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17 Alterações do Equilíbrio Ácido-Base.

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do Equilíbrio Ácido-Base.

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308 - VOL I - FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

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ALTERAÇÕES DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE - Vol I - 309

A função normal das células doorganismo depende de uma série deprocessos bioquímicos e enzimáticos dometabolismo celular. Diversos fatoresdevem ser mantidos dentro de estreitoslimites, para preservar a função celular,como a temperatura, a osmolaridade, oseletrólitos e as quantidades de nutrien-tes, oxigênio, dióxido de carbono e íonhidrogênio.

A circulação extracorpórea foi,durante alguns anos, sistematicamenteacompanhada por distúrbios meta-bólicos, devidos, em grande parte, aosequipamentos pouco eficientes e aoconhecimento pobre da fisiopatologiada perfusão. Os baixos fluxos de perfu-são à temperatura normal, com fre-quência, estavam relacionados às alte-rações do metabolismo celular. Logo foireconhecido, que a acidose metabólicaera causada pela vasoconstrição peri-férica e pobre perfusão tissular, deter-minadas pelos fluxos de perfusãoutilizados; quanto mais baixo o fluxo daperfusão, maior era o déficit de basesno sangue e mais baixo o seu pH. Asrotinas de trabalho, incluiam a adminis-tração empírica de bicarbonato de sódio,baseadas apenas, no tempo de duraçãoda perfusão.

O melhor conhecimento da hemodi-luição, o adequado manuseio dos fluxosde perfusão, a inibição da vasoconstriçãoe o desenvolvimento de equipamentosmais sofisticados, permitiram o controleda circulação extracorpórea, com míni-mos desvios da fisiologia e do equilíbriodos ácidos e das bases no organismo.

Um dos fatores mais importantes na

preservação do metabolismo celular é aquantidade de hidrogênio livre, existen-te dentro e fora das células.

Pequenas variações da concentraçãodo hidrogênio, podem produzir grandesalterações na velocidade das reaçõesquímicas das células, acelerando algu-mas e retardando outras. Estas alteraçõessão capazes de modificar profunda-mente o metabolismo celular, a pontode inibir inteiramente certas funções;alterações extremas podem determinara morte celular.

A concentração do hidrogênio livreno organismo depende da ação desubstâncias que disputam o hidrogênioentre sí. As que cedem hidrogênio e asque captam o hidrogênio. As substânciasque tendem a ceder hidrogênio em umasolução, são chamadas de ácidos,enquanto as substâncias que tendem acaptar o hidrogênio nas soluções, são asbases.

A concentração final do hidrogênioresulta do equilíbrio entre aqueles doisgrupos de substâncias, ácidos e bases.

O metabolismo celular produzácidos, que são liberados continuamentena corrente sanguínea. O organismoneutraliza esses ácidos para prevenirmudanças agudas na concentração dehidrogênio e preservar a função celular.Quando ácidos ou bases são adminis-trados aos pacientes, estas substânciasmodificam o estado do equilíbrio entreácidos e bases do organismo, comconsequente alteração da quantidade dehidrogênio livre.

Durante a circulação extracorpórea,podem ocorrer alterações importantes

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desse delicado equilíbrio entre ácidos ebases, capazes de produzir transtornosimportantes da função celular e deter-minar complicações, algumas vezes,severas.

Muitos dos desvios do equilíbrio

ácido-base durante a perfusão, podemser prevenidos ou corrigidos através demedidas simples, desde que sejamconhecidos os princípios fisiológicosque o governam.

FISIOLOGIA DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASEA forma como o organismo regula a

concentração dos íons hidrogênio (H+),é de fundamental importância, para aavaliação das alterações do equilíbrioentre os ácidos e as bases no interior dascélulas (líquido intracelular), no meiolíquido que as cerca (líquido intersticial)e no sangue (líquido intravascular).

CONCEITO DEÁCIDO E BASE

Os elementos importantes para afunção celular, sob o ponto de vistaquímico, estão em solução. Umasolução é um líquido formado pelamistura de duas ou mais substâncias,inteiramente dispersas entre sí, de ummodo homogêneo. Uma solução con-siste de um solvente, o componenteprincipal, e um ou mais solutos. Oorganismo humano contém 60 a 80%de água, conforme a idade do indivíduoe, nas soluções biológicas, a águaconstitui o solvente universal. As demaissubstâncias em solução, constituem ossolutos.

Em uma solução biológica um solutopode estar em estado ionizado, ou seja,

os elementos ou radicais químicos quea compõem, estão dissociados uns dosoutros; a porção da substância que existeno estado dissociado ou ionizado échamada íon. Uma outra parte do solutoexiste no estado não ionizado; ambascoexistem, em um tipo especial deequilíbrio químico.

Existem substâncias, como os ácidosfortes, as bases fortes e os sais, quepermanecem em solução, quase com-pletamente no estado ionizado, en-quanto outras substâncias, como osácidos e bases fracas permanecem emsolução, em gráus diversos de ionização.A água tem sempre um pequeno número demoléculas, no estado ionizado.

Um ácido é uma substância capaz dedoar prótons (H+). Uma base é umasubstância capaz de receber prótons. Emoutras palavras, os ácidos são substânciasque, quando em solução, tem capaci-dade de ceder íons hidrogênio; as basessão substâncias que, quando em solução,tem capacidade de captar íons hidro-gênio.

