trabalhar com valorabaixo do necessrio para se reproduzir. O objetivo maior a

    integrao da regio ao mercado mundial atravs da produoe do comrcio das mercadorias ali produzidas, mas acontece deforma mais agressiva, quando comparada com outros centros docapital mundial, devido ao empenho dos capitalistas em apuraras tticas de explorao apresentadas pelos tericos do passado.

    A superexplorao do novo espao pode ser identicadapelas formas de tratamento da fora de trabalho: nas condies

    espoliativas do trabalhador; nas formas de tratamento do siste-

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    ma gato14; pelos maus-tratos e pela total falta de condies desade e higiene; a ilegalidade do trabalho e as condies de insa-

    lubridade; o uso de mquinas e equipamentos ultrapassados; asimposies, a submisso, a obedincia e o controle pelo poder;as condies de moradia; pelo no acesso a sade, educao esegurana e o cerceamento liberdade, bem como, pelo regimede semiescravido a que so submetidos os trabalhadores (Car-dosoe Muller, 1977, p. 183).

    Assim, na extrao dos recursos naturais da regio amaz-

    nica, bem como na sua industrializao, possvel aumentar ariqueza sem, no entanto, o aumento adicional de capital, e pe-la facilidade na introduo de tticas de maior explorao dostrabalhadores. Nesse sentido, a atividade produtiva se baseiasobretudo no uso extensivo e intensivo da fora de trabalho: istopermite diminuir a composio-valor do capital, o que, agregado intensicao do grau de explorao do trabalho, faz com que

    se elevem simultaneamente as taxas de mais-valia e de lucro(Marini, 2000, p. 125-26).

    atravs da utilizao da mo de obra com nveis supe-riores de explorao, e assim, consumindo o indispensvel parasubsistncia atravs da remunerao do trabalho abaixo do seuvalor normal, que o capitalista transforma a relao entre traba-lho e capital no somente em explorao, mas em superexplora-o (Marini, 2000, p. 126). Dessa maneira, o processo produtivocria a capacidade de tirar excedentes da fora de trabalho acimada mdia estabelecida. Esta ttica possvel no trabalho assa-lariado, bem como por intermdio de suas prerrogativas arqui-tetadas no seio da produo capitalista, e assim implantadas deforma extensiva nas indstrias madeireiras de Sinop e da regio.Marini (2000, p. 127-28) enfatiza que:

    14 O agenciamento de mo de obra realizado na Amaznia por meio do sistema gato,pode ser visto em Picoli (2004b, p. 45-58).

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    a superioridade do capitalismo sobre as demais formasde produo mercantil e sua diferena bsica em re-

    lao a elas reside em que o que transforma em mer-cadoria no o trabalho ou seja, o tempo de traba-lho total de existncia do trabalhador, com todos os

    pontos mortos que este implica do ponto de vista daproduo mas sua fora de trabalho, isto , o tempode sua existncia utilizvel para a produo, deixandoao prprio trabalhador o cuidado de responsabilizar-se

    pelo tempo no produtivo, do ponto de vista capita-

    lista. esta a razo pela qual, ao subordinar-se umaeconomia escravista ao mercado capitalista mundial,a agudizao da explorao do escravo se acentua, jque interessa ento a seu proprietrio reduzir seus tem-

    pos mortos para produo e fazer coincidir e o tempoprodutivo o tempo de existncia do trabalhador.

    Assim, a intensicao do trabalho, a prolongao da jorna-da de trabalho e a explorao de parte do trabalho necessrio aooperrio para repor sua fora de trabalho conguram um modo deproduo fundado exclusivamente na maior explorao do traba-lhador e no no desenvolvimento de sua capacidade produtiva(Marini, 2000, p. 125). A superexplorao no trabalho aumentaa intensidade da explorao capitalista (mais-valia relativa), mastambm se verica um aumento da jornada de trabalho (mais-va-lia absoluta) que nega ao trabalhador as mnimas condies para

    a reproduo de sua fora de trabalho (Ouriques, 1997, p. 109).Essa dinmica de tirar cada vez mais vantagens sobre a

    classe trabalhadora na superexplorao da Amaznia umaforma de ir alm da explorao do trabalho. Isso se evidenciano tratamento dado classe trabalhadora nos empreendimen-tos capitalistas da agropecuria e no extrativismo do perodo di-tatorial, pois quando se queixam de doena, nada melhor que

    uma injeo de lcool, que di muito, e os pees no voltam

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    a reclamar (Cardoso e Muller, 1977, p. 184). Alm disso, emalgumas fazendas os trabalhadores da Amaznia so submeti-

    dos a pssimas condies: surras, dvidas crescentes, trabalhoseminu e mesmo crimes de morte sustentavam as condies deexplorao do grande empreendimento desbravador (Cardo-so e Muller, 1977, p. 184).

