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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

AMLIA DIAS

APOSTOLADO CVICO E TRABALHADORES DO ENSINO: HISTRIA DO MAGISTRIO DO ENSINO SECUNDRIO NO BRASIL (1931-1946)

ORIENTADORA: CLUDIA ALVES

NITERI 2008

Dissertao

Apostolado Cvico e Trabalhadores do Ensino: histria do magistrio do ensino secundrio no Brasil (1931-1946)

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Educao da Universidade Federal Fluminense UFF, como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Educao.

Orientadora: Prof Dr Claudia Alves (UFF)

Niteri, 2008

Agradecimentos

O suporte pesquisa disps do auxilio da agncia de fomento CAPES, da qual recebi bolsa desde o incio do mestrado at a transio para a Bolsa Nota 10, oferecida pela Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Em dois anos de mestrado recebi o apoio de muitas pessoas para a realizao deste trabalho. Desde a ajuda para a coleta dos dados da pesquisa, pela concesso de mquinas fotogrficas, computador porttil, acesso internet, impressora, at indicaes emprstimos e doaes de livros, teses, dissertaes e envio de artigos; tudo isto me foi oferecido por uma generosa rede de pessoas que, por vezes, sequer me conheciam pessoalmente. Agradeo aos meus familiares, pela compreenso da importncia desta empreitada para mim e das muitas horas de trabalho em que precisei de cafezinhos, lanchinhos e... silncio. professora Cludia Alves, pela generosidade com que me recebeu no Programa de Ps-graduao da UFF, pela companhia competente que exerceu na orientao deste trabalho e no incentivo s minhas atividades acadmicas. Aos professores Giovanni Semeraro, Maria Ciavatta, Osmar Fvero, por terem contribudo na correo minuciosa de trabalhos de fim de curso que contriburam para a realizao desta verso final. Ao professor Osmar, meu sincero agradecimento pela leitura crtica e minuciosa das ltimas verses do trabalho. Nestes agradecimentos, no poderia deixar de fazer referncia aos funcionrios do NUDOM, pela iniciativa de organizar e preservar o acervo histrico do Colgio Pedro II. Agradeo especialmente bibliotecria Maria Elisabeth, pela responsabilidade na preservao do acervo e gentileza da professora Vera Cabana, que alm de me acolher na paixo pelo estudo do Colgio Pedro II, me auxiliou na procura, folha por folha, livro por livro, de informaes importantes para minha pesquisa. Aos novos amigos conquistados no mestrado: Carlos Henrique, Mrcia, rika, Rubia, Vilma, pelo apoio mtuo, pela cumplicidade nas vitrias e frustraes compartilhadas. Pelas caronas, pelas gargalhadas, pelo abrigo, pelas companhias nos congressos e viagens, por terem sido presentes na jornada.

Aos amigos da graduao em Histria da UFRJ, agora reunidos sob o singelo apelido de crme de la crme: Adriano, Aline, Ana Paula, Beto, Carlos, Douglas, Leo, Marcos, Rafael, Ricardo, Srgio,Valria,eu apenas quero declarar sempre, que vocs so o que h!!! Ao meu amor Ilton, a quem todas as declaraes pblicas so insuficientes para expressar todo meu afeto e a estima que carrego por tudo que vivemos juntos, meus agradecimentos pela cumplicidade, pela serenidade, pelo amor, pelo incentivo e pela confiana, que muitas vezes no encontro em mim. Obrigada!

ResumoDias, Amlia. Apostolado Cvico e Trabalhadores do Ensino: Histria do Magistrio do ensino Secundrio no Brasil (1931-1946). Orientadora: Cludia Alves, 17/03/2008. Dissertao (Mestrado em Educao). Campo de Confluncia: Diversidade, Desigualdades Sociais e Educao; Linha de Pesquisa : Histria Social da Educao.242 pginas. Palavras-chave: Profisso Docente; Ensino Secundrio; Estado Novo; A pesquisa que resultou nesta dissertao tomou como objeto o processo de profissionalizao do magistrio do ensino secundrio, no perodo de 1931 a 1946, abordando-o tanto do ponto de vista da formao do professor para esse nvel de ensino, quanto das medidas voltadas para a sua definio como trabalhador. Investigamos as iniciativas de profissionalizao do magistrio devido abrangncia das iniciativas federais que ambicionavam organizar a educao escolar em todo pas em conformidade com o projeto poltico, econmico e social do Estado. A historiografia situa o significado que a educao assumiu naquele contexto histrico como instrumento do Estado, a servio da construo de uma idia de nao. As iniciativas do Estado para organizar o campo de trabalho e o estatuto profissional do magistrio do ensino secundrio datam da Reforma de Francisco Campos, em 1931, e se desdobram em diversas frentes de normatizao que perpassam todo o perodo. O Ministrio da Educao e Sade e o Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio atuaram no estatuto profissional, nas condies de formao e seleo, nos contratos de trabalho e na atividade didtica e pedaggica do professorado. Por meio das implicaes das reformas do ensino secundrio sobre a organizao do trabalho docente nas escolas, em face das funes sociais e polticas atribudas ao ensino secundrio e pelas concepes veiculadas acerca do magistrio, buscamos conhecer o estatuto social da profisso docente. Em face do processo de arregimentao do magistrio de ensino secundrio para educar a juventude sob as diretrizes definidas pelo Estado no ps-1930, sob o eixo Apostolado Cvico, apresentamos a investigao sobre os meios pelos quais o Estado procurava determinar um conjunto de saberes e normas de conduta que deveriam orientar a formao do professor e o exerccio do magistrio. Alm das iniciativas em tentar conformar a formao dos docentes e sua prtica, com efeitos precisos para o professorado e seu campo de trabalho, preciso considerar a ampla interferncia do Estado na definio das condies de trabalho do magistrio. Sob o eixo Trabalhadores do Ensino, reunimos a anlise a respeito da atuao estatal na configurao do estatuto profissional e econmico dos professores do ensino secundrio em face da organizao da legislao trabalhista. Abordarmos a regulamentao do registro profissional e dos contratos de trabalho com os donos de estabelecimentos privados de ensino. Quanto ao Colgio Pedro II, onde o empregador mesmo o Estado, examinamos aspectos da seleo dos docentes daquela instituio. O modelo de anlise da profisso docente de Antonio Nvoa e a teoria do Estado Ampliado de Antonio Gramsci foram confrontados com a pesquisa documental realizada em acervos escolares, arquivos privados e legislao pertinente, luz do levantamento bibliogrfico consoante ao tema e ao recorte temporal proposto.

AbstractCivic Apostolate and Teaching Workers: The History of Secondary Learning Magistery in Brasil ( 1931 1946 )

The research which led to this dissertation had the process of the secondary learning professionalization magistery as a goal, in the period from 1931 to 1946, explaining the point of view from the teacher's graduation for this learning level, as the goals directed to its detinition as a worker. We checked the initiatives of the professionalization magistery due to the federal including initiatives which wanted to organize the school education countrywide in the agreement with the politic, social and economical project of the state. The historiography speaks about the meaning which the education assumed in that historic setting, as a tool of the state in behalf of the nation' s idea construction. The state's initiatives to organize the place of work and the professional magistery statute of secondary learning dates back to the reform of Franscico Campos in 1931,and develops in several ways of normatizations which go through all this period. The education and hea1th's ministries, and the work, industry and trade ministries worked in the professional statute, with selection and the reform of those conditions, in the hiring and in the didatic and pedagogical activities. Because of the secondary learning reform implications about the school work, in social and political functions related to secondary learning, and for all the conceptions about the magistery, we tried to know the social statute of the teaching profession. ln the process of growing secondary learning of the magistery to teach youth under state directions after 1930, under the point of view Civic Apostolate we can show the investigations by which the state could lead a group of knowledgement and behavior that should have guided the teacher in their job about magistery. However, the initiatives of trying to conform the teacher's background with the good effects on their job performace, it was necesssary to consider all the state interference in the magistery conditions of working. Under the point teaching workers we got an analysis of the economical and professional statute of secondary learning teachers' in the process of working organizations. We spoke about regularization of the professional registry and the contracts with private school owners. About Pedro II school, whose the owner is the state, we checked aspects in the teacher' s selections of that institution. The model analysis of the teaching profession of Antonio Nvoa and the state teory of Antonio Gramsci were confronted with a research of school documents, private files, in way of bringing up biography to this analysed theme.

Lista de TabelasQuadro 1. Registro de Professores no Colgio Pedro II...............................................................44

Quadro 2. Currculo do Curso Fundamental do Ensino Secundrio, conforme estabelecido pela Reforma Francisco Campos.........................................................................................................77

Quadro 3. Currculo do Curso Complementar do Ensino Secundrio, conforme estabelecido pela Reforma Francisco Campos.........................................................................................................78

Quadro 4. Currculo do Curso Ginasial, primeiro ciclo do Ensino Secundrio, conforme estabelecido pela Reforma Capanema......................................................................................... 87

Quadro 5. Currculo do Curso Colegial, segundo ciclo do Ensino Secundrio, conforme estabelecido pela Reforma Capanema.........................................................................................88

Quadro 6. Matrculas no Colgio Pedro II................................................................................ 201

Lista de Siglas

CNE DASP INEP MES MESP MTIC NUDOM

Conselho Nacional de Educao Departamento Administrativo do Servio Pblico Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos Ministrio da Educao e Sade Ministrio da Educao e Sade Pblica Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio Ncleo de Documentao e Memria do Colgio Pedro II.

