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0 Instituto de Ciências Jurídicas Samantha Buono ALIENAÇÃO PARENTAL DA SÍNDROME AO FÊNOME JURÍDICO Cabo Frio 2008

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Instituto de Ciências Jur ídicas

Samantha Buono

ALIENAÇÃO PARENTAL DA SÍNDROME AO FÊNOME JURÍDICO

Cabo Fr io 2008

1

SAMANTHA BUONO

ALIENAÇÃO PARENTAL DA SÍNDROME AO FÊNOME JURÍDICO

Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Veiga de Almeida, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª Renata Granha.

Cabo Frio 2008

2

SAMANTHA BUONO

ALIENAÇÃO PARENTAL DA SÍNDROME AO FÊNOME JURÍDICO

Monografia de Conclusão de Curso apresentada ao Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Veiga de Almeida, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ____/____/2008.

Banca Examinadora:

Prof(a). Dr(a). ____________________________________________________________ Professor(a) do Instituto de Ciências Jurídicas da UVA. Presidente da Banca Examinadora.

Prof(a). Dr(a). ____________________________________________________________ Professor(a) do Instituto de Ciências Jurídicas da UVA. Membro da Banca Examinadora.

Prof(a). Dr(a). ____________________________________________________________ Professor(a) do Instituto de Ciências Jurídicas da UVA. Membro da Banca Examinadora.

Grau: ___________________.

3

Aos meus grandes companheiros de turma com quem pude compartilhar conhecimentos e emoções. Especialmente àqueles que me incentivaram e me apoiaram nos momentos árduos e de incerteza.

4

AGRADECIMENTOS

Ao meu pai, que sempre discreto coloca à minha frente todos os caminhos honestos a serem seguidos. Exemplo de dedicação, força, vontade e persistência.

5

“Ninguém é tão pequeno que não possa ensinar, nem tão grande a ponto de não ter o que aprender”.

­ Autor Desconhecido ­

“É nos momentos de decisão que o seu destino é traçado”.

­ Anthony Robbins ­

6

RESUMO

Aborda a síndrome da alienação parental decorrente da manipulação mental que os pais perpetram em seus filhos, traçando um comportamento abusivo contra a criança e o adolescente. Analisa o instituto do direito de família e suas evoluções constantes, assim como Estatuto da criança e do adolescente dando ênfase aos princípios garantidores dos direitos individuais da criança e do adolescente sob o enfoque da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, que foram um marco nas relações familiares atuais. Expõe o princípio da proteção integral da criança e o adolescente, assim como o do melhor interesse. Diferencia o fenômeno da alienação parental da síndrome da alienação parental, que são as conseqüências desse fenômeno no comportamento juvenil. Salienta a importância da identificação e apreciação dessa síndrome pelo judiciário e enumera os possíveis indícios de demonstração da mesma. Apresenta seus determinados níveis e quais suas conseqüências futuras, assim como seus aspectos psicológicos determinantes. Define síndrome da alienação parental e incesto, traçando diferenças essenciais entre os dois tipos de abusos e também sua semelhança na questão psicológica. Enfrenta a importância da identificação dessa síndrome pelo juiz e suas possíveis conseqüências se não for repelida rapidamente. Explica a relevância da dinâmica entre o judiciário e uma equipe multidisciplinar do juízo para uma possível intervenção familiar. Dispõe sobre a competência do juízo para a apreciação, abordando questões que possam solucionar um conflito de competências entre a vara da infância e juventude e a vara de família. Analisa as possibilidades de omissão do poder judiciário frente ao desconhecimento da síndrome ou do fenômeno, assim como traça possibilidades de aplicação de medidas judiciais e terapêuticas nos casos de instalação da síndrome da alienação parental.

Palavras­chave: Alienação parental. Exclusão parental. Síndrome da alienação parental. Fenômeno da alienação parental. Falsas memórias. Implantação de falsas memórias. Direito de família. Desfazimento da relação conjugal.

7

ABSTRACT

It addresses the Syndrome of Parental Alienation arising from the brainwashing that parents perpetrated in their children, drawing an abusive behavior against children and teenagers. Analyzes the institute of family law and its developments listed, as well as Status of the Child and Adolescent emphasis to the principles guarantors of individual rights of children and teenagers under the focus of the Federal Constitution of 1988 and of the Civil Code of 2002, which were a milestone in family relationships today. Exposes the principle of full protection of children and teenagers as well as in the best interests. Differentiates Phenomenon of parental alienation of Parental alienation syndrome, which are the consequences of this phenomenon in juvenile behavior. Emphasizes the importance of identification and assessment of this syndrome by the judiciary and lists the possible signs of the same demonstration. Presents its own certain levels and their future consequences, as well as its psychological aspects determinants. Define parental alienation syndrome of incest, drawing essential differences between the two types of abuse and also similar in psychological question. Faces the importance of the identification of this syndrome by the judge and their possible consequences if not quickly repelled. Explains the importance of the dynamic between the judiciary and a multidisciplinary team of court for a possible intervention family. Available on the jurisdiction of the court for the assessment, addressing issues that could resolve a conflict of competence between the childhood and youth court and to the family court. Examines the possibilities of omission of the judiciary front the ignorance of the syndrome or of the phenomenon, as well as outlines possibilities for application of judicial and therapeutic treatment in cases of the parental alienation syndrome.

Keywords: Parental Alienation. Parental exclusion. Parental alienation syndrome. Phenomenon of parental lienation. False memories. Implantation of false memories. Family Law. Offset the marital relationship.

8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SAP – Síndrome da Alienação Parental

LISTA DOS ÓRGÃOS IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família APASE – Associação de pais e mães separados

LISTA DOS DOCUMENTOS CC – Código Civil CRFB – Constituição da República Federativa Brasileira ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

9

LISTA DE SÍMBOLOS

§ ­ parágrafo

10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................11

CAPÍTULO 1 O DIREITO DE FAMÍLIA ..........................................................13 1.1 A família e a Constituição Federal de 1988 .......................................................14 1.2 Os princípios do direito de família.....................................................................16 1.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da proteção integral..........20

CAPÍTULO 2 SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL .............................25 2.1 Terminologia.....................................................................................................26 2.2 Identificação da Síndrome da Alienação Parental ..............................................27 2.3 Aspectos psicológicos relevantes.......................................................................28 2.4 Diferenças entre Síndrome da Alienação Parental e incesto ...............................30

CAPÍTULO 3 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO .........................................34 3.1 Apreciação da síndrome e a relevância da equipe multidisciplinar do juízo........34 3.2 A omissão do juízo frente a Síndrome da Alienação Parental.............................36

CAPÍTULO 4 POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS JUDICIAIS E TERAPÊUTICAS .........................................................................38

CONCLUSÃO.......................................................................................................40

REFERÊNCIAS....................................................................................................42

GLOSSÁRIO ........................................................................................................44

ANEXO .................................................................................................................45

11

INTRODUÇÃO

Denominada pelo psiquiatra norte­americano Richard Gardner, em 1985, a Síndrome

da alienação parental foi identificada nos processos de separação conjugal, especialmente no

momento em que havia uma certa disputa pela guarda do filho, onde a criança apresentava

apego excessivo ao cônjuge que obtinha a guarda e desprezo injustificado pelo outro.

No primeiro capítulo fez necessário discorrer sobre o direito de família e seus

princípios para a exposição e formação das idéias seguintes, ou seja, para se ter uma origem

ao tema em questão, assim como aos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente de

1990, com ênfase no princípio do maior interesse e da proteção integral.

No segundo capítulo é abordado o fator de diferenciação entre fenômeno e síndrome.

Esta é denominação que restringe a análise da matéria apenas ao comportamento do infante,

enquanto a outra expande a análise da exclusão parental às atitudes de todo o seio familiar. O

fenômeno é uma denominação posterior à descoberta da síndrome devido às evoluções do

tema.

A alienação parental ocorre como um fenômeno dentro das relações familiares e

consiste na exclusão de um parente (um dos pais) do seio familiar, geralmente o pai, posto

que na disputa pela guarda de filhos menores a mãe normalmente prevalece pelo vínculo

afetivo.

São diversas as causas determinantes para quem detém a guarda excluir o outro da

convivência familiar. Contudo, qualquer que seja a causa do progenitor alienador, se instalada

a síndrome, as conseqüências sempre estarão presentes na criança, mesmo que manifestadas

de diferentes formas.

A problemática da alienação parental além de ser um abuso emocional contra o

infante, produz efeitos determinantes na vida do progenitor alienado da relação, e muitas

vezes até irreversíveis, culminando no afastamento total do vínculo afetivo para com seu

filho. Se verificada a alienação parental no processo de separação, ou em qualquer outro

momento, a síndrome pode ser repelida e até mesmo não ser instalada na criança, de modo a

evitar as futuras seqüelas na adolescência ou até mesmo na fase adulta.

