amado, luiz henrique. cassimiro, saulo [2013]. o ataque dos malditos

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Psicólogo inFormação, ano 17, n. 17, jan./dez. 2013 O ataque dos malditos – Bang-Bang-Tum: acampamentos indígenas de Mato Grosso do Sul, uma realidade contada por crianças e adolescentes indígenas de Kurussu Ambá Indigenous settlements of Mato Grosso do Sul, a reality told by indigenous children nd adolescents of Kurussu Ambá SAULO CASSIMIRO* LUIZ HENRIQUE ELOY AMADO** Resumo O presente estudo tem como objetivo narrar uma experiência com crianças, adolescentes e jovens Guarani Kaiowá em acampamentos indígenas de Mato Grosso do Sul, apresentando a realidade vivida após episódios de conflitos e expulsão de terra. Esse povo Kurussu Ambá é originário da Terra Indígena Taquaperi, localizada na região de fronteira com o Paraguai, no município de Coronel Sapucaia. A expulsão de sua área, entre ataques e conflitos, fez que o povo desse território formasse acampamentos. O presente relato é um recorte * Este estudo faz parte de um projeto do Conselho Indigenista Missionário Re- gional do Mato Grosso do Sul, M.S. ** Graduado em História; indigenista colaborador do Conselho Missionário in- digenista do M.S. e graduando em Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB. *** Advogado, discente do ROA – Programa de Stricto Sensu em Desenvolvimento Local, da Universidade Católica Dom Bosco. Indígena Terena. Psicólogo inFormação ano 17, n, 17 jan./dez. 2013 Copyright © 2013 Instituto Metodista de Ensino Superior CNPJ 44.351.146/0001-57

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AMADO, Luiz Henrique. CASSIMIRO, Saulo [2013]. O Ataque Dos Malditos.

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  • Psiclogo inFormao, ano 17, n. 17, jan./dez. 2013

    O ataque dos malditos Bang-Bang-Tum: acampamentos indgenas de Mato Grosso do Sul, uma realidade contada por crianas e adolescentes indgenas de Kurussu Amb

    Indigenous settlements of Mato Grosso do Sul, a reality told by indigenous children nd adolescents of Kurussu Amb

    Saulo CaSSimiro*luiz Henrique eloy amado**

    ResumoO presente estudo tem como objetivo narrar uma experincia com crianas, adolescentes e jovens Guarani Kaiow em acampamentos indgenas de Mato Grosso do Sul, apresentando a realidade vivida aps episdios de conflitos e expulso de terra. Esse povo Kurussu Amb originrio da Terra Indgena Taquaperi, localizada na regio de fronteira com o Paraguai, no municpio de Coronel Sapucaia. A expulso de sua rea, entre ataques e conflitos, fez que o povo desse territrio formasse acampamentos. O presente relato um recorte

    * Este estudo faz parte de um projeto do Conselho Indigenista Missionrio Re-gional do Mato Grosso do Sul, M.S.

    ** Graduado em Histria; indigenista colaborador do Conselho Missionrio in-digenista do M.S. e graduando em Psicologia pela Universidade Catlica Dom Bosco UCDB.

    *** Advogado, discente do ROA Programa de Stricto Sensu em Desenvolvimento Local, da Universidade Catlica Dom Bosco. Indgena Terena.

    Psiclogo inFormao

    ano 17, n, 17 jan./dez. 2013

    Copyright 2013 Instituto Metodista de

    Ensino Superior CNPJ 44.351.146/0001-57

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    temporal, histrico e geogrfico e traz, portanto, fatos histricos da comunidade e uma compreenso da vivncia do grupo. Os dados foram coletados por meio de entrevistas, observaes, oficinas ldicas na referida comunidade, durante o contato com crianas, adolescentes e alguns lderes. Assim, pde-se entender a vulnerabilidade do grupo ante as situaes de conflitos e violncia que ele passa. Palavras-chave: povos indgenas; acampamentos indgenas; Kurussu Amb; Sade Mental Indgena.

    AbstractThe present study aims to narrating an experience with children, adolescents and young indigenous Guarani Kaiow camps of Mato Grosso do Sul, with the reality experienced after episodes of conflict and expulsion of land. These people Amb originate Taquaperi In-digenous Land, located in the border region with Paraguay, the city of Coronel Sapucaia. The expulsion of its area, between attacks and conflicts, has made the people of this territory formed camps. This report is the time frame, historical and geographical and brings the-refore historical facts of the community and an understanding of the experiences of the group. Data were collected through interviews, ob-servations, workshops playful in that community during contact with children, adolescents and some leaders. Thus, one could understand the vulnerability of the group compared the situations of conflict and violence that they spend.Keywords: indigenous peoples; indigenous camps; Amb; Indigenous Mental Health.