SumrioINTRODUO..........................................................................................................................9 PARTE I ...................................................................................................................................21 Apostolado Cvico: a configurao de um corpo de saberes e tcnicas e de um conjunto de normas e valores.......................................................................................................................21 1. O Registro de Professores, a formao e a funcionarizao do magistrio..........................24 A Reforma Francisco Campos e o Registro de Professores..................................................25 O Registro de Professores e a organizao sindical..............................................................28 Registro Provisrio e o Registro Definitivo..........................................................................32 O Registro de Professores no Colgio Pedro II....................................................................43 2. A formao no ensino superior: Da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras Faculdade Nacional de Filosofia................................................................................................................45 A Instituio prevista em 1931.............................................................................................46 Projetos em disputa e concepes sobre formao do magistrio: a Faculdade Nacional de Filosofia e a Universidade do Distrito Federal ....................................................................49 Entre o bacharelado e a licenciatura: a formao do professor na Faculdade Nacional de Filosofia................................................................................................................................57 Modelos de formao dos profissionais da educao: o curso de Pedagogia e a formao do professor do ensino primrio.................................................................................................66 3. Mediaes do Estado na atividade docente: a organizao do ensino secundrio e a funo social e poltica do magistrio...................................................................................................73 As Reformas do Ensino Secundrio (1931-1942).................................................................75 Programas de ensino: negociaes e conflitos entre o Ministrio da Educao e a Congregao do Colgio Pedro II.....................................................................................94 O apostolado cvico no Colgio Pedro II............................................................................104 Formas de Inspeo no Colgio Pedro II........................................................................115 Apostolado cvico, Estado e hegemonia: a conformao do estatuto social do magistrio 126 PARTE II ...............................................................................................................................135 Trabalhadores do Ensino: a habilitao profissional e o estatuto socioeconmico do magistrio................................................................................................................................135 1. Estado, Trabalho e Educao (1930-1945).........................................................................138 2. O Magistrio do ensino particular: contratos de trabalho e registro profissional...............145 Remunerao condigna e a Habilitao Profissional do Magistrio...............................159 3. Quando o Estado o empregador: estatuto profissional no Colgio Pedro II....................180 Professores catedrticos: concursos para o magistrio oficial............................................183 Professores contratados: o magistrio entre a oferta e a demanda por ensino secundrio..199 Entre catedrticos e professores contratados: nota sobre os docentes livres......................210 CONCLUSO........................................................................................................................213 REFERNCIAS......................................................................................................................219 Anexo......................................................................................................................................239

INTRODUO

O historiador vai construindo o seu campo de significado ao transitar por um circuito mltiplo de instituies, tradies tericas, fontes e produtos, num esforo contnuo atravs do qual no s constitui as prprias fontes e resultados de pesquisa, mas estabelece estratgias e prticas interpretativas Clarice Nunes

Meu envolvimento com pesquisa foi resultado do bacharelado em histria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no qual encontrei o suporte terico e metodolgico para a formao inicial do historiador. No entanto, a rea de pesquisa a qual me dedico, a Histria da Educao, conheci somente quando iniciei o curso de licenciatura na mesma instituio. Foram as aparentes distncias entre a histria da educao e os cursos de histria que me trouxeram ao mestrado em educao. O aprofundamento do conhecimento acerca da constituio do campo da histria da educao evidenciou a afinidade de meus interesses de pesquisa com os programas de ps-graduao em educao. Desde a graduao desenvolvi pesquisas de iniciao cientfica e a monografia de concluso de curso em temas de histria da educao, apesar da escassez de interlocutores nos cursos de histria. A bolsa de Iniciao Cientfica me levou a conhecer a recente temtica da histria da profisso docente e as amplas frentes de questes por investigar. Na monografia, realizei um trabalho a respeito da organizao do ensino profissional no Estado Novo, que demonstrou a validade de estudar aquele perodo, tanto pelos contedos histricos, quanto pela necessidade de revisar a historiografia da educao, bastante marcada por uma viso limitada do funcionamento do Estado autoritrio alm de uma certa deferncia ao Movimento da Escola Nova que deu pouco espao a pesquisas referentes histria da educao durante o Estado Novo.

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Ambos trabalhos foram permeados pela inteno de estudar, numa abordagem histrica, as relaes entre sociedade, educao e Estado. Foi a interseo destes dois trabalhos que resultaram no objeto de pesquisa que agora contemplo no mestrado. At a dcada de 1930, no existiam polticas pblicas de abrangncia nacional para formao profissional do magistrio do ensino secundrio nem exigncia legal a ser cumprida por aqueles que exercessem o ofcio de ensinar neste ramo de ensino1. Lecionavam pessoas egressas de outras profisses, como militares, membros de irmandades e congregaes religiosas, bacharis de escolas de ensino superior, autodidatas. Avanos no processo de profissionalizao da atividade docente ocorreram com as reformas estaduais motivadas pelo movimento escolanovista nos anos 1920, mas no pretendiam se impor, homogeneamente, a todo territrio nacional. Paula Vicentini e Rosario Lugli (2005) situam a Reforma Francisco Campos como o incio do processo de delimitao do espao profissional do magistrio de ensino secundrio no Brasil Os trabalhos relativos histria da profisso docente destacam a importncia da atuao do Estado no processo de profissionalizao do magistrio (NVOA, 1991). A ao estatal no campo educacional denota a importncia do controle dos agentes da educao escolar para o xito do projeto poltico e econmico dos grupos que ocupam o poder de Estado. Com base nos apontamentos de Nvoa (1991) de que a profissionalizao da atividade docente no se produz apenas de forma endgena, pois concorrem para a profissionalizao as mediaes exercidas pelo Estado, propomos a investigao, numa perspectiva histrica, das iniciativas governamentais de profissionalizao do magistrio de ensino secundrio nos anos de 1930 e 1940, sob dois eixos de investigao. O primeiro eixo, que corresponde Parte I deste trabalho, teve como objetivo identificar e analisar as principais aes do Ministrio da Educao e Sade destinadas a informar, moldar e orientar a formao e a prtica educativa dos professores do ensino secundrio do Colgio Pedro II e do Magistrio particular; So as mediaes que atingem principalmente a formao intelectual do professor e a prtica pedaggica no exerccio da funo. Trata-se da delimitao de um conjunto de saberes, tcnicas, valores e normas de conduta que passaram a ser exigidos daqueles que exercem o ofcio ou pretendem exerc-lo. Designei este eixo da pesquisa de Apostolado Cvico, e nele abordo os desdobramentos da regulamentao do Registro de Professores, criado em 1931; a1

Em analogia com a organizao atual do sistema escolar, o ensino secundrio correspondia nos anos 1930 e 1940 ao que hoje conhecemos como terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental e o ensino mdio.

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normatizao da formao do professorado em instituio especfica no ensino superior, na Faculdade de Educao, Cincias e Letras; descrevo como as Reformas do Ensino Secundrio de 1931 e 1942 portavam dispositivos que, ainda que no se referissem profisso de professor, instituam diretrizes para a organizao das instituies escolares, de seus currculos e atividades, com repercusses sobre a prtica docente. Em funo do empenho das agncias do governo, sobretudo dos rgos ligados ao Ministrio da Educao e Sade, em exercer maior direo na organizao do sistema escolar de ensino, examino os conflitos intra-estatais entre a Congregao do Colgio Pedro II e o Ministrio da Educao na disputa pela elaborao dos programas de ensino do ensino secundrio, que deveriam vigorar em todos os estabelecimentos. Verifiquei que houve perda desta prerrogativa por parte da Congregao do Colgio Pedro II, com repercusses sobre as competncias deste corpo docente de organizar o prprio trabalho. Como sntese destas frentes de investigao, busco refletir como o conjunto das temticas enfatizadas representativo da interveno das agncias estatais na conformao da profisso docente. Ao conhecer os interesses do governo nesta empreitada, refletimos sobre a importncia da funo social e poltica do professorado naquele contexto histrico e em face das disputas entre os diversos setores que procuravam fazer prevalecer suas demandas na direo da sociedade, na articulao da adeso do consenso ativos da juventude, via escola. Sustento que o grupo representado por Getlio Vargas e Gustavo Capanema procurava conformar a profisso docente nos termos do Apostolado Cvico, procurando conquistar, primeiramente, a adeso do professorado aos valores que pautavam o projeto de governo, para engaj-los na transmisso destes valores junto juventude escolarizada. O segundo eixo de investigao, que corresponde Parte II deste trabalho, teve como objetivo identificar e analisar as principais aes do governo federal destinadas definir o estatuto profissional e econmico do magistrio do ensino secundrio do Colgio Pedro II e do Magistrio particular. Neste domnio, os trabalhadores do magistrio foram tocados pela legislao trabalhista, pelos incentivos governamentais sindicalizao, pelas polticas de previdncia e assistncia social, pela criao da carteira profissional, assim como a regulamentao dos contratos de trabalho. Trata-se de examinar de que forma as normatizaes acerca do estatuto profissional, os critrios para ingresso na profisso, regulamentao da jornada de trabalho e remunerao, enfim, de como os direitos e deveres

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de empregadores e contratados contriburam para a sistematizao de um estatuto profissional para a categoria. Denominei este eixo da pesquisa de Trabalhadores do Ensino. Investiguei os embates entre representantes do magistrio, dos donos de estabelecimentos de ensino e entre agncias estatais pela definio dos rumos da regulamentao dos contratos de trabalho do magistrio de ensino particular, com a instituio do registro profissional do professorado no Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio. Procurei avaliar a insero do magistrio na categoria de trabalhadores do ensino em face do contexto histrico de organizao das relaes trabalhistas e da valorizao da profissionalizao docente no campo educacional no pas, e dos significados e relaes assumidos pelos temas trabalho e educao. Como foi distinta a mediao das agncias estatais e dos sujeitos coletivos organizados na regulamentao das polticas de profissionalizao do magistrio particular e do magistrio pblico, examino tambm, no Colgio Pedro II, a organizao das jornadas de trabalho e das formas de seleo do corpo docente do Colgio. Novamente observo como o corpo docente congregado travou embates com setores do governo para manter sua competncia de selecionar o quadro de professores da instituio. Optamos por descrever sucintamente, aqui, os assuntos abrangidos pelo objeto de pesquisa porque, na organizao da narrativa, desenvolvemos no incio das Partes I e II um texto introdutrio que retoma os principais aspectos do que se pretendeu investigar, as hipteses de trabalho e o referencial terico. Os dois eixos sobre profissionalizao que focalizo neste trabalho foram contemplados pela ao estatal durante o governo de Getlio Vargas, desde a Revoluo de 1930 at o Estado Novo, e promoveram transformaes importantes que justificam tomar este perodo como marco na histria da profissionalizao do magistrio do ensino secundrio no Brasil. na interseo destes dois eixos que reside nossa questo central: analisar as relaes entre o estatuto profissional, exerccio do magistrio e a conformao do campo educacional, mediadas pelo Estado. Acredito ser pertinente desenvolver estes objetivos tendo em perspectiva examinar as diretrizes polticas, culturais e econmicas que fundamentavam as propostas e estratgias de interveno das agncias de Estado para controlar o exerccio profissional do magistrio secundrio. Procurei identificar e comparar interesses, conflitos e convergncias suscitados entre diferentes grupos sociais, em funo de perspectivas, interesses e projetos diferentes para o campo educacional e para a sociedade, enfatizando as

