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5 ALÉM DA DICOTOMIA CAMPO/CIDADE: A (RE) CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS A PARTIR DAS MIGRAÇÕES Igor Martins de Oliveira¹ ¹ Graduado em Geografia na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, e-mail: [email protected] RESUMO: O dinamismo econômico e industrial instalado nas cidades do Norte de Minas Gerais, nas últimas décadas, proporcionou mudanças significativas em sua estrutura socioeconômica e espacial, uma vez que as tornaram lugares atrativos à migração campo-cidade. O papel dos migrados foi de notória relevância para o crescimento urbano, através da formação de uma massa de mão de obra barata e pela expansão de áreas periféricas. Somado a isso, as cidades transformaram-se em cenários propícios de territorialização da cultura, hábitos, práticas, crenças e valores oriundos do campo, e da cultura rural, partindo do princípio que: “o homem deixa o campo, mas, o campo não deixa o homem”. Diante disso, uma nova estruturação conceitual pode ser percebida no âmbito da relação campo-cidade. Torna-se cada vez mais claro o distanciamento da visão dicotômica existente entre os pólos rural e urbano, campo e cidade que entende a cidade/urbano como espaço desenvolvido, com grandes fluxos econômicos e de mercadoria desenvolvido a partir das influencias industriais, e o Campo/rural enquanto espaços ligados às atividades primarias, baixa densidade demográfica e de cultura ligada ao meio natural. A exemplo tem-se a organização espacial da cidade de Montes Claros, localizada no norte do estado de Minas Gerais, que por fatores econômicos e históricos teve sua morfologia urbana (re) configurada a partir das reestruturações do campo nortemineiro, sobretudo, a partir dos fluxos migratórios pós da década de 1960. Diante disso, este ensaio tem como objetivo conhecer a relação rural/urbano da cidade de Montes Claros através do processo de migração campo-cidade. O trabalho versa em reflexões teóricas e conceituais, para tanto foi necessário a realização de revisão bibliográfica apoiando-se em livros, periódicos eletrônicos, monografia, dissertações e teses de autores de diferentes áreas do conhecimento com destaque para a Geografia e Sociologia que desdobram sobre a temática abordada. Desta maneira abordar-se-á no texto final temas como migração, ruralização, continuum e cultura como condicionantes para a construção da identidade rural no espaço urbano de Montes Claros. PALAVRAS-CHAVE: Relação Rural/Urbano, Migração, Organização Espacial, cidade de Montes Claros. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: A diferenciação e/ou a definição do rural e urbano/ campo e cidade envolve uma gama de vertentes analíticas de acordo com o ponto de vista teórico metodológico adotado pelo pesquisador. Rosas (2010, p. 42) ao analisar estas possibilidades analíticas pontua os fatores históricos, culturais, econômicos, de uso e ocupação do solo dentre outros. Quando se busca compreender, interpretar e analisar as características e relações dos/nos/entre os

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ALÉM DA DICOTOMIA CAMPO/CIDADE: A (RE) CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS A PARTIR DAS MIGRAÇÕES

Igor Martins de Oliveira¹

¹ Graduado em Geografia na Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, e-mail: [email protected]

RESUMO: O dinamismo econômico e industrial instalado nas cidades do Norte de Minas Gerais, nas últimas décadas, proporcionou mudanças significativas em sua estrutura socioeconômica e espacial, uma vez que as tornaram lugares atrativos à migração campo-cidade. O papel dos migrados foi de notória relevância para o crescimento urbano, através da formação de uma massa de mão de obra barata e pela expansão de áreas periféricas. Somado a isso, as cidades transformaram-se em cenários propícios de territorialização da cultura, hábitos, práticas, crenças e valores oriundos do campo, e da cultura rural, partindo do princípio que: “o homem deixa o campo, mas, o campo não deixa o homem”. Diante disso, uma nova estruturação conceitual pode ser percebida no âmbito da relação campo-cidade. Torna-se cada vez mais claro o distanciamento da visão dicotômica existente entre os pólos rural e urbano, campo e cidade que entende a cidade/urbano como espaço desenvolvido, com grandes fluxos econômicos e de mercadoria desenvolvido a partir das influencias industriais, e o Campo/rural enquanto espaços ligados às atividades primarias, baixa densidade demográfica e de cultura ligada ao meio natural. A exemplo tem-se a organização espacial da cidade de Montes Claros, localizada no norte do estado de Minas Gerais, que por fatores econômicos e históricos teve sua morfologia urbana (re) configurada a partir das reestruturações do campo nortemineiro, sobretudo, a partir dos fluxos migratórios pós da década de 1960. Diante disso, este ensaio tem como objetivo conhecer a relação rural/urbano da cidade de Montes Claros através do processo de migração campo-cidade. O trabalho versa em reflexões teóricas e conceituais, para tanto foi necessário a realização de revisão bibliográfica apoiando-se em livros, periódicos eletrônicos, monografia, dissertações e teses de autores de diferentes áreas do conhecimento com destaque para a Geografia e Sociologia que desdobram sobre a temática abordada. Desta maneira abordar-se-á no texto final temas como migração, ruralização, continuum e cultura como condicionantes para a construção da identidade rural no espaço urbano de Montes Claros.

