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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
ALINE AMARAL DE FREITAS
PERCEPÇÕES DA CRIANÇA SOBRE O MAR: uma ação de mediação cultural no Museu Oceanográfico UNIVALI
ITAJAÍ
2017
UNIVALI
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE Curso de Mestrado Acadêmico em Educação
ALINE AMARAL DE FREITAS
PERCEPÇÕES DAS CRIANÇAS SOBRE O MAR: uma ação de mediação cultural no Museu Oceanográfico UNIVALI
Dissertação apresentada ao colegiado do PPGE como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação - área de concentração: Educação – (Linha de pesquisa- Cultura, tecnologia e processos de aprendizagem).
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Adair de Aguiar Neitzel.
ITAJAÍ
2017
UNIVALI UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE
Curso de Mestrado Acadêmico em Educação
CERTIFICADO DE APROVAÇÃO
ALINE AMARAL DE FREITAS
PERCEPÇÕES DAS CRIANÇAS SOBRE O MAR: uma ação de mediação cultural no Museu Oceanográfico UNIVALI
Dissertação avaliada e aprovada pela Comissão Examinadora e referendada pelo Colegiado do PPGE como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Educação. Itajaí (SC), 17 de abril de 2017.
Membros da Comissão: Orientadora: _______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Adair de Aguiar Neitzel Membro Externo: _______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mirian Celeste Martins (Universidade Presbiteriana Mackenzie - UPM) Membro representante do colegiado: _______________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Regina Célia Linhares Hostins
Dedico este trabalho aos que carrego comigo, pois
“Não estou vazio, não estou sozinho, pois anda comigo
algo indescritível” Carlos Drummond de Andrade
Aos,
meus pais, Imar e Odilia, padrinhos Adalberto e Lazinha, às minhas irmãs,
Adelaide e Lilian, que embora distantes sempre presentes.
Em especial ao meu amado Márcio,
à você, que dediquei minha “vontade garota de voar, de amar, de ser feliz, de viajar,
de casar, de ter muitos filhos.” Carlos Drummond de Andrade
Aos nossos abençoados filhos, Gileno e Felipe, minha razão de viver.
Às amigas especiais que seguraram
minha mão, oraram e sorriram comigo. Estas sabem quem são!
AGRADECIMENTOS
À Universidade do Vale do Itajaí, instituição na qual tenho orgulho em ser colaboradora, e, também, pela louvável iniciativa
Institucional em promover o “Mérito Estudantil” da Graduação, com o qual fui contemplada com bolsa parcial, favorecendo, assim, esta formação em nível de Pós-Graduação em Educação.
À minha orientadora,
Prof.ª Dr.ª Adair de Aguiar Neitzel, pelo seu caminhar sensível ao meu lado.
À minha querida Prof.ª Dr.ª Carla Carvalho, que esteve comigo no início desta caminhada, mas não menos presente em pensamento; o melhor de mim devo a ela.
A todos os docentes do PPGE UNIVALI e aos demais que passaram por toda a minha formação,
pela disponibilidade, pela sutileza e a forma de olhar-me como humana e por estarem atentos e sensíveis nos momentos em que mais precisei.
Ao Instituto Cultural Soto, pelo apoio prestado durante a pesquisa.
À equipe do Museu Oceanográfico UNIVALI, em especial ao
Curador e Prof. Jules Soto, e aos mediadores, por serem os protagonistas das ações educativas diariamente.
A todos os membros do Grupo de Pesquisa, Cultura, Escola e Educação Criadora, por proporcionarem-me momentos de troca e de estesias em nossos encontros.
Também tenho que escrever porque tua seara é a das palavras discursivas e não o direto de minha pintura. Sei que são primárias as minhas
frases, escrevo com amor demais por elas e esse amor supre as faltas, mas amor demais prejudica os trabalhos.
Clarice Lispector
RESUMO Esta pesquisa, vinculada ao Grupo de Pesquisa Cultura, Escola e Educação Criadora, na linha de pesquisa Cultura, Tecnologia e Processos de Aprendizagem do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), partiu do princípio do museu como espaço de conhecer, mas também de percepção sensível, de educação do olhar como espaço poético, em que a mediação cultural favorece essas dimensões. Buscou-se responder a seguinte questão problema: Quais as percepções das crianças sobre o mar em visita ao Museu Oceanográfico UNIVALI (MOVI) em uma ação de mediação cultural? Assim, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar as percepções das crianças, sujeitos desta pesquisa sobre o mar em visita ao Museu Oceanográfico UNIVALI em uma ação de mediação cultural. Para alcançá-lo, os seguintes objetivos específicos foram traçados: apresentar as potencialidades do Museu Oceanográfico UNIVALI; discutir as potencialidades educativas, poéticas e estéticas do museu como espaço que desperta percepções sensíveis; discutir as contribuições da mediação cultural que possam vir a favorecer as dimensões que potencializam o MOVI - museu de ciências e história natural como espaço de educação estética e educação do olhar; identificar as percepções das crianças acerca do mar à partir da visita ao Museu Oceanográfico Univali em uma ação de mediação cultural. As crianças/sujeitos da pesquisa foram 25 alunos do Ensino Fundamental de uma escola particular do município de Balneário Piçarras (SC), com idade entre 8 e 9 anos. Foram tomados como pistas os desenhos de 15 sujeitos, sendo o critério de escolha os que mais apresentaram diferenças entre o primeiro e o segundo desenho. Além dos desenhos, narrativas das crianças sobre os desenhos e frases espontâneas no ato da mediação foram coletadas. Esta foi uma pesquisa de base exploratória e qualitativa que se organizou pela abordagem da Pesquisa Educação Baseada em Artes (PEBA). Como aporte teórico, contribuíram com este estudo: Bachelard (1978, 1997), acerca da poética do espaço, da imaginação, da imagem e da representação; Duarte Jr. (2000) acerca da educação estética e estésica; Pillar (2011) e Meira (2011), sobre a educação do olhar; Martins (2005, 2014a, 2014b), Martins e Picosque (2012) e Martins, Picosque e Guerra (2010) sobre mediação cultural; Ramos (2004), Chagas (2015), Figurelli (2011) e Pereira et al. (2007) e Meneses (2002) sobre museu e educação; por fim, Gohn (2011, 2015) acerca da educação não formal. Verificou-se que a visita mediada ao museu “e tudo que nele habita” trouxe ressonâncias nos sujeitos investigados pela mudança de percepção ao serem provocados a manifestarem, por meio do desenho, o que conheciam do mar. Conforme análise das pistas em busca das percepções, foi identificado que estas foram redimensionadas, da mortandade de animais e do mar poluído para a diversidade de vida, uso de cores e formas, representação de grandes animais que sinalizam a compreensão da imensidão do mar. A ação de mediação cultural em visita ao museu de ciências e história natural juntamente às mediações provocaram percepções diversas, sensíveis, afetaram os sujeitos, contribuindo para o refinamento dos seus sentidos. As crianças nunca mais olharão para o mar como antes! Palavras-chave: Museu oceanográfico. Educação estética. Percepções sensíveis. Educação não formal. Mediação cultural.
ABSTRACT
This research is linked to the research group Culture, School and Creative Education, in the line of research Culture, Technology and Learning Processes of the Postgraduate Program in Education of the University of Vale do Itajaí (UNIVALI). It starts from the principle of the museum as space of knowing, but also as a place of sensitive perception, and of education of the gaze as a poetic space, in which cultural mediation favors these dimensions. We sought to answer the following problem question: What are children’s’ perceptions of the sea in a visit to the UNIVALI Oceanographic Museum (MOVI) in a cultural mediation action? Thus, the main objective of this research was to analyze the children’s perceptions of the sea during this visit. The following specific objectives were: present the potential of the UNIVALI Oceanographic Museum; discuss the educational, poetic and aesthetic potentialities of the museum as a space that awakens sensitive perceptions; discuss the contributions of cultural mediation that can favor the dimensions that enhance MOVI - museum of science and natural history, as a space of aesthetic education and education of the gaze; and identify the children’s perceptions of the sea during a visit to the Univali Oceanographic Museum in an action of cultural mediation. The children/research subjects were 25 students of Elementary School of a private school of the municipality of Balneário Piçarras (SC), aged between 8 and 9 years. We took as clues the drawings of 15 subjects, the selection criterion being those that presented the most differences between the first and second drawings. In addition to the drawings, the children’s narratives about the spontaneous drawings and phrases in the act of mediation were collected. This was an exploratory and qualitative study that was organized by the Arts Based Education Research (PEBA) approach. The following authors were used for theoretical contributions: Bachelard (1978, 1997) on the poetics of space, imagination, image and representation; Duarte Jr. (2000) on aesthetic and esthesy education; Pillar (2011) and Meira (2011) on the education of the gaze; Martins (2005, 2014a, 2014b), Martins and Picosque (2012) and Martins, Picosque and Guerra (2010) on cultural mediation; Ramos (2004), Chagas (2015), Figurelli (2011) and Pereira et al. (2007) and Meneses (2002) on museum and education; finally Gohn (2011, 2015) on non-formal education. We verified that the mediated visit to the museum ‘and everything that inhabits it’ brought resonances in the subjects, through a change of perception when prompted to give their views, through the drawings, on what they knew about the sea. According to the analysis of the clues in search of perceptions, we identified that they had been redimensioned, from the slaughter of animals and the polluted sea to the diversity of life, use of colors and shapes, and representation of large animals that signaled a comprehension of the immensity of the sea. The action of cultural mediation during the visit to the museum of science and natural history, together with the mediations, provoked diverse and sensitive perceptions and affected the subjects, contributing to the refinement of their senses. The children will never look at the sea in the same way as they did before! Keywords: Oceanographic museum. Aesthetic education. Sensitive perceptions. Non-formal education. Cultural mediation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Aquarela e A vida 15
Figura 2 – Aquarela: O que há além da horizontalidade da água? 16
Figura 3 - Aquarela: À beira mar, o barco e uma expedição imaginada 19
Figura 4 - Aquarela: Rumo à expedição 21
Figura 5 – Aquarela e As imagens falam realmente 22
Figura 6 – Aquarela e Interesses fabulosos 32
Figura 7 – Aquarela: Meu olhar em distanciamento, mas não tão distante 34
Figura 8 – Aquarela: Um olhar aproximado 36
Figura 9 – Aquarela: Ver algo além da superficialidade da água 38
Figura 10 – Aquarela e A resposta pode estar na imagem 40
Figura 11 – Aquarela e Devaneio e museu 41
Figura 12 – Aquarela e vista externa do Museu Oceanográfico UNIVALI e seu entorno 44
Figura 13 - Mapa da exposição por alas com detalhamentos 45
Figura 14 – Aquarela e Necessidade de ver 46
Figura 15 – Aquarela e Ala Histórica 47
Figura 16 – Aquarela e O oceano nos fala... 48
Figura 17 – Aquarela e Ala Formação da vida e história da oceanografia 49
Figura 18 - Aquarela e Ala dos invertebrados - conchas e corais 50
Figura 19 – Aquarela e A concha casa 51
Figura 20 – Aquarela e Tridacna gigas 53
Figura 21 – Aquarela: Da ausência para a presença imaginada 54
Figura 22 – Aquarela: A divina proporção da Casa 55
Figura 23 – Aquarela e Destaques da Ala dos Invertebrados 57
Figura 24 – Aquarela e Estrelas do Mar 58
Figura 25 – Aquarela e Caranguejo gigante 59
Figura 26 – Aquarela e Ala dos Cartilaginosos - Tubarões 61
Figura 27 – Aquarela e Ala dos cartilaginosos – Raias 63
Figura 28 – Aquarela e Ala dos peixes ósseos 64
Figura 29 – Aquarela e Ala das tartarugas 66
Figura 30 – Aquarela e Ala das aves 68
Figura 31 - Aquarela e Ala dos mamíferos marinhos 70
Figura 32 – Aquarela e Ala dos mamíferos marinhos 71
Figura 33 – Aquarela e Ala dos mamíferos marinhos 73
Figura 34 – Aquarela e Ala Mamíferos marinhos 74
Figura 35 – Aquarela e Saída da exposição e loja 75
Figura 36 - Ações Educativas do MOVI 80
Figura 37 - Eixos da formação dos mediadores 82
Figura 38 – Aquarela: Expedição e pistas 87
Figura 39 – Aquarela: Mediação: uma provocação ao mergulho! 108
Figura 40 - Aquarela: De onde olhas? 114
Figura 41 - Aquarela e Modo novo de sentir 117
Figura 42 - Aquarela: Mergulho a conhecer novos territórios 125
Figura 43 - PODER olhar e SER olhado 132
Figura 44 – Aquarela e Na verdade, não gosto de explicar as imagens! 136
Figura 45 – Em busca das percepções 140
Figura 46 – Aquarela e a Alma das coisas 142
Figura 47 – Aquarela e o Percurso e as pistas 145
Figura 48 – Aquarela e Coleta dos desenhos e das narrativas 150
Figura 49 – Aquarela e Visita mediada à exposição 152
Figura 50 - 1º desenho - Representatividade humana nas cenas 156
Figura 51 - 1º desenho - Representatividade humana na cena 157
Figura 52 - 1º e 2º desenhos do sujeito 1 161
Figura 53 - 1º e 2º desenhos do sujeito 3 162
Figura 54 - 1º e 2º desenhos do sujeito 4 163
Figura 55 - 1º e 2º desenhos do sujeito 5 164
Figura 56 - 1º e 2º desenhos do sujeito 6 165
Figura 57 - 1º e 2º desenhos do sujeito 8 166
Figura 58 - 1º e 2º desenhos do sujeito 9 167
Figura 59 - 1º e 2º desenhos do sujeito 10 168
Figura 60 - 1º e 2º desenhos do sujeito 11 169
Figura 61 - 1º e 2º desenhos do sujeito 14 170
Figura 62 - 1º e 2º desenhos do sujeito 14 171
Figura 63 – Aquarela e Louvor! 173
Figura 64 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 2 175
Figura 65 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 3 176
Figura 66 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 4 177
Figura 67 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 7 178
Figura 68 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 8 179
Figura 69 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 9 180
Figura 70 - 1º e 2º desenhos do sujeito 1 182
Figura 71 - 1º e 2º desenhos do sujeito 14 183
Figura 72 - 1º e 2º desenhos do sujeito 15 184
Figura 73 – Aquarela e Água e chão diferentes, mas fecundam-se! 185
Figura 74 - O olhar deles, o ser que me olha, o seu olhar sobre o meu olhar! 189
Figura 75 – Aquarela e De quem é o olhar? 190
Figura 76 - 1º e 2º desenhos do sujeito 2 192
Figura 77 - 1º e 2º desenhos do sujeito 3 193
Figura 78 - 1º e 2º desenhos do sujeito 4 194
Figura 79 - 1º e 2º desenhos do sujeito 7 195
Figura 80 - 1º e 2º desenhos do sujeito 8 196
Figura 81 - 1º e 2º desenhos do sujeito 11 197
Figura 82 - 1º e 2º desenhos do sujeito 9 198
Figura 83 - 2º desenho do sujeito 6 - Sobre a miniatura “cianobactéria” 200
Figura 84 - 2º desenho do sujeito 13 - Sobre a miniatura “cianobactéria” 201
Figura 85 – Dimensão testemunho: a presença pela ausência 204
Figura 86 - Desenho do sujeito 12 - A dimensão do testemunho pela ausência 206
Figura 87 – Aquarela e Fragmentos de narrativas de alguns sujeitos 208
Figura 88 – Aquarela e Imagens e palavras 211
Figura 89 – Aquarela e Dimensões 212
Figura 90 - Aquarela e A menina que ama o mar 218
Figura 91 - A transposição aconteceu! 219
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO: MEMORIAL - DA CAMINHADA AO MERGULHO! 15
1.1 RUMO À EXPEDIÇÃO 23
2 MU[SEU], ESPAÇO DE [RE]APRESENTAR E PRESENTE[AR] OS OLH[ARES] 41
2.1 O DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA, PROFISSIONAIS E AÇÕES 77
2.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA 85
3 MU[SEU] ESPAÇO DE POESIA E DE MEDIAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL 86
3.1 O MUSEU E SUAS DIMENSÕES POTENCIAIS 88
3.2 MEDIAÇÃO CULTURAL NO MUSEU DE CIÊNCIAS E OUTRAS MEDIAÇÕES 100
3.3 MUSEU, ESPAÇO DE POESIA E DE PERCEPÇÃO SENSÍVEL 117
4 SOBRE IMAGINAR O MAR 136
4.1 EM BUSCA DAS RESSONÂNCIAS E DAS REPERCUSSÕES 138
4.2 A EXPEDIÇÃO 148
4.3 RUMO À VISITA MEDIADA 151
4.4 AS PISTAS 153
4.4.1 Dimensão de [re]significação na relação homem x mar 154
4.4.2 Dimensão espacial 173
4.4.3 Dimensão de grandeza 191
4.4.4 Dimensão de testemunho 202
4.4.5 Dimensão de imaginação 205
4.4.6 Dimensão de conhecimento 207
4.5 DIMENSÕES A PARTIR DAS PISTAS 209
5 PERCEPÇÕES ACERCA DO MAR POR UMA VISITA MEDIADA AO MUSEU 214
REFERÊNCIAS 220
APÊNDICES 226
1 INTRODUÇÃO: MEMORIAL - DA CAMINHADA AO MERGULHO!
Figura 1 – Aquarela e A vida
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Lispector.1
Por um tempo, senti-me [des]territorializada no contexto do mar, na cidade onde moro, Itajaí-Santa Catarina. Nasci em Jataí, no estado de
Goiás. Até que tem uma certa semelhança no nome, porém não existia museu, nem mesmo mar. O mar sempre me aproximou dos meus amores
nos momentos de saudade, pela sua imensidão. Ele me fez a[mar] o presente, afinal “[...] sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado,
presente e futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios”2.
Só conheci o mar aos oito anos de idade, ou pelo menos achei que conheci - é que ainda o estou conhecendo, um pouco mais a cada dia,
devido a sua infinitude. Nunca tinha olhado para o mar e pensado na imensidão de vida que ele guarda, na diversidade de espécies de que ele é
casa, nem mesmo na sua grandeza diante de nossa pequenez humana - “[...] sim, esta é a vida vista pela vida”.3 Diante disso, “[...] todos os
pensamentos, que têm feito viver homens, todas as emoções, que os homens têm deixado de viver, passaram por minha mente, como um resumo
escuro da história, nessa minha meditação andada à beira-mar”4.
1 LISPECTOR, 2008, s/p. 2 Ibid., s/p. 3 Ibid., s/p. 4 PESSOA, 2011, p. 96.
15
Figura 2 – Aquarela: O que há além da horizontalidade da água?
Fonte: Elaborada pela autora.
16
Em minha trajetória acadêmica, encontrei-me com grandes mestres que me incitaram a pensar sobre educação. Tive oportunidade de estar
entre as imensidões de espaços e sujeitos – educadores sensíveis. Muitos desses encontros foram desdobramentos das oportunidades dos projetos
em que me envolvi no decorrer de minha formação acadêmica, desde a Graduação. Tive a oportunidade, desde então, de participar como ouvinte
de um dos grupos de pesquisa do Mestrado em Educação na UNIVALI – Grupo de Pesquisa Cultura, Escola e Educação Criadora. Muitas vezes
eu pensava: como eu vim parar aqui?! Nem eu mesma acreditava! As experiências transformaram-me por meio de vivências estéticas e artísticas,
pesquisa e relações que me ensinaram muito. Grande parte dos autores que fizeram parte deste estudo foi o Grupo de Pesquisa Cultura Escola e
Educação Criadora que me apresentou.
Licenciada em Artes Visuais5, provoquei-me a viajar e repensar a educação em museus como espaços de educação não formal desde a
Graduação. Sempre atuei em espaços de ensino formal, em escolas; e não formal, em galerias, casa de cultura, eventos, exposições. A versatilidade
e a dinamicidade da educação muito me encantaram nesses espaços em que atuei. “[...] não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do
que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada”6, uma expedição imaginada, desterritorializar territórios, deslocar pelas
correntezas e nunca lançar a âncora.
Hoje, atuo como educadora no Museu Oceanográfico UNIVALI (MOVI), vinculado à Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Estou
atrelada ao Departamento de Educação do MOVI, cuja abordagem educativa é a mediação cultural. Esse museu é tido, segundo a tipologia museal,
como um museu de ciência e história natural devido às suas coleções científicas e, principalmente, biológicas. É nesse espaço que ocorreu este
estudo, e que, ao entrar pela primeira vez no meu primeiro dia de trabalho como colaboradora, diante de todo encantamento vivenciado, até então
[des]conhecido, pensei: “as crianças depois de visitarem este museu nunca mais olharão para o mar da mesma maneira”. Assim, “[...] esta sou eu
diante do mundo!”7. Nunca mais olhei para o mar da mesma forma, pois sou educadora neste espaço que me [re]encanta diariamente.
5 Licenciatura em Artes Visuais PARFOR/UNIVALI/CAPES – término 2013/II, Especialista em História Cultural – Claretiano – término 2015/I e Especialista em Museografia e Patrimônio Cultural – Claretiano 2016/II. 6 LISPECTOR, 2008, s/p. 7 Ibid., s/p.
17
Sou professor[a] a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor[a] contra o desengano que me consome e me imobiliza. Sou professor[a] a favor da boniteza de minha prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber que devo ensinar, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amorfinar e de já não ser testemunho que deve ser lutador pertinaz, que cansa, mas não desiste.8
Em busca de não me amorfinar, a tentar ver as bonitezas da vida, da prática em aprender e ensinar a ver, aprender e provocar a ver, [re]ver
de modo a não adormecer os sentidos é que me senti provocada a pesquisar este espaço! Resolvi aventurar-me!
8 FREIRE, 1996, p. 115-116.
18
Figura 3 - Aquarela: À beira mar, o barco e uma expedição imaginada
Fonte: Elaborada pela autora.
19
Reformular noções de verdades, escutar outras vozes e outras percepções permite renovar os sentidos. Assim, “[...] entro lentamente na
escritura, assim como já entrei na pintura. É um mundo emaranhado de cipós, sílabas, madressilvas, cores e palavras”9. Só sei que certezas em mim
não há, nem na imagem, nem na palavra, nem no desenho, nem na minha pintura!
Se dentro da água, em um mergulho, o som ecoa por vibrações, vibrações estas que nos possibilitam sentir pelos poros, acredito, assim,
poder ouvir de todos os lados, ver de todas as formas, sentir pela pele, provocar-me pelas percepções imaginativas das crianças sobre o mar,
provocadas e/ou modificadas em uma visita mediada no museu. “A transfiguração me aconteceu [...] muita coisa não posso te contar. Não vou ser
autobiográfico. Quero ser ‘bio’”.10 Quero lançar-me, lançar-me ao mar, como uma artista, professora e pesquisadora, sobre o museu e sobre o mar,
pois “[...] meu fado é o de não saber quase tudo, sobre o nada eu tenho profundidades”11.
Diante de minha formação inicial em Artes Visuais e minha atuação em um museu de ciências, provocações e mais provocações surgiram:
Como mediar cultura em um museu de ciência, diante de um museu científico, em que a maioria dos objetos são exemplares biológicos e não
manufaturados pelo homem? Sem medo, lancei-me à expedição em busca de pelo menos um pouco do muito que preciso!
9 LISPECTOR, 2008, s/p. 10 Ibid., s/p, grifo da autora. 11 BARROS, 2015a, p.125
20
Figura 4 - Aquarela: Rumo à expedição
Fonte: Elaborada pela autora.
21
Figura 5 – Aquarela e As imagens falam realmente
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Gaston Bachelard.12
12 BACHELARD, 1997, p. 201, grifos nossos.
22
1.1 RUMO À EXPEDIÇÃO
Em busca de imagens que falam, já que um colecionador coleta coisas, investigamos percepções por meio de mergulhos, de visões, de
vozes, de versões e de pistas, pois somos também “seres coletores”13. Partimos do princípio do museu como espaço que possibilita experiência,
poética, imaginação, provocação e percepções diversas, mesmo que aparentem, a princípio, [des]territorializadas, [des]contextualizadas;
provocadas, assim, em descobrir: Como uma visita mediada ao museu potencializa a percepção da criança sobre o mar?! Provocações, são só
provocações, “[...] ninguém saberá de nada, o que sei é tão volátil e quase inexistente que ficará entre mim e eu”14.
Se “[...] o inesgotável habita os templos que chamamos de museus e em tantos outros lugares [...] o inesgotável habita em nós”15, um
inesgotável que pode repercutir por meio do espaço do museu, quando ele se manifesta de forma poética, explorando o estético em suas dimensões.
Nesse sentido, “[...] o espaço retém o tempo comprimido. O espaço serve para isso”16. Assim, por meio do inesgotável que habita os museus, e que
habita em nós, pretendemos mapear as percepções das crianças pela imaginação acerca do mar em uma visita ao museu, pois “[...] a imaginação
imagina incessantemente e se enriquece de novas imagens” 17. É essa riqueza do ser imaginado que buscamos explorar durante uma ação educativa
pela abordagem de mediação cultural no Museu Oceanográfico UNIVALI.
Pela poética do espaço, procuramos entender, neste estudo, o museu como a casa das coisas, e tantas outras casas que nele habita, como as
conchas, as rochas, assim como o oceano em si. “[...] é graças à casa que um grande número de nossas lembranças estão guardadas, e se a casa se
complica um pouco, se tem porão e sótão, cantos e corredores, nossas lembranças têm refúgios cada vez mais bem caracterizados”18. Refúgios
estes que, pela “estética do escondido”19- o que está bem guardado, fora do nosso campo de visão, quiçá talvez até trancado - que, pela educação
13 MARTINS, 2012, p. 44. 14 LISPECTOR, 2008, s/p. 15 DEMARCHI, 2014, p. 22.16 BACHELARD, 1978, p. 202.17 Ibid., p. 196.18 Ibid., p. 202.19 Ibid., p. 197.
23
do olhar, olhar mais uma vez, olhar mais devagar, possam ser descobertas, ou como as gavetas, abertas! Assim, o museu é casa que habita outras
tantas casas, outros tantos seres, memórias e descobertas, que possui várias instâncias, dentre elas exposições, coleções guardadas, espaços de
recepção aos visitantes e alguns recônditos muito bem guardados, aquele espaço da casa que quase nunca levamos ninguém, por regra ou por querer
guardar algo muito bem guardado. Este é um dos papéis do museu: o de provocar a descoberta de coisas outras.
Por uma expedição investigativa, assim como fazem os pesquisadores, cientistas e coletores de “coisas”, formadores de coleções,
perseguimos pistas acerca de percepções provocadas pela mediação, pelo olhar e pela imaginação no espaço do museu - provocações dialogadas,
olhares e vozes, do porão ao sótão, do sótão ao porão, caminhos, discursos e narrativas, em uma relação não hierárquica, de idas e vindas, pois
assim podemos, eu e você, “[...] pensar a educação a partir do par experiência/sentido”20. Nem antes, nem depois, mas no durante. “[...] a experiência
é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca”21. É também estar sensível às
percepções em um museu de ciências ou de qualquer outra área como espaço de experiências, de sentidos que despertam sensações, que nos
provocam a pensar, perceber dimensões outras até então despercebidas. Para Bondía,
[...] a experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.22
Nesse sentido, em estarmos sensíveis à experiência e em busca de percepções no museu como espaço de experiência, estético e poético,
retomamos uma das provocações acerca da mediação cultural em um museu de ciências e história natural, tendo em vista que, hoje, “[...] a atividade
científica está em profunda transformação”23. Em primeiro lugar, devido à difusão dos domínios científicos e técnicos na sociedade. Em segundo
20 BONDÍA, 2002, p. 20.21 Ibid., p. 21.22 Ibid., p. 24.23 CAUNE, 2008, p. 48.
24
lugar, “[...] as normas de apreciação e o lugar da atividade científica no campo da cultura se modificaram”. Nessa reflexão sobre a mediação cultural
em um museu de ciências, cujos objetos científicos expostos são biológicos, Caune24 compreende a exposição científica como dispositivo de
mediação, pois “[...] não concerne os objetos neles mesmos, mas transforma-os, para o visitante, em objeto cultural ou em objeto de saber inscrito
em um discurso museal”25. É desse modo que, licenciada em arte e provocada à possibilidade de mediação cultural em um museu de ciências,
buscamos compreender primeiro o museu de ciências como espaço possível para a mediação cultural, tendo em vista o status transformado do
objeto científico exposto no museu, [re]configurado e ou [re]apresentado, segundo o autor, como objeto cultural. Ao pensar no museu de ciências,
provocamos pensares sobre outros territórios do próprio espaço do museu, seu acervo, seus objetos em suas dimensões estéticas possíveis,
percepções únicas aos sujeitos ali inseridos, assim “[...] o objeto torna-se realmente outro, porque o tornamos outro”.26
Sair da visualidade dos livros, das tecnologias virtuais, compreender como espaços educativos vários outros espaços além da escola é
preciso! “O conhecimento não mais se produz especulativamente a partir de pressupostos teológicos, teóricos ou filosóficos, mas do sensível é que
se chega ao inteligível”27, de modo que a saída da escola e uma visita ao museu pode favorecer a educação estética. Assim, perseguimos, neste
estudo, reflexões acerca da educação estética, da educação do olhar, pois “[...] num tempo em que o corpo queda passivo, frente às telas em que
mais do que se apresenta, se recria o mundo, parece, pois, premente à educação recolocar esse corpo em contato com os assombros da realidade
concreta, não virtual”28. Discutimos, dessa forma, sobre a realidade concreta aqui evidenciada, a visita ao museu, o contato com o objeto
museológico, espaço poético e estético em sua concretude, entendendo que o espaço, assim como todas as outras dimensões nele vivenciadas,
provoca percepções nas crianças antes não percebidas. Foi de interesse, assim, entender: Como as crianças percebem o mar antes da visita a um
museu oceanográfico? Como elas percebem o mar depois da visita ao museu oceanográfico?
24 CAUNE, 2008. 25 Ibid., p. 46. Caune aborda a exposição científica: um dispositivo de mediação partindo da concepção de museu didático segundo Déotte (1993). 26 PESSOA, 2011, p. 67. 27 MENESES, 2002, s/p. 28 DUARTE JR., 2012, p. 364.
25
Buscamos, por conseguinte, responder à seguinte questão problema: Quais as percepções das crianças sobre o mar em visita ao Museu
Oceanográfico UNIVALI em uma ação de mediação cultural? Compreendemos que a mediação cultural possa favorecer o museu como espaço de
provocações, de imaginação, de percepções, de educação do olhar, de educação estética, de saber sensível!
O objetivo geral, portanto, foi analisar as percepções das crianças - 25 alunos do Ensino Fundamental de uma escola pública do município
de Balneário Piçarras (SC) com idade de 8 a 9 anos - sobre o mar em uma visita ao Museu Oceanográfico UNIVALI29 em uma ação de mediação
cultural.
Para alcançá-lo, traçamos os seguintes objetivos específicos:
apresentar as potencialidades do Museu Oceanográfico UNIVALI;
discutir as potencialidades educativas, poéticas e estéticas do museu como espaço que desperte percepções sensíveis;
discutir as contribuições da mediação cultural que possam vir a favorecer as dimensões que potencializam o MOVI - museu de
ciências e história natural como espaço de educação estética e educação do olhar;
identificar as percepções sensíveis das crianças acerca do mar em visita ao Museu Oceanográfico UNIVALI em uma ação de
mediação cultural;
Este estudo é de natureza qualitativa e exploratória e [des]organiza-se durante o processo com base na Pesquisa Educacional Baseada em
Arte (PEBA) – Ar/t/ografia, direcionada à ampliação da compreensão das atividades humanas por meio de práticas artísticas de investigação. O
Pesquisador, o Educador e o Artista são os mesmos sujeitos que experimentam as fronteiras que integram texto e imagem existindo entre múltiplas
fronteiras. A PEBA30 lida com a reflexão acerca da relação entre a vida, o fazer artístico, a pesquisa e a prática docente ao abraçar teoria, práxis e
poiesis, ou teoria/pesquisa, ensino/aprendizagem e criação/arte. Assim, o processo passa a ser também criação não somente textual, mas também
de produção de desenhos (crianças/sujeitos) e pinturas (do pesquisador) de forma a dialogar com o texto no decorrer da pesquisa. Neste caso,
busquei, também, imaginar o mar e o modo de olhar para ele e por ele. Dessa maneira, para a PEBA, “[...] os processos e produtos são experiências
29 Ver nos Apêndices A e B os Termos de Ciência e Aquiescência e de Autorização do uso de imagens. 30 IRWIN, 2008
26
estéticas nelas mesmas, pois integram as três (ou possivelmente mais) formas de pensamento”31 e eu, como pesquisadora, docente/mediadora/ e
artista “[...] antes de mais nada, pinto pintura. E antes de mais nada te escrevo dura escritura.”32
No percurso deste trabalho, chamamos os dados de pistas, apresentando desenhos elaborados pelos sujeitos em dois momentos: antes e
depois da visita mediada ao museu em busca de percepções imagéticas fortalecidas pelas narrativas construídas pelas crianças diante do próprio
desenho. Os desenhos foram coletados em um ambiente neutro no próprio museu, uma sala de aula antes e depois da visita à exposição. As crianças
foram provocadas pela seguinte pergunta em ambos os momentos: O que vocês conhecem do mar? Foram realizadas três coletas com três grupos
diferentes, porém vale ressaltar que as duas primeiras coletas foram tomadas como piloto. Somente a coleta do último grupo foi utilizada para
análise desta pesquisa, configurados como registros de desenhos e narrativas orais, totalizando 15 alunos com seus 30 desenhos.
Como instrumento de coleta, além dos desenhos e das narrativas das crianças, foi utilizado, ainda, um diário de bordo (caderno de artista)
como instrumento de registro e memórias. Nele constam desdobramentos das discussões no decorrer deste estudo, a fim de “[...] transformar a
experiência vivida em memória registrada [...] pois muitas ideias nascem no momento em que anotamos o que foi vivenciado com os alunos”33.
Desse modo, os registros das percepções no diário de bordo, durante o processo de investigação, tiveram como função ser objeto de criação, de
reflexões, de registro e de memória.