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implicaes destas concepes para a profissionalizao do magistrio de ensino secundrio. Pretendia me ater s iniciativas governamentais na profissionalizao docente durante o Estado Novo, a fim de favorecer a pesquisa com a bagagem de leituras e anlises que havia desenvolvido para a monografia de concluso de curso. Foi uma postura pragmtica, alimentada pela aflio que os curtos prazos para a realizao do mestrado vm impondo aos projetos de pesquisa. Contudo, a ambientao com a temtica me remetia constantemente Reforma Francisco Campos de 1931. Percebemos que aquele era o marco de todos os desdobramentos posteriores acerca da histria da profissionalizao do docente do ensino secundrio. Ademais, num segundo momento, o aprofundamento da pesquisa, a lida com as fontes e com a bibliografia, levou-me a estender este perodo at 1946, tanto porque vrios aspectos da temtica se desdobravam sobre este ano, quanto pela inteno de saber as reaes, as recomposies de foras, aps o fim institucional do Estado Novo em 1945, dos grupos que foram afetados pelas iniciativas governamentais dos anos de 1930 e 1940, como a Congregao do Colgio Pedro II. Foi neste movimento, que no estava previamente determinado, que erguemos a periodizao da temtica entre 1931 e 1946. Divisas temporais flexveis no devem ser entendidas como busca de origens do objeto estudado, mas permitem lembrar que os recortes so metodologias a que o historiador precisa recorrer e que no necessariamente correspondem fronteiras existentes na experincia dos sujeitos e da histria, enquanto totalidade complexa e dinmica (NUNES, 2005). Contudo, os marcos temporais da pesquisa revelam os limites e alcances do que se quer enxergar e por isto, tem estreitas relaes com o marco terico do trabalho, com os objetivos da pesquisa. Logo, ao identificar e examinar a mediao do Estado em medidas que repercutiam ou incidiam diretamente sobre o magistrio de ensino secundrio, no estamos entendendo o Estado como um ente homogneo que paira sobre a sociedade aptica e dita os parmetros da profissionalizao via legislao. A partir do referencial terico de Antonio Gramsci, e de diversos estudos iluminados por este referencial (PRESTES; MENDONA; 2005; 2006) que entendemos o Estado como uma relao social entre muitos sujeitos coletivamente organizados, que, nas casamatas da burocracia estatal, mas tambm por meio de instituies e agncias da sociedade civil, fazem representar seus interesses e concepes de mundo na conduo de questes que lhe so afetas e que dizem respeito direo da sociedade. na

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correlao de foras entre estes grupos e agncias que se configura o Estado. Esta posio interpretativa est atrelada concepo do Estado enquanto relao social, complexa. Assim, as polticas pblicas, expressas em legislao, atuao de rgos estatais, etc. no so imposies do Estado, num sentido restrito. Buscamos nomear os sujeitos, organizados coletivamente, que atuaram na definio de diretrizes para a profissionalizao docente e, investigar como, envolvidos em conflitos e negociaes, buscavam fazer prevalecer suas aspiraes na correlao de foras entre os diversos grupos envolvidos no processo. importante conhecer e informar o lugar social, o contexto histrico, as peculiaridades da forma de escrita, a condio de produo textual do autor, do qual emergiram as concepes que colaboram na construo do referencial terico da pesquisa. Antonio Gramsci foi um autor que dialogou com o pensamento marxista e para o qual tambm logrou contribuies importantes, tanto em sua ao como militante na Itlia quanto em sua elaborao terica. Gramsci teve Lnin como principal interlocutor, mas as apropriaes que fez de Lnin implicaram tambm em novos desenvolvimentos da teoria marxista. Suas reflexes se debruaram sobre a natureza do Estado e sua resistncia em perecer, face ao projeto socialista, nas sociedades de pases capitalistas desenvolvidos, que Gramsci identificou como ocidentais. Seus esforos intelectuais em aprofundar a anlise da funo da cultura e da especificidade do Estado deveu-se busca por uma nova via de revoluo socialista posto que o modelo sovitico/leninista de revoluo no lograra se difundir no ocidente e, tambm, pelo esforo em estabelecer um dilogo para compreender as transformaes do perodo entre guerras e da ascenso de regimes totalitrios na Europa. Seu pensamento foi produzido para a ao, visando implantao do socialismo. Compreendendo que a formulao de hipteses depende bastante das escolhas em matria de teoria (CARDOSO, 1981, p. 76), entendo que as reflexes de Antonio Gramsci sobre Estado, intelectuais, cultura, sociedade civil e hegemonia me ofereceram recursos para compreender a natureza do Estado Novo no Brasil, suas relaes com os diversos grupos sociais existentes no perodo, as funes desenvolvidas pelos intelectuais, o campo educacional. Considero estas questes fundamentais para o desenvolvimento de uma pesquisa que quer investigar como o Estado, atravs de seus mecanismos coercitivos e articuladores de consenso, interagia na profissionalizao do magistrio de ensino secundrio. No entanto, a

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leitura de Gramsci no foi resultado da busca numa prateleira de tericos disponveis e aceitveis pelos modismos acadmicos e editoriais, apenas para cumprir a tarefa exigida nos trabalhos acadmicos de se utilizar um referencial terico que acomode os objetivos da pesquisa. Certamente, a escolha feita dentro de um campo cultural, intelectual e editorial j posto. Mas tambm dentro do debate em voga sobre a crise de paradigmas que buscamos tomar partido de uma maneira de se conceber a atividade cientfica, o ofcio do historiador, a prtica profissional e a prpria vida. Porm, necessrio afirmar que a aproximao com uma perspectiva terica, uma maneira de se conceber a histria e o ofcio do historiador no deve servir de pretexto a isolacionismos e nem negligncia a outros campos e especialidades da histria (BARROS, 2004). Gramsci observava que a definio do Estado enquanto brao armado da burguesia no era suficiente ao Estado no ocidente, porque, devido formao social daquelas sociedades, havia uma pluralidade de interesses e concepes de mundo de distintas fraes de classe, organizadas coletivamente no que ele redefiniu como sociedade civil, que no poderia ser, somente coercitivamente, controlada pelo Estado num sentido restrito de brao armado. Antes de recorrer coero, o Estado expresso da correlao de foras entre diversos grupos sociais, de diversos projetos em disputa, que se valem da cultura como forma de captar a adeso ativa dos governados a uma diretriz, ao projeto de sociedade de uma frao de classe, que se pretende impregnar nos outros setores da sociedade. Sustento que o carter centralizador que caracterizou a poltica estatal no ps-1930, ao dispor acerca da regulamentao da profisso e intervir na atividade pedaggica, fomentou tenses, conflitos, movimentos de adeso ou repulsa que agiram significativamente na profissionalizao do ofcio de magistrio, como parte da construo de um perfil de Estado, posto em marcha naquela conjuntura. O Ministrio da Educao e Sade e o Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio (MTIC) atuaram no estatuto profissional, nas condies de formao, de seleo, de carreira, de salrio, alm da prpria atividade didtica e pedaggica do magistrio do ensino secundrio. Por outro lado, Sindicatos de Professores, Sindicatos de Estabelecimentos de Ensino, a Congregao do Colgio Pedro II e alguns agentes individuais da sociedade civil influram nesse processo, com maior ou menor poder de interveno de acordo com os interesses representados e da forma histrica que se configurava naquele momento. Da tenso posta na relao entre esses diversos agentes emerge o formato de

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profissionalizao do magistrio do ensino secundrio, como parte de um desenho de Estado que se estabeleceu no perodo. Neste trabalho me detenho na histria da profissionalizao dos professores do ensino secundrio, devido importncia que este ramo do ensino assumiu no projeto educacional do Estado e pela crescente oferta e demanda social por ingresso neste nvel do ensino que se observa naquele contexto histrico. Constatei, ainda, no levantamento bibliogrfico a profuso de estudos sobre a profissionalizao do professor primrio, a recorrncia de trabalhos sobre a feminizao do magistrio, a formao dos professores em escolas normais e experincias de formao no ensino superior que contrastam com a pouca recorrncia de estudos sobre a profissionalizao dos professores do ensino secundrio. Segundo Paula Vicentini e Rosario Lugli (2005), nos desdobramentos da criao de instituio prpria formao do professor secundrio, nos anos de 1930, que esse segmento do magistrio passa a construir uma identidade prpria, at ento muito atrelada aos professores primrios. Nesse sentido, estou interessada em identificar e analisar as implicaes sobre o estatuto profissional dos professores do ensino secundrio em face da ao estatal nas reas do trabalho e educao nos anos 1930 e 1940 e, assim, contribuir nos estudos sobre a histria do magistrio de ensino secundrio. Por meio das polticas pblicas de regulamentao da profisso nos anos de 1930 e 1940, examino as estratgias do governo para colocar os docentes sob a tutela estatal, processo que conferiu aos docentes um novo estatuto scio-profissional. Nesta mesma perspectiva, identifico tambm as implicaes do crescimento da atuao das agncias de governo na organizao do ensino sobre o Colgio Pedro II e seu corpo docente, instituio modelo de ensino secundrio e de tutela do governo federal. H uma observao importante a fazer no que diz respeito expresso ensino secundrio, posto que o desenvolvimento da pesquisa se situa entre duas reformas deste ramo do ensino, a Reforma Francisco Campos, de 1931, e a Reforma Capanema, como ficou conhecida a reforma consubstanciada num conjunto de Leis Orgnicas, que se iniciam com a do ensino secundrio de 1942. O decreto da Reforma Francisco Campos ordenou a diviso do ensino secundrio nos cursos seriados fundamental, com durao de cinco anos, e o complementar, de dois anos, enquanto na Reforma Capanema de 1942 houve a diviso entre o curso ginasial, de durao de quatro anos e os cursos paralelos de segundo ciclo, de trs anos: clssico e cientfico.