PALAVRAS-CHAVE: Relação Rural/Urbano, Migração, Organização Espacial, cidade de Montes Claros.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

A diferenciação e/ou a definição do rural e urbano/ campo e cidade envolve uma gama de vertentes analíticas de acordo com o ponto de vista teórico metodológico adotado pelo pesquisador. Rosas (2010, p. 42) ao analisar estas possibilidades analíticas pontua os fatores históricos, culturais, econômicos, de uso e ocupação do solo dentre outros.

Quando se busca compreender, interpretar e analisar as características e relações dos/nos/entre os

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espaços rural e urbano observa-se a existência de diversas vertentes, construídas historicamente, e pautadas em flancos distintos ou agrupados. Dentre outras, pode-se analisar as características do rural e do urbano na paisagem, nas relações sociais, culturais, de vivência, de uso do solo, econômicas, só para citar algumas, em tais espaços, e na relação entre eles (ROSAS, 2010 p. 42).

Para Rossini (2009) É através da ocupação do solo e da diversificação do trabalho que os espaços são criados. Sendo o homem (e sua força de trabalho) o principal agente desse processo. “Mas como o modo de produção é apenas um elemento da totalidade, determinando e sendo por ela determinado, o processo de produção espacial deve ser analisado a partir desta totalidade” (ROSSINI, 2009, p. 09). Nesta perspectiva Souza (2013, p.42) afirma que:

A produção do espaço pode se referir tanto à sua (re) produção, nos marcos do modelo social hegemônico, capitalista e heterônomo, quanto à emergência de novas significações, novas formas e novas praticas (que, em alguns casos, desafiarão o status quo heterônomo.

Assim, o espaço geográfico que hoje é apropriado teve sua produção determinada a partir da formação econômica da sociedade, partindo da feudal, industrial e pós industrial, nesta última, pode-se associar ao meio técnico cientifico informacional proposto por Santos (2006). Outro fator primordial nesta questão refere-se à participação da sociedade consumidora ou consumista, haja vista que ela “apropria do espaço para suprir suas necessidades” (ROSSINI, 2009, p. 10).

Por conseguinte, com as modificações ocorridas no espaço geográfico a partir da influência capitalista surge uma nova concepção da relação campo/ cidade, que são vistos a partir do processo continuum rural urbano, onde a urbanização é considerada responsável pelas significativas transformações ocorridas na sociedade, atingindo o espaço rural, e desta forma aproximando-o da realidade urbana (CANDIOTTO; CORRÊA, 2008). “O continuum se delineia entre o pólo urbano e o pólo rural, que apresentam distinções, as quais intensificam o processo de constante de mudança que ocorre nas relações que são estabelecidas entre eles” (ARAÚJO; SOARES, 2009, p. 203).

Para Wanderley (2002) apud Candiotto; Corrêa, (2008), existem duas interpretações acerca da relação rural/urbano, sendo a “urbano – centrado” que representaria a homogeneização espacial e social, de forma que o urbano ressaltaria, direcionando assim o fim da realidade rural. E a relação “continuum rural-urbano”, onde haveria a aproximação dos dois pólos extremos, o campo e a cidade ou o rural e o urbano, considerando as semelhanças e as continuidades, mas sem acabar com a realidade rural, preservando assim as particularidades de cada um dos pólos.

Conforme escreveu Wanderley (2000) o mundo rural sofrerá profundas transformações internas em seu processo de diversificação social, que reformulará sua relação com o urbano. Segundo a referida autora o rural deixará sua posição de antagonismo e assumirá relações de complementaridade. De forma que o desenvolvimento do rural não dependerá apenas do seu dinamismo agrícola, mas, sobretudo de sua

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capacidade de atrair novos investimentos econômicos, e outros interesses sociais a fim de realizar uma “ressignificação” de suas funções sociais.

