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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS II PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA LISE MARCELINO SOUZA AMADORES OBSERVAM O CÉU O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES E O IDEAL DE MODERNIZAÇÃO EM FEIRA DE SANTANA (1971-1992) ALAGOINHAS-BA 2018

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Page 1: AMADORES OBSERVAM O CÉU...Amadores observam o céu: o Observatório Astronômico Antares e o ideal de modernização em Feira de Santana (1971– 1992). / Lise Marcelino Souza.- Alagoinhas,

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

LISE MARCELINO SOUZA

AMADORES OBSERVAM O CÉU

O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES E O IDEAL DE MODERNIZAÇÃO

EM FEIRA DE SANTANA (1971-1992)

ALAGOINHAS-BA

2018

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LISE MARCELINO SOUZA

AMADORES OBSERVAM O CÉU

O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES E O IDEAL DE MODERNIZAÇÃO

EM FEIRA DE SANTANA (1971– 1992)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História da Universidade do Estado

da Bahia (UNEB) como requisito para obtenção do

grau de Mestra em História, sob a orientação do

Prof. Dr. Paulo Santos Silva.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Santos Silva

ALAGOINHAS-BA

2018

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FICHA CATALOGRÁFICA

Sistema de Bibliotecas da UNEB

Souza, Lise Marcelino

Amadores observam o céu: o Observatório Astronômico Antares e

o ideal de modernização em Feira de Santana (1971– 1992). / Lise

Marcelino Souza.- Alagoinhas, 2018.

142 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Santos Silva.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.

Departamento de Educação. Campus II. Mestrado em História, 2018.

Contém anexos.

1. Observatórios astronômicos - Brasil – Feira de Santana (BA). 2.

Astronomia - História. 3. Astronomia - Modernidade. I. Silva, Paulo

Santos. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de

Educação. Campus II.

CDD: 522.198142

CDD:

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LISE MARCELINO SOUZA

AMADORES OBSERVAM O CÉU

O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES E O IDEAL DE MODERNIZAÇÃO

EM FEIRA DE SANTANA (1971– 1992)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do

Estado da Bahia (UNEB), para a seguinte banca examinadora:

__________________________________________________

Prof. Dr. Paulo Santos Silva – Orientador

Universidade do Estado da Bahia–UNEB /Campus II - Alagoinhas

__________________________________________________

Profa. Dra. Maria Elisa Lemos Nunes da Silva – Examinadora

Universidade do Estado da Bahia–UNEB/Campus II – Alagoinhas

__________________________________________________

Profa. Dra. Laura de Oliveira – Examinadora

Universidade Federal da Bahia - UFBA

ALAGOINHAS-BA

2018

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AGRADECIMENTOS

Esta é a última parte do trabalho que fazemos. É necessário passar um filme para

rememorar todas as pessoas que fizeram parte desse processo. Neste momento, temos a

certeza de que nenhum trabalho é feito sozinho. Foi preciso o apoio de diferentes pessoas,

cada uma, ao seu modo, contribuiu para que esta dissertação chegasse ao ponto de ser

apresentada.

Não só devo agradecer àqueles que estiveram comigo durante esses dois anos de

mestrado, mas, também, às pessoas que me formaram para a vida, meu querido pai, minha

doce mãe e minha tia Dezinha. Meus pais, com muito sacrifício, deram sempre o melhor que

podiam a mim e a minha irmã. Meu pai é o grande incentivador e exemplo dessa família. Ele,

já não tão jovem, depois de muito estudo e abdicações, ingressou na UFBA, no curso de

odontologia. Insistiu e apoiou a minha mãe para que ela terminasse o curso de engenharia e

quando ela precisou fazer uma pós-graduação em Salvador, ele, simplesmente, pediu que ela

fosse e assumiu a responsabilidade de cuidar de mim e da minha irmã. Esta, certa vez, chegou

em casa dizendo que queria deixar o emprego para fazer concurso; ele, mais uma vez, não

mediu esforços e disse-lhe que assim fizesse.

Comigo não foi diferente. Enquanto o povo dizia que eu era louca por fazer um curso

que ninguém conhecia, museologia, ele dizia “faça menina, pelo menos é diferente, depois, se

for o caso, você faz outro”. Fiz o concurso para museóloga na UEFS por insistência dele.

Em relação à minha mãe, não tenho como mensurar o que ela fez por mim e minha

irmã para que tivéssemos uma educação de qualidade. Obrigada por ter perdido as suas noites

costurando, em momentos de desemprego, para poder pagar nossa escola, nunca mediu

distância nem dificuldade para trabalhar. Chegou a nos deixar pequenas com meu pai e ir

trabalhar em Valente para poder pagar a escola de minha irmã.

Desse período, não posso deixar de mencionar minha querida Tia Dezinha, a quem eu

chamo, carinhosamente, de “Tia Frozinha”, que tanto fez por mim. Com toda paciência e boa

vontade, dedicava suas manhãs a me ensinar os deveres, já que meu pai e minha mãe

trabalhavam o dia inteiro. Era quase que um ritual ir todos os dias ao seu encontro. Meu pai

me levava até a casa de minha querida avó Etéria (já falecida); lá, sentava na cozinha e ela

ficava em pé ao meu lado sempre dizendo “tem que estudar, tem que estudar, menina”, ao

passo que minha avó ficava sentadinha em sua cadeira fazendo crochê e mandava dar uma

pausa para a gente comer beiju amarelo. Obrigada Tia Dezinha, por esses momentos. Assim,

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aprendi não só a importância dos estudos, mas, também, a valorizar a sua dedicação sem que

lhe tivesse dado algo em troca. Espero que veja essa dissertação como um retorno de todas as

manhãs que gastou comigo. Te amo, Tia!

Já formada e objetivando ingressar em um programa de pós-graduação, tive o apoio

dos meus colegas de trabalho, principalmente do meu chefe Paulo Poppe, da professora Vera

Martin, dos meus colegas Dejair e Cesinha e das minhas colegas e amigas Carolina Cerqueira,

Lívia Reis e Saladina Amoedo. Muito obrigada pelas palavras de incentivo.

Gostaria de agradecer, também, ao meu parceiro de pesquisa Willívam do Carmo, que

foi nosso estagiário no Antares e ajudou-me a pensar na possibilidade de fazer um projeto de

cunho historiográfico. Agradeço ao professor Clóvis Ramaiana, pela acolhida no momento

em que eu me iniciava nos domínios da História.

Agradeço a toda aos funcionários da Biblioteca Municipal e a equipe do Museu Casa

do Sertão, onde fiz morada por um bom período desta pesquisa, em especial a Cristiana

Oliveira, que me deu várias dicas e conselhos, a Claudinha, pelas muitas risadas e a Elaine,

funcionária do arquivo, um doce de pessoa.

Agradeço a todos os entrevistados, que doaram seu tempo a fim de relatar-me as

experiências vividas no Antares. Principalmente Seu Roque, o funcionário mais antigo do

Observatório, sempre pronto a ajudar. Um abraço, Seu Roque!

Não posso esquecer-me da UEFS, instituição onde trabalho desde 2011 e que me

facultou a oportunidade para esta capacitação, com direito a afastamento total e bolsa auxílio.

Agradeço também aos professores do Programa de Pós-Graduação em História da

UNEB, pelo acolhimento e aposta no meu projeto. Um agradecimento especial aos membros

da Banca de Qualificação, composta pelas professoras Maria Elisa Nunes Lemos da Silva

(UNEB) e Laura Oliveira (UFBA), cujas contribuições permitiram reajustar as perspectivas

desta investigação e a definir com maior rigor a estrutura do trabalho.

Agradeço aos meus colegas, principalmente a Chacauna, Igor, Maurício e Diana, pelos

laços feitos em momentos extraclasse.

Agradeço, imensamente, ao professor Paulo Santos Silva por toda a dedicação, que

não só é para mim um grande profissional, mas tornou-se um amigo com quem sei que posso

contar, nos momentos de glória e de aflição. Sempre incentiva aqueles que estão à sua volta a

buscarem, incessantemente, o conhecimento e fazer dele hábito e prazer. Obrigada, Paulinho,

por tudo.

E por último, porém, não menos importante, agradeço ao meu esposo Raimundo Neto,

que acompanhou tudo isso desde o começo. Deu-me total apoio para fazer este curso,

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compreendeu minhas ausências, esteve ao meu lado desde o instante em que estava

elaborando o projeto e entendeu a necessidade de haver, entre nós, meus livros e um

computador. Te amo!

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RESUMO

Esta dissertação ocupa-se da trajetória do Observatório Astronômico Antares, entidade com

fins científicos criada na cidade de Feira de Santana, Bahia. A abordagem abarca o período

que se estende de 1971, ano de sua fundação, a 1992, quando se encerrou sua primeira fase de

existência, tornando-se órgão suplementar da Universidade Estadual de Feira de Santana

(UEFS). Nesses anos, o Observatório passou pelo processo de implantação, construção de

uma identidade pública e decadência. Criado por iniciativa privada de um grupo de jovens

astrônomos amadores, liderados por Augusto César Orrico, o Antares buscou apoio nas mais

diferentes esferas, públicas e privadas, e em políticos, a exemplo de Antônio Carlos

Magalhães, então governador do estado. A entidade comportou e exprimiu em suas sucessivas

etapas, as contradições inerentes à modernização, conceito que estrutura a análise aqui

desenvolvida. Artigos de jornais, fotografias, entrevistas, registros oficiais e fontes literárias

conformam a base da pesquisa.

Palavras-chave: Observatório Astronômico Antares. Modernidade. Imprensa.

Fotografia.

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ABSTRACT

This dissertation addresses the path covered by the Antares Astronomical Observatory, a

scientific enterprise founded in Feira de Santana, Bahia. The approach covers the period

between 1971, the year of its establishment, and 1992, the time its first ongoing stage came to

an end, when it became an additional institution for the State University of Feira de Santana

(UEFS). Along these years, the Observatory went through the processes of implamantation,

construction of a public well-known identitary reference and its decadence. Created after the

iniative of a private group of young amateur astronomers led by Augusto César Orrico, the

Antares sought to get support from several sectors, public and private, and from politicians,

such as Antônio Carlos Magalhães, the hitherto State Gorvernor. The entity made room for

and manifested at each of its stages, the contradictions which are part of the process of

modernization, concept on which this analysis is built. Newspaper articles, photographs,

interviews, offcial records and literary sources endorse the foundation of the research.

Key-words : Antares Astronomical Observatory. Modernity. Press. Photography.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO, 14

Capítulo I - A TRAJETÓRIA DE UMA ENTIDADE ASTRONÔMICA, 27

Modernidade, Ciência e Progresso, 27

Foco Astronômico, 36

Ato de Fundação, 40

Institucionalização do Antares, 46

Perfil dos Fundadores, 52

Divulgação da entidade, 60

Capítulo II - ANTARES: SUA HISTÓRIA ATRAVÉS DOS OBJETOS, 65

A trajetória dos instrumentos científicos: função e valor cultural, 65

Ressignificação do objeto, 67

Infraestrutura científica do Antares, 69

Os objetos e suas representações, 72

Central Horária e a “precisão” do tempo, 82

Relógio: “hora” do Antares para o povo, 84

Fotoheliógrafo: as manchas solares ao alcance do Antares, 86

A estação meteorológica e a previsão do tempo, 90

Cúpulas: um local ideal para os telescópios, 91

Planetário: um céu imaginado, 92

Telescópio laser: um “grande” instrumento, 96

Livros: representantes do conhecimento, 101

CAPÍTULO III -PRODUÇÕES, PUBLICAÇÕES E O FIM DE UMA EXPERIÊNCIA,

105

Carta Celeste: um mapeamento do céu da Bahia, 108

“Boletim Contributions”, 111

Anuários, 119

Desenhos e Previsões do Tempo, 122

“O Antares já não observa mais estrelas”, 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS, 131

FONTES, 133

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 138

ANEXO, 141

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Capa Revista Veja “Marcha da Ciência”, 29

Figura 2: Capa Revista Veja “Viagem à Lua”, 30

Figura 3: Apresentação em encerramento do Concurso “Dandar na Lua”, 38

Figura 4: Francisco Roque observando a solenidade de inauguração ao lado da cúpula

principal no segundo plano, 41

Figura 5: Telescópio do Observatório Flamarion, 43

Figura 6: Antônio Carlos Magalhães e dirigentes do Antares, 45

Figura 7: Inauguração da Central Horária do Antares, 58

Figura 8: Ronaldo Mourão e Drance Amorim, 74

Figura 9: Inauguração do Observatório Antares, em 1974, 75

Figura 10: Entrega de quadro para Governador ACM, 77

Figura 11: César Orrico e Antonio Magalhães simulando observação, 79

Figura 12: Filho de Antônio Magalhães simulando uso de telescópio, 79

Figura 13: Orrico manuseando o telescópio laser, 80

Figura 14: Francisco Roque manuseando equipamento desativado, 80

Figura 15: Inauguração da Central Horária do Antares, Antônio Carlos Magalhães, 82

Figura 16: Inauguração da Central Horária do Antares, Antônio Carlos Magalhães e Drance

Amorim, 83

Figura 17: Monumento do Relógio na Avenida Getúlio Vargas, 84

Figura 18: Fotoheliógrafo em Sala de Exposição no Museu Antares, 87

Figura 19: Estação Meteorológica do Observatório Antares, 90

Figura 20: Cúpula em evidência, 91

Figura 21: Desenho representando todo o Observatório Antares, 93

Figura 22: Descarregando o Telescópio Laser no Antares, 97

Figura 23: Telescópio Laser no Antares, 99

Figura 24: Telescópios montados para a passagem do Halley, 100

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Figura 25: Antena parabólica montada para passagem do Halley, 100

Figura 26: Biblioteca do Antares em hall principal, 103

Figura 27: Livros espalhados no hall principal do Antares, 104

Figura 28: Carta do Céu da Bahia, 108

Figura 29: Boletim Contribution Cometa Kohoutek, 111

Figura 30: Páginas com propagandas, 112

Figura 31: Penúltima com várias propagandas, 112

Figura 32: Boletim Contribution nº18, 117

Figura 33: Cabeçalho dos desenhos das manchas solares, 11

Figura 34: Capa de anuário 1979, 117

Figura 35: Capa de anuário 1981, 117

Figura 36: Capa de anuário 1985, 117

Figura 37: O céu de março por César Orrico, 122

Figura 38: O céu de fevereiro por Ronaldo Mourão, 120

Figura 39: Previsão do Tempo Jornal Folha do Norte, 121

Figura 40: Previsão do Tempo Jornal Feira Hoje, 121

Figura 41: Antares funcionando como Secretaria de Saúde do Município, 126

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Eleitos e cargos no Observatório Antares, 47

Quadro 2: Eleitos e cargos no Observatório Antares, 48

Quadro 3: Instrumentos científicos do Observatório Antares,72

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Percentual de matérias em que o Antares e César Orrico foram mencionados, 62

Gráfico 2: Quantitativo de matérias em cada ano, 63

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INTRODUÇÃO

O poeta feirense Godofredo Filho (1904-1992), quando criança, viu a passagem do

cometa Halley, no ano de 1910.1 As sensações despertadas pelo evento foram relembradas

durante uma entrevista comemorativa dos seus oitenta anos. O homenageado declarou que

aquele fenômeno o impressionou de tal maneira que desejou revê-lo em sua próxima

passagem, em 1986. Para ele, o Halley foi uma espécie de signo condutor, a cuja trajetória o

escritor teria prendido o seu destino.2

Por meio da experiência de Godofredo Filho é possível perceber o fascínio exercido

pelos fenômenos envolvendo os astros. Por se tratar de uma criança, ele não tinha noção

científica do que se passara. Ao que parece não lhe ocorria o sentimento de medo, associado à

possibilidade de ameaça à vida humana. Nele, o episódio despertou encanto, fazendo com que

desejasse vê-lo novamente no final do século.

No entanto, nem o poeta nem sua cidade natal eram os mesmos depois de setenta e seis

anos. Entre as décadas de 1910 e 1980 quase um século se passou. A cidade abandonou parte

de seus traços rurais, ao “modernizar-se”.

Em 1986, previa-se que o Halley passaria novamente e a expectativa era grande.

Naquele ano, o fenômeno atraía ainda mais pessoas, devido à intensa divulgação e aos novos

aparatos tecnológicos que ajudavam a vê-lo deslocar-se no céu. Feira de Santana oferecia ao

poeta outra maneira de visualizar o cometa: um Observatório Astronômico. Atribui-se sua

implantação aos desejos de um jovem astrônomo amador, Augusto César Orrico, feirense,

nascido em 21 de março de 1952, cuja trajetória de vida vinculou-se à entidade.

Esta dissertação analisa os fatores que influenciaram a implantação e o funcionamento

de um observatório astronômico no interior do país, em uma região sem qualquer tradição no

âmbito da astronomia, no contexto da Guerra Fria e do regime implantado em 1964.

Discutem-se as relações e táticas empregadas pelos seus idealizadores para elaborar o projeto

e implementá-lo. Em que medida a entidade cumpriu seus objetivos científicos, considerando-

1 Quando for mencionado o nome de uma pessoa já falecida, aparecerá na primeira menção, entre parênteses, o

ano de nascimento e de morte. Quando se tratar de pessoas vivas até janeiro de 2018, aparecerá na primeira

menção, apenas a o ano nascimento entre parênteses após o nome. Em alguns casos, em vez do ano, optamos por

indicar a data de nascimento com dia, mês e ano. 2 LOPES, R.“Godofredo Filho nos seus oitenta anos”. Revista Sitientibus. Feira de Santana, v.2, n.4, p.85-92.

jan/jun. 1984.

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se suas condições de implantação e funcionamento? Espaço de discurso ou de efetivação das

práticas científicas? Essas são algumas das questões que nortearam esta dissertação.

As balizas temporais que recobrem esta investigação situam-se entre as atividades

iniciais relacionadas às questões astronômicas ocorridas na cidade, nos anos de 1960,

perpassam os anos de1970, quando surgiram as primeiras matérias jornalísticas diretamente

vinculadas à implantação da entidade e estende-se ao ano de 1992, quando o Observatório

tornou-se órgão suplementar da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

As origens desta pesquisa remetem ao ano de 2011, quando assumimos o cargo de

Analista Universitário em Museologia, na Universidade Estadual de Feira de Santana. A partir

daquele ano ficamos responsáveis pelo Museu Antares de Ciência e Tecnologia, fundado em

2009 nas dependências físicas do Observatório Astronômico Antares.

Uma das principais áreas do conhecimento do museólogo denomina-se “documentação

museológica”. Essa área da Museologia dedica-se a organizar o acervo de uma instituição, a

fim de que toda a documentação gerada funcione como fonte para os funcionários dos

museus, prováveis pesquisadores externos (historiadores, por exemplo) e, também, sirva de

registro comprobatório, em caso de reivindicação de tutela.

Trata-se de um trabalho investigativo, que se aproxima, até certo ponto, do ofício do

historiador, pois o museólogo recorre não apenas ao objeto em si, mas busca outros recursos,

a fim de obter informações acerca de cada patrimônio museal.

Esse tipo de cultura material que fica nos museus, em sua maioria, não se encontra mais

na posição de uso original. Sua função social e cultural muda. Em uma instituição

museológica outros valores são-lhe atribuídos. Tornam-se objetos de contemplação ou

assumem outro papel, representando contextos diversos daqueles que lhe deram origem, como

ocorre em muitos museus históricos e de ciências. Um mobiliário antigo ou objetos

científicos, por exemplo, podem ser expostos isoladamente, a fim de valorizar a quem

pertenceu, mas também ser incluídos em uma cena que represente um costume ou um hábito

do passado.

No caso da presente pesquisa, uma luneta do final do século XIX, por exemplo, tem

muito mais significado enquanto objeto testemunho do que como artefato científico destinado

a aproximar corpos celestes. Sua função mudou porque já existem muitos outros instrumentos

com tecnologia superior que tomaram seu lugar.

Nos procedimentos da documentação museológica, para se conhecer os objetos e o

contexto ao qual pertenceu, torna-se necessário encontrar respostas que indiquem a

procedência, uso e a trajetória de cada um deles. Esse trabalho ocorre de maneira

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individualizada. Assim, tudo que se refere a ele é considerado, desde peso, tamanho, cor,

estado de conservação, sua constituição, a quem pertenceu, como chegou ao museu e quem o

utilizou, de modo que nenhuma informação seja desperdiçada.

Ao longo de dois anos, essa tarefa técnica ateve-se às dependências do próprio

Observatório Antares. Durante esse período notou-se que o acervo poderia ser dividido em

três categorias: Rochas/Minerais, Biologia e Científico/Tecnológicos. Cada uma dessas

deveria passar por um processo diferenciado de documentação. A última classe, por sua vez,

mereceu ainda mais atenção, pois tratava-se de um patrimônio material que poderia informar

não só sobre eles mesmos, mas também sobre a origem do próprio Observatório Antares.

Muitos deles encontram-se na entidade desde os primeiros anos de seu funcionamento, a

exemplo do Fotoheliógrafo, emprestado do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, na

década de 1970, após Augusto César Orrico estreitar laços com o astrônomo carioca Ronaldo

Rogério Freitas Mourão (1935 - 2014).

Dada a sua importância, a investigação acabou tornando-se nosso objeto de estudo

também fora dos muros do Museu. O Fotoheliógrafo foi objeto de estudo do nosso trabalho de

conclusão de curso da especialização em Arte e Patrimônio Cultural da Faculdade São Bento

da Bahia, em 2013. No decorrer da pesquisa, encontramos publicações e produtos que foram

feitos a partir do uso desse objeto, assim como conseguimos reunir depoimentos de pessoas

que o manipularam e que tiveram importância na implantação do Observatório.

Ao seguir os rastros desse artefato, percebemos que ele oferecia mais informações do

que imaginávamos acerca dos primeiros anos do Antares. No entanto, naquele trabalho de

especialização não tivemos tempo para ampliar o tema e atingir o surgimento do

Observatório. Por esse motivo, essas questões foram trazidas para o nível de uma dissertação

de mestrado, a fim de compreender a importância desses objetos para a implantação daquele

espaço.

A trajetória do Observatório Antares está inserida no processo de desenvolvimento de

Feira de Santana com vistas a tornar-se uma aglomeração urbana moderna. Essa entidade é

aqui analisada como parte da experiência de modernização tecnológica que se verificou na

cidade no curso dos anos 1970, percebida também em diversas localidades em âmbito

nacional, particularmente no Nordeste.

Feira de Santana é nacionalmente conhecida pelo seu potencial comercial e por

localizar-se entre as duas principais rodovias do país, a BR-101 e a BR-116. Essa condição foi

utilizada para a construção de determinadas imagens da cidade, nem sempre convergentes,

como é comum ocorrer quando se trata do imaginário acerca do urbano.

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Segundo Sandra Pesavento, as cidades são objeto de múltiplos discursos que se

justapõem ou se contradizem, sem que por isso implique em classificá-los "mais verdadeiros

ou importantes que os outros”.3 Partindo dessa premissa, é possível considerar os diversos

pontos de vista que contribuíram para a construção das representações urbanas do município

que sediou o primeiro Observatório Astronômico da Bahia. As representações da cidade de

Feira de Santana expressaram-se em diversos formatos: músicas, memórias, romances,

fotografias e trabalhos historiográficos.

Uma das primeiras representações da cidade no século XX encontra-se no “Poema da

Feira de Sant’ana”, produzido no ano de 1926, porém, somente publicado em 1977.4 As

mudanças urbanas narradas no poema coincidem com a trajetória de Godofredo Filho, seu

autor. Evidenciam-se nesse escrito as diferentes dinâmicas vividas em uma mesma cidade.

Para Godofredo Filho, Feira de Santana possuía um grande comércio de gado que

transformava as segundas-feiras em dias poeirentos, permitindo a presença de vaqueiros

encourados e tabaréus suarentos. Com o passar do tempo, o poeta reconheceu que o município

já não era mais o mesmo: estava muito diferente, mas ainda aprazível. Estava “riscado” pela

eletricidade, cheio de Fords “estabanados”, “raquíticos” e “desvirginadores” do sertão,

veículos que levavam viajantes de xarques.

Godofredo Filho utilizou esse artifício tanto para evidenciar suas impressões do passado

quanto do presente. Ao falar que sua cidade estava “riscada” pela eletricidade, cheia de "Fords

estabanados", o poeta sugeriu que Feira já possuía elementos que a enquadravam sob um

novo conceito de modernidade.

Para melhor precisar os contornos do objeto desta pesquisa, convém delineá-lo à luz dos

estudos que se têm realizado sobre a cidade, direta ou indiretamente destacando sua inserção

na lógica da modernização.

Uma das obras pioneiras que destacam as características da cidade sob esse viés foi

produzida ainda na década de 1960 pelo brasilianista Rollie E. Poppino, intitulada Feira de

Santana.5 No prefácio, escrito por Thales de Azevedo (1904-1995), o perfil da urbe foi

resumido, afirmando-se que aquela pesquisa dedicava-se a falar de uma aglomeração

localizada em uma encruzilhada de estradas que ligavam o Sul do país ao Nordeste. Azevedo

destacou que Feira de Santana era passagem e pouso obrigatório para reabastecer veículos,

passageiros, caixeiros-viajantes, comerciantes, técnicos e funcionários públicos que exerciam

3 PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano: Paris, Rio de Janeiro, Porto

Alegre. 2a ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002, p.9. 4 GODOFREDO FILHO. Poema da Feira de Santana. Coleção Ilha de Maré. Salvador, 1977. p.16 5 POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Editora Itapuã, 1968.

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ao longo daquele eixo as funções de "pioneiros" e "bandeirantes". Ainda de acordo com ele, a

cidade era também um expansivo centro de comércio e serviços, sobretudo com suas

numerosas oficinas de reparos de motores e veículos, semelhante ao que teria sido Sorocaba e

São João d’El Rei no passado, assim como Campina Grande e Juazeiro do Norte, na década

de 1960.

Feira de Santana foi vista no começo do século XX como uma cidade moderna por

delimitar os locais em que os bois seriam comercializados. Muitas dessas características,

como a construção das autoestradas e o intenso comércio, eram frutos do processo de

urbanização que a cidade sofreu a partir dos anos de 1920.6

A partir dos anos 1960, verifica-se outra configuração do desenvolvimento da cidade.

A implantação do Centro Industrial do Subaé, da Universidade Estadual e do Observatório

Astronômico Antares fez parte desse novo cenário. Com essas imagens, a memória que se

desejava preservar, ao menos para alguns segmentos, não era mais a de uma cidade das feiras

de gado, mas, de um espaço urbano marcado pela presença da ciência e da tecnologia.

A temática da modernização em Feira de Santana tornou-se objeto de análise

historiográfica por pesquisadores que realizaram suas investigações em âmbito acadêmico.

Clóvis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira apesar de não abarcar a temporalidade

tomada nesta dissertação, analisa o processo de desenvolvimento da cidade no que se refere à

inserção de novos "equipamentos" que viriam a exigir diferentes comportamentos da gente

sertaneja. O autor sugere que a ideia da chegada de novas tecnologias colocava os sujeitos

históricos em posição de recepção. Essa conduta implicava na adoção de novos

comportamentos condizentes com os que existiam em outras cidades, as chamadas “praças

civilizadas”. Os currais modelo foram um dos principais "equipamentos" instalados. A

necessidade de mudança foi intensamente trabalhada pela imprensa da época.

Eram recorrentes as matérias denunciando os danos causados à população pela forma

como se lidava com os animais. Convertidos em defensores do controle dos costumes

urbanos, os periódicos investiram na defesa das táticas e estratégias visando convencer

segmentos da população das vantagens dos novos empreendimentos.

No que se refere ao Observatório Antares, a imprensa usou seu poder a fim de exaltar a

importância do equipamento e a necessidade de tê-lo na cidade. Assim como os currais, o

Antares obteve a atenção e o incentivo do poder público, mesmo se constituindo uma entidade

de iniciativa particular.

6 OLIVEIRA, Clóvis Ramaiana Moraes. Canções da cidade amanhecente: urbanização, memórias urbanas e

silenciamentos em Feira de Santana (1920-1960). Salvador: EDUFBA, 2016.

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Em uma dissertação de mestrado defendida por Diego Corrêa no Programa de Pós-

Graduação em História, da Universidade Estadual de Feira de Santana, a temporalidade

recoberta pelo pesquisador alcança o ano de criação do Antares, 1971. Diego Corrêa analisou

as transformações ocorridas na cidade de Feira de Santana entre os anos de 1967 e 1971. 7 O

autor destacou o papel exercido pelo prefeito João Durval Carneiro (1929) como articulador

do processo de modernização da cidade. Para isso, Corrêa abordou o período anterior à

administração de João Durval, evidenciando as circunstâncias que o levaram ao poder. Dentre

elas estão a deposição do ex-prefeito Chico Pinto, decorrente do golpe militar, e o

envolvimento de João Durval com a UDN. Nesse sentido, seu trabalho oferece um quadro de

referência para se examinar os anos imediatamente anteriores e, em parte, simultâneos ao

contexto de implantação do observatório.

Outros fatores nos levaram ao trabalho de Diego Corrêa: o uso da literatura enquanto

fonte. Da mesma forma que ele recorre-se aqui à obra O bicho que chegou à Feira (1991), de

Muniz Sodré. Além disso, uma das suas principais fontes foi o jornal Folha do Norte. Ao

falar sobre ela, o autor contribuiu para esclarecer a posição política do periódico, informou a

quem ele pertencia e qual a linha ideológica dos seus dirigentes.

Os jornais revelaram-se indispensáveis para acompanhar a dinâmica da modernidade

em âmbito local, nos limites de seus respectivos recortes temáticos e temporais.

Nesta pesquisa, o Folha do Norte e o Feira Hoje tornaram-se as referências

documentais mais importantes. "Se a leitura do jornal diário é a reza do homem moderno[...]",

conforme frisou Bruno Latour, há que se considerar os periódicos como expressão da

modernidade que patrocinam outras iniciativas modernas, como pretendia ser o

Antares.8Ainda segundo Latour, "A modernidade possui tantos sentidos quantos forem os

pensadores ou jornalistas" (grifo nosso).9 Destaca-se a palavra jornalista em razão do papel

que eles tiveram na implantação do Antares.

Na biblioteca/arquivo do Museu Casa do Sertão, há pastas com recortes de jornais a

partir do ano de 1975. Segundo relato em 2017, da diretora Cristiana Oliveira, esse material

foi produzido pela Assessoria de Comunicação da UEFS, com o objetivo de salvaguardar toda

e qualquer informação que estivesse relacionada a essa instituição.

7 CORRÊA. Diego. “O futuro do passado: uma cidade para o progresso e o progresso para cidade em João

Durval Carneiro. (1967-1971)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Estadual de Feira de

Santana, 2011). 8 LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2013,

p.8. 9 LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. p.15, grifo nosso.

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Supúnhamos que encontraríamos nessa documentação algumas matérias referindo-se

ao possível convênio entre a universidade e o Antares. Todavia, para a nossa surpresa,

encontramos muito mais do que o previsto. Além da quantidade de matérias e diversidade de

assuntos sobre o Observatório, achamos essas informações nos mais distintos jornais: A

Tarde, Correio da Bahia, Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Notícias da Bahia, O Globo,

Diário de Notícias e Jornal do Brasil. Com isso, ampliamos de forma considerável nossas

fontes. E por meio delas tivemos a noção do que se divulgava sobre o Antares até o ano de

1992.

Mesmo com essa diversidade de periódicos encontrados, o Feira Hoje e o Folha do

Norte são majoritários enquanto fontes desta investigação. Eles, além de fornecer informações

sobre o processo de implantação do Observatório, revelaram-se como lugar de sua

constituição. Nesses jornais, atuaram e escreveram vários indivíduos que participaram da

construção "discursiva" e efetiva do Antares.

Ao se consultar jornais de anos anteriores à criação dessa entidade, percebe-se que as

notícias levadas aos feirenses com as temáticas astronômicas estavam relacionadas à Corrida

Espacial. A impressão que se tem das matérias sobre essa disputa é de que a conquista do

espaço era vista como possibilidade de esperança em um mundo melhor. No jornal local

Folha do Norte, do ano de 1969, foram encontrados nove textos com essa perspectiva. Entre

seus autores, estão os colunistas Augusto César Orrico e Helder Alencar (1945)

Foram levadas em consideração a atuação profissional desses indivíduos, a fim de

compreender tanto como eles contribuíram para a implantação do Antares como o contexto

social e político em que estavam inseridos. Tal procedimento pode ser visto como uma

maneira de se lançar questões acerca da criação do Observatório. Não seria possível falar a

respeito dele e não se referir àqueles que estiveram envolvidos com a iniciativa de criá-lo.

Eles integravam um grupo social privilegiado na cidade. Atuaram ativamente na imprensa e

influenciavam na formação da opinião de certa parcela da população. Possuíam poder de

articulação e estavam de acordo com o governo vigente e sua política de desenvolvimento.

Os jornais e revistas não são neutros e alheios às tramas da vida coletiva. Eles fazem

parte de um conjunto de iniciativas que reúnem indivíduos da mesma posição social e política

e com projetos coletivos em comum. Por isso, como afirma Tania Regina de Luca, é de suma

importância identificar os grupos responsáveis pelas linhas editoriais, assim como identificar

os colaboradores mais assíduos, os títulos e os conteúdos programáticos.10

10 LUCA, Tania Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes

Históricas. São Paulo: Contexto, 2015, p. 140.

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Tomando como exemplo os dois principais periódicos analisados neste trabalho, o

Folha do Norte e o Feira Hoje, percebemos que ambos identificavam-se com o regime

político vigente. O Folha do Norte, por exemplo, pertencia à tradicional família de Arnold

Silva (1894 –1965). Ele foi proprietário de terras e criador de gado. Na vida política, tornou-

se um dos organizadores do Partido Social Democrático (PSD), no ano de 1933, partido pelo

qual elegeu-se deputado constituinte, foi também vereador diversas vezes. Em 1945,

candidatou-se a deputado federal pela UDN, mas não se elegeu. No poder executivo dirigiu a

cidade em dois diferentes momentos, no primeiro enquanto Intendente (1924-1928) e depois

como prefeito (1959-1962).11

Ao analisar o periódico de Arnold Silva nos anos de 1950, Diego Corrêa constatou que

a postura das publicações era claramente contra o avanço comunista.12 Segundo ele, Helder

Alencar possuía nesse jornal uma coluna anticomunista.13

O Feira Hoje tinha perfil similar. Surgiu no início dos anos de 1970, com o intuito de

noticiar o crescimento do interior do estado. Verificam-se, em algumas edições, argumentos

positivos sobre o golpe, inclusive, considerando o episódio uma revolução que trouxe paz e

progresso.14

O tema da astronomia começou a ganhar destaque na imprensa local na década de 1960

com a criação Sociedade Astronômica Feirense (SAF). Os jornais estimularam essa iniciativa,

a exemplo do Folha do Norte, que noticiava os eventos de repercussão mundial relacionados

aos temas astronômicos. A partir dali a configuração seria outra. Sob uma atmosfera de

esperança em um futuro melhor, em decorrência dos avanços tecnológicos, jovens feirenses

fizeram da cidade de Feira de Santana palco para a implantação do primeiro observatório

astronômico da Bahia.