Põe­se muito em evidência a criança, pois esta é naturalmente suscetível à implantação

de falsas memórias, também como é chamada a síndrome da alienação parental,

principalmente pelo progenitor guardião, que é em quem ela convive e confia, já o

12

adolescente tem mais resistência à essas implantações devido ao seu grau de independência

mental já construído, separando seu pensamento daquele do progenitor guardião, o alienador.

Além da alienação parental ter como principal forma o comportamento do alienador

de denegrir a imagem do alienado, inculcando defeitos deste na criança, esse fenômeno possui

várias outras formas que levam à graus diferentes de afastamento, em que alguns podem ser

reversíveis e outros não. A título de exemplo, o grau máximo e irreversível é o homicídio, que

destrói literalmente a entidade familiar. O progenitor guardião tira a vida do outro progenitor

por não conseguir aliená­lo da relação com a criança, e às vezes pode chegar a tirar a vida do

próprio filho.

Uma forma bastante cruel e corriqueira de alienação parental, mas de grau reversível, é

a falsa denúncia de abuso sexual. O progenitor alienador induz o filho a acreditar que

realmente aconteceu o abuso através do poder de persuasão, transformando a lembrança da

criança em um momento que não ocorreu, e faz a denúncia para que a visita regulamentada do

outro progenitor seja suspensa, definitiva ou temporariamente.

Com isso, no terceiro capítulo é abordado o papel do judiciário, que deve estar muito

atento para que não seja omisso na instalação da síndrome, pois quando verificada a tempo é

reversível na maioria das vezes. Também há de se perceber as tênues diferenças entre o abuso

real e o abuso induzido, para que se possa ter discernimento na decisão da medida a ser

tomada, seja o afastamento do abusador ou o afastamento da síndrome, para que não se

contribua nem com um nem com outro.

No quarto capítulo será abordada a possibilidade de aplicação das medidas judiciais e

terapêuticas, pois apesar do nosso ordenamento jurídico ainda não possuir norma

regulamentadora sobre o tema os doutos magistrados já têm se posicionado e formado

entendimentos jurisprudenciais para que se possa ver que a incidência desse fenômeno no

mundo jurídico é real, e assim, atentar para a realidade das relações familiares atuais.

Considerando o direito uma ciência mutável que precisa seguir junto as mudanças

sociais, já há um anteprojeto de lei a ser proposto para que esse fenômeno seja positivado e

disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente como forma de abuso contra a criança. Este

anteprojeto, constado no anexo, especifica instrumentos processuais destinados a inibir a

prática de atos de alienação parental ou atenuar seus efeitos, assim como dispõe sobre o

conceito de alienação parental, como o judiciário pode identificá­la e até mesmo se portar em

casos mais graves que necessitam de um acompanhamento mais profundo do caso, com uma

equipe própria multidisciplinar para avaliações psicológicas e biopsicosociais.

13

CAPÍTULO 1

O DIREITO DE FAMÍLIA

Acerca do direito de família, devemos atentar para sua natureza jurídica, que em sua

essência é de direito privado, contudo, com normas de direito público, pois tem a intervenção

estatal nas suas relações, tornando­se assim um direito especial.

O que ocorre é que o Poder Público vem cada vez mais avançando na vida íntima das

pessoas, pois sendo a família a base da sociedade, cabe ao estado a sua proteção em nome do

bem comum e da paz social.

De acordo com Roberto de Ruggiero citado por Roberto João Elias: O Estado intervém no âmbito familiar não somente para fortalecer seus

vínculos, mas para garantir a segurança de suas relações, disciplinar e conduzir a família à finalidade primordial a que se destina, como primeira base da sociedade. [...] O interesse da família sobrepõe­se ao interesse particular. Por intermédio do interesse familiar há ainda um interesse mais alto que pede e recebe proteção: o do próprio Estado, que na conservação e na fortaleza do núcleo familiar vai buscar força e impulso para o seu próprio desenvolvimento. Na verdade, interessa ao Estado que o organismo familiar – sobre o qual repousa todo o organismo superior estatal – seja regulado e disciplinado em conformidade com o fim universal e comum a que ele se destina. 1

Conforme Roberto João Elias: É por isso que as normas que disciplinam a família são, em sua maioria, de

ordem pública, não podendo ser derrogadas pela vontade de particulares [...] Certo é que as normas de ordem pública visam à satisfação de exigências sociais e, por isso, a sua obrigatoriedade é absoluta. 2

Segundo Moacir César Pena Jr.: O direito de família é, indubitavelmente, um direito especial, de cunho social,

sujeito às constantes mutações da família, e que, apesar de tratar de relações de afeto, de questões íntimas inerentes à pessoa humana, é forçado a permitir a aplicação de normas públicas a praticamente todas as atividades da família. 3

O direito de família, apesar de ser regido também por normas de direito público, tem

caráter personalíssimo, ou seja, toda a matéria regida em torno da família é de direito

indisponível, sendo intransferível e irrenunciável.

1 RUGGIERO, Roberto de apud ELIAS, Roberto João. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 30­31.

2 ELIAS, Roberto João. Direitos fundamentais da criança e do adolescente. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 30. 3 PENA JUNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 05.

14

1.1 A família e a Constituição Federal de 1988.

A família é o seio das primeiras experiências e sensações do ser humano. É nela que se

inicia a jornada da vida. 4

De acordo com Mônica Guazzelli: “Mais do que apenas um grupo de pessoas unidas

pelos laços afetivos, a família representa o berço que abraça cada um de nós quando passamos

a existir”. 5

Antigamente a concepção de família era meramente um núcleo econômico e de

reprodução, mas com a revolução familiar que se iniciou no século passado e que está a todo

vapor, algumas décadas depois, pôde­se observar o inverso, um espaço de companheirismo e

livre expressão de afeto, tornando­se mais democrática as relações intrafamiliares

estabelecidas em igualdade. 6

Nosso sistema originário previa um núcleo familiar matrimonializado, hierarquizado e

patriarcal, diferentemente da legislação fundamental do direito de família hoje, que superou

esses três modelos antiquados. 7

Essas mudanças trouxeram uma concepção e acepção jurídica do instituto a ser

analisado como instrumento de proteção dos indivíduos que compõem a família, na medida

em que é o núcleo de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da

personalidade de seus integrantes. Contudo, não se pode negar que acima de ser uma estrutura

de afeto e proteção, nem sempre o que se desencadeia dentro dela é o mais virtuoso ou afável,

sendo também um lugar propício a graves problemas pessoais. 8

A principal mudança no direito de família deu­se com a Constituição Federal de 1988,

que ampliou o conceito de família passando a proteger de forma igualitária todos os seus

membros, assim como os descendentes. Essa essência se encontra nos artigos 226, 227 e 229

da Constituição Federal de 1988.

A família contemporânea traz o preceito de igualdade entre os cônjuges e a proibição

de designação discriminatória dos filhos, estabelecendo novos papéis para pais e filhos.

4 GUAZZELLI, Mônica. A falsa denúncia de abuso sexual. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 113.

5 Idem. 6 Ibidem, p. 113­114. 7 Ibidem, p. 114. 8 GUAZZELLI, Mônica. op. cit., loc.cit., p. 114­115.

15

Segundo Ricardo Lira citado por Rosana Fachin: “[...] não há poder dos pais sobre os filhos.

Há deveres e faculdades que são instrumentos desses deveres.” 9

É importante ressaltar os dispositivos constantes na Constituição Federal de 1988

referentes à família: artigo 226, caput, que prevê tutela especial à família em geral e seus §1º, §3º e §4º, que destacam os modelos de entidades familiares, reconhecendo o parentesco como

fonte da família constitucional, como a família monoparental; artigo 227, caput, dispõe do direito e princípio da convivência familiar e da proteção integral à criança e ao adolescente e

seu §6º, que reconhece a igualdade entre os filhos, independentemente de origem; e o artigo

229, que prevê expressamente o dever dos parentes em linha reta em primeiro grau, pais e

filhos, de prestação de assistência moral e material recíproca, e dentro destes a criação e

educação dos filhos menores. 10

Conforme Moacir César Pena Jr.: O novo modelo de família, portanto, é produto da constitucionalização do

ordenamento jurídico, que privilegia os valores da dignidade da pessoa humana, tornando mais amplo o conceito de unidade familiar, cujo objetivo é o desenvolvimento da personalidade e a busca da felicidade de cada um dos seus componentes. 11

Atualmente, a família representa um berço de afeto, igualdade, companheirismo,

lealdade, ética e confiança entre seus membros. É produto de uniões informais, da ciência

(inseminação artificial), da união entre pessoas do mesmo sexo, de pessoas vivendo sozinhas,

de pais ou mães criando sozinhos seus filhos, de irmandades, etc. 12

O direito de família, ao longo dessas transformações, tem procurado acompanhar a

sociedade e tutelar de forma mais específica e eficaz os interesses que mudam de foco. A

família atual tem várias formas e diferentes modelos, que só são possíveis pela liberdade de

escolha e igualdade como sua essência. Em um modelo mais flexível e menos patriarcal a

dignidade da pessoa humana prevalece em prol da família para que o fim maior, a felicidade,

seja então atingido.