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Ademais, a partir da Reforma Capanema os estabelecimentos de ensino secundrio eram designados de ginsios, quando ofereciam o primeiro ciclo do ensino, e de colgios, os que ofereciam os cursos dos dois ciclos do ensino secundrio. Foi tambm esta reforma que instituiu o curso secundrio como um dos ramos do ensino mdio, que compreendia ainda o ensino industrial, o agrcola, o comercial e o ensino normal. Em funo dos objetivos j enunciados e da delimitao do objeto e do referencial terico, trato agora das fontes de pesquisa. Afinal, o contorno terico que informa a maneira como o historiador vai abordar as fontes, quais sero privilegiadas, como sero trabalhadas. A concepo do ofcio do historiador e a prtica com as fontes devem se articular, beneficiandose a pesquisa desta mediao, que alm de influenciar o trabalho nos arquivos, deve se expressar na elaborao textual. Mas no suficiente localiz-las, preciso desnaturalizar seu uso, pois a eleio das fontes j consiste numa questo de mtodo (NUNES, 2005). Portanto, ao tratar de questes pertinentes s fontes, estou tambm tratando da metodologia que viabiliza o trabalho. A fim de no dissociar a articulao terico-emprica, optei por manter o tratamento metodolgico das fontes no interior do corpo do texto, junto das anlises, e aponto aqui apenas alguns passos que organizaram nosso trabalho. Compartilhando da anlise de Gramsci sobre o Estado Ampliado, ainda que no tenha conseguido apreender toda a complexidade do pensamento deste autor, noto que ele oferece um entendimento acerca da natureza do Estado e de seu funcionamento que me permitiu examinar os conflitos intra-estatais apontados pelas fontes, a participao desigual dos representantes do magistrio, dos donos de estabelecimentos de ensino, da Congregao do Colgio Pedro II, de representantes dos interesses catlicos em educao e de cones do movimento escolanovista, na composio, na adeso e resistncia quanto aos aspectos que pautavam a profissionalizao docente. Desta forma, a metodologia de pesquisa esteve atenta a observar, na lida com as fontes, como eram produzidas e negociadas as polticas pblicas destinadas profissionalizao do magistrio. Mais do que identificar estas polticas, de que pouco se conhecia antes do desenvolvimento da pesquisa, eu pretendia evidenciar os movimentos, os interesses, os sujeitos envolvidos no processo de elaborao de um referencial normativo para a profisso docente. Por isto, alm de levantar a legislao pertinente ao tema, pretendi

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conhecer a ante-sala desta legislao, ou seja, o trabalho das comisses institudas para elaborar os anteprojetos de lei. Ao tentar identificar as polticas pblicas de profissionalizao docente me deparei com os compndios de legislao. Por vezes, foi a meno nas fontes de alguns decretos e portarias que conduziram sua busca. O acervo disponvel no site do Senado agilizou o trabalho de pesquisa e diminuiu os custos de tempo com idas a bibliotecas, consultas a volumosos compndios e custos de reproduo. Ter disposio, arquivados no computador, os textos integrais dos diversos decretos, portarias, instrues etc. me possibilitou consultar repetidas vezes, conforme a necessidade, a legislao pertinente, assim como confront-la com outras fontes. Utilizei tambm Internet para realizar o levantamento bibliogrfico. Percorri acervos de bibliotecas, como as da UFRJ, da UFF e UERJ, a fim de agilizar o trabalho de pesquisa, pois quando chegava s bibliotecas, j possua a notao e disponibilidade do que pretendia consultar, tirar cpias, levar emprestado. Costumo tambm consultar a bibliografia utilizada pelos autores que tratam de temticas afins. Assim, a prpria bibliografia inicial fornece alguns parmetros para a continuao do levantamento. No Portal de Peridicos da CAPES vasculhei diversas publicaes da rea, onde encontrei revistas, dossis, resenhas e artigos pertinentes. No Portal Domnio Pblico localizei referncias de teses e dissertaes sobre o tema. Duas referncias que encontrei eram de trabalhos de pesquisadores da Bahia e Mato Grosso, que, aps contato por e-mail, foram muito solcitos em me enviar os textos. Dispus, ainda, para compor o acervo bibliogrfico, de doaes, dicas, orientaes de alunos, professores, e do acervo de amigos. Os sites de Programas de Ps Graduao, principalmente em Educao ou Histria, tambm permitiram conhecer a produo de linhas de pesquisa afins e das revistas eletrnicas. Os Anais de Congressos e cadernos de resumos, como os Congressos nacionais da Sociedade Brasileira de Histria da Educao, do Congresso Luso-Brasileiro de Histria da Educao, de Encontros regionais e nacionais da Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), da Associao Nacional de Histria (ANPUH) e de eventos, encontros e seminrios serviram para identificar a produo recente sobre a histria da profisso docente e das abordagens terico-metodolgicas que alimentam as diversas pesquisas em histria da educao. A apresentao de trabalhos em alguns destes eventos tambm favoreceram a organizao de dados que emergiam da pesquisas nos acervos e do

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estudo da bibliografia, na sistematizao do referencial terico, na apresentao de relatos parciais dos rumos do trabalho. Sesses de comunicaes, mesas-redondas, conferncias e palestras assistidas tambm contriburam no dilogo com pesquisadores, na troca de impresses e relatos de pesquisa, no esclarecimento de dvidas, na elaborao de idias. Nesse sentido, contriburam tambm as reunies da Linha de Pesquisa Histria Social da Educao, ligada ao campo Diversidade, Desigualdades Sociais e Educao deste Programa, em que usufru da leitura atenta e das observaes do grupo sobre os textos que produzi sobre o tema, desde o exame de projeto at esta verso. Quantas vezes me flagrei elaborando, na conversa com os colegas do Grupo, explicaes e solues que ainda no me haviam ocorrido...E de quantas reunies sa com novas dvidas, reflexes e indicaes de leitura... Os recursos da informtica tambm reordenaram nossa metodologia de trabalho nos arquivos. No Ncleo de Documentao e Memria do Colgio Pedro II (NUDOM), fotografei todas as Atas da Congregao do perodo de pesquisa. Assim, me desvencilhei dos horrios de funcionamento do Arquivo, do tempo desperdiado entre idas e vindas ao acervo e organizei o trabalho em jornadas mais flexveis, e por muitas vezes mais longas, como madrugadas e fins de semana... Ademais, dispor dos textos integrais das Atas foi muito mais produtivo do que escrever aqueles resumos apressados, que por vezes, o pesquisador precisa realizar quando est nos arquivos. Produzi, inicialmente, um inventrio com os principais temas recorrentes nas atas, que serviu de fio condutor da pesquisa. Posteriormente, voltava s atas e aprofundava a anlise dos aspectos iam sendo eleitos para compor a pesquisa. Essa mesma metodologia j no foi possvel nos acervos investigados no Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil (CPDOC), no Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro (APERJ) e no Setor de Peridicos da Biblioteca Nacional. A partir da Base Accessus do CPDOC selecionei os acervos e materiais que seriam consultados. O volume do material implicou a eleio dos contedos indispensveis e, medida que conseguia cobrir estes itens, outros entravam na consulta. Por meio do computador porttil produzi resumos e inventrios do que identificava como importante e reproduzi integralmente, por meio de cpia impressa na mquina de microfilmes, alguns documentos que precisaria consultar recorrentemente, como os relatrios das comisses que elaboraram anteprojetos de lei afetos profisso docente. Os levantamentos e algumas consultas realizadas no APERJ e na Biblioteca Nacional

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no foram inseridos neste trabalho, tanto porque ponderei que no haveria tempo suficiente para a consulta a estes acervos, quanto porque sua excluso no comprometeria o encaminhamento do trabalho. Durante todo o processo de pesquisa e elaborao da dissertao, entendo que compete ao pesquisador estar sempre atento ao carter provisrio das hipteses que orientam a construo de uma verso explicativa do objeto em estudo, alm da necessidade de estar determinado a coloc-las prova. Ao construir uma explicao que explore ao mximo as possibilidades explicativas que o fenmeno estudado comporta, tentei no somente dissertar sobre os resultados obtidos, mas desenvolver a capacidade de crtica e elaborao terica (RIBEIRO, 2004: 94). Ademais, estudar a histria da profisso docente do magistrio do ensino secundrio, nvel de ensino atualmente correspondente ao que hoje denominamos terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental e o Ensino Mdio, me instiga compreender o estatuto atual da profisso que escolhi exercer, cotidianamente interpelada por grandes dificuldades que perpassam as relaes entre os professores, as escolas e a sociedade brasileira.

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PARTE I Apostolado Cvico: a configurao de um corpo de saberes e tcnicas e de um conjunto de normas e valores evidente que, tal seja a espcie de ensino, assim se exigiro, em seus agentes, requisitos diversos de qualificao. Ela depender da fixao dos objetivos do prprio ensino, condies de idade dos alunos, de tipos de organizao de estabelecimentos, dos perodos de trabalho, alm de outras. (grifos do autor). Tais condies exigem a considerao de aspectos de cultura geral, de aspectos de preparao ou de cultura estritamente tcnicopedaggica, e dos aspectos gerais ou particulares de ordem pblica que o exerccio do magistrio, como profisso, possa envolver.2 Trabalhadores intelectuais de todo o pas, especialmente aqueles que se consagram ao grave ofcio de educar, devem ter, neste momento, os olhos e o corao voltados para o Brasil, procurando compreender as exigncias duras do presente e correndo a oferecer a vocao, o esforo e o sacrifcio maior das empresas, de que a salvao nacional depende, e que a salvao completa da infncia e da juventude.3

Conforme o modelo terico de anlise da histria da profisso docente proposto por Antnio Nvoa, h duas dimenses que delimitam a conformao da profisso docente como um campo especfico de atuao profissional: a configurao de um corpo de saberes e tcnicas e um conjunto de normas e valores (NVOA, 1999, p.16). A primeira dimenso relativa aos processos de organizao dos saberes necessrios ao exerccio da funo docente e medida que este processo se complexifica, o ofcio docente deixa de ser uma atividade secundria e torna-se a ocupao principal de um grupo especializado nos contedos de ensino, concepes pedaggicas e didticas que caracterizam o ofcio. Nos anos de 1930, no Brasil, surgem as primeiras instituies de formao de professores para o ensino secundrio.4 Entendemos que este um aspecto importante da2

FGV, CPDOC. Loureno Filho, Contribuies referentes a qualificao do professor, 17/03/1939: GC g 1937.07.13, r. 48. 3 Discurso do Ministro Gustavo Capanema pelo Centenrio do Colgio Pedro II. In: MARINHO, Ignsio; INNECO, Luiz. Colgio Pedro II. Cem anos depois. Publicao organizada pela Comisso Organizadora dos Festejos Comemorativos do 1 centenrio do Colgio Pedro II. Rio de Janeiro: Vilas Boas, 1938. 4 Em analogia com a organizao atual do sistema escolar, o Ensino Secundrio correspondia nos anos de 1930 e 1940 ao que hoje conhecemos como terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental e o Ensino Mdio, ou ainda, 5 a 8 srie do Ensino Fundamental e 1, 2 e 3 anos do Ensino Mdio.