    Acampamentos indgenas no cone sul do Estado de Mato Grosso do Sul

    Dia 4 de janeiro primeira retomada, ns entramos e quando entramos ressamos com anderu. Tem pouco resador e

    construmos barraco. Parecia tudo tranqilo msdepois que os fazendeiros

    j arrumaram uma cilada (sic). (E. M., 16 anos, integrante da

    primeira retomada do Kurussu Amb, estudante.)

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    Dinmica e diversidade dos acampamentosOs Kaiow e Guarani ocupavam, tradicionalmente, um amplo

    territrio na regio sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul, si-tuado entre o rio Apa (Bela Vista), Serra de Maracaju, rio Brilhante, rio Ivinhema, rio Paran, rio Iguatemi e fronteira com o Paraguai.1 Agrupavam-se nesse territrio, especialmente em reas de mata, ao longo dos crregos e rios, em pequenos ncleos populacionais, integrados por uma, duas ou mais famlias, que mantinham entre si relaes de parentesco e casamento, tendo frente os chefes de famlia mais velhos, denominados de tekoaruvicha (chefes de aldeia) ou anderu (nosso pai).2

    A partir da instalao da Cia. Matte Laranjeira,3 na dcada de 1880 e, especialmente, a partir da dcada de 1940, quando se inicia a instalao da Colnia Agrcola Nacional de Dourados4 e dos em-preendimentos agropecurios, os Guarani e Kaiow so compulso-riamente confinados em pequenas extenses de terra, fazendo que seu territrio seja, na atualidade, completamente inadequado para a sobrevivncia sustentvel desses indgenas.

    O processo histrico de reduo territorial e confinamento5 no interior das pequenas extenses de terra reservadas aos Kaiow e

    1 Os mesmos Guarani e Kaiow ocupavam, tambm, terras que hoje integram o territrio paraguaio, sendo, evidentemente, a fronteira poltica entre os dois pases completamente estranha aos ndios.

    2 Esses termos designavam as chefias de famlia. Cabiam-lhes atribuies nas esferas poltica e religiosa. Essas expresses incluem, hoje, as pessoas iniciadas nas prticas rituais e dirigentes de grupos de reza que podem ainda ser deno-minados, genericamente, de caciques ou rezadores, sendo estes os termos mais recorrentes nas falas dos indgenas (BRAND, 1997).

    3 Grande empresa de explorao da erva-mate no sul de Mato Grosso; utiliza, dentre outros, da mo de obra dos guaranis; posteriormente, no sculo XX torna-se empresa argentina e comea a entrar em crise nos anos de 1940.

    4 CAND Colnia criada por Getlio Vargas, como parte do movimento Marcha para o Oeste, com o objetivo, geopoltico, de colonizar e ocupar esta parte do territrio nacional, realizando um ensaio de reforma agrria, loteando terras devolutivas, que na verdade pertenciam ao povo guarani, a partir de 1940.

    5 Por confinamento, entende-se aqui o processo histrico de ocupao do territrio por frentes no indgenas, que se seguiu demarcao das reservas indgenas pelo SPI, forando a transferncia dessa populao para dentro dos espaos definidos pelo Estado como posse indgena. Indica, portanto, o processo de progressiva passagem de um territrio indgena amplo, fundamental para a viabilizao de sua organizao social, para espaos exguos, demarcados a partir de referen-ciais externos, definidos tendo como perspectiva a integrao dessa populao, prevendo-se sua progressiva transformao em pequenos produtores ou assala-riados a servio dos empreendimentos econmicos regionais (BRAND, 2007).

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    Guarani gerou inmeras mudanas, exigiu profundas atualizaes no seu cotidiano, criando desafios novos para a sua organizao social. Essas mudanas so apontadas por representantes indgenas como causa de vrios problemas vivenciados por essa populao, inclusive o acirramento da prtica do prprio suicdio. O confinamento o resultado da desterritorializao indgena dos espaos de suas aldeias tekoha, de ocupao tradicional e a reterritorializao em reservas demarcadas pelo Estado.

    Esse processo destruiu a autonomia dos ndios ali localizados, tornando-os dependentes das polticas de segurana alimentar do Governo e do aporte de recursos externos. Alm das consequncias para a economia indgena, esse processo de confinamento criou problemas para a sua organizao social, no passado espalhavam-se em pequenos ncleos macrofamiliares, autnomos, sob a autoridade dos mais velhos, anderu ou tekoharuvicha, lderes de perfil marca-damente religioso. Quando a situao em determinado espao, por diversas razes, se tornasse inadequada, buscavam outros espaos, dentro do mesmo grande territrio.

    Gallois (2004, p. 41), afirma que o territrio de um grupo pode ser pensado como um substrato de sua cultura. Insiste, por isso, na distino entre Terra Indgena e territrio (2004, p. 39):

    A diferena entre terra e territrio remete a distintas perspectivas e atores envolvidos no processo de reconhecimento e demarcao de uma Terra Indgena. A noo de Terra Indgena diz respeito ao processo poltico-jurdico conduzido sob a gide do Estado, enquanto a de territrio remete construo e vivncia, culturalmente vari-vel, da relao entre uma sociedade especfica e sua base territorial.