9 LIRA, Ricardo apud FACHIN, Rosana. Parentesco e filiação. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo código civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 147.

10 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Das relações de parentesco. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo código civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 106.

11 PENA JUNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência.São Paulo: Saraiva, 2008, p. 09.

12 Ibidem, p. 24­25.

16

1.2 Os princípios do direito de família.

Com a constitucionalização do direito de família, os princípios constitucionais, que

traduzem valores fundamentais, são especialmente importantes para uma interpretação que

reflita sabedoria e senso de justiça. 13

Alguns desses princípios trazem consigo a essência das relações familiares encontrada

na valorização do afeto, e outros são princípios gerais encontrados em outros ramos do

direito, como o da dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade. 14

Não se tem um número certo de princípios, pois cada autor traz uma quantidade

diferenciada. A doutrina e a jurisprudência têm reconhecido inúmeros princípios

constitucionais implícitos, por isso é difícil quantificar ou nomear todos os princípios que

norteiam o direito de família, mas sabe­se que os princípios explícitos têm hierarquia sobre os

implícitos. 15

Em atenção à monogamia, tida como um princípio em diversas doutrinas, Maria

Berenice Dias discorda desse entendimento, pois não se trata de um princípio constitucional

ou de estatal de família, mas sim uma regra restrita a diversos matrimônios. O que se deve

perceber é que a Constituição Federal não a contempla, pelo contrário, tanto permite mais de

um relacionamento familiar quanto tolera a traição, não permitindo que nenhum filho tido

fora do casamento seja discriminado, e ainda, não deixando de conceder efeitos jurídicos a

uma relação familiar paralela.

Ainda de acordo com Maria Berenice Dias: Pretender elevar a monogamia ao status de princípio constitucional autoriza

que se chegue a resultados desastrosos. Por exemplo, quando há simultaneidade de relações, simplesmente deixar de emprestar efeitos jurídicos a um ou, pior, a ambos os relacionamentos, sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia, acaba permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel. Resta ele com a totalidade do patrimônio e sem qualquer responsabilidade para com o outro. Essa solução que vem sendo apontada pela doutrina e aceita pela jurisprudência afasta­se do dogma maior de respeito à dignidade da pessoa humana, além de chegar a um resultado de absoluta afronta à ética. 16

O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio maior da constituição, pois

aglutina em si todos os direitos e garantias fundamentais contidos na Constituição Federal, e

13 PENA JUNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência.São Paulo: Saraiva, 2008, p. 24­25. PENA JUNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 09.

14 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 57­58.

15 Ibidem, p. 57. 16 Ibidem, p. 59.

17

por isso está presente nos outros ramos do direito, indo desde o direito à vida, à liberdade, até

ao direito de ser feliz. 17

Esse princípio é considerado a primeira manifestação dos valores constitucionais

carregado de sentimentos e emoções, justamente porque sua essência é difícil de ser captura

em palavras, é impossível uma compreensão exclusivamente intelectual do mesmo. É um

macroprincípio do qual se extraem a liberdade, a autonomia privada, a cidadania, a igualdade,

a solidariedade e vários outros princípios éticos. 18

A dignidade da pessoa humana elevada a nível constitucional provocou uma

despatrimonialização, trazendo a personalização dos institutos jurídicos, colocando a pessoa

humana no centro protetor do direito. O direito de família está atrelado aos direitos humanos,

que tem por base o princípio da dignidade da pessoa humana, que, por fim, representa a igual

dignidade para todas as formas de entidade familiar. 19

Conforme Maria Berenice Dias: “Ora, se é direito da pessoa humana constituir núcleo

familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer­lhe a

existência digna”. 20

Assim, no amparo do princípio da dignidade da pessoa humana veio o direito à

separação e ao divórcio. 21

Um segundo princípio que advém da dignidade da pessoa humana e está atrelado

também ao princípio da igualdade, é o da liberdade. Este princípio é inviolável, e o papel do

direito, que tem como finalidade assegurar a liberdade, é coordenar, organizar e limitar as

liberdades, garantindo assim a liberdade individual, por isso liberdade e igualdade estão

atreladas, pois só existe liberdade se houver, em igual proporção e concomitância, igualdade.

Inexistindo a igualdade, haverá dominação e sujeição e não liberdade. 22

A Constituição com a instauração da democracia trouxe especial atenção à liberdade e

igualdade. No âmbito familiar a liberdade se traduz no poder de escolha de qualquer parceiro

para se constituir uma entidade familiar, e a igualdade na isonomia de tratamento entre o

homem e a mulher em relação à chefia da sociedade conjugal, sendo observada também na

17 PENA JUNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência.São Paulo: Saraiva, 2008, p. 09.

18 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 59.

19 Ibidem, p. 60. 20 Idem. 21 Idem. 22 Ibidem, p. 60­61.

18

união estável, onde o patrimônio dos que dispunham do mesmo status familiae é protegido

como no casamento. 23

Como citado por Maria Berenice Dias: A liberdade floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo da

autoridade parental ao consagrar os laços de solidariedade entre pais e filhos, bem como a igualdade entre os cônjuges no exercício conjunto do poder familiar voltada ao melhor interesse do filho. 24

Um terceiro princípio já mencionado acima é o da igualdade, um dos sustentáculos do

Estado democrático de direito. Falar em igualdade nos remete à célere frase de Rui Barbosa:

“Tratar a iguais com desigualdade ou a desiguais com igualdade não é igualdade real, mas sim

flagrante desigualdade”. 25

A Constituição Federal trouxe o princípio da igualdade de forma enfática,

mencionando­o no preâmbulo da Constituição; em seu artigo 5º: “todos são iguais perante a

lei”; em seu inciso I, afirmando a igualdade de direitos e obrigações entre o homem e a

mulher, e, ainda mais adiante em seu artigo 226, §5º, igualando os direito e deveres do

homem e da mulher em relação à sociedade conjugal. Não bastando, a igualdade alcançou

também os vínculos de filiação, proibindo qualquer discriminação contra os filhos havidos

fora da relação conjugal ou por adoção. 26

Segundo Mônica Guazzelli citada por Maria Berenice Dias: “A relação de igualdade

nas relações familiares deve ser pautada não pela pura e simples igualdade entre iguais, mas

pela solidariedade entre seus membros, caracterizada da mesma forma pelo afeto e amor”. 27

E, ainda conforme Maria Berenice Dias: A organização e a própria direção da família repousam no princípio da

igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (CC 1.511), tanto que compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mútua colaboração (CC 1.567). São estabelecidos deveres recíprocos e atribuídos igualitariamente tanto ao marido quanto à mulher (CC 1.566). Também em nome da igualdade é permitido a qualquer dos nubentes acrescer ao seu o sobr enome do outro (CC 1.565 §1º). É acentuada a paridade dos direitos e deveres do pai e da mãe no respeitante à pessoa (CC 1.631) e bens dos filhos (CC 1.690). Assim, não havendo acordo, não prevalece a vontade de nenhum deles. Devem socorrer­se do juiz para a solução dos desacordos. Com relação à guarda dos filhos, ninguém tem preferência (CC 1.584), sendo conferida de forma indistinta a quem revelar melhores condições para exercer: ou ao pai ou à mãe. 28

23 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 61.

24 Idem. 25 BARBOSA, Rui apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 62.

26 DIAS, Maria Berenice. op. cit., p. 62. 27 GUAZZELLI, Mônica apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 63.