As visualidades e as aquarelas dispostas no decorrer deste estudo em páginas inteiras não visa sobrepor aos textos e nem mesmo o texto à
imagem! São produções artísticas elaboradas por mim em busca de uma narrativa visual do meu processo de pesquisa! Além delas, apresento
também visualidades em diálogos com poesias de diversos poetas, como uma provocação visual, uma criação artística durante o processo em
técnica mista. Com base na abordagem da PEBA e no conceito de expedição34, apresentamos, ainda, visualidades acerca das trajetórias, dos
31 IRWIN, 2008, p. 92.32 LISPECTOR, 2008, s/p. 33 MARTINS, 2012, p. 56. 34 MARTINS, 2014
27
territórios e das dimensões que dialogam no percurso, de modo que “[...] o objeto de estudo da expedição possa ser vivido e percebido por múltiplos
focos”35, pelo olhar da professora/mediadora, da artista e da pesquisadora. “É preciso transver o mundo”36.
Assim sendo, as pistas analisadas foram desenhos e narrativas coletadas no momento da visitação e no momento da produção dos desenhos.
Os desenhos e as narrativas orais tiveram como abordagem de coleta a elicitação37, a qual contribui acerca da complexidade de dados visuais.
Segundo Banks38, é possível, por essa abordagem, tanto apropriar-se de imagens como provocação para coletar outros tipos de dados, como
considerar, também, o próprio dado visual elaborado pelos sujeitos pesquisados. Essa abordagem considera ainda o uso de visualidades como
fotografias ou vídeos para evocar comentários; memórias e discussões para facilitar respostas significativas; memória imediata para evocar uma
reação emocional durante uma entrevista. Um dos objetivos é também aumentar o grau de intimidade entre o pesquisador e o sujeito no processo
da pesquisa ou no ato da mostra visual.
Os desenhos elaborados pelas crianças, além de ser um instrumento de coleta para analisarmos as percepções, foram também provocações
para a elaboração das narrativas como consta a abordagem da elicitação. Portanto, as narrativas foram coletadas a partir dos desenhos elaborados
pelas próprias crianças/sujeitos investigados. Como provocações visuais, além dos desenhos, os objetos museológicos expostos foram também
compreendidos como visualidades, assim como o espaço do museu em suas dimensões museográficas - ambiente, iluminação, vídeos - que
provocaram a elaboração imagética sobre o mar. Foram feitos, dessa maneira, registros de algumas falas espontâneas dos sujeitos durante a visitação
mediada no diário de bordo, que teve, também, durante o processo deste estudo, o registro de outras reflexões. Desse modo, “[...] arte e escrita
unificam o visual e o textual por se complementarem, se refutarem e salientarem uma à outra”39.
Esta dissertação está organizada em 5 capítulos, além desta Introdução, que se inicia com um memorial sobre minha história e trata do
contexto da pesquisa, do objeto e dos objetivos e que apresenta, brevemente, o percurso metodológico da pesquisa, os instrumentos e a
35 Ibid., p. 51. 36 BARROS, 2015a, p. 102.37 BANKS, 2009.38 Ibid.39 IRWIN, 2008, p. 93.
28
sistematização do trabalho. No capítulo 2, Mu[seu], espaço de [re]apresentar e presente[ar] os olh[ares], buscamos apresentar o espaço
pesquisado, assim como sua política educativa, os sujeitos investigados e o contexto geral. Em se tratando dos trocadilhos ambíguos do título e
recorrente no texto, procuro provocar a não apenas olhar o que a mim já fora apresentado, mas apresentar-me novamente – [re]presentar me
presenteando o olhar pela poesia no percurso expositivo; provoquei-me em olhar o espaço como espaço estético, poético, pois a exposição pode
ser um “poema”40 já que, no museu, “[...] o ato de expor é um exercício poético”41.
No capítulo 3, Mu[seu] espaço de poesia e de mediação para a educação do sensível, buscamos discutir sobre a contribuição da mediação
cultural que potencializa a educação estética e a educação do olhar em um museu de ciências e história natural. Assim, apontamos algumas
dimensões que potencializam o museu como espaço de educação estética, segundo Duarte Jr.42, evidenciado pela dimensão poética, apontada por
Meneses43. Abordaremos o museu como espaço poético com base em Bachelard44, espaço potencializado por suas dimensões que provoca no
sujeito a elaboração de imagens ao imaginarem o mar em visita nesse espaço. Essa reflexão poética dá-se em todo este estudo, de acordo com as
pistas verificadas durante o percurso, as quais foram ressaltadas no texto pelas falas espontâneas dos sujeitos pesquisados durante a visita na
exposição, apresentadas mais especificamente no capítulo 4, nos desenhos e nas narrativas orais das crianças/sujeitos pesquisados.
Em Sobre imaginar o mar, capítulo 4, apresentamos as percepções das crianças acerca do mar em visita ao museu, evidenciadas nos
desenhos e nas narrativas coletadas provocadas pela mediação antes, durante e depois da visita mediada no museu. Com base em autores como
Bachelard45, abordamos a poética do espaço, a imagem poética, a ressonância e a repercussão que o museu e tudo o que nele habita provoca nos
sujeitos. Este estudo aborda o museu poeticamente como uma casa, pelos olhos de quem busca a essência sensível do museu e tudo que nele habita.
Dessa forma, tomamos os desenhos realizados pelas crianças, algumas das impressões orais que surgiram durante o percurso e as narrativas
40 MENESES, 2002, s/p. O autor trata a exposição como um poema, o museu como um espaço de ficção em que o conhecimento científico pode ser acoplado ao poético. 41 RAMOS, 2004, p. 29. 42 DUARTE JR., 2000. 43 MENESES, 2002. 44 BACHELARD, 1978. 45 Ibid.
29
elaboradas a partir dos desenhos no instante[já], levando em consideração algumas provocações: O mar habita o museu?! Ou, os animais que um
dia habitaram o mar são agora habitantes do museu?! Enfim, o museu e tudo o que nele habita é um espaço educativo, poético e estético que
possibilita uma educação estética, um olhar imaginado sobre o mar?! Provocações, são só provocações!
A análise dos desenhos teve como base dimensões estabelecidas a posteriori, ou seja, surgiram a partir dos desenhos elaborados e
fomentados pelas narrativas orais das crianças/sujeitos da pesquisa. As dimensões que ficaram evidentes quanto às pistas que sugerem as percepções
das crianças foram: a dimensão de [re]significação na relação homem x mar; as dimensões de grandeza - não mediadas geometricamente, mas
representadas como gigantes e anões, imensidão e miniatura; a dimensão espacial pela perspectiva do olhar do sujeito, de onde o sujeito está na
hora do desenho, de onde ele olha, ou, também, pelo ponto de vista do exterior e do interior, como afastamento, ou distanciamento para a intimidade
e mergulho; as dimensões da imaginação e do testemunho pelas presenças e pelas ausências, em que o ausente também quer ser visto, e pode ser
imaginado, e que mesmo a miniatura presente se faz ver pela sua imensidão; a dimensão do conhecimento é evidenciada também em todas as
outras dimensões e, também, nas narrativas orais das crianças/sujeitos pesquisados. Essas dimensões surgidas nos desenhos e/ou nas narrativas
caracterizaram novas provocações, novos olhares e novas percepções das crianças acerca do mar, que vão se concretizando em um eterno devir!
Por fim, no último capítulo, Percepções acerca do mar por uma visita mediada ao museu, apresentamos algumas considerações acerca da
análise das percepções das crianças.
Dentre o percurso da expedição, entre vozes, de sujeitos, autores, Bachelard46, ao falar da água, diz que ela tem voz: “[...] a água tem
também vozes indiretas. A natureza repercute ecos ontológicos. Os seres respondem-se imitando vozes elementares. De todos os elementos, a água
é o mais fiel ‘espelho das vozes’”. Nessa expedição do espaço do museu para mergulhar no mar, navegamos pela água, lidamos com a água como
espaço não estável, à deriva, em meio a vozes compreendidas pela imaginação. Desse modo, “[...] o espaço compreendido pela imaginação não
pode ficar sendo o espaço indiferente abandonado à medida e reflexão do geômetra. É vivido. E é vivido não em sua positividade, mas com todas
as parcialidades da imaginação. Em particular, quase sempre ele atrai. Concentra o ser no interior dos limites que protegem”47. Assim, nós humanos
46 BACHELARD, 1997, p. 199, grifo do autor. 47 Ibid., p. 196.
30
(eu e você) olhamos o mar de fora, em uma visão romântica, externa, paisagística. E quem nunca mergulhou, como pode ser provocado a imaginar
o mar por dentro? Suas vidas, suas surpresas, suas vozes?! O museu poderia de alguma maneira fortalecer esse processo de elaboração, de
imaginação pelas provocações durante uma visita mediada?! É só uma provocação! Avante!
No contexto educacional contemporâneo, é válido repensar o papel do museu como espaço de educação ao considerarmos as dimensões
que o potencializam, suas funções, seus profissionais e seus públicos. Entendendo o museu como espaço potencialmente educativo, estético e
poético, este estudo perseguiu como pistas as percepções das crianças em uma ação educativa mediada no museu. O que os move no deslocamento
da escola para o museu? Se, ao traçar novos caminhos, novos olhares sobre o horizonte, sobre os espaços, sobre os museus, sobre o mar, sobre os
oceanos, para então navegá-lo, corro o risco do inesperado, do desconhecido!
31
Figura 6 – Aquarela e Interesses fabulosos
- Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Gaston Bachelard.48
Diante desses “interesses poderosos”, “quiméricos” e “fabulosos”, buscamos a interlocução com vários autores, em busca de caminhos.
Neles, deparamo-nos com a desconfiança, do que fui e para onde vou, “[...] do que ontem literariamente fui, procuro explicar a mim próprio como
cheguei aqui”49. Como bagagem, além da desconfiança, trazemos, várias coisas, assim como trajetórias, memórias e autores, que, como práticas,
vêm “me” [re]construindo, “me” [des]territorializando, em “minhas” expedições como aprendiz. Uma das principais abordagens que vem nos
48 BACHELARD, 1997, p. 76, grifos nossos. 49 PESSOA, 2011, p. 17.
32
provocando como docente/mediadora, é a mediação cultural. Atualmente essa abordagem vem sendo discutida não somente nos espaços não
formais de ensino, como museus, mas em vários outros espaços, inclusive a escola. “O processo de mediação cultural nos espaços educativos pode
contribuir para que se fortaleçam a produção, a dinamização, a interação, a diversidade metodológica que promove a formação estética e artística
dos sujeitos. Daí, a relevância de se pensar os espaços culturais como lugares diferenciados para a aprendizagem.” 50 O museu pode perfeitamente
ser esse espaço diferenciado!
Colocamos diversos autores na mala, dentre eles: Martins (2014a, 2014b, 2014c, 2005), Martins, Picosque e Guerra (2010), que abordam a
mediação cultural nos espaços educativos como museus; Martins e Picosque (2012), que contribuem com processos educativos no museu e,
também, com o conceito de mediação cultural como prática educativa, “um estar entre muitos”. Segundo Martins51 (2014b, p. 228), mediar é estar
entre“S”52, “[...] não ponte, nem elo”, “[...] mas em espaços rizomáticos de conexões incertas que envolvem um [saber estar entre muitos]”. Assim,
completamos ainda que “[...] não se trata mais de partir nem de chegar. A questão era antes: o que se passa ‘entre’?” 53.
O que se passa com o sujeito que está entre o mediador e o objeto museal, entre o 1º e o 2º desenho, entre a escola e o museu, entre o museu
e o mar, entre olhares, entre vozes e diálogos? O que se imagina sobre o mar entre o antes e o depois da visita ao museu? São só provocações!
Assim, a mediação cultural faz o papel entre sujeitos, espaços e provocações, olhares, imagens e percepções em uma ação atenta às crianças que
saem da escola, pensam sobre o mar, visitam um museu e repensam sobre o mar, pois, além de pensar, “[...] o homem quer ver. Ver é uma
necessidade direta. A curiosidade dinamiza a mente humana. Contudo, na própria natureza, parece que forças de visão estão ativas. Entre a natureza
contemplada e a natureza contemplativa, as relações são estreitas e recíprocas”54. Dessa forma, “entre” estou eu, entre o contemplador, o
contemplado e o contemplativo, entre o espaço do museu a ser visto e o do mar a ser imaginado, em relações do ver e do [re]ver. Desse modo é
que, às vezes, eu me afasto e me entrego, às vezes eu vejo e às vezes sou visto, e tento continuamente me ver ou descobrir de onde estou vendo...
50 KUPIEC; NEITZEL; CARVALHO, 2014, p. 165. 51 MARTINS, 2014b, p. 228. 52 Termo utilizado por Martins (2014b). Entre“S” que significa “entre muitos”.53 DELEUZE; GUATARRI, 1992, p. 151, grifo dos autores. 54 BACHELARD, 1997, p. 30.
33
Figura 7 – Aquarela: Meu olhar em distanciamento, mas não tão distante
Fonte: Elaborada pela autora.
34
Sobre museu, diálogos, práticas e potencialidades, contribuíram com este estudo Pereira et al.55 e Figurelli56, mais especificamente com um
de nossos pontos de partida: o entendimento do museu como espaço potencializador de educação, entendendo-o como espaço de estudo, de
pesquisa, de educação ou de qualquer outra natureza cultural, científica e estética. Buscamos, ainda, entender o museu de ciências que possa
despertar o olhar acerca da educação estética em seus visitantes, percepções possíveis de serem potencializadas pela mediação cultural.
Uma significativa referência que contribuiu para este estudo sobre educação em museus de ciências foi Marandino57, que tem também como
foco desse processo a educação não formal em museu de ciências pela mediação. Para a autora, “[...] o significado é construído por meio de um
processo ativo de negociação de saberes e experiências, no qual todas as partes trabalham em conjunto para produzir interpretações
compartilhadas”58. Assim, procuramos construir, nesta pesquisa, um novo olhar para o museu de ciências e história natural, como espaço de
interpretações compartilhadas.
Pillar59 contribuiu neste estudo sobre a educação do olhar para refletirmos sobre o deslocamento dos olhares dos sujeitos, dos espaços
escolares para o museu, um olhar novo para um novo olhar, um olhar imaginado para o mar por meio do museu. Esses conceitos são significativos
para a reflexão de novas práticas e/ou novos olhares para o espaço, objetos e contextos voltados à educação estética, em busca da provocação de
percepções diversas no museu. Uma aproximação do olhar, um imaginar o mar!
55 PEREIRA et al., 2007. 56 FIGURELLI, 2011.57 MARANDINO, 2008.58 Ibid., p. 17.59 PILLAR, 2011.
35
Figura 8 – Aquarela: Um olhar aproximado
Fonte: Aquarela elaborada pela autora.
36
As reflexões demarcadas neste estudo abarcaram, ainda, acerca da educação estética, compreendida na relação do inteligível e do sensível
em busca de diluir fronteiras. Segundo Duarte Jr.60, o saber sensível é “[...] inelutável, primitivo, fundador de todos os demais conhecimentos, por
mais abstratos que estes sejam; um saber direto, corporal, anterior às representações simbólicas que permitem os nossos processos de raciocínio e
reflexão”. Desse modo é que o museu, pelas dimensões que o potencializam como espaço educativo e poético, as quais são fortalecidas pela ação
de mediação cultural, pode vir a provocar nos sujeitos esse saber sensível. Este último poderá, ou não, promover uma mudança de percepção acerca
de si, acerca do mar, acerca da relação com o mundo.
Provocações, interesses, curiosidades, diálogo, aproximação, estranhamento, intimidade, desprendimento, disponibilidade e tantos outros
estados são essenciais para lançar-se a esse saber sensível no museu, a começar pela necessidade de lançar-se e sair da inércia, deslocar-se rumo
ao desconhecido, a novos territórios!
60 DUARTE JR., 2000, p. 14.
37
Figura 9 – Aquarela: Ver algo além da superficialidade da água
Fonte: Elaborada pela autora.
38
Tendo em vista o inacabamento do ser humano, adotamos como princípio nesta pesquisa que tudo está em devir, partindo do entendimento
de que nada está pronto, acabado. Adiantamos que todas as análises elencadas neste estudo poderão ainda ser refletidas por diversas ópticas, por
diversos olhares. Chagas61 coloca-nos que “[...] aquilo que se articula nos museus não é uma verdade pronta e acabada, e sim uma leitura possível
e historicamente condicionada”, pois uma leitura nova é sempre possível. “[...] É sempre possível abrir gavetas no corpo das vênus museais e
reabrir processos engavetados por interesses nem sempre nobres”. Chagas62, assim como Meneses63, Ramos64 e Santos65 contribuem acerca de
educação em museus, do objeto museal, e com as dimensões educativas e sensíveis dos museus.
Por conseguinte, buscamos, com este estudo, abordar as potencialidades educativas e estéticas em um museu de ciências e história natural
por meio de uma ação de mediação cultural. A proposta, portanto, foi de deslocar esse olhar para a ideia do museu como espaço para estar entre
muitos, como espaço potencialmente educativo e de educação estética, educação esta que possa ser favorecida pela mediação cultural. Encontros
entre o formal e o não formal, encontro de espaços, encontros mediados, inquietantes, encontros entre práticas, de reflexões e de percepções. E,
pela fluidez da aquarela, da fluidez da água e em tudo que me cerca, vou revendo rotas em águas antes não navegadas, antes não mergulhadas!
61 CHAGAS, 2015, p. 37. 62 Ibid. 63 MENESES, 2002. 64 RAMOS, 2004. 65 SANTOS, 2008.
39
Figura 10 – Aquarela e A resposta pode estar na imagem
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Alcides Buss.66
Em diálogo com Alcides Buss, acreditamos que as respostas estão para além das palavras, mas nas imagens, no saber sensível, pela
poesia que há no museu, pela provocação da mediação cultural, em fluidez em tudo que nos cerca, que cerca os sujeitos.
66 BUSS, 2012, p. 39, grifos nossos.
40
2 MU[SEU], ESPAÇO DE [RE]APRESENTAR E PRESENTE[AR] OS OLH[ARES]
Figura 11 – Aquarela e Devaneio e museu
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Gaston Bachelard.67
O museu como casa pode parecer insignificante à primeira ideia, à primeira vista. Muito além da simples mania de colecionar animaizinhos,
um menino, de, na época, 5 anos, chamado carinhosamente de Marcelinho68, começou sua coleção, pois teve um sonho de montar um museu. E
ele o realizou! O que parecia insignificante ou um devaneio infantil e momentâneo, há trinta anos foi criado como museu, e, a pouco mais de um
ano, inaugurado como exposição, em 14 de dezembro de 2015. Como destaque, em seu acervo, o maior animal do mundo já conservado inteiro,
67 BACHELARD, 1978, p. 290, grifos nossos. 68 Marcelinho - chamado carinhosamente quando criança pela família de Jules Marcelo Rosa Soto, colecionador. Hoje é curador e fundador do Museu Oceanográfico UNIVALI.
41
um tubarão baleia de quase nove metros; afinal, “[...] a natureza tem uma maneira muito simples de nos surpreender: é fazer as coisas grandes. [...].
Mas a natureza pode muito bem fazer coisas grandes. O homem as imagina facilmente ainda maiores.”69 Grandes não são somente os sonhos, mas
também é a vontade, o desejo de nos surpreender, afinal, desejos também podem ser quiméricos!
Reconhecido na tipologia de museu de ciências e história natural, o Museu Oceanográfico UNIVALI (MOVI) é um museu universitário.
Seu acervo biológico foi doado pelo colecionador no ato da inauguração à Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), instituição de ensino superior
que é mantenedora. Seu acervo significativo tem como maior parte espécimes biológicos marinhos e de temática oceanográfica, reúne
extraordinárias coleções em diversos grupos de grande importância científica. Destacam-se as coleções de tubarões e raias, de conchas, de
mamíferos marinhos do Brasil, de tartarugas marinhas, dentre tantas outras.
Instalado no Campus da Universidade do Vale do Itajaí da cidade de Balneário Piçarras - SC, uma cidade banhada pelo mar, o MOVI atinge,
aproximadamente, 4.000 m2 de área construída em quatro andares. Segundo Bachelard, “[...] a casa de quatro pisos tem um andar entre o pavimento
térreo e o sótão. Um andar a mais, um segundo andar, e os sonhos se confundem. Na casa onírica, a topoanálise só sabe contar até três ou quatro”70.
Bachelard poeticamente configura a casa que tem também porão e sótão, como a casa do homem e a casa das coisas, casa que tem gavetas, cofres
e armários. “É necessário mostrar que a casa é um dos maiores poderes de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem.
Nessa integração, o princípio que faz a ligação é o devaneio”71. É nessa perspectiva que tomamos o museu como casa. Para relacionar o museu à
casa, o museu é a casa das coisas, vitrines que guardam coisas e “[...] até a mais modesta habitação vista intimamente é bela!”72, é um convite à
intimidade para além da superficialidade.
O prédio (Figura 12) comporta no térreo as salas da administração, uma das bibliotecas e auditório. No segundo andar, localiza-se a
exposição principal de longa duração. No terceiro, concentram-se as salas que são utilizadas para oficinas, aulas e espaços multifuncionais. No
quarto andar, estão localizadas as salas com acervos e laboratórios da curadoria. Quanto à acessibilidade, todos os andares são acessíveis fisicamente
69 BACHELARD, 1978, p. 277. 70 Ibid., p. 213.71 Ibid., p. 201.72 Ibid., p. 200.
42
a cadeirantes e com guias de chão para deslocamentos de pessoa com deficiência visual. O principal objetivo do Museu Oceanográfico UNIVALI
é “[...] desenvolver coleções de referência que representem o maior número possível de táxons e que possibilitem pesquisas taxonômicas modernas
sobre a fauna marinha. A maior parte do acervo do MOVI é composta por animais marinhos da fauna brasileira, especialmente aqueles do sul do
Brasil”73.
73 UNIVALI, 2015, s/p.
43
Figura 12 – Aquarela e vista externa do Museu Oceanográfico UNIVALI e seu entorno
Fonte: Elaborada pela autora. Fotografias do acervo do MOVI.74
74 MOVI, 2015.
44
Ah, a exposição principal tem 1.000 m² de pura estesia, um museu que fala da vida, da formação da vida, um museu vivo! As temáticas
abrangem desde a formação dos oceanos, a formação da vida, a evolução dos seres vivos, a história da oceanografia, os recursos vivos e minerais
dos oceanos, a preservação do meio ambiente marinho e uma ampla exposição sobre os seres vivos marinhos, disposta em ordem filogenética, isto
é, desde organismos mais primitivos e antigos aos mais complexos e evoluídos.
A expografia valoriza o acervo exposto em praticáveis75 com iluminação direta e um ambiente de percurso único, mas que provoca a cada
nova vitrine, a cada novo corredor em que a luz acende de acordo com que entramos - até a luz é sensorial! O ambiente propicia assim algo cênico,
provoca ao visitante um direcionamento aos objetos ali expostos, segundo a museografia, dividido em sete alas (Figura 13). Cada uma tem uma
cor diferente com o objetivo de diferenciar as temáticas pelo projeto museográfico.
Figura 13 - Mapa da exposição por alas com detalhamentos
Fonte: Elaborada pela autora. Mapa do MOVI.
75 Praticáveis são pequenos módulos móveis utilizados pela equipe curatorial para disposição das peças no espaço expositivo.
45
A curadoria, pela voz do curador geral, aponta que a intenção do museu é falar da vida, de que toda ela começou no oceano, uma vez que
todo o planeta foi coberto por água e que, por isso, propiciou a formação da vida. Boa parte do acervo são espécimes biológicos conservados em
tanques de vidro em meio líquido. Diante disso, é um desafio pensar a vida apreciando fósseis e animais conservados e expostos exercendo a função
de objetos museais com status testemunhal. Na primeira ala, a temática A água e o universo e a evolução da vida é testemunhada por fósseis de
diversas eras representadas e com base na literatura dos grandes cientistas que fundamentaram as descobertas científicas no decorrer da história.
Já dizia Manoel de Barros, “[...] desde o começo do mundo água e chão se amam e se entram amorosamente e se fecundam. [...] as águas são a
epifania da criação”76. Pela água ou não, ver é uma provocação, ver algo que por milhões e milhões de anos teve vida é em parte ter na frente dos
olhos os testemunhos do que fomos um dia.
Figura 14 – Aquarela e Necessidade de ver
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Gaston Bachelard.77
76 BARROS, 2015b, p. 25.77 BACHELARD, 1997, p. 199.
46
Assim sendo, a seguir, apresentamos algumas fotos da primeira ala com algumas peças destaque que chamaram atenção das crianças
durante o percurso. É nessa necessidade de ver que lidamos com imagens além de palavras, imagens... muitas imagens!
Figura 15 – Aquarela e Ala Histórica
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.78
78 MOVI, 2015.
47
Ao fundo um som, uma voz que fala, o oceano nos fala por um vídeo chamado Oceano79, apresentado com a narração de Rodrigo Santoro
em que o próprio oceano nos diz, nos fala.
Figura 16 – Aquarela e O oceano nos fala...
Fonte: Elaborada pela autora. Texto Conservação Internacional.80
Com uma breve explanação sobre a singularidade da vida na terra, abordada pela mediação e pelos demais elementos que comunicam nessa
ala, encontramos ainda a apresentação da história da oceanografia, das tecnologias desenvolvidas e dos recursos vivos e minerais dos oceanos, cuja
apresentação trata do mar como fonte de importantes recursos para o homem. Do peixe ao petróleo, dos minerais aos fósseis, todos dependemos
do que o mar nos provê. Assim, a mensagem do vídeo encerra-se com a seguinte frase: “[...] a natureza não precisa das pessoas, as pessoas é que
79 Conservação Internacional. “O oceano”, narrado por Rodrigo Santoro em que ele fala pelo oceano, o oceano nos fala: a natureza não precisa das pessoas, as pessoas precisam da natureza. Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QBVyS5-iNLk>. Acesso em: 10 mar. 2017. 80 A Conservação Internacional é uma Organização sem fins lucrativos. O vídeo passa dentro do museu com autorização da instituição.
48
precisam da natureza!”. Os destaques, nessa ala, que chamam muito a atenção são: a placa fossilizada da cianobactéria, o ovo do dinossauro
fossilizado, a réplica do crânio de um Homo erectus e o Diablito do mar, assim como o escafandro e a réplica do Navio Calypso do Jacques
Cousteau (Figura 17).
Figura 17 – Aquarela e Ala Formação da vida e história da oceanografia
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.81
81 MOVI, 2015.
49
Depois de verem toda exposição sobre a vida e a história da relação do homem com o oceano, as crianças foram surpreendidas com a vida
dos invertebrados ao adentrar a segunda ala dos invertebrados marinhos em aquários com animais vivos, corais, conchas. Ah, as conchas!
Verdadeiramente “[...] um élan vital que gira, que maravilha insidiosa, que fina imagem da vida!”82.
Figura 18 - Aquarela e Ala dos invertebrados - conchas e corais
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.83
82 BACHELARD, 1978, p. 266.83 MOVI, 2015.
50
A diversidade enche os olhos, a visualidade, os movimentos, a textura e o olhar atento! As conchas! Ah, se Bachelard pudesse trocar uma
palavrinha comigo. Segundo o autor, “[...] o lema do molusco seria então: é preciso viver para construir sua casa e não construir sua casa para viver
nela.”84 O autor dá-nos uma lição não somente poética, mas para a vida! A coleção de conchas que provoca pelas diversidades de formas e cores.
Diante disso, diz-nos ainda Bachelard:
Figura 19 – Aquarela e A concha casa
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Gaston Bachelard.85
Ah, a natureza é sábia mesmo! Sua visualidade, sua formação. Como podemos pensar que animais tão frágeis, de corpos tão moles,
constroem suas casas/conchas tão fortes, sedimentos calcários, madrepérolas! A força é sinônimo de sutileza e beleza nessa ala! Além dos aquários
com animais vivos, há também, como destaque, a maior espécie de moluscos, uma concha bivalve, a Tridacna gigas, que “[...] chamamos
comumente de Grande Pia de Água-Benta, vemos a natureza traçar um imenso sonho de proteção, um delírio de proteção e chegar a uma
84 BACHELARD, 1978, p. 267.85 Ibid., p. 266.
51
monstruosidade da proteção”86. Habita nela um ser que pesa em torno de 14 libras e pode chegar, cada uma das válvulas, a pesar cerca de 250 a
300 Kg, podendo medir cerca de 1 a 1,5 m. Ficou famosa também na obra de Sandro Boticelli, em o Nascimento de Vênus, de 1846. E uma
criança/um sujeito da pesquisa espanta-se: “NOSSA! OLHA O TAMANHO! SERÁ QUE TINHA UMA PÉROLA DENTRO DESTA
CONCHA?”87. A ausência faz o ser imaginar, a presença imaginada!
86 Ibid., p. 277. 87 Sujeito da pesquisa. A partir desta parte do estudo, nos apropriamo-nos de falas espontâneas dos sujeitos durante a visita mediada para colaborar com a apresentação do museu e suas potencialidades estéticas.
52
Figura 20 – Aquarela e Tridacna gigas
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.88
As conchas, ah! As conchas, que, pelo nosso olhar, muitas vezes passam despercebidas ao caminharmos pela praia ou visitando um museu!
“Seria preciso que o interesse durável do observador ingênuo partisse de um primeiro espanto. Será possível que um ser exista vivendo na pedra,
vivendo num pedaço de pedra? Esse espanto, quase não se vê mais. A vida usa rápido os primeiros espantos. Aliás, para uma concha ‘viva’, quantas
88 MOVI, 2015.
53
conchas mortas! Para uma concha habitada, quantas conchas vazias?”89. Por um museu habitado, quantos museus vazios? E eis que na imagem
produzida pela imaginação, a pérola habita a concha!
Figura 21 – Aquarela: Da ausência para a presença imaginada
Fonte: Aquarela elaborada pela autora.
89 BACHELARD, 1978, p. 267.
54
Os náutilos, a perfeição da formação, o elemento símbolo da divina proporção ou Lei da proporção áurea, a proporção utilizada por Leonardo
Da Vinci, “[...] a concha do caracol, a casa que cresce na mesma medida de seu hóspede, é uma maravilha do Universo”90. O que tem de arte na
ciência e de ciência na arte?
Figura 22 – Aquarela: A divina proporção da Casa
Fonte: Aquarela elaborada pela autora.
90 BACHELARD, 1978, p. 274.
55
Logo mais adiante, nessa mesma ala, os cefalópodes, popularmente conhecidos como as lulas e os polvos, assim como a concha gigante,
também têm lendas que alimentam a imaginação. Muito embora a mediação perpasse a ciência como conhecimento, existe, nesse local, um painel
que fala da lenda do Kraken. Muitas pessoas ainda querem imaginar que ela exista, mesmo que não seja real, que não seja cientificamente
comprovado! Como disse Bachelard91, “[...] a melhor marca da admiração é o exagero!”.
Ainda, caminhando pela ala dos invertebrados, ao virar em mais um corredor escuro, as luzes se acendem e podemos apreciar a variedade
de espécies de equinodermos (Figura 23).
91 BACHELARD, 1978, p. 267.
56
Figura 23 – Aquarela e Destaques da Ala dos Invertebrados
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.92
92 MOVI, 2015.
57
As estrelas, os lírios, as bolachas e os pepinos do mar e, ainda, os ouriços (Figura 23 – canto superior direito). Ah, mas o que mais chamou
a atenção foram as estrelas, a diversidade de espécies, as formas, as texturas. “AH, QUE VONTADE DE PEGAR COM AS MÃOS!”93. Nesse
corredor, há ainda dois aquários com estrelas-do-mar e ouriços vivos, de diversas cores.
Figura 24 – Aquarela e Estrelas do Mar
Fonte: Aquarela elaborada pela autora. Texto de Alcides Buss.94
93 Sujeito da pesquisa. 94 BUSS, 2012, p. 38.
58
Depois da delicadeza das estrelas, os crustáceos também são provocativos, em tamanhos e formas, mas o que tem grande apelo e atenção é
o Caranguejo “Gigante” do Japão, reproduzido em um painel com um detalhamento de escala 1:1 comparativa com o tamanho humano (Figura
25). Todos ficam surpresos em saber que existe um caranguejo daquele tamanho! “MAS DESSE TAMANHO? SÉRIO?”95.
Figura 25 – Aquarela e Caranguejo gigante
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.96
95 Sujeito da pesquisa. 96 MOVI, 2015.
59
Ah!!! A tão esperada ala dos cartilaginosos, os sensores ativam e as luzes se acendem, parece mágica. Ali, encontram-se expostos os
tubarões, as raias e o último exemplar exposto nessa ala é um espécime de quimera! Tantas surpresas, espantos e vibrações. No momento de entrada
da ala, a euforia toma conta, pois são tomados pelas surpresas – “NOOOOSSSSAAAAA OLHA LÁ! MEEEEU CARAAAAA!!! OLHA AQUELE
TUBARÃO LÁ!”97. A cada virada do percurso expográfico novas surpresas, novos espantos! Uma vitrine só com maxilas de várias espécies de
tubarões provoca as crianças/sujeitos pela quantidade de dentes na boca, pela diversidade de formas dos dentes (Figura 26 – canto superior direito).
Tubarões estão expostos, de várias espécies e tamanhos, desde a “menor” espécie, pequenos filhotes até dentes do “maior” predador que já
existiu no planeta, dentes fossilizados do megalodon extinto há aproximadamente 3 milhões de anos. Nessa ala, destacam-se ainda aquários com
animais vivos - em um deles, um tubarão ornamental dá o ar da sua graça.
97 Sujeito da pesquisa.
60
Figura 26 – Aquarela e Ala dos Cartilaginosos - Tubarões
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.98
98 MOVI, 2015.
61
Temos, ainda nessa ala, no terceiro corredor, o chão de raias expostas em quatro tanques. “PODE PISAR? SÉRIO? AIIII QUE
MEEEEDOOOO!”99. Nesse espaço, podemos caminhar por cima de tanques com espécimes expostos (Figura 27). Além deles, há uma reprodução
em tamanho real em painel impresso em vinil de um espécime que foi encontrado em Barra Velha, cidade vizinha à do museu. Ele tem
aproximadamente 6 metros de envergadura, de ponta a ponta da nadadeira. “É ASSUSTADOR PENSAR QUE ALI ONDE TOMEI BANHO TEM
UM ANIMAL DEEESSSEEE TAMANHO!”100. A dimensão, mais uma vez em evidência, causando espanto e trazendo à tona percepções outras
acerca do que as crianças conhecem do mar.