    Estes fatos esto presentes em nossos dias na Amaznia.As estratgias direcionadas ao tratamento da fora de trabalhopouco mudaram depois da ditadura, pois o regime democrtico

    implantado no Pas depois de 1985 foi no sentido de preservara proteo do grande capital nacional e internacional na regio.No caso especco da indstria de transformao de madeira, asuperexplorao evidencia-se nas jornadas de trabalho da extra-o de rvores. Elas no so denidas por quantidade de horas,tornando-se o dia sem limite de horas trabalhadas, sob o dom-nio do sistema gato de agenciamento de mo de obra.

    Segundo Marini (2000, p. 121-22), o capitalista deve neces-sariamente lanar uma maior explorao no trabalho, seja com aintensidade, seja com o prolongamento da jornada de trabalho,bem como com a combinao dos dois procedimentos. Por ou-tro lado, Cardoso e Muller (1977, p. 183-84) tratam da superex-plorao especca da Amaznia brasileira e identicam formasmais apuradas em produzir excedentes nas jornadas de trabalho,como um processo inerente s primeiras fases do capitalismodependente na regio. Isso pode ser notado nas condies de tra-balho e de regime de semiescravido a que os trabalhadores sosubmetidos pelos grupos econmicos ali instalados.

    Diante dos conceitos desses pensadores, podemos obser-var estgios diferentes na explorao do trabalho humano e naformao de capitais. Essa ttica acontece mundialmente, mas,quando se trata da Amrica Latina, da Amaznia Legal brasi-leira, podemos vericar formas mais acentuadas de explorao,

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    vindo a evidenciar a superexplorao do trabalho pela obser-vao que zemos no processo de retirada das rvores na o-

    resta, assim como pelos conceitos sistematizados por Cardoso eMuller (1977) e Marini (2000), pelos quais conclumos que naregio possvel aumentar a explorao do trabalho.

    Para Marini (2000), a superexplorao inerente ao capita-lismo que atua em reas perifricas, e assim continua vendendomercadorias no mercado mundial. Possibilita explorar mais ecom mecanismos de compensao pelo capitalismo dependente.

    Assim, a superexplorao a produo de mais-valia absoluta emais-valia relativa.

    Nessa perspectiva, a fora de trabalho se reproduz com valorabaixo do valor normal. Para que se efetive a ttica do capitalismoque atua em reas perifricas, necessrio que: primeiro, o traba-lhador tenha jornadas muito intensas; segundo, que haja tecnologiapara produzir mais; terceiro, o capitalista se apropria de mais uma

    parte do trabalho necessrio para a reproduo da fora de trabalho.No entendimento de Cardoso e Muller (1977), a superex-

    plorao existe, mas no inerente ao capitalismo dependenteem todas as fases de sua reproduo. Ela compreende apenas aprimeira fase do capitalismo dependente, e pode ser usado comoexemplo o ocorrido na Amaznia brasileira na fase de implanta-o dos projetos econmicos. Para os autores citados, depois do

    capitalismo organizado, torna-se uma relao normal entre ele ea mais-valia absoluta e a mais-valia relativa. Assim, decorridaa primeira fase de implantao do capitalismo dependente naAmaznia, a superexplorao no acontece mais, e volta a seruma relao de trabalho que produz mais-valia normal e igual aqualquer relao de trabalho capitalista. Segundo esses pressu-postos, nos projetos da Amaznia, a superexplorao somente possvel no incio da relao trabalho/capital.

    No nosso entendimento, a teorizao por parte de Marini

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    (2000) leva a uma compreenso maior e mais consistente da re-lao de trabalho na Amaznia, pois a regio faz parte do capita-

    lismo perifrico em qualquer fase de desenvolvimento do projetode expanso e no s na primeira fase da implantao do proje-to, como dizem Cardoso e Muller (1977). Nesse sentido, hoje,a primeira fase da expanso j ocorreu na regio, e a relao dosistema gato ainda existe e tornou-se fundamental, necessriae decisiva para manter as relaes de compensao do sistemacapitalista determinado pelo mercado mundial. A reproduo con-

    tinua acontecendo de maneira dependente, e os trabalhadores noconsomem o que produzem pela falta de acesso s mercadorias.