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histria da profisso docente dos professores de ensino secundrio, posto que a criao de instituies especficas para a formao uma das faces do processo de profissionalizao do magistrio. A fundao de instituies prprias para a formao do professor secundrio nos anos 1930 foi intrinsecamente relacionada a outra iniciativa estatal na regulamentao da profisso, qual seja, o estabelecimento de um suporte legal ao exerccio da profisso com a instituio do Registro de Professores. Como veremos neste trabalho, o Estado pretendeu atrelar o exerccio da profisso, inclusive para os professores que j estavam em exerccio, ao cadastro no Registro e passagem pelas instituies de formao de professores no ensino superior. O Estado atuou no enquadramento do exerccio da profisso, definindo um corpo de saberes e tcnicas mas tambm procurou conformar um sistema normativo e de valores que deveriam inspirar a atuao dos docentes. Analisando o processo de profissionalizao docente em Portugal, Antnio Nvoa explica que a primazia do Estado na organizao da profisso, ao buscar tornar os docentes funcionrios do Estado, manteve os princpios de conduta, as motivaes, as normas e os valores preconizados pela Igreja (1991, p.119). Em face do processo de arregimentao do magistrio de ensino secundrio para educar a juventude sob as diretrizes definidas pelo Estado no ps-1930, das adeses, resistncias e tenses a ele impostas, investigamos tambm nesta primeira parte da pesquisa o conjunto de normas e valores que orientavam as concepes sobre o magistrio do ensino secundrio nos anos de 1930 e 1940. Por meio das implicaes das Reformas do ensino secundrio sobre a organizao do trabalho docente nas escolas, em face das funes sociais e polticas atribudas ao ensino secundrio e pelas concepes veiculadas acerca do magistrio, buscamos conhecer o estatuto social da profisso naquele contexto histrico. A importncia conferida educao pelo Estado esteve imbricada com os projetos e disputas pela construo da hegemonia de um grupo sobre a direo da sociedade, afinal o poder no se exerce apenas pela coero, mas tambm se apia: no controle das instituies que conferem sentido: aquelas que definem e justificam o indivduo, ensinam-no a pensar de certa maneira e no de outra, indicam-lhe os valores que deve compartilhar, as aspiraes permitidas e as fobias imprescindveis (ACANDA, 2006, p.176). A escola uma destas instituies que sempre foram objetivos do poder, que tentou instrumentaliz-los em benefcio prprio (idem, ibidem). No ps-1930 os professores so convocados a exercer suas funes intelectuais na arregimentao da juventude, via educao escolar, ao projeto

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econmico, poltico e ideolgico estatal. Assim, sob o referencial terico de Antonio Gramsci, especificamente em seus desdobramentos sobre os conceitos de Estado Ampliado, correlaes de fora e hegemonia, procuramos examinar os significados e os interesses que configuravam os saberes e tcnicas e o conjunto de normas e valores que compunham as polticas de profissionalizao do magistrio do ensino secundrio. Procuramos demonstrar a complementaridade entre diversas polticas destinadas profissionalizao do magistrio, ou que, indiretamente, repercutiam sobre o ofcio de professor e identificar as concepes de mundo, os interesses, os conflitos e as correlaes de fora que consubstanciaram o processo histrico de criao destas iniciativas. Isto porque, o entendimento de Estado na conceituao de Antonio Gramsci, como estamos compartilhando, implica em analisar o Estado como relao social, dinmica e complexa. Portanto, e examinar as polticas de profissionalizao do magistrio no se limita a identificar e dissertar sobre decretos e portarias, como representativos das iniciativas emanadas do Estado, mas de examinar as correlaes de fora entre grupos e projetos de hegemonia que configuram o Estado no ps-1930. Nas comemoraes do centenrio de fundao do Colgio Pedro II, ressaltamos, no discurso do Ministro da Educao, sua preocupao com a preparao dos professores, trabalhadores intelectuais. Advertia que as leis, instalaes adequadas e alunos devotados no produziriam os efeitos esperados se o professor for incapaz ou desidioso. do mau professor principalmente que vem o mau ensino.5 Nesta mesma ocasio em que discursou Gustavo Capanema, o Presidente Getlio Vargas incentivava os professores a difundirem valores patriticos junto juventude, visto queA palavra do professor no transmite apenas conhecimentos e noes do mundo exterior. Atua, igualmente, pelas sugestes emotivas, inspiradas nos mais elevados sentimentos do corao humano. Desperta nas almas jovens o impulso herico e a chama dos entusiasmos creadores. Concito-vos, por isso, a utiliz-la no puro e exemplar sentido do apostolado cvico infundindo o amor terra, o respeito s tradies e a crena inabalvel nos grandes destinos do Brasil.6

Nesta fala de Getlio Vargas tomamos por hiptese encontrar a sntese da funo de um conjunto de aes destinada a regular os saberes e as condutas do magistrio, tanto na5

Discurso do Ministro Gustavo Capanema pelo Centenrio do Colgio Pedro II. In: MARINHO, Ignsio; INNECO, Luiz. Colgio Pedro II. Cem anos depois. Publicao organizada pela Comisso Organizadora dos Festejos Comemorativos do 1 centenrio do Colgio Pedro II. Rio de Janeiro: Vilas Boas, 1938. 6 Idem, p.37-38, grifos nossos.

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formao do magistrio quanto na prtica pedaggica dos docentes. Trata-se da delimitao de um conjunto de saberes especficos e normas de conduta que so exigidos daqueles que exercem o ofcio ou pretendem exerc-lo. Nas citaes que iniciam esta primeira parte, encontramos na fala de Loureno Filho, o apontamento para a reflexo sobre o conjunto de saberes e tcnicas que conformam a qualificao profissional do magistrio, enquanto Gustavo Capanema refere-se s normas de conduta e aos valores que, segundo ele, deviam pautar a ao do magistrio. Sob o eixo Apostolado Cvico pretendemos investigar os meios pelos quais o Estado procurava determinar um conjunto de saberes, tcnicas e normas de conduta que deveriam orientar a formao a professor e o exerccio do magistrio, ou seja, as mediaes que atingem simultaneamente a formao inicial e o exerccio da funo. A identificao entre a funo social do magistrio com o apostolado, remete a influncia das congregaes religiosas na profisso docente. Na produo brasileira, diversos estudos apontam a permanncia desta relao em diferentes perodos histricos (Cf. MAGALDI; 2006; 2007; NARCIZO, 2006; FERREIRA, 2002; NADAI, 1991). Nesta seo, buscamos sustentar que, mesmo no momento de incio de profissionalizao do magistrio de ensino secundrio no Brasil (VICENTINI; LUGLI; 2005), a concepo de magistrio como sacerdcio subsistiu nas polticas de profissionalizao do magistrio no ps-1930. Contudo, o termo cvico e o significado especfico de que se revestiu, caracterizou a concepo dos setores entrincheirados na sociedade poltica sobre a funo social e poltica do magistrio, em face de seu projeto de conquistar o consenso ativo dos dominados. A expresso Apostolado Cvico tomada tanto como caracterstica do perfil das polticas de profissionalizao do professorado, portanto, da concepo de profissionalizao que prevaleceu nas disputas sobre os rumos da profissionalizao, quanto das relaes interaes entre sociedade poltica e sociedade civil. Se o apostolado j era uma concepo bastante difundida, mesmo nos meios que defendiam a profissionalizao do magistrio em bases cientficas , seu revestimento com o civismo, tem imbricaes com os valores e comportamentos que o Estado buscava incutir na sociedade.

1. O Registro de Professores, a formao e a funcionarizao do magistrio

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A Reforma Francisco Campos e o Registro de ProfessoresEntre as primeiras medidas do Ministrio da Educao e Sade Pblica (MESP)7 criado no Governo Provisrio, localizamos a Reforma Francisco Campos de 1931, que ficou conhecida pelo nome do titular da pasta. Por meio de uma srie de decretos, esta reforma pretendeu lanar diretrizes para a educao escolar de ensino secundrio e superior em todo pas. A Reforma Francisco Campos tornou regular o curso secundrio, isto , a freqncia regular aos cursos seriados foi postulada como obrigatria para os candidatos ao ingresso, mediante vestibulares, no ensino superior. Outra orientao importante recaiu sobre a poltica de equiparao do ensino privado ao ensino pblico, alinhavada desde a Primeira Repblica. Antes, a equiparao das escolas era vinculada aos exames oficiais controlados pela Unio, para o acesso ao ensino superior, ou seja, a equiparao das escolas privadas estava sujeita existncia de escolas pblicas onde seus alunos prestariam exames oficiais (ROCHA, 2000). A nova Reforma extinguiu a prestao destes exames para efeito de reconhecimento das instituies de iniciativa particular e organizou um novo modelo federal de regulamentao, fiscalizao e orientao pedaggica nas escolas equiparadas. Marlos Rocha sustenta que esta poltica de equiparaes fomentou a expanso da rede de escolas particulares, enquanto o poder pblico mantinha limitada a expanso e manuteno da rede pblica de ensino secundrio, pela ausncia de investimentos. Este referencial normativo institudo em 1931 se mantm at 1945 (ROCHA, 2000, p. 38). A ausncia de uma poltica de expanso da rede pblica de ensino mdio que atendesse a todos os ramos daquele nvel de ensino (secundrio, comercial, agrcola, industrial, normal) implicou no predomnio da oferta de ensino secundrio pela iniciativa privada, o que um fator a considerar na expanso deste ensino nos anos 1930 e 1940 (idem, p. 118). As mudanas ocorridas favoreceram a diminuio do carter liberal do magistrio do ensino secundrio, posto que o fim progressivo do regime de exames parcelados que caracterizava, at ento, o curso secundrio, implicou na queda da demanda por aulas particulares e a poltica de equiparao do ensino privado ao pblico fomentou a expanso da rede escolar de ensino, sobretudo particular, o que tornou os professores mais dependentes de seus empregos (COELHO, 1988, p.13).7

BRASIL. Decreto n. 19.518, de 22 de dezembro de 1931. Disponvel em: www.senado.gov.br/sicon. Acessado em: 10/07/2007.