99 Sujeito da pesquisa. 100 Sujeito da pesquisa.
62
Figura 27 – Aquarela e Ala dos cartilaginosos – Raias
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.101
Mais adiante, na quarta ala, estão expostos os peixes ósseos e suas principais famílias. Ressaltando a vasta diversidade de formas e de
adaptações que o grupo desenvolveu desde os que se encontram em águas brasileiras até alguns dos mais estranhos, aos olhos das crianças eles são
tidos como incomuns. Destaca-se o baiacu gigante taxidermizado (Figura 28 – canto superior direito). A diversidade de formas causou euforia na
101 MOVI, 2015.
63
maioria das crianças, pois nenhuma delas pensava que poderia existir um peixe sem rabo, como é o caso do Peixe-Lua-liso (Figura 28 - canto
inferior esquerdo). Nessa ala, encontram-se ainda três aquários com peixes de diversas espécies vivos, com uma diversidade de formas, de cores e
de padrões de manchas.
Figura 28 – Aquarela e Ala dos peixes ósseos
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.102
102 MOVI, 2015.
64
Ainda, nessa ala, no último corredor, estão expostos alguns exemplares raríssimos de peixes que vivem em zonas abissais, em total
escuridão, e que possuem estruturas bioluminescentes, que é a faculdade de produzir luz própria sem necessitar de fontes externas de energia. Esses
espécimes estão expostos conservados em meio líquido. Essa parte da exposição chamou muito a atenção das crianças, pois um espécime que está
exposto é comum para eles – o Peixe lanterna, que aparece no filme Procurando Nemo, com sua lanterna na cabeça. Com uma aparência não muito
amigável, as espécies encontradas ali aparentam estranhamento na maioria das vezes, talvez por possuírem bocas e dentes maiores do que o comum
para se adaptarem às condições em que vivem, para facilitar a captação das presas.
Ao saímos da ala dos peixes, entramos na ala dos répteis marinhos. As crianças foram provocadas a pensar que esses seres, em um longínquo
passado, já habitaram todo o nosso planeta, porém, hoje, representados majoritariamente pelas tartarugas marinhas, habitam entre água e areia,
entre terra, mar e ar! A cor da ala é cinza. As luzes ainda se acendem de acordo com nosso movimento - a impressão era de que havia alguém
aguardando a nossa entrada na ala. Ali estão expostas cinco das sete espécies de tartarugas marinhas (Figura 29). No mundo, existem sete espécies;
e das sete, cinco encontram-se no nosso litoral.
Nessa ala, um destaque - a “maior” espécie de tartaruga de couro taxidermizada, um animal inteiro conservado em perfeito estado. “OLHA
O TAMANHO DESTA TARTARUGA! PARECE QUE ESTÁ VIVA!”103. Em exposição, há, ainda, a reprodução de um ninho de tartaruga com
corte para visualização das crianças. Ah!!! Elas vibraram com esse expositor! Foi o que mais chamou a atenção. “COMO ELAS SABEM QUE É
PARA CIMA QUE ELAS CAVAM, VAI QUE É PARA O FUNDO?!?”104. As perguntas, as reflexões, todos em estado de provocação. Outro
destaque que chamou muito a atenção das crianças foi um expositor no centro da sala ao alcance dos olhos das crianças, que representava o ciclo
de formação das cinco espécies, bem como cinco filhotes, um de cada espécie: “AI QUE BONITINHO, OLHA QUE ‘PEQUENININHA’!!!”105.
Entre espantos, grandes e pequenos, o espaço, o museu, a exposição, a mediação foi provocando-nos, entre miniaturas e grandezas, entre objetos
museológicos e diálogos!
103 Sujeito da pesquisa. 104 Sujeito da pesquisa. 105 Sujeito da pesquisa.
65
Figura 29 – Aquarela e Ala das tartarugas
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.106
Aos poucos, saímos da água e ganhamos também outros espaços. Vimos animais que são vastas vezes presenciados na areia da praia ou no
ar, sim no ar também. São as aves marinhas - espécies que se destacam dentro do grande grupo de animais que fazem dos oceanos e das praias
106 MOVI, 2015.
66
também o seu habitat. Na cor marrom claro, com um cheiro diferente, cheiro de ave! Cheiro de ave? Sim, as aves são taxidermizadas e não
conservadas em meio líquido, como a maioria dos outros animais vistos até aqui. Desse modo, parte do cheiro de suas penas mantem-se, cheiro de
ave! Dentre os destaques (Figura 30), há pinguins, albatrozes, petréis, gaivotas e pelicano - tão raro poder ver uma ave dessa tão de perto, observar
tantos detalhes, seus bicos poderosos e suas garras vorazes! No horizonte, elas aparecem tão distantes que, às vezes, somem no azul imenso do céu
e do mar, tornando-se tão pequenas e tão frágeis. Lá, onde a linha tênue separa estes dois espaços - mar e ar -, mas complementares para esses
animais.
67
Figura 30 – Aquarela e Ala das aves
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.107
Ainda nessa mesma ala, alguns sons provocam-nos - “O QUE É ISSO?”108, “ACHO QUE É O SOM DAS BALEIAS!”109. Sim, são as
gigantes dos oceanos, cujos sons ecoam por vibrações! É chegada a hora dos gigantes marinhos, mamíferos que, mesmo na água, seus sons ecoam
107 MOVI, 2015. 108 Sujeito da pesquisa 109 Sujeito da pesquisa
68
quilômetros e quilômetros de distância por vibrações dentro da água. Às vezes parecem gemidos; outras, sons de risadas que chegam a ser
engraçados para nós humanos. Ah, se desse para colocar o som nestas linhas, mas provoco-os a visitar a exposição!
Nessa última ala, apresentam-se os mamíferos marinhos divididos entre os odontocetos, misticetos, pinípedes e sirênios. Em destaque, nessa
ala, estão expostos baleias e golfinhos conservados inteiros em tanques de vidro, assim como esqueletos de mais de três metros, como podemos
observar na Figura 31. Começando pelos gigantes da era do gelo, fósseis que representam a existência desses animais desde um passado longínquo
em que a nossa espécie sequer vivenciou; peças históricas que representam já a perseguição do homem a esses animais em um passado bem mais
próximo; a caça e matança das baleias para extração do óleo e a utilização do cálcio de seus ossos para dar liga na construção das cassas. Desse
modo, a exposição traz à tona nossa relação não tão romântica com esses animais.
69
Figura 31 - Aquarela e Ala dos mamíferos marinhos
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.110
Além desses “testemunhos do passado”, temos logo adiante os animais modernos, viventes nas nossas águas. O que impressiona nessa parte
da ala é um filhote de baleia Minke Anã, conservado em um tanque e os fragmentos das cerdas bucais desses “gigantes” do mar. Gigantes, pois,
na mediação, provoca-se a descobrir que o maior animal que já viveu no mundo foi uma baleia azul, que chegou a medir cerca de 33,3 m de
110 MOVI, 2015.
70
comprimento. Sim, gigante! Temos, ao final dessa parte da exposição, ao fundo, o televisor que reproduz o som com a imagem. É somente ali que
a imagem ilustrativa e estática da baleia azul aparece, além de outras espécies e nomes de algumas espécies de cetáceos. Era dali que ecoava o som
que escutávamos desde a ala anterior.
Figura 32 – Aquarela e Ala dos mamíferos marinhos
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.111
111 MOVI, 2015.
71
Convidei as crianças a apreciarem os sons reproduzidos pelo televisor - alguns pareciam mais distantes; outros, que os animais estavam ao
nosso lado. Por alguns instantes, algumas fecharam os olhos e se concentraram somente no som. Outras analisaram o som com a imagem -
“PARECE UMA BANDA, SE JUNTAR TUDO DÁ PRA MONTAR UMA BANDA!”112. Seria música então para nossos ouvidos?! Parecem
tentar conversar uns com os outros. Estudiosos dizem que isso configura uma linguagem, e as crianças descobriram isso na mediação, mas, no
fundo, já sabiam, pois música também é uma linguagem!
Um pouco mais adiante, em uma das últimas curvas a virar, fomos surpreendidos por um grande salão com esqueletos - “OLHA OS
DINOSSAUROS! OLHA, OLHA UM ESQUELETO DE DINOSSAURO!”, “NOSSA! HUMMMMM!!!”113. Ah, a imaginação das crianças.
Provoquei-as a pensar se existia dinossauros no oceano. Elas repensaram e sugeriram esqueletos de baleia. Outras procuraram pela legenda. O
salão dos cetáceos, todo preto, do teto ao chão, trabalho museográfico que busca realçar as peças expostas, pois colocam em evidência os esqueletos
claros. Eles parecem esqueletos flutuantes, alguns com mais de 3 metros, não tão grandes se pensarmos no maior animal que já viveu no planeta,
“a baleia azul”, praticamente, em 10 vezes, o maior esqueleto ali exposto. Se pensado por essa óptica, então, “não tão grande” assim!
112 Sujeito da pesquisa. 113 Sujeito da pesquisa.
72
Figura 33 – Aquarela e Ala dos mamíferos marinhos
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.114
Além das baleias e dos golfinhos, estão expostos os grupos dos sirênios e pinípedes, ali representados pelo lobo-marinho, pelo peixe-boi-
marinho e o pelo leão-marinho. Como eles estão representados somente por seus esqueletos, parece um pouco distante a imaginação destas espécies
vivas. No entanto, por que não provocar os visitantes a imaginar um pouco mais sobre esses animais?
114 MOVI, 2015.
73
Figura 34 – Aquarela e Ala Mamíferos marinhos
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.115
115 MOVI, 2015.
74
Finalmente, um último vídeo da Conservação Internacional reproduzido em um televisor em que a água nos fala. A exposição começou a
falar da água e termina com a água falando para nós! (Figura 35 – canto direito da imagem central). Há, ainda, que chamou atenção das crianças,
um traje completo de mergulho com um escafandro (Figura 35 – canto superior direito) além de um último aquário no qual há peixes palhaços –
nomeado pelas crianças por Nemo – filme referência para as crianças (Figura 35 – canto inferior esquerdo). Na saída, um espaço comercial de loja
para venda e saída da exposição.
Figura 35 – Aquarela e Saída da exposição e loja
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos do acervo do MOVI.116
116 MOVI, 2015.
75
A água nos fala, sobre seus percursos, seus caminhos, “e que belo objeto dinâmico é um caminho!”117, e, principalmente, sobre o seu ciclo.
Na poesia, “[...] o poeta mais profundo encontra a água viva, a água que renasce de si, a água que não muda, a água que marca com seu signo
indelével as suas imagens, a água que é um órgão do mundo, um alimento dos fenômenos corredios, o elemento vegetante, o elemento lustrante, o
corpo das lágrimas”118. É devido a existência da água que podemos ter no nosso planeta variadas formas de vida. A água habita o planeta, que
habita várias formas de vida, assim como a casa, assim como o museu.
O museu, muito embora nos mostra animais mortos, em sua maioria, ou esqueletos expostos, provoca-nos a pensar sobre a formação da
vida desde seus primórdios. Muito embora não objetivássemos sua descrição, ela se tornou primordial, pois, certamente, ninguém sairá [in]diferente
desse espaço. É um espaço poético que, com Bachelard, o assemelhamos à casa! Para o autor: “A casa se revela tão bela, tão intensamente bela
que haveria sacrilégio em sonhar habitá-la”119. Assim, mesmo [eu] avessa à descrição, o museu tornou-se tão belo que nos leva a provocar a visitá-
lo! Mesmo que seja um museu científico, ele é provocador acerca do que se pensa e do que se conhece do mar, “[...] é verdadeiro na vida. Mais
verdadeiro ainda no devaneio. As verdadeiras casas da lembrança, as casas aonde os nossos sonhos nos levam, as casas ricas de um onirismo fiel,
são avessas a qualquer descrição”120.
O espaço do museu e suas potencialidades vão além da dimensão educativa. Ele pode abarcar, também, a dimensão estética, visto que é um
espaço que busca provocar percepções por meio dos sentidos. “[...] comparecem aos universos dos museus também os sons, os cheiros, o
silenciamento, a destruição, o esboço, o rascunho [...]”121. Há, ainda, as presenças e as ausências, os entre lugares de intercessão e que constroem
os intercessores. O museu, nesse contexto, configura-se um espaço educativo e estético, que possibilita provocar, pelos sentidos, percepções
diversas, pois “[...] comparece o vazio... o ambiente desabitado, o chão descoberto... e ainda as dimensões rituais, os segredos e os subterfúgios da
117 BACHELARD, 1978, p. 204.118 Id., 1997, p. 12.119 Id., 1978, p. 268. 120 Ibid., p. 205. 121 PEREIRA et al., 2007, p. 45.
76
memória”122. Assim, essas dimensões fortalecidas pela ação da mediação cultural poderão levar os sujeitos à imaginação, ao sonho, a novos olhares
e a novos territórios!
2.1 O DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA, PROFISSIONAIS E AÇÕES
O Museu Oceanográfico UNIVALI possui um Departamento de Educação no qual se desenvolve o Programa Educativo que é comunitário
e busca “[...] garantir a difusão do conhecimento sobre a história das áreas associadas, a preservação da vida e o saber local, aproximando o museu
de seus diversos públicos e interagindo com o processo de construção da cidadania e identidade”123. O programa desenvolve atividades educativas
para os diferentes públicos com ações acerca do patrimônio científico, histórico, cultural e natural e também atividades específicas para grupos
escolares, licenciaturas e educadores. Atendeu no ano de 2016 14.494 visitantes com objetivos educacionais em grupos escolares, todos com
acompanhamento de mediadores do museu.
O Departamento de Educação foi instituído antes da inauguração da exposição ao público, em 2015, com duas profissionais da área da
educação - a Professora Doutora Carla Carvalho – Doutora em Educação –, que atuava, também, no PPGE em Educação da UNIVAI, e eu,
profissional com formação docente. Um ano depois, com o afastamento da professora responsável pelo Departamento, outra profissional assumiu
o departamento de Educação - a Professora Doutora Adair de Aguiar Neitzel - Doutora em Literatura e Professora do PPGE em Educação da
UNIVAI. Ela atuou no departamento até final do ano de 2016.
Atualmente, no corpo de colaboradores no Departamento de Educação com formação docente, somente eu atuo com carga-horária semanal
de 40 horas. Atuam outros quatro colaboradores contratados, cada um desempenhando 40 horas semanais, incluindo os finais de semana no
atendimento ao público, com formação acadêmica em andamento cursando os seguintes cursos: História, Oceanografia, Ciências Biológicas e
Direito. Os demais mediadores são seis acadêmicos bolsistas dos cursos de Ciências Biológicas, História e Oceanografia. Ao todo, o departamento
122 Ibid., p. 45. 123 UNIVALI, 2015, s/p.
77
conta com 80 horas semanais de atividades desses acadêmicos bolsistas como mediadores no museu. Além dos acadêmicos, há, ainda, voluntários
da comunidade que estão cursando o Ensino Médio. Cada um deles atua de 10 a 20 horas semanais. Todos os sujeitos atendem ao público e passam
pela mesma formação, independentemente de serem colaboradores, acadêmicos bolsistas ou voluntários. Todos são chamados de mediadores tendo
conhecimento sobre o que significa o termo “mediador” e o conceito de mediação cultural124, que é a abordagem adotada por sua política
educacional. Eles têm claro, ainda, por que são mediadores e não guias, ou monitores, ou tira-dúvidas. A seguir um resumo da relação dos
envolvidos, quantidade e carga-horária semanal em que atuam:
Colaborador com formação docente – Total: 1
Carga-horária: 40 horas semanais de atividade.
Colaboradores em formação acadêmica - Total: 4
Carga-horária: 40 horas semanais de atividade cada.
Acadêmicos bolsistas – Total: 6
Total: 80 horas semanais de atividades divididas entre os seis bolsistas.
Voluntários da comunidade – Total: 2
Carga-horária: 10 a 20 horas semanais de atividades.
Total - mediadores envolvidos diretamente no atendimento ao público: 13.
Áreas de formação acadêmica dos mediadores: Ciências Biológicas, Oceanografia, Licenciatura em História, Licenciatura em
Artes Visuais, Direito.
Como dito anteriormente, as ações educativas do museu são sistematizadas a partir do conceito de Mediação Cultural, pois se “[...]
compreende a relevância de ações que medeiam a relação dos sujeitos com o contexto do museu, bem como com as características da comunidade
124 MARTINS (2005)
78
do entorno”125. “Formas de mediação que propiciam aos diversos públicos a possibilidade de interpretar objetos de coleções dos museus, do
ambiente natural ou edificado, atribuindo-lhes os mais diversos sentidos, estimulando-os a exercer a cidadania e a responsabilidade social de
compartilhar, preservar e valorizar patrimônios com excelência e igualdade.”126. Desse modo, a abordagem que direciona o atendimento ao público
é a mediação cultural. Diante disso, esse espaço tendo como mantenedora uma instituição educacional universitária, busca oferecer ações educativas
visando o fomento “[...] acerca da educação integral, humana e científica dos sujeitos como públicos educativos”127.
Em se tratando de museu universitário e suas diversas dimensões potenciais, segundo Meneses (2002, p. 33), ele “[...] teria que integrar
solidariamente as funções científico-documentais, educacionais e culturais da universidade com a marca da ação museal [...], deveria ser totalmente
universitário, sendo totalmente museu”. O autor compreende o museu como “[...] um espaço de ficção em que o conhecimento científico pode ser
acoplado ao poético, fecundando-se mutuamente”128. Diante disso, esta pesquisa, que ocorreu no Museu Oceanográfico UNIVALI, partiu do
pressuposto de um espaço potencialmente dinâmico em dimensões científicas e estéticas vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Educação
da própria instituição universitária.
A Figura 36 a seguir traz as ações do Departamento de Educação, as quais se desdobram em quatro eixos propostos pela Política Educativa.
125 UNIVALI, 2015, s/p 126 GRINSPUM, 2000, p. 26 127 UNIVALI, 2015, s/p. 128 MENESES, 2002, p. 31.
79
Figura 36 - Ações Educativas do MOVI
Fonte: UNIVALI129.
Desse modo, para contemplar os quatro eixos, são realizadas, no museu, ações como:
desenvolvimento de produtos tecnológicos vinculados a trabalhos de conclusão de curso da Graduação;
acompanhamento de estágios obrigatórios e não obrigatórios;
organização de eventos que estreitam a relação museu e escola - socialização de projetos;
formação de professores em parceria com as redes de educação das cidades próximas;
pesquisas científicas vinculadas à Pós-Graduação stricto sensu;
pesquisas de iniciação científica vinculadas ao Ensino Médio;
programas de formação de mediadores educativos do seu próprio espaço e de museus parceiros;
vínculos de extensão universitária de acadêmicos do ensino superior atuando pelo museu na comunidade.
129 UNIVALI, 2015, s/p.
Estimular e receber grupos de pessoas de diversasfaixas etárias para conhecer o museu.
Realizar atividades de educação que envolvam os objetos propositores do museu.
Desenvolver Formação de professores acerca da educação científica, patrimonial ambiental e museal. Realizar processo de Formação Museal.
AÇÕES EDUCATIVAS
80
A ação de formação de professores que ocorreu no decorrer do ano de 2016, seu primeiro ano de funcionamento, atendeu mais de
quatrocentos profissionais da Educação Básica. Discutiu-se acerca do museu como espaço de ensino não-formal, tecendo assim as relações de
conhecimentos interdisciplinares nesse espaço. Os profissionais atendidos foram professores, gestores e especialistas da rede pública e privada de
quatro municípios do entorno. A ação foi gratuita e contou com 4 horas de duração cada edição.
As ações de formação dos mediadores que atendem ao público no museu são realizadas por um Plano de Formação Museal desenvolvido
a partir de quatro eixos, conforme mostra a Figura 37.
81
Figura 37 - Eixos da formação dos mediadores
Fonte: Elaborada pela autora com base no Plano de Formação do Departamento de Educação MOVI – UNIVALI.130
Saberes específicos – englobam as áreas de conhecimento como Ciências Biológicas, Oceanografia e História e demais áreas que
possam provocar diálogos.
130 UNIVALI, 2016, s./p.
FORMAÇÃO FORMAÇÃOMUSEAL
Saberes específicos
ÃO Saberes museais
Saberes Educacionais:
Mediação Cultural
FOSaberes históricos e curatoriais
82
Saberes Curatoriais e históricos do Museu – englobam a história do museu, seu histórico, seu surgimento, suas áreas que abrangem,
instituição, a curadoria – como se pensou a exposição, quais as missões e os valores da instituição, correntes científicas e
epistemológicas que seguem a equipe gestora e demais departamentos do museu.
Saberes Museológicos – englobam conceitos voltados ao campo museal, conceito de objeto museal, coleção, acervo, conservação,
restauro, patrimônio, museografia, curadoria, comunicação – linguagem museal, etc.
Saberes Educacionais – englobam conceitos voltados à educação, ou seja, a mediação humana que medeia as relações entre o objeto,
o espaço, o tempo e o conhecimento, ou seja, aquela voltada à relação de um sujeito mediador, a exposição e o público. Esses saberes
envolvem, ainda, a abordagem, como fazer e como não fazer, noções de ética, de que modo se posicionar diante do público, como
provocar diálogos. Além da educação está vinculada também à comunicação em museus todos os elementos que comunicam na
exposição, como legendas, banners, painéis, áudios, vídeos, etc. Muitas outras discussões podem ser desenvolvidas nessa formação:
procedimentos metodológicos de recepção e organizacionais, estudo de públicos diversos, etc.
Os mediadores só podem atender ao público depois de passarem pelos quatro eixos de formação, o que ocorre com, aproximadamente, 32
horas de formação inicial. Há, também, aproximadamente 60 horas de observação às ações de mediação com um mediador experiente. Cada
mediador recebe até vinte pessoas por grupo para acompanhar, e todas as atividades são avaliadas ao final, por meio da ficha de inscrição, ao
término do atendimento. Essa avaliação é tida como indicadores de pontos positivos e negativos a serem revistos e colocados em pauta nas próximas
formações, assim como avaliações e auto avaliação dos próprios mediadores, apontando necessidades de formação em alguma área específica.
A ação de atendimento ao público ocorre de terça-feira a sábado nos períodos matutino e vespertino. Os públicos são basicamente separados
por público espontâneo e público escolar/educativo. As temporadas foram claramente definidas no primeiro ano de funcionamento do museu. De
março à primeira quinzena de dezembro, o público escolar com objetivos educacionais bem definidos; e da segunda quinzena de dezembro até
fevereiro, o atendimento ao público espontâneo, pois o museu é localizado em uma região que recebe muitos turistas na temporada de verão, assim
recebemos públicos de vários estados e países. Desse modo, a diferença na abordagem é refletida também de acordo com o objetivo de cada público.
83
Os objetivos educacionais são direcionados pela ficha de inscrição; assim, em se tratando do público espontâneo, a mediação é mais ditada pelo
interesse do público o qual o mediador acompanha no momento.
O público educacional é o maior desafio para o departamento, que atendeu, no decorrer de 2016, grupos originários de seis estados e 47
cidades diferentes, chegando a atender, de março à primeira semana de dezembro, 14.594 docentes e discentes em ações educativas. Dos 14.594,
1.217 eram professores, especialistas e agentes de educação e turismo que acompanharam as visitas com suas turmas. Os atendimentos no ano de
2016 chegaram a 390 grupos. Em percentual, o público educacional atendido nas ações de visita mediada foi de 36% do Ensino Fundamental –
anos finais; 34% do Ensino Fundamental – anos iniciais; 13% do Ensino Médio, 7% da Educação Infantil, 4% de instituições e organizações
informais, 1% Educação de Jovens e Adultos, 1% de Pós-Graduação e menos de 1% do curso técnico/profissionalizante. O público espontâneo
(variado) no ano de 2016, primeiro ano de funcionamento de abertura da exposição, chegou a mais de 40.000 visitantes. Somando as duas categorias
de público, chega-se a quase 55.000 visitantes no total.
O desenvolvimento de produtos em parceria com projetos e estágios obrigatórios e não obrigatórios de diferentes cursos envolveu
acadêmicos dos cursos de Design de Jogos, Design, Design Gráfico, Ciências da Computação, Tecnologias da Informação, Ciências Biológicas,
Oceanografia, História, Pedagogia dentre outros indiretamente. Os produtos desenvolvidos foram: jogos da memória, quebra-cabeças, tabuleiro,
dominó, quebra-cabeças virtual, jogo da memória virtual, tecnologia de realidade aumentada, realidade virtual, realidade misturada.
As pesquisas e os trabalhos de conclusão de cursos desenvolvidos envolveram acadêmicos dos cursos de Licenciatura em Matemática,
Pedagogia, Tecnologia da Informação e Design Gráfico.
Sobre os eventos do museu, o Departamento de Educação atua diretamente com proposição de atividades e ações com o público, dentre
elas vale destacar:
Semana Nacional de Museus, cuja temática nacional foi “Museus e Paisagens Culturais”- maio de 2016. A temática direcionada
pelo ICOM de maio de 2017 é “Museus e histórias controversas: dizer o indizível em museus”, que ocorrerá de 15 a 21 de maio.
“Uma tarde no Museu” - férias de julho – envolveu a comunidade com ação de educação ambiental e participação na comunidade
com a pintura do muro de uma praça no entorno do museu.
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“I Seminário Integrado de Ações Museais” – agosto - socialização de projetos de pesquisa e produtos desenvolvidos em parceria do
museu com cursos de Graduação com apresentação de 10 comunicações orais.
“I Encontro entre Museu e Escolas” – novembro - momento de socialização das escolas no museu acerca de projetos desenvolvidos
a partir da visita de suas turmas no museu com apresentação de 5 comunicações orais e 9 banners expostos.
2.2 OS SUJEITOS DA PESQUISA
O público escolhido como sujeitos de pesquisa participou do momento que chamamos de Expedição. Foram realizadas três coletas, sendo
as duas primeiras como pré-testes, que contou com a participação de crianças de 6 a 8 anos de idade de uma escola pública de Itajaí - Santa Catarina.
A terceira coleta foi com crianças/sujeitos de 8 e 9 anos de uma escola particular do município de Balneário Piçarras - Santa Catarina. Essa última
foi a expedição que validamos para esta pesquisa e que aprofundamos um pouco mais acerca das percepções das crianças. A escolha dessa última
deu-se devido a fazermos nova coleta para evidenciar, além dos desenhos, as narrativas orais e as falas instantâneas durante a visita mediada.
Outra justificativa é que as crianças que moravam no município sede do museu tiveram mais tempo de permanência no museu. Já os que
moravam em cidades próximas, além do tempo que gastaram no percurso de ida ao museu, tiveram de retornar logo para suas cidades, isso implicou
diretamente em pouco tempo de permanência no espaço do museu e, também, em pouco tempo disponível para outras atividades além da visita
mediada. Assim sendo, a seguir, abordamos o museu como espaço de [re]presentação. Trazemos algumas dimensões que potencializam o museu,
algumas das principais políticas públicas direcionadas aos museus e a mediação cultural como abordagem dessa potencialização.
85
3 MU[SEU]131 ESPAÇO DE POESIA E DE MEDIAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL
Neste capítulo, abordamos o museu como espaço de [re]presentação no sentido de apresentar “[...] o mundo, os homens, as coisas, as
relações.”132 Nessa perspectiva, buscamos algumas dimensões que potencializam o museu como espaço educativo, de educação sensível e poético,
as quais são apontadas por algumas das principais políticas públicas nacionais e internacionais direcionadas aos museus. Dialogamos com autores
que abordam o museu como espaço educativo e estético. Tratamos, ainda, da mediação cultural como abordagem que busca potencializar essas
dimensões de modo a provocar o olhar e o diálogo, visando a formação dos saberes e a educação estética no museu.
O potencial educativo dos museus é abordado por autores como Pereira et al.133, Ramos134, Chagas135 e Meneses136, os quais contribuem no
campo da museologia e nas dimensões museais que potencializam esse espaço. No que diz respeito à mediação cultural, dialogamos com Caune137
e autores como Martins138, Martins e Picosque139, Martins, Picosque e Guerra140.
Outras significativas contribuições acerca da poética no espaço foram construídas em diálogo com Bachelard141, que possibilitou uma
reflexão poética acerca do museu como casa. Com Meneses142, descobrimos que “há poesia no museu”. Desse modo, abordamos, neste capítulo, o
museu como espaço poético, em que há poesia; espaço dinâmico que possui dimensões outras para além de educativas e culturais. Compreendemos,
131 Termo cunhado por Clara Schley, em sua dissertação de mestrado de 2015 - Meu, teu, nossos olhares docentes sobre o museu de arte: o salão de arte como espaço de mediação e saberes. Disponível em: <http://siaibib01.univali.br/pdf/Clara%20Aniele%20Schley.pdf>. Acesso em: 21 set. 2016. 132 MENESES, 2002, p. 23. 133 PEREIRA et al., 2007. 134 RAMOS, 2004. 135 CHAGAS, 2015. 136 MENESES, 2002, 2009. 137 CAUNE, 2008, 2014. 138 MARTINS, 2005, 2012, 2014a. 139 MARTINS; PICOSQUE, 2012. 140 MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2010. 141 BACHELARD, 1978, 1997. 142 MENESES, 2002, 2009.
86
ainda, o museu como espaço de conhecer, de percepção sensível, de educação do olhar, e que a mediação cultural como abordagem pode, ou não,
potencializar ainda mais as ações que ocorrem na relação sujeito, objeto e espaço museal.
A Figura 38 a seguir traz à baila algumas pistas no contexto deste estudo que abordaremos no decorrer deste capítulo.
Figura 38 – Aquarela: Expedição e pistas
Fonte: Elaborada pela autora.
87
3.1 O MUSEU E SUAS DIMENSÕES POTENCIAIS
Desde 1937, a educação em museus vem sendo discutida no Brasil. Mário de Andrade, em carta enviada ao amigo Paulo Duarte, já apontava
certa preocupação acerca de seu pensamento museológico.
[...] não se esqueça, Paulo Duarte, de legislar que nestes museus municipais, como em quaisquer outros, haverá visitas obrigatórias em dia de trabalho, de operários, estudantes, crianças, etc. Visitas vivas sem conferências de hora, mas acompanhada de explicador inteligente. Sem isso não haverá museus, mas cemitério. Sem isso, sem o auxílio do povo, esclarecido, jamais conseguiremos nada de permanentemente eficaz contra o vandalismo e o extermínio.143
Provocou-nos, nesse excerto, o trato que o autor dá ao conceito de “explicador inteligente”. Claro que, naquele contexto, os conceitos de
museu, de objeto e tantos outros acerca das dimensões do campo museal também eram outros. Poeticamente, por meio de Fernando Pessoa, sentimo-
nos provocadas à reflexão: “[...] um homem pode, se tiver a verdadeira sabedoria, gozar o espetáculo inteiro do mundo numa cadeira, sem saber
ler, sem falar com alguém, só com o uso dos sentidos e a alma não saber ser triste”144. Assim, ao construir intertextualidades entre Mário de Andrade
e Fernando Pessoa, descortinamos que, Mário, quando escreveu sobre o vandalismo e o extermínio, relacionando-os à barbárie humana, quis
provocar o leitor a refletir sobre a falta de sensibilidade, tratada aqui, neste estudo, como educação estética e sensível para com as obras expostas,
pois, se o público não consegue sentir com os sentidos, tão pouco compreenderá com a intelligentsia!
No entanto, provoca-nos, ainda, se realmente precisaríamos dos “explicadores inteligentes”. Depende! Contribuiria sim, desde que tenham
como estratégia a troca, em uma dimensão dialógica, que nos convida a ver e a rever, a sentir, não em uma dimensão informativa de explicação,
mas sim provocativa, de experiências, que levam a reflexões e a percepções sensíveis ressignificadas no museu, pois “[...] a ânsia de compreender,
que para tantas almas nobres substitui a de agir, pertence à esfera da sensibilidade.”145
143 CHAGAS, 2015, p. 19 144 PESSOA, 2011, p. 172. 145 Ibid., p. 125.
88
Atualmente, no que tange à educação nos espaços museais, vislumbram-se ações com fins educacionais que possibilitam melhor interação
e diálogo entre sujeito-espaço-objeto. Essas ações educativas “[...] se apresentam como um meio bastante eficaz para potencializar essas interações
e auxiliar na obtenção de resultados satisfatórios”146. Historicamente, o papel do museu como espaço potencialmente educativo percorre as
sistematizações e as discussões de políticas públicas comprometidas em assegurar um novo campo museal, chamado de Nova Museologia147. É
nessa perspectiva de mudança que “[...] o que se percebe, a partir de então, é que cada vez mais, nos museus dos últimos dois séculos, a coleção,
como principal objeto, dá lugar às experiências humanas no espaço musealizado e, logo, passa-se a valorizar mais as interações humanas com os
objetos e os meios, do que os objetos em si”148. Em se tratando de políticas públicas, trazemos a seguir algumas que apontam conceitos referenciais
para o campo da museologia e colocam a educação como finalidade, princípio e funções do museu como espaço educativo, assegurando a função
social e educativa do museu e “[...] acho que a poesia está contida nisso tudo!”149.
A Declaração de Salvador, de 2007150, celebra 2008 como o Ano Ibero-americano de Museus, cujo tema escolhido para reflexão e ação foi
“Museus como agentes de mudança e desenvolvimento”. A Declaração compreende os museus como instituições “[...] dinâmicas, vivas e de
encontro intercultural, como lugares que trabalham com o poder da memória, como instâncias relevantes para o desenvolvimento das funções
educativa e formativa, como ferramentas adequadas para estimular o respeito à diversidade cultural e natural e valorizar os laços de coesão social
das comunidades ibero-americanas e sua relação com o meio ambiente”.151 Esse documento reconhece o papel dos museus “[...] como instâncias
políticas, sociais e culturais, de mediação, transformação e desenvolvimento social, tendo por base o campo do patrimônio cultural e natural”152.
146 FIGURELLI, 2011, p. 119. 147 Nova museologia – “[...] expressão da mudança prática no papel social do museu, sendo também uma estruturação de valores” (SOARES, 2012, p. 61).148 SOARES, 2012, p. 61 149 ANDRADE, 1986, p. 57. 150 Durante os dias 26, 27 e 28 de junho de 2007, realizou-se o I Encontro Ibero-americano de Museus, na Cidade do Salvador, Bahia, Brasil, com a participação de representantes do campo da museologia e dos museus dos países Ibero-americanos – Declaração de Salvador 2007. 151 IBERMUSEUS, 2007, p. 11-12. 152 Ibid., p. 12.