Desde então, eventos sucessivos ocorreram evolvendo a entidade recém-implantada. O

Antares recebeu visitas e contou com o apoio não só de personalidades do meio astronômico,

mas também de políticos, a exemplo de Antônio Carlos Magalhães – ACM (1927-2007). Ao

constatar o envolvimento direto desse governante, é possível afirmar que o Observatório

vinculava-se aos projetos de desenvolvimento científico e tecnológico lançados durante o

regime. Convém sublinhar que o Antares foi oficialmente criado em 1971, o que coincide

com o período mais tenso da ditadura. No mesmo ano de sua fundação, Carlos Lamarca foi

11 SILVA, Arnold. “Arnold Ferreira da Silva”. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-

biografico/arnold-ferreira-da-silva, acesso em 26 de setembro de 2017. 12 CORRÊA. “O futuro do passado”, p. 21. 13 CORRÊA. “O futuro do passado”, p. 80. 14 Feira Hoje, Feira de Santana, 31 mar. 1972, p.1.

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executado no sertão da Bahia pelas forças de repressão do regime. A crise da instituição e sua

extinção, nos moldes como ela foi pensada originalmente, se deu em data muito próxima do

fim do regime de 1964. Ainda que não se possa considerar determinantes, esses marcos não

podem ser desconsiderados.

Em 1987, foi encerrado o convênio para o repasse de verba do governo estadual,

firmado entre a Universidade Estadual de Feira de Santana e o Antares. Mesmo tendo

recebido muitos visitantes no ano anterior, por conta da passagem do cometa Halley, suas

dificuldades se acentuaram, o que levou a interrupção de suas atividades. O prédio foi, então,

emprestado ao governo municipal, que ali instalou um provisório posto de saúde. Em seguida,

a prefeitura devolveu a tutela do estabelecimento a Augusto César Orrico, alegando não ser

capaz de utilizar e sustentar o Antares com seus propósitos “científicos” iniciais. A alternativa

encontrada foi extinguir a Fundação Antares e incorporar a entidade na condição de órgão

suplementar da UEFS, em 1992.

Quando esta pesquisa era apenas uma ideia, temia-se a dificuldade de localizar as

fontes, tendo em vista que poucos documentos foram encontrados nos passos iniciais da

investigação. Antigos funcionários associam a escassez de registros ao final dos anos de 1980,

período em que o Antares interrompeu as atividades por falta de verba. É possível que, em

consequência dessa circunstância, muitos dados tenham sido perdidos, extraviados ou mesmo

descartados.

Foram encontradas aproximadamente 20 (vinte) cópias de documentos institucionais

nas dependências do Observatório e no arquivo da Reitoria da Universidade Estadual de Feira

de Santana. Trata-se de atas, estatutos, publicações em Diário Oficial e termos de convênio.

Somam-se a esses, conforme já referido, os jornais da época: Folha do Norte, Feira Hoje,

Diário de Notícias e Jornal da Bahia. Desses periódicos, os mais consultados foram o Folha

do Norte e o Feira Hoje. Entre 1969 e 1975, além das várias pautas sobre a temática da

modernidade, foram encontradas 234 matérias que se referem à Astronomia. Dessas, 208

fizeram menção ao Antares ou a Augusto César Orrico.

No jornal Folha do Norte, por exemplo, desde 1969 já se atentava para os fenômenos

astronômicos de importância internacional, conforme pode-se constatar em artigos sobre a

chegada do homem à Lua: “Apolo 8”, de Hélio Barbosa; "Um grande momento", de Eme

Portugal; "Obstinação", de Antônio Nicolau; e, "O futuro chegou", de Helder Alencar. Essa

última destaca-se por se tratar da opinião de um colunista que esteve presente no processo de

criação do Observatório Astronômico Antares. Nos anos que se seguiram, foram encontrados

textos de autoria do próprio César Orrico, além de uma coluna assinada por ele, bem como

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notícias sobre a implantação, atividades e montagem da infraestrutura do Antares. No

periódico Feira Hoje, onde Orrico também tinha uma coluna, era comum encontrar notícias

sobre assuntos astronômicos. Chama a atenção o fato de esses textos serem acompanhados

por imagens ou ilustrações.

Muitos dos jovens da década de 1970, que se envolveram no processo de implantação

do Antares, estavam vivos em 2017 e em condições de relatar as suas experiências.15 Para

esse instante da pesquisa, levou-se em consideração a definição de imagem-lembrança

proposta por Ecléa Bosi, como sendo algo que traz à consciência um momento único,

singular. Algo que teve data certa, uma data definida e foi individualizada.16 Nessa

perspectiva, foram colhidos os depoimentos do astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas

Mourão (1935 - 2014), de três ex-funcionários do Antares: o diretor de fotografia Antônio

Magalhães (1935) e os técnicos Antônio Carlos da Graça (1961) e Ulisses Bezerra (1958).

Além desses, entrevistou-se o mais antigo funcionário da entidade, Francisco Roque (1944),

como também um ex-voluntário da entidade, José Ângelo Pinto (1959). No processo de coleta

de depoimentos, contava-se com o relato de Augusto César Orrico, para esclarecer como se

deu a aquisição do Fotoheliógrafo, instrumento estratégico para observação solar do século

XIX, mas pouca informação foi obtida. Orrico apenas afirmou que havia um documento

tratando do empréstimo, e que estaria no arquivo do Antares. Nessas entrevistas, foram

obtidas informações não só dos objetos materiais, mas também depoimentos e a indicação de

outras fontes, como fotografias, que representam a criação do Observatório Antares e as inter-

relações profissionais e ou pessoais daqueles que estavam envolvidos em todo o processo.

Quando as fontes orais são empregadas, deve-se considerar que indivíduos diferentes

serão entrevistados e eles têm trajetórias de vida muitas vezes contrastantes. É o que se

verifica a partir dos depoimentos de Ronaldo Mourão e Francisco Roque. Ambos revelam

sentimentos distintos ao se reportarem ao uso do Fotoheliógrafo, objeto utilizado para

observar as manchas solares. O primeiro, por se tratar de um cientista, havendo desenvolvido

pesquisas astronômicas, tinha um olhar voltado para a técnica, enquanto o segundo, um

operário, apresentava um relato "romantizado" e nostálgico. Sua história de vida mistura-se

com a trajetória não só do Fotoheliógrafo, mas também com a de outros artefatos e com a

própria entidade.

15 Embora César Orrico tenha sido protagonista nessa história, seu depoimento não foi colhido, mesmo que

tenhamos tentado. Em um dos contatos realizados, em 2013, com objetivo de obter informações acerca do

Fotoheliógrafo, ele não se colocou à disposição para narrar sua atuação nas tratativas sobre aquisição do

instrumento. 16 BOSI, Eclea. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 49.

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Os discursos individuais devem ser considerados nas suas particularidades, pois, ao

mesmo tempo em que fazem parte do passado de cada ex-funcionário ou colaborador, eles

tangenciam a trajetória do Observatório Astronômico Antares de diferentes perspectivas.

Dessa maneira, pode-se dizer que os múltiplos olhares devem ser considerados diante de um

mesmo patrimônio material.

A existência dos registros fotográficos foi sinalizada durante a entrevista realizada

com o astrônomo Ronaldo Mourão. Ele tinha sob sua tutela algumas imagens. No fundo

dessas, foi encontrada uma marca de carimbo com o nome do estúdio de Antônio Ferreira

Magalhães. Ao procurar o fotógrafo, tomou-se conhecimento de que ele possuía mais de 100

negativos que registravam os primeiros anos do Observatório Antares. Nesse sentido, essas

imagens ganharam nessa pesquisa dupla função. Em primeiro lugar, estão operando como

ratificadores da relação entre os principais idealizadores da entidade e os governos do período

militar. Antônio Carlos Magalhães foi encontrado com frequência em imagens que

evidenciaram momentos marcantes da entidade, a exemplo das inaugurações e datas

celebrativas.

Outra propriedade dessas fontes visuais é a intencionalidade de sua produção com o

objetivo de preservar a memória institucional. Parece ser óbvia tal afirmativa, mas ela faz

todo o sentido quando o Antares torna-se o centro da questão. Pois, para atender a esse

propósito, foi criado o cargo de diretor fotográfico. Esta informação está no estatuto da

instituição, elaborado em 1971. No documento, definem-se as competências do Diretor de

Fotografia, que consistiam em conseguir, junto às entidades congêneres, slides, fotografias e

projetores para a exibição de filmes. Além disso, cabia fotografar e divulgar as atividades e

experiências do Observatório. O primeiro e único profissional a ocupar esse cargo foi Antônio

Ferreira Magalhães.

Além dessas fontes, recorremos a duas obras de ficção, como forma de caracterizar a

atmosfera citadina que pairava sobre o processo de implantação do Antares. Em amplo

sentido, elas dão conta do processo de modernização da cidade. Considerando esta

possibilidade, a literatura é constantemente empregada na condição de fonte, pois oferece

representações do que pode ocorrer ou ter ocorrido em relação à vida cotidiana, aos hábitos,

aos costumes, aos valores e às crenças frente ao processo de modernização.

É o caso do romance O bicho que chegou a Feira (1991), de Muniz Sodré.17 Trata-se

de uma obra que narra uma trama ocorrida na cidade de Feira de Santana, mas que poderia se

17 SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1991.

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referir a qualquer outra comunidade urbana da época. Embora não faça qualquer referência ao

Observatório Antares, ela ocupa-se do mesmo período em que a instituição foi criada.

Predominava nesse contexto a ideia de progresso, associada à noção de avanço tecnológico

nos marcos da “modernização conservadora” implementada pelos militares no poder. Nesse

romance de Muniz Sodré são recorrentes as referências ao progresso, entendido como algo

"estrangeiro" e como ameaça ao ritmo da vida local.

Para complementar as representações dessa sociedade da década de 1970, é possível

recorrer também à outra obra literária, O fruto do vosso ventre (1984), do romancista Herberto

Sales. Elaborada nos moldes do “realismo mágico”, o autor cria uma trama situada em uma

ilha que é regida por um governo tecnocrático.18 Há situações em que os governantes

deliberam suas ações sem qualquer consulta à comunidade. Eles justificam suas iniciativas

alegando que estavam amparados por um conhecimento técnico que deveria ser

inquestionável. Trazer essas alegorias, sugeridas por obras ficcionais para o contexto da

criação do Observatório Antares, significa perceber essas narrativas enquanto produto da

sociedade dos anos 1970.

Por meio dessas relações, e considerando-as como produtos da sociedade e do tempo, é

possível dizer que essas obras tratam, em chave ficcional, da chegada de um novo conceito de

progresso em Feira de Santana, que tem como base a tecnocracia, um dos elementos centrais

no governo dos militares.

Para fins de exposição, este trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro,

intitulado “A trajetória de uma entidade astronômica", ocupa-se da atmosfera prévia à

execução do projeto que resultou no Observatório e de sua trajetória inicial, passando pela

institucionalização, táticas utilizadas, pessoas envolvidas, divulgação e extinção, no ano de

1992. Mostram-se nesta seção as circunstâncias que contribuíram para a articulação de jovens

da cidade de Feira de Santana com o objetivo de construir um espaço voltado para

investigações de natureza científica no campo da Astronomia. Seus idealizadores agiram sob

um ambiente de tensão política, decorrente da ditadura no país. Chama a atenção o fato de os

fundadores do Antares atuarem na imprensa local, ocupando diversas posições estratégicas, e

silenciarem sobre a repressão política vivenciada no Brasil. Para esse capítulo, foram

utilizados documentos institucionais que dão conta do processo de criação até a extinção do

Observatório e matérias jornalísticas dos periódicos locais Folha do Norte e Feira Hoje,

datadas de 1970 a 1975, que mostram como ocorreu a divulgação da entidade.

18 SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1984.

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O segundo capítulo, "Antares: sua história através dos objetos", propõe-se a abordar o

processo de montagem da infraestrutura da entidade, o que envolveu compra e recebimento de

doações dos instrumentos utilizados ao longo de sua existência. Os equipamentos são vistos

aqui como uma fonte diferenciada de pesquisa, que exigem uma metodologia específica para

deles se obter informações sobre a trajetória do Observatório. Além de descrever a chegada

desses objetos, esse capítulo contempla também a ideia de se valorizar a trajetória individual

de cada um dos aparelhos obtidos. Quando e como foram incorporados ao patrimônio e sob

que condição, se por compra, empréstimo ou doação, são informações fundamentais para se

acompanhar as dificuldades na montagem de um aparato científico visando atender aos

propósitos da entidade. Esse processo revela também o papel de determinados indivíduos que

tiveram seus nomes vinculados ao Antares em diferentes momentos de sua história.

Consideram-se as pessoas envolvidas, quem os manuseou e os eventos astronômicos em que

eles foram utilizados.

O terceiro capítulo, "Produções, publicações e o fim de uma experiência", analisa as

publicações que levaram o nome da entidade e a escassez dessas produções como indício da

sua decadência. Trata-se de trabalhos que resultaram de observações astronômicas ocorridas

entre os anos de 1970 a 1990. Destacam-se, entre eles, os anuários para os anos de 1979,

1980, 1981, 1984 e 1985; os boletins astronômicos que reúnem a produção conjunta entre

funcionários do Antares com astrônomos de outras entidades, e uma carta celeste produzida

pelo astrônomo carioca Ronaldo Mourão, que foi patrocinada pelo governo do estado à época

e propiciou intensa divulgação na imprensa local quando ocorreu seu lançamento. Se no

primeiro capítulo volta-se a atenção para o processo de implantação da entidade e, no

segundo, acompanha-se a instalação do aparato científico, neste terceiro, examinam-se as

condições de produção e os resultados alcançados, bem como a rede de socialização nesse

processo, considerando-se a reciprocidade entre o Observatório e outras organizações de

maior prestígio científico atuantes no período.

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Capítulo I

A TRAJETÓRIA DE UMA ENTIDADE ASTRONÔMICA

Modernidade, Ciência e Progresso

A ideia de modernidade remete às definições sugeridas por Marshall Berman em seu

livro Tudo que é sólido desmancha no ar:

Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura,

poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das

coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que

temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência

ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e

raciais, de classe e nacionalidade, religião e ideologia: nesse sentindo,

pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma

unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a

todos num turbilhão de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer

parte de um universo no qual, como disse Marx, “tudo o que é sólido

desmancha no ar”.19

A formulação de Berman está presente no mundo contemporâneo nas práticas sociais e

nos diferentes modos de expressão. A prosa de ficção tem se mostrado um dos meios mais

fecundos e recorrentemente empregados para dar conta de como as sociedades lidam com as

experiências da modernização. Sob esse aspecto, no que tange aos argumentos propostos

nesta análise, essas experiências foram objeto de reflexão em três obras de romancistas

baianos, recobrindo o período aqui recortado ou tangenciando suas fronteiras cronológicas.

Duas delas, Setembro na Feira, de Juarez Bahia, publicado em 1986, e O bicho que chegou a

Feira, de 1991, escrita por Muniz Sodré, têm como matéria literária a cidade de Feira de

Santana durante o século XX. Nelas, são narrados episódios que revelam as contradições e

conflitos que marcaram aqueles anos de "desenvolvimento" levado a efeito com vistas à

construção de uma sociedade "moderna".

Outra obra ficcional que merece destaque é O fruto do vosso ventre, de Herberto Sales,

publicado do ano de 1984. Neste romance, a trama desenvolve-se em uma ilha imaginária,

recurso muito comum entre autores que se ocuparam do tema dos avanços tecnológicos

modernos. Assim como em outras obras ficcionais, Herberto Sales lança mão de recursos

19BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução de Carlos

Felipe Moisés, Ana Maria L. Loriatti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 15.

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formais para tratar da presença da tecnocracia na vida moderna, a exemplo das numerosas

siglas grafadas pelo narrador para referir-se aos meios de regulação da sociedade e suas

correlatas formas de dominação e controle da rotina coletiva.

Retomando os romances que se referem diretamente a Feira de Santana e seu entorno,

veem-se, por exemplo, em Setembro na Feira, ambientes sociais em constante transformação,

como também a existência do paradoxal, aspecto que abrange desde posições políticas até os

hábitos das pessoas comuns atingidas em seu cotidiano. Em uma passagem, lê-se: “A

inauguração dos Currais Modelo estimula novidades, até destrói alguns tabus. As mulheres da

rua do Meio, livre, disponíveis, fazem trottoir nos largos passeios dos Currais.” 20

Nessa medida, o mundo real e a ficção aproximam-se e confrontam-se conforme o

ponto vista da interpretação literária. Os romancistas, nas obras aqui empregadas, exprimem-

se de forma crítica em relação às soluções sugeridas por outras formas de discurso

empenhadas em fazer a defesa acrítica do processo de modernização. Basta comparar os

discursos veiculados na imprensa local e os textos literários para se perceber as margens de

divergência de pontos de vista acerca da presença de elementos “modernizantes”. A análise

comparativa do discurso dos periódicos locais com o que se encontra nos textos dos romances

indica que enquanto os artigos jornalísticos tentam induzir a aceitação das novas tecnologias e

avanços científicos, a tessitura literária denuncia os usos e abusos desses novos recursos e dos

valores que eles trazem.

O Antares foi concebido dentro dos propósitos da modernidade almejados por setores

da sociedade, em particular, dos segmentos vinculados à imprensa local e estadual. Embora

não exista qualquer referência a essa organização nas obras ficcionais, predomina nelas a

reflexão crítica da ideia do progresso. O Antares, na condição de símbolo do progresso, na

perspectiva de seus idealizadores, tornou-se alvo direto ou indireto da crítica presente nos

textos literários indicados.

A imprensa no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, teve papel crucial na divulgação da

sensação de que se vivia sob o signo da modernização em âmbito mundial, nacional e local. É

o que se verifica ao se consultar as publicações da época. O tema ocupou amplos espaços e,

por diversas vezes, estampou as capas de revistas de circulação nacional como a Veja ou

figurou em edições especiais sobre o progresso, a exemplo do jornal local Feira Hoje,

conforme se vê em várias matérias publicadas naqueles anos.

20 BAHIA, Juarez. Setembro na Feira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 35.

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29

A Veja produziu duas matérias de capa nessa perspectiva, no ano de 1969. A primeira

delas foi publicada na edição de número 22, de 5 de fevereiro daquele ano. Nela, mostram-se

pessoas com placas na mão como se estivessem em marcha em prol da ciência.21 As placas

estampavam frases como: “todo poder ao computador”, “cientistas no poder” ou “toda glória

aos cientistas”. Ao consultar a matéria, são vistas imagens de Newton, Galileu e

Oppenheimer, acompanhadas de um longo texto com a seguinte frase em destaque: “A

sociedade industrial fez surgir o operário, a sociedade pós-industrial vê aparecer o cientista, o

homem mais importante desse século. Aplaudido, cumprimentado, promovido, o cientista

deverá cada vez mais assessorar os donos do poder”.22

Figura 1: Capa Revista Veja Marcha da Ciência

Fonte: Revista Veja, 5 de Fevereiro de 1969. Acervo Digital Veja. Acesso em: 04/08/2016

Meses depois, a temática tomou novamente a capa da Veja. Dessa vez ela veio por

meio de uma área específica da ciência, a Astronomia, que estava em alta devido à chegada

do homem à Lua. A edição foi a de número 47, do dia 30 de julho de 1969.23 O que chama a

atenção nessa publicação é a imagem principal da capa. Trata-se de um capacete de

astronauta, formado por um conjunto de outras imagens, como rostos de personalidades

políticas, referências a guerras que estavam ocorrendo naquele momento (Vietnã e Biafra),

mulheres desfilando em passarelas e crianças negras com semblantes sofridos. Sugere-se que,

apesar de todos aqueles fatos, o que importava era justamente a chegada do homem à Lua.

21 Veja, São Paulo, 5 fev. 1969, p. 38-41. 22 Veja, São Paulo, 5 fev. 1969, p.38. 23 Veja. São Paulo, 30 jul. 1969, p. 31-37.

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30

Figura 2: Capa Revista Veja Viagem à Lua

Fonte: Revista Veja, 30 de julho de 1969. Acervo Digital Veja. Acesso em: 04/08/2016

A mensagem da capa se complementa com a indagação trazida na primeira página da

matéria. Ela mostra um astronauta e, logo abaixo dele, a seguinte frase: “QUE FUTURO

TRAZ ESTA LUA? Os cientistas falam em uma nova era. Os astronautas voltam e encontram

a mesma Terra com suas contradições. Nas quinze páginas seguintes, as informações e

inquietações desse futuro”.24

No jornal Feira Hoje, a temática da modernidade aparece em várias edições atrelada à

palavra progresso. Nesse periódico, a incerteza não era evidente, tinha-se lugar apenas para

divulgar os pontos positivos do desenvolvimento da cidade e da região. No dia 4 de setembro

de 1971, o Feira Hoje comemorou um ano de existência. Nessa data, os dirigentes do jornal

reafirmaram os propósitos de sua fundação: a cidade carecia de um veículo de comunicação

para divulgar os avanços que ela estava fazendo:

Todos nós sabemos que a Feira de Santana cresce em todas as

dimensões e em todos os sentidos. A sua posição, hoje, não é, apenas, a de

uma cidade comum que arrancou para o futuro. É a de líder inconteste de

uma região. E aí reside a sua grande responsabilidade e a de todos que aqui

trabalham.

Faltava, entretanto, um órgão de divulgação que assumisse a

vanguarda das reivindicações maiores do povo da Feira de Santana e da

região. Um jornal que levasse uma mensagem de esperança, de fé, de

confiança no porvir

24 Veja. São Paulo, 30 jul. 1969, p. 31.

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31

Foi isso que nos propomos há um ano, quando lançamos nas ruas o

primeiro número do FEIRA HOJE. Com consciência de nossa missão e

certos das dificuldades que encontraríamos para que a terra de todos nós

tivesse um jornal à altura do desenvolvimento.25

Nessa mesma perspectiva, pode-se também mencionar a edição do dia 30 de março de

1972. Nela, além de se exaltar o desenvolvimento, atribuiu-se à “revolução” de 1964, os

méritos pelos sucessos então alcançados. A edição foi considerada especial. O primeiro texto

vem em letras garrafais, assim como o título “OITO ANOS DE PAZ E PROGRESSO”.26

Na matéria, ressalta-se que ao se comemorar mais um aniversário da "revolução" de

31 de março de 1964, o país contava com um saldo positivo de amplas realizações que

contribuíram decisivamente para acabar com os problemas da nação e impulsionar o

desenvolvimento. Destacava-se também que o Brasil teria se reencontrado com a sua vocação

de grandeza e estava marchando firmemente para construir o seu destino. Segundo o texto, o

significativo saldo de realizações em prol da comunidade brasileira e de sua arrancada para o

desenvolvimento devia-se ao esforço comum no trabalho inadiável de edificação de um Brasil

unido, próspero e forte, que foi sentido também nos mais recônditos municípios do país. Por

fim, afirmou-se que aquele caderno especial iria mostrar o que estava sendo feito pelos

homens simples do interior baiano, que se encontravam perfeitamente integrados na

aceleração do progresso, em busca de paz, prosperidade e do desenvolvimento harmônico do

Brasil.

Essa modernidade, defendida pelo periódico Feira Hoje, é aquela que Berman

denomina de um “entusiasmo cego e acrítico”.27 O discurso era potencializado pela imprensa

ao divulgá-lo em ampla escala. Em sua maioria, ele era produzido pelos próprios dirigentes

do Estado.

A postura dos periódicos locais, regionais e nacionais faz pensar sobre a influência que

eles exerceram na construção de imagens, ideários ou na desconstrução de crenças. A

imprensa e a ciência surgem como marcas profundas da modernidade e trabalham, em larga

medida, em prol dela.

A trajetória de uma entidade como o Observatório Antares poderia ser compreendida,

se assim fosse o desejo, apenas utilizando os periódicos. Pois, como afirma Tania Regina de

25 Feira Hoje, Feira de Santana, 4 set. 1971, p.2. 26 Feira Hoje, Feira de Santana, 30 mar. 1972, p.1. 27 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. p. 24.

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Luca, eles selecionam, ordenam, estruturam e narram, de uma determinada forma, aquilo que

se elegeu como digno de chegar até o público.28

Vários indivíduos que escreveram nos periódicos baianos de então assumiram o papel

a que se refere Tania de Luca. Eles entendiam que o empreendimento era digno de tornar-se

público, porque trazia os traços da modernidade desejada nos anos de 1960 e 1970. Uma

instituição à altura do seu tempo, que condizia com as novas descobertas científicas e

tecnológicas.

Não se pode perder de vista o comprometimento do projeto do Antares com o poder,

tanto político como simbólico. Nessa perspectiva, cabe lembrar a noção de poder simbólico

sugerida por Pierre Bourdieu. Segundo ele, há que se considerar o "[...] poder invisível o qual

só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão

sujeitos ou mesmo que o exercem”.29

Os periódicos aqui examinados desempenharam um papel de poder exercendo

influência sobre determinados segmentos ou grupos sociais. Ressalta-se, porém, que linhas

discursivas alternativas ao que defendiam os jornais vieram à luz por outros dispositivos. É o

caso, conforme analisado, das abordagens literárias que emergiram no período estudado.

Nelas, os próprios periódicos e seus assuntos entram como elementos das narrativas

ficcionais. No romance Setembro na Feira aparecem o Correio Feirense, o Folha do Norte e

o Serviço Feirense de Alto-falantes. Há, na trama, um fragmento em que esse último

propunha uma programação especial devido à inauguração dos Currais Modelo,

estabelecimento que, para os poderes locais, significava uma conquista moderna:

É um dia memorável. O Serviço Feirense de Alto- falantes repica o hino à

Feira em cada intervalo como um sino de incessante a badalar. O povo

concentra-se admirado e atento em frente aos aparelhos, funis gigantes, de

amplificação do som, uma curiosidade tão grande quanto os currais novos

com suas cercas padronizadas [...]. 30

No livro O bicho que chegou a Feira, destaca-se o Jornal da Bahia. No enredo, há

duas notícias sobre Feira de Santana. A primeira narra uma fuga com troca de tiros e a

28 LUCA, Tania Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos. p.111-153. 29 BOURDIEU. Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Editora BERTRAND,

1989. p.7-8. 30 BAHIA, Juarez. Setembro na Feira. p. 34.

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33

segunda se refere a uma grande reportagem acerca do pólo industrial que se planejava instalar

na cidade.31

Já no romance O fruto do vosso ventre, a imprensa aparece enquanto criação do

próprio governo, sob alegação de que o povo deveria ser seguramente informado, com

notícias exatas, sem desencontros. Para isso, havia na ilha três jornais: O Jornaltec, A

Tecnocracia e o Estado Tecnocrático, além de duas estações de rádio, um canal de televisão e

um órgão criado pelo governo, o Cenint (Complexo Estatal da Notícia Integrada).32 Nos três

casos, as narrativas reportam-se a elementos que caracterizavam os avanços modernizadores,

dos quais a imprensa se ocupava e defendia como uma saída para o atraso da região, nos

termos da política do regime em vigência.

Esses três romances foram produzidos por baianos do interior que tiveram atuação

profissional na imprensa. Com o Antares, não foi diferente. Dos 14 dirigentes eleitos para

compor a diretoria da entidade, seguramente 7 deles, atuavam na imprensa local e regional,

inclusive, o diretor e fundador da instituição, Augusto César Orrico que, conforme

mencionado possuía colunas em dois periódicos da cidade, o Folha do Norte e o Feira Hoje.

Se no âmbito da ficção constatam-se críticas acerca da ideia de progresso, na

imprensa, há produção de artigos quase diários em defesa contundente da modernização em

curso naqueles anos, agregando proprietários de jornais, jornalistas e o poder local, estadual e

nacional. Cabe retornar, portanto, ao “entusiasmo cego e acrítico”, sugerido por Berman.

No jornal Folha do Norte chegou-se a publicar um pronunciamento do Presidente

Médici, reiterando o “entusiasmo”. A matéria intitulada “Presidente Médici Acha Que Este

Ano Teremos Maior Progresso” revela o otimismo do governo em relação ao ano que se

iniciava, 1972.33 Nela, consta que o Presidente em pronunciamento à Nação, devido à chegada

do Ano Novo, declarou que 1972 possuía todas as condições internas para manter o ritmo

ascendente de “crescimento”, e que isso, para ele, era uma alegria, pois certamente estava-se

construindo “um grande país”.

Nessa mesma perspectiva, publicou-se também o depoimento do presidente do Banco

do Nordeste, Rubens Costa, em um pronunciamento para a imprensa baiana. De acordo com o

texto, o presidente afirmava que era necessário incentivar o avanço da tecnologia, pois com a

economia orientada por ela, atingir-se-ia mais rapidamente um estágio ideal de

desenvolvimento. Ele afirmou também que caberia aos brasileiros encontrar as respostas

31 SODRE, Muniz. O bicho que chegou a Feira. p. 147. 32 SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre. p. 16. 33 Folha do Norte, Feira de Santana, 29 jan. 1972, p.2.

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adequadas para a solução dos problemas tecnológicos de cada região e, para atingir esse

objetivo, era imprescindível a aceleração do desenvolvimento da ciência. Rubens Costa foi

categórico ao declarar que a tecnologia era exigência do desenvolvimento e que, naquele

momento, o país estava em situação de importador, sendo obrigado a pagar “royalties” às

nações desenvolvidas. 34

Para a solução dos problemas que dificultavam a modernização do país, tornou-se

quase um consenso depositar, cada vez mais, esperança na ciência e na tecnologia. É o que se

percebe na matéria “Problemas Educativos: Solução Tecnológica”, do Folha do Norte.35 De

acordo com ela, o Departamento de Assuntos Educacionais da Organização dos Estados

Americanos afirmou que os problemas educacionais da América Latina deveriam ter uma

solução tecnológica. Para eles, a moderna tecnologia permitiria usar com mais eficiência os

recursos em função da educação. Cada país possuiria seus próprios recursos e suas metas

educacionais.

O contraponto da visão otimista acerca da ciência e da técnica encontra-se bem

demarcado no terreno ficcional, sobretudo de escritores que integravam o universo do

jornalismo, conforme já referido. Em O Fruto de Vosso Ventre há situações em que os

governantes deliberam suas ações sem qualquer consulta à comunidade. Eles justificam suas

iniciativas alegando que estavam amparados por um conhecimento técnico que deveria ser

inquestionável.

Nessa narrativa, a primeira tomada de decisão dos detentores do poder foi o

extermínio dos coelhos. A população desses roedores estava tão alta, que superava a dos

humanos. Esse aumento acarretou a necessidade de mais alimentos, e os coelhos estavam

consumindo quase a totalidade das hortaliças da ilha. Por esse motivo, os técnicos decidiram

atraí-los para uma parte da ilha e bombardeá-la, causando a extinção dos animais.

Em seguida, outro problema surge: “(...) os homens começaram a procriar quase tanto

quanto os coelhos. E no fim de algum tempo, do mesmo modo que os coelhos tinham sido

uma ameaça à sobrevivência dos homens, os homens passaram a ser ameaça à sobrevivência

de si próprios, pois havia homens demais para comer”. 36 No entanto, eles não poderiam fazer

com os humanos o que fizeram com os coelhos. “Afinal, um homem era um homem, e um

coelho era um coelho”.37

34 Folha do Norte. Feira de Santana, 01 ago.1970, p.2. 35 Folha do Norte. Feira de Santana, 09 jan. 1971, p.1. 36 SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre, p.7. 37 SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre, p.7.

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35

A solução então encontrada pelos técnicos foi criar um departamento de controle de

natalidade. Dentre as deliberações desse órgão consistia em exigir que todas as mulheres

grávidas passassem por uma avaliação de especialistas, os quais julgariam se a gestação

deveria ou não ser interrompida. Se já estivessem passados três meses, o processo natural

daria seguimento, caso negativo, o feto seria retirado.

Essas soluções podem ser entendidas como “a voz que denuncia a vida moderna”,

definida por Marshall Berman, quando ele afirma que “[...] a própria modernidade criou, na

esperança – não raro desesperançada – de que as modernidades do amanhã e do dia depois de

amanhã possam curar os ferimentos que afligem o homem e a mulher modernos de hoje.”38

Ao se estender essas reflexões para o contexto da criação do Observatório Antares,

percebe-se o quanto as narrativas ficcionais ajudam a compreender os diversos sintomas da

modernidade. Não interessa nesse momento a veracidade dos episódios descritos nas obras,

mas sim, perceber os imaginários que elas procuram expressar.

O governo militar dos anos de 1960 era seguramente tecnocrático. O seu projeto

passava pela seguinte tríade: ciência, tecnologia e educação. José Eduardo Ferraz Clemente

afirma:

Se por um lado, como sabemos, o golpe-civil militar, instaurado a partir

de 1964, prendeu, torturou, exilou, cassou direitos políticos e suprimiu a

liberdade de expressão da sociedade brasileira, de forma geral; por outro

lado, os mesmos generais – presidentes e a política científica por eles

implementada, apostava na planificação e articulação entre ciência,

tecnologia e educação superior, como medidas de desenvolvimento.39

Clemente usa a definição de Francisco Carlos Teixeira da Silva para dizer que esse

sistema de governo foi uma espécie de “modernização autoritária”. Nessa época, ocorreram

investimentos por meio da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), sob alegação de ser

uma estratégia em prol da segurança nacional e de interesse das comunidades científicas.

Os periódicos locais mostram que o incentivo dos militares para a implantação do

Antares não chegou por meio de uma agência financiadora como o FINEP, pois, apesar de

tratar-se de um Observatório Astronômico, não havia astrônomos formados em seu corpo

principal, e sim amadores. A ajuda foi pessoal, mas nem por isso menos política. Ao tomar

38 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar, p.22-23. 39 CLEMENTE, José Eduardo Ferraz. “A ciência durante a ditadura militar: a criação da pós-graduação na

Universidade Federal da Bahia e o caso da Geofísica (1964-1985)”. In: ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro.

Ditadura Militar na Bahia: Histórias de autoritarismo, conciliação e resistência. Salvador: EDUFBA, 2014,

p.183 -199.

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conhecimento da ideia, o governador Antônio Carlos Magalhães prometeu ajuda e cumpriu.

Além de fazer repasses consecutivos para a construção, estava com frequência presente em

eventos da instituição.

Foco Astronômico

O interesse pelas questões astronômicas estava presente no cenário do município de

Feira de Santana antes mesmo da fundação do Observatório Astronômico Antares. Durante a

década de 1960, a discussão sobre astronomia vinha conquistando espaço entre jovens

amadores que, à época, despertaram interesse por essa ciência. Nesse período, foi fundada a

Sociedade de Astronomia Feirense e publicadas diversas reportagens na imprensa local acerca

da temática. No jornal Folha do Norte, temas relacionados à astronomia ocupavam com

frequência as páginas principais, noticiando-se eventos astronômicos de repercussão

internacional. Em 4 de janeiro em 1969, por exemplo, há na primeira página do jornal uma

matéria intitulada “Apolo 8”, escrita por Hélio Barbosa, que destaca os avanços da

humanidade na descoberta do espaço.

Segundo o autor, era dispensável explicar o que seria Apolo 8:

Apolo 8 foi durante a semana passada manchete de primeira página

em todos os jornais do mundo. Portanto não é preciso que se comente

sobre esta espaçonave e seus tripulantes, porém é orgulho para toda

humanidade sentir a grandeza desta façanha através do espaço, porque

veio provar que é imprevisível o limite da capacidade humana

principalmente no que toca à ciência.40

Comentários como esses eram seguidos de considerações nas quais os autores

depositavam esperança em um futuro sem desigualdades e guerras, ressaltando, ao mesmo

tempo, fé em Deus e nos avanços científicos. Ainda nessa reportagem Barbosa afirmou que

Deus jamais esteve tão presente como naquele momento, por meio da inteligência dos

cientistas que descobriram o transporte interplanetário.