    Para Oliveira Filho as terras indgenas:

    So bens da Unio e os recursos ambientais ali existentes so parte integrante do territrio nacional, mas por constiturem habitat dos ndios, a utilizao de tais terras est destinada prioritariamente reproduo sociocultural dessas populaes, devendo portanto adequar-se aos seus usos e costumes e reverter-se necessariamente em benefcio para os seus moradores tradicionais (1999, p. 162).

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    Pensando em concepo de territrio para as sociedades indge-nas, Paul Little (LITLLE 2002, p. 3), define territorialidade como o esforo coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela especfica de seu ambiente biofsico, convertendo-a assim em seu territrio. Os processos de territo-rializao, desterritorializao e posterior reterritorializao foram profundamente marcados por situaes de conflitos. Esse contexto Oliveira (1999 apud LITLLE, 2002, p. 4) identifica como processos de territorializao que surgem em contextos intersocie-trios de conflito.

    Gallois (2005, p. 35), referindo-se aos desafios na relao entre sustentabilidade e cultura indgena, observa que:

    O que parece mais urgente [...] fortalecer a capacidade dos ndios, de suas comunidades e organizaes representativas, em desenhar e gerir projetos. Projetos que s podero alcanar metas de sustenta-bilidade quando forem apropriados e implementados no mbito de redes de relaes locais. Onde locais no significa autrquicas pois [...] a lgica da produo indgena implica sempre no dar e re-ceber, na troca. O fortalecimento dessas experincias indgenas exige o empoderamento de sua capacidade de gerir as transformaes em seus modos de vida e em suas formas de articulao aos contextos regionais to variveis. Esta , provavelmente, a dinmica mais enri-quecedora da poltica de sustentabilidade que todos almejamos ver construda em aldeias indgenas.

    O territrio, sob a tica dos Guarani e Kaiow, o espao no qual as relaes de parentesco, com suas complexas redes de comunicao, se reproduzem, os processos de territorializao em espaos mais reduzidos ou em outros espaos geram, tambm, amplos e complexos processos de reorganizao social, o que impli-ca mudanas e reafirmaes perante a alteridade. O confinamento dentro das reservas e nos acampamentos indgenas, que se seguiu ao processo de disperso, impe uma nova e altamente complexa situao, na qual se destacam exatamente os problemas resultantes da superpopulao, da sobreposio de aldeias, da falta de ali-mentos, dos conflitos internos, dos conflitos externos, do espao

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    limitado para a existncia das roas, da sade mental de crianas e adolescentes, da restrio na mobilidade geogrfica e do gradativo esgotamento de recursos naturais relevantes para a vida e a cultura Kaiow e Guarani.

    Segundo Vietta (1997), ao tornar inoperante antigas prticas e vivncias sociais, gera a necessidade de reordenar o modelo de organizao social sendo necessrio:

    Repensar o estatuto das lideranas polticas, as prticas religiosas, a produo econmica, a concepo da famlia extensa como elemento estruturador, frente emergncia de um novo modelo de organizao que se impe. Ou seja, procurar novos lugares para as coisas, dar significado prprio a nova realidade (VIETTA 1997, p. 70).

    Os acampamentos indgenas de Mato Grosso do Sul demons-tram muitos problemas de ordem social, religiosa e poltica. As dis-tintas situaes conduzem as novas regras, organizaes, costumes e adaptaes. Os constantes conflitos e a falta de segurana nestes ambientes revelam a vulnerabilidade dos grupos acampados e so inmeros os registros de lideranas desaparecidas ou assassinadas.

    Compreendendo a organizao dos acampamentos

    Os pistoleiro no cerkaramos, ajenti estvamos cantando iai apareceu,

    os pistoleiro mais no ti corajen di atira dinos idepois ele jatian corajen de entra cuando ele chega nos estamo apavorado

    idepois eles comearo atirar (...)(sic). (J. F. P., 12 anos, participante das retomadas, estudante.)

    Os acampamentos de retomadas so os grupos familiares acam-pados aps realizarem as retomadas de seus tekoh, como o caso de Kurussu Amb, Ypoi, Laranjeira Nhanderu, Itay, Guir Kambiy, Pyelito Ku, Guaivyri.

    Os acampamentos beira das estradas so os acampamentos que se formam por terem sido feitas retomadas e terem sido ex-pulsos. Em sua maioria, aguardam o momento de retomar a luta

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    pela terra; ou se encontram aglutinando foras e se organizando para voltar a seu tekoh. So os casos de Apikay, Bakurity, Tarum, Juncal, Laranjal.

    Os acampamentos nas periferias de cidade so agrupamentos indgenas que se estabelecem nas periferias das cidades, por diver-sos motivos, desde a sada das reservas por causa da violncia e conflitos internos, pela busca de trabalho, tratamento de sade, ou pela escolarizao de seus filhos. So grupos muito heterogneos.