89
Para este estudo, vale considerar o conceito de museu, para os efeitos da Lei Nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que instituiu o Estatuto
de Museus no Brasil que aponta algumas diretrizes e nortes para a área de museus. Em seu artigo 1º, considera-se o museu como: “[...] instituições
sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação,
contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao
público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”153. Nesse conceito, novamente a educação ganha destaque como uma das finalidades
do museu e que, outras tantas políticas públicas nacionais e internacionais evidenciam o museu nesse aspecto. Vale ressaltar ainda a relação de
abertura ao público e a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, em uma busca permanente de estruturar o papel dos museus.
Saindo do âmbito nacional para o mundial, apontamos o Código de Ética de Museus do Conselho Internacional de Museus (ICOM)154, que
destaca o potencial educativo dos museus, os quais “[...] acrescentam valores especiais à escola formal e [ao] sistema de ensino universitário, como
parte do sector educativo informal. Aumentam a educação formal e oferecem diferentes modos de aprendizagem, entretenimento e discussão”155.
No documento, encontramos, ainda, a definição de “educação museal” como - “[...] um conjunto de valores, de conceitos, de saberes e de práticas
que tem como fim o desenvolvimento do visitante”156. A ação educacional no museu, segundo esse documento, deve criar condições para o “[...]
conhecimento, a compreensão e a promoção do patrimônio natural e cultural”, indicando-nos, em seu item 3.9, que os profissionais de museu têm
“[...] obrigação de compartilhar os seus conhecimentos e experiências com colegas, pesquisadores e estudantes de áreas afins”157.
No seu item 4, o ICOM coloca como um dos princípios o “[...] dever dos museus em desenvolver o seu papel educativo”158, a fim de atrair
e ampliar os públicos egressos da comunidade, localidade ou grupo a que servem, contemplando como parte integrante do papel educativo dos
153 BRASIL, 2009, p. 1. 154 Sigla do inglês International Council of Museums. Criado em 1946, o ICOM é a única organização internacional que representa os museus e seus profissionais em escala mundial. O ICOM é uma organização internacional não-governamental que mantém relações formais com a UNESCO. No seio das Nações Unidas, o ICOM tem um estatuto consultivo no Conselho Econômico e Social.155 KNUBEL, 2004, p. 129.156 Ibid., p. 129.157 ICOM, 2009, p. 21.158 Ibid., p. 21.
90
museus “[...] interagir com a comunidade e promover o seu patrimônio”159. Nesse sentido, o documento reconhece o espaço do museu como espaço
de conhecimento. Há uma preocupação constante no decorrer do documento em assegurar o dever educativo dos museus, mas que nem sempre é
garantido nas práticas museológicas e educacionais nas instituições museais. A partir da compreensão do museu como um espaço de finalidade
educativa, buscamos esclarecer a diferença da educação que ocorre na escola (formal) e a educação indicada para os museus, entendida, neste
estudo, como não formal.
A educação formal160 é aquela que ocorre no sistema regular de ensino, com currículos pré-determinados, hierarquizados, com regras de
certificações e que segue diretrizes nacionais. Já a educação não formal é aquela que ocorre fora desse sistema formalizado, não hierárquico, e,
normalmente, é composta por um currículo oculto não formalizado, encontrada em instituições e espaços não formais de ensino, como no caso de
museus, em suas diversas categorias: galerias de arte; eventos; espaços alternativos, como bares, lojas, cinemas; e mesmo espaços públicos
instituídos como destinados para exposições, como as praças e os parques, ou, então, a própria rua - espaços em que exista uma intenção voltada à
ação educativa.
Independentemente de ser um espaço formal ou não formal de ensino, Faria define o conceito de espaço educativo como:
[...] todo espaço que possibilite e estimule, positivamente, o desenvolvimento e as experiências do viver, do conviver, do pensar e do agir consequente [...]. Qualquer espaço pode se tornar um espaço educativo, desde que um grupo de pessoas dele se aproprie, dando-lhe este caráter positivo, tirando-lhe o caráter negativo da passividade e transformando-o num instrumento ativo e dinâmico da ação de seus participantes, mesmo que seja para usá-lo como exemplo crítico de uma realidade que deveria ser outra. [...] o espaço não é educativo por natureza, mas ele pode tornar-se educativo a partir da apropriação que as pessoas fazem dele, ou seja, o espaço é potencialmente educativo.161
É nesse potencial educativo que buscamos compreendê-lo pela sua poeticidade, dialogando com Bachelard162 acerca da poética do espaço,
neste estudo mais especificamente refletido quanto ao espaço do museu. Segundo o autor, “[...] o espaço é tudo. [...] É pelo espaço, é no espaço
159 KNUBEL, 2004, p. 19.160 GOHN, 2011, 2015.161 FARIA, 2010, p. 25.162 BACHELARD, 1978.
91
que encontramos os belos fósseis de uma duração concretizados em longos estágios”163. O museu, desse modo, provoca-nos a pensar nos tempos
e nos espaços não concretos, “[...] o espaço, o grande espaço, é o amigo do ser. Ah! Como os filósofos aprenderiam se acedessem a ler os poetas!”164.
Para o autor, pela poesia e/ou poética do espaço, podemos construir espaços imaginados e ou relações únicas do espaço como espaço estético na
sensibilização, no aconchego e na intimidade. Se o espaço é educativo, se somos educadores, nem por isso devemos pensar esse espaço só pela
óptica educacional (racional), mas sim um espaço com potencialidades estéticas e/ou poéticas, pois, “[...] antes de explicar, temos que aprender a
sentir”165.
É muito importante que nesses espaços “[...] possamos escutar não somente as falas, mas também os silêncios que acompanham ou
interrompem aquelas falas”166, atentos aos suspiros e às pausas. Precisamos estar sensíveis a tudo e a todos, assim como ao momento de dar vez e
voz aos sujeitos no processo de mediação cultural em uma abordagem dialógica. Nesse movimento, os silêncios são tão importantes quanto as
vozes no processo de ensino e aprendizagem no museu; é um momento de percepção estética que pode levar, ou não, à educação do sensível no
espaço do museu. Gohn167 aborda a educação não formal e adota uma perspectiva de aprendizagem fundada no “[...] processo de formação humana,
criativo e de aquisição de saberes e certas habilidades”.
Ao olharmos o museu como espaço de educação não formal, buscamos assegurar que seja um espaço educador que “[...] aglutina ideias e
saberes, produz conhecimento pela reflexão”168. Assim, pensar o museu como espaço de produção de conhecimento é também vê-lo
potencialmente, como espaço educativo e também aglutinador de saberes possíveis e passíveis de serem potencializados pela mediação cultural. O
museu como espaço de educação não-formal, nessa perspectiva, está voltado ao “[...] ser humano como um todo, cidadão do mundo, homens e
mulheres, em hipótese nenhuma ela [educação não formal] substitui ou compete com a educação formal escolar”169. Ambas as formas educativas
163 BACHELARD, 1978, p. 203.164 Ibid., p. 332. 165 MEIRA, 2011, p. 111. 166 GOHN, 2011, p. 114. 167 Id., 2015, p. 17.168 Ibid., p. 15.169 Ibid., p. 19.
92
devem agir de maneira colaborativa, pois a educação não formal, quando presente na fase de escolarização básica, “[...] potencializa o processo de
aprendizagem, complementando-o com outras dimensões que não tem espaço nas estruturas curriculares”170. Espaços e tempos diferenciados no
museu com base na apreciação, nas percepções e nas experiências, nem sempre pertencem aos espaços escolares, assim como o não ordenamento
obrigatório e sequencial do currículo. É nessas diferenças que a mediação cultural - quando existente de maneira efetiva no espaço do museu de
modo a buscar a provocação de “[...] um processo de aprendizagem [...] via diálogo tematizado”171 - pode complementar e favorecer as dinâmicas
e relações desses dois espaços, não de maneira substitutiva mas complementar.
Defendendo a complementaridade das duas formas de educação, Gohn172 aponta que a educação não formal “[...] pode e deveria atuar em
conjunto com a escola”173. A autora aponta uma visão mais ampla da educação, que permita o alargamento dos domínios da educação para além
dos muros da escola. As ações educativas refletidas neste estudo nos espaços não formais, mais especificamente nos museus, deveriam despertar
no público percepções estéticas e sensíveis, transformando-os em espaços de encontro e diálogo, de trocas, de provocações, buscando dos sujeitos
diferentes posicionamentos, noções e visões de mundo, para que tenham vez e voz de maneira ativa a ressignificar, e não de sujeitos passivos no
processo.
Ao encontro dessas reflexões e nesse contexto, os “[...] museus não são apenas lugares de guarda da história dos objetos e dos objetos da
história. Hão de acolher o visitante [...] para que a preservação do patrimônio cultural valorize em cada um de nós a nossa própria história imantada
nas coisas [...]”174. Nessa perspectiva, devemos sim buscar percebê-lo como espaço educativo em potencial, pois “[...] visitar um museu ou espaço
cultural pode ter o mesmo sabor de uma viagem a um novo território”175. É nesse ponto de vista que acreditamos que o museu possa nos transportar
pela imaginação a outros territórios até então desconhecidos, ou seja, do museu para o mar, mesmo que pela imaginação. Por isso, utilizamos, no
170 GOHN, 2015, p. 20171 Ibid., p. 20-21.172 Id., 2010.173 Ibid., p. 14.174 MARTINS, 2012, p. 44.175 Ibid., p. 10.
93
decorrer deste estudo, os termos “expedição” e “viagem”, que, poeticamente, tomamos emprestado de Martins176 para discutir sobre a relação de
busca, de deslocamentos, de brechas de acesso às diferentes maneiras de perceber o espaço do museu, assim como o que nele habita, a fim de
conhecer e vivenciar pelas dimensões potenciais do museu outros territórios, e/ou novos territórios.
Ao chamar de “novo”, provoca-nos a pensar por várias brechas. O novo pode ser novo a cada olhar, a cada visita, a cada objetivo, assim
como, de um mesmo acervo ou coleção, pode-se pensar várias/novas exposições. Para Fernando Pessoa, “[...] a análise constante das nossas
sensações cria um modo novo de sentir, que parece artificial a quem analise só com a inteligência, que não com a própria sensação”177. A esse
outro/novo modo de pensarmos uma proposição e ou provocação, surgem novas/outras percepções acerca de imaginar o mar pelo museu, novos
olhares. É necessário, assim, “[...] rever o velho para torná-lo novo ou tornar novo o velho. O velho sempre pode tornar-se novo, e em todo novo
sempre existe algo de velho. Novo e velho - faces da mesma moeda – dependem da ótica de quem lê, da atitude disciplinar ou interdisciplinar de
quem examina”178. Mesmo um objeto extremamente “antigo” pode ser reconfigurado na relação com o homem no tempo presente, assim como,
pelo tempo presente, ressignificar o passado. Assim, essas relações dimensionais e potenciais dos museus transcendem a noção estática do espaço
e do tempo na relação com o homem.
Identificar no museu as relações de temporalidades, as noções de velho e novo com base nas reflexões contextuais é valorizar uma das suas
dimensões que o caracterizam como espaço educativo com base nos conceitos de educação não formal. Auxilia-nos a compreendê-lo como espaço
potencialmente educativo e sensível, de elaboração de percepções, pois “[...] o objetivo não é mais a celebração do personagem ou a classificação
enciclopédica da natureza, e sim a reflexão crítica”179. Nesse ponto de vista, é que os sujeitos devem ser provocados a se tornarem ativos no
processo educativo, e que podem tornar-se ainda mais provocados se sensibilizados pela mediação cultural no museu. Cabe aí a provocação do
espaço, do objeto, da museografia, da intenção da curadoria, das diversas linguagens e da comunicação que transforma em uma linguagem museal
176 MARTINS, 2012. 177 PESSOA, 2011, p. 136. 178 FAZENDA, 2002, p. 83. 179 RAMOS, 2004, p. 20.
94
e da mediação com a finalidade de valorizar as dimensões que abarcam esse campo, para que seja assim percebida a dinamicidade e a potencialidade
do museu.
O reconhecimento do museu como espaço flexível e dinâmico também pode ser compreendido como um espaço de produção de sentidos,
de modo que Mário Chagas, um museólogo contemporâneo reconhecido no Brasil, aponta-nos um desafio que perpassa as ações museais como
espaço dinâmico, como a “[...] aceitação do diverso, dos múltiplos versos e dos múltiplos universos; pela compreensão da diversidade na unidade
e da unidade na diversidade; passa também por uma dimensão ética [...] em que o eu e o outro crescemos no encontro, nas relações”180. São
mediações como trocas e como abordagem provocativa de novos olhares, novas percepções e sensações no espaço museal, nutrindo a ideia de um
museu potencialmente estético e poético!
Por muito tempo, os processos educativos, principalmente nos museus, fizeram-nos desacreditar do que desconfiamos como óbvio, exemplo
disso é a racionalidade predominante em alguns espaços formais e não formais de ensino. Como diz Chico Buarque181: “Não que seja fácil escrever
livros e canções, mas sempre é preciso desconfiar das coisas fáceis!”. Assim, acreditamos que desconfiar já é um bom começo para a provocação,
e que pela provocação o significado possa vir a ser construído por meio de um processo ativo de negociação de saberes e experiências, sujeitos,
tempos e espaços, no qual todas as partes trabalham conjuntamente na produção de interpretações, de percepções, compartilhando-as nos encontros
direcionados pela reflexão.
A educação museal passa pela “[...] necessidade permanente de instrumentalizar o público para a decifração dos códigos propostos”182, para
que a presença do monitor/mediador não seja necessidade eterna como tradutor, transmissor de informação no espaço museal. Ramos ressalta ainda
que, por outro ponto de vista, o monitor/mediador é indispensável. No ponto de vista deste estudo, a educação museal torna-se indispensável na
perspectiva de abordagem de mediação proposta neste estudo como mediação que provoca, que faz “outras maiores perguntas”, que instiga, que
180 CHAGAS, 2015, p. 37. 181 Frase dita por Chico Buarque em uma entrevista à revista Rolling Stone (outubro de 2011). Fonte: Texto crítico do escritor Nelson Patriota no Jornal Tribuna do Norte. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/rolling-stone-se-perde-na-constelacao-chico-buarque/202631>. Acesso em: 21 set. 2016. 182 RAMOS, 2004, p. 26.
95
propõe novos olhares, que desafia abrindo assim novas “brechas de acesso”183 para a fruição cognitiva. Tal abordagem distancia-se da perspectiva
da “informação” buscando a “provocação”184. Voltamos, assim, à necessidade do “explicador inteligente” apontada por Mário de Andrade na
década de 1930. Os objetos museais precisam mesmo desse sujeito? Permitamo-nos a “[...] ânsia da vida, de conhecer sem ser com o conhecimento,
de meditar só com os sentidos ou pensar de um modo táctil ou sensível, de dentro do objeto pensado, como se fôssemos água e ele esponja”185,
pois, se “sentir é preciso”186, navegar também é, em busca de uma bela expedição! Já consigo imaginar o horizonte, o vento no rosto, o barulho das
ondas, e, ao redor e ao fundo, o azul do mar!
Em um “estar entre muitos”, partimos do entendimento de que em um museu temos vários elementos mediadores, entendendo-os como
intercessores no processo. Um dos mais significativos elementos mediadores “não humano” é o objeto museológico, este que “[...] é tratado com
indício de traços culturais que serão interpretados no contexto da exposição do museu”187, possuidor de uma carga de ressignificação nesse espaço,
desvinculada de sua função inicial, usual, carregado de historicidade e intenção. Desse modo, é necessário, ao ler o objeto museal, com mediação
humana ou não, inserir um novo olhar no processo, pois, “[...] se aprendemos a ler palavras, é preciso exercitar o ato de ler objetos, de observar a
história que há na materialidade das coisas”188. Além dos objetos, temos tantos outros intercessores na ação educativa em museus, assim como
textos, legendas, cartazes, sons, cheiros, recursos tecnológicos e midiáticos - todos carregam em si uma carga de significação, de intenção e de
ideologia passível de ser reconfigurada e ressignificada no espaço do museu.
A mediação cultural abordada neste capítulo parte do princípio que ninguém é neutro de modo que é preciso saber “[...] estar entre muitos”.
Esses intercessores e a ação educativa devem apresentar-se não como fim, mas sim como “[...] meio bastante eficaz para potencializar essas
183 MARTINS, 2012. 184 RAMOS, 2004, p. 27. 185 PESSOA, 2011, p. 91. 186 Ibid., p. 125. 187 RAMOS, 2004, p. 22. 188 Ibid., p. 21.
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interações”189, de modo que é relevante que “[...] cada museu procure maximizar a função educativa de seus acervos e atividades, visto o potencial
educativo presente nas diversas áreas de atuação”190, ou nas várias tipologias de museus.
A educação em Museus de Ciências, considerando a forma de apresentação dos objetos, assim como os objetos em si, pode “[...]representar
estratégias didáticas riquíssimas para a educação em ciência em museus [...]”191. Essas estratégias perpassam não somente o espaço, mas a relação
de testemunho, de materialidade e de imaterialidade, e que possivelmente só poderá ser vivenciada no museu, pois é lá que guardamos grande parte
de testemunhos de vida. Esses testemunhos muitas vezes podem ser vistos em livros didáticos, mas, no museu, são possíveis de serem apreciados
devido às coleções, acervos e exposições. É nesse ponto de vista que a dimensão testemunhal provoca momentos únicos diante de objetos raros,
que, no cotidiano escolar, normalmente não seja possível ou quiçá raro.
Ainda sobre as potencialidades educativas, destacamos a dimensão patrimonial como referencial básico: o patrimônio - seja ele natural,
histórico, cultural, material ou imaterial. Destacamos, também, em diálogo com Pereira et al., as dimensões espaciais, materiais e simbólicas, de
modo que
[...] a relação do museu com seus objetos e seu entorno convida o visitante a ser um viajante do presente no passado, instigando-o a revisitar o seu próprio tempo, lugares, paisagens e expressões e os tempos, lugares, paisagens e expressões de outros grupos, culturais e sociedades que com eles se conectam. Conexões nem sempre familiares aos visitantes, mas provocadoras do alargamento de seus horizontes temporais e espaciais.192
O museu em seu potencial “[...] é capaz de instrumentalizar o indivíduo, qualificando a relação que este estabelece com a sua realidade
mediante iniciativas que potencializem essa interação”193. Interação esta que possibilita a aprendizagem no museu, a qual “se realiza aos poucos”194.
Segundo Pereira et al., é necessário estarmos atentos e sensíveis aos chamados, “[...] com o olhar de quem chega ao mundo agora e ao mesmo
189 FIGURELLI, 2011, p. 119. 190 Ibid., p. 118-119. 191 MARANDINO, 2009, p. 4. 192 PEREIRA et al., 2007, p. 12. 193 FIGURELLI, 2011, p. 120. 194 PEREIRA et al., 2007, p. 112.
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tempo como alguém que quer habitar um novo mundo”195, buscando uma visão mais plural, por meio de uma “estética da preservação”196 necessária
para a humanização ética e política do sujeito em sua atuação no mundo e com o mundo.
Vale ressaltar ainda as dimensões possíveis a potencializar o museu como espaço dinâmico - dimensões estéticas, éticas, sensoriais,
culturais, patrimoniais, políticas e pedagógicas. Para Pereira et al., o museu educa “[...] não somente pela sua materialidade, mas também pelas
palavras, pelos gestos, pelos saberes, pela sonoridade e silêncios, pelas relações que nele se estabelecem”197. Eis, então, umas das mais significativas
dimensões que potencializam o museu, a dimensão educativa e todas as outras ações incorporadas a ela!
A educação em museus vem sendo discutida como um processo dialógico que acontece na troca, no encontro e não em uma única via, via
da explicação, mas em via múltipla, em diversas instâncias, tornando, assim, as vozes nos museus “plurais e instigantes”198. Há muitas contribuições
da função educativa do museu, “[...] são muitas e férteis as ideias e utopias que descortinam diante de nossos olhos-leitores ávidos devoradores”.
A ação educativa é concebida para Abreu (2015) não como repetição segundo padrões, “[...] mas como espaço móvel de estudo e reflexão”199. É
nesse contexto que acreditamos que a mediação cultural como abordagem possa vir a favorecer as dimensões que tornam o museu esse espaço
potencialmente educativo e ativo, por acreditar na ideia dialógica e provocativa que a mediação cultural possa provocar.
O museu na qualidade de espaço educativo possui diversos intercessores/mediadores dentre eles: os objetos, os elementos que configuram
o espaço, as formas de comunicação diversas, a museografia e o mediador humano, dentre outros. Mais especificamente, acerca do mediador
humano, seu papel é o de desafiar os visitantes, “[...] abrindo vias de acesso para fruição cognitiva”200, permitindo que os visitantes descubram os
museus como “fontes de saber”. É nesse aspecto que o mediador, na troca dialógica com os sujeitos mediados - ao sair do campo da informação
para o campo da provocação -, transforma-se e transforma o outro de sujeito passivo para sujeito ativo. Desse modo, “[...] quem ensina aprende
195 Ibid., p. 112. 196 Ibid., p. 113. 197 PEREIRA et al., 2007, p. 12. 198 ABREU, 2015, p. 16. 199 Ibid., p. 21. 200 RAMOS, 2004, p. 27.
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ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender”201. Eis a importância de o mediador/intercessor ser/estar ativo para tornar ativo também o visitante
na troca dialógica.
O museu, dessa forma, exerce seu papel educativo diante de todas as dimensões, proporcionando experiências provocadas a partir de
elementos e signos em busca da mobilização do sensível “[...] para o cultivo de uma estética da compreensão e do aprendizado de simbolização da
realidade”202. Segundo Meneses (2002), o potencial tão aberto e dinâmico provocado pelas várias dimensões do museu não o caracteriza por um
relativismo de objetivos, de modo que não é o caso de hierarquizar ou priorizar funções em detrimento de outras, mas sim articulá-las de forma
solidária e destacar o “[...] potencial multiforme do museu e sua extraordinária multifuncionalidade. E chamar atenção para os riscos da
unifuncionalidade, do reducionismo e do desperdício”203, os quais, para o autor, são riscos efetivos e não puras possibilidades. Se o museu deixa
de assumir uma dessas dimensões, ele deixará de atuar por suas “[...] potencialidades mais abrangentes, fazendo transformar em ruínas e
marginalidade, talvez, os gestos interpretativos e afetivos que os sujeitos possam fazer”204. Além dessas dimensões citadas, elencamos ainda várias
outras dimensões que complementam esse papel do museu quanto a instâncias voltadas a diversos recursos sociais, históricos, científicos,
museológicos e estéticos, dentre tantos outros a partir das especificidades dos objetos principais que abordam as várias tipologias de museus, pois
é preciso “saber estar entre muitos”205
Não necessariamente essas dimensões estão no museu objetivamente. Elas podem ser evidenciadas e provocadas na relação que o sujeito
estabelece nesse espaço. A dimensão que provoca um sujeito e potencializa um espaço pode ou não provocar outro sujeito inserido no mesmo
momento e no mesmo espaço. Assim, a mediação cultural, como abordagem provocativa e dialógica, pode promover o encontro do primeiro sujeito,
que passa a ser percebido também pelo segundo, e vice-versa. Assim, as dimensões que potencializam o museu como espaço educativo, estético
e poético dependem de muitas outras instâncias e relações, ou seja, é um “estrar entre muitos”.
201 FREIRE, 1998, p. 25. 202 Ibid., p. 40.203 MENESES, 2002, p. 19-20.204 PEREIRA et al., 2007, p. 40. 205 MARTINS, 2014b, p. 228.
99
3.2 MEDIAÇÃO CULTURAL NO MUSEU DE CIÊNCIAS E OUTRAS MEDIAÇÕES
Sob a perspectiva do Museu como espaço potencial e de dimensões diversas é que a mediação cultural poderá vir a contribuir, ampliar e
possibilitar que o museu seja este espaço potencialmente educativo, estético e poético, configurando, assim, um “estar entre muitos”. Assim, a
mediação cultural pode provocar os sujeitos a ressignificar contextos, tempo, espaço, objeto e seu lugar no mundo.
Os museus, assim como suas dimensões apontadas nas últimas políticas públicas e refletidas até aqui por meio da literatura científica, têm
configurado ansiedades por novas estratégias no decorrer das últimas três décadas. Tal necessidade de rever as estratégias pode dar-se pela
necessidade de o sujeito estar ativo no processo. Promove-se, assim, a reflexão dos contextos em tempos diferenciados, de forma a [des]construir
a linearidade estática da noção de tempo e espaço vigentes nos espaços formais de educação, buscando, dessa forma, a [re]interpretação do passado
para o presente e vice-versa e a ruptura com a linearidade objetiva e diretiva. É desse modo que a mediação cultural passa então a exercer seu papel,
a ampliar pontos de vista, trocas, deslocamentos de territórios, aproximações, de forma a explorar as dimensões que podem potencializar o museu
como espaço educativo, poético e estético. Diante desse caráter diferenciado e dinâmico dos museus, tem-se a finalidade de gerar novos significados
e fazer com que os sujeitos se apropriem, interpretem e construam seus próprios códigos de acesso a partir dos contextos históricos, científicos e
culturais propostos no ato de mediar cultura no museu.
Em se tratando da mediação, Mirian Celeste Martins, uma das referências nacionais em mediação cultural, aponta que “[...] a mediação
hoje ganha um caráter rizomático, isto é, num sistema de inter-relações fecundas e complexas que se irradiam entre o objeto do conhecimento, o
aprendiz, o professor/mediador/monitor, a cultura, a história, o artista, a instituição cultural, a escola [...]”206. Dessa maneira é que a mediação passa
a estabelecer o diálogo e a aproximação do museu com a sociedade.
No contexto de uma política contemporânea, que tem como bandeira a democratização do acesso aos bens culturais, à produção e à
divulgação científica, busca-se o aumento dos públicos principalmente nos museus, porém essa demanda de aumento não garante o público ativo.
206 MARTINS, 2012, p .57.
100
Nem sempre a intenção é colocada em prática nos museus quanto aos processos de acesso cultural, ou nem mesmo físico arquitetônico para
acessibilidade. Desse modo, o acesso físico, ou seja, estar no espaço não significa acesso aos códigos culturais propostos na exposição pela
curadoria do museu ou pela abordagem educativa, se é que existe. Não é o acesso físico arquitetônico que aqui falamos, mas sim o acesso intelectual
e sensível que aborda a tão almejada educação integral e que perpassa pela educação do olhar e do ver, do dialogar, do provocar fissuras, aberturas
e brechas.
Assim, há não muito tempo, ou ainda hoje com raras exceções, o público que frequenta os espaços culturais tem sido, em sua maioria, um
público passivo, ou seja, sem diálogo, sem vez e nem voz! Esse olhar vai de encontro aos direcionamentos abordados pelas políticas públicas e as
literaturas científicas na área da museologia, as quais desejam um público cada vez mais ativo, que interprete seu lugar e seu papel nos espaços
culturais, como sujeitos conscientes da sua importância para com a sociedade. Práticas e percursos vêm sendo objetos de reflexões e de
transformações consonantes aos paradigmas contemporâneos no campo de educação em museus, em quaisquer das categorias de museus, seja de
ciência e/ou de arte, de história, de arqueologia, de paleontologia, dentre tantos outros que deveriam, por meio das ações educativas, ter uma
perspectiva dialógica com o público e a sociedade como um todo. A mediação cultural vem a fortalecer cada vez mais as práticas voltadas às ações
educativas dos museus, mas não somente nos museus, compreendidos como espaços de educação não formal, como também em tantos outros,
inclusive nos de educação formal, estes compreendidos, neste estudo, como escolas de Educação Básica.
As discussões acerca da mediação cultural em museus são, em grande parte, focadas nos museus de Arte. Essa verificação deu-se por um
levantamento realizado no ano de 2016 a fim de investigar estudos realizados em Mestrados e Doutorados nos últimos cinco anos. Esse
levantamento teve como base os trabalhos postados na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), em que buscamos verificar
se existia alguma pesquisa já realizada que tratava da “mediação cultural” em museus de Ciências e História Natural ou na tipologia de museus de
Ciências e Tecnologia. Desse levantamento, identificamos que, de todos os estudos realizados acerca de abordagens, nenhum deles tinha a
“mediação cultural” presente como abordagem nesses espaços. No entanto, nos museus de Arte, a mediação cultural se faz cada vez mais presente,
talvez pelos museus serem reconhecidos, por muito tempo, como lugares institucionalizados de guarda de bens artísticos e referências culturais.
Os museus de Ciências e História Natural, pelo menos no Brasil, em suas ações educativas, trabalham somente com a abordagem da “mediação”.
101
Alguns museus de ciências como o Museu de Ciência e História Natural da Universidade de São Paulo (USP), que é um dos maiores e mais
respeitados no Brasil, cuja coordenadora é Marta Marandino, tem a “mediação” como abordagem educativa. A “mediação” em si nasceu das
dificuldades encontradas pelos serviços pedagógicos, os quais passaram a “[...] reproduzir a escola nas instituições culturais”207. Somente em
meados de 1980-1990, na França, é que o profissional “mediador” foi reconhecido inicialmente. Assim, vários autores contemporâneos vêm
discutindo a mediação e/ou a mediação cultural como abordagem educativa e cultural em espaços educativos de museus. Em alguns momentos, os
conceitos se [entre]laçam, seja no museu histórico, no museu de ciência e/ou no museu de arte.
Fundamentadas em Marandino, trazemos à baila a “mediação” abordada nos museus e nos centros de ciências, espaços em que ocorrem a
maior parte de seus estudos contemporâneos científicos. Pela mediação, é possível “[...] tornar o conhecimento produzido acessível aos mais
variados públicos, despertando curiosidades, aguçando interesses, promovendo o contato com o patrimônio”208. Nessa perspectiva, os estudos
acerca da abordagem do público para museus científicos são determinados pela mediação.
Na contemporaneidade, “[...] as normas de apreciação e o lugar da atividade científica no campo da cultura se modificaram”, pois, para
Caune, “[...] as ciências propõem um saber sobre as ‘coisas’ do mundo; seus saberes são uma representação do mundo, ao lado de outras
representações, que são também eficientes no mundo social: da arte, das humanidades, do político, da experiência prática”209. O autor aponta ainda
a mediação como “noção e processo” em ruptura com o dualismo que opõe “[...] sensível e inteligível, indivíduo e sociedade, forma e conteúdo,
essência e substância, palavra e coisa, sujeito e objeto”. Para ele, a mediação ocorre por “contato” – estabelece uma proximidade, mas mantendo a
distância – e pela ligação, amarrações entre “[...] ligações materiais, simbólicas e imaginárias e, por outro lado, estando determinadas por ligações
que a cultura do grupo instala voluntariamente aos seus”210.
207 CAILLET, 2009, p. 74.208 MARANDINO, 2008, p. 5. 209 CAUNE, 2008, p. 39, tradução nossa. 210 Ibid., p. 39, tradução nossa.
102
Caune211 busca explicitar, em seu artigo La culture cientifique: une médiation entre sciences et societé, que “[...] a ciência tem a necessidade
de mediação, simplesmente porque ela pertence a uma obra da mente que só pode ser alcançada através da linguagem natural e artificial e formas
simbólicas forjadas pela cultura”212. Nessa perspectiva, Caune213 distingue as dimensões acopladas à mediação em si, dentre elas: mediação;
mediação científica; mediação cultural; mediação estética; mediação artística.
A “mediação”, para Caune214, é compreendida como noção e processo procedendo por contato e ligação. Para ele, o contato “[...] visa não
como uma fusão ou justaposição de sensibilidade, [...] mas que permite estabelecer uma proximidade mantendo distância”. A ligação considerada
por ele como fundamento de análise sociológica acerca da coletividade, por um lado, amarra as ligações “materiais simbólicas e imaginárias” e,
por outro, são “determinadas por ligações que a cultura do grupo instala involuntariamente”.215 Desse modo, o objeto da mediação nas diversas
modalidades é o de “facilitar o acesso à obra ou ao objeto”216, que vem, na última década, desenvolvendo-se de maneira inventiva no museu.
A “mediação científica”, segundo Caune217, é concebida como uma abordagem comunicacional. Ele a qualifica como cultural, pois visa
organizar e compartilhar a crença como conhecimento em construção sobre um “[...] plano cultural realizando assim a transmissão da experiência
humana na diversidade dos tempos: histórico, social, cultural e técnico”. O autor coloca ainda que a mediação científica privilegia os processos
simbólicos e projetam os “[...] ideais da comunidade e incorpora sob formas materiais e artificiais: teatro, cerimônia, recital, exposição”218. Segundo
o pesquisador, a “mediação científica” consiste em “[...] multiplicar as ocasiões do contato entre as pessoas e a ciência tal como ela faz, a realçar
as ligações materiais, simbólicas e imaginárias entre as atividades e práticas sociais, religadas de uma maneira ou de outra à propagação dos
211 Ibid.. 212 Ibid., p. 37, tradução nossa. 213 Ibid., 2014. 214 Ibid. 215 CAUNE, 2008, p. 42, tradução nossa. 216 Ibid., p. 123, tradução nossa. 217 Ibid. 218 Ibid., p. 39, tradução nossa.
103
discursos científicos”219. Dessa forma, ele divide as questões da mediação inerentes à atividade científica, representadas por duas modalidades:
discurso e dispositivo/exposições.
Em reflexão sobre a mediação científica e a mediação cultural, para Caune, a exposição científica “[...] não compreende os objetos neles
mesmos”, mas sim como “dispositivos” que os transformam para o visitante em objetos culturais220. É essa perspectiva o cerne da “mediação
cultural” como abordagem em um museu de Ciências e História Natural, como abordagem educativa investigada neste estudo. Um museu que traz,
em sua maioria, espécimes científicos biológicos e naturais, são compreendidos por Caune como objetos “[...] de saber inscrito em um discurso
museal”221. Além de sua perda e valor de uso, são agregados ao seu status de objeto museal um aspecto de testemunho em um contexto cultural.
Como poderia a criança imaginar a primeira célula viva se não fosse pelo fóssil da cianobactéria ou estar diante de um ovo de dinossauro
real fossilizado? “[...] se pudéssemos reviver essa vida parcial, na precisão de uma vida que se dá uma forma, o ser que tem uma forma domina os
milênios. Toda forma guarda uma vida. O fóssil não é mais simplesmente um ser que viveu, é um ser que vive ainda, adormecido na sua forma.”222
A distância de ver nos livros ou na TV, nas telas dos iPads, é bem diferente de estar diante do objeto. Como ouvir dizer e não se tocar pelo ritual
de estar diante dos objetos e o que estes podem nos propiciar?