Passagens como essas que evocam ao mesmo tempo a figura de Deus e

desenvolvimento científico, remetem às considerações do sociólogo Anthony Giddens, de que

40 Folha do Norte, Feira de Santana, 4 jan. 1969, p.1.

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no mundo moderno não há necessariamente a morte da tradição. Ainda que contrários, elas

coexistem. 41

Meses depois, em uma matéria de Eme Portugal, intitulada “Um grande momento”, a

figura divina e a ciência foram também mencionadas enquanto causa para a chegada do

homem à Lua.42 Segundo esse autor, aquele instante era privilegiado. Para ele, novos tempos

iriam surgir, a história seria mudada e muita coisa passaria a ser ridícula. Eram eles, os

habitantes da Terra daquele tempo, os mais privilegiados seres da história, pois estavam

assistindo ao maior evento, a maior epopeia, a maior conquista da história. Para Portugal,

todos deveriam viver intensamente aquele momento grandioso. Nenhum fato, nenhum

detalhe, deveria ser deixado de lado. As notícias deveriam ser acompanhadas das mais

diversas formas: no rádio, na TV, nos jornais e nas revistas. Assim, eles seriam as

testemunhas daquela hora histórica que transformaria o mundo.

Essa atmosfera de consagração continuou a ser alimentada. Sete dias após o

comentário de Eme Portugal, Hélder Alencar, em 26 de julho de 1969, ocupou a primeira

página do jornal, abordando o mesmo tema. A matéria foi intitulada “O futuro chegou”. Nela,

Alencar narrou, em poucas palavras, a trajetória da conquista espacial feita pelo homem,

iniciada pelas missões não tripuladas, seguida do envio de animais, culminado nas viagens

duplas e triplas, até o ser humano chegar, enfim, à Lua. Motivado por tais avanços, o

articulista também acreditava que os novos tempos haviam chegado. Para ele, era preciso

entender que eles estavam na era espacial e as carnificinas da Biafra e do Vietnã já não seriam

mais admissíveis. Enquanto os heróis do espaço arriscavam-se para engrandecer a raça

humana, outros eram jogados miseravelmente nos campos de batalha.43

Outra referência que merece destaque é a notícia publicada em uma coluna do jornal

Folha do Norte, sobre um concurso infantil denominado “Dandar na lua”, ocorrido no Centro

Recreativo Monsenhor Almicar Marques, entre 19/11/1969 e 19/07/1970. A notícia vem

acompanhada por uma fotografia com os garotos Antônio Leilson de Castro Ramos

(representando o Brasil) e Hélcio Fernando Pereira (representando os Estados Unidos), como

é possível ver a seguir:

41 GIDDENS, Anthony. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Tradução: Luiz Alberto

Monjardim. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p.20 42 Folha do Norte, Feira de Santana, 19 jul. 1969, p.1. 43 Folha do Norte, Feira de Santana, 26 jul. 1969, p.1.

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Figura 3: Apresentação em encerramento do Concurso “Dandar na Lua”

Fonte: Jornal Folha do Norte, 15 de agosto de 1970. Arquivo do Museu Casa do Sertão

Segundo a matéria, os meninos apresentaram durante o encerramento do concurso o

pequeno diálogo:

BRASIL: Aí tens Estados Unidos, meu país irmão, a festinha que pelo

transcurso do primeiro aniversário da chegada dos teus filhos Armstrong,

Collins e Aldrin na Lua, eu te ofereço através do Centro Cultural Recreo-

Educativo Monsenhor Almícar Marques.

ESTADOS UNIDOS: Muito Obrigado, Brasil, por esta festa que

começou no dia em que teu filho Alberto Santos Dumont deu o primeiro

passo no espaço. Cordialmente agradeço-lhe por mais essa prova de amizade

que nos une hoje e há de nos unir para sempre por laços indestrutíveis. Muito

obrigado.44

Além dos acontecimentos de repercussão mundial, foram trazidos para o cenário

feirense nomes de astrônomos e instituições astronômicas brasileiras. Tais reportagens

mostram a presença cada vez mais intensa da astronomia nos canais de comunicação local.

Não apenas os grandes acontecimentos estavam sendo noticiados, mas também situações do

cotidiano, o que aproximava cada vez mais Feira de Santana da astronomia. No Folha do

Norte, chegou-se a divulgar, por exemplo, o recebimento de uma correspondência do diretor

do Observatório Astronômico Aldebaran. A carta foi destinada a Augusto César Orrico,

futuro responsável pela criação do Observatório Antares, em 1971. Em matéria escrita pelo

próprio Orrico, intitulada “Astronomia Brasileira”, publicada em 7 de março de 1970, consta

o seguinte relato:

44Folha do Norte, Feira de Santana, 15 ago.1970, p.3.

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Há poucos dias recebemos correspondência do confrade Francisco

Coêlho Filho, Diretor do Observatório Astronômico Aldebaran, dando-nos

notícias das atividades astronômicas levadas a efeito naquele conceituado

observatório que é reconhecido como um dos mais destacados dentre os seus

congêneres do País, pela emissão de dados concorrentes ao campo da

astronomia.

O Aldebaran esteve em franco e apreciável trabalho de estudos,

observações, comunicações e correspondências no ano de 1969, obtendo

dest’arte mais um voto de confiança da Liga Latino Americana de

Astronomia, a qual é filiada.

O fabuloso observatório ganhará novas instalações, mais ampliadas e

com mais aparelhos modernos, o que sem dúvida aumentará a

progressividade deste conceituado observatório.

Durante o ano passado foram feitas mais de sessenta demonstrações

de astronomia a visitantes, revelando assim grande destaque entre os

demais.45

Ainda no mês de março, César Orrico fez outra aparição no periódico, na condição de

autor e portador das notícias astronômicas. Na oportunidade, divulgou a passagem do cometa

BENNETT. O texto é destacado pela manchete “Cometas visitam a Terra”. No seu conteúdo,

estão informações acerca de quem o descobriu, quando foi visto pela primeira vez, como

seriam suas características observacionais e quando os brasileiros poderiam avistá-lo. Orrico

também afirmou que tal fenômeno trouxe mais dinâmica às atividades astronômicas não

remuneradas. Ao final, ele destacou que as informações eram oriundas do Observatório do

Capricórnio, de São Paulo.46

Essas reportagens parecem ter funcionado como uma prévia dos próximos capítulos

da astronomia em Feira. Ainda em 1970, essa ciência passa a ter no Folha do Norte uma

coluna semanal intitulada “Astronomia em Foco”. O primeiro registro encontrado dela foi em

julho de 1970. Essa coluna não ocupou apenas as páginas desse periódico, ela também

marcou presença no jornal Feira Hoje, órgão fundado àquele ano. Nas duas publicações, as

reportagens eram assinadas por Augusto César Orrico.

A coluna destinava-se a abordar, como o próprio título sinaliza, assuntos

astronômicos. Explicavam-se termos específicos e fenômenos esporádicos, bem como faziam-

se previsões mensais sobre o céu. Essa última temática recebia o subtítulo de “efemérides”.

Ao fim de cada efeméride aparecia geralmente a origem daquelas informações, citando as

instituições que forneciam os dados e as publicações consultadas. Foram frequentes os

registros dos nomes do Observatório Astronômico Flamarion Matias Barbosa, da Sociedade

45 Folha do Norte, Feira de Santana, 7 mar. 1970, p.1. 46Folha do Norte, Feira de Santana, 28 mar. 1970, p.1.

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de Astronomia da França, e os anuários pertencentes ao Observatório Nacional do Rio de

Janeiro e ao Observatório de São Paulo.

Ato de Fundação

Antes de analisar os episódios que marcaram a criação do Observatório, vale reportar-

se à situação política local. Em 1971, tomou posse o prefeito Newton da Costa Falcão, que

chegou a inaugurar o novo Sistema de Abastecimento de Água do Paraguaçu, obra iniciada no

governo anterior, de João Durval Carneiro, com o apoio do ex-governador Luís Viana Filho.47

A administração de João Durval Carneiro destacou-se por possuir um Plano Local de

Desenvolvimento Integrado, que indicava as necessidades do município.48 Desse período

também são o Centro Industrial do Subaé, o bairro Cidade Nova e obras de higienização.49

Corrêa afirma que esses empreendimentos faziam parte de uma estratégia “[...] para

concretizar um projeto de “modernização” local, [que] deveria articular a inserção da cidade

no plano nacional de modernização conservadora e descentralização da indústria, que previa o

Nordeste como um dos pontos a se beneficiarem de pólos industriais. ”50 Segundo o autor,

naquela época, “a cidade deveria progredir por fatores simultaneamente endógenos e

exógenos, ou seja, a articulação local dos setores econômicos para sua integração, junto à

articulação com programas de financiamentos e grupos externos ao município para conseguir

trazer os benefícios necessários à consolidação do projeto.”51

Nesse sentindo, pode-se afirmar que o Antares estava inserido nessa sequência de

novos empreendimentos que visavam a modernização da cidade. No entanto, essa ideia de

que a entidade fazia parte de um processo maior de modernização ocorrida nos anos de 1970,

apoiada pela ditadura militar, que visava desenvolver o interior do país por meio da ciência e

tecnologia não fica claro nos periódicos, ao abordarem a trajetória da entidade. Para a maioria

dos articulistas, o Antares teve como idealizador Augusto César Orrico, que iniciou as

observações, ainda no terraço de sua casa, aos 15 anos de idade. 52 E assim cristalizou-se a

figura de Orrico como a de alguém que se sobressai na condição de protagonista do projeto e

de sua implementação. A história que se construiu a partir do relato daqueles que tomaram a

47 PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Pequena história de Feira de Santana. Feira de Santana: Fundação

Senhor dos Passos, 2011. p.54. 48 PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Pequena história de Feira de Santana. p. 55. 49 CORRÊA. “O futuro do passado”, p.11. 50 CORRÊA. “O futuro do passado”, p. 65. 51 CORRÊA. “O futuro do passado”, p. 111. 52 A Tarde, Salvador, 5 jun. 1991, p.14.

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iniciativa de implantação do Antares, sobretudo o que foi registrado pela imprensa,

certamente produziu silenciamentos. Há outras narrativas que, mesmo não reduzindo a

importância de Orrico, apontam outros nomes. É o caso, por exemplo, de Carlos Bacelar, que

esteve nas origens do Antares, mas que desaparece dos registros consultados. Em 2009, ele

produziu um depoimento em que reivindica para si um papel de destaque nesse enredo e alega

haver sido excluído por César Orrico, do primeiro registro fotográfico do Observatório, no

momento em que se divulgou o evento na imprensa.53 Em função de desentendimentos,

Bacelar teria, segundo a matéria, decidido afastar-se da entidade.

Há um outro exemplo que chama a atenção pelas suas dimensões sociais. Trata-se do

caso do pedreiro Francisco Roque. Ele conta em suas lembranças mais recentes que esteve

presente ao longo toda a história do Antares, ocupando as mais diferentes funções. Sua

participação é confirmada pela constatação de sua presença em vários registros fotográficos,

mesmo que seu nome não tenha sido mencionado. Uma circunstância exemplar de sua

presença na entidade aparece em uma das imagens que celebram a inauguração do

Observatório.

Figura 4: Francisco Roque observando a solenidade de inauguração ao lado da cúpula principal no segundo plano

Fonte: Jornal Folha do Norte, 17 julho de 2009. Arquivo Biblioteca Municipal de Feira de Santana

Apesar da imagem acima referir-se à inauguração ocorrida em 6 de novembro de

1974, já em 1971 a astronomia ganhou endereço fixo na cidade de Feira de Santana. No dia

16 de março daquele ano, reuniram-se para a fundação do Observatório os autodenominados

53 Folha do Norte, Feira de Santana, 17 jul 2009, p.11.

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amadores em astronomia e os interessados no novo empreendimento. Segundo a ata da

primeira reunião, a entidade teria a sigla OAA e seria uma sociedade científica e experimental

sem "casta política e ou religiosa", de caráter amadorista, separação impossível de se efetivar,

mas muito utilizada por aqueles que se diziam cientistas modernos. Ao discutir as relações

entre a ciência e a política, Bruno Latour afirma: “Quanto menos os modernos se pensam

misturados, mais se misturam. Quanto mais a ciência é absolutamente pura, mais se encontra

intimamente ligada à construção da sociedade”.54 Nesse sentido, na trajetória do Antares, a

ciência e a política não somente se articularam como, em algumas situações, esta se sobrepôs

àquela.

O entrelaçamento entre a esfera política e a “científica” revela-se na própria mesa

encarregada de presidir o evento de criação do Observatório em 1971. Ela foi composta pelo

advogado e vereador Roque Aras, como presidente, o empresário Emilson Fernandes Falcão e

o advogado Milton Bellas Vieira, ambos secretários.55Em seguida, um dos presentes, o

estudante Augusto César Orrico, a quem se reconhecia ter mais experiência no assunto, foi

convidado para justificar a necessidade de criar-se um Observatório amadorista na cidade. A

ata registra que ele respondeu a numerosas perguntas da platéia acerca da astronomia e da

nova entidade a ser implantada.

Apesar de a solenidade ter ocorrido no mês de março de 1971, a criação da entidade só

ganhou publicidade na imprensa local mais de um mês depois. O evento foi noticiado

primeiro no dia 30 de abril de 1971, pelo jornal Feira Hoje. A reportagem intitulada “Feira

terá Observatório” vem acompanhada de uma imagem do Observatório Flamarion, de Minas

Gerais, com um homem manipulando uma luneta de uma sala de teto removível. O conteúdo

da matéria é sucinto. Ela informa que na cidade seria construído um observatório, o primeiro

da Bahia, e que receberia o nome Antares, em virtude da estrela que representa o estado na

bandeira nacional. Ela diz também que o Arquiteto Everaldo Cerqueira seria o responsável

pela obra, César Orrico foi destacado enquanto Diretor fundador, acompanhado de José

Olímpio e Mário Lobo. Por fim, relata que a entidade estava em vias de adquirir um

telescópio de 150 mm, oriundo dos Estados Unidos e semelhante ao do Observatório

Flamarion, conforme o da imagem que segue: 56

54 LATOUR, Bruno. Jamais formos modernos. p. 47. 55 OBSERVATORIO ASTRONOMICO ANTARES. Feira de Santana. Ata n. 1. Ata da criação do Observatório

Astronômico Antares, 16 de março de 1971. p. 3. 56 Feira Hoje, Feira de Santana, 30 abr. 1971, p.3.

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Figura 5: Telescópio do Observatório Flamarion

Fonte: Jornal Feira Hoje, 30 de abril de 1970. Arquivo da Biblioteca Municipal de Feira de Santana.

Aproximadamente um mês depois, no dia 22 de maio de 1971, o jornal Folha do Norte

também noticiou a criação da entidade, através da coluna “Astronomia em Foco”. Em matéria

extensa, o texto dispôs do mesmo subtítulo da manchete do periódico Feira Hoje: “Feira terá

um Observatório”. Com mais detalhes, a matéria informou, por exemplo, que o objetivo

principal da entidade era difundir a ciência astronômica no estado, que até aquele momento

estava alijada do cenário regional. Segundo a reportagem, com o Antares, os cidadãos

feirenses poderiam se orgulhar, pois o município tornar-se-ia “satélite do desenvolvimento

científico do estado”.

Apesar de as matérias exaltarem o primeiro instrumento astronômico do Antares como

sendo oriundo dos Estados Unidos constatou-se, a partir das entrevistas com os ex-

funcionários e ex-voluntários, que o tal telescópio era de segunda mão. Antes de pertencer ao

Observatório, fora utilizado pelo astrônomo Nelson Travinik.

O fotógrafo Antônio Magalhães relembrou, inclusive, os pormenores da negociação.

Segundo ele, o objeto foi adquirido quando ele e Orrico conheceram Nelson Travinik durante

um seminário de fotografia astronômica, realizado na Faculdade de Juiz de Fora. Magalhães

afirmou que Travinik possuía um telescópio e queria “passar para frente”.57

57 Entrevista concedida em 7 de junho de 2013

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Ângelo Pinto e Ulisses Bezerra confirmaram a procedência do primeiro instrumento

do Antares. 58Este último relatou, ainda, que o aparelho possuía uma montagem equatorial

muito instável. Segundo ele, ao direcionar o telescópio para algum objeto celeste, não havia

uma compensação com o tempo. Dessa maneira, Ulisses afirmou que, com esse aparelho, não

havia como fazer muita coisa, principalmente no que se referia a registros fotográficos dos

fenômenos

Com relação à escolha do nome do Observatório, chama a atenção o fato de o termo

“Antares” já ter sido utilizado em outra entidade, no Uruguai. Questiona-se aqui, até que

ponto César Orrico e quem o auxiliou na escolha tinham conhecimento da existência dessa

organização. Ao que parece, ela era reconhecida em território brasileiro, pois, com frequência,

fazia previsões meteorológicas para as datas festivas, como o carnaval, e essas eram

noticiadas em periódicos de grande circulação.

No entanto, as reportagens não davam credibilidade aos dados fornecidos pelo

Observatório de Antares do Uruguai. O Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, publicou em 3

de fevereiro de 1970, uma matéria descredenciando os dados daquela entidade. Grafada em

caixa alta, “O ANTARES NÃO EXISTE”, a matéria alegava que a previsão anunciada pelo

Observatório uruguaio para os dias de carnaval era falsa, pois, segundo o Coronel Roberto

Venerando Pereira, diretor do Escritório de Meteorologia do Ministério da Agricultura, não se

baseava em nenhum critério científico. Textualmente, afirmou que a Meteorologia era uma

ciência que tinha suas falhas, mas era uma ciência. Para o Coronel, isso deveria ser encarado

sob esse prisma. Caso negativo, não se teria condições de partir para superar as dificuldades e

aperfeiçoar os métodos disponíveis. 59

Ele lamentou também que a imprensa brasileira desse atenção às previsões de uma

entidade fantasma como o Observatório de Antares, mesmo já tendo sido alertada por diversas

vezes do seu descrédito. Ressaltou, ainda, que o Observatório não existia, resumindo-se a

certo senhor Robles, que fazia as previsões e as divulgavam. Elas, por sua vez, não possuíam,

sequer, a credibilidade do serviço de Meteorologia do próprio país, o Uruguai.

No ano de 1969, o Coronel Venerando chegou a enviar um ofício ao Serviço Oficial

de Meteorologia, protestando contra as previsões alarmistas do Antares. Em resposta, o órgão

lamentou o fato, alegando não ser possível adotar medida legal contra o senhor Robles, pois,

assim como o Brasil, o Uruguai não tinha a profissão de meteorologia regulamentada.

58 Entrevistas concedidas em 25 e 26 de outubro de 2017 59 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 3 fev. 1970, p.3.

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Fica então a pergunta: será que o astrônomo que indicou o nome a César Orrico tinha

conhecimento da má reputação do Observatório Uruguaio? Se sabia, parece ter

desconsiderado e assim convenceu a Orrico, explicando-lhe o significado da simbologia que

aquele nome teria para uma entidade astronômica a ser criada na Bahia. O ocorrido foi

publicado no Folha do Norte, em 22 de maio de 1971.

Além de esclarecer a razão do nome, assegurou que a opinião do “[...] conspíquo

astrônomo Rubens de Azevedo [...]” foi levada em consideração.60 Segundo a matéria,

Azevedo estava de passagem pela cidade. Para valorizar ainda mais o julgamento do

astrônomo, Orrico ressaltou o status que Rubens Azevedo tinha no meio astronômico: “Vale

salientar que o prof. Rubens de Azevedo é o astrônomo mais famoso do Brasil, é o atual

diretor da União Brasileira de Astrônomos Amadores (UBAA) e ainda é diretor da

Associação Paraibana de Astronomia”. 61

Logo após a criação do Antares, a imprensa noticiou a notoriedade e o apoio que o

Observatório estava ganhando da comunidade e de grandes personalidades detentoras do

poder. No dia 10 de julho de 1971, o Feira Hoje trouxe em primeira página a manchete

“ACM e o Antares”, acompanhada de uma imagem do então governador Antônio Carlos

Magalhães conversando com os responsáveis pela entidade.

Figura 6: Antônio Carlos Magalhães e dirigentes do Antares

60 Folha do Norte, Feira de Santana, 22 maio 1971, p.1. 61 Folha do Norte, Feira de Santana, 22 maio 1971, p.1.

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Fonte: Jornal Feira Hoje, 10 de julho de 1971. Arquivo Museu Casa do Sertão .

Na terceira página do periódico, nessa mesma edição, a matéria “Governador apoia

Observatório” especifica em detalhes esse primeiro contato:

O Governador Antônio Carlos Magalhães demonstrou grande

interesse pela instalação do Observatório Astronômico Antares, nesta cidade

quando recebeu os Srs. José Olímpio Mascarenhas e Augusto César Orrico

que juntamente com o deputado Áureo Filho, estiveram no Palácio da

Aclamação na última terça-feira.

Através da Secretária de Ciência e Tecnologia, o Governo do Estado

prometeu total apoio à iniciativa dos feirenses, inclusive financiamento a

compra de equipamentos que deverão ser trazidos dos Estados Unidos pelo

jovem Augusto César Orrico, quando da viagem deste para assistir o

lançamento da Apolo XV. A Secretaria de Ciência e Tecnologia prometeu

inclusive no projeto atual, um auditório com capacidade para 50 pessoas, para

a projeção de filmes.62

No entanto, para que o Observatório recebesse qualquer tipo de apoio, principalmente

financeiro, era preciso mais do que uma ata de fundação. A entidade deveria apresentar

documentos que atestassem reconhecimento do estado e do município, como também possuir

um estatuto a fim de dar as diretrizes institucionais e criar cargos a serem ocupados para o seu

pleno funcionamento.

Institucionalização do Antares

Para institucionalizar o empreendimento, dois estatutos foram produzidos. Um refere-

se à fundação e o outro define os objetivos da entidade, como seria constituído seu patrimônio

e, por fim, os cargos administrativos necessários, bem como a possibilidade de haver sócios

efetivos, protetores, beneméritos e colaboradores. No que concerne aos cargos

administrativos, foram criados a diretoria e os conselhos deliberativo, técnico e financeiro.

Esses, por sua vez, desdobram-se em presidente, vice-presidente, secretário geral, secretário

de publicidade, primeiro tesoureiro, diretor de astronáutica, diretor de fotografia e consultor

jurídico.

Em 30 de setembro de 1971, alguns dias após a produção desses documentos, o Feira

Hoje noticiou a ação na coluna de pequenos informes “ETC & TAL”, sinalizando que as

providências para a implantação da entidade estavam sendo tomadas a passos largos. Relatou- 62 Feira Hoje, Feira de Santana, 10 jul. 1971, p.3.

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se de maneira resumida: “Os Estatutos do Observatório Astronômico Antares já foram

elaborados e aprovados, bem como já foram empossados, no último dia 16, o seu Conselho

Diretor, para os primeiros anos de gestão”.63

O estatuto de fundação foi publicado no Diário Oficial do estado, em 18 de novembro

de 1971.64 Já as vagas estabelecidas pelo segundo estatuto, produzido e aprovado no dia 25 de

setembro de 1971, só foram oficialmente preenchidas quase quatro anos depois de sua

elaboração. Os nomes dos primeiros eleitos ganharam publicidade no periódico A Tarde, no

dia 6 de novembro de 1971.65 O articulista não soube precisar quando ocorreu a cerimônia.

Apenas informou que havia sido empossado, recentemente, o Conselho Diretor da Fundação

Observatório Astronômico Antares, para os dois primeiros anos de atividade da instituição. O

quadro dirigente ficou assim constituído:

Quadro 1: Eleitos e cargos no Observatório Antares.

ELEITOS FUNÇÕES

Augusto César Orrico Presidente

José Olímpio Mascarenhas Vice-presidente

Zadir Marques Pôrto Secretário de publicações

Olival Carneiro Franco Diretor de Astronáutica

Dr. Marcelo Ramalho Diretor de Fotografia

Bel. Fernando Pinto de Queiroz Consultor Jurídico

Emilson Fernandes Falcão, Ederval Fernandes

Falcão, Nilton Belas Vieira Conselho Deliberativo

Jonathas Carvalho, Antônio Manuel de Araújo e

Francisco Fraga Maia Conselho Financeiro

Arquitetos: Everaldo Marques, Juraci Falcão e

José Monteiro Filho.

Conselho Técnico

Fonte: Jornal A Tarde, 6 de novembro de 1971.

Anos depois, em 15 de março de 1975, ocorreu outra cerimônia para o preenchimento

dos cargos. Na ocasião, as funções foram ocupadas de acordo com o estatuto.66 Realizou-se

uma assembleia geral na sede do Antares, bem como a eleição e a posse da diretoria,

conforme estava previsto no estatuto da instituição e disposto no edital de convocação que foi

publicado em 1 de março de 1975, pelo jornal Feira Hoje.67 O registro da solenidade, assim

63 Feira Hoje, Feira de Santana, 30 set. 1971, p.2. 64 BAHIA. Diário Oficial. n. 18.926, 18 de novembro de 1971; Estatuto da Fundação do Antares. p. 14. 65 A Tarde, Salvador, 6 nov. 1971, p. (?) 66 ESTATUTOS. 25 de setembro de 1971. p. 7. 67 Feira Hoje. Feira de Santana, 1 mar. 1975, p.5.

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como dos cargos e seus respectivos ocupantes foi feito na Ata da qual se extraiu as

informaçõesa seguir: 68

Quadro 2: Eleitos e cargos no Observatório Antares.

ELEITOS FUNÇÕES

Augusto César Orrico Presidente

José Olímpio Mascarenhas Vice-presidente

Antônio José Laranjeiras 1° Secretário

Helder Alencar 2° Secretário

Jorge Luiz Mascarenhas Tesouraria

Raimundo Gonçalves Gama Secretário de Cultura

Egberto Tavares Costa Secretário de Divulgação

Drance Mattos de Amorim Diretor Científico

Antônio Ferreira Magalhães Diretor de Fotografia

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão Consultor de Astronomia

José Maria Nunes Marques Consultor Jurídico

Emilson Fernandes Falcão, Raimundo José

Nascimento e Jessé Nogueira Coutinho Conselho Financeiro

Fonte: Ata de eleição e posse da diretoria do Observatório Astronômico Antares. 15 de março de

1975.

A eleição foi homologada pelo prefeito José Falcão da Silva (MDB 1973 - 1977), no

dia 30 de junho de 1975, por meio de um documento reconhecendo o Antares como uma

entidade em pleno funcionamento e em cumprimento de suas finalidades estatutárias. Além

de o documento explicar a sua finalidade, trouxe os cargos e os nomes que os ocuparam,

tornando público o que foi definido na ata de fundação.69

Antes desses procedimentos serem tomados pelo Antares, em 1975, a entidade já

vinha acumulando uma quantidade considerável de provas de sua existência. Foram

produzidos ofícios, certidões e atestados tanto pela esfera municipal quanto estadual. Esses

documentos tornavam-se públicos não só pelos próprios mecanismos dessas instâncias, mas

também pela imprensa local. Quando o Observatório foi reconhecido como orgão de utilidade

pública, por exemplo, o ato oficial foi noticiado duas vezes pelo jornal Feira Hoje,em 06 de

maio de 1972, e uma vez no Diário Oficial do estado, em 16 de maio de 1972.

No periódico, a informação está presente na coluna “ETC & TAL” e em uma

reportagem intitulada Antares é de utilidade pública. Na primeira, lê-se:

A Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado

concedeu o parecer favorável ao projeto que considera de utilidade pública o

Observatório Astronômico Antares, situado em Feira de Santana. Acham, os

68 OBSERVATORIO ASTRONOMICO ANTARES. Feira de Santana. Ata da sessão de posse da diretoria do

Observatório Astronômico Antares, 15 de março de 1975. p. 2. 69 Feira de Santana, 30 de junho de 1975. Atestado. p. 1.

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membros da comissão que o Antares irá “contribuir para o desenvolvimento

da ciência astronômica, enriquecendo a cultura”, pelos estudos, observação,

comparação e resultados obtidos pelos membros da instituição.70

A reportagem “Antares é de utilidade pública”, além de noticiar o reconhecimento da

Assembleia Legislativa, afirma que a verba destinada pelo Governador Antônio Carlos

Magalhães, para a construção do prédio da entidade, não tinha sido liberada ainda por falta

daquele documento. De posse dele, a verba seria liberada e o início das obras era esperado nos

dias seguintes à sua emissão. 71

No Diário Oficial, o informe foi publicado em formato de lei. De acordo com o

documento, a lei recebeu o número 3003, com data de 15 de maio de 1972. Por meio dela, o

governador Antônio Carlos Magalhães teria declarado o Observatório Astronômico Antares,

da cidade de Feira de Santana, de utilidade pública.72

Em âmbito municipal houve a aprovação de um projeto de lei com o mesmo propósito.

A autoria foi do vereador Antônio Carlos Daltro Coelho, e a aprovação ocorreu a 8 de outubro

de 1975.73 Em 14 de outubro do mesmo ano, o então prefeito José Falcão da Silva sancionou

a lei 791/75 que reconhecia o Antares enquanto organização de utilidade pública.74 A fim de

dar notoriedade à lei recém-criada, o documento municipal foi publicado na integra, no dia 21

de outubro de 1975, no jornal Feira Hoje.75

A busca pelo reconhecimento institucional não funcionou apenas para angariar verba

visando à construção da parte física do Observatório, mas também a fim de garantir sua

manutenção ao longo dos anos. De acordo com uma matéria do jornal Feira Hoje, publicada

em 5 de setembro de 1974, a entidade estava sendo custeada por uma rede de colaboradores.

Esses, por sua vez, distribuíam-se entre a população e instituições das mais diversas

instâncias, como é possível perceber no trecho a seguir:

O Antares é mantido graças a um convênio que mantém com a

Fundação Universidade de Feira de Santana. As obras realizadas

contaram com a participação do Governo do Estado, através da

Secretária de Trabalho e Bem Estar Social.

70 Feira Hoje, Feira de Santana, 6 maio 1972, p.2. 71 Feira Hoje. Feira de Santana, 6 maio 1972, p. 3. 72 BAHIA. Lei 3003, de 15 de maio de 1972. Declara de utilidade pública o Observatório Astronômico Antares

da cidade de Feira de Santana. Diário Oficial do Estado, Salvador, v. 3, n.9158, p.61, 16 mai 1972. 73 FEIRA DE SANTANA. Projeto de Lei 10/75 de 8 de outubro de 1975. Considera de utilidade pública o

Observatório Astronômico Antares. Câmara Municipal de Feira de Santana, Feira de Santana, v.5, p.14, 8 out

1975. 74 FEIRA DE SANTANA. Lei 791/75 de 14 de maio de 1975. Considera de utilidade pública o Observatório

Astronômico Antares. 75Feira Hoje. Feira de Santana, 21 out. 1975, p. (ilegível).

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O Governo do Município colabora através do fornecimento de

pessoal e material para as obras, através da Superintendência de

Urbanismo de Feira de Santana e da Secretaria de Turismo.

O povo além do seu apoio, acreditando na realização, faz

doações de materiais para a referida obra. Destaca-se a presença da

Telefeira doando um aparelho telefônico. 76

A relação entre a Universidade Estadual e o Antares parece ter-se iniciado já durante

os primeiros anos dessas fundações. Elas surgiram em períodos próximos e tiveram como

principal patrocinador o governador Antônio Carlos Magalhães. No ano de 1973, o jornal

Feira Hoje noticiou algumas visitas desse político à cidade de Feira de Santana, a fim de

resolver questões da implantação da Universidade, assim como a assinatura de documentos,

ou participação em solenidades que diziam respeito à entidade. O Antares também ganhou

espaço nessas reportagens, mesmo que elas não estivessem diretamente relacionadas ao

Observatório. Foram encontradas seis matérias com esse propósito.

A primeira delas foi em 13 de janeiro de 1973. Nela, o Feira Hoje informou acerca da

vinda do governador à cidade, por meio da matéria de capa “ACM: FEIRA TERÁ ESGOTO

E UNIVERSIDADE”.77 Foram relatados o discurso pronunciado e o itinerário feito pelo

estadista durante a sua permanência no município. As obras do Antares fizeram parte de tal

roteiro. Segundo a matéria, o governador e sua comitiva foram saudados por estudantes que

lhe deram uma flâmula. Ele afirmou, durante o encontro, que aquela obra estava sendo feita

por jovens, assim como o governo dele. Além disso, ACM teria afirmado que o Antares

continuaria a receber seu apoio.

Meses depois, mais precisamente em 12 de maio, a coluna “ETC&TAL” informou que

um dos objetivos da vinda do Astrônomo Nelson Travinivik à cidade era auxiliar o corpo

dirigente do Observatório em uma reunião que se daria entre este e o Conselho da Fundação

da Universidade de Feira, para tratar da possibilidade de um convênio entre esta e o

Antares.78

O resultado do encontro foi positivo, no que se refere à possibilidade de se firmar a

parceria entre as instituições, pois, a 9 de junho, uma matéria de capa que trazia a foto do

governador ACM foi publicada no Feira Hoje com o título “VAI COMEÇAR A

UNIVERSIDADE”. Além de tratar dos rumos da organização de ensino, noticiou também

76 Feira Hoje, Feira de Santana, 5 set. 1974, p.5. 77Feira Hoje, Feira de Santana, 13 jan. 1973, p.1. 78 Feira Hoje, Feira de Santana, 12 maio 1973, p.2.

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que Antônio Carlos Magalhães iria assinar o convênio entre a Fundação Universidade de

Feira de Santana e a Fundação Observatório Astronômico Antares.79

A parceria foi firmada dias depois, em 13 de junho, no Palácio do Rio Branco, durante

uma solenidade que, segundo o Feira Hoje, significou muito para a educação da cidade e da

região. Nesse evento, o governador assinou o edital de concorrência pública para a construção

da primeira unidade da universidade e o decreto que declarava a sua utilidade pública,

abrangendo a desapropriação de uma área de 30 hectares para a ampliação do campus

universitário. Por fim, assinou também o convênio entre o Antares e a Universidade.80

Meses depois, em uma matéria de divulgação do Observatório, em 05 de setembro de

1973, o convênio foi mais uma vez mencionado. Segundo o texto, a parceria fazia parte de um

sistema de adequação e reforma astronômica na universidade brasileira, que traria inúmeros

benefícios aos futuros universitários.81

Uma das primeiras consequências dessa parceria foi noticiada ainda naquele ano,

através da matéria “Governador inicia a universidade”.82 Nela, consta a informação de que

Antônio Carlos Magalhães esteve na cidade a fim de iniciar oficialmente a construção da

primeira unidade da universidade, assim como resolver problemas que concerniam à

implantação de um planetário no Observatório: “Como o Observatório Antares mantém

convênio com a Fundação Universidade de Feira, o governador será cientificado da

disposição de instalar-se na cidade de Feira de Santana um planetário, como ponto de estudos

e atração turística”. 83

Durante os anos de 1980, essa parceria foi evidenciada também por registros do Diário

Oficial do estado. Dentre eles, estão, além de um termo de convênio, notas de repasses anuais

de verbas. O termo de convênio explicita o estabelecimento de uma parceria para o

desenvolvimento de estudo e pesquisa em Astronomia vinculada à atividade universitária. Nas

notas, estão descritas a finalidade, o prazo de vigência, o valor doado e as partes envolvidas.

Esses documentos foram encontrados no arquivo da reitoria da Universidade. Por meio

deles, foi possível perceber que entre os anos de 1982 e 1985 houve aumento gradual do

repasse da verba anual. Em 1982, o valor foi de três milhões de cruzeiros; em 1983, foram dez

milhões de cruzeiros; 1984, 14 milhões de cruzeiros; e 1985, vinte milhões de cruzeiros.84

79 Feira Hoje, Feira de Santana, 9 jun. 1973, p.1. 80 Feira Hoje, Feira de Santana, 13 jun. 1973, p.2. 81 Feira Hoje, Feira de Santana, 5 set. 1973, p.2. 82 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 set. 1973, p.3. 83 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 set. 1973, p.3. 84 Respectivamente: Diário Oficial do Estado, Salvador; Resumo do termo de convênio celebrado entre a

Universidade Estadual e de Feira de Santana e o Observatório Astronômico Antares, 25 de fev de 1982; Diário

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No entanto, apesar dos investimentos entre as décadas de 1970 e 1980, tanto pela

esfera pública quanto pela privada, a entidade foi assolada por crises e uma progressiva

decadência, intensificada no final dos anos de 1980.