Complementado a visão de Wanderley (2000), Lindner; Wandscheer (2010, p. 154) afirmam que “Com a busca dos habitantes da cidade pelo campo, este espaço passa a assumir ‘novas funções’, entre as quais se destacam as atividades de lazer, como o turismo em área rural, segundas residências e diversos tipos de serviços destinados ao público urbano”. Corroborando com a visão dos autores supracitados Rodrigues (2001) apud Candiotto; Corrêa, (2008) afirma que “o que configura este o novo rural são as novas praticas nele desenvolvidas, indo além das tradicionais atividades agropecuárias e agroindustriais”.

No prisma das cidades Maia (2001) estudou a integração dos espaços rural e urbano na cidade de João Pessoa-PB, denominando as paisagens rurais encontradas na cidade de “resíduos”, visto a sobrevivência desses ao avanço da urbanização impulsionada pelo processo de globalização, bem como da integração dos espaços rural e urbano. A cidade em meio ao crescimento e desenvolvimento da globalização torna-se espaço de materialização do continuum rural/urbano, manifestados através das relações sociais e com o ambiente. São nas relações sociais, sobretudo as territorializadas nas áreas periféricas das cidades, que se percebem os valores rurais imbricados no cotidiano dos citadinos, carregando consigo valores inestimáveis da cultura rural tais como, na relação com a terra/natureza, na transmissão dos saberes populares, que resultaram na (re) produção do espaço rural nas áreas urbanas, ou seja na criação dos espaços de resistência, como conceituado pela Maia (2010).

No entender de Rosa e Ferreira (2010, p.192) muitos estudos consideram “que a forma de organização trabalho é que seria o traço distintivo entre o modo de vida exercido no campo e aquele exercido na cidade”. Nesta perspectiva, Sposito (2010) salienta que as relações sociais de trabalho na cidade se dão por atividades relacionadas a encontro, proximidade, comunicação, complementaridade de papeis e funções, em contrapartida, no campo a relação é marcada pela dispersão e extensão. Do ponto de vista de Candiotto e Corrêa (2008, p. 215) a diferenciação entre espaço rural e urbano vem se tornando cada vez mais difícil devido à grande complexidade socioespacial gerada a partir da disseminação do meio técnico científico e informacional. Tal fato pode ser verificado pela marcante ocorrência de elementos tipicamente rurais no meio urbano e vice-versa.

A cidade tem se tornado, ao longo da história, o principal local das lutas sociais (CORRÊA, 2000). É necessário ressaltar que essas lutas vão além do velho discurso dicotômico entre o campo e cidade, geram uma visão de forma contínua e integrada entre o campo e a cidade. Outro ponto é que embora a cidade tenha adquirido formas e funções próprias sua origem se deu nas bases do rural, através do desenvolvimento das práticas agrícolas. Esta visão é corroborada por Candiotto; Correa (2008, p. 215) ao afirmarem que, “cabe a ressalva de que toda paisagem/espaço considerado urbano, ou seja, toda cidade, sempre se sobrepõe ao rural ou ao ‘natural’. Assim, todo urbano já foi rural, mas nem todo rural será urbano”.

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A RELAÇÃO RURAL/URBANO NA CIDADE DE MONTES CLAROS-MG

A cidade de Montes Claros tem sua origem relativamente recente, se comparada a outras cidades brasileiras (LEITE; PEREIRA, 2008, p. 41). Já na década de 1930 a cidade alcançou a posição de centro econômico do Norte de Minas, após a instalação da ferrovia que ligava a cidade a outras regiões do país (FRANÇA; SOARES, 2006). Para as autoras, a implantação da ferrovia impulsionou o crescimento econômico da cidade, tornando-a um espaço de atração para a migração campo-cidade.

No caso de Montes Claros, a construção da ruralidade está condicionada às transformações nas bases estruturais do Norte de Minas Gerais, sobretudo, na segunda metade da década de 1960. Neste período, houve a inserção da cidade na área de abrangência da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE gerando grandes transformações sociais e econômicas da cidade. Para Leite e Pereira (2008), Montes Claros foi entre todas as cidades mineiras pertencentes à jurisdição da SUDENE, a que mais recebeu investimentos, tendo em vista sua localização enquanto pólo regional, bem como sua boa infra-estrutura. Assim, Carvalho (1983, p. 03, apud LEITE; PEREIRA, 2008, p. 48), ao analisar a industrialização da cidade, afirma que a “cidade sem nenhuma tradição [...] se viu escolhida para sede de uma área industrial, na qual convivem indústrias de vários tipos, o que veio provocar profundas alterações na estrutura econômica, social e urbana da cidade”.