    Os acampamentos de fundos de fazenda, em sua maioria, so remanescentes de frentes de trabalho. Esse tipo de acampamento tem sido cada vez mais raro, uma vez que, na grande maioria dos casos, os ndios foram expulsos desses espaos. Essa expulso deu-se ou pelas ocupaes econmicas, monocultura mecanizada ou mesmo pelo temor de os ndios representarem para os fazendeiros um risco para a perda de sua propriedade. Um dos exemplos desse tipo de acampamento o da Aldeinha Receber, no interior do municpio de Juti, MS.

    O acampamento Kurussu Amb

    (...) hoje foi contada pela comunidade de Kurussu Amba, j chega de violncia e tirar a vida do nosso guerreiro, por-

    que essa Terra j nossa, por que primeiro descobrimento do Brasil foi indgena, nosso antepassado que descobriu o Brasil (sic). (E. M., 16 anos, integrante da primeira retomada do Kurussu

    Amb, estudante.)

    O histrico do acampamento Kurussu Amb foi construdo por relatos orais em encontros e entrevistas, sistematizados pelo Conselho Indigenista Missionrio CIMI/2012.

    Assim, descreveremos a seguir uma experincia com crianas e adolescentes nessa comunidade. So encontros organizados em forma do que chamamos oficinas.

    As OficinasAs oficinas ldicas elaboradas junto comunidade levaram em

    considerao a realidade de conflito em que se encontravam essas

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    crianas e adolescentes, bem como a conservao de sua cultura e tradio. Todos os encontros foram organizados conforme a dispo-nibilidade da comunidade. Aps reunio com todo o grupo, entre eles crianas, adolescentes, adultos e idosos, os ancies contaram junto ao grupo como foram as retomadas, a histria de seu tekoha e a luta dos que j morreram na luta. As crianas observavam a tudo atentamente, enquanto um relatava a histria outros integrantes contribuam com nomes, datas, percursos, quantidades e outras informaes que enriqueciam mais o relato. Como as crianas ind-genas aprendem outros idiomas apenas em idade escolar, o dilogo foi todo em guarani e um intrprete transmitia ao grupo do CIMI as informaes.

    Foram distribudas pranchetas com folhas sulfite e lpis de escrever preto. Aps a concluso dos desenhos, o grupo distribuiu lpis de cor para todas as crianas. As crianas foram orientadas a desenhar livremente o que elas compreenderam e sabiam acerca das retomadas, algumas haviam participado e podiam descrever com detalhes, como se observar na anlise dos desenhos mais adiante.

    Para ilustrar a compreenso do leitor, segue texto que faz par-te de uma carta escrita por Ismarte Martins (professor e liderana indgena da comunidade Kurussu Amba). Vejamos:

    A comunidade Kurusu Amba permaneceu no acampamento mar-gem da rodovia por trs anos. Em novembro de 2009 fizeram nova retomada. Desta vez se estabeleceram nas proximidades da fazenda Madama e montaram seus acampamentos em uma rea de preserva-o ambiental que limite de duas fazendas e fica a 5 km da fazenda Madama. Segundo estudos de identificao em curso essa rea tambm faz parte da terra tradicional desta comunidade. A comunidade ficou escondida dentro da mata por mais de um ms, porque logo nos pri-meiros dias da retomada pistoleiros ficaram rondando a rea, dando tiros e conseguiram capturar e assassinar um adolescente, que ia do acampamento para a escola mais prxima. As lideranas encontraram o corpo do jovem jogado beira da estrada. A comunidade articulada com os aliados fizeram denuncias a nvel nacional e internacional. Com isso as investidas dos pistoleiros cessaram e a briga passa a ser travada judicialmente. Depois de trs meses receberam uma ordem

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    de reintegrao de posse. Recorreram ao TRF em SP conseguindo permanecer por mais 90 dias. O caso foi encaminhado para instncias federais em So Paulo. Em de julho de 2011 saiu a deciso do STF, concedendo a permanncia da comunidade na rea de preservao ambiental dentro da fazenda, at que se conclua os relatrios de iden-tificao. Os indgenas articulados com o movimento indgena e com aliados buscam fortalecer a luta dando visibilidade ao caso, enquanto aguardam as decises judiciais. Realizaram na retomada em abril de 2010 uma Jeroki Guasu (grande reza) e logo aps em Julho uma Aty Guasu (grande assemblia) Estiveram presente na assemblia o MPF e a FUNAI, que puderam ver de perto a realidade que a comunidade esta submetida. Nos cinco primeiro meses a FUNAI negavam-se a entregar as sextas bsicas no local, tendo a comunidade que andar 12 km a p para buscar as sextas. As crianas no tinham acesso escola e a Funasa nega-se a prestar atendimento comunidade alegando ser rea de conflito. Essa omisso j ocasionou a morte de duas crianas. Na realizao da Aty Guasu muitas foram s discusses e denuncias em trs dias de encontro (sic).