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No momento de reestruturao da atividade produtiva do pas e dada a finalidade de formar quadros para grandes setores da atividade nacional a Reforma Francisco Campos explicitou a inteno das autoridades pblicas de organizar uniformemente o ensino secundrio. Em face desta inteno, a Reforma Francisco Campos determinou que as escolas mantidas por particulares ou associaes, governos estaduais ou municipais, fossem autorizadas a expedir certificados de valor oficial aos alunos, mediante solicitao ao Ministrio da Educao e Sade Pblica, que faria verificar por inspeo do Departamento Nacional de Ensino a observncia de exigncias previstas na mesma lei .8 Os requisitos mnimos exigidos para a inspeo dos estabelecimentos de ensino expressavam a inteno do Ministrio de Educao em padronizar desde a estrutura fsica do edifcio escolar, suas instalaes e condies de funcionamento at os materiais didticos utilizados por disciplina e a qualificao do corpo docente, que deveria ser inscrito no Registro de Professores. O atendimento destas condies colocava o estabelecimento sob inspeo preliminar de dois anos, aps os quais poderia ser prorrogada ou concedida a inspeo permanente. Junto s exigncias para a inspeo federal nas escolas foi criado o Registro de Professores, por disciplina lecionada, no Departamento Nacional de Ensino. Ressaltamos que a exigncia do registro no se limitou aos docentes das escolas que requeressem inspeo, pois era tambm destinado aos candidatos ao exerccio do magistrio nos estabelecimentos oficiais, equiparados ou sob inspeo preliminar. Com a criao do Registro de Professores, a reforma iniciou a regulamentao, pelo Estado, do exerccio do magistrio no ensino secundrio nos anos de 1930. De acordo com a Reforma Francisco Campos, nos seis meses seguintes, os professores que requeressem, poderiam obter um registro provisrio. As exigncias consistiam em provar a identidade; idoneidade moral; certido de idade; certido de aprovao em instituto legalmente reconhecido de ensino secundrio ou superior (do pas ou estrangeiro) nas disciplinas pretendidas para inscrio ou qualquer ttulo idneo a juzo de uma comisso nomeada pelo MESP; quaisquer ttulos ou diplomas cientficos, bem como exemplares de trabalhos publicados; comprovao de exerccio regular de magistrio pelo menos durante dois anos.98

BRASIL. Decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931. Dispe sobre a organizao do Ensino Secundrio. Coletnea de Legislao Federal. Disponvel em: www.senado.gov.br/sicon. Acessado em: 10/07/2007. 9 Idem.

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A Reforma Francisco Campos previa a criao de instituio prpria formao do professor do ensino secundrio, que deveria ser feita no ensino superior, pela Faculdade de Educao, Cincias e Letras, como veremos com maior ateno na seqncia deste trabalho. Aps a instalao da Faculdade de Educao, Cincias e Letras e enquanto no houvesse diplomados, seriam, alm destes requisitos, exigidos certificados de aprovao obtidos nessa faculdade, em exames das disciplinas para as quais a inscrio fosse requerida, e ainda, de Pedagogia Geral e de Metodologia das mesmas disciplinas. Por isto, at o funcionamento da Faculdade, os professores obteriam somente um registro provisrio. Aps dois anos de diplomados os primeiros alunos da Faculdade de Educao, Cincias e Letras, o registro seria concedido apenas mediante apresentao de diploma da mesma faculdade.10 Optamos por apresentar o Registro de Professores como parte da configurao de um conjunto de saberes e tcnicas que incidiram sobre a profissionalizao do professorado porque ele foi criado atrelado instituio da formao do professor em curso especfico, no ensino superior. O Registro de Professores subordinou ao MESP a habilitao provisria dos docentes em exerccio e determinou a forma como dali em diante deveriam ser habilitados permanentemente os professores para o ensino secundrio, no ensino superior e numa faculdade especfica, de Educao, Cincias e Letras. Contudo, a interferncia do Estado sobre o estatuto da categoria, instituindo a observncia de certos critrios para a obteno do registro, o que consistiu numa licena para exercer o ofcio, colaborou tambm para lhes assegurar um novo estatuto scio-profissional. Paula Vicentini e Rosario Lugli (2005) identificam a criao de instituio prpria para a formao e a criao do Registro de Professores em 1931 como o primeiro momento caracterstico da delimitao de um campo de atuao profissional especfico para o magistrio de ensino secundrio. Na anlise de Ricardo Coelho (1988), as exigncias estabelecidas pela Reforma Francisco Campos no dificultaram o acesso profisso. As prescries para obteno do registro provisrio foram mantidas em novembro de 1931, quando foi prorrogado o prazo para requisio de registro e outros itens foram incorporados como vlidos para atestar habilitao no exerccio do magistrio. 11

10 11

Idem. BRASIL. Decreto n. 20.630, de 9 de novembro de 1931. Modifica as condies para o registro provisrio de professores, e d outras providencias. Disponvel em: www.senado.gov.br/sicon. Acessado em: 10/07/2007.

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No houve oposio dos representantes dos donos dos estabelecimentos de ensino privado ao Registro de Professores. Atravs de memorial entregue ao Ministro Francisco Campos, eles se expressaram favorveis ao Registro de Professores, embora tenham criticado a exigncia de certificado oficial, sugerindo a aceitao de outros ttulos, a fim de no impedir o exerccio do magistrio por sacerdotes, autodidatas, e outros sem certificado oficial, o que poderia reduzir a oferta de mo de obra nas escolas (COELHO, 1988, p.65). A legislao no era efetivamente restritiva e capaz de alterar o mercado de trabalho, posto que aceitava vagos ttulos idneos como comprovantes. O Conselho Nacional de Educao concedia registro em at seis disciplinas, ou seja, um nico professor poderia atuar em diversas reas do ensino. Assim, segundo Ricardo Coelho, a questo do registro nos anos de 1930 tornou-se tema restrito ao mbito das relaes entre os professores e o Estado (idem, p.66). justamente esta nuance da criao do Registro de Professores que nos interessa abordar. Decidimos conhecer as imbricaes deste Registro para a histria do magistrio do ensino secundrio no Brasil. De acordo com Antnio Nvoa a criao dessa licena um momento decisivo do processo de profissionalizao da atividade docente, porque contribui para a definio de um perfil de competncias tcnicas que servir de base ao recrutamento de professores (1999, p.17). Esta no foi a primeira vez que se esboou uma experincia desse tipo no Brasil j que, desde a colnia, havia prticas de concesso pelo Estado de licenas para ensinar (SILVA, 2000; SCHUELER, 1997; 2002). Pela criao do Registro, o Estado instituiu procedimentos de habilitao e critrios para o ingresso na carreira. O Registro de Professores conferiu legitimao oficial atividade docente e abarcava os saberes e tcnicas exigidos do professor e, ao mesmo tempo, delimitava quem poderia ou no exercer o ofcio e tornava o magistrio de ensino secundrio domnio de investimento de um grupo social especfico e autnomo, cada vez mais definido e enquadrado (NVOA, 1991).

O Registro de Professores e a organizao sindicalEntre as repercusses da criao do Registro de Professores no Distrito Federal ressaltamos a organizao da categoria em sindicato. No Distrito Federal, ainda que tenha tido as denominaes de Sindicato dos Professores do Distrito Federal (1931) e Sindicato dos Professores do Ensino Secundrio, Primrio e de Artes do Rio de Janeiro (1943), a entidade

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ficou a cargo dos professores dos estabelecimentos de ensino particular, enquanto os docentes de instituies pblicas tinham suas prprias organizaes como o Centro de Professores do Ensino Tcnico Secundrio e a Associao dos Professores Primrios do Distrito Federal (COELHO, 1988, p. 192). A assemblia de fundao do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (31 de maio de 1931) proclamou como de grande utilidade o recm-institudo Registro de Professores no Departamento Nacional do Ensino. Segundo a Imprensa que noticiou o evento, foi em vista da criao do registro que o professorado reconheceu a convenincia e oportunidade de instituir o sindicato da classe (Dirio de Notcias, 1931 apud Coelho, 1988, p.67). Certamente outros fatores favoreceram a organizao do sindicato, mas atenta-se aqui para a funo da legislao na construo de prticas sociais. Os professores deliberaram que o sindicato deveria ser formado por membros que atendessem s exigncias para concesso do registro. A fundao do sindicato em face da institucionalizao de um Registro por parte do Estado permite-nos compreender que o apoio do Estado ao desenvolvimento da profisso docente (...) e os esforos desenvolvidos pelos docentes com vistas melhoria de seu estatuto so duas faces de um mesmo processo (NVOA, 1991, p.122). O associativismo uma frente do processo de profissionalizao na qual se observa que os professores desenvolveram conscincia de seus prprios interesses enquanto grupo profissional. Antnio Nvoa situa o associativismo como um dos aspectos indicadores da maturidade do processo de profissionalizao, porque indica a gestao de um esprito de corpus, de identidade entre os que praticam o mesmo ofcio. O associativismo dos docentes transforma a unidade extrnseca do corpo profissional imposta pelo Estado em unidade intrnseca, construda sobre a base de uma solidariedade profissional e da defesa de interesses comuns (1991, p.128). Os professores se organizaram na forma sindical em consonncia com a poltica social do Governo Provisrio que instituiu a lei de sindicalizao em 1931. Embora no tornasse a sindicalizao dos trabalhadores compulsria, a filiao era indispensvel para o acesso do trabalhador aos direitos sancionados pela legislao social, na frmula de que quem tem ofcio, tem benefcio (GOMES, 2005a, p.179). O Registro de Professores, o respaldo oficial e os benefcios da nova poltica social foram elementos que contriburam para adeso dos

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professores ao sindicato. Entre as atividades do primeiro ano de funcionamento do sindicato assinalamos o preparo de um anteprojeto de regulamentao da profisso (COELHO, 1988). Certamente os professores j haviam experimentado outras formas de associativismo que no necessariamente se limitaram forma sindical de organizao. Nos anos de 1920 existia a Confederao do Professorado Brasileiro, uma associao de professores do ensino secundrio, destinada a promover o auxlio entre os associados por meio de peclio ou consrcio, mas tambm portadora de um incio de conscincia sindical, posto que, de forma vaga, j denunciava a necessidade de valorizao do trabalho do professor (idem). Ademais, de seus quadros saram membros e lderes tanto do Sindicato de Professores, que foi legalmente reconhecido em 1931, quanto do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino, de inspirao anarquista (idem, p.11). Nesse sentido, nos anos de 1920, a categoria se encontrava ainda numa fase mutualista de organizao, que precedeu e favoreceu diretamente o nascimento da organizao sindical dos professores do Rio de Janeiro (idem, p.12). Em discordncia das orientaes que predominaram na organizao do sindicato fundado em 1931, Hugo Antunes e Candido Juc Filho, ex-associados da Confederao do Professorado Brasileiro se uniram a Jos Oiticica, professor do Colgio Pedro II e militante anarquista, para dirigir o Sindicato dos Trabalhadores do Ensino do Rio de Janeiro. Fundado em julho de 1931, o novo organismo se destinava a defender interesses dos trabalhadores da educao e da qualidade do ensino, definindo-se como entidade livre e leiga, sem adoo de credo religioso ou poltico (idem, p.16). Mas, sob a influncia do anarquismo, o Sindicato dos Trabalhadores do Ensino do Rio de Janeiro no organizou a direo da entidade em conformidade com as exigncias da nova lei de sindicalizao, no obtendo reconhecimento ministerial. A oposio ao Registro de Professores no Departamento Nacional de Ensino, por parte deste sindicato, e a adeso dos professores ao sindicato oficialmente legalizado contriburam para o insucesso desta alternativa, que teve curta durao (idem, p.17). Cumpre atentar que a experincia de associativismo que maior espao alcanou junto categoria, nos anos de 1930, foi a sindicalizao, nos moldes exigidos pelo governo para manter as instituies na legalidade. O registro e a sindicalizao dos docentes so partes dos esforos promovidos pelo Estado no ps-30 em promover ampla legislao social e regulamentar o mercado de trabalho