Concomitante aos investimentos inseridos na cidade, o campo do Norte de Minas Gerais passava por transformações significativas que refletiram diretamente no contexto urbano. Na década de 1960, apregoavam-se as ideologias do “milagre brasileiro” que visava o crescimento econômico do país. Assim, o Norte de Minas apresentou-se como um ambiente propício à propagação destas ideologias, através do avanço agropecuário e da monocultura, sobretudo de eucalipto, pinus e da Revolução Verde1. A partir da busca do dinamismo agrícola o campo passou por uma (re) estruturação, onde os maiores atingidos foram a própria população, que se viram, em muitos casos, obrigados a migrarem, tendo os seus hábitos, costumes e valores alterados, assim como a forma de uso e ocupação do espaço, visto que, com a Revolução Verde, o campo foi altamente mecanizado, gerando uma população excluída territorial e socialmente (OLIVEIRA, 2011). Tal fato pode ser confirmado através das palavras de Dayrell (2000, p.191) ao analisar o avanço capitalista no cerrado do Norte de Minas,

A ocupação recente dos cerrados, provocada pela expansão das relações capitalistas no campo, visto como a ultima fronteira agrícola pelas elites brasileiras, vem colocando em xeque a sustentabilidade deste bioma e provocando um processo de miserabilidade de suas populações, acentuando os desníveis sócio-econômicos, a concentração de terras, associados com a degradação dos seus recursos naturais: solo, água, flora e fauna.

1 [...] foi um programa que tinha como objetivo explicito contribuir para o aumento da produção e produtividade agrícola no mundo, através do desenvolvimento de experiências no campo da genética vegetal para a criação e multiplicação de sementes adequadas as condições dos diferentes solos e climas e resistentes a doenças e pragas, bem como da descoberta e aplicação de técnicas agrícolas ou tratos culturais mais modernos e eficientes (BRUM apud FRANCO, 201, P 32).

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Além dos fatores ambientais e econômicos, a mecanização do campo acarretou uma ruptura do patrimônio cultural e social da população rural, nas palavras de Paula (2003, p.36)

A migração campo-cidade precisa ser entendida como forma de exclusão dos pobres que não encontram possibilidades de sobrevivência no lugar de origem e também não encontram oportunidades no lugar de destino. O lugar de destino quase sempre é provisório, pois os migrantes são “incentivados” e “empurrados” a continuar no trecho, sem saber para onde estão indo (PAULA, 2003, p. 36).

Segundo Fernandes (2001) citado por Paula (2003), a migração age como forma de resistência/sobrevivência aos enfrentamentos que geraram mortes e massacres. Para a sociedade contemporânea, os massacres e enfrentamentos apontados pelo referido autor se dá através da exclusão social e econômica, da segregação espacial e das grandes calamidades climáticas. Na maioria dos casos, a decisão de migrar parte da necessidade financeira “normalmente tomada ao nível individual ou familiar e traz implícita a expectativa de melhoria. Vem de longa data o consenso de que os motivos econômicos predominam sobre os demais” (MATA, 1980, p. 815). Partindo do pressuposto da necessidade econômica, as cidades são as áreas mais atrativas aos migrantes, visto o dinamismo no setor de serviços, bem como a facilidade de integração, principalmente, às cidades que possuem desenvolvidas redes urbanas. De um modo geral,

podemos afirmar que as migrações entre cidades de uma mesma região serão tanto maiores quanto mais diversificadas for a rede urbana desta região e que a existência de um centro polarizados regional e/ou nacional serve também para intensificar estes fluxos migratórios (MATA, 1980, p. 832).

Os problemas econômicos e sociais gerados pelas transformações no campo no Norte de Minas influenciaram o grande fluxo migratório ocorrido, na região, em direção a Montes Claros, após a década de 1960, aliados ao processo de industrialização, que se tornou um atrativo a mais para a cidade. Este processo de Migração deve ser analisado não somente como uma alternativa de melhoraria da renda familiar, mas uma forma de reterritorialização de uma camada da população que estava em processo de perda da identidade, uma que nem todos tiveram a opção de ir ou ficar.