28 DIAS, Maria Berenice. op. cit., p. 63.

19

Quanto ao vínculo de filiação, todos os filhos são iguais em direitos e deveres,

merecendo a total proteção por parte dos pais, da sociedade e do Estado, pois filho é sempre

filho, independentemente de sua origem biológica ou socioafetiva. 29

Encontramos em nosso ordenamento jurídico um quarto princípio, que tem origem nos

vínculos afetivos, compreendendo fraternidade e reciprocidade, gerando deveres recíprocos

entre os membros de uma mesma família. 30

Outro princípio bastante moderno é o do pluralismo das entidades familiares,

admitindo a família como qualquer arranjo familiar, seja por vínculo sanguíneo, seja pelo

afetivo, não os excluindo do âmbito jurídico por não serem constituídos a partir de um

matrimônio. 31

A família, qualquer que seja a sua forma de representação social, deve ser constituída

de relações de afeto para que seja palco de realizações e felicidades, baseando­se na

capacidade de cada um dos membros de dar e receber amor. Tomando por base esse objetivo,

surgiu mais um princípio na Constituição Federal, o da afetividade, fundamental para que as

relações na família sejam bem­sucedidas, deixando de ser um centro econômico, religioso e

de reprodução como foi durante muitos anos, dando lugar ao companheirismo. 32

Segundo José Lamartine C. de Oliveira, Francisco José F. Muniz e Paulo Luiz Netto

Lôbo citados por Maria Berenice Dias: A família e o casamento adquiriram um novo perfil, voltados muito mais a

realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. [...] A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas. 33

Durante toda essa evolução do direito de família, instaurou­se uma nova ordem

jurídica ao conceito de família, dando, enfim, um valor jurídico subjetivo ao afeto. Sendo

assim, não se precisa abordar mais nada pra dizer que este é o princípio fundamental

norteador do direito de família. 34

Além desses princípios de maior enfoque a Carta Constitucional dá ênfase também a

outros dois princípios muito importantes ao tema tratado, o princípio da proteção integral da

29 PENA JUNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência.São Paulo: Saraiva, 2008, p. 15.

30 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 63­64.

31 Ibidem, p. 64. 32 PENA JUNIOR, Moacir César. op. cit., p. 10­11. 33 DIAS, Maria Berenice. op. cit., p. 68. 34 Idem.

20

criança e do adolescente e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que

serão tratados mais especialmente no tópico a seguir.

1.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da proteção integral.

A Constituição Federal de 1988 já trazia dispositivos referentes aos direitos da criança

e do adolescente, contudo, em 1990 um microssistema veio regulamentar e tutelar esses

direitos, estabelecendo políticas de atendimento, medidas de proteção, dispositivos de atos

infracionais e o acesso à justiça, assim como os crimes e as infrações administrativas

cometidos contra a criança e o adolescente.

Com base nos dispositivos 227 e 228 da Constituição Federal de 1988, o Estatuto da

Criança e do Adolescente trouxe uma nova realidade brasileira ao respeito às crianças e aos

adolescentes, disciplinado as relações com a família, a sociedade e o Estado.

O Estatuto da Criança e do Adolescente veio para determinar a prioridade da criança e

do adolescente em detrimento de seu estado peculiar de pessoa em desenvolvimento,

adotando diretrizes constitucionais que prevêem a doutrina da proteção integral e o princípio

do melhor interesse, refletidos em seus artigos 3º, 4º e 5º. 35

Os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente assegurados pela

Constituição Federal de 1988 que estão dispostos especificamente no Estatuto são: direito à

vida, à liberdade física e intelectual, ao nome, ao corpo, à imagem e à dignidade; além desses

direitos fundamentais da pessoa humana, a criança e o adolescente gozam do direito subjetivo

de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, preservando­se sua liberdade e

dignidade. E para garantir e efetivar esses direitos o legislador criou mecanismos como o

dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do

adolescente. 36

Como previsto no atual Código Civil Brasileiro (2002), os direitos da personalidade

são inalienáveis, intransmissíveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.

Com base nesses direitos resguardados tanto na Constituição Federal de 1988 quanto

no Estatuto da Criança e do Adolescente, este deve ser interpretado de acordo com sua

35 ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 13.

36 Ibidem, p. 13­14.

21

finalidade social, ou seja, à proteção integral da criança e do adolescente, bem como o melhor

ou maior interesse destes. 37

A doutrina da proteção integral se transparece pelo princípio do melhor ou maior

interesse da criança e do adolescente, centrando­se no desenvolvimento de sua personalidade,

nos planos físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e

dignidade. E, por sua vez, o direito à liberdade assegura a proteção da criança e do

adolescente contra toda forma de abandono, negligência, crueldade e exploração, que possa

prejudicar sua saúde, educação e desenvolvimento físico, intelectual ou moral. 38

Esse microssistema prevê mecanismos de amparo e proteção à criança e ao

adolescente, proporcionando efetividade da defesa desses direitos.

O também chamado de princípio do superior interesse, previsto na Constituição

Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, em seu art. 6º, tem sua

definição como aqueles cuidados essenciais para se viver com saúde física, mental e

emocional, cujos interesses inicialmente são dos pais, mas se negligenciados o Estado deve

intervir para assegurá­los. 39

Esse princípio teve origem no instituto inglês parens patriae, onde o rei tinha a prerrogativa de proteger aqueles que não poderiam fazê­lo em causa própria. 40

A Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, realizada pela Organização das

Nações Unidas (ONU) em 1989, prevê que todas as ações relativas às crianças levadas a

efeito por instituições públicas ou privadas de bem­estar social, tribunais, autoridades

administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior

da criança. 41

Segundo Waldyr Grisard Filho: “[...] o interesse dos filhos deve primar por cima de

qualquer outro interesse, ou circunstância, do pai ou da mãe”. 42

De acordo com a Constituição Federal de 1988 e com Estatuto da Criança e do

Adolescente de 1990, a relação entre pais e filhos e o poder paternal está ligado à idéia de

37 ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 10.

38 OLIVEIRA, José Francisco Basílio de. Guarda, visitação e busca e apreensão de filho. Rio de Janeiro: Destaque, 2000, p. 53­54.

39 FACHIN, Rosana. Parentesco e filiação. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo código civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 149.

40 PEREIRA, Tânia da Silva. Da adoção. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo código civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 156.

41 Idem. 42 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000, p. 62.

22

proteção. Os direitos e deveres compartilhados pelo pai e pela mãe visam assegurar aos filhos

todos os cuidados necessários ao seu desenvolvimento e educação moral e intelectual. 43

O objetivo da lei é proteger o interesse da criança de uma forma geral e abstrata, já o

do juiz é fazer valer essa proteção nos casos concretos por uma avaliação individualizada,

partindo de que cada caso é um caso. A criança não é objeto de direito dos pais, mas sim uma

pessoa em condição de desenvolvimento que tem direito à proteção, assistência e educação.

De acordo com José Francisco Basílio de Oliveira, em matéria de proteção do

interesse do menor o juiz não fica vinculado ao critério estritamente legal, podendo usar a sua

faculdade discricionária e o seu pode geral de cautela, a fim de tomar as medidas que julgar

cabíveis, visando o que melhor convém à criança. 44

Para que essa proteção seja efetivada pelo do juiz existem elementos determinados

pela jurisprudência a serem levados em conta, como, segundo Eduardo de Oliveira Leite: O desenvolvimento físico e moral da criança, a qualidade se suas relações

afetivas e sua inserção no grupo social, a idade, o sexo, a irmandade, o apego ou a indiferença manifestada pela criança a um de seus pais, a estabilidade da criança, como também as condições que cercam os pais, materiais ou morais. 45

Aplicando o direito o juiz deve examinar a situação fática, determinando a partir de

elementos objetivos e subjetivos qual é, verdadeiramente, o interesse do menor naquela

situação específica. 46

Nas questões relativas à guarda, o princípio em questão é o principal informador para

que o juiz decida quem efetivamente tem melhores condições de defender esses interesses.

Sendo o melhor interesse da criança o objetivo, é conferido ao juiz a possibilidade de,

ausentes nos pais as condições necessárias para resguardar os interesses do menor, determinar

a guarda à terceiros, sejam parentes como os avós, ou não, como vizinhos, amigos ou até

mesmo uma família substituta. 47

Segundo Rosana Fachin: “[...] uma vez que se trata de realidade dinâmica, seja ela

provisória ou definitiva, a guarda poderá ser modificada”. 48

Aplicando o melhor interesse da criança o juiz deve estar atento às situações dispostas

principalmente nos processos de separação, não deixando passar nenhuma violação dos

43 FACHIN, Rosana. Parentesco e filiação. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo código civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 149.

44 OLIVEIRA, José Francisco Basílio de. Guarda, visitação e busca e apreensão de filho. Rio de Janeiro: Destaque, 2000, p. 91.

45 LEITE, Eduardo de Oliveira apud GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000, p. 63.

46 GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000, p. 63.

47 FACHIN, Rosana. Parentesco e filiação. op. cit., p. 148. 48 Ibidem, p. 149.

23

interesses infanto­juvenis, estando atento às suas necessidades juntamente com uma equipe de

psicólogos e assistentes, procurando sempre a proteção daqueles na qualidade de pessoa em

desenvolvimento.