Um ácido forte pode doar muitosíons hidrogênio para a solução e umabase forte pode captar muitos íonshidrogênio da solução. Soluções ácidas

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e básicas nas mesmas concentrações,neutralizam-se volume a volume,qualquer que sejam o ácido ou a base.

DETERMINAÇÃO DAATIVIDADE DO ÍONHIDROGÊNIO

A presença e a atividade dos íonshidrogênio em uma solução e nossistemas biológicos, deve ser avaliadapela determinação da quantidade dehidrogênio livre. Para a avaliação dohidrogênio livre nas soluções de ácidosou de bases, usa-se a unidade pH. Otermo pH significa potência de hidro-gênio; foi criado para simplificar aquantificação da concentração de H+ naágua e nas soluções.

A substância padrão, utilizada comoreferência é a água. A água se dissocia,em pequena quantidade, em íonshidrogênio (H+) e hidroxila (OH-). Aconstante de ionização da água é muitopequena, bem como são pequenas asquantidades de H+ e OH-, em solução.A quantidade de hidrogênio livre naágua é 0,0000001. Para facilitar acomparação destas pequenas quanti-dades de íons, Sorensen adotou a fraçãoexponencial, ao invés da fração decimal.Assim, Sorensen referiu-se à concen-tração de 10-7, como a “potência sete dohidrogênio”, para definir a sua quanti-dade na água. Hasselbalch criou o termopH, para expressar o logarítimo negativoda atividade do íon hidrogênio. O pHde uma solução, portanto, é o inversoda sua concentração de íons hidrogênio.

A convenção de Hasselbalch permiteque os valores da atividade do hidro-gênio nas soluções, sejam expressos emnúmeros positivos. A escala do pH, variade 0 a 14, representando a acidez ou aalcalinidade de uma solução, em compa-ração com a água.

Pelas quantidade relativas de íonshidrogênio (H+) e hidroxila (OH-), aágua tem uma concentração total de íonsde 10-14, que corresponde a partes iguais,ou seja 10-7, de cada um dos íons . Dessaforma, a água tem o pH=7 e, pelas suascaracterísticas, é considerada umasubstância neutra, ou seja nem ácidanem base e, serve de padrão de compa-ração para todas as soluções.

As soluções cujo pH está entre 0 e 7são ditas ácidas; as que tem o pH entre7 e 14 são ditas básicas ou alcalinas.

Se acrescentarmos base forte a umácido fraco, o ácido será neutralizado àmedida que a base é gotejada na solução,formando-se sal. Se representarmos aescala logarítima de pH, em relação àsquantidades adicionadas de base, traça-remos uma curva de titulação do ácido,que forma um S suave. O pH variarapidamente, até um certo ponto e,desse ponto em diante, há necessidadeda adição de maior quantidade de basespara que o pH volte a subir.

REGULAÇÃO DO PHNO ORGANISMO

Quando se adiciona ácido à água,mesmo em pequenas quantidades, o pHse altera ràpidamente. O mesmo ocorrecom a adição de bases. Pequenas quan-

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tidades de ácido ou de base podemproduzir grandes alterações do pH daágua.

Se adicionarmos ácido ou base aoplasma sanguíneo, veremos que hánecessidade de uma quantidade apre-ciável de um ou de outro, até que seproduzam alterações do pH. O balançoentre ácidos e bases no organismo é umabusca constante do equilíbrio; o plasmaresiste às variações bruscas do pH. Oplasma, portanto, dispõe de mecanismosde defesa contra as alterações do pH.

Os mecanismos de defesa do orga-nismo contra as variações bruscas dopH, são químicos e fisiológicos, e agemem íntima relação. Os mecanismosquímicos são representados por conjun-tos de substâncias capazes de reagir tantocom ácidos quanto com bases, neu-tralizando-as, e dificultando as osci-lações do pH. Os mecanismos fisio-lógicos são representados pelos pulmõese pelos rins, que eliminam substânciasindesejáveis ou em excesso, ácidos oubases, e poupam outras, de acordo comas necessidades do momento.

O mecanismo de defesa de naturezarespiratória é o mais imediato, paracorrigir alterações agudas, como as queocorrem durante a circulação extra-corpórea. O principal produto dometabolismo é o dióxido de carbono(CO2), que é a fonte de ácido carbônico(H2CO3), por reação química com aágua (H2O). Os pulmões eliminam odióxido de carbono, reduzindo o teorde ácidos no sangue e demais compar-timentos líquidos do organismo.

Os mecanismos renais são mais

lentos e tardios; seus efeitos não sãoapreciáveis naquelas alterações. Aprincipal função dos rins no balançoácido-base é promover a poupança ou aeliminação de bicarbonato, conforme asnecessidades do organismo.

SISTEMAS“TAMPÃO”

Um par de substâncias, capaz dereagir tanto com um ácido quanto comuma base, é chamado sistema tampão.

Um sistema tampão é constituidopor um ácido fraco e o seu sal de umabase forte, em relação constante, paracombinar com ácidos e bases em excessoe evitar variações do pH.

Os tampões são substâncias quedificultam as alterações do pH pelaadição de ácidos ou bases. São fun-damentais ao organismo, porque ometabolismo gera muito ácido. Aregulação do equilíbrio ácido-base noorganismo, depende da atuação dossistemas tampão existentes no sangue(líquido intravascular), nos tecidos(líquido intersticial) e no interior dascélulas (líquido intracelular). Os siste-mas tampão são também conhecidos,pela sua denominação inglesa: sistemas“buffer”.