    A comunidade indgena Guarani e Kiow de Kurussu Amb originria da Terra Indgena Taquapiry, localizada na regio de fron-teira com o Paraguai, no municpio de Coronel Sapucaia. A expulso de sua rea, entre ataques e conflitos, fez com que o povo deste terri-trio formasse acampamentos ou fugisse para outras reas indgenas.

    As retomadas entre os grupos indgenas de Mato Grosso do Sul tm aumentado significativamente nas duas ltimas dcadas. Entre as retomadas e os consequentes conflitos oriundos desta luta resultam em indgenas desaparecidos e/ou mortos, sem explicaes plausveis; os casos ficam sem concluso.

    No dia 4 de janeiro de 2007, o grupo indgena de Kurussu Amb iniciou uma retomada, o objetivo foi ocupar um pequeno espao de seu territrio, a fazenda Madama. Os indgenas relatam constantemente a presena de pistoleiros, o uso de fora e agresso por parte desses personagens. Aps cinco dias foram expulsos pe-los pistoleiros dos fazendeiros, utilizando de armas e de agresso, culminou na morte da anci Xurite Lopes, de 73 anos, nascida no tekoh, era a nhandeci (rezadeira) do grupo.

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    Inmeras so as manobras utilizadas pelos fazendeiros. Alguns se aproximam de grupos familiares, articulam suas ideias e coletam informaes a respeito dos movimentos a serem praticados pelo grupo. Usam de m-f, agem dolosamente e praticam crimes. O objetivo desses agentes geralmente o de atingir as lideranas, ou seja, os indgenas que fortalecem e lideram os grupos.

    Depois dessa expulso a comunidade montou acampamento s margens da rodovia MS 289, distante cerca de 20 km da rea de retomada. Organizaram a segunda retomada aps trs meses aproxi-madamente e retornaram fazenda. Desta vez o fazendeiro se props a um dilogo, e solicitou aos indgenas que deixassem a fazenda e lhes prometeu que desocuparia a fazenda. Os indgenas voltam para o acampamento s margens da rodovia. Misteriosamente, a liderana que estava frente das retomadas, Ortiz Lopes, em julho de 2007, assassinado. Mesmo aps o assassinato de Ortiz, eles retornam fa-zenda e, mais uma vez, so expulsos e levados para o acampamento, l foram aterrorizados pelos pistoleiros do fazendeiro que dispararam tiros contra a comunidade. Inmeros so os relatos de indgenas que levaram tiros, apanharam e perderam tudo o que tinham aps atearem fogo em seus barracos. Os relatos seguem envolvidos ao sangue e honra de ndios, j cansados de tanta humilhao, mas com foras para continuar a luta de seus antepassados. A ltima retomada lhes garantiu o direito de utilizar um pequeno espao da fazenda, onde se encontram confinados at o momento.

    Compreendendo as crianas e adolescentes emsuas expresses grficasA compreenso do contedo que se seguir no se baseia em

    anlise do campo psicolgico, o qual busca sempre a anlise do contedo latente presente na expresso das pessoas. A psicologia de base psicanaltica se prope a outro tipo de anlise, ou seja, aquele que privilegia as expresses inconscientes, alm das manifestas. A ideia aqui a de compreender a expresso das crianas e jovens indgenas, com base na experincia vivenciada por eles, e mais es-pecificamente no que se refere quilo que vivenciam em termos de confinamento, retomadas de seus lugares de vida e conflitos terri-toriais que passam. Nesse sentido, podemos citar Coleto (2010), ao

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    se referir que a arte importante na vida da criana, pois auxilia o seu desenvolvimento expressivo, tanto para a construo de sua criatividade, quanto para que se torne mais sensvel, ao adquirir uma viso do mundo com outros olhos. A mesma autora aponta ainda para a importncia de que o professor reconhea e estabele-a uma prtica pedaggica no sentido de valorizao da arte, das linguagens artsticas, de procedimentos e de desenvolvimento da criatividade e potica pessoal da criana como contedos que devem estar presentes no contexto escolar.

    possvel tambm lembrar Lowenfeld e Brittain (1970, p. 135), ao se referirem que:

    Desenhar, pintar, construir, constitui um processo complexo em que a criana rene diversos elementos em sua experincia, para formar um novo e significativo todo. No processo de selecionar, interpretar e reformar esses elementos, a criana proporciona mais que um desenho, proporciona parte de si prpria, como pensa, como sente, como v.

    Assim, compreendemos que o desenho pode trazer, em seu contedo, a expresso da arte e de seu aprendizado acerca de seu relacionamento com o meio social. E nesse sentido que se dar nossa compreenso dessas crianas e adolescentes indgenas.

    Tambm foram introduzidos contedos das falas dessas crianas e jovens, a fim de complementar essa experincia vivida.

    Seis horas da noite os fazendeiros invadiram nosso barraco e quei-maram todo, todo mundo esto se preparando mas muito pistoleiro e vm 12 carros 80 pistoleiro, tambm armado, mas ns no desanima-mos porque nos tambm arrumamos uma armadilha, no conseguimos pegar nenhum pistoleiro porque deram tiro por toda parte.(E. M., 16 anos, integrante da primeira retomada do Kurussu Amb, estudante.)