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a fim de disciplinarizar a classe trabalhadora. Se o Estado Novo o auge deste projeto de inveno do trabalhismo (GOMES, 2005a), preciso observar os esforos empreendidos desde 1930. Neste perodo foram promulgadas parte do referencial normativo que pretendeu regular as relaes de trabalho no Brasil, sobre as condies de trabalho de menores e mulheres, os contratos de trabalho (jornadas, remunerao, frias), compensaes sociais (previdncia e assistncia social) at a organizao das instituies de enfrentamento dos conflitos de trabalho entre patres e empregados (Comisses e Juntas de Conciliao, Comisses Coletivas de Trabalho). sob essa perspectiva que a pesquisa da histria da profisso docente nos anos de 1930 e 1940 precisa investigar as iniciativas do Estado no campo educacional e no campo da legislao social e trabalhista, a fim de notar as repercusses sobre a profissionalizao da categoria, como veremos na segunda seo deste trabalho. Mas necessrio tambm considerar a autonomia relativa do Estado e situar a atuao dos docentes neste processo, o lugar que estes sujeitos ocupam nas relaes sociais e do papel que eles jogam na manuteno da ordem social (NVOA, 1991, p.123). Como veremos a seguir, os representantes do professorado atuaram, por meio da burocracia estatal e organizados na forma sindical, na configurao das polticas de profissionalizao docente. O professorado se mobilizou pela extenso do registro permanente a todos os professores em exerccio. Ricardo Coelho observa que a lei de sindicalizao, embora delimitasse os contornos do movimento sindical e limitasse sua autonomia, oferecia em contrapartida o acesso aos rgos da burocracia estatal, por meio do quais os trabalhadores poderiam, e de fato o fizeram, exigir a fiscalizao de seus direitos e o atendimento de suas demandas salariais e trabalhistas, geralmente negadas pelo patronato, da a importncia de recorrer ao Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio s Juntas de Conciliao e Julgamento. Assim, organizao e regulamentao profissional apareciam, ento, como duas faces da mesma necessidade de se valorizar o trabalho do professor (COELHO, 1988, p.14). Nesse sentido, o registro delimitava a categoria profissional e sua organizao, assim como o sindicato, embora no haja indcios, segundo Ricardo Coelho, de que este incio de organizao corporativa tenha restringido a oferta de mo de obra, dado o reconhecimento tanto por parte do Sindicato dos Professores quanto do patronato, da abundncia de candidatos ao exerccio do magistrio na dcada de trinta.

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Registro Provisrio e o Registro DefinitivoEmbora o Sindicato dos Professores do Distrito Federal manifestasse apoio ao Registro de Professores, foi deliberado na assemblia de fundao do Sindicato que se fizesse a redao de um memorial a ser encaminhado ao Ministro da Educao, Francisco Campos, para solicitar que, em vez de provisrio, fosse concedido o registro definitivo aos professores em exerccio que atendessem s condies exigidas para obteno do registro provisrio. Pela legislao em vigor, para obter o registro definitivo os professores provisrios deveriam apresentar documentao comprobatria e prestar exames de habilitao perante comisso da futura Faculdade de Educao, nas disciplinas em que estivessem registrados e de Pedagogia.12 No entanto, a legislao indicava a posterior regulamentao deste dispositivo, que no havia sido implementado porque a Faculdade de Educao, Cincias e Letras tambm no estava em funcionamento. Ou seja, a proposta dos professores tornava desnecessria a prestao de exames de suficincia perante bancas, aps a instalao da Faculdade de Educao, como previa a legislao no caso de concesso do registro permanente para os professores em exerccio no diplomados pela Faculdade de Educao. A partir daquele memorial, iniciava-se uma longa trajetria do Sindicato de Professores do Distrito Federal pela concesso do registro permanente aos professores em exerccio. E esta no foi uma bandeira apenas deste Sindicato, porque houve tambm manifestaes de outros sindicatos do pas pela mesma causa. 13 Notamos que os prazos para requerimento de registro provisrio eram continuamente prorrogados. Talvez essa no tenha sido a inteno inicial do governo, mas inferimos que tenha ocorrido em funo do processo de organizao e funcionamento da Faculdade de Educao, Cincias e Letras. Em 1935, voltou-se a efetuar o registro provisrio atravs de comisso com poderes para aceitar ttulos idneos, frmula que havia sido abandonada em novembro de 1931. 14 Segundo Ricardo Coelho (1988) esta iniciativa pretendia tornar ainda mais fcil e rpido o acesso ao registro, aumentando o nmero de professores habilitados. Interessante notar que12

BRASIL. Decreto-lei n. 21.241, de 4 de abril de 1932 ltima Lei do Ensino Secundrio. Novos Programas organizados pelo Departamento Nacional do Ensino para admisso 1a srie do curso secundrio. Consolida as disposies sobre a organizao do ensino secundrio e d outras providncias. Disponvel em: www.senado.gov.br/sicon. Acessado em: 08/10/2007. 13 FGV, CPDOC.GC g 1937.07.13, r. 48., f. 046-393. 14 BRASIL. Instrues de 18 de julho de 1935 para o Registro de Professores na Diretoria Nacional de Educao. In: BICUDO, Joaquim de Campos. O Ensino Secundrio no Brasil e sua atual legislao. So Paulo, 1942.

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apesar de os critrios estabelecidos para a concesso do registro no serem restritivos, do total de 5491 requerimentos pedidos em todo o pas, nos anos 1931 e 1932, apenas1825 haviam sido deferidos em 1933 (idem, p.71).15 A concesso de registros provisrios foi suspensa por ocasio da inaugurao da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, destinada formao de professores para o ensino secundrio e o ensino normal no ensino superior.16 As normas de organizao da nova instituio exigiam que, a partir de janeiro de 1943, para o preenchimento de cargo ou funo do magistrio secundrio ou normal, seria necessria a licenciatura, em consonncia com o previsto na reforma de 1931. Segundo Loureno Filho, o diretor do Departamento Nacional de Ensino suspendeu o registro em 1939 por ter verificado que as condies at ento exigidas no eram suficientes a uma perfeita qualificao do professor, mesmo para registro provisrio.17 Loureno Filho avaliava os resultados alcanados pela instituio do Registro de Professores. Em razo da Faculdade de Educao no ter entrado em funcionamento, perdurou o registro provisrio dos professores e, com base em dados da inscrio dos professores, conclua que as condies estabelecidas para o registro no estariam correspondendo s necessidades de boa qualificao porque os requisitos exigidos permitiam facilmente a qualificao dos professores para o registro provisrio. Condenando esta situao, Loureno Filho assegurava que evidente que, qualquer que seja a soluo, a qualificao normal do professor secundrio ser a de sua formao nas faculdades de Educao, filosofia, cincias e letras.18 No entanto, em maro de 194119, o registro provisrio foi reaberto at que fosse estabelecido o registro definitivo. Isto porque, ainda que no Rio de Janeiro no houvesse escassez de licenciados, a situao era diferente em outras regies do pas.

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Ricardo Coelho apresenta estes nmeros a partir de um Relatrio do Ministrio da Educao e Sade de 1932. Porm um documento de autoria de Loureno Filho em 1939 apresenta cifras diferentes sobre a marcha do registro de professores secundrio. Conforme este documento, entre 1931 e 1939 haviam sido concedidos 24.737 registros para o curso fundamental e 1.345 para os professores do curso complementar. FGV, CPDOC. Loureno Filho, Contribuies referentes a qualificao do professor, 17/03/1939: GC g 1937.07.13, r. 48. 16 BRASIL. Portaria n. 7 de 10 de janeiro de 1939. Portaria n. 20 de 12 de janeiro de 1939 In: BICUDO, Joaquim de Campos. O Ensino Secundrio no Brasil e sua atual legislao. So Paulo, 1942. 17 Loureno Filho, Contribuies referentes a qualificao do professor, 17/03/1939: GC g 1937.07.13, r. 48. 18 Idem. 19 BRASIL. Decreto-lei n 3.085 de 3 de maro de 1941 Dispe Sobre o Registro de Professores no Ministrio da Educao e Sade e no Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio. Disponvel em: www.senado.gov.br/sicon. Acessado em: 10/07/2007.

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Em junho de 1941, foi aprovado, pelo Conselho Nacional de Educao o anteprojeto que regulamentaria, por decreto, o registro definitivo (idem, p.75). Os professores sem licenciatura deveriam se submeter a provas de habilitao em exames de suficincia perante a Faculdade Nacional de Filosofia, institutos congneres ou bancas do Departamento Nacional de Educao.20 Foram determinadas algumas condies em que os professores no precisariam prestar os exames. No seriam submetidos a exames apenas os professores que se acomodassem a uma das seguintes condies: possuir diploma de formao de professor para o ensino secundrio; comprovar aprovao em concurso para docncia em instituio oficial ou equiparada; diploma de curso superior que abarcasse disciplinas pretendidas a docncia; diploma expedido por seminrio maior reconhecido por autoridade religiosa competente; prova de exerccio no magistrio por dois anos no mnimo, em estabelecimento de ensino secundrio ou comercial de educao pblica; prova de idade mnima de 45 anos, tendo ento que posteriormente ser habilitado em prova de ttulos a ser regulamentada pelo Departamento Nacional de Educao. A anlise dos critrios estabelecidos permite inferir que poucos professores seriam beneficiados (idem), o que demonstra a inteno das autoridades educacionais de avaliar o maior nmero possvel de professores com registro provisrio, a fim de cumprir os objetivos da reforma de 1931. Porm, continuou-se a expedir legislao sobre o registro provisrio. Em fins de 1942 foi prorrogado o prazo que restringia o exerccio do magistrio condio de licenciado at o final de 1943 e posteriormente at 1945. Em concurso ocorrido em 1944, em Niteri, para professores do ensino secundrio no foi exigida a comprovao de diploma de Faculdade de Filosofia (idem, p.73). A Reforma do Ensino Secundrio de 1942, elaborada sob a gesto de Gustavo Capanema no Ministrio da Educao e Sade (MES),21 distinguiu os estabelecimentos do ensino secundrio em dois tipos. Os estabelecimentos mantidos pelos Estados ou pelo Distrito Federal, e autorizados pelo Governo Federal, seriam os estabelecimentos equiparados. Os estabelecimentos de ensino secundrio, mantidos pelos Municpios, por pessoa natural ou pessoa jurdica de direito privado, autorizados pelo Governo Federal, constituiriam os

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Pela Lei n. 378 de 13 de janeiro de 1937 o Departamento Nacional do Ensino passou a denominar-se Departamento Nacional de Educao. Disponvel em: www.senado.gov.br/sicon. Acessado em: 10/07/2007. 21 Pela Lei n. 378 de 13 de janeiro de 1937 o Ministrio da Educao e Sade Pblica passou a denominar-se Ministrio da Educao e Sade. Disponvel em: www.senado.gov.br/sicon. Acessado em: 10/07/2007.