Perfil dos Fundadores

Ao acompanhar a formação do Antares pela imprensa, assim como o aparecimento de

Orrico, é possível tomar de empréstimo a ideia de “fabricação de imagem pública”, posta por

Peter Burke na obra A fabricação do Rei (1994). Trata-se de uma construção intencionada,

previamente planejada, objetivando criar um perfil específico. 85

No caso de Orrico, esse processo ocorreu por meio de uma das principais ferramentas

modernas de poder e influência, a imprensa. Sua imagem de “entendedor” dos fenômenos

astronômicos, e a do Antares enquanto entidade que merecia respaldo e reconhecimento no

assunto foram lapidadas pelos seus contemporâneos, articulistas dos jornais locais, com os

quais matinha laços pessoais. Os homens de imprensa não só ajudaram na aparição de Orrico

e do Antares, mas também fizeram parte da construção da entidade, ao ocuparem cargos

diretivos.

Como consequência, essas imagens de Orrico e do Antares não se ativeram aos limites

de Feira de Santana. Muito provavelmente, aqueles que atuavam na imprensa local, tinham

certa influência em periódicos de maior repercussão, mantinham contatos ou até trabalhavam

em suas sucursais. E assim, faziam com que a mesma ideia fosse disseminada por eles.

Nessa perspectiva, encontraram-se notícias nos mais variados periódicos, dentre eles:

Tribuna da Bahia, A Tarde, Correio da Bahia, Jornal da Bahia, Interbahia, Notícias da

Bahia, O Globo e Diário de Notícias.

As primeiras aparições de Orrico em tais meios de comunicação, o colocam na

condição de um jovem estudioso, que possuía interesse pela ciência astronômica. Com o

passar dos anos, ele já não era visto apenas como alguém que se interessava pelo assunto, mas

já o denominavam astrônomo.

Oficial do Estado, Salvador; Resumo do termo de convênio celebrado entre a Universidade Estadual e de Feira

de Santana e o Observatório Astronômico Antares, 18de fev de 1983; Diário Oficial do Estado, Salvador;

Resumo do termo de convênio celebrado entre a Universidade Estadual e de Feira de Santana e o Observatório

Astronômico Antares, 24 de fev de 1984; Diário Oficial do Estado, Salvador; Resumo do termo de convênio

celebrado entre a Universidade Estadual e de Feira de Santana e o Observatório Astronômico Antares, 15 de mar

de 1985. 85 BURKE, Peter. A Fabricação do rei. A construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1994. Nessa obra, Peter Burke explica o funcionamento da máquina de propaganda do rei Luís XIV, da

França, revelando como se dava a elaboração da imagem pública do poder real e suas relações com a produção

artística.

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A história do Antares, da fundação à extinção, esteve marcada pela presença de Augusto

Cesar Orrico. Suas ações no processo de edificação da entidade confundem-se com sua

trajetória pessoal no âmbito dos seus interesses pela astronomia. O envolvimento dele com

essa ciência parece ter-se iniciado desde muito cedo. Evidências indicam a presença da

astronomia em sua trajetória já na adolescência, ao tomar parte na Sociedade de Astronomia

Feirense e quando obteve apoio do pai para aproximar-se do fotógrafo Antônio Ferreira

Magalhães, a fim de produzir imagens do céu.

Em 1970, com aproximadamente 18 anos, Orrico aparecia na imprensa como porta-voz

da astronomia. Ele era responsável pela coluna semanal “Astronomia em Foco”, do jornal

Folha do Norte. Nesse lugar, Orrico publicava as notícias de fenômenos astronômicos, bem

como atualizava os feirenses sobre eventos e progressos da área. Sua atuação, não só

despertou o interesse dos conterrâneos por essa ciência como também o colocou em posição

de referência e destaque para falar da astronomia no cenário local. O nome de Orrico, por

exemplo, é citado na ata de fundação do Observatório Antares como a pessoa que possuía

mais experiência no assunto.

Quando a coluna “Astronomia em Foco” fez um ano, Orrico chegou a declarar que

aquele momento seria de grandes acontecimentos, pois, além da aproximação do planeta

Marte, a coluna sob sua responsabilidade estava fazendo aniversário, conforme registrou:

De repente, este jornal passou ser o maior informativo astronômico da

Bahia, onde recebeu recentemente de vários Observatórios Astronômicos

Brasileiros, condecoração pelo primeiro aniversário da coluna

ASTRONOMIA EM FOCO, cuja circulação é conhecida em todo o Brasil, e

alguns países no exterior. Escolhemos a Manchete desta semana, “O

GRANDE ACONTECIMENTO”, para festejar com chave de ouro, o primeiro

ano desta coluna, e também para divulgar o maior acontecimento Astronômico

para o ano em curso, que será a Oposição do Planeta Marte.86

Como mencionado, a coluna “Astronomia em Foco” ocupou as páginas também do

periódico Feira Hoje. No entanto, esse título, anos depois, foi abandonado e as informações

astronômicas produzidas por Orrico passaram a ser publicadas em outra coluna, que era

intitulada pelo céu de cada mês, por exemplo, “Céu de Janeiro”.87 Nessa coluna, eram

frequentes, além da presença dos textos astronômicos, desenhos que representavam a posição

86 Folha do Norte, Feira de Santana, 7 ago. 1971, p.1. 87 Feira Hoje, Feira de Santana, 31dez. 1974, p.8.

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das constelações do mês. Essas imagens vinham referenciadas enquanto produção do

Observatório Astronômico Antares.

Além das ações individuais de Orrico, outras matérias que não foram de sua autoria,

ajudaram na construção de sua imagem pública, relacionando-o à astronomia. Apesar de

outros nomes aparecerem na condição de fundadores do Antares, como é o caso de José

Olímpio, César Orrico era sempre apresentado como o idealizador, estando à frente das

principais decisões. Em uma matéria de capa do jornal Feira Hoje, a criação do Observatório

Antares e o papel de Orrico aparecem da seguinte maneira: “O primeiro observatório

astronômico do Estado da Bahia será instalado, dentre de breves dias, em Feira de Santana,

graças à iniciativa de Augusto Cézar Orrico (19 anos) e outros jovens, que conseguiram o

apoio de toda a comunidade para a sua concretização”.88

Ampliando esse perfil de Orrico, o contemporâneo Helder Alencar, que fez parte da

diretoria da fundação Antares, exaltou as características do jovem amador. Ele utilizou-se da

coluna “Pois é”, no dia 29 de maio de 1971, do jornal Feira Hoje, para parabenizar,

engrandecer e apoiar os feitos de César Orrico.89 Em seu relato, Alencar diz conhecer César

há muitos anos. Segundo ele, da infância à adolescência, Orrico foi visto como alguém que

buscava caminhos no sentido de se tornar um estudante e um jornalista especializado em

assuntos astronômicos, que tentava levar ao povo uma mensagem da ciência.

O colunista afirmou que o Observatório recém-criado era fruto do ideal e da persistência

daquele jovem que tinha vontade de realizar alguma coisa de útil para a sua cidade. Alencar

frisou a dedicação de Orrico ao estudo da astronomia desde cedo, escrevendo artigos em

jornais, pesquisando, correspondendo-se com cientistas do mundo inteiro. Tal ideal, para o

colunista era válido, pois era uma boa maneira de extravasar o entusiasmo do jovem em

benefício da cultura e da ciência. Por meio de iniciativas como essas, a cidade de Feira de

Santana teria uma alternativa na produção intelectual, que, segundo ele, andava monótona.

Alencar considerou também que a criação de um observatório na cidade era consequência da

paixão de César Orrico pela astronomia. Paixão essa que aumentava a cada dia,

principalmente, após a sua participação em diversos congressos pelo Brasil e intensas leituras

sobre o assunto.

A persistência de Orrico cativou Alencar a tal ponto que ele chegou a considerá-lo um

idealista, daqueles que estavam raros no mundo e que mereciam o respeito e a admiração de

todos. Ao fim da matéria, o colunista tornou público o apoio que a imprensa local estava

88 Feira Hoje, Feira de Santana, 6 jun. 1971, p.1. 89 Feira Hoje, Feira de Santana, 29 maio 1971, p.5.

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dando às iniciativas de Orrico, fator que se confirmou nos meses e anos seguintes. Os passos

profissionais de Orrico eram levados ao conhecimento da população por meio da imprensa.

Tudo era noticiado. Desde suas viagens até os “ilustres” visitantes que ele recebia nas

instalações do Antares.

Nessas matérias, costumava-se destacar a figura de Orrico como astrônomo. Assim

como o texto de Alencar, uma nota foi publicada anos depois, exaltando-o:

A Feira de Santana será umas das cidades privilegiadas para melhor assistir e

receber as explicações sobre o cometa Kohoutek, porque temos, nesta

cidade, um dos maiores astrônomos do Brasil, Augusto César Orrico, com

seus aparelhos, que serão armados, na noite luminosa, com certeza, lá no

Antares, e que nós teremos a oportunidade de acompanhar de perto as

pesquisas do nosso amigo.90

Essas frequentes notícias relacionadas à promoção da imagem de Orrico e do Antares

podem ser vistas como estratégia de divulgação e como criação de uma memória. A

incorporação de vários membros da imprensa na diretoria da Fundação Antares certamente

teve este objetivo. Das doze funções previstas no estatuto, seis foram compostas por diretores

de jornais, redatores e colunistas. Dentre eles estão: o 1º secretário Antônio José Laranjeiras,

o 2º secretário Helder Alencar, o Secretário de Cultura Raimundo Gama, o Secretário de

Divulgação Egberto Costa e o Diretor de Fotografia Antônio Ferreira Magalhães.

Em 15 de julho de 1975, o jornal Feira Hoje publicou uma matéria intitulada

“jornalistas fundam entidade”. Nela consta que trinta e um profissionais da imprensa local

reuniram-se, a fim de criar-se a Associação Feirense de Imprensa. Segundo a matéria, a

assembleia foi muito tumultuada, mas ao final os estatutos foram aprovados e a chapa

vencedora conseguiu vinte e um votos. Ela foi composta, justamente, por nomes que estavam

relacionados ao Antares: Antônio José de Laranjeira, Helder Alencar e Egberto Costa. 91

Antônio José de Laranjeira, nascido em 11 de janeiro de 1945, na cidade de Santo

Amaro, tornou-se figura de destaque na imprensa feirense por ter sido responsável pelas

notícias do interior na revista O Cruzeiro e em jornais como o A Tarde e o Diário de Notícias.

Quando assumiu essas funções, Laranjeira foi notícia no Folha do Norte. Na edição do dia 31

de outubro de 1970, o periódico publicou que com a inauguração da Sucursal da revista O

90 Feira Hoje, Feira de Santana, 17 nov. 1973, p.4. 91 Feira Hoje, Feira de Santana, 15 jul. 1975, p.7.

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Cruzeiro, em Salvador, a Sucursal dos Diários e Emissoras Associadas de Feira de Santana,

responderia por meio de Antônio José de Laranjeira, assinando as reportagens regionais.92

Anos depois, Laranjeira foi notícia no Feira Hoje quando tornou-se colunista do jornal

A Tarde. O fato foi destacado em três diferentes momentos. Primeiro, no dia 15 de setembro

de 1973, com a matéria “A Tarde”; depois, no dia 30 de outubro de 1973, uma nota na coluna

“Etc&Tal”, informando o local e a data de inauguração da Sucursal; e, por fim, no dia 1º de

novembro de 1973, uma matéria intitulada “A Tarde inaugura a Sucursal”, conta como foi a

solenidade. 93

Egberto Costa, outro membro da direção do Antares, nasceu em Tanquinho, cidade

próxima de Feira, em 25 de setembro de 1945. Licenciou-se em Estudos Sociais pela

Faculdade de Educação de Feira de Santana. Trabalhou como professor de História e

Geografia. Na área da comunicação, atuou nas mais diferentes posições e em distintos meios

da imprensa. Foi fundador, superintendente e editor do periódico Feira Hoje e repórter do

Diário de Notícias. Além de haver desempenhado a função de redator do jornal Situação,

correspondente dos IC Shopping News, Tribuna da Bahia e editor das revistas Panorama da

Bahia e da Gazeta Feirense. Egberto Costa também trabalhou como noticiarista na rádio

Cultura AM e na Antares FM, emissora que manteve vários anos o programa “Um minuto

com Egberto Costa”. Ele foi ainda chefe da assessoria de comunicação da Câmara Municipal

e assessor de imprensa do Clube de Campo Cajueiro. Morreu em 26 de maio de 2002, vítima

de latrocínio. 94

Helder Alencar, por sua vez, formou-se em Direito no ano de 1974, pela Universidade

Católica do Salvador. Atuava de forma intensiva nos periódicos locais, noticiando os mais

diversos assuntos, inclusive sobre astronomia. Quando ainda não existia a coluna de César

Orrico, “Astronomia em Foco”, no final da década de 1960, Helder Alencar e outros

colunistas como Zito, Eme Portugal e Hélio Barbosa, já divulgavam notícias astronômicas no

Folha do Norte, principalmente aquelas que tinham relação com a chegada do homem à Lua.

Alencar esteve presente como colunista em periódicos locais, a exemplo do Folha do Norte e

o Feira Hoje. Nesse último, o advogado, além produzir textos que expressavam sua opinião,

atuou como Editor Chefe.

92 Folha do Norte, Feira de Santana, 31 out. 1970, p.1. 93 Respectivamente: Feira Hoje, Feira de Santana, 15 set. 1973, p.3; Feira Hoje, Feira de Santana, 30 out. 1973,

p.2; Feira Hoje, Feira de Santana, 1 nov. 1973, p.6. 94Disponível em: http://oliveiradimas.blogspot.com.br/2017/05/15-anos-sem-egberto-costa.html?spref=fb.

Acesso em: 26/05/2017

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A imprensa continuou a investir na construção da imagem pública de Orrico e do

Observatório Antares como podemos aferir da coluna “ETC & TAL”, que em 19 de junho de

1971 publicou a seguinte informação:

O jovem Augusto César Orrico, Diretor do Observatório Astronômico

Antares, que seguirá nos próximos dias para assistir o lançamento da Apolo

XV, a convite da NASA, esteve, na última semana, em companhia do

Deputado Áureo Filho, visitando a Assembleia Legislativa, buscando apoio

para a implantação do Observatório, o primeiro a ser construído no Estado da

Bahia. 95

Notas como essas, além de evidenciar esforços feitos para se implementar a instituição,

mostram a frequente associação entre ela, Orrico e a astronomia. Nesse sentindo, construiu-se

uma memória fazendo com que seu nome e o da entidade tornassem quase que sinônimos. Por

anos seguidos, essa iniciativa se manteve. Dali em diante não seria mais possível falar de

César Orrico e não falar do Antares ou vice-versa.

Na coluna “ETC & TAL”, do dia 18 de setembro de 1971, a postura inversa também foi

encontrada. A nota tratava do adiamento dos planos para a concretização do Antares. No

entanto, a figura de Orrico aparece como fornecedor das informações para a equipe do jornal.

Na nota, consta que o próprio Orrico esteve há pouco tempo no Observatório Valongo e no

Observatório Nacional do Rio de Janeiro, a fim de manter contato com os responsáveis, bem

como explicitar a situação do Antares no que concernia à aquisição de equipamentos. 96

Não só as pequenas notas dedicavam-se a falar de Orrico. As matérias extensas, como a

publicada pelo jornal Feira Hoje, em 7 de dezembro de 1974 cumpriram também essa função.

A manchete se destacou por estar em caixa alta e chamou a atenção do leitor para a seguinte

informação: “ORRICO VAI A NOVA YORK”.97 No texto, ressalta-se que o presidente do

Observatório, juntamente com o presidente de uma indústria eletrônica de equipamentos finos

profissionais, Drance Amorim, seguiram para os Estados Unidos, em uma viagem de cunho

científico, a fim de observar o desenvolvimento da astronomia naquele país. Por esse motivo

eles iriam visitar alguns observatórios, planetários, universidades, o Cabo Kennedy, como

também iriam comprar lentes, máquinas fotográficas e astrocâmeras. Além disso, a matéria

informa que Drance Amorim iria adquirir equipamentos eletrônicos para montar a Central

Horária do Antares.

95 Feira Hoje, Feira de Santana, 19 jun. 1971, p.2. 96 Feira Hoje, Feira de Santana, 18 set. 1971, p.2. 97 Feira Hoje, Feira de Santana, 7 dez. 1974, p.3.

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Assim como Helder Alencar e tantos outros personagens citados, Drance Amorim fez

parte do rol de relações de Orrico, no processo de implantação e realização das atividades do

Antares. Nesse sentido, constata-se que ele não obteve apenas apoio das esferas públicas, mas

também privadas. Amorim era visto pelos seus conterrâneos como um cientista inventor.

Formou-se em Medicina pela Faculdade de Pernambuco e coordenou o curso de pós-

graduação em Engenharia Biomédica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Meses após a viagem de ambos a Nova York, a central horária foi implementada e

recebeu, na inauguração, o ex-governador Antônio Carlos Magalhães. Na reportagem “A

necessidade fez surgir a Central Horária”, de 18 de março de 1975, do Jornal Feira Hoje, a

figura de Drance Amorim foi exaltada em duas fotografias.98 Em uma, ele está acompanhado

por ACM ao lado da Central Horária. A imagem recebeu a legenda: “O ex-governador

Antônio Carlos Magalhães inaugurando a Central Horária com o seu autor, cientista Drance

Amorim (Foto Magalhães)”. Na outra imagem, Amorim aparece ao lado da Central Horária

acompanhado do prefeito da cidade e de José Olímpio, conforme descrição feita pelo jornal:

“O cientista Drance Amorim, prefeito José Falcão da Silva e o Vice-presidente do Antares,

José Olympio Mascarenhas, vendo a Central Horária”.

Figura 7: Inauguração da Central Horária do Antares.

Fonte: Jornal Feira Hoje, 28 de março de 1975. Arquivo da Biblioteca Municipal de Feira de Santana.

Ainda de acordo com a matéria, a empresa de equipamentos eletrônicos finos,

possuidora da mais alta tecnologia, pertencente a Drance Amorim, a ECNARD, prontificou-se

a fazer o projeto científico-tecnológico e a construir a Central Horária do Antares, sem

qualquer intenção de lucro.

98 Feira Hoje, Feira de Santana, 18 mar. 1975, p.5.

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Orrico fazia contatos com profissionais da astronomia a fim de que suas atividades e o

Antares fossem reconhecidos no meio astronômico. Pois, nos primeiros anos da entidade, as

iniciativas de Orrico baseavam-se em seu autodidatismo. Aqueles que o auxiliavam nos

trabalhos astronômicos não estavam vinculados ao Antares enquanto funcionários, apenas

como colaboradores e pertenciam a outras instituições astronômicas. Ele só buscou formação

acadêmica quando o Observatório já estava em franco funcionamento. Mesmo assim, sua

formação não foi em Astronomia. Iniciou o curso de Matemática em 1976, na Universidade

Estadual de Feira de Santana e o concluiu em 1983.

Na medida em que essas relações eram estabelecidas, os trabalhos eram desenvolvidos

nos limites da entidade. Astrônomos renomados, como Ronaldo Mourão, do Observatório

Nacional do Rio de Janeiro, desempenhavam com frequência essa função de orientação.

Publicações conjuntas, levando o nome desses cientistas, o do Antares e de Orrico foram

produzidas e distribuídas para os mais diversos lugares. No entanto, era recorrente a vinda a

Feira de Santana de Ronaldo Mourão e outros cientistas, o que, aparentemente, contribuiu

para que as relações não ficassem apenas nos limites profissionais. Não apenas com Orrico, o

estreitamento de laços pessoais ficou evidente, também, entre esses cientistas e os demais

funcionários do Antares, como é o caso do Diretor de Fotografia Antônio Ferreira Magalhães.

Em uma entrevista concedida no ano de 2013, Magalhães afirmou que essas relações

pessoais foram para além da astronomia. Em suas lembranças, estão os laços de amizade

feitos com Mourão e a esposa Valéria e os dias de hospedagens do casal em sua casa. Para

ele, essa convivência foi tão significativa que o nome Valéria foi dado à sua filha.

No relato de Mourão, também no ano de 2013, esse tipo de contato não ficou tão

evidente. No entanto, o que confirma a proximidade entre ele e os idealizadores do Antares,

principalmente com César Orrico, são as dedicatórias afetuosas encontradas em livros antigos

pertencentes à biblioteca do Antares. César Orrico foi presenteado por diversas vezes pelo

astrônomo. A maioria dessas obras era de autoria do próprio Ronaldo Mourão. Os textos das

dedicatórias mostram César Orrico como um grande amigo e companheiro. Em uma delas,

Mourão escreve: “Para os amigos Norma e César, com muita amizade e afeto de Ronaldo,

Rio, 11/04/81”. Em outra, o autor chega a fazer um trocadilho na mensagem, em

consequência do título da obra. O nome do livro é Alô Galáxia (linha ocupada). Na

dedicatória ele escreve: “Alô amigo Orrico, vamos ficar na escuta enquanto a linha estiver

ocupada, afetuosamente, Ronaldo, Rio 13 /09/78”.

Além de Mourão, Orrico foi presenteado por outros astrônomos. Nelson Travinik, do

Observatório Flamarion Matias Barbosa, também está presente nas obras com dedicatórias da

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biblioteca do Antares. Em um de seus livros consta o seguinte: “Para Orrico e Observatório

Antares, uma contribuição pela passagem do Halley, (assinatura), outubro / 85”.

Divulgação da entidade

A Divulgação do Observatório Antares pode ser vista como um processo gradual, que

teve início pelo menos um ano antes de sua inauguração. Primeiro, ocorreu a construção do

que se pode chamar de uma imagem pública de Augusto César Orrico associando-o ao papel

de porta-voz local das notícias astronômicas. Para esse fim, contou-se com o auxílio do Jornal

Folha do Norte e o Feira Hoje. Nesses periódicos, Orrico, já em 1970, chegou a publicar 14

matérias, sendo 12 no Folha do Norte e 2 no Feira Hoje. A inferior incidência nesse último

muito provavelmente se deu por ele ter surgido em setembro daquele mesmo ano. No entanto,

vale lembrar que já no primeiro mês de existência do jornal, Orrico teve seu lugar garantido

por meio de uma matéria. Ela foi impressa na edição do dia 19 de setembro e estava intitulada

com o mesmo nome da coluna pela qual ele era responsável no Folha do Norte: “Astronomia

em Foco”.

Orrico reconhecia a importância que a imprensa tinha para a realização de seus

objetivos. Chegou a publicizar esse apoio em 17 de abril de 1971, na sua coluna “Astronomia

em Foco”, do Jornal Folha do Norte. Segundo afirmou, estava recebendo total cobertura por

parte da imprensa local, no que dizia respeito à divulgação. Referindo-se aos pares, ele ainda

afirmou que esse meio de comunicação os aplaudia e isso era para eles uma honra que os

envaidecia. 99

Os periódicos locais, além de ceder espaço para Orrico enquanto autor e responsável

por colunas diárias ou semanais publicavam matérias que solidificavam ainda mais a figura

dele e do Observatório Antares. As visitas, atividades, viagens, quase todos os passos do

mentor e o desenvolvimento de sua entidade foram devidamente registrados e publicados.

Até fatos que poderiam passar despercebidos e talvez nem merecessem tanto espaço

nos jornais foram divulgados. Por exemplo, no dia 1 de outubro de 1974, a matéria “Francês

viu o Antares e gostou”, com uma manchete em letras garrafais ocupou a capa do Feira Hoje,

99 Folha do Norte, Feira de Santana, 17 abr. 1971, p.1.

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como primeira notícia. Consta que o astrônomo francês, François Hayli era um convidado

especial e esteve em Feira de Santana para visitar o Observatório Antares. De férias no Brasil,

a turismo, afirmou que não poderia deixar a Bahia sem visitar o Antares. Ele foi convidado

por Augusto César Orrico, devido à manifestação apresentada durante uma entrevista que

cedeu em Salvador. Ainda segundo a matéria, o francês afirmou que o trabalho desenvolvido

no observatório era impressionante e necessitava de mais apoio. Para ele, o telescópio da

entidade era bom e a partir dele ia-se conseguir boas observações. Quanto ao espaço do

prédio, achou que possuía dimensões ideais, com possibilidade de se receber equipamentos

maiores.100

Essa reportagem parece justificar-se pela figura apresentada: um astrônomo

internacional. No entanto, o que se questiona aqui, é o espaço ocupado em primeira página.

Situação ainda mais curiosa foi a da nota publicada no dia 11 de agosto de 1973, no Feira

Hoje, na coluna “Etc&Tal”, intitulada “Desconhecimento”. Nela, pode-se perceber certo tom

de revolta do articulista ao dizer que a situação que ele iria relatar era incrível, porém,

verdadeira. Segundo ele, alguns paulistas estiveram na cidade de Feira de Santana e,

desejosos de conhecer o Observatório Antares, foram até o Diretor de Turismo. No entanto,

ao chegar lá, tiveram, de acordo com o colunista, a mais estranha resposta. O Observatório,

conhecido internacionalmente, era desconhecido pelo Programa. E finalizou a nota com a

seguinte pergunta: “Como se pode fazer turismo dessa forma?”. 101

Nessa mesma perspectiva, o Antares ocupou outra coluna de pequenas notas.

Publicada no jornal Folha do Norte, foi intitulada “Nossos Bairros”. O objetivo era divulgar,

de maneira resumida, o que ocorria em diferentes pontos da cidade, a exemplo de problemas

nas ruas com buracos, encanamento deficiente ou violência. No entanto, ao aparecer o bairro

Jardim Cruzeiro, a tendência não era falar só de problemas, mas também do que havia de

positivo, como é possível ler na nota do dia 10 de agosto de 1974:

Além de um sem número de ruas às escuras, buracos, valetas, etc. enfeiam o

populoso bairro, quando já se devia ter procurado solucionar essas

deficiências, a fim de que o aludido bairro venha a se constituir num dos

mais bonitos da nossa cidade, vez que ali já funcionam duas secretarias

municipais e o Observatório Astronômico.102

100 Feira Hoje, Feira de Santana, 1 out. 1974, p.1. 101 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 ago. 1973, p.2. 102 Folha do Norte, Feira de Santana, 10 ago. 1974, p.2.

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Outra nota que merece destaque é a do dia 7 de setembro de 1974, quando o nome do

bairro é associado ao da entidade: “A Secretaria de Turismo está aguardando a chegada das

luminárias que serão colocadas em toda a posteação existente naquele bairro do Observatório

Antares”.103

O apoio da impressa local ao Antares e a César Orrico era tão intenso que das 234

matérias sobre astronomia, entre os anos de 1970 e 1975, 208 faziam referência a ele ou a

instituição. Isso corresponde a um percentual de 89% das publicações, como é possível

perceber a partir do gráfico a seguir:

Gráfico1: Percentual de matérias em que o Antares e César Orrico foram mencionados

Fonte: Produção do autor, com base nos jornais Folha do Norte e Feira Hoje.

Das 208 publicações em que o Antares ou Orrico é mencionado, 86 delas foram de

autoria do próprio César Orrico, sendo 10 com títulos diversos, 7 pertencentes à coluna que

descrevia o céu de cada mês, do jornal Feira Hoje, 4 da coluna “Astronomia em Foco” nesse

mesmo periódico, e 65 na coluna “Astronomia em Foco” do Folha do Norte. Vale lembrar

que dessas 69 publicações da coluna “Astronomia em Foco”, Orrico mencionou a organização

astronômica em 14 delas.

Os 11% que correspondem a 26 matérias de cunho astronômico que não mencionavam

o Antares ou Cesár Orrico ocorreram nos dois jornais locais, sendo 18 no Folha do Norte e 8

no Feira Hoje. Além de divulgar informações acerca dos fatos importantes para área, como

missões espaciais e fenômenos celestiais, ocorreram momentos em que os jornais recorreram

103 Folha do Norte, Feira de Santana, 7 set. 1974, p.2.

Antares ou Orrico89%

Outras 11%

Matérias sobre astronomia

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à ludicidade para difundir ainda mais o tema. Nessa vertente, o Folha do Norte fez uso dos

poemas “rumo ao universo”e “espaço navegação”, de Eno Theodoro Wanke.104 Já o Feira

Hoje inseriu na coluna infantil os textos “viagem ao espaço” e “era uma vez...minha viagem a

lua”.105

Mesmo sendo mais recente a existência do jornal Feira Hoje, parece que ele

contribuiu de maneira mais incisiva na divulgação do Antares. Enquanto o Folha do Norte

publicou 100 matérias, o Feira Hoje chegou a 108. Além do quantitativo, vale ressaltar que

chegou-se a essa conclusão, em razão da própria diagramação do jornal. Pois a maioria dos

textos era acompanhada de desenhos ou fotografias do Antares e seus envolvidos. O ano de

1973 foi aquele entre 1970 e 1975 em que o Antares esteve mais presente na imprensa local,

totalizando 53 matérias. No gráfico a seguir é possível percebê-las distribuídas ao logo desses

cinco anos:

Gráfico2: Quantitativo de matérias em cada ano.

Fonte: Produção do autor, com base nos jornais Folha do Norte e Feira Hoje.

A promoção da entidade por meio de textos diretamente propagandísticos e sobre a

passagem do cometa Kohoutek pode ter contribuído para esse aumento das publicações. No

total, foram encontrados, nessa perspectiva, 23 textos, 15 fazendo referência à passagem do

cometa Kohoutek e 8 relacionados à promoção da imagem do Observatório. As reportagens

que se referiam ao cometa anunciavam, por exemplo, quando seria a passagem, como ele

104 Respectivamente: Folha do Norte. Feira de Santana, 1 abr. 1972, p.2; Folha do Norte. Feira de Santana, 22

abr. 1972, p.2. 105 Respectivamente: Feira Hoje. Feira de Santana, 15 mar. 1975, p.2; Feira Hoje. Feira de Santana, 10 maio

1975, p.7.

14

42

27

53

29

43

1970 1971 1972 1973 1974 1975

Divulgação do Antares nos jornais locais

Matérias

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poderia ser visto, e suas características. Esses conteúdos foram acompanhados por títulos

como: “Em novembro o cometa Kohoutek”, “A curiosidade pelo cometa Kohoutek”,

“Kohoutek já foi visto”, “Kohoutek mudou de orbita”.106 No que diz respeito aos textos

propagandísticos, além de virem acompanhados por imagens, eram empregados títulos

convidativos: “Centro astronômico em Feira”, “Uma viagem pelo espaço sem sair da cidade”,

“Feira de olho nas estrelas”, “Passado e futuro”, entre outras. 107

Para garantir o pleno funcionamento conforme os objetivos aos quais se propunha, o

Antares carecia de uma infraestrutura adequada. Equipar-se, consistia, portanto, o próximo

passo, uma vez que já se encontrava em parte institucionalizado. A aquisição de instrumentos

para desenvolver as atividades astronômicas proporcionaria a adequação de meios e fins.

O capítulo a seguir procura dar conta da história do Antares a partir da trajetória de

seus instrumentos científicos.

106 Respectivamente: Feira Hoje. Feira de Santana, 1 set. 1973, p.3; Feira Hoje. Feira de Santana, 9 out. 1973,

p.6; Feira Hoje. Feira de Santana, 15 nov. 1973, p.1; Folha do Norte, Feira de Santana, 1 dez. 197X, p.1. 107 Respectivamente: Feira Hoje. Feira de Santana, 8 ago. 1973, p.1; Feira Hoje. Feira de Santana, 5 set. 1973,

p.3; Feira Hoje. Feira de Santana, 5 set. 1973, p.2; Feira Hoje. Feira de Santana, 25 set. 1973, p.1.

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Capítulo II

ANTARES: SUA HISTÓRIA ATRAVÉS DOS OBJETOS

A trajetória dos instrumentos científicos: função e valor cultural

É possível afirmar que os objetos possuem um “ciclo de vida”. Eles “nascem”, tem o

seu tempo útil para a sociedade e “morrem” ao serem descartados ou substituídos por outros

com tecnologias mais avançadas. O ensaísta italiano Cesare de Seta, ao refletir sobre a

sociedade industrial e a metamorfose dos objetos, diz que “(...) os objectos de que o homem

se rodeou no mundo contemporâneo mudam, transforma-se e envelhecem com rapidez

frenética e exasperante”108

Nessa mesma perspectiva, Abraham Moles, um teórico muito utilizado na museologia,

em seu livro Teoria dos Objetos, chegou a dividir as etapas da vida de um artefato em sete

diferentes fases.109 Na historiografia, os objetos são entendidos como fontes de informações e

vestígios do passado.110 No entanto, antes de a cultura material se tornar um objeto

testemunho, vale lembrar que ela “percorreu” uma trajetória que a qualificou e a tornou apta

para esta nova função.

Sinais desses caminhos, no caso dos instrumentos científicos do Observatório Antares,

foram encontrados em alguns documentos oficiais, nos periódicos locais, regionais e até

nacional, bem como nos relatos dos ex-funcionários e ex-voluntários da entidade. Esse

diverso corpo documental registrou, por exemplo, desde os momentos que marcam as

aquisições dos equipamentos até as situações de abandono, quando ficaram relegados à

108 DE SETA, Cesare. “Objecto”. In: Enciclopédia Rinaude, vol.3, Artes – Tonal/ Atonal, Imprensa Nacional,

Casa da Moeda, 1984. p. 108. 109MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos: tradução de Luiza Lobo; revisão técnica de Mário Tavares D’Amaral.

Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1981, p. 94. 110 Sobre o uso do conceito de cultura material, ver PESEZ, Jean Marie. “História da cultura material”. In: LE

GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 177-213.

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poeira. Ao reunir essas evidências nota-se a intenção de construir-se uma memória por

aqueles que estavam envolvidos no processo. Segundo Ecléa Bosi:

Quando um grupo trabalha intensamente em conjunto há uma

tendência de criar esquemas coerentes de narração e interpretação dos fatos,

verdadeiros “universo de discurso”, “universos de significado” que dão ao

material de base uma forma histórica própria, uma versão consagrada nos

acontecimentos.111

Esse tipo de narrativa foi comum em relação aos objetos adquiridos pelo Antares. Na

imprensa, diversas matérias referiam-se às aquisições que a instituição pretendia fazer e sobre

elas elaboravam-se enredos e descreviam-se as qualidades, fazendo com que o leitor e até o

próprio Orrico construíssem uma imagem de como seriam. Assim ocorreu, por exemplo, com

o primeiro telescópio, com a central horária e outros. As informações sobre o primeiro

telescópio estão na matéria “Feira terá Observatório”, que é composta por dados descritivos e

uma fotografia com alguém manipulando o telescópio igual àquele que a entidade estava

adquirindo, a fim de reforçar ou criar um imaginário de como seria ao chegar o do Antares.

Molles afirma que o auge do objeto está no instante em que ele passa de desejo a

instrumento adquirido. Daí, começa a fazer parte de uma esfera pessoal, o momento ápice da

alegria consumidora, onde ainda não há um contato tão direto com ele.112 Na trajetória do

Antares esta situação é representada pelas diversas inaugurações ocorridas. A chegada de cada

um dos objetos constituiu-se em motivo suficiente para organizar eventos e divulgá-los

amplamente nos jornais.