    Como citado, os desenhos foram elaborados de forma livre e cada criana ou adolescente utilizou da imaginao, sem fontes ou exemplos secundrios, exceto os relatos dos ancies ao grupo. No identificaremos os nomes reais dos participantes para preservar a identidade das pessoas e do grupo.

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    Os desenhos elaborados pelo grupo demonstram a histria vivi-da e a realidade do acampamento. Violncia, agresso, luta, sangue, tiros, natureza, pistoleiros, armas, seus territrios, animais, rituais de reza, rios, rvores, caminhos, objetos de reza, costumes, objetos de guerra, sofrimento, cemitrio, o conflito fundirio, as divises entre suas terras (cercados), assassinatos, esperana, o retorno, a ida, a unio do grupo, o desejo de ter novamente seus territrios, o conhecimento de seus direitos, a construo de um novo modo de ser, a organizao social do grupo, podem ser pontos relevantes a se considerar, entre tantos outros ocultos aos olhos ocidentais.

    O trabalho a seguir do adolescente E. M., de 13 anos. Seu trabalho foi intitulado como Kurus amba primeira retomada dia 4 de janeiro.

    Figura 1 Desenho livre de E. (16 anos de idade)

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    Psiclogo inFormao, ano 17, n. 17, jan./dez. 2013

    A imagem reproduz um grupo de indgenas, de costas, olhando para alm do cercado. Parece representar a macrofamlia e a reto-mada de seu lugar; um dos dois homens do grupo veste bermuda e camiseta, o outro veste uma cala e camiseta. Os dois homens esto com um basto nas mos e utilizam cocares, representando as vestes da guerra. As mulheres transportam sacolas nas costas (como parte dos costumes indgenas). Do outro lado das cercas a vegetao mais verde, as rvores possuem mais folhas e galhos, o capim mais denso. O adolescente E., por seus traos fortes e precisos, denota querer mesmo expressar o que vivencia. O grupo parece observar e possivelmente aguardar o momento oportuno para retomar o seu territrio.

    O trabalho a seguir da I. B. P., uma menina de 5 anos de idade. Intitulou seu trabalho como Aldea tecohaoe Vae qe Oxerocy quasu.

    Figura 2 Desenho livre de I. (5 anos)

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    Saulo CaSSimiro & luiz Henrique eloy amado

    A pequena I. retrata as cerimnias e as rezas feitas pelo grupo. Ao centro, a casa de reza com o desenho de um mbarak e do local de reza. Na frente da casa de reza nove rezadores, com seus mbarakas ao alto, rezam. esquerda, crianas rezam O catro hiqua. direita, dois Nhanderus fazem rezas. possvel identificar rvores e algumas casas. Possivelmente a pequena I. recebeu ajuda de um adulto durante a atividade para escrever algumas das palavras. Na parte inferior do desenho ela escreve Eu presiso demarcaso da teha decoha.

    O contedo pictrico retratado por I. parece ento demonstrar aquilo que vivenciam em grupo, alm das influncias dos adultos nessa convivncia (como o fato de o adulto ajudar a criana na ex-presso de sua mensagem escrita). Assim, interessante retomarmos as contribuies de Duarte, Bornholdt e Castro (1989), quando se referem que so os mecanismos de adaptao que auxiliam a criana a tomar caractersticas dos adultos com os quais convive e que para ela so significativos; de modo que, na brincadeira, a criana tem a oportunidade de representar papis sociais.

    O trabalho a seguir do jovem J. M. L., de 20 anos. Intitulou seu trabalho de O ataque dos Malditos.

    Figura 3 Desenho livre de J. (20 anos de idade)

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    Psiclogo inFormao, ano 17, n. 17, jan./dez. 2013

    importante ressaltar que J. participou (efetivamente) da pri-meira retomada com seu grupo; retomada essa representada em seu trabalho. Seus traos firmes demonstram vontade de expressar os fatos, as atividades j vividas.

    Em primeiro plano da figura, aparecem homens (brancos) mu-nidos de diversos tipos de armamento e caminhonetes auxiliam na batalha com o carregamento de armas de pesado calibre. Em segundo plano, possvel identificar os indgenas que, sendo atacados, revidam com arcos e flechas. esquerda, nesse mesmo segundo plano, um homem cai ao cho. A casa ao fundo assemelha-se com a real sede da fazenda Madama (existente nesse local). O jovem J. representa tambm, com escrita, as armas produzindo um barulho, Bang, Bang e Tum. Ao fundo, pssaros voam (local onde no h batalha).

    A representao grfica do jovem parece ento representar um conflito armado onde os seus companheiros saram feridos. O desenho repleto de detalhes. Essa retratao tambm faz parte de uma experincia j vivida pelo jovem em questo.