No nosso Estatuto há também outros princípios que estão implícitos nos dispositivos,

os que mais se destacam são: o princípio da prevenção geral disposto nos artigos 54, I a VII e

70, prevendo como dever de todos e do Estado assegurar à criança e ao adolescente a

prevenção da ocorrência de ameaça ou violência desses direitos; o princípio da prevenção

especial no artigo 74, regulando as diversões e espetáculos públicos de acordo com a faixa

etária, o local e horário de sua realização que se mostrem inadequados; o princípio de

atendimento integral nos artigos 3º, 4º e 7º, sendo direito do menor a vida, a saúde, a

alimentação, a educação, o esporte, o lazer, a profissionalização e tantos outros que são

necessários ao seu completo desenvolvimento; o princípio da garantia prioritária no artigo 4º,

“a” a “d”, que se baseia na preferência tanto de proteção e socorro em quaisquer

circunstâncias como em políticas sociais públicas adotadas pelo governo; o princípio da

proteção estatal no artigo 101, onde o Estado, através de programas de desenvolvimento, visa

a formação biopsíquica, social, familiar e comunitária; o princípio da indisponibilidade dos

direitos do menor no artigo 27, envolvendo o direito personalíssimo, indisponível e

imprescritível do reconhecimento do estado de filiação exercido contra os pais ou herdeiros; o

princípio da escolarização fundamental e profissionalização nos artigos 120, §1º e 124, XI,

que são obrigatórias e possibilitadas pelos recursos da comunidade; o princípio da reeducação

e reintegração do menor no artigo 119, I a IV, que visa fornecer orientação e inserir o menor e

sua família em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência, bem como

supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar; o princípio da sigilosidade no artigo

143, permitindo que seja vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que

digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribuía autoria de ato infracional; o

princípio da respeitabilidade nos artigos 18, 124, V e 178, sendo dever de todos resguardar a

dignidade da criança e do adolescente, pondo­os a salvo de qualquer tratamento desumano,

violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, seguindo os ditames do princípio da

dignidade da pessoa humana; o princípio do contraditório nos artigos 171 e 190, garantindo a

ampla defesa e igualdade de tratamento em processos judiciais e administrativos; o princípio

da gratuidade no artigo 141, §1º e §2º, pois a assistência judiciária prestada a todos os

menores que dela necessitem é gratuita, sendo seu acesso garantido à todo menor pela

Defensoria Pública, o Ministério Público e o Poder Judiciário ou qualquer de seus órgãos; e o

24

princípio do compromisso no art. 32, ao qual se sujeitam todos que assumirem a guarda ou a

tutela do menor, devendo responder bem e fielmente ao desempenho de seu cargo. 49

49 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente: lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. 4. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 16­17.

25

CAPÍTULO 2

SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL

A Síndrome da Alienação Parental trata das conseqüências psicológicas sofridas pela

criança como resultado da alienação parental, constituindo uma forma de abuso contra a

criança e o adolescente.

Antes de adentrarmos ao tema principal são necessários alguns esclarecimentos a

cerca do Fenômeno da Alienação Parental.

Os estudiosos dos conflitos familiares já se deparam com esse fenômeno, que não é

novo, mas vem sendo melhor identificado atualmente. Pode ser chamado por mais de um

nome: fenômeno da alienação parental ou “implantação de falsas memórias”. 50

Ele é caracterizado pelo comportamento de um dos genitores para excluir o outro da

relação de convívio com o filho, ou seja, o genitor que detém a guarda da criança procura de

várias maneiras afastar o filho do outro genitor que não a detém. Esse fenômeno ocorre

freqüentemente nos processos de separação dos cônjuges, onde há a disputa pela guarda dos

filhos. 51

Segundo Maria Berenice Dias: “A criança é induzida a afastar­se de quem ama e que

também a ama [...] o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao

parceiro”. 52

O fenômeno se concretiza quando os pais começam a transformar as percepções de

seus filhos, através de diversas formas, objetivando impedir, obstruir ou destruir suas relações

com o outro genitor. 53

Conforme Gardner: “[...] um dos genitores empreende um programa de denegrir o

outro genitor”. 54

50 DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental, o que é isso? Jus Navigandi, Teresina, PI, ano 10, n. 1119, 25 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8690>. Acesso em: 12 mar. 2008.

51 BRANDES, Joel R. Alienação parental. APASE [S. l.]. New York Law Journal, 2000. Disponível em: <http://www.apase.org.br/94004­alienação.htm>. Acesso em: 10 maio 2008.

52 DIAS, Maria Berenice Dias. Alienação parental. Maria Berenice Dias [S. l.]. Disponível em: <http://www.mariaberenicedias.com.br/site/content.php?cont_id=1352&isPopUp=true>. Acesso em: 10 maio 2008.

53 CUENCA, Jose Manuel Aguiar. O uso de crianças no processo de separação: Síndrome da alienação parental. APASE [S. l.]. Revista Lex Nova, out./dez., 2005. Disponível em: <http://www.apase.org.br/94012­josemanuel.htm>. Acesso em: 10 maio 2008.

54 GARDNER, Richard apud GROENINGA, Giselle Câmara. O fenômeno da alienação parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha; MADALENO, Rolf (Coord.). Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 124.

26

De acordo com Maria Berenice Dias: [...] Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser a verdade para o filho, que vive com falsos personagens de uma falsa existência, implantando­se, assim, falsas memórias. 55

Assim, a alienação parental consiste numa manipulação mental da criança pelo genitor

guardião, implantando nela lembranças ruins que não existiram, assim como inculcando

defeitos e desvios de comportamentos de forma exagerada do outro genitor, levando o filho a

conclusões errôneas e a rejeitar um perfil criado pelo genitor alienador para o genitor

alienado.

O objetivo desse comportamento é excluir o genitor não­guardião da convivência

familiar com o filho, empenhando­se de várias formas em obter a exclusividade da criança ou

a vingança contra o ex­cônjuge.

Não se trata de estabelecer o “mau” contra o “bom”, pois os papéis podem se inverter,

ou seja, o genitor vítima da alienação não conformado com a situação de sua exclusão pode

tornar­se o alienador, verificando­se, então, alienado e alienador na mesma pessoa. O genitor

alienado da relação procura se vingar tomando o mesmo comportamento do alienador,

estabelecendo assim uma escala de alienação mútua, resultando num círculo vicioso que

precisa ser interrompido para que o desenvolvimento saudável e o bem­estar da criança sejam

garantidos. 56

2.1 Terminologia

A alienação parental surgiu em decorrência do estudo de sua síndrome, que foi

primeiramente identificada em 1985 por Richard Gardner.

O termo “síndrome” tem significado ambíguo, ou seja, pode ser usado em dois

sentidos: o médico e o figurado. 57

55 DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental, o que é isso? Jus Navigandi, Teresina, PI, ano 10, n. 1119, 25 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8690>. Acesso em: 12 mar. 2008.

56 DARNALL, Douglas. Uma definição mais abrangente de alienação parental. APASE [S. l.], 2003. Tradução: Paulo Mariano Lopes. Disponível em: <http://www.apase.org.br/94003­umaanilise.htm>. Acesso em: 15 maio 2008.

57 GROENINGA, Giselle Câmara. O fenômeno da alienação parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha; MADALENO, Rolf (Coord.). Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 123­124.

27

Se interpretada somente pelo sentido médico pode acabar ganhando indevidamente o

status de verdade médico­legal, sendo reconhecida como prova incontestável nos autos dos processos judiciais. 58

A discussão da terminologia se dá em torno do forte apelo que o nome “síndrome”

traz, parecendo assim, uma vantagem pelo impacto que o termo causa aos leigos, contudo é na

verdade uma desvantagem, pois confunde um fenômeno com um conceito médico­científico,

podendo gerar confusões metodológicas, visto que a síndrome da alienação parental não é

aceita como uma categoria diagnóstica, ou seja, não é uma síndrome médica válida. Assim,

deve­se atentar para o sentido figurado do termo “síndrome”. 59

2.2 Identificação da Síndrome da Alienação Parental

Faz­se necessária a identificação da síndrome por parte dos magistrados para que estes

possam repeli­las quando presentes, não deixando que se instale definitivamente nos menores.

Segundo Giselle Câmara Groeninga: “A identificação do fenômeno da alienação

parental significa um movimento num verdadeiro resgate das funções parentais, de sua

complementariedade e da defesa dos direitos da personalidade”. 60

Conforme Douglas Darnall: “A sua primeira manifestação é uma campanha de

difamação contra um dos pais por parte da própria criança, a qual não apresenta

justificativa”. 61

E, de acordo com François Podevyn: Para sobreviver, estes filhos aprendem a manipular. Tornam­se

prematuramente espertos para decifrar o ambiente emocional; para falar apenas uma parte da verdade; e por fim, enredar­se nas mentiras e exprimir emoções falsas. 62

A criança absorve todos os sentimentos negativos e más experiências do genitor

alienador relativas ao ex­cônjuge e se sente no dever de protegê­lo, elegendo o ambiente do

58 GROENINGA, Giselle Câmara. O fenômeno da alienação parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha; MADALENO, Rolf (Coord.). Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 123­124.