O ato da descoberta do objeto é visto por Molles como a hora em que o indivíduo tem

a apreensão cognitiva sobre sua nova ferramenta.113 Essa fase, no presente trabalho, acaba se

confundindo com a próxima, definida pelo autor como “afeição”. Segundo ele, essa etapa está

caracterizada pelo instante em que se constatam as propriedades reais do objeto, deixando de

lado as ideais. Nos periódicos, esses dois níveis são mostrados por matérias que anunciam a

chegada de astrônomos, a fim de prestar auxílio à entidade na montagem, e dar as primeiras

instruções de manipulação.

O nível seguinte é denominado hábito. Nele, o objeto está progressivamente sendo

recuado da cena principal, é neutralizado, ocorrendo uma espécie de depreciação cognitiva.114

O que faz persistir sua existência naquele meio é justamente a sua função e a frequência com

111 BOSI, ECLEA. Memória e sociedade, p. 66-67. 112 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p. 96. 113 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p.97. 114 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p.97.

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que é utilizado. Esse fenômeno pode ser verificado no Antares, por meio das previsões do

tempo fornecidas diariamente para o Folha do Norte e o Feira Hoje, assim como pelas

matérias que divulgavam os boletins, anuários e a carta celeste.

A sexta e última fase do objeto antes da sua morte é denominada por Molles

“conservação”. Nesse estágio, a ferramenta é passível de sofrer reparos, devido ao desgaste do

tempo.115 No Observatório essa situação foi vivida quando a entidade passou por uma intensa

crise, que também foi divulgada pelos periódicos. E neles foi ressaltada a necessidade de se

consertar os aparelhos danificados pela ação do tempo.

A morte do objeto, por sua vez, é o momento em que o indivíduo o substitui por outro

mais avançado, ou é descartado por tornar-se inválido. Com o Antares, viu-se nos jornais a

morte não só dos objetos, mas também da própria entidade, entre o final dos anos de 1980 e

início dos anos de 1990. Devido à ausência de verbas públicas e de parcerias, o Antares

paralisou totalmente as suas atividades, sendo relegado ao abandono e ao domínio da poeira e

do mato. Uma espécie de retorno à natureza, ocasionada pela não ocupação dos espaços pelos

homens.

Os objetos nesse período já não exerciam as suas funções originais. Converteram-se

em moradia de pássaros e outros animais. Ao prédio, no entanto, fora dada outra atribuição:

tornou-se a secretária de saúde do município. Até que, em 1992, a Universidade Estadual de

Feira de Santana o incorporou, na condição de órgão suplementar, e apossou-se de todo o seu

patrimônio.

Essa integração pode ser considerada como uma tentativa de desafiar o tempo. Com

os objetos ocorreu duplamente, pois foram “salvos” do desgaste do tempo pela UEFS e ,

posteriormente, atribuíram-lhes outro significado, o de testemunhos, representantes de um

passado institucional.

Ressignificação do objeto

Um museu, independentemente de sua tipologia, dá a impressão de possuir uma razão

ordenadora. Assim, ele se opõe, por exemplo, a um sótão. O sótão possui, ao mesmo tempo, a

função de rejeição e de seleção de objetos. Eles estão ali, esquecidos, mas, de qualquer

maneira, foram salvos do lixo e sugerem a ideia de que podem servir um dia.116

115 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p. 98. 116 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p. 79.

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Os objetos tecnológicos vivem em uma espécie de sótão quando caem em desuso e

podem vir a fazer parte do acervo de um museu. Isso ocorre por meio de duas diferentes

situações: ou por doação ou por fazerem parte da instituição em que ele já se encontra. No

caso dos objetos científicos que fazem parte do Museu Antares de Ciência e Tecnologia,

inaugurado em 2009, pode-se dizer que eles encaixam-se na segunda situação. Foram

preservados, mesmo que de maneira precária, no caos de um imaginário sótão e só

começaram a fazer sentido como objetos-testemunhos, a partir do momento em que lhes

foram atribuídos esse valor, dando-lhes uma segunda função: representar o passado

vivenciado pela Fundação Observatório Astronômico Antares entre as décadas de 1970 e

1980.

Esses objetos passam a ser empregados de acordo com o que define Jean Baudrillard

sobre “o objeto abstraído de sua função”.117 Para ele, todo objeto possui duas funções, a de ser

utilizado e a de ser possuído.

A primeira depende do campo de totalização prática do mundo pelo

indivíduo, a outra um empreendimento de totalização abstrata realizada pelo

indivíduo sem a participação do mundo. Estas duas funções acham-se na

razão inversa da outra. Em última instância, o objeto estritamente prático

toma um estatuto social: é a máquina. Ao contrário, o objeto puro, privado

de sua função ou abstraído de seu uso, toma um estatuto estritamente

subjetivo: torna-se objeto de coleção.118

E ao tornar-se um objeto coleção, ou um objeto acervo, passa pelo processo de

musealização que, por sua vez, está dividido nas seguintes etapas: aquisição, pesquisa,

documentação, conservação e comunicação.119 Com exceção da primeira, todas as outras

fases, pode-se dizer que são permanentes. Neste trabalho, tem-se feito de maneira recorrente a

etapa da pesquisa dos objetos que fizeram parte da construção do Observatório Antares.

O conjunto desses objetos constitui a memória da instituição, incluindo desde o

processo inicial de montagem e aquisição paulatina até os eventos nos quais eles possam ter

sido expostos. A dinâmica de todo esse patrimônio material se dá, quase sempre, da mesma

maneira. Tal condição é constatada, por exemplo, no catálogo de instrumentos científicos do

Observatório do Valongo, como se vê a seguir:

117 BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Editora

Perspectiva, 2012, p.94. 118 BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos, p. (colocar a página). 119 CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo: Annablume, 2005, p.26.

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Instituições científicas, como laboratórios, institutos de pesquisa e

observatórios astronômicos, são quase sempre portadores de objetos que

foram usados nas atividades científicas de rotina. Contudo, o

desenvolvimento tecnológico e a conseqüente substituição de equipamentos

por outros mais modernos provoca o surgimento de grupos de objetos que,

apesar de não estarem mais em uso, contam parte da história institucional, se

forem entendidos como suportes de informação, como documentos. 120

Para esse capítulo utilizam-se conceitos da historiografia e definições da museologia,

tendo em vista que o patrimônio material científico que outrora fez parte da implantação do

Observatório Antares permaneceu sob tutela do setor Museu Antares de Ciência e Tecnologia.

Na museologia, a documentação museológica é vista como um sistema de informação

capaz transformar as coleções em fontes de pesquisa, bem como em ferramentas para a

transmissão do conhecimento.121 Considera-se que toda e qualquer cultura material traz

informações intrínsecas e extrínsecas, assim consideradas por Helena Ferrez:

As informações intrínsecas são as deduzidas do próprio objeto, através

da análise das suas propriedades físicas. As extrínsecas, denominadas por

Mensch (1987) de informações documental e contextual, são aquelas obtidas

de outras fontes que não o objeto e que só muito recentemente vêm

recebendo mais atenção por parte dos encarregados de administrar coleções

museológicas. Elas nos permitem conhecer os contextos nos quais os objetos

existiram, funcionaram e adquiriram significado e geralmente são fornecidas

quando da entrada dos objetos no museu e/ou através das fontes

bibliográficas e documentais existentes.122

Tomando como base essa definição, percebe-se que não é suficiente a descrição física do

objeto. Deve-se partir para a consulta de outros suportes informativos, a fim de traçar a

trajetória de cada ferramenta e sua importância para a afirmação do Antares na condição de

entidade científica. As fontes orais e os periódicos tornaram-se indispensáveis nesse momento

da pesquisa. As primeiras funcionaram na medida em que informaram acerca das pessoas

envolvidas no processo de aquisição, bem como a relação dessas com a cultura material em

questão. A segunda modalidade de fonte contribuiu para explicitar o contexto do uso dessas

ferramentas, o momento de chegada delas ao Antares e, por fim, evidenciou, em diferentes

ocasiões, o quantitativo desses objetos, ao longo do que se pode considerar a primeira fase do

Observatório, de 1971 a 1992.

120 Coleção de instrumentos científicos do Observatório do Valongo. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, p.15. 121 FERREZ, Helena Dodd. Documentação Museológica: teoria para uma boa prática. Cadernos de Ensaio, n.2,

Estudos de Museologia, Rio de Janeiro: Minc / IPHAN, p.64-74. 122 FERREZ, Helena Dodd. Documentação Museologica, p.64.

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Infraestrutura científica do Antares

Os objetos científicos do Antares foram incorporados à entidade por meio de

convênios estabelecidos com outras instituições. Alguns já estavam em desuso por elas e

outros jamais tinham sido utilizados. Assim ocorreu com o Fotoheliógrafo e dois telescópios

refratores, adquiridos na década de 1970, e com o telescópio laser, no final dos anos de 1980.

A procedência dos equipamentos era divulgada pelos jornais, no entanto, nem sempre

os motivos da concessão pela instituição doadora eram informados. Há indícios de

desinteresse por alguns desses equipamentos por parte daqueles que estavam cedendo-lhes.

Mas, ao chegar ao Antares, a concepção que se tinha ou se formava sobre eles era outra. Eram

tomados enquanto ferramentas de alta qualidade, necessárias para compor o quadro estrutural

da entidade.

No Folha do Norte, por exemplo, há uma matéria da edição dos dias 30 e 31 de julho

de 1978, intitulada “Antares tem novos telescópios”. No texto consta que o Observatório

havia conseguido dois telescópios refratores, da marca Cassegrain, por meio de um convênio

realizado com o Programa de Melhorias das Instalações do Ensino Superior. Antes de chegar

ao Antares, foram utilizados pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pela Universidade

Federal do Amazonas.123

Ao que parece, as negociações para a vinda desses equipamentos consistiam em uma

caminhada árdua e longa. O documento que autorizou a doação de um deles encontra-se com

a data de dois anos antes da publicação da matéria do Folha do Norte. No ofício 906/76,

datado de 05 de maio de 1976, há o encaminhamento de outro ofício da Universidade do

Amazonas que deixa à disposição o Telescópio Cassegrain Meniscus 150/2250. Nele há uma

solicitação para que o Antares tomasse as providências a fim de remanejar o objeto, além de

endossar os documentos em favor de Orrico e as credenciais para que o equipamento fosse

liberado.124

As reportagens além de anunciarem a aquisição dos novos objetos, noticiavam também,

por dias seguidos, o momento da chegada deles, o processo de montagem, a inauguração e as

personalidades que compareciam aos eventos. Essa prática foi percebida na maioria dos

periódicos consultados que costumavam divulgar as ações do Antares.

123 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 08.07.1978 - 20.08.1973. Jornal Folha do Norte, Feira de

Santana, 30 e 31 de julho de 1978, s/n. 124 BRASÍLIA. Ofício n°906/76, 05 de maio de 1976.

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O que diferia de um jornal para o outro era apenas a data de publicação. Em alguns

casos, chegou-se a repetir até o mesmo texto, assim, por exemplo, ocorreu com duas matérias,

uma divulgada pelo A Tarde, no dia 7 de junho de 1978, e a outra pelo Diário de Notícias, em

8 de junho.125 Nas duas, deu-se o seguinte título com uma pequena diferença, a troca do

segundo “do” por “de”: “Programa do Antares será totalmente feito através do computador”.

Os jornais divulgavam as aquisições do Antares sempre vinculand a imagem da

entidade à ideia de um grande centro de pesquisa astronômica, o único do Norte e Nordeste,

de grande potencial educativo e turístico. Além disso, considerava toda e qualquer

aparelhagem adquirida pela entidade como sofisticada e moderna, mesmo que algumas dessas

ferramentas estivessem obsoletas em outras organizações, ou até mesmo chegassem

incompletas. Foi o caso do telescópio laser. Um objeto de peso e tamanho consideráveis, que

ao chegar ao Observatório, parece que não desempenhava satisfatoriamente a função principal

de medir a distância entre a Terra e a Lua, pela ausência do canhão laser.

Ainda assim, esses objetos apareciam retratados nos periódicos como instrumentos

que contribuíam de maneira significativa para o crescimento da entidade. Seja no momento de

suas chegadas ou no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, quando o Antares

passava por dificuldades. Na matéria de 05 de junho de 1991, do A Tarde, o articulista

endossou essa função dos instrumentos ao registrar que em 1985, a entidade teria adquirido

(...) projeção internacional ao incluir entre os seus equipamentos um

telescópio laser Grupo-90, de fabricação norte-americana, o único da América

do Sul e um dos três existentes do mundo. Os demais estão na Bélgica e nos

Estados Unidos. Esse equipamento pode aproximar um astro 1400 vezes e foi

um verdadeiro prêmio para César Orrico, que começou tudo com um

telescópio que aproximava apenas 80 vezes. 126

Em um dos documentos oficiais, um relatório produzido e anexado ao processo de

número 026/89, destinado ao governo estadual, os instrumentos apareceram arrolados em um

item intitulado “Equipamentos Técnicos Disponíveis”. Nele, consta 12 objetos, cuja descrição

segue:

125 Respectivamente: COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 08.07.1978 - 20.08.1973. Jornal A Tarde,

Salvador, 07 de junho de 1978, s/n; COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 08.07.1978 - 20.08.1973.

Jornal Diário de Notícias, Salvador, 08 de junho de 1978, s/n. 126 A Tarde, Salvador, 5 jun.1991, p.14.

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Quadro 3: Instrumentos científicos do Observatório Antares

- Telescópio de 15 cm de abertura da Star Line Company – USA Objetiva acromática de 150 mm.

Relação focal: F/d 15 – 2286 Montagem equatorial com clock drive. Comando em movimento

elétrico em AR e Declinação. Um prisma zenital. Uma luneta buscadora de 300 mm. Seis oculares

ortoscópicas.

- Fotoheliógrafo Steinhel – Muchen – Alemanha. Uma câmera fotográfica 9x12. Dispositivo de

acompanhamento a corda. Três chassis fotográficos duplos. Montagem equatorial.

- Telescópio refletor Dinamax 8 – USAF / d-8 – 2110 mm. Três oculares ortoscópicas. Montagem

equatorial. Mocimento em clock drive. Dois círculos posicionais – AR e declinação. Comando

elétrico de velocidade. Filtro solar.

- Telescópio Meniscus – Cassagrain Refletor – Alemanha. Dois círculos posicionais e declinação.

Montagem equatorial. F/d 150/2286 mm. Três oculares ortoscópicas. Uma astro-câmera 9x12.

- Um telescópio refletor – d / Japan. Montagem azimutal – 150 mm – Duas oculares. Filtro solar.

- Cronômetro com ponteiro de parada – Suíça.

- Um filtro solar – skriin.

- Uma central horária a Quartzo.

- Dois computadores CP-500 com drive.

- Uma impressora P-720.

- Um estabilizador de 1Kva eletrônico.

- Um binóculo swift 7x35

Fonte: Anexo de processo 026 / 89 do governo de Estado da Bahia. Arquivo Museu

Antares

Os objetos e suas representações

Na experiência do Antares, no que se refere ao papel da imprensa, houve a intenção de

construir uma imagem pública da entidade e daqueles envolvidos, direcionada para um perfil

científico, um grupo que “entendia” de astronomia.

Pierre Bourdieu denomina essas iniciativas de sistemas simbólicos. Segundo ele, tais

sistemas “[...] cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação

da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra

(violência simbólica) [...]”.127

Dentre os artifícios utilizados pelos dirigentes dos Antares, viu-se no capítulo anterior,

que os mais empregados foram os periódicos e as fotografias. Houve momentos em que eles

foram utilizados em conjunto, reforçando a memória dos leitores. Vale ressaltar que ambos os

instrumentos são recursos “dignos” de uma sociedade moderna.

Se, por um lado, os objetos científicos são produtos modernos e materializam a prática

astronômica do Antares, por outro, há que se considerar o papel das representações

127 BOURDIEU. Pierre. O poder simbólico. p.11.

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fotográficas desses mesmos objetos para a história da entidade e sua memória. Na medida em

que os aparatos científicos chegavam às dependências do Antares, além de servirem aos fins

almejados, convertiam-se em peças a serviço da memória, ao serem registrados em imagens

fotográficas quando utilizados. Resta claro o interesse de “encenar” para a posteridade uma

prática científica. Um evidente entrelaçamento entre “práticas” e “representações”, para usar

os termos de Roger Chartier.128

Portanto, contar a história do Antares com base nas aquisições e uso dos instrumentos

de trabalho dos astrônomos requer considerar as representações que se faziam sobre esse

patrimônio. Sob esse aspecto, história e memória encontram-se inteiramente articuladas.

O recurso da fotografia para preservar uma memória das práticas científicas do

Antares traz embutido, necessariamente, um dispositivo moderno: a própria fotografia,

mesmo que em algumas situações ela tenha sido utilizada para “simular” uma conduta

científica.

Na visão de Susan Sontag é possível compreender a fotografia como um aparato da

vida moderna quando:

[...]uma de suas atividades principais consiste em produzir e

consumir imagens, quando imagens que têm poderes excepcionais

para determinar nossas necessidades em relação à realidade e são, elas

mesmas, cobiçados substitutos da experiência em primeira mão se

tornam indispensáveis para a saúde da economia, para a estabilidade

do corpo social e para a busca da felicidade privada.129

Ao fazer um breve levantamento das fontes iconográficas do Antares, percebe-se que a

maioria delas foi produzida intencionalmente pelo fotógrafo e pelos indivíduos que estavam

no cenário a ser registrado. São raras as imagens “flagrantes”, registrando momentos de

descontração, como da figura 8. Boa parte delas havia aquele instante de se fazer a “pose”

para a foto.

128CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela

Galhardo. Lisboa: Difusão Editora, 1988. 129 SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

p.170.

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Figura 8: Ronaldo Mourão (Rio de Janeiro) e Drance Amorim (Feira de Santana)

Fonte: Acervo pessoal de Ronaldo Mourão

Dentre as principais composições estão o registro de personalidades astronômicas e

políticas, tanto em momentos solenes quanto de descontração, instrumentos astronômicos

sendo manipulados e eventos astronômicos. Ao reunir essas diferentes imagens, com os mais

diversos temas, consegue-se identificar uma espécie de linha cronológica da entidade com

uma narrativa que apresenta começo, meio e fim.

A maioria dessas imagens foi produzida pelo fotógrafo Antônio Ferreira Magalhães.

Isso se deu, não apenas pelo cargo ocupado por ele, de diretor fotográfico no Antares, mas

também porque ele exerceu a função de fotojornalista no Feira Hoje. No livro História nas

lentes: Feira de Santana pelo olhar do fotógrafo Antônio Magalhães, tem-se uma espécie de

“raio x” acerca da sua vida profissional.130Na apresentação da obra, consta que nela havia:

[...] registros fotográficos da história e sua rara consciência

acerca da importância de cada imagem, cada documento produzido,

sem dúvida, como parte de sua atividade profissional, mas também

como resultado de um projeto, ainda que inconsciente, de registrar e

explicar, de atribuir e reconhecer significados, de identificar e

identificar-se com seu (novo) lugar.131

Dessa maneira, é possível dizer que as imagens de Magalhães, é seu próprio olhar.

Kossoy, nessa perspectiva considera: “o registro visual documenta, [...] a própria atitude do

130 MAGALHÃES, Antonio Ferreira de. História nas lentes: Feira de Santana pelo olhar do fotógrafo Antônio

Magalhães / Antonio Ferreira Magalhães, Aldo José Morais Silva, Clóvis Frederico Ramaiana Morais Oliveira.

Feira de Santana: UEFS Editora, 2009. 131 MAGALHÃES, Antonio Ferreira de. História nas lentes, p.14.

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fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e sua ideologia acabam transparecendo

em suas imagens [...]”.132

Figura 9: Inauguração do Observatório Antares, em 1974

Fonte: Acervo pessoal de Ronaldo Mourão

Dentre os momentos solenes, vale destacar a inauguração oficial do Observatório, em

novembro de 1974. Essa imagem, ao que parece, foi reproduzida várias vezes. No entanto,

não se chegou a vê-la nos periódicos. Um dos originais foi encontrado em 2013, na residência

de Ronaldo Mourão. Em seu verso constava uma marca de carimbo do “Estúdio Magalhães”.

Indagado sobre a imagem, o fotógrafo descreveu as circunstâncias sob as quais ela foi

produzida, já que ele apareceu também na composição. Segundo ele, deveríamos atentar-nos,

ao olhar àquela fotografia, para a altura em que a máquina estava, pois, como se vê, ela pega

um ângulo de baixo para cima, já que fora seu filho, ainda criança, que fez o “click”.133

Percebe-se pela imagem, a intenção de registrar a posição social dos personagens.

Nela, todos estão com trajes formais, dignos de um momento solene. No entanto, aqueles que

eram ocupantes de cargos mais altos, como o astrônomo Ronaldo Mourão, e os diretores de

outros Observatórios, estão trajados de maneira mais discreta, enquanto José Olímpio

Mascarenhas, (colaborador da entidade), o Fotógrafo Magalhães e César Orrico vestiram-se a

moda da época, calças boca de sino e paletós quadriculados.

O registro de outro momento formal que nos chamou atenção foi a entrega de um

quadro para ACM, um gesto que visava obter apoio para a construção do Antares. O cenário

132 KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Editora Ática, 1989, p.27.

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foi narrado também por Magalhães, em entrevista concedida no ano de 2013. Segundo o

fotógrafo, todas as lembranças daquele episódio eram-lhes claras como se fizessem parte de

seu presente. Eles entregaram aquele quadro com o intuito de pedir ajuda, pois a prefeitura

tinha doado o terreno e eles precisavam cercá-lo, adquirir documentação e para tudo isso

precisava-se de dinheiro.

Para então conseguir o apoio do governador, eles produziram aquele quadro, com a

imagem de um eclipse lunar registrado pelos aparelhos do fotógrafo, que, segundo ele,

possuíam boa qualidade.

Magalhães chegou a descrever o quadro como sendo uma fotografia da lua, com

crateras muito bonitas, com o eclipse já tomando quase que a metade do satélite terrestre. Para

ele, com aquela imagem fez-se um pôster 50x60, foi entregue ao governador. Em

consequência disso, Magalhães afirmou que não só ganhou o apoio de Antônio Carlos

Magalhães, mas também de muito outros, como Ângelo Calmon de Sá, presidente do Banco

Econômico.134

Ao que parece, essa mesma imagem foi assunto em um informe especial sobre Feira

de Santana, no Jornal do Brasil.135 Intitulada “Telefoto Magalhães abrigo de um artista”, a

matéria informa sobre os vários cursos de capacitação feitos por ele, bem como seus

equipamentos de alta qualidade. O Antares foi colocado em destaque enquanto entidade que

conferiu visibilidade a seu trabalho, pois, segundo o articulista, Magalhães viu um de seus

registros serem apreciados por milhares de brasileiros e pessoas das mais diferentes

nacionalidades, por causa de uma fotografia do eclipse da Lua, que foi publicada em “diversas

revistas internacionais e praticamente em todos os jornais brasileiros”.

135Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 nov. 1976, p.28.

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Figura 10: Entrega de quadro para Governador ACM

Fonte: <http://ginasiosantanopolis.blogspot.com.br/search/label/Carlos%20Bacelar>. Acesso em: 24/03/2017.

Ao falar sobre essa imagem, Magalhães não a tinha em mãos. A descrição do

momento por ela registrado contou apenas com a memória do entrevistado. Essa situação faz

refletir quanto ao poder que as fontes imagéticas possuem. Dentre as várias definições dadas

por Kossoy, há um fragmento que destaca bem o que ocorreu com Magalhães naquela

situação. Kossoy diz que as “[...] imagens nos levam ao passado numa fração de segundo;

nossa imaginação reconstrói a trama dos acontecimentos dos quais fomos personagens em

sucessivas épocas e lugares.”136

A tal imagem só foi encontrada quatro anos depois, em 2017, quando este trabalho já

estava em fase de conclusão. Durante uma pesquisa na internet, achou-se um blog do Colégio

Santanópolis, instituição de ensino criada pelo deputado Áureo Filho, onde estudou César

Orrico. O site tem cunho memorialístico, nele é possível acessar diversos depoimentos de ex-

alunos, como foi o caso de Carlos Bacelar. Em seu texto, há um relato de seu envolvimento na

criação do Antares, como também diversas fotografias. Dentre elas, encontra-se a foto acima,

por ele descrita da seguinte maneira:

Este foi o momento quando César, Zé Olímpio e Dep. Áureo Filho

entregaram uma foto da lua ao Gov. Antônio Carlos Magalhães, e

apresentaram o projeto de Raimundo Torres, para a construção

do Observatório, que foi o momento que o Gov. disse: “Vamos

construir o Observatório”. Estavam presentes: Dep. Vieira Lima, Gov.

ACM, Dep. Áureo Filho, Dep. Augusto Matias, Zé Olímpio e Cezar

Orrico.137

136 KOSSOY, Boris. Fotografia e História. p. 68. 137 Consultar: <http://ginasiosantanopolis.blogspot.com.br/search/label/Carlos%20Bacelar>. Acesso em:

24/03/2017

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Outra situação parecida ocorreu na fotografia seguinte. A imagem fora encontrada no

mesmo site que a anterior e condiz com uma das falas de Magalhães, quando afirmou que o

Antares “nasceu” no fundo de sua “casinha”. Essa fala do fotógrafo faz refletir acerca da

importância das fontes orais colocada por Verena Alberti e sobre a ideia de contexto, posta

por John Berger.

Alberti diz que um dos pontos positivos de se utilizar as fontes orais está no “[...] fascínio

da experiência vivida pelo entrevistado, que torna o passado mais concreto e faz da entrevista

um veículo bastante atraente de divulgação de informações sobre o que aconteceu.” 138

Já Berger, em seu livro Para entender uma fotografia, defende a seguinte ideia: “Se

queremos pôr uma fotografia de volta no contexto da experiência, da experiência social, da

memória social, temos de respeitar as leis da memória. Temos de situar a fotografia impressa

de modo que ela adquira algo do surpreendente caráter conclusivo daquilo que era e daquilo

que é.”139Acrescenta: “Esse contexto reinsere a fotografia no tempo – não em seu próprio

tempo original, pois isso seria impossível, mas no tempo narrado. O tempo narrado torna-se

tempo histórico quando é assumido pela memória social e pela ação social.” 140

Vê-se na imagem que ele e Orrico estão posicionados próximos de uma luneta

astronômica, a fim de representar a “familiaridade” de ambos com a ciência em questão.

Muito provavelmente, nenhum fenômeno celeste estava sendo observado. Apenas montou-se

um cenário onde os dois personagens foram evidenciados enquanto pessoas que sabiam

manipular o tal objeto.

138 ALBERTI. História dentro da História, p.170. 139 BERGER, John. Para entender uma fotografia. Tradução de Paulo Geiger. São Paulo: Editora Companhia

das Letras, 2017, p.85. 140 BERGER, John. Para entender uma fotografia, p.86.

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Figura 11: César Orrico e Antonio Magalhães simulando observação

Fonte: <http://ginasiosantanopolis.blogspot.com.br/search/label/Carlos%20Bacelar>. Acesso em: 24/03/2017.

Essas simulações com objetos astronômicos tornaram-se frequentes no Antares.

Muitas das matérias publicadas nos periódicos locais e regionais eram acompanhadas por

imagens como a anterior. Ao observá-las, nota-se que não havia critério técnico-científico

sobre quem iria “manipular” o instrumento a fim de compor a fotografia. Além de César

Orrico, encontrou-se registro com um dos filhos de Antônio Magalhães simulando o uso de

um telescópio, na cúpula principal. A imagem foi publicada em 18 de março de 1986, no

Correio da Bahia, a fim de divulgar a participação da entidade na observação do cometa

Halley. 141

Figura 12: Filho de Antônio Magalhães simulando uso de telescópio.

Fonte: Jornal Correio da Bahia, 18 de março 1986. Arquivo Museu Casa do Sertão / Recortes Coleção UEFS

141 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1986. Jornal Correio da Bahia, Salvador, 18 de março de 1986,

s/n.

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Para falar do evento, Orrico também apareceu encenando o uso do telescópio laser.

142Como se vê na imagem seguinte:

Figura 13: Orrico manuseando o telescópio laser

Fonte: Jornal A Tarde, 7 de fevereiro 1986. Arquivo Museu Casa do Sertão / Recortes Coleção UEFS

No entanto, o mesmo ambiente em que Orrico apareceu “cuidando” dos detalhes

relacionados à passagem do cometa Halley, conforme consta na legenda original, o

funcionário mais antigo da entidade, Francisco Roque, também apareceu “manipulando” um

instrumento astronômico.

Figura 14: Francisco Roque manuseando equipamento desativado

Fonte: Jornal A Tarde, 15 de junho 1991. Arquivo Museu Casa do Sertão / Recortes Coleção UEFS

Francisco Roque nunca ocupou uma função técnica da entidade ao ponto de utilizar

142 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1986. Jornal A Tarde, Salvador, 7 de fevereiro de 1986, s/n.

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um instrumento para observação. Na entrevista, ele afirmou que esteve presente na vida do

Antares desde o início da instituição. Dentre os cargos por ele ocupados, estão o de pedreiro,

vigilante, serviços gerais e técnico em manutenção. Essa imagem chama a atenção não apenas

por Francisco Roque ter ocupado funções não técnicas, e por esse motivo não era a pessoa

“adequada” para lidar com o objeto, mas também pelo contexto no qual ela foi produzida. A

matéria da qual faz parte não trata do auge da entidade, mas de sua decadência, como se

verifica na legenda “importantes equipamentos estão desativados”. A figura de Roque não

apareceu em destaque ao longo dos primeiros anos do Antares. Ele ganhou evidência apenas

no período em que o Observatório estava em franca decadência, aparecendo como alguém que

tomava conta de tudo que estava abandonado. Em seu relato, destacou que Orrico chegou a

pagar-lhe para dormir no Antares, a fim de evitar possíveis vandalismos.

Os artefatos já não se encontram mais à disposição como vestígios de uma

experiência, o que sobreleva a importância de suas imagens para reconstruir a história do

Antares. Na medida em que desaparecem, esses objetos deixam de cumprir o papel de “lugar

de memória”, mas as fotografias deles ficaram para atestar a sua presença e verificabilidade

de sua existência.

Em muitos casos, as imagens desses objetos remetem às suas circunstâncias sociais e

políticas. Portanto, trata-se de registros documentais que extrapolam a singularidade do objeto

em si, incorporando momentos específicos da trajetória do Observatório. Nos tópicos que

seguem, destacam-se os objetos e suas circunstâncias, o que ajuda a compreender a dinâmica

e os usos políticos do patrimônio material e científico da instituição.

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Central horária e a “precisão” do tempo

Figura 15: Inauguração da Central Horária do Antares, Antônio Carlos Magalhães

Fonte: Acervo pessoal Ronaldo Rogério Freitas Mourão

Poucos meses após a inauguração oficial do Antares, ocorrida em novembro de 1974,

César Orrico já aparecia nos periódicos realizando outras inaugurações, dessa vez, dos

equipamentos adquiridos. Como visto no primeiro capítulo, Orrico recebeu apoio, em 1975,

do empresário Drance Amorim, dono da ECNARD, para a implantação de uma Central

Horária.143

Segundo extensa matéria presente no Feira Hoje, esse empreendimento era visto como

essencial, pois era necessário ter uma referência de tempo preciso para a observação de

fenômenos que ocorriam em função dele. O novo equipamento foi descrito como um coração

pulsante de cristal piezo-elétrico de quartzo que vibrava em uma frequência de 120 mil ciclos

por segundo. Sua precisão estava na ordem de uma parte em cinquenta milhões, o que

equivalia a uma variação de tempo de cerca de 1 segundo a cada 579 dias. Ainda segundo a

reportagem, a Central Horária possuía sistemas digitais para indicadores da hora em formato

numérico e com sistema de áudio.

Essa “necessidade” de precisar o tempo é também um sintoma da modernidade. Bruno

Latour afirma que por mais que ela possua vários sentidos, “ainda assim, todas as definições

apontam de uma forma ou de outra, para a passagem do tempo. Através do adjetivo moderno,

assinalamos um novo regime, uma aceleração, uma ruptura, uma revolução do tempo.”144

143Feira Hoje, Feira de Santana, 18 mar. 1975, p.5. 144 LATOUR, Bruno. Jamais formos modernos. p. 15.

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Figura 16: Inauguração da Central Horária do Antares, Antônio Carlos Magalhães e Drance Amorim

Fonte: Jornal Feira Hoje, 28 de março de 1975. Arquivo da Biblioteca Municipal de Feira de Santana

José Ângelo descreveu em sua entrevista, em outubro de 2017, que antes da

implantação da central horária, para obter a hora exata, ligava-se para o número 130 do

Observatório Nacional do Rio de Janeiro. E juntamente com o uso de um cronômetro

registrava-se a hora exata dos fenômenos astronômicos.

Segundo ele, a aquisição de uma central horária era mais que necessária, pois, para o

estudo dos eventos na astronomia, o horário preciso era fundamental. Do seu ponto de vista,

ele acredita que para resolver esse problema, e deixar de depender daquela central de

informações, César Orrico conversou com Drance Amorim, pois ele havia trabalhado na

NASA e, ao se aposentar, montou uma empresa de eletrônicos, a ECNARD. Segundo Ângelo,

Drance afirmou que havia a possibilidade de construir um relógio, a quartzo. De acordo com

as suas lembranças, a aparelhagem ficava em um armário grande, prateado. A sua aquisição

teria conferido maior credibilidade ao trabalho realizado no Antares.

Como consequência, segundo ele, a entidade chegou a realizar um trabalho para o

Observatório de Greenwich.

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Relógio: “hora” do Antares para o povo

Figura 17: Monumento do Relógio na Avenida Getúlio Vargas

Fonte: Produção de Antônio Joaquim de Freitas Souza, 2017

Em decorrência da central horária, o Feira Hoje anunciou, quase um mês depois, os

planos para a construção de um relógio em parceira com o Rotary Clube de Feira de Santana e

com a empresa ECNARD.145 Segundo a matéria, o objeto seria instalado entre a Prefeitura e a

Igreja Senhor Passos, tornando-se mais um monumento para a cidade, projetado pelo

arquiteto Amélio Amorim. No entanto, ao que parece, os planos ficaram no papel por longo

período e somente anos depois fora instalado na mesma avenida, porém, em outro local.

Ao indagar José Ângelo sobre esse monumento, ele confirmou o envolvimento de

Drance Amorim no projeto, que por ausência de verba não foi concluído. Segundo ele, o

relógio foi implantado muitos anos depois, pelo Rotary, mas muito diferente do que a

princípio havia sido planejado. No projeto original, o monumento possuía o dobro ou triplo da

altura, seria digital e estaria ligado por cabo à central horária do Antares.

Ao empenhar-se em construir um monumento de grandes proporções no centro da

cidade, Orrico e os demais dirigentes do Rotary e da ECNARD, muito provavelmente,

queriam imprimir as suas marcas naquele objeto e fazer dele mais um instrumento de

divulgação e cristalização de suas imagens pessoais e profissionais no cenário Feirense.

Nessa medida, não haveria apenas a instalação de um simples relógio, a fim de

fornecer a hora certa para os transeuntes. Mas, sim, transformar seus nomes e os de suas

entidades em marcos. Mesmo que de forma inconsciente, seus idealizadores pensaram em

145 Feira Hoje, Feira de Santana, 14 abr. 1975, p.2.

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algo que viria a ter, como diz Jacques Le Goff, o poder de perpetuação, uma espécie de

legado à memória coletiva. 146

Ao classificar qualquer objeto de monumento, é importante considerar sua etimologia.