A tabela 17.1 lista os principaissistemas tampão do organismo e as suasquantidades relativas.

Quando um ácido se acumula emmaior quantidade no organismo, éneutralizado no sangue, no líquidointersticial e no interior das células, empartes aproximadamente iguais, ou seja,

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1/3 do ácido é neutralizado no sangue,1/3 é neutralizado no líquido intersticiale 1/3 no líquido intracelular. Esteúltimo é o que mais demora a sersolicitado e ativado.

Tabela 17.1. Principais sistemas “tampão”do organismo. Osistema do bicarbonato é o mais abundante e extremamenteimportante na neutralização dos ácidos formados pelometabolismo celular.

Composição do sistema Percentual do total

Bicarbonato/Ácico carbônico 64%Hemoglobina/Oxihemoglobina 28%Proteinas ácidas/Proteinas básicas 7%Fosfato monoácido/Fosfato diácido 1%

O sistema bicarbonato/ácido car-bônico é o de maior importância naregulação do pH, durante a circulaçãoextracorpórea. A base forte deste sistemaé o bicarbonato e o ácido fraco é o ácidocarbônico.

Quando um ácido se acumula nosangue, o bicarbonato do sistematampão se combina com o mesmo,alterando o equilíbrio próprio dosistema tampão. O ácido carbônico emexcesso, se dissocia em CO2 e H2O e odióxido de carbono é eliminado pelospulmões ou pelo oxigenador.

Os sistemas tampão agem em sincro-nismo, e todos participam da regulaçãodo pH. O sistema tampão se altera, pararestabelecer o pH; a seguir procurarefazer o seu próprio equilíbrio quí-mico.

O pH do plasma sanguíneo traduzas reações de um infindável número desubstâncias dissolvidas, inclusive ossistemas tampão; seu valor normalcorresponde à uma estreita faixa quevaria entre 7,35 e 7,45.

REGULAÇÃORESPIRATÓRIADO PH

O metabolismo normal produzácidos, que são neutralizados, elimi-nados do organismo ou são incor-porados à outras substâncias. Emcondições normais de metabolismo, sãoproduzidos por dia, por um indivíduo,cerca de 12.000 miliequivalentes de H+,ou 12.000 miliequivalentes de CO2.Menos de 1% desse ácido é excretadopelos rins. O dióxido de carbono étransportado no sangue, sob a forma deum ácido volátil (H2CO3 H+ +HCO3 H2O + CO2), o ácido carbô-nico, e eliminado pelos pulmões. Emsolução aquosa, como no plasma, oCO2 é hidratado, formando o H2CO3(ácido carbônico), que se dissocia emH+ e HCO3-. O sangue venoso trans-porta, dessa forma, o dióxido de carbonoproduzido nos tecidos até os pulmões,onde se difunde pela membrana al-veolo-capilar, para o ar dos alvéolos;durante a perfusão o sangue venosotransporta o CO2 ao oxigenador, ondese difunde para o ar ambiente. Ooxigenador desempenha o mesmo papeldos pulmões, na regulação do equilíbrioácido-base durante a perfusão. Asoscilações e a transferência do CO2,dependem apenas da ventilação; a águaé reaproveitada pelos tecidos ou elimi-nada pelos rins.

Quando o CO2 não é eliminadoadequadamente, acumula-se no sanguee reage com a água, aumentando o teorde ácido carbônico. O ácido é par-

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cialmente neutralizado pelo bicarbonatodo sistema tampão, mas deixa livre umexcesso de H+, que tende a reduzir opH. Ao contrário, quando o CO2 éeliminado em excesso, no oxigenador,o bicarbonato (NaHCO3) se dissocia.O sódio (Na+) livre, forma sais dife-rentes do bicarbonato e o íon HCO3-

reage com a água (H2O), formandoácido carbônico e íons hidroxila (OH-).Os íons hidroxila combinam-se aos íonshidrogênio (H+) para formar água. Aprodução de H2CO3 reduz o teor deH+ no sangue, com consequenteelevação do pH.

A regulação respiratória do equilíbrioácido-base é feita exclusivamente atravésda regulação do CO2. Alterações daventilação no oxigenador, podemproduzir quebra daquele balanço einterferir com o metabolismo celular.

REGULAÇÃO RENALDO PH

Os mecanismos de defesa contra asalterações do pH sanguíneo, incluemum mecanismo de ação rápida, o

respiratório e o mecanismo renal, deação mais lenta e eficaz apenas paracompensar alterações crônicas ou delonga duração. A compensação renal dopH, é eficaz após 24 a 48 horas e nãoocorre significativamente, durante acirculação extracorpórea. Via de regra,os pulmões eliminam as substânciasvoláteis (gases) e os rins eliminam assubstâncias que os pulmões não temcapacidade de eliminar. A compensaçãorenal, entretanto, é mais completa,porque retorna o poder de tampo-namento do sangue a níveis normais,refazendo o seu principal sistematampão. Os rins excretam, diariamente,50 miliequivalentes de íons hidrogênioe reabsorvem 5.000 miliequivalentes deíon bicarbonato.

Além de influir na restauração doequilíbrio ácido-base, a compensaçãorenal é a mais importante, na manu-tenção da constância do meio ambientedas células, o líquido extracelular. Osrins reagem aos distúrbios da osmo-laridade, desidratação e hipotensão,eliminando ácidos não voláteis e nãocarbônicos.