    O trabalho a seguir da I. B. P., uma menina de 5 anos de idade.

    Figura 4 Desenho livre de I. (cinco anos de idade)

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    Em seu trabalho, I. a menina retrata a figura da Senhora Xurite Lopes, com um Mbaraca na mo direita, sorrindo e olhando para a frente. A pequena I. reproduz as pinturas caractersticas de dias de guerra. Xurite utilizava como arma no dia da retoma seu Mbaraca como instrumento de reza, alm de colares e adornos na cabea. A pequena I. no participou da retomada, pois ainda no havia nascido; entretanto, possvel observar pela expresso da criana, um conhecimento a respeito dos fatos relacionados s retomadas e ao sofrimento vivido pela comunidade no dia da morte de Xurite fato que marcou bastante a comunidade a morte da rezadeira. Com isso, possvel perceber que esse acontecimento foi muito significativo.

    importante destacar que a personagem Xurite Lopes est presente em quase todos os discursos, falas e histrias orais nessa comunidade. Brutalmente assassinada na primeira retomada, Xurite lembrada como uma grande guerreira e, alm de liderana, era uma respeitada rezadeira do grupo, tornando-se referncia para os que continuaram vivos.

    Em seus relatos orais, os integrantes da comunidade contam que no dia do assassinato da Senhora Xurite Lopes os pistoleiros telefonaram para algum da comunidade e logo aps chegou um nibus e, brutalmente, homens armados conduziram a expulso dos ndios, obrigando-os, aos gritos e agresses, que adentrassem o veculo. Os indgenas carregaram o corpo de Xurite, j sem vida. Todos se revoltaram; as crianas choravam junto s mulheres e aos idosos, os guerreiros nada puderam fazer contra tantas armas e tanta violncia (informaes colhidas de relatos orais). Os Guarani e Kaiow utilizam fortemente dos recursos vindos da oralidade.

    O trabalho a seguir (figura 5) da pequena E. L., uma menina de cinco anos de idade. Em seu trabalho, E. tambm reproduz al-guns momentos da comunidade, inclusive a morte da Xurite Lopes. Observa-se ainda que possivelmente E. L. recebeu o auxlio de algum adulto na atividade, principalmente na escrita, visto que o nico idioma que E. conhece o guarani.

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    Figura 5 Desenho livre de E. (cinco anos de idade)

    No desenho, E. reproduz a casa de reza, muito presente no cotidiano de todos os membros da comunidade, reproduz tambm instrumentos utilizados na caa, um animal beira de duas rvores e o prprio cenrio da fazenda Madama, local onde a comunidade descreve como o centro de seu Tekora.

    Em seu relato, E. traz que, (...) alguns pistoleiros ligaram no sei pra quem pra vir o nibus esse nibus era esperado. Ningum quer subir nesse nibus porque Churite j morreu. possvel ob-servar, pois, o mesmo padro de transmisso da histria (oral) dos adultos para as crianas.

    O trabalho a seguir do pequeno M. X., um menino de cinco anos de idade.

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    Figura 6 Desenho livre de M. (cinco anos de idade)

    O desenho de M. mostra ao centro a Senhora Xurite sendo as-sassinada por um pistoleiro. Ao fundo uma casa de reza.

    possvel observar que, tal como as demais, essa criana de cinco anos de idade um membro da comunidade que no integrou o grupo da retomada porque ainda no havia nascido; entretanto, reproduz o drama vivido naquele dia. Com isso, percebe-se a forte tradio de reproduo oral e o modelo social comunitrio vivido pelas comunidades Guarani Kaiow.

    O trabalho a seguir da menina J. M. uma menina de nove anos de idade.

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    Figura 7 Desenho livre de J. (nove anos de idade)

    Na parte superior, J. representa o momento em que caminham para a primeira retomada, e observa-se um grupo de indgenas e alguns cachorros. Os ndios que caminham para a retomada carre-gam pertences em sacos. Ao fundo, possvel ver casas e rvores. Na parte superior dentro do cercado esto alguns animais, gado, etc. Ao fundo veem-se montanhas. No centro do desenho v-se uma passagem, ou seja, uma estrada que ruma sede da fazenda Mada-ma, do lado direito e esquerdo dessa estrada a criana representa uma plantao.

    Na parte inferior de seu desenho, J. M. descreve o momento em que os homens armados, os temidos pistoleiros, executam a expulso do grupo indgena. Na estrada, agora na parte inferior da

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    folha, contam-se seis caminhonetes com homens na carroceria e que se dirigem ao acampamento. Na chegada, a criana retrata tiros; ao centro e direita do desenho encontram-se homens armados que atiram contra os indgenas. Tambm na parte superior (direita), a criana busca representar o acampamento a pegar fogo. E ainda direita, na parte superior da folha, h a ideia de representao de indgenas a entrarem num nibus que os levar para a estrada.

    interessante destacar que J. tinha apenas quatro anos de idade quando ocorrera o processo de retomada em sua aldeia.