Uma exposição possibilita a construção de um “outro mundo” ou [re]constrói a visão primeira de mundo e de vida. A exposição de
conhecimentos científicos, desse modo, tem como resultado “[...] transformar o mundo da ciência em um mundo utópico”223, em um mundo não
vivenciado fisicamente, mas imaginado, recriado pela imaginação diante dos testemunhos apresentados na exposição. É assim que a mediação
cultural favorece o diálogo entre os dados científicos, os objetos científicos compreendidos como culturais e o sujeito de cultura no espaço do
museu. Um[re]significar seu modo de vida e de relacionar-se com ela, ter outros pontos de vista, conhecer outros territórios nunca antes imaginados.
219 Ibid., p. 43, tradução nossa. 220 Ibid. 221 Ibid., p. 43, tradução nossa. 222 BACHELARD, 1978, p. 274. 223 CAUNE, 2008, p. 47, tradução nossa.
104
A “mediação cultural”, segundo Caune, é uma “[...] produção do sentido em função da materialidade do meio de enunciação”, uma variável
diante do “[...] espaço, do efeito sobre o receptor e das circunstâncias da recepção”224. A mediação cultural, para o autor, encontra sua razão de ser,
vinculando-se às atividades sociais; vale-se apenas no jogo entre a “racionalidade do objeto e a sensibilidade do sujeito”225. Essa é a noção abordada
pelos demais autores que abarcamos neste estudo. Martins traz-nos que mediar é “[...] ampliar olhares, ideias, conhecimentos e sensações.
Percepção de um mundo que parecia já conhecido, mas que se desvela inteiramente novo”226.
Já a “mediação estética”, para Caune, é a “[...] relação estabelecida por meio de um suporte sensível (um aparecer) entre uma enunciação
singular (da subjetividade) e um destinatário que é visado para que se realize em seu contato com o objeto, uma experiência estética”227. Para o
autor, essa modalidade de mediação deve diferenciar-se da “mediação artística”, porém não se sobrepor. A mediação estética possui uma dimensão
sensível e que “[...] não se desenvolve necessariamente na esfera da arte”228. A mediação estética considera o objeto e/ou o processo como “[...]
fonte de relações sensíveis, relações que dependem primeiramente da estrutura, da forma, do suporte físico do objeto”229.
Como dito anteriormente, a abordagem educativa no Museu Oceanográfico UNIVALI é a mediação cultural. Assim, desde que comecei a
atuar nesse museu como colaboradora, como provocação e desafio pessoal no campo profissional, provoquei-me acerca de “mediar cultura em um
museu de ciências”, cujo acervo é composto, em sua maioria, por espécimes biológicos, expostos como objetos museológicos – não produção
humana – ou seja, não produto cultural em sua forma e elaboração material. Contudo, precisamos levar em consideração o contexto em que esse
objeto está inserido, e que, ao ser um objeto de coleção, ao compor um acervo com outros espécimes, ele passa por um processo de escolha, de
coleta, de classificação, de pesquisa e de conservação. Logo, podemos afirmar que os objetos expostos possuem os atributos outros que de sua
224 Ibid., p. 43, tradução nossa. 225 Ibid., p. 42, tradução nossa. 226 MARTINS, 2005, p. 44.227 CAUNE, 2014, p. 124.228 Ibid., p. 123.229 Ibid., p. 123.
105
origem natural, função ou valor de uso e natureza, assim como ocorre com qualquer outro objeto museológico exposto em um discurso/linguagem
museal, isto é, eles têm também uma função museal, e que, por complementarem uma coleção, são tidos como objetos culturais230.
Diante dessa [re]configuração acerca do objeto e inserido em um espaço de produção cultural e de conhecimento que envolve saberes
diversos, entendemos, neste estudo, o museu como detentor e guarda desse objeto, “a casa dos objetos”, cujo acervo tende a ser reconhecido como
patrimonial, cultural e/ou científico. Esta pesquisa, portanto, leva em consideração que os objetos científicos expostos no Museu Oceanográfico
Univali possuem status de objeto cultural e agregam ao seu valor uma carga cultural, devido a não estarem ali por acaso. Nos percursos
museológicos, agregam-se status e valor como algo além de sua materialidade, devido a vários outros aspectos, sejam eles: culturais, históricos,
raridade, perda de sua função ou seu valor de uso no espaço museal, traços únicos que agregam valores significativos para estar em uma coleção
e/ou em uma exposição. Tecendo conceitos poeticamente, entre mergulhos e respiros, podemos sugerir que o museu, seu acervo, sua museografia,
as formas de comunicação, a mediação cultural e tantos outros intercessores constroem textos, constroem poesia!
Em vários momentos, a mediação cultural nos museus parte da relação do sujeito com os objetos, os quais são também visualidades no
museu. Objetos museológicos, que estão ali agregados, de dimensões [re]significadas, em uma carga de status museal, são apresentados em um
discurso naquele espaço. Discursos estes construídos por textos. “[...] a leitura de uma imagem seria a leitura de um texto, de uma trama, de algo
tecido com formas, cores, texturas e volumes [...] ler contemporaneamente é atribuir significado seja a uma imagem, seja a um texto”. Diante do
entendimento de Pillar231, a partir da leitura das visualidades é que a mediação cultural visa favorecer o ato de ler, em retirar camadas acerca da
educação do olhar, olhar e olhar de novo, olhar mais um pouco, e mais uma vez, um olhar e ver!
A mediação cultural promovida por meio da relação do sujeito com os objetos e/ou elementos naturais expostos no museu requer um grande
esforço consciente, delicado e sensível no intuito de propor provocações. Desse modo, a provocação do medo e da curiosidade é compreendida por
Bachelard como “o começo sensível de todo conhecimento”232. Assim, pode-se revelar, por meio da lente de aumento da imaginação, estranhas
230 Id., 2008.231 PILLAR, 2011, p. 8, grifo da autora 232 BACHELARD, 1978, P. 269
106
sutilezas. São essas sutilezas que o Museu Oceanográfico UNIVALI e tudo o que nele habita, assim como a mediação cultural, podem vir a provocar
os sujeitos a ver, em busca de despertar para o olhar, um “olhar estrangeiro”233, um convite a novos territórios, um convite ao mergulho. “EU
ESTOU MERGULHANDO NO FUNDO!”234
233 MARTINS, 2014d. 234 Trecho da narrativa do sujeito 7 – coletada a partir do 2º desenho apresentado no capítulo 4 (Figura 79, página 196).
107
Figura 39 – Aquarela: Mediação: uma provocação ao mergulho!
Fonte: Elaborada pela autora.
108
Em um artigo intitulado Mediação: em busca de um conceito, Martins235 investiga, por meio de uma pesquisa-ação, um grupo de professores
acerca dos conceitos de mediação cultural. A autora traz-nos diversas contribuições, dentre elas que mediação é “conectar conteúdos e interesses”;
é “ir além dos conteúdos”; é “aproximar”; é “reflexão”; é “experiência”; é “diálogo, conversação”; é “provocação”; é “atitude ao professor”; é
“compartilhar”. Por fim, a análise apontou que “[...] mediar é estar entre. Um estar, contudo que não é passivo nem fixo, mas ativo, flexível,
propositor. [...] um estar entre muitos”236. Assim, a mediação cultural vem a ser compreendida como “[...] canal de comunicação que permite
estudar seu processo, atentando para os ruídos perturbadores, para ênfases desnecessárias ou para a exclusão de aspectos que poderiam tornar esse
encontro mais significativo”237, ou também podendo gerar um afastamento do sujeito com o objeto como uma não disponibilidade. Diante disso,
as autoras deixam claro que é importante, além do olhar, a consciência, as relações, os sentidos, as sensações, os sentimentos, a imaginação e a
percepção, os quais são também necessários para estabelecer o desafio dessa ação mediadora.
As autoras compreendem que a mediação cultural se torna a “[...] facilitadora de encontros [...] fator de aproximação”. Estabelece-se, aqui,
parte da tessitura na trama de “estar entre muitos”, encontros e aproximação de pessoas, culturas, contextos, obras e objetos, de modo que “[...] é
nesta cultura híbrida que se pode realizar um trabalho de mediação cultural na esfera do estético”238, como um fator de emoção, sentimento em um
nível complexo de reflexão sobre a arte, sobre a vida, sobre a ciência, sobre a cultura e sobre o ser e estar no mundo.
Por tempos e atos infindos, em um processo de mediação e construção, entre fugas, forças e práticas educacionais e museais, em um
movimento contínuo e dialógico, é que as pistas vão sendo relacionadas, direcionando as trajetórias em busca de novos territórios! Entre linhas,
como o fio constrói a trama, a linha constrói o mapa, assim, vamos desenhar o trajeto acerca da mediação cultural em um museu de ciências. Se
tecer é encontro de fios, buscamos o primeiro conceito do termo mediação como “encontros” e que “[...] extrapola a ideia de ponte que une dois
pontos”239, vai além de um ponto ao outro, sempre contínuo, multidirecional. No ponto, juntam-se forças, geram-se tensões e, então, o percurso
235 MARTINS, 2005. 236 Ibid., p. 54. 237 MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2010, p. 70. 238 MEIRA, 2011, p. 108. 239 Conceito estabelecido pelo Grupo de Pesquisa Mediação: Arte/Cultura/Público (MARTINS, 2005, p. 54-55).
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contínuo em trajetórias em busca de novos territórios! Contudo, na água por onde deriva o barco, não deixamos linhas, mas marolas que conotam
movimentos para quem se aproxima e que provocam deslocamentos por onde navega o barco, ou na força deixada no “instante já”240,
potencializando os encontros e as percepções provocadas pela mediação, pois “[...] nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia. Tudo
passa, tudo sempre passará. A vida vem em ondas, como um mar, num indo e vindo infinito”241.
Em uma “[...] sociedade globalizada que, contraditoriamente, ainda fragmenta os saberes através de currículos escolares, o patrimônio
cultural pode ser visto como um contributo para estimular a capacidade de estabelecer relações e criar diálogos”242. Diálogos que favorecem o
espaço do museu como um espaço que provoque percepções outras. É a partir do patrimônio científico, natural e principalmente cultural no museu
que a mediação cultural como abordagem dialógica visa favorecer vivências e experiências estéticas, busca provocar percepções no espaço do
museu e/ou fora dele, em uma relação contínua. Percepções que, segundo Demarchi243, compreendem o ato de perceber, visto como complexo,
pelos sentidos e pelos estímulos associados à experiência e que provocam “[...] sensações, sentimentos e pensamentos, que lhe dão identidade e
significação. Por meio de nossa sensibilidade e percepção, alimentamo-nos de sensações que são colhidas no ato de viver no mundo”244, e o museu
pode vir a ser provocador essencial dessas percepções sensíveis.
Este estudo persegue, como objeto de pesquisa, as “percepções” das crianças em um museu de ciências, pois essas percepções podem vir a
ampliar as sensações e aguçar o olhar e a imaginação em busca da compreensão e da construção do conhecimento. Conhecimento este que poderá
ainda ser potencializado pela mediação cultural, pela experiência estética e pelo espaço poético. Conhecimento é compreendido aqui como “[...]
um eterno construir, crescer, buscar, transformar, converter, expandir, conectar. É a troca, a mudança, o exercício da humildade”245.
240 LISPECTOR, 2008, s/p. 241 Trecho da música Como uma onda, de Lulu Santos. 242 FIGURELLI, 2011, p. 120.243 DEMARCHI, 2014.244 Ibid., p. 69. 245 DONATO, 2014, p. 85.
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Nesse sentido, o museu como espaço educativo “[...] poderia transformar-se num espaço de estranhamento, assumindo um papel próprio na
produção do conhecimento. Conhecimento que para integrar a especificidade do museu integra o cognitivo e o afetivo”246. Menezes aponta ainda
que o museu é, para além de um espaço educativo, também espaço de afeto, de produção de percepções sensíveis e estéticas, percepções estas que
podem se tornar uma experiência estética, definida pela “[...] percepção sensível e por uma subjetividade: estas [experiências estéticas]
fundamentam o objeto estético, permitindo o seu reconhecimento e sua submissão a ele”247.
Em um museu de Ciências, e mais especificamente neste estudo, no Museu Oceanográfico UNIVALI, por meio da mediação cultural,
podemos provocar os sujeitos a olhar para além dos objetos científicos dispostos no espaço do museu. Podemos despertar dimensões estéticas,
poéticas e provocar as percepções sensíveis pela experiência estética pela visita ao museu e imaginar o mar. Deflagramos, assim, um processo
reflexivo, mas também sensível, pois “[...] ensinar e fruir são motores da compreensão e da ação”248. Logo, a mediação pode provocar ao diálogo
entre a obra/o objeto e o público (fruidor), sendo a fruição a relação que se estabelece entre sujeito e objeto e, por meio dessa relação, a percepção
é provocada, dá-se o conhecimento, constroem-se saberes, ativa-se a imaginação em um movimento ininterrupto e contínuo.
Pensar a Mediação Cultural no que diz respeito às ações educativas é pensar na relação entre objeto/público/mediador. Diante disso,
acreditar que o acesso a um museu, ou mais objetivamente, a um museu de Ciências, nas diversas categorias e temáticas, não pode dar-se como
uma mera transmissão de informações, mas sim por meio de encontros diversos, reflexivos, dialogados. Afinal, a recepção que fazemos “[...] do
mundo através de seus sentidos, percepção e imaginação, intuição e intelecto não é passiva; você não é um mero receptáculo de informações e
influências, conhecimentos”249. Nesse contexto, o mediador cultural tem como papel fundamental “[...] instigar com questões provocadoras e jogos
de percepção, a troca de impressões sensoriais, de interpretação, da socialização de perguntas que as próprias obras fazem”250. Enfim, repensar
246 MENEZES, 2002, p. 39. 247 CAUNE, 2014, p. 125. 248 MAFFESOLI, 2008, p. 194. 249 MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2010, p. 73. 250 MARTINS, 2012, p. 13.
111
como o mediador pode atuar faz toda a diferença para estabelecer o conceito de mediação cultural, ou seja, a prática pode efetivar ou não a ação
da mediação cultural, provocando ou não os sujeitos mediados.
Estar entre muitos é também ter muitas variáveis, não depende somente do mediador, mas também do sujeito sentir-se disponível, em estar
ativo no processo. Como recurso fundamental, o mediador deve “criar condições que possibilitem interpretações”251, de modo a buscar que o sujeito
construa “conhecimentos pela experiência pessoal”252, como intérprete autônomo. A postura do mediador favorece assim a relação ativa ou passiva
do visitante do museu, porém o museu e todos os seus intercessores comuns ao campo museológico poderão, ou não, propiciar o encontro do objeto
com o visitante por sua qualidade de espaço potencial em educação. Vale ressaltar que, não necessariamente a mediação cultural é indispensável
para que isso ocorra. No entanto, a mediação cultural poderá potencializar [ou não], favorecer e despertar o olhar, gerar perguntas em um devir
possível na relação dos elementos intercessores neste espaço para com o público. Estar entre muitos é também estar entre muitas variáveis que
favoreçam ou não a relação subjetiva de cada sujeito, em cada fenômeno.
Tomemos como exemplo um fato que ocorre na região da sede do museu em que aconteceu este estudo, região litorânea de costumes
voltados à pesca artesanal e onde residem os sujeitos pesquisados. É muito comum a tainha nos pratos dos nativos da região como um objeto em
sua função gastronômica. Além do mais, por ser uma região litorânea, a pesca da tainha é tida como uma manifestação cultural, como ato da
coletividade em conservação dos costumes, desde o costurar da rede até a ação de puxar a rede do mar, momento em que várias pessoas se reúnem
se ajudam e dividem o presente abundante da mãe/rainha do mar. Assim, quando as crianças entraram na sala onde estão expostas mais de cem
espécies diferentes de peixes - de todos os tamanhos e de todas as formas - valeu a pena provocá-los a pensar sobre a tainha!
A tainha ali exposta não era somente uma tainha, era [A] tainha! A tainha foi ressignificada pelos procedimentos científicos e museológicos
em que o espécime foi conservado e pesquisado de modo a imprimir nele o status de objeto científico. Logo, houve o processo de musealização,
ou seja, o objeto científico passou a ter o status de objeto museal. Assim, o processo de musealização que a tainha sofreu desagregou o seu valor
de uso, valor comercial [venda] e/ou de valor funcional [comer]. O objeto foi ressignificado e, quando inserido no contexto museal, além do seu
251 COUTINHO, 2009, p. 176. 252 Ibid.
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status científico, ao ser relacionado com os costumes no diálogo com o público, foi agregado a ele ainda uma carga cultural e estética. Ele passou
a agir como testemunho na relação homem e objeto, propiciando a troca e a produção de conhecimento, seja ele conhecimento científico ou popular.
“Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.”253
A mediação cultural pode levar a pensar acerca da tainha ali exposta e dentre tantas outras dimensões a serem provocadas no ato de mediar
cultura, que, segundo Martins254, “[...] há de ser provocativo, instigante ao pensar e ao sentir, à percepção e à imaginação. Um ato capaz de abrir
diálogos, também internos, ampliados pela socialização dos saberes e das perspectivas pessoais de cada fruidor”. Podemos então pensar sim o
espaço do museu para além de ponte; um eterno e terno encontro, reflexivo, provocador de percepções, de desconstrução e de reconstrução. Para
além de ponte, com barco à deriva, uma verdadeira expedição em um eterno e terno devir!
Muito nos provoca, nessa reflexão, o conceito de rizoma, tal qual em Deleuze e Guatarri255, pelo seu descaminho, seu reconsiderar os
percursos segundo a necessidade de adequação e de instabilidade no processo. Assim, o ato de mediar culturas será sempre uma surpresa,
imprevisível, e[ternas] fugas, necessário para avançar além do proposto inicialmente, um e[terno] movimento, um e[terno] devir na relação com
seus intercessores. Se “o seu olhar melhora o meu”256, o nosso olhar “[...] não é ingênuo, ele está comprometido com nosso passado, com nossas
experiências, com nossa época e lugar, com nossos referenciais”257. É uma troca dialógica, um encontro, encontro de olhares, encontro de surpresas,
encontro de concordâncias e discordâncias, encontro de provocações em simples trocas de olhares, o olhar olha, o olho olha, o olhar nos olha, fala,
comunica! Em devir olhar! Um olhar devir!
253 BARROS, 2015a, p. 89. 254 MARTINS, 2012, p. 29. 255 DELEUZE; GUATARRI, 1992. 256 Trecho da música O seu olhar melhora o meu, de Arnaldo Antunes. 257 PILLAR, 2011, p. 13.
113
Figura 40 - Aquarela: De onde olhas?
Fonte: Elaborada pela autora.
114
Meira traz-nos o termo de “emocionamento visual”258que, para a autora, ocorre a partir de uma “experiência ontológica” dos “olhos nos
olhos”, “[...] um olhar que sustenta outro olhar é profundamente envolvente, denso, vivido como prova de empatia espiritual”. No momento de
trama de olhares, que se fundem em reciprocidade para olhar o mundo, “[...] é preciso imaginar que ele também nos olha, e que tem uma alma, que
através de imagens podemos relacionar-nos afetivamente, constituir parcerias, interações intensas com ele”259. Ah, se eu pudesse me ver pelos
olhos do mundo, mudaria toda a óptica, a começar pelas dimensões, pelos pontos de vista, por onde olhar!
Onde está o sujeito que olha o museu? Onde está o sujeito que olha o mar? Diante disso, o olhar mútuo, empático, o seu olhar, o meu olhar,
o nosso olhar, um olhar mediador, um mediador que olha e que medeia o olhar, o olhar do outro, ao olhar o objeto, ao olhar o animal, o animal que
nos olha, o olhar em si, o olhar o mundo, olhar o mar, o mar que nos olha, o oceano que nos fala no Museu Oceanográfico! “É preciso olhar o outro
e seus desejos.”260 Eu olho o outro, mas o outro também me olha, e junto podemos olhar o mundo, juntos em diálogo, na troca!
Entre vozes, discursos e diálogos, entre silêncios e quietudes, entre tempos e espaços, mediadores e educadores, tecemos acerca das
contribuições da Mediação Cultural para a educação no museu, mais especificamente refletida, neste estudo, no Museu Oceanográfico UNIVALI
segundo a tipologia como museu de ciências e história natural em diálogo com o campo da cultura. “[...] muito mais do que ampliar repertórios
com interpretações de outros teóricos, a mediação cultural como compreendemos quer gerar experiências que afetem cada um que a partilha,
começando por nós mesmos.”261 Diante disso, é importante, no ato de mediar cultura, que possamos tornar o momento marcante, reflexivo e
significativo para o sujeito que ali está, de troca!
Segundo Martins262, a mediação cultural pode, ainda, enriquecer e proporcionar a compreensão de outros sujeitos, “de outros tempos e
lugares”, sobre o museu em suas diversas categorias, como espaço potencial para compreensões e reflexões, além de ser possível “[...] provocar a
258 MEIRA, 2011, p. 114. 259 Ibid. 260 MARTINS, 2014b, p. 213. 261 Id., 2012, p. 62. 262 Ibid.
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disponibilidade e a empatia, o rebaixamento da sensibilidade e o distanciamento da experiência estética”263. O mediador acaba por ter de lidar com
tramas e significações pessoais e coletivas, expectativas e anseios, quebra de paradigmas, desconstruções de saberes muitas vezes cristalizados,
pré-conceitos, crenças e valores culturais. É nessa perspectiva que a mediação cultural “[...] não pode ser confundida com a concepção corriqueira
de mera aquisição de conhecimentos ou habilidades”264, como não deve se preocupar tanto com o resultado, mas sim com o processo e a percepção
sensível na caminhada, pela experiência, em um eterno e terno devir.
Com relação ao exposto, Meira265 contribui quando pontua sobre a importância da educação estética como possibilidade para a percepção
e a qualificação da experiência humana, como ser sensível, ético e político, e que “[...] o exercício pleno da cultura exige uma interação entre
estética, ética e política, em todos os campos do saber”266. Ao encontro disso, acerca das contribuições da mediação cultural para os campos do
saber, a mediação pode ainda “potencializar esse processo de interpretação”, favorecendo “[...] a troca e o confronto de diferentes pontos de vista
por meio do diálogo”267, perpassando da fronteira de espaços educacionais como espaços de ação e de concepção humana e da vida. Assim, por
meio da mediação, o processo dá-se nesse espaço no âmbito de reflexões, de posicionamentos, de vivências, de trocas, de encontros, de experiências,
da poética, de olhares e de percepções.
Por fim, entendemos a mediação cultural como uma abordagem educativa segundo uma concepção dialógica, que permite despertar,
contaminar e provocar o público do museu, da sala de aula e/ou do seu entorno para com o universo do patrimônio científico, histórico e cultural,
sendo ele material ou imaterial. Ressignificar os saberes e as produções culturais no tão almejado acesso cultural, destacando, aqui, não só o acesso
físico, mas o acesso interpretado e [re]interpretado, significado e [res]significado à produção de saberes culturais, científicos e históricos possíveis
no Museu Oceanográfico UNIVALI, pois, “[...] o acesso cultural não é apenas físico, cobra a compreensão do corpo e da alma. Requer estar no
263 MARTINS, 2012, p. 16. 264 Ibid., p. 128. 265 MEIRA, 2011. 266 Ibid., p. 113. 267 COUTINHO, 2009, p. 176.
116
mundo e decifrá-lo. Nosso corpo perceptivo interpretando as relações que faz com o mundo e com o outro”268, ou a relação que estabelecemos com
e no espaço do museu, com o outro, com o objeto! Um devir troca, um devir olhar!
3.3 MUSEU, ESPAÇO DE POESIA E DE PERCEPÇÃO SENSÍVEL
Figura 41 - Aquarela e Modo novo de sentir
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Fernando Pessoa.269
Na intertextualidade com Fernando Pessoa, pensamos na exploração da dimensão do sensível que nos provoca a adentrar o espaço do
museu. Como percebemos (eu e você) o museu e todas as intertextualidades nele presentes? Como percebemos esse espaço? Há poética no espaço
do museu? Esse espaço nos provoca a perceber outros espaços não vivenciados, mas imaginados?
268 NOGUEIRA, 2014, p. 57. 269 PESSOA, 2011, p. 136.
117
Em Bachelard270, pela poética do espaço, buscamos dialogar sobre o espaço do museu como poético que nos provoca a imaginar outros
espaços, outras visualidades pelas visualidades presentes no museu, pelas percepções, sejam elas sensíveis, imagéticas e/ou imaginárias, que nos
transportam para outros espaços imaginados, vivenciados antes ou não, experienciados ou não. “Os museus são bons para pensar, sentir e agir. [...]
são janelas, portas e portais; elos poéticos entre a memória e o esquecimento, entre o eu e o outro; elos poéticos entre o sim e o não, entre o
indivíduo e a sociedade. Eles são bons para exercitar pensamentos, tocar afetos, estimular ações, inspirações e intuições”271.
O museu e todas as formas de comunicação que nele existem são possíveis de provocar a relação entre o sensível e o inteligível, o concreto
e o abstrato, o visível e o invisível pelos olhos, entre o tangível e o intangível; enfim, entre o científico e o poético. Em reflexão sobre pensar o
museu, sua espacialidade, sua concretude, símbolos e significados, Pereira et al. colocam o museu como “[...] portas concretas, portas simbólicas
que se abrem para o contato com o outro, com o diferente. Ambientes aparentemente iguais em suas formas, mas singularmente diferentes em seus
usos”272. A casa tem porta, que fecha ou que se abre para o mundo, para as pessoas, para entrar e para sair; o museu pode ser uma porta, mas
também uma casa, uma casa que abriga outras tantas casas, e que tem muitas portas!
Há poética no espaço do museu? Se a poesia pode nos levar a imaginar espaços não experienciados, o museu em sua dimensão poética
também pode nos transportar a esses espaços imaginados? Se a poesia desperta a imaginação na elaboração de visualidades/imagens, então o objeto
museal, em sua visualidade e todas as demais dimensões que habitam o espaço museal, também poderá despertar uma poesia ou uma imagem? O
museu como um espaço poético pode propiciar pela imaginação a elaboração de imagens outras a partir das percepções provocadas, ou não, pela
mediação cultural nos sujeitos? Provocações, só provocações...
Segundo Meneses, o acervo do museu deve ser utilizado como um dicionário para um poema, “[...] mobilizando as palavras, ou seja, os
objetos, de acordo com o poema, com a história que se quer contar. É o poema que conduz o acervo, e não o contrário”273. Enfim, pelo poema ou
pela poesia que existe no museu, uma visita nesse espaço possibilitaria a ressignificação e a mudança de percepção de outros espaços para além do
270 BACHELARD, 1978. 271 CHAGAS; STORINO, 2007, p. 6. 272 PEREIRA et al., 2007, p. 12. 273 MENESES, 2011, s/p.
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próprio espaço do museu? Todas estas indagações são frutos da provocação primeira que me levou a realizar este estudo. São provocações, pois
“[...] vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”274.
No museu podemos alargar a nossa visão de mundo, pois, de acordo com Meneses (2009), “[...] você tem a oportunidade de alargar a sua
experiência de vida e ver que o mundo, afinal, não se limita ao quintal da sua existência”275, se bem que o “meu quintal é maior que o mundo”276.
Partimos da hipótese, nessa ação investigada, que o museu nos leva a lugares imaginados, quase nunca antes possíveis de estar fisicamente, nesse
caso, “no fundo do mar”. Apontamos, assim, as dimensões e as potencialidades educativas que o museu pode ou não mobilizar, assim como a
mediação cultural que pode potencializar os diálogos e as trocas possíveis no espaço do museu e tudo que nele habita.
O objeto, assim como as várias possibilidades de comunicação e de mediação, principalmente a humana, pode provocar percepções no
espaço do museu em uma ação educativa. Trazemos, nas próximas páginas, as pistas que apontam para o museu como espaço de percepção sensível,
tendo como intercessores Bachelard277, Meneses278 e Duarte Jr.279, e a poesia como companheira. Dialogamos com eles acerca da educação estética
e do saber sensível. O sensível é entendido como saber primeiro, despertado pelos sentidos e de uma educação que seja estética em sua essência.
As várias dimensões que potencializam o museu são intercessoras. Sem elas “[...] não há obra. Podem ser pessoas – para um filósofo, artistas
ou cientistas; para um cientista, filósofos ou artista – mas também coisas, plantas, até animais, como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados
ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios intercessores. É uma série [...] sempre se trabalha em vários, mesmo quando isso não se vê”280.
Vários foram os intercessores apontados até aqui para que, a partir deles, compreendamos o espaço do museu também como um intercessor - além
de um espaço dado em sua dimensão geográfica e espacial, de um espaço educativo - também estético e com uma dimensão poética, com uma
dimensão sensível possível de habitar, facilitada pelos encontros de outros tantos intercessores, sejam eles curadores, mediadores e público.
274 ROSA, 2001, p. 429 275 MENESES, 2009, s/p. 276 BARROS, 2015a, p. 149. 277 BACHELARD, 1978. 278 MENESES, 2002, 2009. 279 DUARTE JR., 2000. 280 DELEUZE; GUATARRI, 1992, p. 156.
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Buscamos, aqui, provocar o leitor com os conceitos até aqui apresentados e perseguir dúvidas/provocações e pistas, para nós intercessores que
potencializam o processo reflexivo acerca do museu como espaço educativo e estético em uma dimensão poética.
É preciso saber de onde partimos, de onde levantamos a âncora, traçar rotas mesmo que talvez algumas forças das correntes nos desloquem,
pois “[...] não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através
de um hoje. De modo que o nosso futuro baseia-se no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que fomos e o que somos, para saber
o que seremos”281. No entanto, nem partir, nem chegar, é preciso antes de tudo estar, sentir, viver e ver. Desvelar camadas desse espaço, assim
como dos objetos que nele habitam, pois, para falar de educação estética, sensível e de poética, precisamos (eu, você e os demais sujeitos) estar
esteticamente afetados e sensíveis à poética que existe no museu – já que, conforme Meneses282, a poesia habita ali!
Ao lidar com o espaço do museu, lidamos também com tudo que nele habita, seja a materialidade das coisas, ou as imaterialidades em
dimensões. Voltamos, assim, aos elementos intercessores, como os objetos que estão diretamente em contato com o visitante/sujeito, no caso deste
estudo, as crianças. Dessa forma, buscamos as percepções das crianças, tendo em vista que o espaço e seus intercessores podem provocá-las, pois
“[...] o sentir está ligado ao corpo e traz à tona a espessura entre o objeto percebido e o sujeito que percebe. A coisa em si só é desvelada quando o
outro também a apreende. É ao percepcionar o que o outro também percepciona que aparece um universal. É com esta noção que a comunicação
se possibilita, pois as percepções conseguem identificar um mundo em comum”283.
Ao entender o espaço com tudo o que nele habita, consideramos que o tudo comunica, deve ser desvelado, [re]velado, [re]olhado, retirar as
camadas, olhar de lupa que precisa de um certo distanciamento para ver, olhar mais uma vez, e mais outra vez! Segundo Meira, “[...] educar a
sensibilidade é poder encontrar os meios para identificar e extrair das coisas suas lições. É recolocar a ciência no seu lugar de instrumento da
felicidade humana”284. Talvez, diante do questionamento: “Educar a sensibilidade para quê?”285, possamos responder: Para que o museu não seja
281 FREIRE, 1996, p. 33. 282 MENESES, 2002. 283 VIVIANI, 2007, p. 7. 284 MEIRA, 2011, p. 110. 285 Ibid.
120
somente um espaço de construção da intelligentsia, mas de saber sensível, de aprender a ver e a despertar outras tantas percepções e imaginações,
ou, para que a relação na nossa casa, “o planeta”, para uma “vivência mais íntegra e plena do cotidiano”286. Para que ainda nos tornemos sujeitos
“[...] sensíveis, abertos às particularidades do mundo que possui à sua volta, o qual sem dúvida nenhuma, deve ser articulado à humana cultura
planetária”287. É nessa relação estabelecida com o mar, com o oceano e com a vida em si que o Museu Oceanográfico UNIVALI proporciona esse
olhar sensível, para si e para o mundo; afinal o mundo também é a nossa casa, assim como o museu é a casa de testemunhos que só podem ser
verificados lá, por isso, o museu é tido como a casa dos sonhos que nos leva à imaginação!
Duarte Jr.288diz-nos que aprendemos com o mundo vivido e por meio “[...] de nossa sensibilidade e nossa percepção, que permitem [que]
nos alimentemos dessas espantosas qualidades do real que nos cerca: sons, cores, sabores, texturas e odores, numa miríade de impressões que o
corpo ordena”. Assim, a educação estética pode vir a provocar a sensibilidade e promover a percepção dessas espantosas realidades, realidades
que, no museu, são provocadas por dimensões diversas, materialidade e redimensionadas, grandezas e miudezas, cores e texturas em imaginação
diante da percepção sobre o mar pela visita ao museu. Desse modo, acreditamos que possamos sim aprender pela sensibilidade e pela nossa
percepção sensível, esta última compreendida como “[...] aquilo que pode ser percebido pelos sentidos. Nesta acepção, ‘o sensível’ é o objeto
próprio do conhecimento sensível”289. Se aprendemos com o mundo vivido, então o espaço do museu e tudo que nele habita ao ser vivenciado
passa a ser um espaço vivido, lugar de percepções sensíveis!
Para este estudo, o termo “estética” é pensado “[...] como estesia, uma capacidade que permite a percepção, através dos sentidos, do mundo
exterior”290. Para contribuir com esse conceito, Meira (2011) coloca como uma das significações gregas para aisthesis “inspirar” ou “conduzir o
mundo para dentro, como inspiração e maravilhamento [...] ‘sentir com’, ‘sentir junto com os outros ou aliar a sensorialidade ao sentimento’”291.
286 DUARTE JR., 2000, p. 177. 287 Ibid., p. 178. 288 Ibid., p. 14. 289 Ibid., p. 15, grifo do autor. 290 MARTINS, 2012, p. 35. 291 MEIRA, 2011, p. 106, grifos da autora.
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Posto isso, podemos propor um encontro dos elementos do mundo, da natureza, provocando, assim, um possível estado de estesia pela capacidade
de sentir potencializadas pela mediação cultural no espaço do museu. A mediação cultural, portanto, pode potencializar o museu como espaço de
percepções, de educação estética, de educação do sensível e do olhar!