PARÂMETROS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASEOs valores que analisam os parâ-

metros do equilíbrio ácido-base dosangue, expressam a integração entre asdiversas substâncias, os sistemas tampãoe os mecanismos de regulação res-piratória e renal.

Os parâmetros importantes para a

análise do estado do equilíbrio ácido-base são o pH, a tensão parcial dedióxido de carbono no sangue (pCO2)e o teor de bicarbonato (HCO3).

O pH define se há acidose ou alca-lose, conforme seu valor esteja abaixoou acima da faixa de normalidade do

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sangue. Se o pH estiver abaixo de 7,35,dizemos que existe acidose. Se, aocontrário, o pH estiver acima de 7,45,dizemos que há alcalose.

A tensão parcial de CO2 no sangue(pCO2) define a existência e o gráu dedistúrbio respiratório, relativo à elimi-nação do dióxido de carbono. A faixanormal para a pCO2 é de 35 a 45mmHg.

O bicarbonato “standard” ou bicar-bonato padrão é o teor de bicarbonatoequilibrado com uma mistura gasosacom tensão parcial de dióxido de40mmHg (pCO2=40mmHg). O bicar-bonato real, é a quantidade de bicar-bonato existente na amostra de sangueanalisada. Pode coincidir com o bicar-bonato padrão, quando será normal, oupode refletir os distúrbios existentes.

A base tampão ou base total, corres-ponde à soma do teor de bases do plasmaou seja, a soma das concentrações detodas as bases contidas no sangue,compreendendo todos os sistemastampão.

A diferença de bases, (BE ou BD)denominação para excesso de bases (BE)

ou para o seu déficit (BD), reflete oexcesso ou a diminuição das basestampão, em relação ao seu valor normal.O valor normal para a diferença de basesvaria entre 0 e 3.

O bicarbonato real, o excesso oudéficit de bases, não são medidosdiretamente na amostra do sangue; obicarbonato é derivado à partir dasdosagens do pH e do pCO2 e o excessode bases é determinado à partir dosvalores do pH, do pCO2 e da hemo-globina, para dimensionar os tampõesexistentes nos glóbulos vermelhos. Oresultado daqueles valores é expressoem miliequivalentes por litro (mEq/l)de bases, acima ou abaixo, dos valoresnormais de bases.

O valor da tensão parcial de oxigênio(pO2) medido na mesma amostra desangue, informa o estado da oxigenaçãodo sangue (amostra arterial) ou dautilização do oxigênio pelos tecidos(amostra venosa); não tem significadona apreciação dos distúrbios do equilí-brio ácido-base.

CLASSIFICAÇÃO DOS DISTÚRBIOS DO EQ.ÁCIDO BASE

As alterações do equilíbrio ácido-basecorrespondem, em essência, às variaçõesda concentração de íon hidrogênio nosangue. O aumento da quantidade deíons hidrogênio, reduz o pH e, portanto,produz acidose. A redução da quan-tidade de íons hidrogênio, aumenta o

PH e, ao contrário, produz alcalose. Asalterações pronunciadas do pH, não sãobem toleradas pelo organismo. A faixade tolerância do organismo humano sesitua entre 6,8 e 7,8; valores fora daquelafaixa, abaixo de 6,8 ou acima de 7,8, sãoextremamente dificeis de reverter. Um

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valor de pH inferior a 6,8, com grandefrequência, indica acidose irreversível.

Conforme a origem, os distúrbios doequilíbrio ácido-base, acidose ou alca-lose, podem ser de natureza metabólicaou respiratória. Em condições normaisexiste um delicado balanço entre oscomponentes metabólico e respiratório,que determina a estabilidade do pH,dentro da faixa normal, representadopela seguinte equação:

Componente MetabólicopH= ----------------------------

Componente Respiratório

Quando o organismo acumula ácidosoriundos do metabolismo, o pH dosangue se reduz; dizemos que a acidoseé de origem metabólica. Quando oorganismo acumula CO2, não elimi-nado adequadamente pela ventilação, opH se reduz; dizemos que a acidose éde origem respiratória.

Se o organismo acumula bases emexcesso, por exemplo o bicarbonato, opH se eleva; dizemos que a alcalose éde origem metabólica. Se o organismoelimina CO2 em excesso por hiper-ventilação, o pH se eleva; dizemos quehá alcalose respiratória.

Acidose ou alcalose respiratórias,compreendem alterações primárias daventilação, como causa do distúrbio.Acidose ou alcalose metabólicas, com-preendem alterações primárias dometabolismo, como causa do distúrbio.

Os valores normais dos parâmetrosque analisam o equilíbrio ácido-base doorganismo são:

pH= 7,35 a 7,45pCO2= 35 a 45mmHgHCO3= 24BE= -3 a +3A tabela 17.2 lista os principais

distúrbios do equilíbrio ácido base e asalterações encontradas na análise dosangue.

Tabela 17.2 Representa os resultados da análise de amostrasde sangue (gasometria), para o diagnóstico das alteraçõesdo equilíbrio entre os ácidos e as bases. As setas significamelevação ou redução do valor dos diferentes parâmetrosindicados nas colunas; N representa o valor normal.