59 Idem. 60 Ibidem, p. 137. 61 DARNALL, Douglas. Uma definição mais abrangente de alienação parental. APASE [S. l.], 2003. Tradução: Paulo Mariano Lopes. Disponível em: <http://www.apase.org.br/94003­umaanilise.htm>. Acesso em: 15 maio 2008.

62 PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

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alienador para permanecer. Quando argüido sobre o genitor alienado, conta o que não lhe foi

agradável durante a visita ao invés de ressaltar as coisas que mais gostou. 63

Alguns critérios merecem ser destacados, por François Podevyn 64 :

a) campanha de descrédito: esta campanha é manifestada verbalmente e nas atitudes para

com o genitor afastado;

b) justificativas fúteis: o filho dá pretextos fúteis, com pouca credibilidade ou absurdos,

para justificar a sua atitude;

c) ausência de ambivalência: o filho aparece estar absolutamente seguro de si mesmo e

seu sentimento exprimido pelo genitor alienado é mecânico e sem equívoco: raiva,

desgosto, ódio, entre outros;

d) fenômeno de independência: a criança afirma que ninguém a influenciou e que chegou

sozinha a esta conclusão, e é o que ela realmente acredita.

e) sustentação deliberada: o filho adota de uma maneira racional a defesa do genitor

alienador dentro do conflito;

f) ausência de culpa: a criança não se sente culpada por denegrir ou explorar o genitor

alienado;

g) situações fingidas: o filho conta casos que manifestamente não viveu, ou seja, que

ouviu falar;

h) generalização à outros membros da família do alienado: a criança amplia sua

animosidade para a família e amigos do genitor alienado.

2.3 Aspectos psicológicos relevantes

As crianças, entre 8 e 11 anos, principalmente os meninos, são os que mais sofrem

com a síndrome. Nessa etapa de desenvolvimento, as crianças já entendem o que se passa a

sua volta mais ainda não possuem uma formação mental que as possibilite algum

discernimento, por isso são facilmente manipuladas em relação aos adolescentes, já que estes

possuem certo grau de discernimento e consciência própria, não aceitando tudo com

facilidade. 65

63 PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

64 Idem. 65 FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Síndrome de alienação parental. 2006. Revista Pediatria, São Paulo. Trabalho de conclusão de curso (Graduação)­Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. Publicada em 7 ago. 2006. Disponível em: <http://www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/1174.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2008.

29

Os meninos são a maioria, pois é mais comum a alienação parental advir do

comportamento materno, e estes são os que mais sofrem pela ausência do pai que foi alienado

da relação familiar. 66

Devido à alienação desenvolvida, essas crianças sofrem uma distorção em sua

personalidade, crescem sem um modelo de identificação de um casal parental, ou seja, não

vêem pai e mãe como funções complementares. O modelo que elas têm é de um pai alienando

o outro da relação como uma competição existente pela sua lealdade. Com isso os filhos que

viveram com modelos de pais alienadores podem perpetuar a alienação por gerações, pois

internalizam o modelo de competição e exclusão e não o de cooperação, enxergando um amor

como excludente do outro. Assim sendo, o conflito de lealdade e a alienação vivida se

refletirão em relacionamentos sociais preconceituosos e (ou) excludentes. 67

Segundo Gardner citado por François Podevyn: “O filho alienado tende a reproduzir a

mesma patologia psicológica que o genitor alienador”. 68

A síndrome pode­se desenvolver em diferentes estágios, e isto não depende dos

esforços feitos pelo genitor alienador, mas sim do grau de êxito de afastamento gerado entre

filho e alienado. Os estágios são classificados em leve, médio e grave, cada um com seu

comportamento específico a ser identificado.

Em seu estágio leve a campanha de desmoralização e ofensas por parte do infante são

discretas e raras. Os sintomas são mínimos, pois a personalidade do infante não está muito

afetada, ou seja, quanto mais leve o estágio é mais difícil de se perceber a manifestação da

síndrome da alienação parental, por isso ela só é identificada com certeza em seus níveis mais

avançados. 69

No estágio médio o filho usa de argumentos fúteis e absurdos para não realizar a visita

e a desmoralização aumenta, sendo o alienador completamente “bom” e o alienado

completamente “mau”. Os sintomas aparecem de forma moderada e estão presentes em sua

66 FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Síndrome de alienação parental. 2006. Revista Pediatria, São Paulo. Trabalho de conclusão de curso (Graduação)­Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. Publicada em 7 ago. 2006. Disponível em: <http://www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/1174.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2008.

67 GROENINGA, Giselle Câmara. O fenômeno da alienação parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha; MADALENO, Rolf (Coord.). Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 130.

68 GARDNER, Richard apud PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

69 PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

30

maioria, contudo, se realizada a troca de genitores a criança fica mais dócil e cooperativa, não

sendo tão hostil quanto era na frente de seu genitor­guardião. 70

Já no estágio grave as crianças se apresentam psicologicamente afetadas e perturbadas,

expressam emoções exageradas de repulsa em relação à visita do genitor alienado,

demonstrando pânico em estabelecer contato com ele. 71

A identificação nesse nível torna­se mais fácil devido à evidência dos critérios que são

totalmente claros e perceptíveis, apresentando­se fortes e exagerados, estando todos presentes

em seu maior nível.

2.4 Diferenças entre Síndrome da Alienação Parental e incesto

O incesto, que é o abuso sexual dentro das relações familiares, também é uma forma

de alienação parental se falsamente denunciado.

Conforme Danya Gauderer citada por Mônica Guazzelli: O abuso sexual é a falta de consentimento do menor na relação com o adulto.

A vítima é forçada, fisicamente, ou coagida, verbalmente, a participar da relação, sem ter necessariamente capacidade emocional ou cognitiva para consentir ou julgar o que está acontecendo. 72

A falsa denuncia de abuso sexual pode ser fruto de uma séria patologia mental ou

alimentada pela alienação parental.

Segundo Giselle Câmara Groeninga: “[...] as denúncias de abuso representam também

uma ‘arma eficaz’ na guerra que se estabeleceu entre os pais [...]”. 73

Muitas vezes o afastamento do genitor não­guardião do lar não é o suficiente para o

alienador, e assim, este vai além, denunciando o outro por um abuso sexual contra o filho que

não ocorreu. É mais retratado como uma vingança contra o ex­cônjuge, sacrificando o próprio

filho de forma direta. 74

70 PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

71 Idem. 72 GAUDERER, Danya apud GUAZZELLI, Mônica. A falsa denúncia de abuso sexual. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 125.

73 GROENINGA, Giselle Câmara. O fenômeno da alienação parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha; MADALENO, Rolf (Coord.). Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 127.

74 GUAZZELLI, Mônica. A falsa denúncia de abuso sexual. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 121.

31

Posto isso, de acordo com Mônica Guazzelli, diante de uma acusação grave dessas, o

juiz, em prol da proteção integral da criança, não tem outra alternativa, senão, no mínimo,

suspender temporariamente as visitas ou reduzi­las e monitorá­las. 75

Sendo assim, o genitor alienador já obteve o que desejava, ou seja, excluir o outro da

convivência familiar com o filho, pois mesmo que se inicie um processo de perícia, tanto pelo

serviço social judiciário quanto por psiquiatras, o tempo e a limitação do contato estão a favor

daquele que denunciou, mesmo sendo falsa a denúncia. 76

Já, segundo Maria Berenice Dias, as denúncias de abuso sexual são freqüentes nesse

estágio de alienação, visando à suspensão das visitas, visto que a acusação é grave e há

dificuldades de se comprová­la. Assim, deve­se determinar a realização de estudo social e a

elaboração de perícia psicológica e psiquiátrica, não só com o filho, mas também com ambos

os genitores para apurar a veracidade da denúncia, e diante da ausência de outras provas, além

da denúncia da genitora, não cabe simplesmente interromper a visitas e acabar com o contato

familiar. 77

Contudo, o juiz tem a obrigação de assegurar a proteção integral, sendo assim deve­se

reverter a guarda ou suspender as visitas, determinando a realização de estudos sociais e

psicológicos para verificação da veracidade dos fatos, só que esses procedimentos são

demorados, e durante todo esse período rompe­se a convivência do alienado com o filho. 78

A falsa denúncia de abuso sexual, apesar de ser uma “realidade inexistente”, é uma

outra forma de abuso. É um abuso psicológico extremamente perverso, que afetará o

desenvolvimento psíquico da criança. Além disso, em busca da verdade real, o infante passará

por vários procedimentos, dentre eles: análise social, psiquiátrica e judicial, e nem por isso a

certeza do ocorrido será alcançada. 79

Conforme Maria Berenice Dias: Diante da dificuldade de identificação da existência ou não dos episódios

denunciados, mister que o juiz tome cautelas redobradas: deve buscar identificar a presença de outros sintomas que permitam reconhecer que está diante da síndrome da alienação parental e que a denuncia do abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como meio de acabar com o relacionamento do filho com o genitor. Para isso, é indispensável não só a participação de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, com seus laudos, estudos e testes. Mister que também o juiz se capacite para

75 GUAZZELLI, Mônica. A falsa denúncia de abuso sexual. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 122.

76 Idem. 77 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 399.

78 DIAS, Maria Berenice Dias. Alienação parental. Maria Berenice Dias [S. l.]. Disponível em: <http://www.mariaberenicedias.com.br/site/content.php?cont_id=1352&isPopUp=true>. Acesso em: 10 maio 2008

79 GUAZZELLI, Mônica. op. cit., p. 127.

32

poder distinguir o sentimento de ódio exacerbado que leva ao desejo de vingança a ponto de programar o filho para reproduzir falsas denúncias com o só intuito de afastá­lo do genitor. 80

Cumpre observar as diferenças existentes entre o real abuso e o falso abuso para que

haja uma identificação menos equivocada por parte do judiciário.