Os humanos são dotados de sentidos, assim é “[...] possível integrar à progressão de conhecimento uma dimensão sensível”292; dimensão
constantemente experienciada por meio de vivências no dia-a-dia ou em outro espaço cultural e/ou educacional. É essa inseparabilidade que
acreditamos ser possível no espaço do museu, um espaço que possibilite um saber sensível e inteligível, apontado, por Duarte Jr.293, como
necessário. Segundo o autor, “[...] necessidade atual e algo urgente de se dar maior atenção a uma educação do sensível, a uma educação do
sentimento, que poder-se-ia muito bem denominar educação estética. [...] primordial capacidade do ser humano de sentir a si próprio e ao mundo
em um todo integrado”294. Em busca do despertar das percepções e dessa capacidade de sentir é que refletimos sobre a estética no museu, ou o
museu como um espaço que provoque essas percepções e a educação do sensível, pois “[...] aprenderemos sempre com o ‘mundo vivido’, através
de nossa sensibilidade e nossa percepção, que permitem nos alimentemos dessas espantosas qualidades do real que nos cerca: sons, cores, sabores,
texturas e odores, numa miríade de impressões que o corpo ordena na construção do sentido primeiro”295.
Desse modo, em diálogo com Bachelard296, buscamos [re]significar o museu como casa, a casa que abriga, a casa que guarda, a casa que
acolhe, a casa que nos remete a memórias, passados e [re]significa o presente, o objeto no contexto do diálogo com outros tantos objetos que moram
ali. Dentre sonhos e intenções guardadas nas legendas, nas mediações provocadoras neste espaço de refúgio, a casa dos sonhos, que nos faz
imaginar! Assim, “[...] é preciso tocarmos na primitividade do refúgio. E, além das situações vividas, descobrir situações sonhadas”297, pois, além
do vivido, precisamos sonhar!
292 MAFFESOLI, 2008, p. 71. 293 DUARTE JR., 2000. 294 Ibid., p. 15, grifo do autor. 295 Ibid., p. 14.296 BACHELARD, 1978.297 Ibid., p. 116.
122
O refúgio pertence à poética do espaço da casa, aqui refletido no museu como casa, casa de outras casas, pois abriga conchas que são
também casas! Abriga carapaças, que são também casas, abriga rochas que são também casas! O museu, casa que abriga casas, que é refúgio de
sonhos, de intenções, de tempos e de espaços! É preciso descobrir situações sonhadas no museu, é preciso descobrir sonhos no museu, é preciso
descobrir o que imaginam no museu... no museu como casa, casa de sonhos! A casa “[...] é um dos maiores poderes de integração para os
pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem. Nessa integração, o princípio que faz a ligação é o devaneio”298. Há também a dimensão de
integração no museu, “integração” também tem relação com “estar entre muitos” e que pelo/no sonho pôde e pode se concretizar poeticamente
pela sensibilidade, pela mediação, pela percepção!
De modo a compreender o museu e suas dimensões que o potencializam como um espaço que possibilite percepções diversas, que, por
meio da mediação cultural possa fortalecer ainda mais esse processo, é que, em diálogo com Meneses299, vimos o museu como espaço extraordinário
de ficção, ficção que não se opõe ao conhecimento, mas como “instrumento extraordinariamente eficaz”. Segundo o autor, o espaço do museu “[...]
mobiliza formas de representar o mundo e assim permitir que dele possamos dizer alguma coisa. [...] o museu é um instrumento excepcional de
conhecimento, [...] o museu é, por excelência, um espaço de ficção”300. De acordo com Meneses301, o museu é tido como casa dos sonhos, agregando
neste espaço a dimensão de ficção que nos leva à imaginação. Ah, que espaço, espaço que nos faz suspirar, a cada novo olhar, pois o novo não
mora na coisa/objeto em si ou no espaço do museu, mas “[...] o novo mora no olhar, na relação que podemos manter com coisas, documentos,
objetos e museus”302. Temos, então, a cada novo dia um olhar novo para o museu; a estética renasce diariamente no nosso olhar, mora no nosso
cotidiano, o museu pode estar no nosso cotidiano!
298 BACHELARD, 1978, p. 201.299 MENESES, 2002.300 Ibid., p. 25.301 MENESES, 2002.302 BITTENCOURT; CHAGAS, 2006, p. 10.
123
Uma visita ao Museu Oceanográfico, ou qualquer outro museu, visita mediada, ou não necessariamente, pode vir a provocar uma viagem a
outros territórios, territórios imaginados, sonhados! Manoel me disse assim: “Agora você vai ter que assumir as suas irresponsabilidades. Eu assumi:
entrei no mundo das imagens!”303.
303 BARROS, 2015a, p. 119
124
Figura 42 - Aquarela: Mergulho a conhecer novos territórios
Fonte: Elaborada pela autora.
125
Bachelard, em sua obra A poética dos espaços304, provoca-nos a pensar o valor humano dos espaços. Pela poesia, o espaço pode se tornar
poético, ou seja, pode haver poesia nos espaços, a poesia nos leva a imaginação que cria imagens, imagens “poéticas”. O museu, desse modo, pode
vir a ser um espaço poético. Assim, o espaço do museu e tudo o que nele habita provoca-nos a percepções que se voltam para o imaginário e para
a elaboração de imagens por meio da experiência estética vivida no museu. Se, poeticamente, a “[...] palavra fala, a palavra do poeta lhe fala”305.
Poetizamos, então, o espaço fala, o espaço do museu [pela poética] lhe fala, lhe toca, lhe afeta, lhe faz sonhar, lhe faz imaginar! Assim, o museu é
“[...] um espaço de ficção em que o conhecimento científico pode ser acoplado ao poético, fecundando-se mutuamente”306, ou seja, o museu é
espaço de conhecimento e poesia! Há poesia no museu!
Ao olhar poeticamente para o museu como casa, e que, pelos olhos de quem busca a essência sensível do museu e tudo que nele habita,
tomamos o conceito de espaço pela poética da casa. Se o museu habita, refletimos acerca do museu que propicia percepções sensíveis pela dimensão
estética e poética. Assim: Como as crianças percebem o mar depois da visita ao museu oceanográfico? Como percebem o museu como refúgio dos
animais que habitaram o mar e hoje são objetos museais/estéticos/poéticos?
Provocações, só provocações! Pensar o museu como espaço que possibilite uma educação estésica provoca-nos um olhar imaginado, olhar
sonhado, refúgio dos sonhos, como espaço vivido. Espaço que propicie imaginar o mar ao olhar o museu, ou olhar o mar pelo museu?! “[...] com
os olhos fechados, sem atenção para as formas e as cores, o sonhador é tomado pelas convicções do refúgio. Nesse refúgio, a vida se concentra, se
prepara, se transforma”307. Isso nos convida a pensar que o refúgio é a casa, o museu habita, o museu é casa, então, o museu tem poesia, podemos
dizer então: O museu e tudo que nele habita tem poesia!
Segundo Bachelard, “[...] as verdadeiras casas da lembrança, as casas aonde os nossos sonhos nos levam, as casas ricas de um onirismo fiel,
são avessas a qualquer descrição. Descrevê-las seria fazê-las visitar”308. Assim, em diálogo com Bachelard acerca da poética do museu-casa, acerca
304 BACHELARD, 1978.305 Ibid., p. 192.306 MENESES, 2002, p. 25.307 BACHELARD, 1978, p. 275.308 Ibid., p. 205.
126
do museu como casa das lembranças e dos sonhos, vale ressaltar um dos conceitos que já foram abordados pelo IBRAM309, que diz que “[...] os
museus são casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições que ganham corpo através de imagens, cores, sons e
formas”310. O museu é casa, há poética nos museus, há potencialidades imaginárias, estéticas e sensíveis no museu que possibilitam uma viagem
imaginária, uma composição imagética, em expedição e viagem em busca de novos territórios. “Vou sendo incorporado pelas formas pelos cheiros
pelo som pelas cores.”311
Em “corpos viajantes”312, inspiramo-nos a pensar que pelo museu podemos viajar, pois, para Martins, “[...] o corpo e a imaginação inventam
espaços e criam lugares”. Esta é uma das funções do museu como casa do sonho - um espaço imaginado, novos territórios, de modo que “[...] o
passaporte é o corpo aberto, escancarado, em estesia, não anestesiado”. Eis aí o elo entre museu, casa, percepção, sonho, viagem, imaginação,
educação estética e estesia!
Acerca dessas potencialidades imaginárias, estéticas e sensíveis, Meneses313 aponta-nos a fruição estética no que diz respeito à percepção
sensorial, colocando-a como uma das “funções e usos prioritários”. Para o autor, os sentidos “[...] são pontes que permitem ao sujeito comunicar-
se com o universo. O museu dispõe de condições eficazes para aprofundar esse trânsito que pode existir entre o ‘eu’ e o ‘mundo fora de mim’”314,
entre o museu e o mar, entre eu e museu, entre eu e o mediador, de modo que: Onde estou eu diante do mar? Onde estou eu no museu? De que
ponto de vista imagino o mar estando no museu? É nessa [in]certeza que nada se fechará nessas reflexões, somente teremos pistas, pois o que foi,
já não é mais, é “[...] um brincar viageiro por lugares visíveis e invisíveis, especialmente quando provocados para experiências estéticas”315.
309 IBRAM - Instituto Brasileiro de Museus. 310 BRASIL, 2016, s/p. 311 BARROS, 2015a, p. 108. 312 MARTINS, 2014c, p. 39. 313 MENESES, 2002. 314 Ibid., p. 18, grifos do autor. 315 MARTINS, 2014c, p. 39.
127
Ao pensarmos o museu como espaço que possibilite a imaginação, a reflexão, espaço de sonhos, completamos ainda que “[...] os museus
são pontes, portas e janelas que ligam e desligam mundos, tempos, culturas e pessoas diferentes”316. O museu em seu potencial de espaço estético
“[...] consegue proporcionar uma experiência, estética, emocional, intelectual – e é isso que faz valer a pena ir a um museu”317. Assim, pela poética
de Bachelard, o museu como casa é espaço habitado, espaço com[o] janelas e portas, espaço de transição, de passagem de quem passa e que
atravessa, que se transporta, que desloca, que faz travessias, que deriva em um devir, que entra e sai, de repente, que percebe e provoca percepções!
“Aqui o espaço é tudo, porque o tempo não mais anima a memória. A memória — coisa estranha! — não registra a duração concreta, a duração no
sentido bergsoniano. Não se pode reviver as durações abolidas. Só se pode pensá-las na linha de um tempo abstrato privado de toda densidade. É
pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de uma duração concretizados em longos estágios”318, de um tempo que não é estável!
Dessa forma, os museus, além de serem espaços potencialmente educativos, “[...] são conceitos e práticas em metamorfose”319. São, ainda,
espaços estéticos e poéticos, neles e em tudo que neles habitam, em seus refúgios e dimensões. Meneses 320assinala que “[...] o museu é por
excelência o espaço de representação do mundo, dos seres, das coisas, das relações. Não é o único espaço, pois a ciência é também um espaço de
representação do mundo, assim como a arte”. Completamos, ainda, que o museu é espaço de linguagens, de [re]significação de códigos culturais,
de elaboração imagéticas, de [re]significar o tempo, as temporalidades. Ele desenvolve uma linguagem própria, ou seja, uma linguagem museal, a
linguagem que vem das coisas para compreensão além delas mesmas, cuja ação “[...] demandaria domínio da linguagem das coisas e da linguagem
museal”321, linguagem dinâmica e metamórfica e imprescindível para esse espaço. Assim, os museus falam e “[...] falam por meio de várias línguas
e por meio de várias linguagens. E as linguagens, em suas entonações, seus ritmos, suas paragens”322.
316 BRASIL, 2016, s/p. 317 L’ESTOILE, 2011, s/p.318 BACHELARD, 1978, p. 203.319 BRASIL, 2016, s/p. 320 MENESES, 2002, p. 23. 321 Ibid., p. 36. 322 PEREIRA et al., 2007, p. 12.
128
Assim, as linguagens que dialogam com os sujeitos no museu, nos diferentes suportes, sejam eles sonoros, digitais, visuais, materiais, “[...]
transformam o aprendizado, capaz de desenvolver habilidades diversas e aprimorar o senso estético e crítico, bem como o gosto pelo diverso”323.
O tempo para que essa aprendizagem aconteça é em outra cadência, exigindo, assim, outros compassos e ritmos. A linguagem museal e as
dimensões que potencializam o espaço do museu são um desafio, pois podem ou não ser suficientes para a leitura do sujeito no espaço do museu.
Dessa forma, a mediação pode favorecer essa relação do universal para o particular, e vice-versa, em diálogo no museu, ou seja, ver o mundo no
museu, a imensidão do universal para o particular sentindo-se no museu como espaço de intimidade, [re]ver o mundo, [re]ver o mar e se [re]ver
nisso tudo!
O museu, como espaço de representações, de materialidades, de dimensões e de linguagens é um espaço potencialmente educativo. É nessa
perspectiva que o museu pode dizer o indizível. Para Meneses, “[...] é só assim que a linguagem humana é capaz de dizer o indizível: por
representação. (A ciência também pode deixar-se impregnar destas formas, mas seu caminho específico é outro)”324. É aí que a mediação cultural
pode vir a contribuir nessa relação de linguagem e representação. No entanto, sem a busca permanente de uma educação do sensível, não
poderíamos perceber todas as dimensões, pois é “do sensível é que se chega ao inteligível”325. Utilizamos dos nossos sentidos cotidianamente e,
muitas vezes, não nos damos conta disso, daí a necessidade da educação na contemporaneidade para “[...] estimular o sentimento de si mesmo [...]
numa ocorrência paralela aos processos intelectuais e reflexivos acerca de sua própria condição humana”326. Assim, o espaço do museu e tudo o
que nele habita podem vir a nos provocar (eu e você) por sermos seres sensíveis. “[...] a sensibilidade que funda nossa vida consiste num complexo
tecido de percepções e jamais devem ser desprezadas em nome de um suposto conhecimento verdadeiro”327. Compreendemos o museu como um
323 PEREIRA et al., 2007, p. 13. 324 MENESES, 2002, p. 25. 325 Ibid., p. 29.326 DUARTE JR., 2000, p. 181. 327 Ibid., p. 24.
129
espaço vivo e vivido que requer atividade, ação. Segundo Bachelard, “[...] o espaço chama a ação, e antes da ação a imaginação trabalha. Ela ceifa
e lavra”328.
O museu como espaço educativo, estético e poético, perpassa pela ânsia de “[...] transformar o museu antes num espaço de questionamento
e de indagações do que de respostas”329. Eis aí o papel da mediação cultural, uma abordagem que provoca, instiga e mobiliza essas dimensões
estéticas e poéticas do espaço do museu. Pode-se potencializar o museu como espaço educativo por meio do saber sensível, pois ele traduz
vivacidade para os sujeitos neles imersos. Assim sendo, a educação sensível é relevante nos processos museais e para os sujeitos que ali se
relacionam. Segundo Duarte Jr., “[...] a morte do sujeito não começa pelo pensamento, mas por sua sensibilidade!”330. Logo, pela sensibilidade dos
sujeitos, podemos assegurar a vivacidade do espaço do museu.
O museu vivo, na perspectiva de Meneses331, não se refere àquele que simula a vida, mas sim o que “[...] cria a distância necessária para se
perceber da vida tudo que a existência cotidiana vai embaçando e diluindo, ou tudo aquilo que não cabe nos limites de minha experiência
pessoal”332. Faz-se necessário provocar pensar sobre a vida, sobre ser vivo, sobre representar a vida! Um devir vida em um museu que versa sobre
o início da vida, sobre o oceano e tudo o que nele um dia habitou e ainda hoje habita. Assim, “[...] sentir o mundo consiste, primordialmente, em
sentir aquela sua porção que tenho ao meu redor, para que então qualquer pensamento e raciocínio abstrato acerca dele possa acontecer a partir de
bases concretas e, antes de tudo sensíveis”333. Essa sensibilidade é essencial para que sejamos incitados a passar de um “olhar estrangeiro” para um
“olhar de intimidade”. É essa sensibilidade provocada pela estesia dos sentidos que nos provoca a “[...] flor da pele, ouriçadas por tantas
experiências estéticas, uma, em especial tira-nos os pés do chão”334. Assim, imaginar o mar pelo museu é um mergulho nas águas do mar!
328 BACHELARD, 1978, p. 205.329 MENESES, 2002, p. 28. 330 DUARTE JR., 2000, p. 181. 331 MENESES, 2002. 332 Ibid., p. 3. 333 Ibid., p. 3. 334 MARTINS, 2014c, p. 40.
130
É que “[...] tudo que se vê não é, igual ao que a gente viu a um segundo”335. A sensibilidade busca provocar percepções outras sobre o estar
no mundo e diante do mundo, o estar no museu e diante do museu e a pensar sobre o mar, sobre o mundo, pois “[...] abrir o mundo também é dar-
se ao mundo, poder olhar e ser olhado, mergulhar em ‘coisas’ desconhecidas e, ao mesmo tempo, maravilhar-se com o já conhecido, porém, ‘ver
com os próprios olhos’ é imprescindível”336.
335 Trecho da música Como uma onda, de Lulu Santos. 336 FABRO, 2014, p. 43, grifo da autora.
131
Figura 43 - PODER olhar e SER olhado
Fonte: Elaborada pela autora.
132
A educação sensível, no ponto de vista abordado neste estudo, vai muito além das experiências sensoriais, passando a ser compreendida
por experiências estéticas, percebidas como um “[...] elemento precioso na maturação e desenvolvimento do cérebro humano e em sua atuação
perante a vida”337. O pesquisador complementa ainda que a ficção e a imaginação vêm a ser uma ferramenta eficaz para o saber humano, pois a
educação dos sujeitos na contemporaneidade e a dimensão imaginativa, emotiva e sensível são tidas como origem da educação da vida. A
sensibilidade, nessa perspectiva, é primordial para o sucesso de ações educativas que visem a “[...] construção de uma sociedade mais justa e
fraterna, que coloque a instrumentalidade da ciência e da tecnologia como meio e não um fim em si mesma”338.
O museu de Ciências e História Natural é um espaço que possibilita, pela representação, provocar experiências estéticas, visto que a natureza
ou os elementos tidos como naturais tem um significativo potencial que favoreça essa experiência. Uma educação do sensível não deve prescindir
somente da arte, “[...] a educação do olhar, do ouvir, do degustar, do cheirar, do tatear, em níveis mais básicos, tem à sua disposição todas as
maravilhas do mundo ao redor constituídas por flores, vales, montanhas, rios e cachoeiras, cantos de pássaros e árvores, frutas, etc.”339. Assim, a
apreciação dos elementos naturais pode favorecer também a sensibilização do sujeito para sair do piloto automático e a favor da percepção acerca
do mundo. A riqueza da paisagem do mundo e os seres que o habitam, seja na natureza como seres biológicos, seja no museu como objetos inseridos
em um contexto cultural e de representação, pode provocar a sensibilização do sujeito sobre si mesmo como um ser natural e cultural ativo no
mundo. Um olhar para si como parte do mundo, parte do contexto! Essas experiências a partir da natureza ressaltam, sem dúvida, uma consciência
indelével do cosmo, do mundo em que vivemos, consistindo em uma estesia diária.
Nas próximas páginas, buscamos verificar as percepções acerca de um lugar imaginado pelo espaço poético do museu! Procuramos refletir
acerca das percepções das crianças sobre o mar, muitas vezes conhecido como paisagem cotidiana dos sujeitos investigados, por um outro ponto
de vista, por meio da construção de novos territórios, pela imagem, pelo desenho. No entanto, antes, é preciso ter em mente algumas provocações,
como: O que muda nas percepções da criança acerca do mar em visita ao Museu Oceanográfico UNIVALI? Os desenhos das crianças e suas falas
337 DUARTE JR., 2000, p. 141. 338 Ibid., p. 145. 339 Ibid., p. 145.
133
no “instante já”340contribuem acerca da imagem e da imaginação poética, já que “[...] a imagem não quer deixar-se medir. Por mais que fale do
espaço, muda de grandeza”341.
Como Guimarães Rosa, levamo-nos, sempre, a fazer outras maiores perguntas, tais como: Como as crianças imaginam/percebem o mar em
visita ao museu de modo a criar imagens/desenhos? Segundo Bachelard, “[...] cobrimos assim o universo de nossos desenhos vividos. Esses
desenhos não precisam ser exatos”342. É nessa perspectiva que o espaço do museu, espaço casa, espaço poético “[...] uma vez expresso, toma
valores de expansão”343, que, no caso deste estudo, expandiu para a imaginação acerca do mar.
Pela experiência estética é possível provocar o espanto pelas pequenas coisas, que podem se tornar gigantescas pela imaginação ou pelo
encantamento. Já dizia o poeta Manoel de Barros que “[...] a importância de uma coisa há de ser medida pelo encantamento que a coisa produza
em nós”344. Assim, tornar o sensível fundamental em um processo educacional, seja na escola, no museu, seja na praia, no sítio, “[...] não tem a ver
apenas com os níveis elementares da educação, com a formação da criança e do jovem exclusivamente, mas pode se estender ao longo de toda a
vida adulta com significativo incremento na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo”345. É nessa reflexão que o museu e
tudo que nele habita pode promover, por meio da experiência estética, conhecimentos que integrem o cognitivo e o afetivo. Segundo Meneses346,
umas das funções e usos prioritários do museu é a fruição estética compreendida também como percepção sensorial. Para o autor, o museu é ainda
“[...] lugar e oportunidade de devaneio, de sonho, de evasão, do imaginário, que são funções psíquicas extremamente importantes para prover
equilíbrios, liberar tensões, assumir conflitos, desenvolver capacidade crítica, reforçar e alimentar energias, projetar o futuro, e assim por diante”347.
340 BACHELARD, 1978.341 Ibid., p. 310.342 Ibid., p. 205.343 Ibid., p. 328.344 BARROS, 2015a, p. 152 345 DUARTE JR., 2000, p. 163-164. 346 MENESES, 2002. 347 Ibid., s/p.
134
Assim sendo, por meio da expedição ao museu, as crianças podem experienciar novos territórios, não fisicamente, mas territórios imaginados pela
poética do espaço do museu.
135
4 SOBRE IMAGINAR O MAR
Figura 44 – Aquarela e Na verdade, não gosto de explicar as imagens!
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Manoel de Barros.348
Em diálogo com Manoel de Barros, muito longe de querer explicar, busquei verificar as ressonâncias que geraram as imagens pela
imaginação em visita mediada ao museu e que podem ter repercutido nos desenhos das crianças. Assim, venho aqui investigar como as crianças
imaginam o mar antes e depois da visita ao Museu Oceanográfico UNIVALI, tendo por instrumento de coleta seus desenhos, suas narrativas e suas
falas espontâneas, todos compreendidos como pistas que podem revelar a repercussão do vivido. Compreendendo que “[...] as ressonâncias se
dispersam nos diferentes planos da nossa vida no mundo”349, acredito que o espaço do museu, tudo que nele habita, e a mediação cultural podem
provocar tais ressonâncias nos sujeitos investigados. A repercussão “[...] convida-nos a um aprofundamento da nossa própria existência”, ou seja,
vem a ser a maneira como somos afetados pelas ressonâncias, pelos estímulos advindos do meio, no caso deste estudo a visita mediada ao museu.
348 BARROS, 2015, p. 16. 349 BACHELARD, 1978, p. 187.
136
Para Bachelard (1978), “[...] na ressonância, ouvimos o poema, na repercussão nós o falamos, pois é nosso”350. É “esse nosso” que busquei
analisar pelos desenhos das crianças, tendo consciência que ele, o desenho, é uma tentativa de representação da imagem. O autor completa ainda
que “[...] é depois da repercussão que podemos sentir as ressonâncias”. Assim, pelo impacto na [re]elaboração das imagens, ou seja, por meio dos
segundos desenhos, é que pude perceber algumas ressonâncias provocadas durante a visita mediada ao museu.
A imagem pela fenomenologia é única, momentânea, impossível de materializar, pois ela já não é mais, como poeticamente Clarice nos
diz: “[...] cada coisa tem um instante em que ela é”351. Bachelard aponta que a imagem chega às “[...] profundidades antes de movimentar a
superfície. Isso é verdade, mesmo na simples experiência de leitor. Assim a imagem que a leitura do poema nos oferece faz-se verdadeiramente
nossa. Enraíza-se em nós mesmos”352. Ocorre assim com a imagem que a criança cria ao pensar o mar antes da visita ao museu, e, depois, ao
imaginar o mar em visita ao museu, ou seja, ler a poesia que tem no museu, pois há poética no espaço do museu. É nessa perspectiva que neste
capítulo tento abordar os desenhos criados pelas crianças como representação das imagens imaginadas pelas crianças que são as pistas, as
percepções.
Aventurei-me a descobrir, também, se a visita mediada mudou a maneira que as crianças imaginavam o mar, por meio da imagem
representada no desenho. Como instrumento, pensei no desenho pois “[...] eu gosto do absurdo divino das imagens”.353 Esses desenhos “[...] não
precisam ser exatos. Apenas é preciso que sejam tonalizados pelo modo de ser do nosso espaço interno”354. É nesse movimento que busquei
provocar-nos (eu e você) pelos desenhos dos sujeitos participantes da pesquisa, colocando-nos (eles, eu e você) como sonhadores e não meros
receptores/protagonistas ou plateia, mas como coadjuvantes, em um “[...] desver o mundo [...] maneira de sair do enfado”355 para um re[ver] o mar!
350 BACHELARD, 1978, p. 187.351 LISPECTOR, 2008, s/p.352 BACHELARD, 1978, p. 188.353 BARROS, 2015, p. 39.354 BACHELARD, 1978, p. 205.355 BARROS, 2015, p. 15.
137
4.1 EM BUSCA DAS RESSONÂNCIAS E DAS REPERCUSSÕES
Segundo Bachelard, “[...] dar irrealidade à imagem ligada a uma forte realidade nos põe diante do sopro criador da poesia”356. Na perspectiva
do autor, pensar a realidade por meio da irrealidade movimenta nosso processo criativo, ou seja, a imagem irreal da realidade move nosso potencial
criador. O pesquisador, pela abordagem fenomenológica, considera a imagem como excesso da imaginação, pois, nela, “[...] acentuamos as
dialéticas do grande e do pequeno, do escondido e do manifesto, do plácido e do ofensivo, do fraco e do vigoroso”357. Nem todas essas dialéticas
foram abordadas neste estudo, pois precisaríamos de muito mais tempo e outros objetivos. Contudo, este estudo foi construído nessa dialética para
análise dos desenhos criados pelas crianças em respostas às repercussões do vivido pela visita mediada ao museu.
Ao abordar a poética do espaço, Bachelard coloca-nos que “[...] é preciso amar o espaço para descrevê-lo tão minuciosamente como se aí
houvesse moléculas de mundo, para encerrar todo um espetáculo numa molécula de desenho”358. Esse amor em minúcias perpassa pelo afeto e
pela dimensão apontada por ele, que é a intimidade e a imaginação, ou seja, ir além da superficialidade, em um mergulho para viver o espetáculo.
Só depois disso é que se provoca um “encerramento do espetáculo”. Espetáculo que, para o autor, está nas minúcias, nos detalhes, na paciência
para a criação da miniatura. Está, também, na contemplação que requer uma “atenção perspicaz”359, pela apreciação da imensidão que existe no
pequeno. Viria a ser então esse encerramento do “espetáculo” o ato de criação imagética na tentativa de representar a imagem imaginada por meio
do desenho do sujeito?! É nessa perspectiva que, ao tratarmos da imagem, teremos no desenho não a imagem em si, mas a tentativa de representar
a imagem imaginada como repercussões provocadas a partir da visita mediada ao museu.
Os desenhos foram abordados neste estudo como projeção da imagem imaginada, como tentativa de representação da imagem. Suas
dimensões não serão tomadas pelo aspecto objetivante do antes e depois da visita mediada ao museu, mas sim na perspectiva das transposições
espaciais e de grandezas que perpassam pela dimensão da imaginação - não a grandeza como espaço medido pelo geômetra que pode ser relativo
356 BACHELARD, 1978, p. 331.357 Ibid., p. 260.358 Ibid., p. 301.359 Ibid., p. 301.
138
– grande e pequeno. Segundo Bachelard, são as “[...] transposições de grandeza que dão vida dupla aos espaços poéticos”360, assim é que busquei,
por meio de desenhos como representação da imagem, como o museu, espaço poético, possa ter provocado os sujeitos, pois “[...] toda grande
imagem é reveladora de um estado de alma”361, de imensidão de alma!
Além dos desenhos, tomamos como pistas algumas falas espontâneas362 que os sujeitos nos disseram durante a mediação no espaço do
museu (vivenciado) e de narrativas durante a evolução dos desenhos, pois “[...] o comentário ultrapassa os limites”363, “[...] as imagens quase não
abrigam ideias tranquilas, nem ideias definitivas, sobretudo”364. Foi nessa perspectiva que provoquei as crianças sobre o que elas conheciam do
mar, tendo consciência de que “[...] desenhar não é copiar formas, figuras, não é simplesmente proporção, escala. [...]. Desenhar objetos, pessoas,
situações, animais, emoções, ideias são tentativas de aproximação com o mundo”365.
Não chamamos as pistas de dados, pois consideramos que dados são estáticos; assim chamamos, nesse percurso, tão somente de “pistas”.
As pistas levaram-nos a possíveis percepções representadas por meio de desenhos das crianças/sujeitos acerca do que conhecem do mar! As
palavras ditas no instante[já] poético de Lispector, no presente vivido, não como final, mas como processo, provocam ressonâncias no leitor, assim
podem ter sido as provocações durante a mediação. Já as palavras e as narrativas das crianças/sujeitos em visitação à exposição e no ato do desenho
podem ser compreendidas como repercussão. Assim é que a linha, o desenho, a imagem e a narrativa podem se transformar em poesia.
Vale ressaltar que as narrativas a partir dos desenhos visaram fortalecer as pistas visuais que tiveram como base a elicitação, segundo
Banks366. Para isso, apresentamos as pistas que serão perseguidas durante esta expedição.
360 BACHELARD, 1978, p. 307. 361 Ibid., p. 243. 362 Algumas dessas falas já foram descritas ao abordarmos o espaço do museu no capítulo 2, mas que retomaremos aqui, neste capítulo, em diálogo com os desenhos. 363 BACHELARD, 1978, p. 305.364 Ibid., p. 196.365 DERDYK, 1993, p. 24. 366 BANKS, 2009.
139
Figura 45 – Em busca das percepções
Fonte: Elaborada pela autora.
140
Compreendendo o museu como espaço poético, segundo a perspectiva de Bachelard367, a imaginação cria imagens e abre outras percepções
que podem vir a ser representadas pelo desenho, indicando algumas percepções provocadas pela dupla ressonância-repercussão. “[...] as verdadeiras
imagens são gravuras. A imaginação grava-se em nossa memória. Elas aprofundam lembranças vividas, deslocam recordações vividas, para se
tornarem lembranças da imaginação”368. Desse modo, as imagens “[...] estão na base de toda imaginação”369, entendendo aqui a imagem como
Bachelard, o qual foi provocado pelas ressonâncias trazidas no texto de Diolé – O deserto e as profundezas do mergulho no oceano. Tomamos,
assim, as imagens do mar como repercussão provocada pela visita mediada ao museu, vividas na imaginação sem alimentá-las com alguma
experiência concreta. Nessa perspectiva, podemos relacionar que a visita mediada ao espaço provocou as crianças a [re]imaginar, [re]pensar suas
percepções sobre o que elas conheciam do mar, sobre o mar. Dessa forma, é que, por meio das percepções evidenciadas nos desenhos, buscamos
ir ao encontro do museu como espaço potencialmente educativo.
Em diálogo com Bachelard, acreditamos que as crianças/sujeitos desta pesquisa, convidadas a desenhar o “mar”, partem da percepção de
suas primeiras experiências e vivências na relação com o mar antes da visita ao museu para a percepção que envolve um imaginar pela profundidade,
não a profundidade medida do geômetra, mas a profundidade que nos estesia, que nos faz prender o ar e sair do chão, uma imensidão estésica! Eis
aí o que, para Bachelard, é a transposição de grandezas, de transposições espaciais.
O que esperam de um museu que versa sobre a formação da vida e sobre o oceano? Como imaginarão e representarão o mar depois da
visita? A experiência no museu mudará a percepção sobre o que conhecem do mar? Mais do que procurar respostas, buscamos fazer “outras maiores
perguntas”, em encontro[s] de sujeitos no espaço, de sujeitos de diferentes espaços, espaço visto, espaço vivido, espaço que tem poesia, partindo
de um espaço concreto e geométrico para um espaço imaginado, espaço estésico e poético.
367 BACHELARD, 1978.368 Ibid., p. 117, grifo do autor.369 Ibid., p. 332.
141
Figura 46 – Aquarela e a Alma das coisas
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Fernando Pessoa.370
Poeticamente as linhas citadas por Pessoa371 estão presentes no poema que rima, nestas linhas que escrevo e nos desenhos das crianças.
Tudo tem linha, o horizonte, a linha que divide o mar do céu, a areia da água, a linha imaginária que verticaliza e horizontaliza o olhar. Ao olharmos
as estrelas (pontos), traçamos uma linha imaginária, conectando-as encontramos o Cruzeiro do Sul, a chave do céu, as Três Marias, memórias da
infância que não saem jamais do meu ser, cuja linha e imagem não existem na materialidade, mas estão ali, na nossa imaginação, na nossa memória!
A linha é também a que dá trama à rede de pesca do pescador e que, também, se destaca em um horizonte saudoso e distante para os amantes que
ficam em terra firme, ou para os que vão em expedição mar à dentro, e aí é que a linha aparece novamente, a linha do limite territorial de terra, céu
370 PESSOA, 2011, p. 58. 371 Ibid., p. 58.
142
e mar! Toda linha inicia-se de um ponto e, ao se cruzar, gera outro ponto - “ensinei muito nas minhas aulas de Arte”, linhas que ao se cruzarem
geram potência, com linhas se faz a forma, se faz o desenho, desenho este abordado neste estudo como uma das principais pistas deste estudo.