Distúrbio pH pCO2 BE HCO3

Acidose respiratória NAlcalose respiratória NAcidose metabólica NAlcalose metabólica N

Algumas vêzes, os mecanismos decompensação podem dificultar a inter-pretação dos resultados das amostras,para o diagnóstico da causa primária. Nacirculação extracorpórea, entretanto, asalterações ocorrem muito rapidamentee, quase sempre, nas suas formas puras,não compensadas. Embora, os meca-nismos da circulação extracorpóreapossam produzir qualquer tipo dedistúrbio do equilíbrio ácido-base, asalterações mais encontradas são aacidose metabólica e a alcalose res-piratória. Esta última ocorre, prin-cipalmente, quando se usam os oxi-genadores de bolhas, ótimos elimi-nadores de CO2.

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ACIDOSERESPIRATÓRIA

Na acidose respiratória o quadrolaboratorial encontrado é: pH inferiora 7,35, que caracteriza a acidose e opCO2 acima de 45mmHg, que carac-teriza a retenção de CO2 no sangue,como a causa primária do distúrbio.Como as bases do sangue são mobi-lizadas para tamponar o ácido carbônicoem excesso, produto da reação do CO2com a água, existe um déficit das baseslivres e o BE se torna mais negativo,inferior a -3mEq/l. O total de bicar-bonato pode estar pouco acima donormal (24 mEq/l), se houver tempopara atuação dos mecanismos de com-pensação.

A retenção de dióxido de carbono econsequente acidose respiratória podeocorrer durante a perfusão, quando háhipoventilação do oxigenador. O fluxode oxigênio no oxigenador é insuficientepara eliminar todo o CO2 produzidopelo organismo. O dióxido de carbonoacumula nas câmaras do oxigenador eequilibra a sua tensão com o sangue. ApCO2 do sangue aumenta progres-sivamente, forma-se um excesso deácido carbônico, cuja fração dissociada,libera H+.

Nos oxigenadores de membranas aretenção de CO2 pode ocorrer pelaadministração de gás rico em oxigênio(FiO2 elevada) porém com fluxo baixo.Nesses casos a pO2 é normal e a pCO2é elevada.

A retenção de CO2, com produçãode acidose respiratória, durante a

perfusão, pode ocorrer ainda poralterações do mecanismo dispersor deoxigênio na câmara de oxigenação dosoxigenadores de bolhas, geralmente pordefeitos de fabricação ou controle. Omais comum é que ocorra escape deoxigênio dentro da câmara de oxige-nação, sem que o gás atravesse odispersor, sendo inútil para a adequadaoxigenação e efetiva remoção de CO2.Esse problema deve ser suspeitadoquando o aumento do fluxo na linha degás do oxigenador de bolhas, não corrigea acidose respiratória.

A acidose respiratória pode deprimiro miocárdio e favorecer o aparecimentode arritmias; essa combinação de fatorespode dificultar a saída de perfusão. Asnecessidades de agentes anestésicos erelaxantes musculares aumentam, paramanter o mesmo plano anestésico.Pode, ainda, ocorrer sudorese intensa,mesmo no paciente anestesiado e edemacerebral.

A acidose respiratória durante aperfusão deve ser tratada pelo aumentoda oferta de oxigênio ao oxigenador debolhas ou pelo aumento da oferta de gásao oxigenador de membranas, sobcontrole rigoroso da gasometria arterial.O valor do bicarbonato total é normalou elevado e a administração de bicar-bonato de sódio é desnecessária eineficaz.

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ALCALOSE RESPIRATÓRIAA alcalose respiratória é o distúrbio

mais frequente no transcurso da circu-lação extracorpórea, principalmentequando se utilizam os oxigenadores debolhas. O fluxo de oxigênio habitual-mente instilado no oxigenador é sufici-ente para oxigenar adequadamente osangue venoso, porém, excessivo para aeliminação do CO2, removendo-o emexcesso, na câmara de oxigenação doaparelho, o que reduz substancialmentea pCO2.

O CO2 é eliminado para o exteriordo aparelho, carreado pelo fluxo deoxigênio que atravessa o oxigenador. Oácido carbônico do sangue diminui eprovoca a redução concomitante dobicarbonato.

O quadro laboratorial é representadopelo pH superior a 7,45 e a pCO2 abaixode 35 mmHg. O BE se mantém inal-terado ou pode elevar-se fracamente; obicarbonato plasmático se reduz amenos de 24 mEq/l.

A compensação das alterações doequilíbrio ácido-base é demorada e, aocontrário do que se acreditava, oorganismo não compensa a alcaloserespiratória pela produção de acidosemetabólica. Isto apenas ocorre quandoa alcalose dura mais de 12 a 18 horas.Pacientes operados sob regime dealcalose respiratória, não desenvolveramacidose metabólica, como mecanismode compensação do distúrbio primário.

A alcalose respiratória é extre-mamente comum, na perfusão comoxigenadores de bolhas, principalmente

quando os fluxômetros de gás usadosnão são precisos e apenas permitemajustes de fluxo de 1 em 1 litro; nessascircunstâncias a hiperventilação é aregra. O ajuste correto dos fluxos deoxigênio nos oxigenadores de bolhas,para moderar a eliminação de CO2,apenas pode ser feito quando se utilizamfluxômetros adequados, calibrados emfrações de litros, especialmente naperfusão infantil, em que os fluxos degás são, ainda, menores.

A alcalose severa, com a pCO2 abaixode 25mmHg, especialmente quandoprolongada, pode produzir vasocons-trição, que se manifesta com maiorintensidade nos vasos cerebrais. Podemresultar, quadros psiquiátricos ouneurológicos de gravidade variável,incluindo convulsões, que serão mani-festos no pós-operatório imediato.