    Consideraes finais

    Aqui no Tekoha Kurussu Amba ns alunos pedimos e a comunidade a demarcao. Futuro da nossa comunidade os

    alunos imaginamos que como seria agora, fosse demarcado o nosso Tekoha Kurussu Amba.

    (E. M., 16 anos de idade, estudante, integrante da retomada.)

    H muitas dcadas os Guaranis e Kaiow vm sofrendo graves transtornos coletivos e individuais, enquanto povos indgenas e indivduos indgenas. A expulso de suas terras, o confinamento e os muitos assassinatos sem respostas podem ser considerados os mais severos dos transtornos sofridos por esses povos.

    Quando a sociedade nada faz para resolver e/ou solucionar os assassinatos de lideranas indgenas, os desaparecimentos de ndios inexplicavelmente, a morte de inmeras crianas por falta de alimentos, a morte por envenenamento da gua utilizada pela comunidade para a sua manuteno bsica, a humilhante falta de cestas bsicas nos acampamentos indgenas, a falta de atendimento mdico, o preconceito sofrido nas escolas por crianas e adolescentes indgenas, as agresses verbais e fsicas sofridas por estarem em acampamentos indgenas margem das estradas, a falta de demarca-o, entre centenas de atos desumanos praticados h sculos contra esses povos, a sociedade lhes envia um recado que diz: Vocs No Nos Interessa, Suas Vidas No Nos Vale Nada, Vocs No Fazem Parte De Nossa Sociedade. Mesmo tendo na Constituio Federal os mesmos direitos, os mesmos deveres e as mesmas obrigaes.

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    margem, a merc da sorte, de um atendimento (insuficiente) pelos rgos pblicos e pela militncia de entidades no governa-mentais, as aldeias e os acampamentos se transformam em campos de guerra. O medo, a insegurana e a instabilidade passam a ser rotina dessas sociedades, sem proteo. Inexplicavelmente, o so-frimento destes povos no lhes tira a vontade de viver e preservar sua cultura. A vida coletiva e os costumes transmitidos h sculos, por meio da oralidade, garantem aos grupos uma sistemtica orga-nizao social e histrica. Esse aspecto marcado nas representaes grficas das crianas e adolescentes, bem como em seus relatos ver-bais. Isto, pois, os grupos macro e microfamiliares comunicam-se constantemente, transmitindo informaes e fortalecendo os elos familiares e sociais.

    O trabalho realizado pelo Conselho Indigenista Missionrio nos acampamentos indgenas junto s crianas e adolescentes/jovens demonstrou que ainda so conservadas suas tradies religiosas, cultura do sagrado; bem como o senso comunitrio e familiar. Tambm foi possvel observar a perpetuao da cultura e tradio pela oralidade.

    Visto a demanda de problemas acarretados por tanto sofrimen-to, apenas devolver os tekohas as populaes indgenas parece no resolver o problema. Polticas pblicas que atendam as necessida-des bsicas deste povo so primordiais. As populaes indgenas possuem total capacidade de autonomia poltica e social em suas organizaes, porm necessitam de subsdios para a sua manuteno.

    Dedicamos este trabalho a todas as lideranas indgenas as-sassinadas no Estado de Mato Grosso do Sul na luta por seu povo, por seu Tekoha.

    RefernciasBRAND, A. J. O confinamento e seu impacto sobre os Pa-Kaiow. Porto Alegre.Dissertao (mestrado) Pontifcia Universidade Catlica de Porto Alegre, 1993. 76 p. CANCLINI, Nstor G. Culturas Hbridas, So Paulo: EDUSP, 2000.COLETO, D. C. A importncia da arte para a formao da criana Revista Contedo, Capivari, v. 1, n. 3, jan./jul., 137-152 p., 2010.

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    DUARTE, I. BORNHOLDT, I. CASTRO, M. G. K. A prtica da Psicoterapia Infantil. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1989.GALLOIS, D. Sociedades indgenas e desenvolvimento: discursos e prticas para pensar a tolerncia. In: GRUPIONI, L.D. et al. (orgs.) Povos Indgenas e tolerncia: construindo prticas de respeito e solidariedade. So Paulo, USP, 2001.LITLE, Paul E. Territrios Sociais e Povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Srie Antropologia, Braslia, 2002.OLIVEIRA FILHO, J. P. Ensaios em Antropologia Histrica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.VIETTA, Katya. No tem quem orienta, a pessoa sozinha que nem uma folha que vai com o vento: anlise sobre alguns impasses presentes entre os Kaiow/Guarani. In: Multitemas, n. 12, nov. 1998, p. 52-73.

    Contato dos Autores:Saulo Cassimiro. Universidade Catlica Dom BoscoDepto. PsicologiaAv. Tamandar, 6000, Jardim Seminrio,CEP 9117-900 , Campo Grande - MS, Telefone (67) 3312-3300Email: [email protected]

    Recebido em: 06/03/2013Aceito em: 12/09/2013