    A manifestao de superexplorao no trabalho de hoje po-de ser vista no dia a dia: as casas cedidas pela empresa de trans-formao de madeiras, pois o trabalhador, por ser despossudo,no consome, tendo que se sujeitar a residir em casas de domnioda empresa; a concentrao de renda no Pas, que impede que

    haja uma demanda nacional por moradias pelos trabalhadores,mesmo com dcit habitacional; os acidentes de trabalho e asrelaes de impunidade entre os que no observam a legislaovigente no Pas; a no necessidade que o trabalhador consumapara que o capital transforme as mercadorias em riqueza, poisparte da elite consome. A relao de trabalho no sistema gatopode at desaparecer com a terceirizao do trabalho, mas a su-perexplorao continua por ser uma relao de trabalho neces-sria aos capitalistas; a escravido pode ter acabado, mas a su-perexplorao no. Mesmo sendo absurda e ultrapassada, outrastantas comparaes podem ser identicadas para demonstrar aexistncia da superexplorao.

    necessrio compreender a relao de trabalho no setormadeireiro sinopense. Assim, todo o processo de abertura dasmatas e coleta das rvores na regio acompanhado de trata-

    mento que vai enriquecido de uma explorao adicional da mo

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    de obra utilizada. Os mtodos aplicados so prprios e peculia-res, que caracterizam a existncia de superexplorao da fora

    de trabalho, e esta amplitude na ttica s conseguida na Ama-znia brasileira com mais intensidade pelas formas como foi im-plantado o processo produtivo expansionista. A relao pode servista com clareza em todas as fases do capitalismo dependente,principalmente no processo de transformao de madeiras.

    Faz-se necessrio desar este emaranhado de teias paradesvendar as reais condies de trabalho ali praticadas, bem co-

    mo decifrar o enigma que pe em jogo tantas vidas. Tanto no quese refere aos acidentes de trabalho, como superexplorao dehomens, mulheres e crianas do setor de transformao de ma-deireiras, e entender as causas de tanta cobia para ter junto de sia fora de trabalho do setor de transformao orestal, pois elaquem drena e oxigena a Amaznia de forma geral.

    importante entender como vivem os trabalhadores com

    residncias prximas ao processo de industrializao da madei-ra, pois a fora de trabalho deste setor formada por famlias queincluem homens, mulheres e crianas. Residem em sua grandemaioria dentro do prprio ptio da indstria de transformao demadeireira, local onde a tora transformada em madeira serrada.No local circulam trabalhadores e suas famlias, misturados commquinas e equipamentos utilizados como apoio na produo.

    Os trabalhadores e seus familiares misturam-se aos lixos e re-sduos da produo, que queimam nas proximidades das indstrias.Convivem com a insegurana e o medo, pois esto connados aum local no prprio para o trabalho e para a residncia da famlia.A situao torna-se mais grave quando o trabalhador convive junto produo, no meio do processo produtivo. O resduo neste con-texto qualquer resultado do sistema produtivo que descartado(Harrington e Knight, 1999, p. 355). As condies se agravamquando identicamos o destino dos resduos, pois queima-se em

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    fornos 5,71%, transporta-se ao depsito 8,57% e queima-se prxi-mo empresa 85,72% (Picoli e Santos,1998, p. 52)15.

    Os dados revelados podem avaliar as condies em que seencontram as famlias dos trabalhadores do setor. O fogo cons-tante ao lado das casas e da indstria, alm de provocar doenasrespiratrias devido fumaa, expe as crianas ao perigo. co-mum na poca da seca onde acontece maior incidncia do fogo o registro nos hospitais de crianas com srias queimaduras,sobretudo nos ps. H vrios casos de crianas que acompanha-

    mos que tiveram os ps decepados por conta das queimaduras.Nessas condies, tendo de conviver com formas reais de pos-sveis acidentes, os trabalhadores e suas famlias so colocadosem condies de insalubridade.

    O acidente acontece quando as crianas vo brincar nos de- psitos de p de serra, pois a regio possui um perodo commuita chuva no ano e o outro com seca ininterrupta. So osres-

    duos da madeira, chamados de serragem, que muitas vezes noapresentam fogo na sua superfcie que provocam queimadurasnas crianas que passam por cima, afundando os ps em bra-sas ardentes. Muitas das queimaduras variam na sua intensidadee extenso, podendo ser de primeiro, segundo e terceiro graus.Em alguns casos, as crianas foram levadas morte, enquantoem outros caram decientes fsicas pelas deformaes em seuscorpos, fatos comuns encontrados em crianas nestas condiesnas regies madeireiras, pois os sinais de queimaduras cam parasempre em seus corpos, e assim so fceis de serem identicadas.15 As citaes de Picoli e Pereira (1997), bem como Picoli e Santos (1998), conformecitamos anteriormente, fazem parte de estudos prvios realizados junto Universidadedo Estado de Mato Grosso Unemat. Nas duas etapas, os trabalhos de pesquisaforam coordenados por ns e tiveram participao dos professores Milton LuizNeri e Josivaldo Constantino dos Santos. Na primeira etapa, o relatrio Educaopara Segurana no Trabalho I consta de 77 pginas. Na segunda etapa o relatrio

    nal, Educao para Segurana no Trabalho II consta de 85 pginas. As citaesutilizadas fazem parte dos dois relatrios.