Na alcalose respiratória, há desviopara a esquerda, da curva de dissociaçãoda oxihemoglobina, que corresponde àuma maior afinidade da hemoglobinapelo oxigênio, tornando mais difícil asua liberação nos tecidos. Nestascondições, embora o sangue arterialesteja completamente saturado e a pO2esteja elevada, a liberação de oxigênionos tecidos pode não ser suficiente parao metabolismo aeróbico, o que causaacidose metabólica, que vai se mani-festar, nessas circunstâncias pela reduçãodas bases disponíveis (redução do BE).

A alcalose respiratória, durante aperfusão, é corrigida pela redução dofluxo de oxigênio oferecido aos oxige-

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nadores de bolhas ou pela redução dofluxo de gás oferecido aos oxigenadoresde membranas.

Um pequeno gráu de alcalose respi-ratória (pCO2 acima de 28 a 30 mmHg.)é bem tolerado pelo organismo e temalguns efeitos favoráveis, gerais ecardiovasculares. Há menor necessidadede agentes anestésicos e relaxantesmusculares e a função global do coração,é melhor. O rítmo sinusal é melhorsustentado e a contratilidade miocárdicaé estimulada.

ACIDOSEMETABÓLICA

A acidose metabólica se inicia, seminterferência respiratória, por aumentoda concentração de H+, de origemendógena ou exógena. É um distúrbiobastante frequente, durante a circulaçãoextracorpórea e pode ser produzido pordiversas causas. A causa mais comumda acidose metabólica é uma deficienteoxigenação dos tecidos. Os tecidoshipóxicos, se socorrem do metabolismoanaeróbico, cujo produto final é,principalmente, o ácido lático. O ácidolático é um ácido fraco, não volátil, eque, portanto, não pode ser eliminadopelo pulmão ou pelo oxigenador. Adissociação do ácido lático libera íonshidrogênio, que vão contribuir parareduzir o pH do sangue. O outroproduto da dissociação do ácido lático éo íon lactato. O ácido lático é meta-bolizado no fígado. Entretanto, naacidose lática, a sua produção supera acapacidade de metabolização daquele

órgão, permitindo o acúmulo no san-gue.

O lactato desloca o sódio do bicar-bonato; além disso, como mecanismode compensação, o pulmão aumenta aeliminação de CO2, para manter o teorde ácidos do sangue. Este últimomecanismo inexiste, durante a perfusão.

A redução da oxigenação dos tecidos,que induz ao metabolismo anaeróbico,com produção excessiva de ácido láticoe acidose metabólica, também podeocorrer na circulação extracorpórea,quando o fluxo arterial está reduzido emrelação às necessidades do paciente,quando há vasoconstrição de deter-minados leitos vasculares, quando osangue arterial não está adequadamenteoxigenado ou quando a oxihemoglobinanão libera suficiente oxigênio aostecidos, por desvios da sua curva dedissociação.

O fluxo arterial pode estar reduzidopor diversas razões, como a estimativainadequada para as necessidades dopaciente, o rolete arterial mal calibradoou a redução intencional, para facilitarmanobras cirúrgicas.

A vasoconstrição é extremamentecomum durante a perfusão e decorre daliberação de catecolaminas e outrosprodutos vasopressores, estimuladospelo stress da circulação extracorpórea,e pela interação do sangue com assuperfícies não endoteliais do circuitoextracorpóreo.

O sangue arterial pode não estaradequadamente oxigenado, por insu-ficiente fluxo de oxigênio no oxigenadorou por defeitos do sistema de oxige-

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nação do aparelho, nos oxigenadores debolhas.

Um aumento da afinidade da hemo-globina pelo oxigênio (desvio para aesquerda da curva de dissociação daoxihemoglobina), que dificulta a libera-ção do oxigênio nos tecidos, pode serproduzido pela excessiva eliminação doCO2 no oxigenador e pela redução datemperatura do sangue.

O sangue estocado, bem como seusderivados, tem o pH baixo e acidosemetabólica, em consequência da preser-vação em soluções ácidas, como o ACD,CPD e EDTA e, quando usados noperfusato, devem ser neutralizadosadequadamente, para evitar o consumode bases do sangue do paciente. Assoluções cristaloides comumente usadasno perfusato, são igualmente ácidas,como as soluções de Ringer ou Ringerlactato, cujo pH varia entre 5,2 e 6,4. Operfusato com estas soluções, tambémdeve ser tamponado, antes do início daperfusão.

Em pacientes diabéticos, submetidosa jejum prolongado para a cirurgia, podeocorrer acidose metabólica, por libera-ção de ácidos cetônicos, produto finaldo metabolismo da glicose, na ausênciada insulina.

Na acidose metabólica o pH estáabaixo de 7,35, o pCO2 está normal e oBE está negativo, com um déficit debases que varia de acordo com a severi-dade da acidose. Geralmente o BEoscila, entre -5 e -10. O bicarbonatototal também está abaixo de seu valornormal.

A acidose metabólica deprime a

contratilidade miocárdica; pode produ-zir depressão do tonus vascular, arritmi-as ventriculares e tende a aumentar osangramento operatório. A acidosemetabólica produz, ainda, aumento dopotássio extracelular, que altera as suasrelações com outros íons. A acidosemetabólica reduz ou abole a resposta aosmedicamentos inotrópicos e vaso-pressores.