Provinda do latim monumentum, que deriva de monere, palavra que significa “advertir”,

“lembrar”, ou aquilo que evoca lembrança.147

Ao empregá-la, Françoise Choay afirma que o seu propósito essencial é tocar pela

emoção, uma espécie de memória viva. E “nesse sentido primeiro, chamar-se-á monumento

tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que

outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças”.148

No entanto, vale ressaltar que essa definição não cabe apenas ao relógio, aquilo que foi

chamado diretamente de monumento, mas, sim, a todo o patrimônio da entidade Antares.

Nisso, incluem-se livros, objetos científicos e o próprio patrimônio edificado. Ao ampliar

neste trabalho o corpo monumental, considera-se outra definição apresentada por Françoise

Choay, observada por A. Riegl:

[...]monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja destinação foi

pensada a priori, de forma imediata, enquanto o monumento histórico não é,

desde o princípio, desejado (ungewollte) e criado como tal; ele é constituído

a posteriori pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte,

que selecionam na massa dos edifícios existentes, dentre os quais os

monumentos representam apenas uma parte.149

Dessa maneira, reconhece-se que o relógio idealizado pelo Antares, em conjunto com

outras instituições, está no grupo em que Choay define enquanto monumento. Já as

ferramentas, matérias de estudo e o prédio da entidade, deverão ser compreendidos como

monumentos históricos, pois são objetos do passado que não tinham como função primária

serem monumentos. Ao atribuir-lhes esse valor, são convertidos em testemunhos históricos.

Se, por um lado, há uma parte do patrimônio do Antares que se apresenta ao público

na forma de “monumento” concebido com explícita intencionalidade, por outro, há aqueles

que só passaram a ser vistos quando convertidos em peças de museus. Suas funções originais

pereceram e eles passaram a “documento monumento”, como define Le Goff, ou

“monumento histórico”, como chama Françoise Choay.

146 LE GOFF, Jacques. História e Memória: Tradução Bernardo Leitão. São Paulo: Editora da UNICAMP,

1990. p. 536. 147 CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio: tradução Luciano Vieira Machado. 3. ed - São Paulo. Estação

Liberdade: UNESP, 2006. p. 17. 148 CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio. p. 18. 149 CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio. p. 25.

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Um desses objetos foi o Fotoheliógrafo, peça nuclear importante na formação de um

observatório astronômico.

Fotoheliógrafo: As manchas solares ao alcance do Antares

A chegada do Fotoheliógrafo no Observatório Antares representa, além do início dos

primeiros trabalhos na entidade, o estreitamento dos laços entre Orrico e os Astrônomos do

Observatório Nacional do Rio de Janeiro, Ronaldo Rogério Freitas Mourão e Marcomede

Rangel.

Não só a documentação museológica fez buscar a trajetória desse objeto, mas também,

a preocupação de perder a posse dele. Não foi encontrado na entidade qualquer documento

que atestasse a sua doação. Apenas consta um fragmento nos boletins de observações solares

que registram a situação de empréstimo, como se vê a seguir:

A Observação da fotosfera solar há tempos vem sendo planejada como

trabalho de pesquisa no Observatório Antares. Anos atrás haviam sido

ensaiados algumas observações que serão apresentadas em trabalho

vindouro. Depois do empréstimo de um refrator próprio para a observação

do Sol em luz branca, um Fotoheliógrafo Steinheil Müchen pelo

Observatório Nacional (Rio), foi possível esse empreendimento já como

rotina.150

Ao ser questionado sobre a sua participação no Observatório Antares, Mourão afirmou

que Orrico pediu-lhe apoio para estruturar a instituição. Assim, emprestou-lhe o

Fotoheliógrafo que estava parado na época no Observatório Nacional. Embora não estivesse

mais operando naquela instituição, Mourão afirmou que aquele objeto era o melhor que se

tinha por lá.151

Até aquele momento, havia a convicção de o objeto ser um Fotoheliógrafo da marca

Stenihiel Muchen, fabricado na cidade de Munique, Alemanha. E que chegou ao Observatório

Nacional do Rio de Janeiro, em 1887, como doação feita pelo funcionário Luiz da Rocha

Miranda, de acordo com o livro de Henrique Morize Observatório astronômico: um século de

história (1827-1927). 152

150 SOUZA, Antonio. et al. Observações solares:1ª série (janeiro a junho de 1979). Contribuição científica n.º4.

Feira de Santana: UEFS, 1979, p.3. 151 Entrevista com Ronaldo Mourão, 22 de maio de 2013. Arquivo Pessoal. 152MORIZE, Henrique. Observatório astronômico: um século de história (1827-1927). Rio de Janeiro:

Salamandra, 1987, p.3.

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No entanto, no decorrer da pesquisa constatou-se que apenas a base do Fotoheliógrafo

de 1887 estava sob tutela do Antares, juntamente com a luneta que fora comprada em 1899.

A trajetória desse objeto torna-se ainda mais instigante ao saber que ele, ou parte dele,

contribuiu para a comprovação da teoria da relatividade de Albert Einstein, durante o eclipse

observado na cidade de Sobral, Ceará, em 1919. Não se sabe ao certo quais dos objetos

estiveram nessa expedição, se foi a luneta do Observatório Nacional ou se a do Antares. No

entanto, o que consta na ficha da documentação museológica do Museu de Astronomia e

Ciências Afins, é que a base e a luneta branca que estão no Antares foram instrumentos de

observação de um eclipse em Bagé, no Rio Grande do Sul.

Figura 18: Fotoheliógrafo em Sala de Exposição no Museu Antares

Fonte: Produção da autora, 2012

Contrariando esses primeiros indícios, dispõe-se do relato do ex-funcionário Ulisses

Bezerra, para quem o aparelho nunca deve ter sido utilizado no Observatório Nacional. Em

seu relato, afirmou que o Fotoheliógrafo nem chegou a sair da caixa. Essa constatação deu-se

ao perceber que ao colocá-lo em funcionamento em direção ao sol, ele fazia o movimento

contrário, impossibilitando visualizar as manchas solares no anteparo. Dessa maneira,

concluíram que o objeto fora produzido para observar as manchas solares no hemisfério norte

e não no hemisfério sul. A fim, então, de não deixar o equipamento inutilizado, Ulisses

relatou que um astrônomo de fora, de nome Guedes detectou o problema e o mesmo ferreiro

que fizera as cúpulas da entidade, denominado por ele de Zé Grande, foi quem o solucionou.

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Segundo Ulisses Bezerra, Zé Grande inverteu a rotação do aparelho fazendo um furo do lado

oposto ao cabo de aço.

Para além da dimensão anedótica dessa narrativa, há que se reconhecer que as

condições de funcionamento do Antares não eram das mais favoráveis aos propósitos

científicos aos quais se propunha.

Nos periódicos, a aparição desse objeto, além de anunciar a sua doação, informava

acerca da construção do local em que ele seria alocado. No Feira Hoje, por exemplo, antes

mesmo de estar em funcionamento, apareceu uma matéria ponderando sobre a inauguração da

cúpula e do Fotoheliógrafo, com um mês de antecedência.153 Matéria de primeira página que

já no título destacava a possível presença de Antônio Carlos Magalhães no evento.

No corpo do texto, relatou-se que o equipamento pertencia ao Ministério da Educação

e Cultura / Observatório Nacional do Rio de Janeiro e que, devido a um convênio firmado

com a Fundação Universidade de Feira de Santana / Observatório Antares, o Fotoheliógrafo

viria a funcionar nessa cidade. Para a solenidade o Feira Hoje informou que além da

inauguração, haveria a assinatura do convênio entre os Observatórios, contando com a

presença não só de Antônio Carlos Magalhães, mas do Diretor do Observatório Nacional do

Rio de Janeiro, Luís Muniz Barreto e do astrônomo chefe Ronaldo Rogério Mourão. Foi

destacado que o prédio onde ficaria instalado o Fotoheliógrafo seria chamado de Governador

Antônio Carlos Magalhães. Na mesma perspectiva, foi encontrada uma nota na coluna

Etc&Tal, afirmando que o prédio que viria abrigar o Fotoheliógrafo estava em fase de

conclusão.154

Do total de entrevistados, o ex-funcionário Antônio Carlos da Graça talvez seja o que

mais possui uma memória individual atrelada ao Fotoheliógrafo, por ser, reconhecidamente,

o indivíduo que mais manipulou esse objeto. Resultados de pesquisas, boletins observacionais

e os cadernos de manchas solares atestam a sua atividade.

Ao questioná-lo sobre qual o momento que mais marcou a sua trajetória como

membro atuante no Antares, ele respondeu ter sido o dia em que fora escolhido para

manipular o Fotoheliógrafo. Com uma narrativa romanceada, com marcas nostálgicas,

Antônio Carlos descreveu que o episódio teria ocorrido numa manhã, por volta das nove

horas. Até aquele dia, era apenas um voluntário de César. Ao adentrar a entidade, percebeu

que havia alguém na cúpula pequena onde ficava o Fotoheliógrafo. Ele descreveu como sendo

153 Feira Hoje, Feira de Santana, 17 jul. 1975, p.1. 154 Feira Hoje, Feira de Santana, 7 ago. 1975, p.2.

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um homem barbudo, o astrônomo Marcomede Rangel Nunes. Segundo Antônio Carlos,

Marcomede era um homem sempre sorridente, alegre e brincalhão.

No momento em que ele chegou à cúpula, percebeu que Marcomede estava

observando o sol com o novo equipamento. Logo em seguida, perguntou-lhe se ele queria

desenhar o sol. Antônio Carlos disse que sim e a partir dali iniciaram os trabalhos. Primeiro,

ele sentou e ouviu Marcomede explicar todo o processo. Em seguida, Antônio Carlos disse

que começou a desenhar e Marcomede se “apaixonou” pelo resultado, reconhecendo nele a

pessoa certa para desempenhar aquela função, mesmo que o próprio Antônio Carlos não

soubesse com precisão do que se tratava.

Quando César Orrico chegou à entidade naquela manhã, os três subiram até a sala

principal, onde Marcomede teria sugerido: “César, esse é o cara que você precisa para fazer

pesquisa do sol”. Segundo Antônio Carlos, aquele episódio foi um momento de sorte seu, pois

foi depois dele que ele passou quinze dias observando o sol com Marcomede, sendo, mais

tarde, contratado oficialmente pelo Observatório Antares.

O ex-funcionário assegurou que a sua contratação se fez ainda mais necessária, a partir

do instante em que a entidade percebeu o alto custo e a dificuldade de encontrar as chapas

fotográficas de vidro, que se colocavam na astro câmera do Fotoheliógrafo.

Segundo ele, a solução para esse problema foi o “ponto chave” para a sua contratação,

pois ele desenhava tão bem as manchas solares, que se aproximava muito do registro feito

pelas placas da astro câmera. E assim, as chapas deixaram de ser utilizadas e ele começou a

desenhar o sol com qualidade e precisão, capacidade que muito o orgulha e a qual

consideram muito importante, pelo menos nos limites do enquadramento de sua memória.

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A estação meteorológica e a previsão do tempo

Figura 19: Estação Meteorológica do Observatório Antares

Fonte: Jornal Feira Hoje, 27 de março de 1976. Arquivo Museu Casa do Sertão

Dois meses depois, no mesmo periódico, a inauguração do Fotoheliógrafo aparece

noticiada com informações adicionais sobre outro equipamento que também estava sendo

implantado na entidade, a estação meteorológica. Nessa matéria, intitulada de “Antares

inaugura estação meteorológica e Fotoheliógrafo”, constam quase as mesmas informações

acerca do Fotoheliógrafo. A novidade maior era sobre a estação meteorológica. Informou-se

de que maneira ela estava sendo adquirida, quem instalaria e sua utilidade. Nesse último

quesito o articulista afirmou que o equipamento era de importância para diversos setores,

como as indústrias de construção, as estradas de rodagens e para o plantio.

No dia da inauguração, o Feira Hoje publicou mais uma matéria: “Antares”.

Informou-se, através dela, que às 15 horas daquele dia, a estação meteorológica e o

Fotoheliógrafo seriam inaugurados com a presença de várias autoridades, inclusive do então

ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, do governador Roberto Santos, do secretário

estadual de agricultura, José Guilherme Mota, e do presidente do Banco do Brasil, Ângelo

Sá.155

Ao final da matéria, enfatiza-se a presença das autoridades para ressaltar a importância

do evento. Segundo o articulista, isso era mais uma demonstração de que o Antares não estava

restrito aos limites da cidade de Feira de Santana ou da Bahia. Para ele, essa entidade estava

atingindo outros estados e crescia cada vez mais, elevando o seu nome e o de seu município.

155 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1975. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana, 01 de novembro de

1975, s/n.

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No Jornal da Bahia, a figura do ministro foi destacada através da matéria “Paulinelli

inaugurou novos equipamentos do Observatório”.156 Pelo texto, compreende-se que a sua

presença foi em consequência da estação meteorológica, que fora instalada devido a mais um

convênio do Observatório Antares. Dessa vez, com o 4° Ministério da Agricultura. Segundo o

articulista, a maioria dos equipamentos da estação era importada pelo ministério, a fim de se

integrar uma rede meteorológica mundial para prestar serviços à comunidade.

No entanto, segundo José Ângelo, a estação meteorológica chegou ao Antares devido

ao fechamento do campo de aviação da central Feira de Santana. Durante a sua entrevista, ele

recordou o local exato em que os equipamentos ficavam no Antares, inclusive os especificou

como sendo composta por um tanque de evaporação, uma casa do termômetro, barômetro,

entre outras coisas.157

Assim, vão-se revelando detalhes nem sempre convergentes entre os registros

produzidos, à época, na imprensa e a memória daqueles que viveram aquela experiência.

Cúpulas: Um local ideal para os telescópios.

Figura 20: Cúpula em evidência

Fonte: Jornal Tribuna da Bahia, 19 de setembro de 1977. Arquivo Museu Casa do Sertão / Recortes Coleção

UEFS

156 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1975. Jornal da Bahia, Salvador, 2 de novembro de 1975, s/n. 157 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017

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A reportagem é datada de 12 de setembro de 1974, foi encontrada no Feira Hoje e tem

o seguinte título: “Astrônomo vem montar cúpula no Antares”.158 Nela, o articulista menciona

a vinda do astrônomo Antônio Rezende Guedes, diretor-presidente do Observatório

Astronômico Galileo Galilei, de Juiz de Fora, Minas Gerais, a fim de orientar a colocação da

cúpula do Antares e regular um telescópio refrator.

Os informes acerca dos objetos esclareciam se eles já estavam devidamente montados,

além de quando seriam inaugurados. No caso da cúpula, informou-se, por exemplo, na

primeira página do dia 19 de setembro de 1974, que ela já havia sido montada, e que naquela

edição, teríamos mais informações na página três. 159 Nessa, por sua vez, a matéria ocupa a

parte superior do jornal e é sinalizada por um título em negrito, com a seguinte frase:

“Antares já tem cúpula”.160 No corpo do texto, o articulista chama a atenção para as

características, constitutivas do objeto, seu funcionamento, o que ele iria abrigar, e quem

auxiliou no processo de montagem. Nesse último item, além de pessoas, é mencionado o

nome da empresa de Pneus Tropical.

Planetário: um céu imaginado

Em 5 de novembro de 1974, os leitores do Feira Hoje, depararam-se com uma extensa

reportagem que valorizava não só a entidade recém-inaugurada, mas também seus novos

projetos.161 Intitulada “Uma fantástica viagem pelo espaço”, a matéria promete aos futuros

visitantes da entidade, uma viagem ao espaço sem sair da cidade. Nela, “desfilariam” aos

olhos do público, confortavelmente sentados em uma poltrona, o Sol, a Lua, planetas, estrelas,

cometas e outros corpos celestes.

Na matéria, o Antares era posto para além de um centro de pesquisa astronômica.

Constituir-se-ia, também, como centro de lazer jamais existente na cidade. Para fazer com que

o leitor “viajasse” ainda mais naquele sonho, o texto veio acompanhado de um desenho que

destacava toda a magnitude do Antares. Nele tem-se representado um casal adentrando o

Observatório e para a disponibilidade deles, um espaço amplo, arborizado, com dois prédios

de arquitetura singular. Sendo um, o principal, e o outro, o futuro planetário a ser instalado.

158 Feira Hoje, Feira de Santana, 12 set. 1974, p.3 159 Feira Hoje, Feira de Santana, 19 set. 1974, p.1 160 Feira Hoje, Feira de Santana, 19 set. 1974, p.3 161Feira Hoje, Feira de Santana, 5 nov. 1974, p.2

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Figura 21: Desenho representando todo o Observatório Antares

Fonte: Jornal Tribuna da Bahia, 5 de novembro de 1974. Arquivo Museu Casa do Sertão

o ex-secretário da entidade, Helder Alencar, em entrevista informou sobre as

estratégias utilizadas para a implantação do planetário, no final da década de 1970, bem como

o porquê do insucesso do projeto. Já nas matérias dos periódicos o que se tem sobre esse

aparato é um apelo para a sua implementação, tendo em vista o valor e a necessidade que se

lhe atribuía, diante de uma urbe carente de atrativos turísticos.

Antes mesmo da inauguração oficial do Antares, que ocorreu em novembro de 1974,

já se divulgava na imprensa as pretensões de fixar um planetário nas suas dependências. 162 O

primeiro vestígio desse projeto pode ser conferido na coluna “Astronomia em Foco”, de 3 de

março de 1973, no Folha do Norte.163 No texto, César Orrico parecia querer sensibilizar o

público leitor do jornal para a importância da construção de um Planetário na região.

Para isso, ele divulgou informações daqueles já existentes, em especial, o Planetário

Municipal de São Paulo. Descreveu, em detalhes, o que seria possível vivenciar com o

aparato tecnológico, sem revelar do que se tratava, como se vê a seguir:

Quase trezentas pessoas, confortavelmente instaladas sob o teto em

forma de cúpula, admiram o espetáculo raro de um céu cheio de estrelas. E

têm a nítida impressão de estar contemplando o céu numa noite de perfeita

visibilidade, sem nuvens, sem poeira e sem iluminação urbana, que tanto

prejudicam esse espetáculo visto ao ar livre. Enquanto um professor

descreve os diversos fenômenos celestes daquela noite e localiza o céu

artificial, planetas e constelações, músicas cuidadosamente selecionadas,

com alusão aos fenômenos comentados, acompanham toda a exposição que

dura mais ou menos uma hora.

162 Feira Hoje, Feira de Santana, 04 out. 1973, p.2. 163 Folha do Norte, Feira de Santana, 03 mar.1973, p.1.

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Nos meses seguintes, na mesma coluna do Folha do Norte, foi noticiada por três

vezes, entre o mês de setembro e outubro, a implantação de um planetário em Feira de

Santana. O tema chamou a atenção pelos seus títulos, dispostos numa espécie de sequência.

No dia 29 de setembro de 1973, aparece como “Planetário”; no dia 13 de outubro, “Planetário

I”; e, no dia 27 do mesmo mês, “Planetário III”. Nas três reportagens, verifica-se que o intuito

era apresentar um projeto de implantação criado pela Fundação Observatório Antares.

De acordo com matéria do dia 29 de setembro, naquele ano de 1973, completavam-se

500 anos do nascimento de Nicolau Copérnico. Por esse motivo, estava sendo considerado o

Ano Mundial da Astronomia. E para homenageá-lo, aquela Fundação resolveu elaborar um

projeto que visava à criação de um Planetário.164

Nesse mesmo texto, o articulista César Orrico diz que a cidade de Feira de Santana

tendia a se tornar um Centro Astronômico da Bahia, devido à construção do Observatório

Antares. E com a construção de um planetário, que segundo ele, seria dirigido por pessoas

ligadas à Astronomia, à Física, à História e à Geociência, a cidade teria um complexo

científico e cultural que representaria um dos fatores concretos para o seu desenvolvimento.

No texto seguinte, “Planetário I”, viu-se que, além da exaltação do projeto, havia uma

justificativa do porquê de tanto interesse no assunto.165 Segundo ele, a humanidade vivia uma

década de conquistas espaciais, que havia se tornando notícia constante nos jornais. E com a

“explosão” da Era Espacial, houve necessidade de um largo programa de educação, no qual

seria proeminente o papel das ciências espaciais. Por esse motivo tal empreendimento era

indispensável, havendo já o reconhecimento de organismos Federais, como ocorreu com a

criação do Sistema Nacional de Informação Científica e Tecnológica (SNICT).

Ainda de acordo o texto: “O progresso de um país repousa certamente num equilíbrio

sadio entre o espírito científico e o cultivo das letras e das artes”.

No texto “Planetário III”, foram apresentadas as especificações do modelo que se

desejava implantar em Feira de Santana: um Spacemaster da VEB Carl Zeiss Carl Jena. Iguais

a esse existiam cinco no Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Santa Maria,

Brasília e Goiânia. Seu preço estava estimado em 339.470,00 dólares. 166

Ainda segundo o texto, o Projeto Planetário era consequência direta do trabalho

executado pelo Observatório / Fundação Universidade de Feira de Santana, que visava criar

164 Folha do Norte, Feira de Santana, 29 set.1973, p.3. 165 Folha do Norte, Feira de Santana, 13 out.1973, p.2. 166 Folha do Norte, Feira de Santana, 27 out.1973, p.4.

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um complexo científico-cultural. Não satisfeito, César Orrico destacou que todo esse

empenho estava baseado em uma pesquisa. Segundo ele, os dados coletados faziam parte do

índice de crescimento da cidade de Feira de Santana, que por sua vez, foram constatados por

meio do Plano Nacional de Ação Cultural, do Sistema Nacional de Informação Científica e

Tecnológica e do Plano Integrado de Turismo.

Sua conclusão foi de que havia a necessidade da criação de um Centro de Informação

Científica e Tecnológica. Tarefa essa que deveria ser vista como imprescindível e inadiável,

tendo em vista que a pesquisa evidenciou Feira de Santana com alto grau de importância no

cenário baiano, mas com fraco desenvolvimento no ensino superior, apesar do recente

destaque, conferido pela implantação da universidade e de outras entidades educacionais de

ensino secundário. Esses fatores fariam com que o município alcançasse a emancipação

prevista nas emendas educacionais do Ministério de Educação e Cultura (MEC).

O estudo também mostrou que a ciência astronômica merecia mais destaque nas

universidades e escolas, a fim de favorecer os centros de informação tecnológica. Com a

implantação do planetário, essas promoções estariam asseguradas, segundo a matéria, pois

ele seria constituído por um complexo científico-cultural como um espetáculo didático que

resultaria em benefícios imediatos para uma população que tendia a um elevado índice de

escolaridade.167 Por outro lado, a matéria divulgou também que o planetário visava promover

lazer à comunidade, bem como o desenvolvimento turístico, entrando, assim, no mesmo

patamar das cidades que já possuíam o equipamento.

No entanto, apesar de todos esses ‘estudos’ e projetos, parece que as articulações

políticas para a implantação do Planetário só ganharam notoriedade seis anos depois. Tal

constatação tem como base uma matéria do dia 31 de outubro de 1979 e uma fala de Helder

Alencar, durante uma entrevista realizada no dia 13 de junho de 2017.168

A primeira fonte conta que ocorreu uma audiência no Rio de Janeiro entre o ministro

Eduardo Portella, os Astrônomos César Orrico, Ronaldo Mourão e Marcomede Rangel, além

de Franco Portella e Helder Alencar, a fim de dar os encaminhamentos necessários para a

implantação do planetário. Nesse encontro, exaltou-se a alta complexidade do equipamento,

considerado-o o mais elevado da América do Sul, bem como o grau de envolvimento de

Helder Alencar e Franco Portella no empreendimento.

167 Folha do Norte, Feira de Santana, 27 out.1973, p.4. 168 Entrevista concedida em 13 de junho de 2017

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Na entrevista, Helder Alencar contou a sua experiência, selecionando e organizando os

fatos que para ele fazia mais sentido.169 Dessa maneira, privilegiou as informações que

concerniam à época em que ele trabalhou com Eduardo Portella, bem como o motivo pelo

qual o planetário não foi implantado. Segundo ele, Orrico foi com frequência ao Rio de

Janeiro a fim de resolver as pendências para implementá-lo. Os dois chegaram a ir à Brasília,

à custa do próprio César, mas, na ocasião, o ministro foi exonerado e Helder Alencar perdeu o

cargo e nada mais pôde fazer pelo projeto.

Telescópio laser: um “grande” instrumento

Outro objeto que recebeu a atenção da imprensa foi o telescópio laser. Foram

encontradas diversas matérias sobre ele, no entanto, em nenhuma delas, a questão da ausência

do laser foi mencionada. Especula-se, entre antigos funcionários do Antares, que essa parte do

telescópio tenha sido furtada antes mesmo de sua chegada à entidade e que, depois, ela tenha

aparecido em um carnaval do Rio de Janeiro.

No entanto, o que se tem de concreto é que a divulgação desse objeto fez-se de maneira

ampla, inclusive anunciando a sua principal função. Consta na matéria “Antares adquire 1°

telescópio laser”, do dia 28 de maio de 1985, publicada no A Tarde, que o aparelho seria

utilizado para medir a distância entre dois pontos fixos entrea Terra e a Lua, com tal precisão

que um erro seria inferior a um metro.170 No entanto, o que não foi informado é que aquele

objeto não operaria para esse fim, seu desempenho seria apenas de um telescópio normal, de

até menor tamanho e peso.

Na mesma reportagem descreveu-se todo o processo de translado e instalação do

equipamento na entidade. De acordo com o texto, um prédio específico foi construído para

abrigar o objeto, bem como precisou-se de um guincho para retirar os dois caixotes em que

ele estava dividido, e colocá-los pelo telhado, como se vê na imagem a seguir:

169 ALBERTI, Verena. “História dentro da História”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. 3ª

ed. São Paulo: Editora Contexto, 2015, p.171. 170 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 02.05.85 - 31.05.85. Jornal A Tarde, Salvador, 28 de maio de

1985, s/n.

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Figura 22: Descarregando o Telescópio Laser no Antares

Fonte: Jornal A Tarde, 28 de maio de 1985. Arquivo do Museu Casa do Sertão

Segundo a matéria, um dos caixotes pesava cerca de 550 quilos e continha um painel

em forma de Rack, com a parte eletrônica. O outro, que provavelmente guardava a maior

parte o telescópio, com 3.680 quilos deveria ser elevado à altura de seis metros, devido ao seu

grande volume.

Nessa mesma perspectiva, estava também uma reportagem publicada no dia 22 de

maio de 1985, no Feira Hoje. Já na primeira página, constava uma grande manchete com a

frase “Primeiro telescópio a laser do Brasil instalado em Feira”, seguida de um texto.171 Os

detalhes da notícia foram dados na mesma edição, na terceira página. As informações iniciais

foram as mesmas publicadas pelo A Tarde, desde seus detalhes constitutivos até a sua função

principal.172

No entanto, o que chama a atenção é a descrição feita sobre o teto que iria abrigar o

telescópio. Segundo a reportagem, ele seria deslizante, o que possibilitaria o objeto

acompanhar os astros nos mais diversos ângulos. Informava também que o teto seria

deslocado por roldanas, mediria cinco metros de largura por sete de comprimento e seria

constituído por cantoneiras em ferro, recebendo uma cobertura de alumínio.

Segundo o articulista, Orrico informou que as negociações com a Universidade de

Brasília para a doação do equipamento duraram aproximadamente onze meses. O objeto

estava avaliado em 850 milhões de cruzeiros e a UNB cedeu-o por não estar em condições de

colocá-lo em funcionamento.

171 Feira Hoje, Feira de Santana, 22 maio. 1985, p.1. 172 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 02.05.85 - 31.05.85. Jornal A Tarde, Salvador, 28 de maio de

1985, s/n.

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No entanto, outra reportagem, publicada cerca de um ano após as primeiras, elencam

outras razões para que a UNB fizesse a doação do telescópio. Em matéria do Jornal da Bahia,

de 12 de abril de 1986, alega-se que o motivo da doação teria sido por que, nas dependências

daquela universidade, o objeto encontrava-se completamente abandonado em um depósito e

exposto a goteiras.173

Ao comentar sobre essas duas diferentes perspectivas, o ex- funcionário Ulisses Bezerra

apostou na segunda possibilidade. Pois, conforme destacou, o equipamento era de cunho

específico, já havia cumprido sua função em outro lugar ou talvez nunca tenha sido utilizado

pela UNB.

Outro dado interessante e que chama a atenção são as frequentes associações da imagem

do telescópio laser com a passagem do cometa Halley, dando a ideia de que ele foi adquirido

para essa finalidade. O cometa passaria no ano de 1986, mas desde o final de 1985 já poderia

ser visto através do aparelho. A repetição do fenômeno, já mencionada nas lembranças

poéticas de Godofredo Filho, ganharam destaque na imprensa local e mais uma vez o Antares

adquiriu importância pública.

Em uma matéria intitulada “Antares se prepara para a observação do cometa Halley”,

por exemplo, há um trecho em que diz ser o telescópio laser, uma das aquisições mais

importantes do Observatório.174

A maioria das matérias que abordavam o cometa Halley e que tinham Feira de Santana

como palco de observação referia-se, de alguma maneira, ao telescópio laser ou até mesmo

publicava fotografias. A exemplo da matéria de alcance nacional do jornal O Globo, de 26 de

setembro de 1985. 175

173 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.86 – 04.86. Jornal da Bahia, Salvador, 12 de abril de 1986,

s/n 174 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 ago. 1985, p.4. 175 O Globo, Rio de Janeiro, 26 set. 1985, p.5.

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Figura 23: Telescópio Laser no Antares

Fonte: Jornal O Globo, 26 de setembro de 1985. Arquivo do Museu Casa do Sertão, Coleção Recortes UEFS.

Essa matéria foi publicada na seção de turismo do periódico O Globo, sob o título “O

cometa Halley vira produto turístico”. A parte em que o jornalista ateve-se à cidade, intitulada

“Espetáculo em Feira, Bahia”, além de se referir às providências que estavam sendo tomadas

por Orrico, como a contratação de uma empresa de turismo e instalação de barracas de

artesanatos, informou que o Antares seria um dos poucos observatórios a permitir a entrada

do público para o acompanhamento do evento. César Orrico estaria, inclusive, empenhando-

se em adquirir mais um telescópio laser.

O que intriga nesse último dado é a perspectiva de Orrico obter outro telescópio laser, já

que se tratava de uma ferramenta rara. Nos próprios jornais em que foi divulgado o processo

de doação pela UNB ao Antares, exaltava-se o fato de que existiam apenas três objetos como

aquele no mundo, como consta no fragmento:

Segundo o astrônomo César Orrico, fundador e presidente da entidade, só

existem três destes telescópios no mundo todo, os outros dois estão

instalados em observatórios americanos e o que atualmente está sendo

montado no Antares era destinado originalmente à África do Sul, mas por

problemas alfandegários acabou retido dois anos em Brasília e após oito

meses de negociações veio para Feira de Santana.176

Os impressos divulgaram amplamente toda a infraestrutura montada para a observação

do Halley no Antares. Além do laser, a entidade estava equipando-se com oito “potentes

telescópios” de 15 centímetros de diâmetro, como se lê na legenda “Através de potentes

176 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 ago. 1985, p.4.

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telescópios os visitantes poderão ter uma visão maior do Cometa Halley”, da imagem que

segue: 177

Figura 24: Telescópios montados para a passagem do Halley

Fonte: Coleção de Recortes UEFS, Museu Casa do Sertão

Não só os telescópios foram exaltados. Destacou-se uma antena parabólica com oito

metros de diâmetro e uma réplica de um satélite brasileiro. Segundo os articulistas, a antena

possuía dupla finalidade: uma seria captar informações do Satélite Giotto para estudo do

Halley e a outra serviria para transmissão via satélite de programas de TV para vários países .

Figura 25: Antena parabólica montada para passagem do Halley

Fonte: Coleção de Recortes UEFS, Museu Casa do Sertão

177 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.86 - 04.86. Jornal A Tarde, Salvador, 26 de fevereiro de

1986, s/n.

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No Correio da Bahia, consta que a antena e a réplica do satélite Intelsat foram

fabricados e seriam instalados pela empresa de São Paulo, a IVAPE.178 De acordo com a

matéria, para a confecção da réplica, houve uma intermediação entre a NASA e a empresa

responsável. Ele seria montando exatamente igual ao que estava em órbita e seria dotado de

movimento e iluminação, visando passar uma ideia real do seu funcionamento.

A passagem do Halley para José Ângelo foi vista como um evento de grandes

proporções que movimentou o Antares. Segundo ele, a entidade parecia uma feira de cidade

turística, cheia de estandes com lembrancinhas, canecas, camisas, agendas, catálogos,

fotografias, além de lanchonetes. Havia também alguns telescópios disponíveis e palestras

ocorrendo de maneira simultânea. De acordo com o seu depoimento, vieram excursões de

diversos lugares, como Senhor do Bonfim, Juazeiro, Sergipe e Paraíba. O evento foi

comparado a um show pelo entrevistado, que destacou o movimento de pessoas no local tanto

de dia quanto à noite. 179

Livros: representantes do conhecimento

Além dos objetos científicos considera-se os livros enquanto patrimônio material da

entidade, uma vez que foram adquiridos desde os seus primeiros anos e são registros do

passado do Antares. É possivel afirmar que esses livros fornencem muito mais do que seus

conteúdos impressos. Nesta pesquisa, eles são tomados por fontes que podem “dizer” quais as

bases do conhecimeto que pautavam a ação os dirigentes da entidade. Servem, também, como

surportes representativos para aqueles que a visitavam.

Essa última reflexão se dá justamente ao pensar que bibliotecas e museus são

construídos com propósitos afins: o de serem vistos, consultados, tidos como referência de

algo. Nesse sentido, a biblioteca montada pelo Antares, na sua primeira década de existência,

cumpriu o seu papel, pois abrigava para a consulta do público em geral, livros específicos de

astronomia, astrofísica, astrometria, energia nuclear, energia atômica e astronáautica, além de

filmes.

Segundo José Ângelo, a biblioteca não era muito grande e foi criada por César Orrico

com os livros do pai dele. Posteriormente, fizeram-se campanhas para doação.

Ao divulgar a existência desse ambiente, exaltavam-se os doadores do acervo. Nessa

lista consta, por exemplo, a renomada Nacional Administração de Espaço e Aeronáutica –

178 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.86 - 04.86. Jornal Correio da Bahia, Salvador, 18 de março

de 1986, s/n. 179 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017

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NASA, os observatórios cariocas Nacional e do Valongo, a Embaixada dos Estados Unidos e

até a Rede Globo de televisão, que; segundo uma matéria do Tribuna da Bahia, concedeu ao

Antares uma cópia do filme “o mistério das manchas solares”, exibido em um dos programas

do Globo Reporter, com 45 minutos de projeção.180

Em uma consulta realizada ao acervo remanescente do Antares, em 2017, constatou-se

que ocorriam doações pessoais de astronômos renomados ou até mesmo de possíveis

associados da entidade. Em sua maioria, como foi visto no primeiro capítulo, os livros

estavam assinados com dedicatórias a Orrico. Nesse seleto grupo, foram encontrados uma tese

de Ivan Mourilhe Silva, várias publicações em português, uma em espanhol intitulada “Los

Tesoros Del Firmamento” e uma em russo.

Das possíveis doações dos associados, incluiem-se obras que possuem a assinatura de

Paulo Varjão de Andrade. Além do nome, constam as prováveis datas em que foram

adquiridas, as quais variam entre os anos de 1950 e 1960. Além desses, há também, livros

com marcas de carimbo com os nomes de Benedito Figueredo Farias e do próprio Orrico.