Segundo José Manuel Aguiar, quando ocorre o abuso sexual o filho lembra dos

detalhes que aconteceram sem ajuda de ninguém, principalmente do genitor alienador. As

informações que são passadas pela criança são mais detalhadas e em maior quantidade; os

conhecimentos sexuais não são próprios de sua idade: ereção, ejaculação, excitação;

costumam aparecer indicadores de lesões e infecções, assim como transtornos funcionais:

sono e alimentação alterados; sente culpa ou vergonha do que ocorreu; costumam aparecer

condutas voltadas ao sexo, agressões sexuais aos colegas menores, masturbação excessiva,

entre outros indicadores sexuais; apresentam alterações comportamentais: isolamento social,

mudança de conduta brusca, agressividade física e verbal, consumo de álcool ou drogas;

costumam apresentar desordem emocional: sentimento de culpa, depressão, baixa auto­

estima, choro sem motivo; as denúncias são prévias a separação e o progenitor que acusa o

outro de abuso contra o filho costuma acusá­lo também de abusos contra si mesmo. 81

Já quando ocorre a falsa denúncia, ou seja, o fenômeno da alienação parental, o filho

manipulado não viveu o que seu genitor denuncia e precisa de constantes recordações, suas

informações são pobres em detalhes e são poucas. A criança não tem conhecimentos sexuais

de caráter físico: sabor, dureza, textura; não apresenta indicadores sexuais nem físicos; não

possui transtornos funcionais nem emocionais; seu padrão de conduta não se altera no meio

social; não aparenta sentimento de culpa ou conduta de autodestruição; os sentimentos de

culpa ou vergonha são escassos ou inexistentes; as denúncias são feitas depois da separação e

o genitor só denuncia o abuso contra o filho. 82

Duas características relevantes devem ser ressaltadas nas falsas denúncias, elas

aparecem em crianças pequenas, que ainda não atingiram a fase escolar (até sete anos), e

existe na separação ou a iminência da separação do casal. 83

François Podevyn prevê cinco critérios de diferenciação 84 :

80 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 410.

81 GUAZZELLI, Mônica. A falsa denúncia de abuso sexual. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 129.

82 Idem. 83 Ibidem, p. 130. 84 PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

33

a) recordações do filho: que nos casos de síndrome necessita de ajuda para recordar o

que aconteceu. E nos casos de incesto recorda com detalhes o que passou, bastando

uma palavra para ativar a memória;

b) lucidez do genitor: nos casos de incesto o genitor de um filho abusado identifica os

efeitos desastrosos provocados pela destruição progressiva dos laços entre o filho e o

outro genitor, e tentará reduzir os abusos para salvaguardar a relação. Na presença da

síndrome o genitor alienador não se importa;

c) patologia do genitor: nos casos de incesto, um genitor que apresenta esse tipo de

comportamento já o apresentou em outras fases da vida. Nos casos de síndrome nada

parecido ocorreu antes;

d) as vítimas do abuso: nos incesto, um genitor que acusa o outro de abuso com seus

filhos, normalmente o acusa de abuso contra si próprio. Na síndrome o alienador

somente se queixa dos danos que o alienado causa aos filhos;

e) o momento do abuso: no incesto, as queixas antecedem ao momento da separação, já

nos casos de síndrome tudo começa posteriormente a separação.

Essas denúncias falsas predominam nos casos de filhos ainda pequenos, por serem

mais manipuláveis, sendo induzidos a confirmar tudo que o genitor alienador diz. Com o tema

da pedofilia em questão, basta uma leve insinuação acompanhada de bons advogados para que

se suscite dúvida no juiz, acarretando com isso, a medida de restrição das visitas, que é o

objetivo primordial do alienador nesse estágio. 85

85 AGUIAR, Carla. Manipulação dos filhos contra os pais está a crescer. Diário de notícias, Lisboa, Portugal, 14 jan. 2008. Disponível em: <http://dn.sapo.pt/2008/01/14/>. Acesso em: 12 mar. 2008.

34

CAPÍTULO 3

O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO

A postura do judiciário frente a esse fenômeno deve ser de repressão. Não poderá

simplesmente ignorar a existência da alienação parental enquanto os direitos da criança e do

adolescente estão sendo violados dentro de seu próprio seio familiar. Cabe assim, a

intervenção Estatal para garantir a proteção desses direitos fundamentais de cunho

constitucional.

3.1 Apreciação da síndrome e a relevância da equipe multidisciplinar do juízo

É necessário entender a dinâmica dessa síndrome para que se possa identificá­la, tanto

pelos membros familiares quanto pelo judiciário e psicólogo, com o intuito de reconhecer os

comportamentos sintomáticos para que se possa procurar táticas ao combate dessa

disfunção. 86

Segundo Priscila Fonseca: “Uma vez identificado o processo de alienação parental, é

importante que o poder judiciário aborte seu desenvolvimento, impedindo dessa forma, que a

síndrome venha a se instalar”. 87

Por Jorge Trindade: “[...] é importante que a síndrome de alienação parental seja

detectada quanto antes, pois quanto mais cedo ocorrer a intervenção psicológica e jurídica

menores serão os prejuízos causados e melhor o prognóstico de tratamento para todos.” 88

A apreciação pelo poder judiciário pode gerar dúvidas a quem se deve recorrer, ao

juízo de família ou ao juízo da infância e juventude. Está assim, instaurado o conflito de

competências.

Seguindo o posicionamento de Maria Berenice Dias, deve­se solver esse conflito de

competência identificando a situação em que se encontra a criança, ou seja, para as questões

isosososommmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm

86 DARNALL, Douglas. Uma definição mais abrangente de alienação parental. APASE [S. l.], 2003. Tradução: Paulo Mariano Lopes. Disponível em: <http://www.apase.org.br/94003­umaanilise.htm>. Acesso em: 15 maio 2008.

87 FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Síndrome de alienação parental. 2006. Revista Pediatria, São Paulo. Trabalho de conclusão de curso (Graduação)­Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. Publicada em 7 ago. 2006. Disponível em: <http://www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/1174.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2008.

88 TRINDADE, Jorge. Síndrome da alienação parental. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 105.

35

que envolvem guarda e estando os filhos com ambos ou um dos genitores, a competência é da

vara de família; já se estes possuem seus direitos violados ou ameaçados, por omissão ou

abuso dos responsáveis em razão de suas condutas, a vara da infância e juventude é

competente à apreciação.

A maneira de encontrar uma solução mais clara para esse conflito é observar se a

criança está desassistida, ou seja, mesmo que na companhia dos pais ela tenha seus direitos

violados por omissão ou abuso, então, a competência desloca­se para o juízo da infância e

juventude. 89

A competência do juizado da infância e juventude nos casos de guarda está prevista no

artigo 98 combinado com o artigo 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja,

somente se a criança estiver em situação de risco ou tiver seus direitos violados ou

ameaçados, caso contrário, a guarda será discutida no juízo de família.

É cada vez mais comum os juízes solicitarem laudos psicossociais, contudo, o

problema é que esse tipo de medida, apesar de ser necessária para uma avaliação precisa,

torna o andamento dos processos ainda mais moroso, prolongando o sofrimento da família. 90

Por José Manuel de Aguiar: “[...] se atrasos ilegais do processo são permitidos,

consolidando e mantendo a distância entre o pai e seu filho, os pilares básicos sobre os quais a

patologia é criada são facilitados”. 91

De acordo com Mônica Guazzelli: “[...] o ônus da morosidade do processo recairá

exclusivamente sobre o réu, mesmo que ele seja inocente”. 92

Para a verificação da ocorrência desse fenômeno são necessários estudos psicológicos

e psiquiátricos, avaliações terapêuticas e estudos sociais, contudo, uma correta aferição por

parte desses profissionais torna o procedimento moroso e nem sempre conclusivo, fazendo

com que a família, mas principalmente a criança, passe por momentos difíceis e muitas vezes

traumáticos.