A acidose metabólica durante aperfusão é corrigida pela eliminação daspossíveis causas de hipóxia tissular e, senecessário, pela administração adicionalde bases, como o bicarbonato de sódio,de acordo com o gráu de acidose,expresso pelo valor do déficit de bases(BE ou BD). O cálculo da quantidadetotal de bicarbonato a ser administrada,é feito através de fórmulas, das quais amais comum é: Peso x BE x 0,3= Bic.sódio (ml da solução a 8,4%).

A solução de bicarbonato de sódio a8,4% contém 1 mEq do sal por cadamililitro. A fórmula usada para o cálculoda dose de bicarbonato, fornece aquatidade de miliequivalentes de basebicarbonato, que precisa ser adminis-trada, para tamponar a acidose corres-pondente ao déficit de bases deter-minado. Como as fórmulas são apenasaproximações de cálculo e outrasmedidas, visando corrigir a oxigenaçãotissular são tomadas, usa-se administrara metade da dose calculada e repetir agasometria após 10 ou 15 minutos.

Não é raro que a causa da acidoseseja a hipóxia das massas musculares,causada pela vasoconstrição que acom-panha a perfusão. Nestes casos a simples

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administração de vasodilatadores podecorrigir a acidose. A experiência temdemonstrado que, quando se usamvasodilatadores desde o início daperfusão, é mais raro o desenvolvimentode acidose metabólica.

ALCALOSEMETABÓLICA

A alcalose metabólica não é umdesvio comum durante a circulaçãoextracorpórea. Pode ocorrer, contudo,quando se administram bases emexcesso, aos pacientes, como o bicar-bonato de sódio.

Quando se administram diuréticos,há grande eliminação de líquidos e deeletrólitos, principalmente o potássio. Aeliminação do potássio acarreta elimi-nação concomitante de íon H+ pelaurina e retenção alternativa do íonbicarbonato, que produz a alcalosemetabólica. Este mecanismo, entre-tanto, é lento e observado apenas empacientes em uso prolongado dosdiuréticos.

Na alcalose metabólica o pH estáacima de 7,45, o pCO2 está normal ehá excesso de bases, com BE positivo,superior a +3. O bicarbonato tambémestá elevado, acima de 24 mEq./l.

De um modo geral a alcalose me-tabólica é branda, bem tolerada, e nãonecessita de qualquer tratamentoespecífico.

GASOMETRIAVENOSA

Os valores normais do pH e dos gasesdo sangue referidos no exame dosprincipais distúrbios do equilíbrioácido-base, referem-se ao sanguearterial, já oxigenado e modificado nospulmões ou nos oxigenadores. O sanguevenoso, que conduz os restos meta-bólicos celulares, coletados no sistemacapilar, tem valores diferentes, e nãomenos importantes. A análise do sanguevenoso normal, deve mostrar os seguin-tes resultados:

pH= 7,27 a 7,39pCO2= 40 a 50mmHgpO2= 35 a 40mmHgHCO3= 22 a 26mEq/lBE= 2,5SO2= 70 a 75 (Saturação de oxigênio)

A monitorização dos parâmetros doequilíbrio ácido base, pH, pCO2 e BEé fundamental, durante a perfusão.Medidas simples, como a escolha defluxômetro de gás adequado, cálculo dosfluxos de perfusão e cuidadosa monito-rização dos aparelhos em uso, contri-buem para minimizar os efeitos dacirculação extracorpórea sobre osmecanismos reguladores do equilíbrioácido-base do organismo. A análise dosgases e do pH do sangue, indica apresença, a natureza e a severidade dasalterações do balanço ácido-base epossibilita a correção das suas alterações.A maioria daqueles distúrbios pode serprevenida ou, pelo menos, minimizada,pela criteriosa condução da perfusão.

O gráu de dissociação da água, e de

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diversas outras substâncias do plasmasanguíneo, se altera com a redução datemperatura do organismo; em conse-quência, todos os mecanismos daregulação ácido-base, igualmente sealteram. Não se conhecem valores“normais”, para o equilíbrio ácido-basedurante a hipotermia. A principal razãoreside no fato de que a hipotermia é umestado, absolutamente anormal, do serhomeotérmico. Enquanto a maioria dosmecanismos da circulação extracorpóreaprocura aproximá-la, ao máximo, docomportamento fisiológico do serhumano, a hipotermia induz alteraçõessignificativas, não observadas em outrascircunstâncias, a não ser acidentalmente.

EQUILÍBRIOÁCIDO-BASE NAHIPOTERMIA

A interpretação e o significado dosparâmetros do equilíbrio ácido-base,durante a hipotermia, ainda são objetode estudo e discussões. Estamos habi-tuados a considerar normais, o pH de7,40 e a pCO2 de 40mmHg. Entretanto,isto é correto apenas à temperatura de37oC. Se colhermos uma quantidade desangue arterial normal, à 37oC e resfria-mos uma amostra, o CO2 se tornarámais solúvel. Em consequência, a pCO2será mais baixa, para manter constanteo conteudo total de CO2. O pH serámais elevado, na proporção de 0,0157para cada gráu de redução de tempe-ratura. A variação do ponto de neutra-lidade da água com a temperatura é

bastante semelhante; o pH da água seeleva de 0,017 para cada gráu de reduçãoda temperatura. Sistemas tampão pro-teicos, mantém constante as variaçõesdo ponto de neutralidade do plasma emrelação ao da água, durante a exposiçãodo organismo às baixas temperaturas.Uma neutralidade relativa constante, doplasma em relação à neutralidade daágua, é mantida para impedir variaçõesdo equilíbrio entre os ácidos e as basesdentro do sistema, embora os valores dopH e da pCO2 se alterem com oresfriamento do sangue. A relação entrea quantidade de íons H+ e a quantidadede íons OH-, é mantida.