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    Com a certeza da mais absoluta impunidade nas indstriasde transformao de madeiras, uma criana deformada por quei-

    maduras do fogo ou com problemas respiratrios provocadospela fumaa nada muda na rotina de trabalho, pois apenas maisuma, tendo pouca repercusso. Alm disso, existe grande di-culdade em conseguir dados reais sobre estes acidentes, pois soacobertados na regio para preservar os interesses dos capitalis-tas. Quando existem os dados, o acesso a estes geralmente depouca credibilidade, alm da falta de organizao e da conivn-

    cia dos envolvidos. Por outro lado, os acidentes raramente solevados ao conhecimento do pblico, pois os meios de comuni-cao quase nada divulgam.

    O local onde se realiza a transformao da madeira umarea que oferece perigo constante, posto a existncia de fam-lias residindo prximo das indstrias madeireiras de 97,14%,no existem famlias em 2,86% (Picoli e Santos, 1998, p. 52).

    Observa-se nos dados algo realmente grave. O territrio cademarcado pelas condies de perigo constante, envolvendo afora de trabalho, as famlias, mas, principalmente, as crianas.Foi tambm avaliado e identicado o grau de perigo com mem-bros das famlias, sendo considerado alto em 65,71%, mdio em22,85%, pequeno em 8,58% e no oferece perigo em 2,86%(Picoli e Santos, 1998, p. 52).

    Os trabalhadores e seus lhos so connados dentro de umlocal imprprio, sem perspectivas de vida. So dependentes,submissos e oprimidos, com normas e regras impostas estrate-gicamente pelos patres. Assim, para torn-los submissos ne-cessrio que as condies impostas os deixem oprimidos, semsadas, que no vislumbrem o direito de serem cidados, masvivam em estado de escravido e desrespeito. Tudo em nome dalgica sistmica da acumulao, que ir torn-los apenas fora

    de trabalho e obrig-los a produzir nos moldes da expanso capi-

  • 8/3/2019 AMAZNIA: Pegadas na Floresta - Uma abordagem da superexplorao da fora de trabalho

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    Amaznia: pegadas na floresta 51

    talista constituda na regio com a nalidade de obter e produzirmais mais-valia. Nas condies de trabalho e moradia da classe

    trabalhadora ca caracterizada a superexplorao.As regras para produzir excedentes so estabelecidas e de-

    nidas pelo sistema capitalista internacional, mas se adaptam superexplorao prpria do processo de transformao de ma-deiras do norte mato-grossense e da Amaznia de forma geral.No fatalismo, so as condies impostas e engenhadas pelomodo de produo ali instalado. Atravs das migraes hist-

    ricas, a este exrcito industrial de reserva no resta alternativamomentaneamente. Submete-se s determinaes dos mentoresde projetos de expanso, promovidas pelo Estado e pelo capitalem conjunto na regio.

    O alto grau de exposio a acidentes das famlias dos traba-lhadores est sempre presente, pois, alm de sofrerem as ame-aas nos ptios das madeireiras, tambm o perigo est dentro

    delas. A criana pode a qualquer descuido dos pais ser puxadapor engrenagens e correias desprotegidas, ou por instalaes el-tricas que apresentam perigo. Nesse sentido, tambm as condi-es de segurana da ao eltrica so protegidas em 54,28%,e oferecem riscos em 45,72% (Picolie Santos, 1998, p. 53).

    Muitos desses os eltricos cam ao alcance das crianas,tanto dentro como fora da empresa. Temos conhecimento de ca-

    sos de crianas que morreram eletrocutadas, sem que nada acon-tecesse aos donos das empresas. Raras as indstrias de transfor-mao de madeira que tm algum cuidado em dividir os espaosde trabalho com o espao para as famlias. Ali se torna um lugarinseguro e propenso existncia de todo tipo de acidente com ostrabalhadores e suas famlias. As casas onde residem os traba-lhadores do setor so cedidas pelos proprietrios das indstriasde transformao de madeireiras e foram construdas com a na-lidade de constiturem o exrcito industrial de reserva.

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    52 Fiorelo Picoli

    Esses fatos esto ligados baixa escolaridade dos povosamaznicos, contribuindo para o processo de alienao da fora

    de trabalho. Re