Com base em Bachelard372, abordamos, neste estudo, o valor humano dos espaços, da imagem poética, da ressonância e da repercussão que
provocam imagens. Esse valor humano dos espaços dá-se, segundo o autor, pela intimidade. Ao olhar poeticamente para o museu, como casa,
território, e pelos olhos, pela contemplação de quem busca a essência sensível do museu, a poesia que existe no museu e tudo que nele habita, faz-
nos perceber grandezas em dimensão de um espaço vivido e engrandecimento do nosso espaço íntimo para um espaço imaginado. O espaço e o
nós/sonhador, “em conjunto, se ordenam, crescem”373. Assim, o museu torna-se um espaço que provoca pela poesia que existe nele, o saber sensível,
um olhar imaginado, para além do que é dado, posto; um imaginar além da superficialidade da água do mar, um olhar para si e para o mundo que
nos cerca, pois: “Uma folha tranqüila verdadeiramente habitada, um olhar tranqüilo surpreendido na mais simples das visões, são operadores de
imensidão”374. O espaço do museu transforma-se na relação da poesia/espaço/sujeito em espaço que transcende a dimensão geográfica e faz o
sujeito [re]pensar o mar, mar na dimensão imaginada ao olhar o museu. Desse modo, é que o museu, sem público, sem o ser que humaniza o
espaço, não passa de um “cemitério de objetos”375.
Os museus possuem um grande potencial capaz de provocar mudanças no modo em que os sujeitos passam a ver o mundo, de [re]significar
o mundo e também [re]significar a existência humana no mundo, e por que não olhar, imaginar e [re]significar o mar? É que os museus são tidos
como “[...] ambientes de contemplação, questionamento, descoberta, ressignificação, mediação, encantamento, entretenimento, confronto e
diálogo”376, ambiente que dialoga com o que Fernando Pessoa poeticamente nos colocou anteriormente - “[...] o ambiente é a alma das coisas”. É
nessa perspectiva que perseguimos as pistas nos desenhos de modo a tentar analisar as percepções das crianças acerca do mar.
372 BACHELARD, 1978. 373 Ibid., p. 327.374 Ibid., p. 334.375 RAMOS, 2004, p. 73. 376 FIGURELLI, 2011, p. 116.
143
A Expedição teve como sujeitos 25 crianças de 8 e 9 anos de uma escola particular do município de Balneário Piçarras-SC, porém
analisamos os desenhos de 15 dos 25 sujeitos, sendo 2 desenhos de cada um, ou seja, 30 desenhos no total.
As primeiras pistas foram surgindo durante vários instantes[já]377. A ação investigada foi dividida em quatro momentos (Figura 47): o
primeiro foi referente à chegada ao museu, a recepção; o segundo, à provocação para o primeiro desenho antes da entrada na exposição; o terceiro
foi a visita mediada à exposição oceanográfica; e o quarto foi o momento do 2º desenho, quando esperávamos as pistas mais significativas para
este estudo. “[...] ninguém saberá de nada, o que sei é tão volátil e quase inexistente que ficará entre mim e eu.”378
377 LISPECTOR, 2008. 378 Ibid., s/p.
144
Figura 47 – Aquarela e o Percurso e as pistas
Fonte: Elaborada pela autora.
A primeira abordagem foi a recepção, o momento de acolhida e de aproximação com o grupo. O momento do contato primeiro, momento
que procurou estabelecer uma acolhida, uma relação de aproximação e de diálogo! O grupo de crianças, a professora, os mediadores do museu e
eu fizemos os primeiros contatos. Nesse momento, foi abordada a pauta da visita e a coleta dos desenhos. As crianças foram alertadas que a
145
participação não era necessária, nem obrigatória. Elas foram, então, provocadas com a seguinte pergunta: “O que vocês vieram fazer aqui?”. As
respostas foram várias: VIEMOS CONHECER O MUSEU OCEANOGRÁFICO!; - VAMOS VER OS ANIMAIS QUE VIVEM NO MAR! - VER
OS TUBARÕES E RAIAS E GOLFINHOS E BALEIAS, UM MONTÃO DE COISA! – VIEMOS PARA APRENDER MAIS SOBRE A VIDA
MARINHA!379. Então, eu, como mediadora, disse tudo isso e mais um pouco, iniciando um diálogo. Convidei-os, em seguida, a me mostrar, por
meio de desenhos, o que eles conheciam do mar... Encaminhei as crianças/sujeitos para a sala de aula no 3º piso onde foi feita a coleta dos primeiros
desenhos. Enquanto eles desenhavam, eles narraram o que conheciam do mar. Ao terminarem, fomos provocados a descobrir o que o museu tinha
para nos mostrar!
Já, no segundo andar, antes de entrarmos na exposição, houve a contação oral da história de Marcelinho - um menino de cinco anos que
começou a juntar animais mortos para guardar e que decidiu, desde aí, montar um museu, este que eles iriam visitar naquele momento. Essa é a
história do curador, a história antecedeu a entrada das crianças na exposição em busca de provocar a imaginação acerca do museu e de como ele
se constituiu pela intenção de uma criança curiosa. Além da contação da história, eu, na qualidade de educadora/mediadora naquele espaço, fiz a
introdução da temática do museu, dos assuntos tratados, das alas divididas por cores e temáticas, uma apresentação breve sobre como a curadoria
pensou a exposição.
A mediação buscou possibilitar ao grupo um tempo livre para observação em cada ala e, depois, envolver o grupo para um bate papo.
Coloquei-me aberta ao diálogo, cedendo vez e voz às crianças, abrindo brechas aos diálogos e às perguntas. Durante a ação de mediação, várias
relações foram estabelecidas em diálogo diante dos objetos expostos que perpassam pela educação do olhar, fazem-nos pensar sobre a vida, o
mundo; enfim, o mar e que, pela experiência estética vivenciada no museu como espaço poético, possa provocar nos sujeitos “[...] um fator de
emoção, sentimento, e num nível mais complexo, reflexão”380, de modo a provocar percepções acerca das várias dimensões que potencializam o
museu. A visita à exposição em uma ação mediada teve a duração de aproximadamente 1 hora e 30 minutos. O momento de criação dos desenhos
foi de aproximadamente 20 minutos cada etapa.
379 Falas dos sujeitos pesquisados. 380 MEIRA, 2011, p. 109.
146
Além do espaço museal, a abordagem da mediação cultural, os televisores e os objetos museais, todos podem vir a favorecer a linguagem
museal de modo a provocar nos sujeitos novos olhares, novas percepções, novas provocações. Mais especificamente os objetos museais com status
de testemunho inseridos no museu podem provocar a imaginação das crianças, por dimensões estéticas, sendo possível que as crianças/sujeitos
possam ser afetadas/os no/pelo espaço do museu e por tudo o que nele habita. Para essa provocação, “[...] basta que eu veja nitidamente, com os
olhos ou com os ouvidos, ou com outro sentido qualquer, para que eu sinta que aquilo é real. Pode ser mesmo que eu sinta duas coisas inconjugáveis
ao mesmo tempo. Não importa”381. O real imaginado torna-se real na perspectiva da criação da imagem pela imaginação, no ato da criação do
desenho, em busca de representar a imagem elaborada pela imaginação, é por aí que buscamos as percepções!
Studart382 indica que diferentes aspectos (cognitivo, afetivo e social) da experiência museal podem ser explorados nos desenhos de crianças,
além de oferecerem revelações importantes sobre questões relacionadas à comunicação e à educação em museus. Dessa maneira, a série de desenhos
buscou exprimir aspectos relacionados a percepções acerca do mar imaginado em visita ao museu, segundo uma perspectiva fenomenológica, “[...]
apreciada como um processo de significação, não só reafirmando a premissa que a criança desenha o que sabe dos objetos, mas também indicando
que ela aprimora o conhecimento que tem dos objetos ao desenhá-los”383.
Perseguimos, assim, com as pistas, as percepções que as crianças tinham acerca do mar movidos pela expectativa de que a visita mediada
ao museu pudesse vir a mudar essas percepções. O desenho é de suma importância para o processo de percepção e de construção do conhecimento
para a “[...] elaboração conceitual dos objetos e eventos pelas crianças. [Essa perspectiva] evidencia, também, o papel do desenho na construção
da significação e no desenvolvimento da capacidade semiótica”384. Desse modo, as crianças, depois da visita mediada à exposição, foram
provocadas a desenhar novamente, pois “[...] o ser é antes de tudo um despertar, e ele desperta na consciência de uma impressão extraordinária. O
381 PESSOA, 2011, p. 158. 382 STUDART, 2008, p. 20-31. 383 PEREIRA, 2007, p. 16. 384 Ibid., p. 18.
147
indivíduo não é a soma de suas impressões gerais, é a soma de suas impressões singulares”385. Na perspectiva de despertar o olhar, de uma
percepção, um devir mar imaginado!
Assim, o segundo desenho foi coletado não mais dentro da exposição, mas em uma sala de aula fora da exposição, um espaço sem nenhuma
referência visual às imagens e aos objetos museológicos vivenciados anteriormente. Foram desenhos provocados novamente pelas seguintes
perguntas: E agora, o que vocês conhecem do mar? A experiência da visita mediada ao museu mudou a maneira de representação do desenho
acerca do que conhecem do mar? Acreditamos que “desenhar é conhecer, é apropriar-se”386.
4.2 A EXPEDIÇÃO
Vamos então à expedição com 25 crianças de 8 a 9 anos, residentes no município de Balneário Piçarras – município sede do museu. Foram
escolhidos para provocarmos o olhar, na perspectiva dos autores abarcados neste estudo, cerca de 30 desenhos de quinze crianças. O critério de
escolha foi a seleção daqueles que apresentaram mais evidências de mudanças nos desenhos, cuja análise foi feita em diálogo com os textos teóricos,
observando as dimensões abordadas inicialmente neste estudo. Assim sendo, apresentamos trinta desenhos de quinze crianças (1º desenho - antes
da visita mediada e 2º desenho - depois da visita mediada) para analisar as percepções dessas crianças - sujeitos desta pesquisa - sobre o mar em
uma visita ao Museu Oceanográfico UNIVALI em uma ação de mediação cultural.
Os primeiros desenhos sinalizam as ressonâncias do vivido junto ao mar, seja por meio das experiências vivenciadas, ou por meio de objetos
propositores como livros, vídeos, filmes, aulas na escola, internet e demais recursos comunicativos e midiáticos, pois, no momento do desenho, as
crianças/sujeitos ainda não haviam vivenciado a exposição do museu. Já os segundos desenhos, criados posteriormente à visita mediada sinalizam
as percepções provocadas pelas ressonâncias do vivido na exposição, das provocações e da relação estabelecida no espaço e tudo que nele habita,
pela mediação, potencializando assim as percepções.
385 BACHELARD, 1997, p. 8. 386 DERDYK, 1993, p. 24.
148
Os desenhos permitem-nos representar a imagem gerada pela imaginação, aventurar a perceber pistas no entendimento dessas percepções
prováveis, pois são “[...] imagens que estão na base de toda imaginação”387. Logo, “[...] a representação traduz [...] aquilo que a percepção recebeu
num espaço sensível”388. É nesse aspecto que, a partir dos desenhos como representação da imagem, tentaremos identificar as percepções das
crianças.
387 BACHELARD, 1978, p. 332. 388 Ibid., p. 44.
149
Figura 48 – Aquarela e Coleta dos desenhos e das narrativas
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos – acervo da autora.
150
4.3 RUMO À VISITA MEDIADA
Depois do primeiro desenho, fomos à visita mediada à exposição. Nesse momento, no saguão da entrada, várias relações foram provocadas
acerca da relatividade de noções de tempo e de espaço, formação e evolução da vida, conhecimento, surgimento de mitos e lendas, desenvolvimento
das culturas e das tecnologias de exploração e, então, o mais esperado: a evolução da vida e a diversidade da vida marinha. Essas provocações
possibilitadas pela mediação permitem-nos afirmar que “[...] o museu é a materialização de uma cosmologia, de um modo de olhar para o
mundo”389.
Ao adentrar o museu – espaço poético e também casa dos sonhos -, as ressonâncias poderiam repercutir nos desenhos posteriores como
representação da imagem gerada pela imaginação ao provocar as crianças sobre o que elas conheciam do mar? Foi essa busca de fenômenos por
meio da educação do sensível, pela mediação cultural e pela poesia que existe no museu que a visita mediada buscou provocar nos sujeitos. Vale
ressaltar que a educação do sensível não pode prescindir somente da arte e/ou de uma visita ao museu, seja ele de arte ou de ciências, mas “[...] a
educação do olhar, do ouvir, do degustar, do cheirar e do tatear, em níveis mais básicos, tem à sua disposição todas as maravilhas do mundo ao
redor, constituídas por flores, vales, montanhas, rios e cachoeiras, cantos de pássaros, árvores, frutas, etc.” 390. Essa educação do olhar, educação
do sensível é primordial para que o museu seja sentido pela sua poesia e pela sua estética. Vamos adiante!
389 L’ESTOILE, 2011, s/p.390 DUARTE JR., 2000, p. 145.
151
Figura 49 – Aquarela e Visita mediada à exposição
Fonte: Elaborada pela autora. Fotos – acervo da autora.
152
O espaço do museu, compreendido neste estudo como espaço educativo, estético e poético, pode vir a provocar os sujeitos a estabelecer
com mais proximidade a relação com a natureza. Segundo Duarte Jr. (2000), essa “[...] interligação entre a vida humana e o mundo natural do qual
ela faz parte necessita, por conseguinte, ser sistematicamente conscientizada ao longo do processo educacional ao qual somos submetidos, e o seu
princípio, reafirme-se aqui, deve estar nessa primeira via de acesso ao conhecimento: o dos sentidos” 391. Posto isso, retomamos os desenhos pela
dialética apresentada por Bachelard, do interior e do exterior, do grande e do pequeno, da ausência e da presença e, acrescento ainda, do antes e do
depois. É desse modo que o espaço “[...] chama a ação, e antes da ação a imaginação trabalha. Ela ceifa e lavra. Seria preciso falar dos benefícios
prestados por todas essas ações imaginárias”392. É nessa perspectiva que este estudo dá voz à imaginação, à imagem e ao desenho em busca de
pistas – percepções!
4.4 AS PISTAS
A partir de um olhar aguçado sobre os desenhos produzidos pelas crianças, podemos sinalizar algumas pistas percebidas nos desenhos que
nos levam a algumas dimensões que possam ter sido provocadas e impactadas pela visita mediada ao museu. Desse modo, as dimensões em análise
vieram a posteriori, ou seja, a partir dos desenhos elaborados pelas crianças e não de forma pré-concebida nesta investigação. Assim, a análise dos
desenhos em busca das percepções foi organizada pelas seguintes dimensões: [re]significação na relação homem x mar; espacialidade; grandeza;
testemunho; imaginação; conhecimento.
Não cabe aqui responder a todas essas provocações; elas pululam para refletirmos (eu e você), pois, no desenho, são o “[...] real e imaginário
indissolúveis, o pensamento mágico da criança evolui à maneira do jogo, que funciona ao mesmo tempo como simulacro e como verdade: tudo é
susceptível de ser transmutado neste universo”393. A intenção aqui é dialogar a partir das diferenças, das dialéticas apresentadas para provocar, e
391 DUARTE JR., 2000, p. 199. 392 BACHELARD, 1978, p. 205.393 MEREDIÈU, 2006, p. 6.
153
aí sim estabelecer um diálogo com autores em colaboração a este estudo. O desenho materializa a imagem produzida pela imaginação. Para
Bachelard, “[...] a imagem, em sua simplicidade, não precisa de um saber. Ela é a dádiva de uma consciência ingênua. Em sua expressão, é uma
linguagem jovem”394. É sobre essa “consciência ingênua” que voltamos a outras provocações. “A consciência ‘se eleva’ no momento de uma
imagem que comumente ‘repousa’. A imagem não é mais descritiva, é resolutamente inspiradora. Estranha situação, os espaços amados não querem
ficar fechados! Eles se soltam. Diríamos que se transportam, facilmente aliás, para outros tempos, para outros planos diferentes dos sonhos e das
lembranças.”395 Assim é que os desenhos foram agrupados pela alusão que as crianças fizeram acerca de suas percepções sobre o mar. Percepções
que foram tidas como pistas, organizadas em dimensões.
Ao abordarmos as dimensões, apresentamos os desenhos elaborados pelos sujeitos, de modo que o mesmo desenho poderá ser analisado
por mais de uma dimensão evidenciada a partir da análise, pois “[...] nunca a imaginação chega a dizer: é só aquilo. Há sempre mais que aquilo.
Como já dissemos muitas vezes, a imagem da imaginação não está submetida a uma verificação pela realidade”396. É nessa perspectiva que a
análise também não buscou fechar uma leitura única, mas sim provocar percepções evidenciadas nos desenhos [re]organizadas por dimensões a
partir dos desenhos em análise.
4.4.1 Dimensão de [re]significação na relação homem x mar
Notamos como uma das pistas o que pudesse vir a ser de uma visão de “superioridade” ou “distanciamento” para uma dimensão posterior
de “intimidade”. A superioridade, a nosso ver, pode ter sido provocada quando em análise percebemos que, nos primeiros desenhos, o homem se
coloca em uma relação de exploração dos recursos, de lazer ou de desdobramentos pela ação humana destrutiva. O distanciamento, na maioria dos
desenhos, traz o homem olhando o mar por fora, um olhar de paisagem, de apreciação - homem representado no desenho por uma superficialidade,
394 BACHELARD, 1978, p. 185. 395 Ibid., p. 332, grifos do autor. 396 Ibid., p. 253.
154
quase hegemônica. Nos segundos desenhos, observamos o que poderia vir a ser uma relação de intimidade, de proximidade e de imersão com e no
mar, um tanto quanto mais alegre e mais colorida do que a representada nos primeiros desenhos.
As imagens a seguir (Figuras 50 e 51) trazem os primeiros desenhos, que ocorreram antes da visita mediada, de sete das treze crianças. A
análise inicial teve como reflexão a relação humana com o mar. Esses desenhos provocaram-me a pensar sobre a relação do homem com a natureza,
aqui representada fortemente, seja por meio de artefatos construídos pelo homem, pelos desdobramentos da ação humana “destrutiva”, representada
pela própria imagem do homem ou pela fala da criança. Em forma de balão, nos desenhos dos sujeitos, apresento parte de algumas narrativas
coletadas durante a criação dos desenhos.
155
Figura 50 - 1º desenho - Representatividade humana nas cenas
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
156
Figura 51 - 1º desenho - Representatividade humana na cena
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
157
Esses desenhos levaram-me a verificar as percepções dos sujeitos quanto à relação do homem com o mar nos desenhos ou nas narrativas.
As percepções das crianças revelam, nesse primeiro bloco, a exploração do mar pelo homem, seja por meio do lazer ou da extração de seus recursos.
O homem está representado em sete dos quinze primeiros desenhos em análise, seja pela presença de artefatos ou da figura humana. A ação do
homem sobre o meio é muito forte nos desenhos dos sujeitos 3, 8, 10 e 11, em relação à poluição e à mortandade de animais. Segundo as crianças,
esses são desdobramentos da ação humana no mar. Os esqueletos dos peixes são sequencialmente representados, de uma forma e padrão homogêneo
e repetitivo.
Em uma das falas, o sujeito 3 (Figura 50) diz: SÃO PEIXES MORTOS, É O QUE VEJO HOJE EM DIA! Cabe, aqui, a reflexão: Será que
é isso mesmo que ele vê hoje em dia? Só isso? Acerca do desenho, Bachelard coloca-o como representação do real - e não em uma relação
provocada pela imaginação poética - não passa de uma representação exteriorista, desenho objetivo que “[...] é desligado do devaneio, é um
documento rígido e estável que marca uma biografia”397. A partir dos primeiros desenhos, as crianças/sujeitos ainda não tinham entrado na casa
dos sonhos, no espaço poético, no museu. Poderiam, assim, estes serem os desenhos objetivos em sua exterioridade?!
Provocada durante a coleta dos primeiros desenhos, abordei a professora da turma. Ela me relatou que havia trabalhado bastante sobre a
temática da educação ambiental com seus alunos. Contudo, refleti: De que maneira essas crianças foram provocadas? Qual o ponto de vista dessa
relação construída nas aulas de educação ambiental? Os sujeitos 8 e 10, em suas narrativas, abordaram a perspectiva destrutiva desta relação:
“BASTANTE BARCOS POLUINDO E PESCANDO!”398; PORQUE HOJE EM DIA O MAR É POLUÍDO!399. A educação ambiental pode
também ser trabalhada na perspectiva da educação do sensível, que perpassa pela educação do olhar, pelo afeto, pela intimidade, na perspectiva
que aponta Duarte Jr.:
[...] uma educação do sensível, da sensibilidade inerente à vida humana, por certo constitui o lastro suficiente para que as naus do conhecimento possam singrar os mares mais distantes de nossas terras cotidianas, como os oceanos [...]. Inevitavelmente, após viajarmos por tais paragens longínquas acabaremos sempre por retornar aos nossos portos do
397 BACHELARD, 1978, p. 229. 398 Narrativa do sujeito 8 a partir do segundo desenho elaborado. 399 Narrativa do sujeito 10 a partir do segundo desenho elaborado.
158
dia-a-dia, nos quais convivemos com outros marinheiros e companheiros de jornada, tendo de trocar, com eles e com a paisagem ao redor, informações e procedimentos que precisam nos tornar mais humanos e menos predadores.400
Duarte Jr. traz uma crítica sobre o olhar condicionado: “[...] é preciso notar-se o quanto essa avassaladora estimulação visual presente em
nosso cotidiano não desenvolve verdadeiramente o olhar das pessoas, mas simplesmente o dirige e o condiciona para uma restrita percepção do
mundo em que vivem”401. Segundo autor, é nesse sentido que acabamos nos acostumando com o lixo que vemos jogado nas ruas, nas praias, no
mar. Para ele, “[...] esse lixo, entretanto, parece ter se tornado, aos olhos da maioria que aqui vive, algo absolutamente corriqueiro e, portanto,
‘natural’, num mau emprego do termo”402. Assim, devemos trabalhar na relação do sensível para um [re]imaginar o mar, porém agora visto pelo
museu!
Além da visão de mortandade, desdobramento da ação destrutiva do homem abordada em quatro dos sete desenhos apresentados
anteriormente (Figura 50), foram representados nos outros três (Figura 51) o homem em uma relação de lazer, sendo citada, em dois desenhos, a
atividade voltada à exploração turística, e, em um desenho, explicitado na narrativa do sujeito. Seria uma percepção condicionada do homem como
destruidor? Vamos a outras provocações sobre essa relação. As crianças/sujeitos, ao posicionarem a figura humana ou ação, ou artefato que conota
a relação homem x mar no desenho, se veem como sujeitos dessa relação? Poderia, aqui, convidar você (leitor) a pensarmos sobre a presença do
homem nos sete primeiros desenhos. Uma presença sobre a superfície – por cima da água - talvez “egocêntrica”, remeteria à superioridade - na
relação do homem com o mar, ou de desdobramentos de sua ação irresponsável e destrutiva? Gostaria de provocar também que, em todas as cenas
representadas dos sete desenhos, a presença humana é sempre ativa de ação no meio?!
O fato é que o homem está na superfície, ou diríamos ainda, na superficialidade, quase hegemônica sobre o mar. O homem é um explorador
nessa relação, quase que soberana e não em uma relação inserida, íntima de proximidade com o mar, o que muda de forma significativa nos
400 DUARTE JR., 2000, p. 187. 401 Ibid., p. 100. 402 Ibid., p. 100, grifo do autor.
159
segundos desenhos elaborados posteriormente à visita mediada ao museu. Quem sabe nessa diferença, em um museu que fala da vida, podemos
mudar a perspectiva da relação anteriormente evidente nos desenhos das crianças?
Em se tratando dos sete desenhos dos sujeitos 3, 4, 5, 6, 8, 10, 11, apresentados anteriormente, suas representações e suas configurações
mudaram significativamente em relação aos segundos desenhos. Assim, o modo como imaginavam o mar mudou depois da visita mediada ao
museu. Foram percepções identificadas tanto nos desenhos quanto nas narrativas e nas frases espontâneas. Os sete desenhos inicialmente analisados
tinham referenciais humanos, mas nenhuma referência ao homem aparece nos segundos desenhos. Talvez não que o homem não esteja mais
presente de maneira objetiva e concreta, não em sua superioridade/superficialidade na cena, mas presente no sujeito que olha, que mergulha, que
desenha!? Talvez as crianças desenharam a figura em uma perspectiva de sujeito mergulhado no mar?! Se pensarmos o desenho pelo ponto de vista
e perspectiva representada, ao analisar os segundos desenhos, dos quinze, nove deles representaram a figura humana na perspectiva do mergulho,
some o limite da linha que separa o horizonte da areia com a água, da água com o céu! “É medindo essas sutilezas que nos transformamos. ”403
Muda-se o olhar e a transposição acontece!
Podemos observar também que, se no primeiro desenho o homem apareceu em todos os sete dos quinze desenhos, seja por seus artefatos
ou desdobramentos da ação humana, no segundo desenho isso não ocorreu, pelo menos não objetivamente. O homem está como mergulhador
integrado ao meio, não mais em uma relação de distanciamento, mas de intimidade; o homem mergulha no mar, seja como ponto de vista para a
criação imaginada do desenho, seja pelo mergulhador inserido trajado com o escafandro. Podemos verificar essas perspectivas de mudança, na
relação aqui abordada, mais especificamente nos desenhos dos sujeitos 1, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 14 e 15, apresentados a seguir (Figuras 52 a 62).
403 BACHELARD, 1978, p. 244.
160
Figura 52 - 1º e 2º desenhos do sujeito 1
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
161
Figura 53 - 1º e 2º desenhos do sujeito 3
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
162
Figura 54 - 1º e 2º desenhos do sujeito 4
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
163
Figura 55 - 1º e 2º desenhos do sujeito 5
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa. .
164
Figura 56 - 1º e 2º desenhos do sujeito 6
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
165
Figura 57 - 1º e 2º desenhos do sujeito 8
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
166
Figura 58 - 1º e 2º desenhos do sujeito 9
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
167
Figura 59 - 1º e 2º desenhos do sujeito 10
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
168
Figura 60 - 1º e 2º desenhos do sujeito 11
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
169
Figura 61 - 1º e 2º desenhos do sujeito 14
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
170
Figura 62 - 1º e 2º desenhos do sujeito 14
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
171
Dos desenhos analisados dos 15 sujeitos, somente nos desenhos dos sujeitos 1, 9, 14 e 15 é que aparece o homem no segundo desenho, no
fundo do mar, vestido com escafandro. Nos demais desenhos, o homem não mais aparece. Os desenhos dos sujeitos 1, 9 e 15, anteriormente
apresentados (Figuras 52, 28, 62), não tiveram a representação humana no primeiro desenho. Já no desenho do sujeito 14 (Figura 61), o homem
aparece no primeiro em uma escala muito pequena e reaparece no segundo na perspectiva de imersão. Todos os quatro desenhos em que o homem
aparece no segundo desenho é sempre pela perspectiva de mergulho, sempre na profundidade e não mais na superfície como apareceu nos primeiros
desenhos. Nos quatro desenhos o homem aparece vestido com um traje de mergulho, o ‘escafandro’, o qual temos exposto no museu. Assim, o
humano, nesse momento, encontra-se imerso na água; vê o mar por dentro.
Outra provocação ao verificar os desenhos pela perspectiva da relação homem e natureza foi que os peixes mortos e a poluição evidentes
nos primeiros desenhos não existe mais nos segundos desenhos. A mortandade foi, assim, substituída pela vida, ou seja, por animais vivos em um
mar limpo. A percepção da criança sobre o mar mudou. O mar, no segundo desenho, é lugar de vida e, como tal, não cabe a poluição. Há, dessa
forma, a percepção da esperança, da crença em um mundo melhor.
O que levou o humano a desaparecer dos desenhos no momento posterior à visita? Seria talvez um inconsciente coletivo ou uma consciência
ingênua de que o homem não é tão essencial assim à natureza? Seria uma percepção sobre a “não tão” essencialidade do homem com relação à
natureza, ao mar. Ou, talvez, a ausência da figura humana no segundo desenho pode conotar uma percepção de imensidão, de que o mar é muito
maior do que ele pensava e que o homem não domina aquele espaço?! Talvez seja um desdobramento da fala do vídeo inicial em que o oceano nos
fala: “[...] a natureza não precisa das pessoas, as pessoas é que precisam da natureza!”404. Desejável seria uma verdadeira relação de estesia, de
afeto, de intimidade e de pertencimento, que, poeticamente, é proposta por Manoel de Barros como louvor:
404 Trecho do vídeo apresentado no início da exposição. Conservação Internacional – Oceano.
172
Figura 63 – Aquarela e Louvor!
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Manoel de Barros.405
4.4.2 Dimensão espacial
A dimensão espacial é reverberada, neste estudo, pela dialética apontada por Bachelard do exterior e do interior, demonstrada pelo fenômeno
da transposição espacial de fora para dentro do mar, de dentro do espaço do museu para o mar. Outra reverberação acerca da espacialidade refletida
também do exterior e do interior é sobre a superficialidade e a profundidade. Esses elementos também ficaram evidentes, até mesmo representados,
pela escala geométrica no próprio desenho da criança/sujeito 7 (ver Figura 67 mais adiante), que pode ter sido desenhado não para conotar a medida,
mas a profundidade em si; não a escala geométrica medida, mas a imensidão que se descobriu na visita do museu; a profundidade que despertou a
imensidão; a profundidade que é compreendida por Bachelard como “a grandeza escondida”406. Assim, surgiu a provocação da dimensão espacial,
colocando questões como: De onde olha o sujeito? Onde ele está no desenho? De que ponto de vista ele está para elaborar o desenho?
Essa dimensão possível de ser percebida pela dialética do exterior e do interior foi direcionada pelo olhar para os primeiros desenhos dos
sujeitos 2, 3, 4, 7, 8, 9, buscando na dialética e pela audácia dos poetas que “[...] nos chamam às sutilezas da experiência da ‘intimidade’, às
405 BARROS, 2015, p. 26. 406 BACHELARD, 1978, p. 318.
173
‘escapadas’ da imaginação”407. É nessa dialética que abordamos, pelo interior da água, a intimidade, já que o exterior “[...] é riscado com um traço,
tudo é novidade, tudo é surpresa, tudo é desconhecido. O externo não significa mais nada. E mesmo, supremo paradoxo, as dimensões do volume
não têm mais sentido porque uma dimensão acaba de se abrir: a dimensão da intimidade”408. É no espaço do museu, pela sua dimensão estésica,
sensível, que os sujeitos provocados pela mediação são afetados, provocados a [re]ver o mar, a imaginar por dentro, em uma imersão imaginada,
“EU ESTOU MERGULHANDO NO FUNDO!”409. Vejamos isso nos desenhos apresentados a seguir.
407 BACHELARD, 1978, p. 338. 408 Ibid., p. 253.409 Narrativa do sujeito 7 coletada a partir do segundo desenho.
174
Figura 64 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 2
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
175
Figura 65 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 3
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
176
Figura 66 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 4
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
177
Figura 67 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 7
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
178
Figura 68 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 8
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
179
Figura 69 - Dimensão espacial - 1º e 2º desenhos do sujeito 9
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
180
Algumas narrativas coletadas a partir dos desenhos elaborados pelos próprios sujeitos apresentaram pistas que podem indicar essa relação
de intimidade: “PENSEI EU MERGULHANDO!”410, “ESSA SOU EU DENTRO DO ESCAFANDRO, QUERIA PODER MERGULHAR UM
DIA!”411. Por meio dos desenhos dos sujeitos 1, 14 e 15, também podemos perceber essa referência direta de aproximação e intimidade nas
dimensões da relação homem x mar e também na dimensão espacial. Confira nas imagens a seguir.
410 Narrativa do sujeito 9 coletada a partir do segundo desenho. 411 Narrativa do sujeito 1 coletada a partir do segundo desenho.
181
Figura 70 - 1º e 2º desenhos do sujeito 1
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
182
Figura 71 - 1º e 2º desenhos do sujeito 14
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
183
Figura 72 - 1º e 2º desenhos do sujeito 15
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
184
Essa dimensão espacial pela dialética do interior e do exterior pode ser provocada pela intimidade e que pode provocar essa transposição
espacial, do exterior para o interior da água, provocada pelo espaço do museu e tudo que nele habita, espaço estésico, poético, que trouxe afetos
aos sujeitos ali imersos. “EU SABIA QUE TINHA ANIMAIS GRANDES, MAS NÃO ‘TÃO GRANDES ASSIM’!”412. Afinal, “[...] quem aceita
os pequenos espantos prepara-se para imaginar os grandes”413. É nesses espantos que a provocação acontece! “O QUE MAIS ME DEIXOU
ESPANTADO FOI O TAMANHO DOS ANIMAIS – MUITO GRANDE!”414.
Figura 73 – Aquarela e Água e chão diferentes, mas fecundam-se!
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Manoel de Barros.415
412 Narrativa do sujeito 13 coletada a partir do segundo desenho – grifos nossos. 413 BACHELARD, 1978, p. 268. 414 Narrativa do sujeito 13 coletada a partir do segundo desenho. 415 BARROS, 2015, p. 25.
185
É também pelos sentidos provocados neste espaço estésico, provocações possíveis de serem potencializadas pela mediação cultural que
“[...] a vista encurta seus dramas. Mas, uma marca de perfume, um cheiro íntimo pode determinar um verdadeiro clima no mundo imaginário”416.
Eis aí o imaginário, a transposição espacial, do exterior para o interior, provocado pela dimensão da intimidade. O sujeito mergulha! EU ESTOU
DENTRO DO MAR, MERGULHANDO!417 Provoco você a pensar comigo: Qual é o ponto de vista da criança no ato da elaboração dos desenhos?
De onde ela olha? Uma poética expedição imaginária a outros territórios?! O fato é que o modo como representam o mar depois da visita mediada
mostra uma relação de aproximação, seja pela questão formal na riqueza de detalhes presente nos desenhos, mas também nas narrativas como as
já apresentadas.
Outra provocação nessa dimensão espacial é que a água foi colocada em evidência em um pleno azul nos primeiros desenhos. Nos segundos
desenhos, a percepção primeira dá lugar a percepções outras, colocando em destaque os animais, seja em tamanho ou diversidade, seja no colorido
da vida. Nos primeiros desenhos, o espaço foi representado, em quase sua maioria, por animais mortos e de cor quase uniforme. Nos segundos
desenhos, o espaço ganhou cor e diversidade de vida. A água muitas vezes sumiu como superfície de horizonte. O azul não ficou tão evidente nos
segundos desenhos. Os sujeitos deixaram, então, de olhar de fora, de uma apreciação paisagística, eles passaram a ter um olhar de exploração por
dentro, um mergulho, em perspectiva submersa, em busca de novos territórios!