No momento em que este levantamento foi realizado, encontrou-se um material um

tanto quanto curioso. Trata-se de um encadernado de apostilas datilografadas e impressas em

mimiográfos, com papéis timbrados, aparentando ser um livro. Neste documento foram

identificados três diferentes timbres. Um deles contém o brasão e nome da Universidade

Estudual de Feira de Santana e o nome do Antares; o segundo está identificado como sendo

oriundo da Prefeitura do Município de São Paulo / Secretaria de Serviços e Obras –

DEPAVE/ Escola Municipal de Astrofísica – Planetário Municipal; e, o terceiro timbre é do

Observatório Galileu Galilei, de Juiz de Fora, Minas Gerais.

Ao que parece, essas folhas reunidas num único volume, sem data, se trata de um

material de estudo, com os mais diversos assuntos que envolvem a astronomia. Uma espécie

de manual introdutório. Todo ele, parece ter sido exautivamente utilizado, pois possui grifos

em caneta e sinais de marcadores.

Outros livros que merecem destaque são aqueles referidos no primeiro capítulo, que

contêm assinaturas com dedicátorias a César Orrico e para a Sociedade Interplanetária

Brasileira, como a tese de Ivan Mourilhe Silva, as várias publicações de Ronaldo Mourão,

uma em espanhol intitulada “Los Tesoros Del Firmamento”, uma em russo, vinda de

Moscou, assinada por Any Sternfeld, entre outras.

180 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1977. Jornal Tribuna da Bahia, Salvador, 19 de setembro de

1977, s/n.

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Além dessas obras isoladas, o Antares recebia diversas publicações esporádicas e

anuais de instituições astronômicas, como os anuários do Observatório de São Paulo e do

Observatório Nacional, os mais antigos datados dos anos de 1950, os anuários do

Observatório de Madrid e dados astronômicos para almanaques do Observatório Astronômico

de Lisboa, como também o “Eclipse Anular de Sol”, do Observatório Astronômico da

Universidade Nacional de Córdoba e um Atlas da Harvard-Groningen. Essas publicações,

muito provavelmente, auxiliavam Orrico na produção da sua primeira coluna astronômica

semanal, Astronomia em Foco, publicada no Folha do Norte, durante a década de 1970.

No acervo bibliográfico consta também as publicações produzidas pelo próprio

Antares, como os anuários e os boletins astronômicos, que serão melhor detalhados no

capítulo seguinte.

Assim como os objetos científicos, ao fazer a propaganda de sua biblioteca, o Antares

também publicava imagens. Um ambiente limpo e organizado, como se vê no registro que

segue:

Figura 26: Biblioteca do Antares em hall principal.

Fonte: Tribuna da Bahia, 19 de setembro de 1977. Arquivo do Museu Casa do Sertão, Recortes Coleção

UEFS.

Uma década depois, a imagem que os períodicos publicariam não seria mais de um

ambiente apto a receber estudantes ou curiosos, mas de um grande acervo com mais de 1500

livros espalhados, fora das estantes, consumidos pela poeira, no mais completo abandono.181

181 Correio da Bahia, Salvador, 07 out.1989, p.3.

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Figura 27: Livros espalhados no hall principal do Antares

Fonte: Jornal A Tarde, 26 de fevereiro de 1988. Arquivo do Museu Casa do Sertão, Recortes Coleção UEFS.

Nessa fotografia aparecem os livros amotoados no hall principal do prédio, com o

funcionário mais antigo da entidade, Franscico Roque, que naquele período ocupava a função

de vigilante.

A imagem acima denuncia e anuncia o fim de uma experiência que tinha como

propósito trilhar o caminho da modernização por meio da prática científica no campo da

Astronomia. Parte do que efetivamente foi produzido por ela será objeto de discussão do

próximo e último capítulo desta dissertação.

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CAPÍTULO III

PRODUÇÕES, PUBLICAÇÕES E O FIM DE UMA EXPERIÊNCIA

Ao se tratar da trajetória do Antares, em todas as suas etapas, emergem questões

relacionadas às "lutas de representações", nos termos de R. Chartier.182 Tomando as

publicações como exemplo, é possível dizer que elas fizeram parte das "estratégias e práticas"

do Observatório, com o objetivo de impor uma "autoridade" e legitimá-la. Essas produções

científicas e as publicações realizadas pela entidade entre os anos de 1970 e 1980 aparecem

em dois documentos destinados a órgãos públicos.

O primeiro denomina-se “RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DA FUNDAÇÃO”. Ao

se consultar o seu conteúdo, tem-se a impressão de que seus dirigentes consideravam

publicação tudo que tenha gerado registro, seja ele escrito ou imagético.

Dessa forma, foram colocados em um mesmo patamar produções com finalidades

distintas. Foram consideradas publicações a carta celeste, as matérias dos periódicos locais,

produzidas por César Orrico, assim como fotografias, relatórios, projetos e os “boletins

contributions”.

Cada uma dessas produções tinha seu público específico. Os boletins e a carta celeste,

por exemplo, atendiam a uma “necessidade” de um grupo mais seleto, ou com conhecimento

mais avançado sobre assunto. Os projetos e relatórios, por sua vez, são geralmente

confeccionados com intuitos meramente técnicos, destinados, por exemplo, aos agentes

financiadores da entidade. Enquanto as matérias e colunas jornalísticas, que são de consumo

rápido e para o grande público tinham muito mais a finalidade de compor um projeto de

construção pública da imagem do Antares do que configurar um rol de publicações de cunho

científico.

É preciso considerar que os boletins se dividiam em diferentes modalidades. Havia os

boletins "solares" e outros mais abrangentes que noticiavam fenômenos observados pela

entidade ou por ela subscritos, porém, originários de parcerias técnicas externas, a exemplo da

"Hora Legal do Brasil" e a "Determinação do fator K".

182 CHARTIER, Roger. História Cultural,1988.

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No que concerne ao relatório, cabe destacar que ele estava anexado a outros ofícios

encaminhados à Câmara Municipal de Vereadores como peça do projeto de lei que

reconheceria o Observatório enquanto instituição de utilidade pública. O documento possui

um único item que se denomina “Trabalhos publicados”, no qual se mencionam 24 atividades.

Percebe-se, pelas suas descrições, que o relator tentou promover a entidade, diferenciando-a

das congêneres. Ao falar sobre a Carta Celeste, por exemplo, ele evidencia:

Publicação do Céu da Bahia, trabalho impresso em off-sete, com disco

giratório, dando o aspecto de céu da Bahia, durante os dias do ano. Trabalho

este, por onde colocamos o nosso Estado, como o único da Federação a

possuir a sua própria carta celeste. Foram impressos 5 mil unidades, que

serão distribuídos nos estabelecimentos de ensino e Universidades.183

Como já mencionado, nesse ofício estão registradas diferentes produções sobre o

Antares. Entre elas estão as colunas “Efemérides”, do Folha do Norte, o “Céu do Mês”, do

Feira Hoje, e matérias isoladas, todas elas assinadas por César Orrico, mas sem referenciar os

periódicos. Fica evidente que esse material era o mesmo existente nas colunas e nas matérias.

Esse aspecto foi percebido ao confrontarem-se as datas constantes no documento com as datas

em que foram publicadas nos jornais.

Estão também no rol de publicações desse documento as fotografias. Elas se

encontram descritas em dois momentos. No primeiro, consta que é um trabalho sobre o

eclipse da lua, publicado em três idiomas, com 43 fotografias e dois gráficos. No segundo,

aparece denominado “Fotografia Astronômica”, que possui 19 páginas. Algumas dessas

descrições são confusas. Os textos dos periódicos, por exemplo, estão com o título e a data

exata em que foram publicados pelos jornais, mas sem indicação dos seus nomes.

Vale ressaltar que os produtos elencados nesse documento referem-se àqueles

produzidos entre os anos de 1972 e 1975.

Além desse documento, há outro que engloba as publicações da entidade. Está

dividido em tópicos. O primeiro, “ATIVIDADES NO OBSERVATÓRIO ANTARES”,

discorre sobre o processo de reconhecimento do Antares como órgão de utilidade pública do

município; o segundo, datado em 6 de novembro de 1989, foi anexado ao processo de número

026/89, do governo do estado. Tinha como autor o Observatório Astronômico Antares e

destinava-se à Secretaria Extraordinária, a fim de solicitar uma definição de rumos para a

183 Relatório das Atividades da Fundação Observatório Astronômico Antares. Feira de Santana, 30 de setembro

de 1975

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entidade. Trata-se de uma espécie de diagnóstico que evidenciava a situação de abandono,

devido à ausência de parceiros, como também exaltava sua importância, fruto das atividades e

publicações realizadas ao longo de mais de vinte anos de existência.

Diferente do primeiro relatório, o segundo classifica as publicações da instituição em

três diferentes grupos: Anuário Astronômico, Contribuições Científicas (regulares

aperiódicas) e Comunicações Rápidas (avulsas).

Considerava-se anuário as publicações regulares que estavam ocorrendo desde o ano

de 1979. De cunho específico, segundo o documento, aquele produto era destinado a

astrônomos, geógrafos, navegantes, topógrafos e agrimensores. Nele, encontrar-se-iam

informações astronômicas e geofísicas de uso corrente, como efemérides locais e equatoriais

do Sol, da Lua, dos planetas, além de posições das estrelas fundamentais, dados sobre eclipses

e tabelas astronômicas usuais.

O documento destaca que para produzir esses anuários, fazia-se necessário utilizar

dados de outros observatórios. Impressos em tiragens de aproximadamente 3 mil exemplares

ao ano, essa publicação era encaminhada para as mais diversas instituições astronômicas,

científicas, culturais, como também para inúmeras universidades brasileiras e estrangeiras.

Pelos dirigentes, eram vistos como publicações regulares aperiódicas os trabalhos

editados desde 1973, em que se relatavam as observações e reduções de dados colhidos pelo

próprio Antares. Para produzi-los, a entidade contava com a contribuição técnica de

astrônomos brasileiros e estrangeiros que realizavam frequentes pesquisas no Antares. Consta

também, que a média de tiragem dessas publicações girava em torno de mil exemplares, os

quais eram também oferecidos a outros centros científicos. As avulsas, por sua vez,

continham recortes daquelas comunicações rápidas com observações de eclipses, cometas e

asteróides.

Já não aparece nesse segundo documento as matérias jornalísticas escritas por Orrico,

e nenhuma das publicações arroladas no primeiro relatório. Talvez isso tenha ocorrido porque

o primeiro abrange os trabalhos realizados entre 1972 e 1975, enquanto o segundo enumera

aqueles produzidos de 1979 a 1984. Neste, são mencionados 44 títulos e é destacado que

alguns foram editados em vários idiomas. De acordo com esses dois documentos, os

envolvidos com o Antares, em sua primeira fase, consideraram que foram publicados 68

trabalhos: 24 nos cinco primeiros anos de sua existência e 44, a partir de 1979.

Durante as entrevistas, os depoentes qualificavam as publicações como o resultado das

diversas atividades do Antares. Um dos entrevistados, José Ângelo, que foi voluntário no

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trabalho inicial das observações, chegou a defini-las como “a vida da produção do

observatório”.184

Parte desses produtos registrados em ambos os ofícios e mencionados pelos

entrevistados foi encontrada como peça de acervo do Museu Antares, da Biblioteca Setorial e

também sob tutela dos entrevistados.

José Ângelo, por exemplo, possuía um exemplar da primeira carta celeste e um livreto

sobre o cometa Kohoutek que, segundo ele, foi a primeira publicação do Antares. Artefatos

como esses carregam considerável valor representativo e informativo. No entanto, o

diferencial dessas publicações está não só em seu conteúdo, que explicam o porquê foram

levadas a efeito e apontam as pessoas que estiveram envolvidas nas atividades de pesquisa.

Nelas, é possível detectar, também, os patrocinadores.

A Carta Celeste: um mapeamento do céu da Bahia

Na carta celeste, por exemplo, vê-se claramente o nome de Ronaldo Rogério de Freitas

Mourão, astrônomo do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, como autor, a Fundação

Universidade de Feira de Santana e o Governo de Antônio Carlos Magalhães como

instituições apoiadoras. Já ao fundo da carta há uma extensa instrução de uso, acompanhada

por uma tabela com signos e os meses do ano.

Figura 28: Carta do Céu da Bahia

Fonte: Acervo pessoal José Ângelo Pinto

184 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017

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A carta celeste apareceu em destaque ao menos cinco vezes nos periódicos locais. No

Feira Hoje foram encontradas quatro matérias, enquanto o Folha do Norte contou com apenas

uma. Os textos do Feira Hoje abordam não só o lançamento da carta, mas também a

expectativa de sua confecção. Foram três meses de cobertura sobre o assunto, indicando todo

o processo até chegar o seu ápice, momento simbólico em que autoridades foram reunidas

para celebrar a produção.

A primeira matéria foi intitulada “O mapa celeste da Bahia”. Em seu texto consta que

estava sendo aguardada, proveniente do Rio de Janeiro e produzida por Ronaldo Mourão, a

segunda carta celeste do país, “a carta celeste da Bahia”.185 Segundo o articulista, apesar de a

publicação ter sido elaborada por um astrônomo no Observatório Nacional, ela era de

responsabilidade do Antares. Sua impressão e confecção foram financiadas pelo Governo do

Estado da Bahia e brevemente seria lançada, podendo ser adquirida mediante pagamento de

10 cruzeiros. Nesse texto, exalta-se também a importância da carta para o ensino da geografia,

visto que seria possível fornecer a posição correta do espaço celeste baiano.

Passada uma quinzena, o Feira Hoje retomou o assunto da carta celeste. Dessa vez

para anunciar a sua conclusão.186 O seu lançamento dependia apenas da disponibilidade do

governador Antônio Carlos Magalhães em comparecer ao lançamento, previsto para ocorrer

no auditório do Observatório Antares. De acordo com o articulista, essa carta era a segunda

do país. A primeira teria sido a do estado da Guanabara, também produzida pelo astrônomo

Ronaldo Mourão. Na matéria há transcrição de um texto de autoria desse astrônomo, no qual

ele afirma: “com a carta [é] possível ter uma imagem do céu estrelado visível em qualquer dia

e hora na Bahia, principalmente em Salvador”.

O articulista forneceu ainda uma breve explicação de como o objeto era constituído e

deu algumas instruções de uso. De acordo com a descrição, o objeto era dividido em 12

partes, as quais corresponderiam aos 12 meses do ano, que a cada três meses eram divididos

por intervalos de cinco dias, o que possibilitaria uma maior aproximação do real.

Quanto ao uso, mencionou-se a necessidade de segurar a carta com a mão esquerda no

canto superior, girar o disco pela abertura do lado direito, até coincidir a data do mês e a hora

que está se observando. Dessa maneira, ver-se-iam as constelações daquele período.

Além dessa, duas outras matérias focando a carta foram publicadas no Feira Hoje. No

dia 08 de fevereiro de 1975, saiu uma notícia intitulada “Relógio e carta traz

185 Feira Hoje, Feira de Santana, 9 jan. 1975, p.1. 186Feira Hoje, Feira de Santana, 23 jan. 1975, p.1.

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ACM”.187Informa que o governador viria à cidade no próximo dia 10 de março para o

lançamento da Carta do Céu da Bahia e inauguração da Central Horária do Antares. O

lançamento da carta deveria ter ocorrido em fevereiro, mas, devido ao adoecimento de

Ronaldo Mourão, o evento foi transferido.

Ao que parece, no dia 11 de março, o evento ainda não havia ocorrido, pois nesse dia,

o Feira Hoje noticiou que Ronaldo Mourão estava às vésperas de chegar à cidade.188 Segundo

a matéria, ele seria recebido no aeroporto 2 de Julho pelos dirigentes do Antares. Além de

participar do lançamento da carta, acrescentou-se que o astrônomo permaneceria em Feira de

Santana por mais dias, a fim de dar palestras no auditório da instituição e realizar

observações astronômicas. Ainda segundo a matéria, não só as presenças de Mourão e ACM

estavam confirmadas, mas também a de Calmon de Sá, presidente do Banco Econômico.

Os pormenores do evento não foram encontrados nos jornais. Há, no entanto, registros

no Folha do Norte de que no dia 19 daquele mesmo mês, César Orrico e Ronaldo Mourão

entregaram um exemplar da carta celeste ao prefeito José Falcão.189

Na memória dos entrevistados, a Carta do Céu da Bahia foi mencionada enquanto uma

publicação de grande repercussão e utilidade. José Ângelo chegou a afirmar que ela era muito

solicitada por pilotos de avião. Já Magalhães, o fotógrafo, tanto em 2013 quanto em 2017,

narrou um episódio ocorrido com ele e Orrico durante uma viagem aérea. De acordo o

fotógrafo, eles estavam retornando de Manaus. Ele então solicitou à aeromoça que fosse

anunciada a tripulação a presença do Diretor do Observatório Astronômico Antares, que

possuía alguns exemplares da Carta Celeste do Céu da Bahia para fornecer. O comandante,

segundo Magalhães, ao tomar conhecimento, convidou a ambos para conhecer a cabine e

disse-lhes que enquanto ele conhecia o céu de uma maneira, César Orrico e Magalhães

conheciam-no de outra.

As evidências encontradas sobre a Carta Celeste elucidam os esforços dos dirigentes

para divulgar a entidade e tudo aquilo que estivesse relacionado a ela. A postura de tornar

público, ser notícia, foi um recurso empregado pelo Antares desde o momento de sua criação.

Até relatórios administrativos eram motivos de divulgação. Em março de 1978, por exemplo,

saiu no Feira Hoje um informe sobre o relatório de atividades de 1977.190

187 Feira Hoje, Feira de Santana, 8 fev. 1975, p.1. 188 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 mar. 1975, p.3. 189 Folha do Norte, Feira de Santana, 22 mar. 1975, p.1. 190 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1978. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana, 3 de janeiro de 1978,

s/n.

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Com o título “Antares distribui relatório”, a matéria destacava que ele era o terceiro

de uma série anual que descrevia as atividades administrativas e de pesquisa. O texto ainda

oferecia os pormenores do documento. Entre os assuntos abordados, estava a relação das

agências financiadoras, os convênios firmados, a entrega de diploma para os sócios

honorários e o melhoramento de equipamentos.

Boletim Contributions

A outra produção científica que faz parte do acervo pessoal de José Ângelo e que não

foi encontrada no acervo do Antares é o seguinte livreto sobre o cometa Kohoutek:

Figura 29: Boletim Contribution Cometa Kohoutek

Fonte: Acervo pessoal José Ângelo Pinto

Além das informações iniciais trazidas na capa, como o nome da entidade, da

Fundação Universidade e da Delegacia Escolar de Feira de Santana, nele também há

referência a diversas empresas e indústrias da cidade que de alguma maneira patrocinaram a

publicação. As logomarcas desses empreendimentos distribuíram-se ao final de cada página

do livreto e no fim dele. Essas empresas, em sua maioria, não possuíam em seus negócios

qualquer relação direta com a astronomia.

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Encontram-se ao longo das páginas do boletim nomes, endereços e telefones dos mais

diferentes estabelecimentos comerciais da cidade: Ferreira Estivas LTDA, Posto Atlantic,

Frigorífico Cerqueira, Moinho Tabajara, SADISA S.A – Indústria e Comércio, Benedito

Pamponet Pires & Cia. Ltda – Comércio de Açúcar, Loja Carmarc, Dislar – Distribuidora

Artigos para o Lar e Marrocos ELETRO-DOMÉSTICOS.

Figura 30: Páginas com propagandas ao final / Figura 31: Penúltima página com várias propagandas

Fonte: Acervo pessoal José Ângelo Pinto

Ao que parece, esse livreto foi de fato a primeira publicação do Antares. De acordo

com o documento, “RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DA FUNDAÇÃO”, antes dele

ocorreram apenas observações comentadas. Ele, por sua vez, está descrito da seguinte

maneira: “Publicação de uma monografia impressa em quatro páginas, cuja tiragem foi de 10

mil exemplares, com distribuição gratuita, esclarecendo sobre o aparecimento do cometa

Kohoutek. Trabalho publicado em dezembro de 1973”.

Ao encontrar esse boletim sobre o cometa Kohoutek e as especificações dele no

relatório, impôs-se a seguinte dúvida: como conseguiram reunir essas informações, tendo em

vista que o fotógrafo Antônio Magalhães, em 2013, mencionou o evento como um insucesso?

Segundo ele, o cometa passou, eles não viram e nada foi registrado.

O depoimento de José Ângelo esclareceu a divergência sem que tivéssemos indagado-

lhe sobre o assunto, ele afirmou que o cometa Kohoutek foi o grande evento astronômico no

período da fundação do Antares. E a publicação foi produzida a partir das predições

fornecidas por Ronaldo Mourão. Ainda, segundo ele, o lançamento ocorreu em um clube

social da cidade, Feira Tênis Clube, causando grande repercussão.191

191 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017

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Uma matéria localizada em um dos periódicos locais reforçou essa informação. O

Folha do Norte noticiou o evento em primeira página.192 O texto divulgou que o Antares

lançou, em conjunto com o Feira Tênis Clube, na sede dos "aristocráticos", mil exemplares de

um folheto sobre o Kohoutek, com direito a coquetel. Segundo o articulista, Orrico ainda

proferiu uma palestra com exibição de filmes e slides.

Sobre o cometa Kohoutek, foram encontradas, entre 1973 e 1974, 16 matérias sendo

12 no Feira Hoje e 4 no Folha do Norte.

Ao reunir diferentes fontes sobre um determinado fenômeno, percebem-se os limites

que cada uma delas possui. Aproveitando as lembranças de Antônio Magalhães sobre o

Kohoutek, cabe aqui ressaltar as possíveis ilusões geradas a partir das entrevistas. Ao ouvir o

fotógrafo, e depois, confrontar o seu relato com outras fontes, notou-se que a sua impressão

quanto à implantação da entidade padeceu de um descompasso na memória. Ele chegou a

mencionar o ano de 1976 como referência à passagem do cometa Kohoutek, como também o

início dos trabalhos para a criação do Antares.193 Ele ainda relatou que o pai de César era seu

amigo, e o procurou para que auxiliasse seu filho no registro do cometa, pois sabia que

Magalhães possuía bons equipamentos fotográficos.

No entanto, ao consultar os periódicos, viu-se que em 1973, o Antares estava

relativamente divulgado, já possuía conselho diretivo e aparecia na imprensa como espaço de

observação de diversos eventos astronômicos. Inclusive, o nome do próprio fotógrafo está

presente em uma das matérias sobre o Kohoutek, atrelado à direção do departamento

fotográfico do Antares.194

Vale aqui ressaltar que Antônio Magalhães foi entrevistado em dois diferentes

momentos. O primeiro em 2013, como já mencionado, e o segundo, em 2017, quando essa

pesquisa já possuía quantitativo considerável de fontes, as quais confrontamos com o

depoimento do fotógrafo.

Ao observar o conteúdo de ambas as entrevistas, é possível acompanhar as diferentes

reelaborações da memória que uma mesma pessoa pode fazer ao longo da vida, mostrando

como são comuns construir diferentes impressões de um mesmo momento histórico. Ecléa

Bosi explica porque isso ocorre:

A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora,

à nossa disposição, no conjunto das representações que povoam nossa

192 Folha do Norte, Feira de Santana, 22 dez. 1973, p.1. 193 Entrevista concedida em 7 de junho de 2017 194 Folha do Norte, Feira de Santana, 20 nov. 1973, p.3.

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consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato

antigo, ela não é a mesma que experimentamos na infância, porque nós não

somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela,

nossas ideias, nossos juízos de realidade e valor.195

De acordo com as memórias de José Ângelo, os “boletins contributions” eram

publicados mensalmente e distribuídos de forma gratuita. O ex-funcionário Ulisses Bezerra

também mencionou a existência de um boletim com essa periodicidade, e disse ainda que de

cada exemplar guardava-se uma cópia em caixas da biblioteca.

José Ângelo chegou a descrever a publicação em detalhes: possuía capa azul e era

escrito “boletim mensal contribution” com o mês e itens a serem abordados. O conteúdo,

segundo ele, era resultado das observações. Todos encaminhados para outros centros

astronômicos do país. Esse ex-voluntário disse também que os boletins eram impressos pela

Bahia Artes Gráficas, uma empresa feirense, cujo dono fazia parte do grupo do Antares. Por

esse motivo, quando o Observatório não tinha dinheiro, a empresa fazia a impressão e só

depois é que se realizava o pagamento.

Ao questionar o ex-funcionário Antonio Carlos sobre o processo de impressão das

publicações, ele, além de apontar a Bahia Artes Gráficas como uma das principais parceiras

do Antares e dizer que o dono da empresa era muito amigo de César, informou o que ocorria

antes da impressão de cada boletim.

Os jornais locais não apenas desempenhavam o papel de divulgar a entidade, mas

também cumpriam a função de dar suporte às atividades para as quais o Observatório não

possuía equipamentos adequados, nesse caso, computadores e impressoras. Enquanto não

havia tal maquinário, Antônio Carlos afirmou que os textos das publicações eram

encaminhados por ele e César Orrico até a sede do jornal Feira Hoje. Lá, segundo informou,

havia um funcionário que datilografava em uma “velocidade estúpida”, e assim procedia com

o texto deles. Em seguida, eles levavam a matriz para o jornal Feira Hoje. Após isso, o

material era colocado em um papel quadriculado para ser impresso na Bahia Artes Gráficas.

Antônio Carlos, assim como Ângelo, também afirmou que o pagamento pelos serviços

prestados muitas vezes era feito depois, não só pelo grau de amizade entre os prestadores de

serviço e os membros da instituição, mas também porque Orrico tinha certa credibilidade com

os fornecedores.

Nas entrevistas coincidem as narrativas que se referem às formas de pagamento das

publicações e à periodicidade dos boletins. Nos relatos de José Ângelo e Ulisses Bezerra, por

195 BOSI, ECLEA. Memória e sociedade. p. 55.

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exemplo, foi mencionada a frequência dos trabalhos.196 Essa ideia ganha ainda mais

consistência, ao se perceber que existem notas e textos nos periódicos divulgando diversos

volumes dos "boletins contributions" em um curto espaço de tempo.

No A Tarde e no Jornal da Bahia, respectivamente em 12 e 13 de dezembro de 1979,

apareceram notas anunciando o “boletim contribution” de número 6 (seis). Segundo essas

notas, aquela publicação que era feita em parceria com a Universidade haveria testado a

validade das leis de Kepler e Newton, bem como o isolamento de dois corpos. Em ambas as

notas antecipava-se que o próximo trabalho, no caso o boletim de número 7 (sete), seria

editado em Francês.

O Correio da Bahia,em 17 de dezembro de 1979, publicou um texto acompanhado do

seguinte título “Conheça mais o trabalho do Antares”.197 Nele consta que o Observatório

havia publicado o boletim de número sete, da série contribuição científica de 1979. Naquele

número, segundo o articulista, foram realizadas observações de chapas estrelares da

vizinhança do Sol, durante um eclipse total. Na matéria é mencionado que o trabalho foi

editado em francês, possuía previsões até o ano de 1999 e recebeu a colaboração dos

astrônomos H. Debehogne, do Observatório Royal da Bélgica e de Ronaldo Mourão, do

Observatório Nacional do Rio de Janeiro.

Nas entrevistas, a presença do astrônomo H. Debehogne no Antares foi densamente

destacada pelo ex-funcionário Ullisses Bezerra.198 Ao que parece, sua relação com o

astrônomo foi intensa, embora por um curto período. Debehogne, para Ulisses, representa um

marco, pois foi em consequência de um convite seu, que ele, ainda muito jovem, fez a sua

primeira viagem internacional, para a Bélgica, e adentrou de maneira mais profunda na

astronomia.

Em seu relato, o ex-funcionário informou que permaneceu naquele país por três meses.

O propósito da ida de Ulisses para a Bélgica foi auxiliar Debehogne na leitura de placas

fotográficas com registros de asteróides. Segundo ele, o astrônomo produziu essas imagens no

Chile e o chamou por meio de carta (ANEXO A), para acompanhá-lo naquele país, a fim de

produzir mais imagens e depois analisá-las. No entanto, o Antares não teve verba para custear

a sua passagem e ele acabou não participando dessa segunda etapa da pesquisa.

Devido a esse trabalho, Ulisses disse que o Antares, através dele, participou de um

programa de observações de asteroides, em conjunto com o Observatório Royal. Esse

196 Entrevistas concedidas em 25 e 26 de outubro de 2017 197 Correio da Bahia, Feira de Santana, 17 dez. 1979, p.11. 198 Entrevista concedida em 26 de outubro de 2017

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reconhecimento foi dado por meio de um atestado, que encontra-se sob sua posse,

mencionando a sua participação no trabalho, conforme pode ser visto no ANEXO B.

Ao indagar Ulisses sobre os trabalhos científicos produzidos pelo Antares, ele

destacou como primeiro o registro dos movimentos dos satélites de Júpiter. Segundo afirmou,

essa atividade foi realizada por seis ou oito anos. Pois havia interesse de um observatório

americano que fornecia os horários para realizar a observação. Com isso, o Antares registrava

e enviava as informações para os Estados Unidos. E assim, como no período da observação

das imagens de asteróides, ele também recebeu um documento em forma de agradecimento

por esse trabalho.

O “boletim contributions” sobre o satélite de júpiter aparece enquanto complemento

de uma matéria que trata da chegada de um astrônomo Argentino. O boletim, conforme

Ulisses declarou, teria por finalidade divulgar as informações acumuladas a respeito do

satélite de júpiter:

O Antares está anunciando para os próximos dias, o lançamento em seu

boletim “Contribuition” de uma série de observações e a determinação do

período sinódico do principal satélite do planeta Júpiter. O trabalho, segundo

o presidente do Antares, é de grande nível técnico e foi realizado pela equipe

do observatório feirense, já com participação efetiva do astrônomo

argentino, que realizou todas as reduções e análises auxiliado por um

computador do Observatório Nacional do Rio de Janeiro.199

Além desses, Ulisses afirmou que só reconhecia como produção científica as

observações do Sol feitas por Antônio Carlos da Graça. Apesar de a entidade ter registrado

vários eventos, como ocultações e eclipses, os equipamentos não possuíam capacidade

suficiente para dar a precisão necessária para o reconhecimento enquanto trabalho científico.

O que causou certa confusão foi haver dois diferentes produtos chamados de “boletins

contribuitions” ou “contribuição científica”. Nota-se que o material guardado por Ângelo é

diferente daquele encontrado no acervo do Antares, mencionado por Antônio Carlos. O

primeiro, de acordo com o entrevistado, tinha uma frequência mensal, já o outro possuía uma

periodicidade semestral. O que coincide com a fala de Antônio Carlos, que afirmou haver

uma edição a cada seis meses, intercalada com outro boletim anual, chamado “determinação

do fator K”.

199 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 11.04.1978 – 08.07.1978. Jornal da Bahia, Salvador, 4 de junho

de 1978, p.74.

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Segundo ele, esse último fazia parte de um trabalho de correção anual e mundial, da

qual muitos observatórios participavam. Os dados eram enviados para Zurique, onde havia

uma análise e depois a informação era reenviada para as entidades participantes.

Outra diferença entre os "boletins" é que o mencionado por Ângelo contém

propagandas ao final de cada página, enquanto o outro não. A própria capa foi composta de

maneira diferente. No material encontrado no acervo da entidade, ela possui o nome da

Universidade, do Observatório, o nome “contribuição científica” com o número, ao meio

contendo um título, por exemplo, “HORA LEGAL NO BRASIL”, o autor e, ao final, o

emblema da Universidade com informações sobre o ano.

Não há qualquer propaganda, nem mesmo do governo estadual, como ocorria com a

outra. A maioria deles, conta com poucas páginas, alguns com pequenas apresentações, e

diversos autores. Dentre eles, estão tanto funcionários do Antares, como Antônio Carlos e

César Orrico, quanto colaboradores externos que já apareceram em outros trabalhos, como

Ronaldo Mourão e Marcomede Rangel, e nomes nunca visto em outros trabalhos do Antares:

Maria Cristina de Queiroz, Otávio Luiz Chaves, Sylvio Silva, Jorge Polman e Regina Célia

Schurig.

Figura 32: Boletim Contribution n°18

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Fonte: Biblioteca Setorial do Observatório Astronômico Antares

Ao falar sobre as informações coletadas a partir das manchas solares, Antônio Carlos

concluiu que, após as observações, os dados eram reduzidos e publicados nos "boletins".

Porém, antes mesmo que isso ocorresse, as informações ficavam em forma de desenhos, como

se vê no ANEXO C.

Esse produto que antecede à publicação das manchas solares, também foi aqui

considerado, pois trata-se do vestígio mais primário das atividades técnicas exercidas pela

entidade. Nesse formato, foram encontrados dois grandes cadernos, em tamanho A3 com

desenhos de discos solares produzidos nos anos de 1979 e 1982.

Figura 33: Cabeçalho dos desenhos das manchas solares

Fonte: Reserva Técnica do Museu Antares de Ciência e Tecnologia

Como é possível perceber, cada observação era registrada em uma folha padrão com

cabeçalho. Nele consta o nome do Observatório, as siglas da universidade, o título “Física

Solar” e os dados referentes à observação daquele dia. Em todas as folhas, encontra-se como

observador o ex-funcionário Antônio Carlos da Graça.

Depois de realizado o registro das manchas solares no "gabarito", conforme

denominou Antônio Carlos, passava-se para o momento de reduzir os dados, fazendo a

contagem das machas desenhadas e verificando a ocupação da área. Para ele, “esse processo

era a aplicação da matemática pura de uma forma prática”.

O entrevistado assegurou também que Marcomede Rangel foi quem lhe ensinou toda a

técnica. E, dessa maneira, ele passou não só a observar as manchas solares, mas também a

traduzir os dados, números e estatística. A partir disso, criaram-se os boletins astronômicos,

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com o apoio também de Ronaldo Mourão. Para Antônio Carlos, esse tipo de trabalho era

necessário, pois a entidade precisava de uma "publicação acadêmica", já que ela estava

envolvida com a UEFS. E assim como os demais produtos do Antares, esses "boletins" eram

enviados para diversos observatórios do mundo.

Anuários

Foram encontrados cinco volumes dos Anuários. Ao analisá-los, é possível perceber

que o objetivo dessas publicações era fazer previsões astronômicas a cada ano que se iniciava.

Todos eles estão em formato de livro, dotados de fichas catalográficas e prefácios. As capas

seguem mais ou menos um padrão, com os títulos grafados em caixa alta como, por exemplo,

“ANUÁRIO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES PARA 1979”, seguidos

de uma imagem da entidade, do brasão e do nome da Universidade Estadual de Feira de

Santana.

Figura 34: Capa de anuário 1979 / Figura 35: Capa de anuário 1981 / Figura 36: Capa de anuário 1985

Fonte: Biblioteca Setorial do Observatório Astronômico Antares

Como se vê, o Anuário de 1979 apresenta na capa uma imagem de um equipamento

específico, retratado em primeiro plano, a estação meteorológica. Já nas imagens reproduzidas

nas publicações de 1980, 1981 e 1984, não aparece mais essa estação. Um possível indício de

que ela não estivesse mais em funcionamento, pois apesar de a captação das novas imagens

sugerir nova posição do fotógrafo, ela contempla um campo visual muito parecido com a da

outra.

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As capas dos anuários de 1981, 1984 e 1985 trazem também dados adicionais. Em

1981 há, no canto inferior direito, um emblema comemorativo pelos dez anos da Fundação. E

nos anuários de 1984 e de 1985, a logomarca do governo de João Durval.