O comportamento dos animaispoicilotérmicos, cuja temperaturaacompanha a temperatura do meioambiente, o pH do sangue tambémacompanha o ponto de neutralidade daágua mas o pH do líquido extracelularse comporta de outro modo.

A maneira de interpretar as alteraçõesdo pH e da pCO2 do sangue dependedo modelo utilizado para comparar asvariações do ponto de neutralidade. Seconsiderarmos que o conteudo total deCO2 deve permanecer constante e o pHdeve variar com a temperatura, estamosaplicando o conceito “alfa-stat”, ou deCO2 constante para interpretar oequilíbrio ácido-base. Se, considerar-mos que o pH deve ser mantido cons-tante em qualquer temperatura, oconteudo total de CO2 deve neces-sariamente ser variado. Nesses casos, oCO2 deve ser administrado ao paciente,durante a hipotermia e estamos usandoo conceito “pH stat” ou pH constante,

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para interpretar o equilíbrio ácido-base.A experiência sugere e a maioria das

escolas admite que o conceito alfa-stat,do pH variável, é mais próximo dosmecanismos fisiológicos e indica amonitorização do balanço entre osácidos e as bases, dentro daqueleconceito. isto significa que para cadagráu centígrado de redução da tempe-ratura o pH se eleva de 0,0147 e a pCO2se reduz em 4%, embora o conteudototal de CO2 permaneça constante.

A manutenção de adequada irrigaçãocerebral e dos demais órgãos é essencial,durante a circulação extracorpórea. Ográu de auto-regulação do fluxo sanguí-neo cerebral depende do estado ácido-base durante a hipotermia. Quando opH é mantido constante, a qualquertemperatura, a regulação automática dofluxo sanguíneo cerebral é interrompidase a pressão arterial média for inferior a55mmHg. Ao contrário, quando sepermitem as variaçòes do pH de acordocom a temperatura, a regulação do fluxosanguíneo cerebral é controlada pelaspróprias necessidades metabólicas docérebro, em qualquer temperatura,mesmo com pressão arterial médiabaixa. Embora o valor mais adequadoda pCO2 em hipotermia não sejaconhecido, existe o risco de surgiremlesões cerebrais, quando os mecanismosde auto-regulação do fluxo cerebral sãointerrompidos, por adoção do regime depH constante.

O metabolismo celular, a funçãomiocárdica, a incidência de arritmias ea perfusão cerebral, dentre outrosparâmetros de avaliação, parecem

melhores, com a estratégia do pHvariável, de acordo com a temperatura.

MONITORIZAÇÃODO PH E DOS GASESSANGUÍNEOS

As gasometrias arterial e venosadevem ser monitorizadas, durante acirculação extracorpórea. A gasometriaarterial oferece informações sobre oestado ácido-base do sangue que vaiperfundir os tecidos do paciente e aqualidade da sua oxigenação; a amostraarterial informa com precisão a quali-dade da função do oxigenador. Agasometria venosa, ao contrário, infor-ma sobre a qualidade da oxigenação dostecidos, o nível de extração de oxigênio,a adequácia do fluxo da perfusão etambém, o estado ácido-base.

A temperatura do sangue deve serinformada ao laboratório, para que aanálise do pH e da tensão parcial dosgases da amostra, seja feita contra ospadrões adequados à temperatura.

A coleta de amostras para gasometriadeve ser feita a intervalos regulares,ditados pelo transcurso da operação edeve consistir de, pelo menos, amostrascoletadas, antes do início da perfusão,após a sua estabilização e próximo ao seutérmino. O exame de novas amostrasdeve, também, ser providenciado apósa correção de qualquer alteração encon-trada.

Modernamente estudam-se má-quinas capazes de analisar continua-mente a oxigenação e o estado ácido-

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base do sangue, durante a circulaçãoextracorpórea, com o objetivo demonitorizar as tendências, ao invés dasamostras isoladas. Não se conseguiu, atéo momento, demonstrar vantagemapreciável naquela nova tecnologia capazde justificar os seus custos elevados.Além disso, os transdutores são de difícilcalibração e podem apresentar erros deleitura, especialmente durante a hipoter-mia. Entretanto a monitorização dastendências é, sem dúvidas, mais atraenteque a monitorização de amostras, querefletem apenas o estado do sangue, nomomento da coleta da amostra. Se, porexemplo, em uma amostra colhida aos45 minutos de perfusão, encontrarmoso pH de 7,20, esse valor poderá repre-sentar uma de duas situações opostas.

O ponto 7,20 pertence à uma curva depH em queda, ou seja, o PH era de 7,35,alguns minutos antes da coleta daamostra, e continua decrescendo. Ou,ao contrário, o ponto 7,20 pertence àuma curva de pH em ascenção, ou seja,o pH era de 7,15 alguns minutos antesda coleta da amostra, e continua emelevação. No primeiro caso, a correçãoda causa da acidose é imperativa,enquanto no segundo caso, a simplesobservação da tendência é suficiente. Amonitorização das tendências permitealterações da perfusão, capazes deimpedir o desenvolvimento dos distúr-bios do equilíbrio ácido-base, enquantoa análise de amostras, permite a identifi-cação e correção dos distúrbios exis-tentes.

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