Os grupos migrantes encontraram em Montes Claros a perspectiva de mudança e de inclusão na sociedade, tendo em vista a possibilidade de conseguir emprego e a melhorar as condições de vida. Assim, ocorre um gradativo crescimento populacional caracterizado pela grande massa de trabalhadores oriundos de várias cidades e do meio rural do Norte de Minas. Este processo é analisado por Pereira (2007, p. 136), ao afirmar que “o processo de industrialização viabilizado por incentivos da SUDENE, alterou a organização espacial de Montes Claros, contribuindo para o aumento populacional, a expansão da malha urbana”, e principalmente a construção de espaços de resistência da cultura rural no cerne urbano.

O crescimento populacional e a rápida expansão da malha urbana geraram alguns problemas urbanos, entre eles pode-se destacar o desemprego, aumento da pobreza, visto que parte dos migrantes não foi inserido no mercado de trabalho; e a favelização, já que grande quantidade dos migrantes não tiveram

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condições de adquirir uma moradia, nem mesmo de pagar aluguel (LEITE; PEREIRA, 2008). Todos estes problemas giram em torno das questões socioeconômicas. Assim, cabe ressaltar que a economia urbana expressa, sobretudo, através do valor do solo urbano forçou grande número de migrantes a habitarem áreas periféricas da cidade, tendo em vista que nestas o valor do solo é mais barato. Assim, “o surgimento de loteamentos com pouca infra-estrutura, em sua maioria clandestinos ou irregulares, e de invasões tornaram o processo de periferização crescente” (LEITE E PEREIRA, 2008, p. 154).

Corroborando com essa visão, Corrêa (2005, p. 29-30), ao discutir acerca do processo de formação do espaço urbano, analisa a periferia atribuindo sua formação aos “grupos sociais excluídos”, onde,

[...] parcela enorme da população não tem acesso, quer dizer, não possui renda para pagar o aluguel de uma habitação decente e, muito menos, comprar um imóvel. Este é um dos mais significativos sintomas de exclusão que, no entanto, não ocorre isoladamente: correlatos e ela estão a subnutrição, as doenças, o baixo nível de escolaridade, o desemprego e mesmo o emprego mal-remunerado. Os grupos sociais excluídos têm como possibilidades de moradia [...] a casa produzida de autoconstrução em loteamentos periféricos, os conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado, via de regra, também distantes do centro. (Grifo nosso)

Neste cenário, retornar-se ao pensamento de Maia (2001) ao tratar da formação dos espaços de resistência e de resíduos. Como preservar a identidade rural no novo espaço habitado? Um exemplo que pode ser apresentado é a utilização da Agricultura Urbana2 como fonte de emprego, renda, qualidade de vida e até mesmo terapia ocupacional. Tal prática pode ser entendida como um exemplo do continuum rural/urbano materializado através da territorialização do migrante (entende-se neste trabalho a territorialização como a materialização dos comportamentos humanos sobre o espaço). Cabe enfatizar que esta linha de pensamento não considera este processo apenas como uma “resistência” a mudança, mas sim como uma estratégia de sobrevivência, uma alternativa que o migrante encontrou de se enquadrar no sistema produtivo urbano, através da criação de emprego, produção de alimentos e o consequente (re) arranjo da morfologia urbana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade de Montes Claros apresenta-se, hoje, como a mais dinâmica da região Norte de Minas, sua formação/ocupação esteve e ainda se mantém muito ligada às características da cultura de origem rural. O dinamismo econômico e industrial instalado na cidade, nas últimas décadas, proporcionou mudanças significativas em sua estrutura socioeconômica e espacial, uma vez que a tornou um lugar atrativo à migração campo-cidade, haja vista a esperança dos migrantes de se inserir no mercado de trabalho e na melhoria da qualidade de vida.

2 A Organização das Nações Unidas Para a Agricultura e Alimentação - FAO (1999) define a AU como as práticas agrícolas situadas dentro das cidades e em torno delas, Agricultura Urbana e Periurbana (AUP), que competem por recursos como água, terra, mão-de-obra, que poderiam destinar-se, também, a outros fins para satisfazerem as necessidades da população urbana (OLIVEIRA, 2011)

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O papel dos migrados foi de grande relevância para o crescimento da cidade, bem como para a atual morfologia urbana, sobretudo, através da expansão dos bairros periféricos. Contudo, aumentou-se também o número de desempregados, bem como dos pobres urbanos. A organização espacial da cidade está diretamente ligada à origem dos migrados que desenvolveram no espaço urbano áreas de resistência cultural, através, sobretudo das praticas agrícolas urbanas.

REFERENCIAS

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