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reconhecidos. Ambos os tipos de estabelecimentos seriam submetidos inspeo do Ministrio da Educao. Ao tratar da constituio do corpo docente dos estabelecimentos de ensino secundrio, a Reforma Capanema, como ficou conhecida a Lei Orgnica do Ensino Secundrio de 1942, institua a observncia da conveniente formao do professor em cursos de ensino superior. Os cargos efetivos de professor em estabelecimentos de ensino secundrio federais e equiparados deveriam ser providos por concurso, enquanto o magistrio nos estabelecimentos reconhecidos demandava previamente a inscrio no Registro de Professores do Ministrio da Educao, mediante prova de habilitao.22 Verifica-se, assim, a resistncia do Ministrio da Educao em extinguir a avaliao dos professores para a obteno do registro definitivo. A postura do Sindicato dos Professores mantinha-se contrria necessidade dos exames de suficincia para obteno do registro permanente, alegando, nas palavras do Presidente da entidade:a prova de suficincia (...) em nada contribuir para a formao dos verdadeiros didatas porque a inclinao ao magistrio, a compreenso dos problemas do ensino e a personalidade dos mestres no se adquirem com uma simples prova, pois uma questo que resulta de condies personalssimas e que deve ser obtida com mtodo e tempo, fatores esses com os quais j contam todos os professores em exerccio (1941, Petrnio Mota apud COELHO, 1988, p.77)

Wladimir Villard, eleito Presidente da entidade em 1944, entoava o mesmo discurso de seus antecessores sobre a defesa da concesso do registro permanente aos professores em exerccio, combatendo os opositores:Alegam os que contrariam essa pretenso [efetivao do registro dos professores em exerccio] que o curso nas Faculdades de Filosofia d mais cultura, metodologia e pedagogia ao professor, esquecendo-se, lamentavelmente, de que o auto-didatismo tem produzido timos frutos, e h de produzi-los sempre. Auto-didatas (sic) foram e so os professores que lecionam nas nossas Faculdades de Filosofia (1944 apud COELHO, 1988, p. 78).

Segundo os representantes dos professores, a experincia e o autodidatismo seriam critrios suficientes para o exerccio da profisso, pelo menos para aqueles que j a exerciam anteriormente criao do Registro de Professores. vlido ressaltar que, num momento de difuso de estabelecimentos de ensino secundrio privado nas regies economicamente mais22

BRASIL. Decreto-lei no 4.244, de 09 de abril de 1942. Lei Orgnica do Ensino Secundrio. Disponvel em: www.senado.gov.br/sicon. Acessado em: 10/07/2007.

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desenvolvidas do pas, o que concorreu para atrelar o exerccio remunerado da profisso s instituies de ensino, os professores se esforaram em manter a autonomia sobre as condies necessrias ao exerccio do magistrio. Paula Vicentini e Rosario Lugli (2005, p.70) analisam que a exigncia da licenciatura e a obrigatoriedade do registro junto ao Ministrio da Educao, fomentaram na dcada de 1940 o conflito entre os licenciados pela Faculdade de Educao, e o contingente de professores que, embora profissionais de nvel universitrio (ou autodidatas), no possuam a formao especfica para lecionar. Outra conseqncia deste mesmo processo foi o progressivo fechamento do campo a profissionais cujas carreiras universitrias no admitiam a licenciatura, como advogados e engenheiros (idem). Nesta anlise, acompanhamos o pensamento do professor Antnio Nvoa de que a profissionalizao no se produz de forma apenas de forma endgena. So os rgos da burocracia estatal, principalmente do Ministrio da Educao, que procuram determinar um corpo especfico de saberes a serem certificados junto aos candidatos ao exerccio do magistrio, como critrio de habilitao, mesmo dos professores que j atuavam quando da interveno do Estado. O Estado atrelou o exerccio da profisso obteno do registro de professor e do diploma da Faculdade de Educao, disps sobre os currculos, programas de ensino, jornadas e contratos de trabalho em estabelecimentos de ensino pblico e privado. Com a instaurao do Estado Novo, houve suspenso do funcionamento e da autonomia do poder legislativo, e esta funo ficou a cargo do poder executivo. A organizao de comisses de estudo para elaborao de anteprojetos de decretos-leis que, ao invs de serem elaborados e contemplados pelo poder legislativo, seriam ento submetidos ao Executivo tornou-se a principal forma de elaborao da legislao promulgada no Estado Novo, ou, se quisermos ressaltar o carter autoritrio do regime, outorgada. No entanto, esta forma centralizada e burocrtica de funcionamento do Estado no prescindiu da participao de diferentes grupos sociais. O acompanhamento dos trabalhos de diversas comisses institudas para planejar anteprojetos de legislao pertinente a profissionalizao do magistrio revelou a composio heterognea das mesmas, com representantes de diferentes grupos e interesses. a correlao de foras entre esses grupos, entre negociaes e conflitos, que se definiu a configurao das polticas de profissionalizao do magistrio, como buscaremos mostrar. Assim, ainda que os embates entre estes grupos tenham ocorrido no interior da burocracia estatal, nos degraus da sociedade poltica,

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expressavam, tambm, disputas pela preponderncia na direo econmica, social e poltica da sociedade, sobretudo disputas no terreno do campo educacional, que se tratavam entre os sujeitos coletivos organizados na sociedade civil. Por meio do envio de memoriais e substitutivos ao Poder Executivo, grupos organizados como o Sindicato de Professores se fizeram ouvir e procuraram intervir na soluo de questes de seu interesse. Em memorial enviado ao Presidente da Repblica, em 1940, encontramos os argumentos do Sindicato dos Professores do Distrito Federal pela defesa da concesso do registro definitivo a todos os professores do magistrio particular que s dispunham do registro provisrio.23 A forma como se apresenta este documento no Arquivo de Gustavo Capanema sintomtica das estratgias de participao da sociedade civil nos rumos das polticas pblicas do governo Vargas. O memorial anexo de um parecer de Abgar Renault, ento Diretor Geral do Departamento Nacional de Educao, sobre as reivindicaes contidas nele.24 O memorial anexado ao parecer de Abgar Renault nos permite conhecer os argumentos dos professores do ensino particular e suas formas de se fazer ouvir pelas autoridades polticas. O parecer sobre o memorial nos faz conhecer as repercusses e as reaes desta prtica junto ao poder pblico. Aps uma srie de consideraes sobre o oficio de magistrio e as realizaes do governo para regulamentao da profisso e do enaltecimento do Presidente Vargas, o memorial disps sobre as reivindicaes do magistrio particular que exigem imediatas providncias.25 Quanto ao Registro de Professores, o memorial tratava da situao dos professores com registro provisrio, que por no terem o registro definitivo, no poderiam requerer junto ao Ministrio do Trabalho o Registro Profissional na carteira de trabalho, criado em 1940. Roga-se ao Presidente da Repblica mandar conceder o registro definitivo a todos professores que comprovem se acharem atualmente no exerccio do magistrio. Os argumentos de defesa desta concesso enfatizavam que se tratava de professores que j exerciam o oficio, muito antes da criao do registro. Desta forma, a exigncia de23

FGV, CPDOC. Memorial do Sindicato de Professores ao Presidente da Repblica, s/d.: GC g 1937.07.13, pasta II, r. 48. 24 FGV, CPDOC. Abgar Renault. Parecer sobre memorial do Sindicato de Professores, 01/10/1940: GC g 1937.07.13, pasta II, r. 48. 25 FGV, CPDOC. Memorial do Sindicato de Professores ao Presidente da Repblica, s/d.: GC g 1937.07.13, pasta II, r. 48.

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cursar a Faculdade de Educao ou prestar concursos para habilitao consistiam em alvitres que se ressentem de injustia e falta de viso incrveis. Alega-se que seria impraticvel para os professores freqentarem cursos de formao no ensino superior, pois isto os afastaria das atividades pelas quais obtinham o sustento de seus familiares. A exigncia dos concursos constituiria flagrante desateno a quem tantos anos tem dedicado educao da mocidade do Brasil os melhores esforos.26 Ademais, referiam-se ao processo de regulamentao de outras profisses em que somente se requereu a simples prtica, exatamente a condio em que se encontravam os professores com registro provisrio. O ltimo argumento dos professores para justificar seu pedido junto ao Presidente era que se tratava de uma questo de direitos adquiridos.27 O parecer de Abgar Renault sustentava a inconvenincia de ser concedido registro definitivo aos professores em exerccio no magistrio, porquanto a forma pela qual foi concedido o registro provisrio no oferecia qualquer segurana quanto habilitao dos que dele se beneficiaram, tanto que foi suspenso a fim de ser novamente regulamentado. 28 Abgar Renault nos oferece um dos motivos que permite compreender a extenso da legislao que constamos ter existido sobre as prorrogaes e suspenses dos prazos para obteno do registro provisrio. Revela-nos, tambm, a preocupao com a seleo dos professores que obteriam o registro, pois ampliar as concesses seria legitimar e perpetuar situao incompatvel com a necessidade imperiosa de apurar a habilitao dos professores de ensino secundrio, por forma de elevar-lhes o nvel.29 Em 1944, o Sindicato de Professores do Distrito Federal mobilizou-se novamente, entre outras frentes de luta, pela defesa dos professores com registro provisrio. As reivindicaes da categoria foram expressas na forma de outro memorial entregue ao Presidente da Repblica, em solenidade com cerca de 500 professores e representantes de sindicatos de So Paulo, Rio Grande do Sul, Belo Horizonte, Santos, Campinas, Esprito Santo, Fortaleza e Juiz de Fora. Em maio de 1945, novo memorial foi enviado ao Ministro da Educao solicitando o registro definitivo para os professores no licenciados registrados sob condio provisria e requerendo igualdade de condies legais com os professores licenciados pela Faculdade26 27

Idem. Idem. 28 FGV, CPDOC. Abgar Renault. Parecer sobre memorial do Sindicato de Professores, 01/10/1940: GC g 1937.07.13, pasta II, r. 48.