É a partir desses planos diferentes que deflagramos a reflexão. Dos quinze desenhos, dez deles têm, no primeiro desenho, o ponto de vista
exterior, do ponto de vista da areia, o mar visto por fora, sempre com um certo distanciamento, mais como uma paisagem e um horizonte distante.
Seria talvez o inalcançável? Provoco-me ainda a pensar para onde foram os sujeitos nos segundos desenhos, se a maioria deles não está representada
na cena? Onde eles estão? Será que eles são os que olham de perto, em um mergulho, saindo do ponto de vista externo e mergulhando pela
imaginação dentro do mar? Seriam eles então os seres que olham o mar e os seres que compõem os desenhos? Estariam os sujeitos antes
representados na cena para depois estarem inseridos na cena de modo ativo em uma transposição espacial?
416 BACHELARD, 1978, p. 310. 417 Sujeito 8 da pesquisa – Fala do sujeito no ato da criação do segundo desenho.
186
Sobre a intenção do primeiro para o segundo desenho, em não representar o homem na superficialidade da água, poderia ser refletida por
não se olhar mais, não ter a necessidade de sobrepor o homem na paisagem vista de longe, um “olhar estrangeiro”418. Agora, visto por dentro, a
integração do sujeito na cena; ele se integra seja pela cena ou seja pelo ponto de vista em olhar o mar por dentro na perspectiva do mergulho?! Vale
lembrar que essa espacialidade que falamos aqui não deve se dar pela perspectiva geográfica, em uma perspectiva de planos, mas sim pela
perspectiva do sujeito, de seu lugar no mundo, de espaços de intimidade. Teria, assim, o sujeito se sentido mais próximo do mar em visita ao
museu?!
Para Bachelard, a intimidade pode ser entendida na mudança de “[...] um olhar que não olha mais um objeto particular, mas que olha o
mundo”419, que, diante da imensidão imaginada depois de visitar o museu, repensou o mar em sua imensidão pela perspectiva de intimidade e
aproximação, em que o distanciamento acaba e se insere no meio por uma imersão imaginada. Se essa hipótese for acolhida, podemos afirmar que
o sujeito não mais se percebe como centro, como hegemônico, mas passa a mergulhar na imensidão, mesmo que não concretamente, pela
imaginação - daí a mudança na imagem sobre o mar e a tentativa de representá-la pelo desenho. “Cobrimos assim o universo de nossos desenhos
vividos. Esses desenhos não precisam ser exatos. Apenas é preciso que sejam tonalizados pelo modo de ser do nosso espaço interno.”420
A imagem gerada pela imaginação segundo a representação por meio dos desenhos das crianças possibilitou a imersão, a transposição
imagética aconteceu! A imersão pelo mergulho, um novo mundo conquistado mesmo que o sujeito/criança nunca tenha vivenciado o mergulho em
sua concretude. Desse modo, o desenho para o sujeito exprime a imagem que “[...] se transforma num ser novo de nossa linguagem, exprime-nos
fazendo-nos o que ela exprime, ou seja, ela é ao mesmo tempo um devir de expressão e um devir de nosso ser. No caso, ela é a expressão criada
do ser.”421 É por esse ponto de vista e pela intimidade que ele busca no interior de sua presença representada nos desenhos apresentados
anteriormente, mesmo no caso em que a representação do humano não está objetivada no desenho, está no ponto de vista que olha, é que ele está
418 Termo utilizado por Martins (2014, p. 11). 419 BACHELARD, 1978, p. 333.420 Ibid., p. 205.421 Ibid., p. 188.
187
mergulhado, é de lá que ele olha, ele está ali pelo olhar! Ele é quem olha em uma ontologia fenomenológica do ser que olha, e que é olhado, pistas
que encontramos nos olhos dos animais dos segundos desenhos representados com intencionalidade!
Esse olhar que pela lupa pode vir a ser, segundo Bachelard, a infância reencontrada. “O homem com a lupa barra simplesmente o mundo
familiar. É um olhar novo diante do objeto novo.”422 O que olha nos olhos, um olhar sobre outro olhar! Se observarmos os 15 desenhos analisados
(Figura 74), veremos que os olhos dos animais nos desenhos depois da visita mediada no museu ganharam “imensidão”!
422 BACHELARD, 1978, p. 298.
188
Figura 74 - O olhar deles, o ser que me olha, o seu olhar sobre o meu olhar!
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
189
“Um olhar tranquilo surpreendido na mais simples das visões, são operadores de imensidão”423. A “[...] imensidão está no olhar, ou seja,
no sujeito que olha e que também é olhado”424! Em provocação, trago Fernando Pessoa:
Figura 75 – Aquarela e De quem é o olhar?
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Fernando Pessoa.425
423 BACHELARD, 1978, p. 334.424 Ibid., p. 333.425 PESSOA, 2001, p. 72.
190
4.4.3 Dimensão de grandeza
A dimensão de grandeza ficou perceptível pelas pistas que nos levaram a perceber a imensidão e pela miniatura, também observada no
desenho e nas narrativas dos sujeitos. Evidenciada também no tamanho dos animais como o caranguejo gigante, a cianobactéria e a baleia azul. A
imensidão não é a imensidão medida, mas é uma impressão do nosso ser, assim “[...] a impressão de imensidão está em nós, [...] ela não está ligada
necessariamente a um objeto”426. Pode então estar ligada à percepção sensível, pelo olhar, partindo da dialética do grande e do pequeno, não em
sua objetividade medida, mas que Bachelard tratou pelo signo da miniatura e da imensidão. Acerca dessa dimensão, “[...] a imaginação aumenta
os valores da realidade”427. Dessa forma, por mais que a natureza tem em si grandeza, nós homens em nossa capacidade imaginativa podemos nos
imaginar ainda maiores, na sua infinitude de imensidão, que deixa o sujeito “mudo de beleza”428.
É nessa imensidão pela imaginação que o sujeito desenhista “[...] salienta seus devaneios animalescos”429. Essa dimensão da imensidão, da
grandeza foi observada a partir dos desenhos elaborados depois da visita mediada em comparação aos primeiros. Representados tanto pelos animais,
pela diversidade, pela espacialidade em uma perspectiva de fenômeno, não geométrica! Nos desenhos produzidos pelos sujeitos 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9,
10, 11, 12, a dimensão espacial ganhou imensidão, os animais aumentaram de tamanho, ganharam centralidade no espaço da folha, ganhando
evidência, as narrativas também participaram dessa imensidão e dessa profundidade! Para Bachelard, “[...] toda imagem tem um destino de
engrandecimento”430. Disse o sujeito 7: “É MUITO GRANDE E FUNDO!”.
Acerca dessa dimensão de imensidão, mais detalhadamente poderá ser notada na comparação dos primeiros desenhos com os segundos
desenhos dos sujeitos 2, 3, 4, 7, 8 e 11 (Figuras 76 a 81). Esse aumento da dimensão dos animais pode ser significativo da aproximação – não
426 BACHELARD, 1978, p. 198.427 Ibid., p. 199.428 GALEANO, 1991, p. 15.429 BACHELARD, 1978, p. 270. 430 Id., 1974, p. 333.
191
medida, mas como fenômeno, da intimidade, do modo de perceber os animais de perto ao serem apreciados no museu. Assim nos desenhos é
perceptível o aumento do tamanho desses animais com relação ao primeiro desenho.
Figura 76 - 1º e 2º desenhos do sujeito 2
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
192
Figura 77 - 1º e 2º desenhos do sujeito 3
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
193
Figura 78 - 1º e 2º desenhos do sujeito 4
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
194
Figura 79 - 1º e 2º desenhos do sujeito 7
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
195
Figura 80 - 1º e 2º desenhos do sujeito 8
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
196
Figura 81 - 1º e 2º desenhos do sujeito 11
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
197
Direcionadas pela percepção, as crianças registraram alguns seres vivos e narraram acerca da descoberta de animais ainda maiores do que
pensavam anteriormente. A exemplo disso, o caranguejo gigante do Japão foi representado no desenho do sujeito 11 (Figura 81 anterior), e da
Concha gigante representada no desenho e presente na narrativa do sujeito 9 (Figura 82). Novamente, a questão da dimensão, da imensidão. Uma
percepção sobre a dimensão da grandeza do mar vai se configurando. A imensidão habita o mar, a imensidão habita o museu!
Figura 82 - 1º e 2º desenhos do sujeito 9
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
198
Além dos desenhos, a dimensão da grandeza aparece nas narrativas dos sujeitos 2, 3, 4, 5, 7, 8 e 9. Nas narrativas das crianças, ficaram
evidentes as percepções que indicam essa dimensão pela palavra “GRANDE”! Talvez essa grandeza esteja no modo como foi [re]significado o
olhar dessas crianças para o mar. “A CONCHA ERA MUITO MAIS GRANDE DO QUE EU PENSAVA!”431 O mar, a princípio, não foi mais
visto por fora na maioria dos desenhos, depois é visto por dentro. Isso gera uma certa intimidade que provoca a imaginação, uma mudança
perceptível nos desenhos produzidos. Essa imensidão que buscamos ver está no modo como a criança passa a enxergar o mar, está nos seus olhos,
refletido na imaginação! “A imensidão foi aumentada pela contemplação.”432 Sobre o que descobriram na profundidade, diz o sujeito 2 a partir do
seu segundo desenho: “PORQUE EU DESCOBRI QUE TEM MUITOS ANIMAIS QUE EU NÃO CONHECIA, E UNS MUITO GRANDES,
NUNCA PENSEI!”. Isso demonstra uma mudança de perspectiva, nos termos utilizados na narrativa “eu descobri”, eu não conhecia –
subentendendo que “agora conheço”, e “nunca pensei” subentendendo que agora já sei!
Pela dialética inicial em Bachelard, diante do grande e do pequeno, pela perspectiva da imensidão e da miniatura, é por meio desta última
que falaremos aqui da representação do pequeno, e que, muitas vezes, necessitamos da lupa para aumentar a visibilidade. Desse modo, trazemos
aqui duas imagens que aparecem no segundo desenho dos sujeitos 6 e 13 (Figuras 83 e 84), elaborados depois da visita mediada à exposição.
431 Narrativa do sujeito 9 a partir do segundo desenho. 432 BACHELARD, 1978, p. 334.
199
Figura 83 - 2º desenho do sujeito 6 - Sobre a miniatura “cianobactéria”
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
200
Figura 84 - 2º desenho do sujeito 13 - Sobre a miniatura “cianobactéria”
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
201
A ênfase no pequeno foi dada, pois o pequeno também tem seu espaço. Muito embora representado em um fóssil e com uma imagem
reproduzida microscopicamente, a miniatura foi vista e não caiu no esquecimento, pois sua grandeza não está na medida geométrica, mas na
importância que lhe é apresentada e provocada pela mediação como em uma placa fossilizada. Esse pedaço de fóssil representa a primeira forma
de vida há mais de 500 milhões de anos. Pela perspectiva poética, para Bachelard, “[...] o fóssil não é mais simplesmente um ser que viveu, é um
ser que vive ainda, adormecido na sua forma”433. Completo, aqui, um fóssil em que a vida é representada em uma miniatura, mas “[...] a miniatura
sabe armazenar a grandeza. Ela é vasta à sua maneira”434.
Ressalto a minha surpresa, pois, na exposição, o fóssil é uma das primeiras peças expostas na ala histórica, e, mesmo depois do sujeito
percorrer tantos outros corredores, tantos outros animais “grandes em uma perspectiva geométrica”, a cianobactéria foi representada, dando, assim,
seu significado de grandeza pelo seu fenômeno, ou seja, foi [re]significada de seu tamanho para sua imensidão. Muito embora a visita mediada
durou cerca de 1 hora e meia, ele estava ali, na imagem gerada pela imaginação e representada no desenho. Ele é testemunho da imensidão de vida
que mora no pequeno! “A alma é tão sensível a essas imagens simples que, numa leitura harmônica, ela percebe todas as ressonâncias. A leitura
ao nível dos conceitos seria insípida, fria, seria linear”435. Ah, e que imensidão é dada em uma placa fonte de vida primária, representada em
pontinhos miniaturalizantes. “[...] os valores se engolfam na miniatura. A miniatura faz sonhar.”436 Acredito que, na dimensão de grandeza, esse
valor de imensidão tomou conta da vida em miniatura fossilizada!
4.4.4 Dimensão de testemunho
Na dialética da ausência para a presença e vice-versa, conseguimos imaginar e colocar na imagem o que há pela ausência. As crianças
sentiram-se provocadas, assim, a imaginar a presença. O exemplo disso é a pérola que aparece dentro da concha em desenho de três sujeitos, no
433 BACHELARD, 1978, p. 271.434 Ibid., p. 301.435 Ibid., p. 262.436 Ibid., p. 296.
202
entanto ela não está no museu. Se o pequeno pode ser testemunho da imaginação, o que seria então a tentativa da representatividade de algo que
está ausente? Durante a mediação, na ala dos invertebrados, ao verem a concha gigante (Tridacna gigas) (Figura 20 – página 47), fomos
surpreendidos pela fala de uma das crianças: “SERÁ QUE TINHA UMA PÉROLA AÍ DENTRO? NOSSA, IMAGINA O TAMANHO DA
PÉROLA!”437. No entanto, “[...] a imagem não quer deixar-se medir. Por mais que fale do espaço, muda de grandeza. O menor valor a estende, a
eleva, a multiplica. E o sonhador se transforma no ser de sua imagem. Absorve todo o espaço de sua imagem. Ou então ela se confina na miniatura
de suas imagens”. A representação da imagem da concha que habita a pérola pela imaginação da criança é representada e aparece no desenho!
A concha não tinha em seu interior a pérola imaginada pelas crianças, mas a ausência pode provocar a imaginação, a ausência faz sonhar
sobre o que poderia estar ali, mas não estava! E não é que três dos sujeitos investigados representaram a concha com a pérola dentro? “É sempre
preciso, a partir da imagem mais simples, fazer irradiar ondas de imaginação.”438 Vejam as conchas habitadas pela pérola nos segundos desenhos
dos sujeitos 1, 13 e 15 (Figura 85).
437 Fala espontânea de uma das crianças durante a mediação. 438 BACHELARD, 1978, p. 220.
203
Figura 85 – Dimensão testemunho: a presença pela ausência
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
204
4.4.5 Dimensão de imaginação
Essa dimensão trata do poder da imaginação acerca das ressonâncias que o espaço do museu veio a provocar nos sujeitos ali inseridos, em
imaginar estar em espaços nunca antes vivenciados em uma perspectiva de conhecer novos territórios pela poética do espaço do museu. Poética
esta que pode estar traçada pela curadoria, pela museografia, pelas ações de mediação, ou seja, tudo o que nele habita e que provoca a imaginação,
pois, se “[...] uma casa tão dinâmica permite habitar um universo439”, o museu também! Dito isso, provoco-os a substituir a palavra “casa” pela
palavra “museu” na citação anterior, ambos compreendidos como espaços poéticos.
Outro caso da ausência que provoca imaginar a presença ocorreu com um animal, que pela mediação foi ressaltado como o maior animal
que já viveu e ainda vive no nosso planeta, o maior de todos - a baleia azul. Contudo, a mediação aguçou a imaginação das crianças e os provocou
a pensar e tentar adivinhar qual era o animal. No museu, o animal não estava representado em sua materialidade como espécime, mas em uma
imagem estática de uma ilustração representada em um vídeo, o qual reproduzia o som da baleia azul, mas também outras baleias e golfinhos! O
som de todos esses animais ecoa pela imensidão da água, reproduzido em um televisor na última ala.
Também estão expostas cerdas bucais, um espécime de baleia bebê conservado inteiro, muitos esqueletos montados de diversas espécies
de baleias, mesmo que não seja “a maior espécie” – a baleia azul - mas que são tidos no museu como objetos museais – propositores. Desse modo,
o animal é representado como único, como elemento central do segundo desenho.
439 BACHELARD, 1978, p. 231, grifo nosso.
205
Figura 86 - Desenho do sujeito 12 - A dimensão do testemunho pela ausência
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
206
4.4.6 Dimensão de conhecimento
A dimensão do conhecimento ficou evidente quando, por meio do segundo desenho, as crianças representaram uma outra maneira de
perceber o mar, o que elas evidenciaram também nas narrativas sobre a descoberta da diversidade de espécies. Segundo Bachelard, “[...] se de uma
casa fazemos um poema, não é raro que as mais intensas contradições nos venham despertar, como diria o filósofo, de nossos sonos nos conceitos
e nos libertar de nossas geometrias utilitárias”440. Provoco-os mais uma vez a substituição da palavra “casa” pela palavra “museu”, no pensamento
de Bachelard, e o museu é espaço poético.
Algumas crianças/sujeitos, ao mostrarem os segundos desenhos para a equipe de mediadores (eu e os demais mediadores no ato da coleta),
fizeram questão de narrar sobre a experiência vivenciada. Foi nesse momento que houve a alusão de que o conhecimento de determinados sujeitos
foi ampliado. Uma percepção sobre a diversidade do mar foi se configurando. Além dos desenhos, por intermédio das narrativas a partir desses
desenhos, as crianças apontaram objetivamente a ampliação do conhecimento sobre o mar (Figura 87).
440 BACHELARD, 1978, p. 231.
207
Figura 87 – Aquarela e Fragmentos de narrativas de alguns sujeitos
Fonte: Elaborada pela autora. Textos – pistas da pesquisa.
E, assim, seja pelos desenhos, seja pelas narrativas ou por frases espontâneas durante a visita mediada, é que evidenciamos as várias
dimensões à luz das percepções como pistas. É necessário, no ponto de vista da análise visual, estar disponível para ler, [re]ler, buscar, apreciar
por vários pontos de vista. “Cobrimos assim o universo de nossos desenhos vividos. Esses desenhos não precisam ser exatos. Apenas é preciso que
sejam tonalizados pelo modo de ser do nosso espaço interno.”441 É nessa perspectiva de espaço interno que busquei, pela fenomenologia, provocar-
me nessa expedição em busca de novos territórios, pois “[...] a uma imagem podemos dar o nosso ser de leitor: ela é doadora do ser. A imagem,
obra pura da imaginação absoluta, é um fenômeno do ser, um dos fenômenos específicos do ser falante”442.
É nesse fenômeno do ser, que o sensível e o inteligível deveriam dialogar inseparáveis, buscando tirar a venda dos olhos rígidos para “[...]
o desvendar dos mistérios e maravilhas da existência. O sensível e o inteligível: estas duas maneiras complementares do saber que o projeto
441 BACHELARD, 1974, p. 205.442 Ibid., p. 245.
208
moderno houve que apartar, colocando todo seu esforço educacional em favor do segundo, furtando-nos assim o prazer do saborear como
componente do processo cognitivo humano”443. É nessa relação que podemos trabalhar nos museus e refletirmos a partir das dimensões que
potencializam esse espaço como espaço de saber sensível e inteligível acoplado ao poético, pois é pelo sensível e pelo poético que as repercussões
ocorrem como fenômeno.
O sujeito com sua sensibilidade provocada e seus sentidos despertados e educados para captar a fineza e a delicadeza das pequenas coisas
do cotidiano poderá enxergar, nessas “pequenas” coisas a “imensidão”. Por certo, “[...] se recusará a compreender o mundo e a vida tão-só no modo
de uma especialidade científica ou mesmo filosófica. Procurará, ao contrário, integrar em seu viver as diferentes modalidades do conhecer humano,
tanto convocando para o seu dia-a-dia o conhecimento obtido em tratados e laboratórios, quanto emprestando a este as colorações captadas
sensivelmente em seu cotidiano”444. Assim, uma expedição em um museu de ciências e história natural não pode pautar-se somente pelo científico,
mas também pelo estético e pelo poético, levando, assim, o sujeito à elaboração do conhecimento.
4.5 DIMENSÕES A PARTIR DAS PISTAS
O espaço do museu e suas dimensões podem vir a contribuir com todos os aspectos necessários à educação como um todo, como um espaço
de [re]apresentar o mundo, o mar, a vida, e [re]significar seu estar no mundo e com o mundo. Se na “[...] Arte, na Literatura a natureza foi passível
de leituras e interpretações estéticas, poéticas, desde as ‘sombras na caverna de Platão’ assim como a ‘Baleia errante que Brenan tomou por uma
ilha’ sendo estas leituras possíveis por nossas aptidões, além do que representam o real”445, a leitura é possível no museu e em tudo o que nele
habita. Leitura possível também por meio das dimensões que potencializam o museu como espaço educativo, estético e poético, contribuindo para
a formação intelectual, sensível e cultural dos sujeitos. É assim que o Museu Oceanográfico UNIVALI e a mediação cultural podem provocar e
443 DUARTE JR., 2000, p. 202.444 Ibid., p. 209.445 MANGUEL, 2001, p. 22.
209
evidenciar as dimensões que o potencializam. Um movimento que provoca leituras e interpretações além da dimensão científica, mas acopladas às
dimensões poéticas, estésicas e educativas.
Bachelard446 fala, ao final de sua obra A Poética do Espaço, sobre tornar sua obra sensível e multiplicar suas variações. “[...] o filósofo, o
pintor, o poeta e o fabulista nos deram um documento de fenomenologia pura. Cabe-nos agora servirmo-nos dele para apreender a reunião do ser
em seu centro; cabe-nos também tornar sensível o documento multiplicando suas variações.”447 Foi essa proposta que provoquei, você (leitor), a
pensar sobre a poesia que existe no museu, sobre as dimensões e as potencialidades que podem provocar os sujeitos a repensar os espaços vividos
para espaços imaginados em uma dimensão sensível, estética e poética.
É na perspectiva de tornar a obra de Bachelard sensível que multiplicamos, nesta dissertação, a variação da poesia que existe no museu,
evidenciando a imaginação como desdobramento das ressonâncias que o museu provoca com sua poesia! No museu há poesia, o espaço do museu
é poético, esse espaço possibilita pelo saber sensível abrir brechas de acesso, de afeto que ressoam para imaginar um espaço não vivenciado em
sua concretude. Desse modo é que, por meio da imaginação, a criação de imagens transpõe o espaço concreto (museu) para um espaço imaginado
(mar) e alça-se à materialização na folha, como desenho. Muito embora devemos estar cientes que, na materialização do esboço, do traço, do
desenho, este não conseguirá representar fielmente a imagem criada pela imaginação. Já dizia Manoel de Barros:
446 BACHELARD, 1978. 447 Ibid., p. 350.
210
Figura 88 – Aquarela e Imagens e palavras
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Manoel de Barros.448
Pelos desenhos e pelas narrativas, verificamos percepções que nos provocaram na análise, por isso decidimos agrupar algumas palavras.
Assim sendo, algumas percepções das crianças/sujeitos verificadas nos desenhos e nas narrativas direcionaram para algumas dimensões verificadas
a posteriori, como mostra a Figura 89 a seguir.
448 BARROS, 2015, p. 89, grifos nossos.
211
Figura 89 – Aquarela e Dimensões
Fonte: Elaborada pela autora a partir das pistas da pesquisa.
212
As percepções verificadas na análise mudaram algumas perspectivas quanto a como os sujeitos investigados imaginam o mar antes e depois
da visita ao museu, provocando algumas [in]certezas, pois, se a mediação tem como base a troca, o diálogo, as percepções, a análise dessas
percepções não pode ter como desdobramentos certezas absolutas. Nesse sentido, as percepções despertadas nos sujeitos - verificadas nos desenhos
e narrativas – foram provocadas pelas dimensões que potencializaram o museu, podendo este ser compreendido como um espaço de “[...]
materialização de uma cosmologia, de um modo de olhar para o mundo”449. Em diálogo com L’Estoile, completo: olhar no mundo, olhar para o
mar e no mar, olhar pelo mar, olhar do mar, de dentro!
449 L’ESTOILE, 2011.
213
5 PERCEPÇÕES ACERCA DO MAR POR UMA VISITA MEDIADA AO MUSEU
Os museus como um todo são potencialmente educativos. Essa potencialidade tem em sua essência dimensões que, na relação com os
sujeitos, provocam percepções diversas. O Museu Oceanográfico UNIVALI é um desses museus que abarcam várias dimensões, porém é na relação
do sujeito neste espaço, com ou sem mediação cultural, que as dimensões pululam e a potencialidade do museu é evidenciada. Há de deixarmos
claro que a mediação cultural pode vir a provocar nos sujeitos percepções outras que apontam outras dimensões para além das objetivadas e
percebidas inicialmente, seja pelo educativo do museu, pela curadoria ou até mesmo pela própria ação de mediação cultural.
O museu, além de ser um espaço potencialmente educativo, pode também vir a destacar potencialidades estéticas e poéticas, as quais, ao
longo desta dissertação, buscamos enfatizar. A sua potencialidade estética dá-se pelas dimensões que o espaço, o objeto e a própria linguagem
museal buscam provocar nos sujeitos, a estesia dos sentidos, pois, no espaço museográfico, habitam sons, cheiros, objetos, recursos tecnológicos
e comunicacionais. É também nessa relação estética que a potencialidade poética do museu pode vir à tona, ou mesmo pelo mergulho nele. Podemos
ser provocados pela poética de modo a nos envolvermos pela linguagem museal e tantas outras dimensões que habitam o museu, é que “[...] eu
bem sabia que a nossa visão é um ato poético do olhar”450.
Apesar de ser um Museu Oceanográfico, buscamos evidenciar que o museu tem poesia, o espaço do museu é um espaço poético que nos
provoca pelo sonho, pela imaginação da imagem, pelo encantamento, pelo afetamento, pela intimidade, pela representação e pela linguagem. Essa
poesia pode estar na proposta e na linguagem museal pela concepção da curadoria, na expografia, nas dimensões comunicacionais, mas também
pode estar na relação do sujeito com dimensões outras não objetivadas. É assim que, no museu, “[...] as coisas sem importância são bens de
poesia”451.
As dimensões, seja no museu, no objeto ou na relação do sujeito, favorecidas ou não pela mediação cultural e diante de todas as [in]certezas
e da certeza de estar “entre muitos”, configuram a potencialidade do museu. Essa potencialidade não está configurada somente no espaço, não tão
450 BARROS, 2015b, p. 69. 451 Id., 2015a, p. 47.
214
somente no objeto, nem tão somente na mediação, nem tão somente no público. É na relação dialógica de todos esses “muitos” que o museu passa
a exercer sua potencialidade, independentemente da categoria tipológica a que pertence. São essas potencialidades educativas, estéticas e poéticas
do museu, mais especificamente no Museu Oceanográfico UNIVALI que a mediação cultural provocou. Nas trocas de olhares, na aproximação,
na estesia dos sentidos, diálogos e imaginações foram provocados, os quais impulsionaram mudanças de percepções.
Identificamos que, antes de conhecer o museu, por meio dos desenhos que foram tomados como base para conhecer as percepções iniciais
acerca do mar, as crianças percebiam o mar com animais mortos, mar sujo e muito poluído “SÃO ANIMAIS MORTOS, É ISSO QUE VEJO!”.
Além do mais, o mar era visto por fora, pela superficialidade da água, como paisagem a ser apreciada. No entanto, após adentrarem o espaço do
museu e compartilhar várias experiências por meio da mediação, as crianças passaram a perceber o mar com vida em abundância, com diversidade
em detalhes, com cores e formas. O mar foi, assim, imaginado por dentro, um olhar de mergulhador. As crianças integrarem-se ao mar. A vida
ganhou seu lugar no mar, os animais ganharam imensidão, ou o olhar ganhou imensidão?! A diversidade, as cores, as formas, o olho do animal ou
o modo como as crianças olhavam os objetos, o modo como percebiam o mar ganhou um olhar de lupa pelas crianças/sujeitos. Os animais foram
redimensionados e apresentaram detalhes minuciosos. Além disso, as miniaturas também foram representadas. Essas “sutilezas” nos levaram a
perceber que as crianças/sujeitos mudaram suas percepções acerca do mar.
Se antes elas pensavam no mar como algo a ser explorado pela superfície, elas passaram a perceber o mar como meio para integrar-se, um
explorar por dentro da água. A transposição ocorreu ali, da superfície exterior para o mergulho. O homem foi integrado ao mar, à água; ele está no
fundo. Foi assim que a figura humana foi representada nos segundos desenhos, como mergulhador. Quando não representada a figura humana
dessa forma, as crianças trouxeram a perspectiva do olhar que mergulha, o mar visto por dentro, o olhar que mergulha! “EU ESTOU
MERGULHANDO NO FUNDO!”. Os animais ganharam imensidão, cor e destaque central nas cenas, o azul do mar da superficialidade da água
já nem era tão importante. Teriam as crianças percebido que há muito mais que água? A visita ao Museu Oceanográfico UNIVALI provocou-os a
perceber que o mar é muito mais do que pensavam. Antes era lugar de animais representados pela morte, mar sujo; depois, representação de vida,
vidas coloridas, “MUITOS ANIMAIS GRANDES!”.
215
Assim sendo, as contribuições da mediação cultural durante a visita no museu foram : a) [re]significação da relação com o mar - mudança
na percepção de mortandade para a presença de vida em abundância no mar; relação de integração do homem com o mar - a significação da
cianobactéria como testemunho da primeira forma de vida no nosso planeta; b) mudança de percepção quanto ao conhecimento, evidentes nas
narrativas das crianças; c) [re]dimensionamento das percepções antes e depois da visita mediada ao museu. A dimensão aconteceu na relação “entre
muitos”. Logo, a mediação cultural pôde potencializar essa relação no campo das [in]certezas.
De modo geral, a visita mediada ao museu contribuiu para a mudança de percepções acerca do mar evidenciadas nos diálogos estabelecidos,
nos desenhos e nas narrativas, nas indicações de descobertas, na representação do ausente (na exposição). Surgiu a intimidade dos sujeitos no
contexto do mar, na sua imersão em suas águas, no olhar da água como uma relação de integração, de aproximação, de intimidade; afinal, como já
dizia Manoel de Barros, “[...] a gente descobre que o tamanho das coisas há de ser medido pela intimidade que temos com as coisas”452.
A integração do humano ao meio marinho pode ter sido provocada pela mediação, já que nós humanos fazemos parte dessa ciência e história
natural representada no museu sob vários aspectos: somos seres históricos, biológicos e naturais; fazemos parte desse contexto histórico e natural
como espécie; somos sujeitos em eterna relação nesse meio. Além disso, em se tratando de nossos sujeitos, eles moram na cidade do museu,
próximo ao mar. O mar é, assim, quase o seu quintal - “[...] as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores que as outras pedras do mundo, justo
pelo motivo da intimidade”453. Intimidade esta que pode ter sido uma das mais significativas contribuições da mediação cultural no Museu
Oceanográfico UNIVALI, pois mediação cultural também é “aproximação, encontros, acesso”454.
A mediação cultural, além de favorecer a educação estética, contribuindo para a formação dos sujeitos, visível na mudança de percepções
e de saberes, pode ainda provocar que os sujeitos percebam dimensões até então não percebidas. “EU NEM IMAGINAVA... ME DEIXOU
ESPANTADO... APRENDI MUITO...”455 Ela pode contribuir para a mudança de percepções, para a educação estética e para, no caso deste estudo,
o olhar sobre o mar. Assim, um museu de ciências também é lugar de cultura.
452 BARROS, 2015a, p. 151 453 Ibid., p. 151 454 MARTINS, 2005. 455 Fragmentos de narrativas dos sujeitos.
216
Consideramos, portanto, que o museu “e tudo que nele habita”, como a linguagem museal, os objetos, a museografia, os sujeitos envolvidos
e a mediação cultural, provocaram ressonâncias nos sujeitos investigados pela mudança de percepção ao serem provocados acerca do que conhecem
do mar. As repercussões, segundo Bachelard456, não podem ser resultados de eventos isolados, como, por exemplo, “uma visita ao museu”, mas
sim de experiências diversas e profundas de modo a afetar os sujeitos, tendo como desdobramento uma mudança do sujeito perante a vida, perante
o mar, perante o mundo. É esse “refinamento dos sentidos” que a educação estética propõe, possível de ser mobilizado por várias ações culturais
como a visita ao museu. Desse modo, a visita mediada ao museu provocou o aprofundamento da percepção sobre o mar, e quiçá o seu “lugar”
como sujeitos “com o mar e no mar”, evidentes na relação de aproximação, de envolvimento, de intimidade e de integração. Assim, a visita mediada
ao museu de ciências provocou os sujeitos a “outras tantas” percepções, neste caso, sobre o mar.
É nesse “estar entre muitos” que o Museu Oceanográfico UNIVALI, como espaço potencialmente educativo, estético e poético, por meio
de suas dimensões e tudo mais que ali habita, despertou percepções diversas provocadas pela visita mediada. Acreditamos, por conseguinte, que
“eles nunca mais olharão o mar como antes”. Não imaginarão mais tantos animais mortos, ou nem tanta água inabitada, mas sim diversidade de
vida, de cores e de formas, de imensidão, pois agora essas crianças são mais íntimas do mar, pois a transposição aconteceu em uma eterna e terna
troca de olhares, experiências! Ajude-me a olhar, olhar para o mar, imaginar e desenhar o mar pelo museu!
456 BACHELARD, 1978.
217
Figura 90 - Aquarela e A menina que ama o mar
Fonte: Elaborada pela autora. Texto de Manoel de Barros.457
Eu, em tudo isso, estando entre tantos devires, diante de imensidão de percepções, de olhares, da imaginação e de provocações, não pude -
como um pesquisador deve - ficar “neutra”. Eu me transformei também, a transposição me aconteceu! Não somente no percurso do mestrado, mas
a cada pensar sobre a ação diária em ser mediadora/educadora no museu. Como artista, fui provocada também a produzir artística, poética e
cientificamente. Foram tantas provocações que eu [pesquisadora] precisei da [artista e professora] para me ajudar a olhar - como a experiência de
Diego, quando, “mudo de beleza”, pediu a seu pai Santigo458: “[...] me ajuda a olhar!”. Assim, convido você leitor a descobrir outras tantas
dimensões que possam ser despertadas pela mediação e que possam potencializar o museu como lugar “de muitos”, por meio da imensidão que
mora ali, por um [a]mar o mar!
457 BARROS, 2015a, p. 29. 458 GALEANO, 1991, p. 15.
218
Figura 91 - A transposição aconteceu!
Fonte: Elaborada pela autora.
219
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225
APÊNDICES
Apêndice A – Termo de Ciência e Aquiescência
227
Apêndice B – Termo de autorização para uso de imagens
228