Das cinco publicações, a do ano de 1979 parece ter sido a mais tímida, sendo a menor

em quantidade de páginas. Nos prefácios, basicamente constam as seguintes informações: a

ordem do volume que o anuário pertencia; referências das efemérides astronômicas de outros

institutos, utilizadas como base; agradecimentos a alguns colaboradores. Nesse rol, é

mencionado o nome de Ronaldo Mourão, Marcomede Rangel, Ulisses Lemos Bezerra,

Antônio Domingos de Oliveira, Jailton Batista dos Santos, Brigadeiro Sylvio e Silva, Antônio

Carlos da Graça Souza. O aparecimento desses personagens varia de um volume para outro.

Nos anuários de 1984 e 1985, os nomes das figuras externas, como Ronaldo Mourão,

Marcomede Rangel e o Brigadeiro já não são mais mencionados. Essa ausência faz pensar que

naqueles últimos anos a produção já havia ganhado mais autonomia, pois, somente há

destaque de colaboradores internos, como Ulisses Bezerra e Antônio Carlos da Graça.

Ao falar sobre os anuários, o ex-funcionário Antônio Carlos atribuiu o sucesso do

trabalho a H. Debehogne e Ronaldo Mourão, na condição de apoiadores e ao seu colega

Ulisses, que teria sido o principal responsável pela publicação dos anuários. Pois, segundo

ele, Ulisses era o único que entendia a linguagem de computador Fortran e traduzia para a

Basic. Naquele momento, o papel que ele próprio desempenhava limitava-se ao planejamento

e revisão dos volumes.

No prefácio de 1979 consta que aquele Anuário, então publicado pelo Observatório

Astronômico Antares, era o primeiro volume de uma série sobre previsões astronômicas. Por

esse motivo, ele possuía um significado muito importante para a astronomia baiana. Já que

preencheria uma lacuna há muito existente. O texto ainda informa que os dados ali inseridos

eram de vital importância para a continuidade dos trabalhos daquela entidade e para outros

centros de pesquisa.

Nos demais anuários, outras evidências também foram deixadas. No volume de 1981,

por exemplo, há um agradecimento à Companhia de Pneus Tropical, por ter permitido o uso

de seus computadores. Em quase todas as edições menciona-se a grande aceitação dos

anuários anteriores e, segundo justificavam, era essa aceitação que motivava novas produções,

com inserção de novos elementos, passando, inclusive, de uma abrangência regional para o

âmbito nacional.

Nos jornais, esses agradecimentos e as demais informações apareciam como notícia. A

figura de Marcomede Rangel, por exemplo, é exaltada já nas primeiras matérias que

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abordaram o anuário de 1979. Não só sua participação enquanto colaborador da publicação

foi mencionada, mas, também, fazia-se uma espécie de resumo curricular a fim de conferir-

lhe notabilidade. Na matéria “Astrônomo veio ajudar o Antares fazer anuário”, por exemplo,

consta que, para auxiliar a equipe do Antares, havia chegado à cidade, procedente do Rio de

Janeiro, Marcomede Rangel Nunes, chefe do Departamento de Departamento de Física Solar

do Observatório Nacional – Conselho Nacional de Pesquisas.200

Além do cargo ocupado pelo astrônomo, aparece na matéria a informação de que ele já

havia produzido, em parceria com o Antares, um "boletim contribution” sobre os valores de

insolação média teórica. Não satisfeito, o articulista ainda destacou que Marcomede estudava

e pesquisava o Sol há mais de oito anos, inclusive, era autor de trabalhos científicos em

diversos países. Para o autor da matéria, Marcomede era o maior estudioso em física solar,

tendo publicado em um renomado centro astronômico de física solar: o Observatório de

Zurique da Suíça.

Ao falar sobre o anuário para o Folha do Norte, Orrico afirmou que aquela publicação

consistia na concretização dos seus projetos e trabalhos, pois ela seria um marco muito

importante na vida do Observatório.201

A super valorização do trabalho do Observatório, das empresas e das pessoas ficou

evidente nesse período. Em uma só nota de jornal há, ao menos, três situações como essa. 202

Primeiro, o articulista fala que aquele trabalho era sem dúvidas um dos “mais perfeitos”

elaborados pela equipe do Antares e do Observatório Nacional; depois menciona que foram

auxiliados pelos computadores de alta geração, que pertenciam a Pneus Tropical de Feira. Ao

finalizar, diz que o anuário era mais uma vitória da administração de César Orrico que tão

bem vinha conduzindo o Observatório por todos aqueles anos.

Ao divulgar o anuário de 1984, o A Tarde destacou a mudança de perfil do

documento, conforme mencionado no prefácio da publicação.203 Na matéria “Observatório

Antares lança anuário de 84”consta que a entidade tinha acabado de lançar o Anuário

astronômico, o qual seria o quarto volume de uma série iniciada em 1979. Segundo o texto,

em virtude da boa aceitação dos volumes anteriores e atendendo a sugestões recebidas de todo

200 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 15.11.1978- 22.01.1979 Jornal Feira Hoje, Feira de Santana, 07

de dezembro de 1978, s/n. 201 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 27.05.1979 -28.06.1979. Jornal Folha do Norte, Feira de

Santana, 26 de junho de 1979, s/n. 202 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 15.11.1978 -22.01.1979. Jornal Folha do Norte, Feira de

Santana, 04 de janeiro de 1979, s/n. 203 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 02.05.1984 – 31.05.1984. Jornal A Tarde, Salvador, 21 de maio

de 1984, s/n.

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o Brasil, foram incluídos naquele número novo, elementos de natureza astrométrica e

astrofísica. Com tais alterações, o articulista assinalou que o anuário, inicialmente marcado

por um caráter regional, passou a âmbito nacional, com maior amplitude para os astrônomos,

rádio-astronômos, físicos, engenheiros, geodesistas, navegadores e agrimensores.

Desenhos e Previsões do Tempo

As “produções científicas” do Antares não se limitaram ao formato padrão dos

anuários e boletins. Elas também se estenderam por outros meios não tão convencionais, a

exemplo das colunas escritas por César Orrico e "As previsões do tempo", fornecidas aos

periódicos locais.

Orrico divulgava o conhecimento astronômico nos jornais à semelhança de

astrônomos do Rio de Janeiro, com objetivo de popularizar o campo de conhecimento e

apresentar-se como alguém qualificado na área. Era uma forma de legitimar-se como

astrônomo, mesmo que realizasse essas atividades na condição de amador. Ao publicar suas

colunas, Orrico procedia da mesma forma, por exemplo, que Ronaldo Mourão, no Jornal do

Brasil.

Ao comparar as duas colunas, percebe-se que não apenas os nomes eram iguais, mas a

própria estrutura delas. Compostas em sua maioria pelos mesmos tópicos, como Fenômenos,

Lua, Estrelas, Eclipses e principalmente um desenho, representando o céu do mês em questão,

que tanto por Orrico quanto por Mourão, era denominado de Carta Celeste.

Figura 37: O céu de março por César Orrico / Figura 38: O céu de fevereiro por Ronaldo Mourão

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Fonte: Jornal Feira Hoje, 06 de março de 1975. Arquivo do Museu Casa do Sertão / Fonte: Jornal do Brasil

1º de fevereiro de 1973. Arquivo Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional.

No acervo digital da Biblioteca Nacional há, pelo menos, da década de 1970, seis

edições da coluna do astrônomo carioca, sendo a primeira de outubro de 1971 e a última de

janeiro de 1974. Já Orrico, no Feira Hoje, utilizou por um período o nome “Astronomia em

foco”, o mesmo da coluna dele no Folha do Norte, mas em 1974 vê-se que ele modificou para

“O Céu do Mês”, assim como fazia Ronaldo Mourão no Jornal do Brasil, o que indica a clara

influência do astrônomo sobre Orrico. Este, em certa medida, “achou” necessário “copiar” um

padrão estabelecido por alguém que já possuía reconhecimento e influência na área.

Por se tratar de um suporte de comunicação de ampla divulgação, é possível dizer que,

tanto para Mourão quanto para Orrico, os jornais didatizaram a produção/divulgação do

conhecimento astronômico. Diferente dos anuários e boletins, os textos, desenhos e previsões

disponíveis no Folha do Norte e Feira Hoje eram destinados aos leigos.

No entanto, mesmo que fossem para os leitores gerais, ao que parece, os dados não

eram de tão fácil compreensão. Via-se a informação, mas, muito provavelmente, pouco era

absorvido dela. Os textos serviam mais para marcar a presença da entidade no cenário local e

construir uma imagem de respaldo do que esclarecer acerca dos fenômenos planetários.

As extensas colunas astronômicas de Orrico permaneceram entre 1970 e 1976. Após

esse período, deixaram de ser produzidas. Em seu lugar, por um curto período, coube ao

Antares fornecer aos jornais as previsões diárias do tempo, num regime que obedecia a certa

regularidade, como se vê:

Figura 39: Previsão do Tempo Jornal Folha do Norte / Figura 40: Previsão do Tempo Jornal Feira Hoje

Fonte: Jornal Folha do Norte, 09 de setembro de 1976. Arquivo do Museu Casa do Sertão / Fonte: Jornal

Feira Hoje, 16 de junho de 1976. Arquivo do Museu Casa do Sertão

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Tanto no Folha do Norte como no Feira Hoje publicavam-se as previsões. Muito

provavelmente, esse tipo de serviço foi iniciado porque a entidade chegou a instalar em suas

dependências uma estação meteorológica, como foi visto no segundo capítulo e nas capas dos

anuários.

A partir do final dos anos 1970, as publicações diárias sobre o conhecimento

astronômico tornaram-se rarefeitas. Essa tendência foi crescente. Já não se encontravam mais

os desenhos representando as "constelações do mês" e nem as "previsões do tempo".

Aumentou, porém, o número de matérias que tratavam do lançamento de "anuários" e

"boletins". Esta mudança na natureza das publicações sugere que a entidade não mais se

dedicava com afinco a divulgar sua própria existência, mas, sim, afirmar-se como organização

científica consolidada, que produzia resultados compatíveis com as exigências dos trabalhos

acadêmicos.

A fase de produções com esse caráter alcançou a primeira metade dos anos 1980. A

partir de então teve início uma etapa de sucessivos infortúnios, em que se constata a crescente

perda de força da entidade. O nome do Observatório Antares volta a pautar as matérias dos

jornais, porém, com o intuito de denunciar a sua decadência.

“O Antares já não observa mais estrelas”

O Antares por quase vinte anos tornou-se palco para projeção de políticos locais e

estaduais. Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, era uma figura que se fazia presente nos

mais diversos momentos da entidade. A investigação sobre os jornais evidenciou a recorrente

participação de ACM na trajetória do Antares, chegando ao ponto de haver declarações de que

a sua ajuda era decisiva para a existência da instituição.204 Os ex-funcionários e ex-

voluntários também o exaltaram em seus depoimentos, atribuindo-lhe o papel de grande

incentivador e colaborador da entidade. Em uma das falas de José Ângelo, o sucesso do

Antares teria sido “graças” a ACM, então governador da Bahia. A entrevista com Antônio

Carlos da Graça confirmou essa impressão. Na ocasião, o depoente assegurou que “Antônio

Carlos Magalhães “tomou-se de amores” por César Orrico. 205

Como se vê isso não foi suficiente para manter o Antares, pois nem sempre o político

de confiança da ditadura estava à frente do governo. Na mesma situação, encontrava-se a

Universidade Estadual de Feira de Santana, que fora criada também durante o governo de

204A Tarde, Salvador 5 jun. 1991, p.14. 205 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017

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ACM e tornou-se uma das instituições com a qual o Antares possuía convênio. A UEFS nada

podia fazer para melhorar as condições da entidade, pois ela também foi abatida por

sucessivas crises, greves e cortes orçamentários.

Nos periódicos locais e regionais foram recorrentes as matérias que informavam

acerca da precariedade tanto da UEFS quanto do Antares. A imprensa, além de noticiar os

percalços dessas entidades, colocava-se como agente, no sentido de poder modificar aquele

quadro. Nessa perspectiva, o Feira Hoje chegou a promover um debate na reitoria da

Universidade, objetivando promover uma mesa redonda com a administração da instituição,

em sua reitoria, a fim de proporcionar maior intercâmbio entre a UEFS e a comunidade, pois

as atividades acadêmicas encontravam-se suspensas há dois meses, em decorrência da greve

dos professores. 206

Para o encontro, contava-se com a participação de jornalistas, dirigentes de órgãos

públicos, a atuação comunitária, como também dos secretários municipais de

Desenvolvimento Comunitário e de Educação, Arlindo Mendes Lima e Wilson Mascarenhas,

além da professora Laís Gomes e o diretor da 2ª Diretoria Regional de Sáude, Colbert Martins

Filho.

Os jornais que outrora destacavam a entidade como o primeiro Observatório do Norte

e Nordeste, a partir dos anos de 1980 deu lugar para que ela pudesse implorar por auxílio. Os

sinais de que o observatório estava passando por dificuldades apareceram durante um dos

mais divulgados eventos por ele promovido, a observação do cometa Halley, em 1986. Na

edição de 31 de março, no Feira Hoje consta a matéria intitulada “Mesmo sem apoio, o

projeto Halley está sendo executado”. Nessa mesma perspectiva, aparece no A Tarde, em 4 de

abril, outra reportagem com a seguinte manchete: “Antares sem ajuda oficial ao projeto

‘Halley nos céus’”.

De maneira mais incisiva, não mais abordando pequenas dificuldades, mas sim,

denunciando a situação de abandono, outras matérias foram encontradas. A partir delas pode-

se afirmar que o período mais crítico da entidade foi o ano de 1988. No Correio da Bahia, por

exemplo, há uma reportagem denominada “Governo esquece Antares”. Nela, deu-se destaque

a seguinte frase: “Orrico diz que antes era mais fácil”.

No corpo do texto foi relatada a situação de abandono da instituição, que desde março

de 1987 não recebia mais nenhuma verba do Governo do estado. Há informações de que o

convênio com a UEFS estava em fase de renovação.

206 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.01.1988- 30.06.1988. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana,

05 de junho de 1988, s/n.

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De acordo com a matéria, havia um deputado chamado Waldeck, que estava tentando

trazer melhorias para o Observatório. A situação precária da entidade foi atribuída à troca de

governo. Segundo o articulista, nenhum contrato no estilo UEFS / Antares estava sendo

renovado antes da posse do novo governador. E mesmo após Waldir Pires ter assumido, “(...)

o tempo passou e o governo de mudança esqueceu-se do Antares, que ficou todo esse

período em total abandono, sem nenhuma ajuda oficial, ou particular”[negrito do autor]. Em

contraponto às queixas, a reportagem exaltava o papel das empresas e da figura de ACM

como impulsionadores da entidade num passado recente.

Pela iniciativa privada, destacou-se o Banco do Brasil e o Baneb. No primeiro governo

de Antônio Carlos Magalhães, segundo a reportagem, o Observatório passou a ter apoio direto

de autoridades estaduais, por meio de verbas provenientes da Setrabes e da Secretaria de

Ciência e Tecnologia.

Com a saída do “padrinho” ACM do governo, e a entrada de Roberto Santos, a matéria

sugere que tenha começado aí as dificuldades enfrentadas pelo Antares, pois as autoridades

que assumiram o poder não liberaram verbas para a manutenção e pesquisa da instituição. A

cobrança demarcava também um posicionamento político e ideológico dos articulistas que

falavam em nome do Observatório, pois, mais uma vez, Antônio Carlos Magalhães foi trazido

para o debate. Segundo informaram, ele teria voltado a ajudar o Antares, tão logo assumiu a

presidência da Eletrobrás.

Depois da Eletrobrás, ACM retornou ao governo do estado e na opinião do articulista,

“(...) o observatório passou a ter vida nova”, uma vez que os recursos voltaram a ser liberados

pelas secretárias e, assim, a entidade atualizou-se em equipamentos e pesquisas.

Semelhante a essa matéria, lançaram-se outras tantas em favor do Antares. Dentre

elas estão: “Antares espera verba de 1 milhão”, do A Tarde, e, “Antares não observa mais

estrelas”, da Tribuna Feirense.

Na tentativa de resolver a situação da entidade, os jornais apontaram para as várias

iniciativas empregadas por Orrico. Algumas delas constam na edição do Feira Hoje, do dia 25

de maio de 1988, na matéria “Observatório Antares vai voltar a funcionar”.207 No texto é

mencionado que Orrico apesar de descontente com a falta de apoio, estava esperançoso em

haver dias melhores para a entidade, pois nos seus planos consistiam em refazer o convênio

com a UEFS, estabelecer contatos com uma fundação da Alemanha, como também com o

207 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.01.1988- 30.06.1988. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana,

25 de maio de 1988, s/n.

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Conselho Interestadual de Tecnologia – CONSITEC e com o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

No entanto, um dia depois da publicação dessa reportagem, há outra no Correio da

Bahia, que trazia quase as mesmas informações daquela produzida pelo Feira Hoje,

afirmando que o convênio com a UEFS já havia sido refeito.208

Ainda otimista, e contando com um possível repasse de verbas do governo via UEFS,

Orrico chegou a dizer nos jornais que pretendia observar a aproximação do planeta Marte com

a Terra, previsto para ocorrer em setembro daquele ano, como também ensejava colocar em

prática, no mês de dezembro, o projeto “Estrela de Belém, destinado às crianças.209

Mesmo com tantas expectativas, a situação da entidade não melhorou. Em maio de

1989, o Tribuna da Bahia chegou a publicar uma extensa reportagem intitulada “O Antares já

não observa mais Estrelas”.210 No subtítulo, os equipamentos foram qualificados como

sofisticados e de grande potência, mas que estavam abandonados.

Nota-se que as falas de César Orrico, reproduzidas pelo articulista da matéria, estão

recobertas de indignação. O texto é iniciado com a seguinte reflexão do diretor do Antares:

“Fazer ciência no Brasil é difícil. No Nordeste piorou. Afinal, nossos hospitais não têm

dinheiro para gaze e esparadrapo. A que ponto a gente chegou”. A frase é complementada

pelo autor da matéria, informando quando a entidade havia sido criada e que naquele

momento estava “(...) entregue ao mato, transformada num criatório de calangos”. As

legendas das imagens também chamam a atenção. São basicamente duas. Na primeira, que

acompanha uma fotografia do prédio principal, afirma-se “Os equipamentos e instalações

estão sendo preservados por um vigia pago pelo próprio diretor”. Esse vigia era Francisco

Roque, o mais antigo funcionário da entidade. A outra, composta apenas por Orrico em

primeiro plano, descreve: “César Orrico: protelando o fim”.

Após tantas matérias indicando o fim da entidade, os periódicos passaram a apontar

para novas alternativas à crise do Observatório. Por todo o ano de 1990, os jornais publicaram

reportagens que indicavam que a entidade seria, a partir daquele momento, administrada pela

prefeitura municipal de Feira de Santana. A primeira delas saiu no Feira Hoje, em 1º de

fevereiro de 1990. Nela há uma imagem que mostra a cúpula do Fotoheliógrafo em primeiro

plano, e em segundo, o prédio principal. É acompanhada da seguinte frase: “O Antares pode

208 Correio da Bahia, Salvador, 26 maio 1988, p. 7. 209 Respectivamente: A Tarde, Salvador, 19 ago.1988, p.16; Folha do Norte, Feira de Santana, 12 nov. 1988, p.3. 210 Tribuna da Bahia, Salvador, 11 maio. 1989, p.2.

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ser utilizado como centro de lazer e funcionar como escola”. 211 A legenda apresenta de

maneira resumida o que contêm a matéria. Vale acrescentar que segundo o texto, essa foi a

alternativa pensada e apresentada por Orrico ao prefeito municipal, Colbert Martins.

A “esperança” então reacendeu, dando margem à produção de novas reportagens,

inclusive, com frases que davam a entender que o observatório estava “salvo”, a exemplo da

publicação “os equipamentos não mais sofrerão danos”, publicada no Jornal Feira Hoje, em

março de 1990.212

No entanto, não foi exatamente isso que aconteceu. O Antares chegou a ser

incorporado pela prefeitura municipal, mas lá não funcionou uma escola ou um espaço de

lazer como se pensava, mas sim a Secretaria de Saúde do município. Em 1991, o A Tarde,

informou o fato por meio do título: “Observatório Astronômico de Feira vira secretaria”. 213

De acordo com o articulista, aquela teria sido a única maneira de manter o prédio protegido de

invasões e depredações. Dentre as imagens que compõem a reportagem, há uma que

representa a nova função da entidade, como se vê abaixo:

Figura 41: Antares funcionando como Secretaria de Saúde do Município.

Fonte: A Tarde 15 de junho de 1991. Arquivo do Museu Casa do Sertão, Recortes Coleção UEFS.

Nessa mesma matéria, atribuiu-se também ao governo de Waldir Pires a situação de

decadência da entidade. De acordo com o texto, “[...] as verbas que já eram diminutas,

211 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 03.01.1990- 30.06.1990. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana, 1

de fevereiro 1990, s/n. 212 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 03.01.1990- 30.06.1990. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana,

18 de março 1990, s/n. 213 A Tarde, Salvador, 15 jun. 1991, p.14.

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desapareceram, inviabilizando a continuação das atividades que ali eram desenvolvidas pelo

astrônomo Augusto César Orrico, técnico de planejamento da Universidade de Feira.”214

No entanto, em 1992, há um engajamento para fazer com que o Antares retornasse às

suas atividades de origem. A partir daquele ano ele deixaria a condição de conveniado da

UEFS e tornar-se-ia um órgão suplementar da instituição. Localizamos em um dos

documentos que informam acerca desses objetivos as justificativas que foram adotadas para

que o projeto fosse viabilizado, recuperando-se a trajetória da entidade, a fim de fundamentar

tal tomada de decisão:

Criado em 1971, pela iniciativa privada, contando com o

decisivo apoio do então e atual Governador Antônio Carlos

Magalhães, o Observatório manteve, com esta Universidade, até o ano

de 1987, Convênio que possibilitou o seu trabalho e o incentivo de

pesquisas e atividades afins.

Em 1987, no último Governo Estadual, os recursos deixaram

de ser repassados, trazendo sérios problemas à manutenção da

Instituição, que se encontra, atualmente, relegada ao mais completo

abandono e descaso.215

A solução encontrada para a situação precária do Antares foi incorporar toda a

entidade na condição de órgão suplementar da universidade. A proposta foi apresentada e

aprovada pelo reitor Josué Mello, durante a 80ª reunião ordinária do Conselho Administrativo

da Universidade Estadual de Feira de Santana.216 No documento, consta que a proposta

apresentada pelo reitor para a incorporação do Antares seria uma alternativa para assegurar as

condições necessárias à recuperação e retomada das atividades daquele espaço.

O reitor informou ainda que a inclusão do Antares como órgão suplementar da

universidade foi precedida de uma decisão do Conselho da Fundação daquela entidade, que,

em assembleia geral, deliberou pela incorporação, mediante a extinção da Fundação e delegou

ao presidente Augusto César Orrico plenos poderes a fim de proceder a todos os trâmites

necessários. Dessa maneira, a Fundação Antares foi extinta por meio do decreto 28.168, de 25

de agosto de 1992, passando a fazer parte do patrimônio da Universidade Estadual de Feira de

Santana.

Nos periódicos consultados, a notícia do novo status do Antares ganhou repercussão,

juntamente com as primeiras providências práticas da UEFS, a fim de revitalizar a estrutura.

No A Tarde, a matéria “Observatório vai ser reformado”, informou que a Universidade abriu

214 A Tarde, Salvador, 15 jun. 1991, p.14. 215 BAHIA. Ofício n°121/92, de 22 de março de 1992. Feira de Santana, 22 mar 1992. 216 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. Feira de Santana. Ata n.80 . Ata de reunião

ordinária do conselho administrativo da Universidade Estadual de Feira de Santana, realizada no dia 27 de março

de 1992, p.12.

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uma licitação pública para efetuar uma reforma no Antares, que em pouco tempo passaria a

funcionar como órgão suplementar daquele estabelecimento de ensino superior.217

Essas iniciativas demarcam uma nova fase para o Observatório Antares. Uma espécie

de nova chance para aqueles que “sonhavam” em tornar o estudo da ciência astronômica uma

realidade na cidade de Feira de Santana. Essa segunda etapa, no entanto, não cabe no corpo

deste trabalho e decerto será objeto de estudo de outras pesquisas.

217A Tarde, Salvador, 10jul. 1992, p.2

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desta dissertação foi traçar a trajetória do Observatório Astronômico

Antares. Trata-se de uma experiência ocorrida em um espaço social, político, econômico e

cultural específico ─ Feira de Santana ─ que agrega elementos estruturantes da noção de

"modernidade" e "modernização". Com base nestes dois conceitos, buscou-se entender o

sentido daquela vivência singular, articulando-a com experiências mais amplas.

A modernização, vista como processo, implica em tensões, em conflitos e em

contradições. Não foi diferente no caso aqui analisado. Vira-se em diferentes momentos,

enunciados paradoxais, por exemplo, a atribuição dos avanços científicos a um ente superior

evocando-se o nome de Deus. A criação do próprio empreendimento configura um

descompasso entre o discurso e as práticas: ele foi idealizado e posto em funcionamento não

por profissionais da astronomia ─ cientistas ─, mas por amadores. Há que se reconhecer,

porém, junto com Marshall Berman e Anthony Giddens que não há nada de impróprio nas

contradições da modernização já que elas fazem parte de sua essência.

Do processo de modernização emergem discursos a favor e contra. Há aqueles que a

legitimam e os que a desqualificam, conforme sugere Bruno Latour. Esta faceta ficou evidente

quando se comparou o discurso da imprensa e o da ficção romanesca. Além dos

pronunciamentos nos periódicos, a modernização aqui examinada veio à tona através das

numerosas fotografias, amplamente disseminadas pelos idealizadores do Antares, na busca de

reconhecimento da natureza do projeto que implementaram.

Assim, instrumentos notadamente modernos, como a imprensa e a fotografia, foram

empregados nas táticas para aproximar a entidade do poder, recorrendo-se frequentemente a

meios "tradicionais" de apoio, a exemplo da trocas de favores e de ajudas pessoais por parte

das autoridades constituídas. É neste jogo de trocas que se destacou a figura de Antônio

Carlos Magalhães na trajetória dos Antares. A influência do governador baiano era tão intensa

que ele chegou a criar uma emissora de rádio na cidade, em conjunto com César Orrico, a

rádio Antares. Por não se constituir em objeto direto de nossa investigação, apenas

tangenciamos a sua criação ficando a sugestão de pesquisa para estudos futuros.

Este trabalho ressente-se do fato de não ter entrevistado César Orrico, cujo

protagonismo ficou evidente nesta narrativa. No entanto, sua voz e pontos de vista

sobressaíram nos numerosos artigos de jornais aqui empregados, o que se espera tenha

reparado a falta de seus depoimentos, ainda que como pesquisadores reconheçamos as

diferenças entre as naturezas das duas modalidades de fontes.

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A investigação revelou desde o início o quanto a ideia de modernidade estava presente

no horizonte daqueles que levaram a cabo a edificação do Antares, sintetizada na palavra

"progresso". O grau de comprometimento da imprensa local com o projeto se expressou no

papel desempenhado por jornalistas e proprietários daqueles periódicos para divulgar o

empreendimento. As articulações com os poderes tanto em âmbito local quanto estadual se

fizeram notar nas iniciativas dos fundadores da entidade, desde os primeiros passos.

O patrimônio material do Antares funcionou como símbolo de um poder científico e

como objeto-testemunho, papel adquirido após a perda da sua "funcionalidade primária".

Apesar de os periódicos afirmarem que os equipamentos científicos eram de alta qualidade,

viu-se que essa condição não correspondia à realidade. A maioria dos instrumentos era de

segunda mão; eles estavam obsoletos nas entidades as quais pertenciam e essas os

disponibilizavam para o Observatório.

Os instrumentos, as fotografias e as publicações funcionaram também como "objetos-

lembranças", capazes de despertar as mais remotas memórias dos envolvidos com a entidade.

Por meio das entrevistas viu-se que os produtos científicos foram classificados pelos

dirigentes do Observatório como resultado das atividades desenvolvidas naquele espaço. Ao

reuni-los e analisá-los, percebe-se que eles operavam como "instrumentos simbólicos",

segregando a comunidade em produtores do conhecimento astronômico, leitores

especializados e inaptos à compreensão dos dados.

No final dos anos 1980, as publicações científicas foram tornando-se cada vez mais

escassas. Caminhava-se para o encerramento de uma experiência que, como todas as

"aventuras da modernidade", foram marcadas por suas contradições e crises: as gerais e as

específicas de um tempo e um lugar. A trajetória do Observatório Astronômico Antares

narrada nesta abordagem teve início, meio e fim, um "fim" que aqui faz sentido apenas pela

necessidade de encerrar a pesquisa e a exposição de seus resultados.

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FONTES

Anuários Astronômicos

Anuário Astronômico 1979 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1979;

Anuário Astronômico 1980 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1980;

Anuário Astronômico 1981 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1981;

Anuário Astronômico 1984 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1984;

Anuário Astronômico 1985 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1985.

Atas

OBSERVATORIO ASTRONÔMICO ANTARES. Feira de Santana. Ata n. 1. Ata da criação

do Observatório Astronômico Antares, realizada no dia 16 de março de 1971;

OBSERVATORIO ASTRONÔMICO ANTARES. Feira de Santana. Ata da sessão de posse

da diretoria do Observatório Astronômico Antares, realizada no dia 15 de março de 1975;

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. Feira de Santana. Ata n.80. Ata

de reunião ordinária do conselho administrativo da Universidade Estadual de Feira de

Santana, realizada no dia 27 de março de 1992;

Atestados

Feira de Santana. 30 de junho de 1975.

Boletins Astronômicos

NUNES, Marcomede Rangel. O uso da classificação de McINTOSH na observação dos

grupos de manchas solares no Observatório Astronômico Antares. Contribuição científica nº

1. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;

NUNES, Marcomede Rangel. Relação entre densidade de fluxo solar (10.7 cm OTTAWA) e

número relativo de manchas solares durante 1978. Observatórios: Clube estudantil de

astronomia e capricórnio. Contribuição científica nº 2. Universidade Estadual de Feira de

Santana, Observatório Astronômico Antares;

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SILVA, Sylvio. Notas sobre calendário. Contribuição científica nº 3. Universidade Estadual

de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;

SILVA, Sylvio. O Satélite artificial do ponto-de-vista astronômico. Contribuição científica nº

6. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;

MOURAO, Ronaldo Rogério Freitas. A observação fotográfica das estrelas duplas visuais.

Contribuição científica nº 8. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório

Astronômico Antares;

MOURAO, Ronaldo Rogério Freitas. Hora legal no Brasil. Contribuição científica nº 15.

Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;

SOUZA, Antonio Carlos da Graça. Determinação do fator k, do número relativo de WOLF no

ano de 1979 no Observatório Antares. Contribuição científica nº 17. Universidade Estadual

de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;

NUNES, Marcomede Rangel. Relação entre densidade de fluxo solar (10.7 cm OTTAWA) e

número relativo de manchas solares durante 1979. Observatórios: Zurich, Boulder e Antares

de Feira de Santana. Contribuição científica nº 18. Universidade Estadual de Feira de

Santana, Observatório Astronômico Antares;

NUNES, Marcomede Rangel. Insolação teórica para Recife, comparação com Feira de

Santana, incluindo a radiação solar global no topo da atmosfera. Contribuição científica nº

20. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;

NUNES, Marcomede Rangel. Determinação da posição heliográfica pelo método do disco de

porter. Contribuição científica nº 22. Universidade Estadual de Feira de Santana,

Observatório Astronômico Antares;

SOUZA, Antônio Carlos da Graça. Development on large scale of the Antares solar region

00119. Contribuição científica nº 28. Universidade Estadual de Feira de Santana,

Observatório Astronômico Antares;

Correspondência dos diferentes calendários – 1982 dia, ano, período Juliano - 1982

Contribuição científica nº 32. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório

Astronômico Antares;

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SOUZA, Antônio Carlos da Graça. Determination of the K factor from the relative sunspot

numbers at the year from 1981 on the Antares Observatory. Contribuição científica nº 38.

Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares.

Estatutos

ESTATUTO. 25 de setembro de 1971. Observatório Astronômico Antares.

Lei e Projetos de lei

FEIRA DE SANTANA. Lei 791/75, 14 de maio de 1975. Considera de utilidade pública o

Observatório Astronômico Antares.

FEIRA DE SANTANA. Projeto de Lei 10/75, 8 de outubro de 1975. Considera de utilidade

pública o Observatório Astronômico Antares. Câmara Municipal de Feira de Santana, Feira

de Santana, v.5, p.14, 8 out 1975.

Ofícios

BAHIA. Ofício n°121/92, 22 de março de 1992. Feira de Santana. 22 mar 1992.

Relatórios

Relatório das Atividades da Fundação, 30 de setembro de 1975;

Atividades no Observatório Antares, 06 de novembro de 1989.

Diário Oficial

Antares da cidade de Feira de Santana. Diário Oficial do Estado, Salvador, v. 3, n.9158, p.61,

16 mai 1972;

BAHIA. n.18.926, de 18 de novembro de 1971. Estatuto da Fundação do Antares;

BAHIA. Lei 3003, de 15 de maio de 1972. Declara de utilidade pública o Observatório

Astronômico FEIRA DE SANTANA. Projeto de Lei 10/75 de 8 de outubro de 1975.

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Jornais e Periódicos

Jornal Folha do Norte –1969/1975 (Museu Casa do Sertão e Biblioteca Municipal de Feira de

Santana);

Jornal Feira Hoje – 1970/1975 (Museu Casa do Sertão e Biblioteca Municipal de Feira de

Santana);

Correio da Manhã – 1970 (Biblioteca Nacional Digital);

Jornal do Brasil - 1976 (Biblioteca Nacional Digital);

Veja. São Paulo, n° 22, p. 38 - 41, 5 fev 1969;

Veja. São Paulo, n° 47, p. 31- 37. 30 jul 1969.

Entrevistas

Antônio Ferreira Magalhães – 7 de junho de 2013 e 27 de outubro de 2017– Feira de Santana,

Bahia;

Antônio Carlos da Graça – 13 de junho de 2013 e 30 de outubro de 2017 – Feira de Santana,

Bahia;

Francisco Roque – 18 de maio de 2013, Feira de Santana, Bahia;

Helder Alencar – 13 de junho de 2017 – Feira de Santana, Bahia;

José Ângelo Leite Pinto – 25 de outubro de 2017 – Feira de Santana, Bahia;

Ronaldo Rogério Freitas Mourão – 22 e 23 de maio de 2013 – Rio de Janeiro;

Ulisses Lemos Bezerra – 26 de outubro de 2017 – Feira de Santana, Bahia.

Romances e outras fontes literárias

BAHIA, Juarez. Setembro na Feira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

GODOFREDO FILHO. Poema da Feira de Santana. Coleção Ilha de Maré. Salvador, 1977.

p.16

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POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Editora Itapuã, 1968.

SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio Editora,

1984.

SODRE, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1991.

Sites Consultados

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/arnold-ferreira-da-silva.

http://oliveiradimas.blogspot.com.br/2017/05/15-anos-sem-egberto-costa.html?spref=fb.

http://ginasiosantanopolis.blogspot.com.br/search/label/Carlos%20Bacelar.

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REFERÊNCIAS

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ANEXO A - Carta convite

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ANEXO B – Atestado de presença

Page 144: AMADORES OBSERVAM O CÉU...Amadores observam o céu: o Observatório Astronômico Antares e o ideal de modernização em Feira de Santana (1971– 1992). / Lise Marcelino Souza.- Alagoinhas,

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ANEXO C- Desenhos das Manchas Solares