89 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 402.

90 CZEPAK, Isabel. Como preservar os filhos na separação. APASE [S. l.]. O Popular, Goiânia, 2005. Disponível em: <http://www.apase.org.br/94007­opopular.htm.> Acesso em: 10 maio 2008.

91 CUENCA, Jose Manuel Aguiar. O uso de crianças no processo de separação: Síndrome da alienação parental. APASE [S. l.]. Revista Lex Nova, out./dez. 2005. Disponível em: <http://www.apase.org.br/94012­ josemanuel.htm>. Acesso em: 10 maio 2008.

92 GUAZZELLI, Mônica. A falsa denúncia de abuso sexual. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 122.

36

3.2 A omissão do juízo frente a Síndrome da Alienação Parental

O judiciário precisa estar atento aos indícios desse fenômeno para que não seja

conivente nem omisso quanto a instalação de sua síndrome. Para isso é preciso que os

operadores jurídicos não defiram pleitos indevidos, e sim procurem com calma observar os

indícios e características que demonstram a exclusão parental e sua síndrome.

A conivência do judiciário se apresenta quando, através de seus procedimentos, enseja

a competição entre os cônjuges, fazendo com que estes lutem pela guarda do filho já sabendo

que só um poderá detê­la, ao invés dos dois.

O conflito se apresenta no momento da avaliação para quem possui melhores

condições de exercer a guarda, pois os cônjuges passam a interpretar essa escolha como um

sendo melhor e mais importante e o outro conseqüentemente dispensável para a convivência

com o filho. Esse sistema judicial atende as competições, pois elege um ganhador e um

perdedor, um culpado e um inocente, sendo totalmente inverso a compreensão da natureza da

família, que é de cooperação e partilha. 93

Antes da reforma do Código Civil Brasileiro, os filhos menores ficavam com o

cônjuge que não tivesse dado causa a separação, segunda a Lei do Divórcio de 1977, o que

não está mais em vigor hoje, mas apesar dos avanços legislativos, a competição entre os ex­

cônjuges ainda é incentivada, pois o magistrado deve decidir quem possui melhores condições

de deter a guarda do filho, já que esta será determinada somente em favor de um deles.

O Projeto de Lei número 6350 de 2002, aprovado no Congresso Nacional em maio

deste ano, pode vir a frear essa resistência por parte dos magistrados na aplicação da guarda

compartilhada, pois ajudaria a diminuir esse conflito parental, visto que a regra agora não é

mais a guarda que só um genitor detém, mas sim os dois igualmente, não tendo mais porque

competir um com o outro pela guarda, já que esta será de ambos.

Outra maneira de conivência do judiciário é a imediata suspensão das visitas do

genitor alienado frente a uma falsa denúncia de abuso sexual sem qualquer investigação dos

comportamentos aqui discriminados, ou ainda sem qualquer outra prova a não ser o enredo

criado pelo alienador. Desse modo, a convivência familiar com o filho cessa até que seja

apurada a falsidade da denúncia e o alienador atinge seu objetivo, pois o processo é

meticuloso e conseqüentemente moroso.

93 GROENINGA, Giselle Câmara. O fenômeno da alienação parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha; MADALENO, Rolf (Coord.). Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 134­135.

37

Já a omissão do poder judiciário se expressa até mesmo pelo desconhecimento do

tema ou pouca informação, deixando a família e a criança a mercê do alienador. Como a

análise desse fenômeno é detalhada e ainda duvidosa, principalmente nos casos mais leves, os

magistrados nem sempre estão dispostos a sua verificação, e acreditando não estarem frente a

uma possível exclusão ou síndrome, simplesmente não se manifestam sobre possíveis

medidas de avaliação, deixando que a síndrome se instale definitivamente ou se agrave.

Posto isso, prevê Jorge Trindade: A concepção de uma “magistratura de amparo”, instituída de uma forma

ampla por juízes, promotores de justiça, defensores públicos e técnicos especializados em matéria de família e infância e juventude, e com treinamento para lidar com vítimas de abuso, poderia ser, à semelhança do Defensor do Povo, um instrumento judicial com competência para acudir, com prontidão e eficácia, crianças submetidas à alienação parental. 94

Visto que o tema é extremamente subjetivo e delicado, cumpre observar as

características do alienador e da criança alienada para poder identificar o fenômeno ou sua

síndrome, assim como prever medidas judiciais cabíveis de repressão a essa forma de abuso

que rouba a inocência dos filhos, transformando­os em “fantoches”, meras cópias dos

alienadores, proporcionando um sofrimento prolongado e contínuo ao seu desenvolvimento,

além da dor do pai alienado.

94 TRINDADE, Jorge. Síndrome da alienação parental. In: DIAS, Maria Berenice (Coord.). Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 110­111.

38

CAPÍTULO 4

POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS MEDIDAS JUDICIAIS E

TERAPÊUTICAS

Quando verificada a síndrome, a intervenção psicoterapeuta deve ser amparada em um

procedimento legal e deve ter o amparo judicial. 95

Na verificação de uma possível síndrome da alienação parental, ou seja, só se em

estágio leve, a simples confirmação da patologia pelo tribunal e a conversão da guarda, faz

cessar a campanha de descrédito do genitor alienador. 96

Já a verificação sendo feita no estágio médio, a criança apresenta um vínculo maior

com o genitor guardião, sendo conveniente não lhe tirar a guarda. A ameaça de pagar uma

multa, ou ir para cadeia já pode bastar para que a manifestação cesse. 97

Assim, François Podevyn prevê 98 :

a) manter a guarda com o genitor alienador;

b) indicar terapeuta na intermediação de visitas e comunicação de falhas ao tribunal;

c) estabelecer penalidade para a obstrução das visitas, como redução da pensão

alimentícia, pagamento proporcional ao tempo das visitas suprimidas e uma breve

reclusão ao cárcere;

d) havendo desobediência constante e reincidência, a guarda pode passar ao outro

genitor, além da prisão.

No estágio grave, a melhor medida seria trocar a guarda, não sendo, contudo,

definitiva, mas dependendo do comportamento do genitor alienador. Deve ser acompanhada

por tratamento psicológico se houver falta de cooperação da criança. 99

A resistência dos tribunais em tomar tal medida se dá pelo fato de que a falta de

cooperação do filho pode tornar a troca da guarda impossível, sendo melhor não tirá­lo do

genitor alienador, não importando seu desequilíbrio mental.

Porém, quando a medida for aplicada e houver resistência dos filhos, pode­se fazer a

passagem por um lugar de transição, ou seja, um lugar onde o alienado da relação poderá se

95 PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

96 Idem. 97 Idem. 98 Idem. 99 Idem.

39

relacionar com o filho juntamente com outras pessoas, sem que o alienador esteja presente,

tudo com o fim de que haja uma aproximação natural e tranqüila.

Essa medida deve ser acompanhada por um terapeuta nomeado pela justiça, o qual

deve ter acesso a qualquer ajuda judicial e emitir mandados necessários para o êxito do

programa. 100

Previstas por Podevyn, as medidas possíveis a serem tomadas em estágio grave são 101 :

a) a transferência da guarda para o genitor alienado;

b) a nomeação de um psicoterapeuta para intermediar um programa de transição da

guarda do filho;

c) a eventual ordem de um lugar de transição.

O programa de transição pode­se dar em três lugares: na casa de amigos ou

conhecidos, para que a criança mantenha o convívio com o genitor alienado aos poucos; numa

residência coletiva de crianças, onde há vigilância; ou num hospital psiquiátrico, onde agentes

de saúde devem estar familiarizados com esses casos e em contato com o tribunal. 102

Conforme Priscila Fonseca: “[...] insta ao magistrado determinar a adoção de medidas

que permitam a aproximação da criança com o genitor alienado, impedindo assim, que o

progenitor alienante obtenha sucesso no procedimento já encetado”. 103

E, de acordo com Giselle Câmara Groeninga: As medidas relativas à prevenção da alienação parental implicam na

aceitação da lei – no sentido das leis da cultura, das leis sociais, das leis constitutivas da família, e da subjetividade que nos caracteriza como seres humanos. Por meio da defesa dos direitos dos pais, se dá também a defesa dos direitos das crianças em contarem com adultos que exerçam a função materna e paterna, para o que a convivência é de rigor. 104

No direito brasileiro a oposição e o impedimento ao exercício do direito de visitas, que

é um ato clássico de exclusão da convivência familiar, não são considerados crimes, contudo,

a pena poderá vir do descumprimento de ordem judicial por parte do alienador, delito previsto

no artigo 330 do Código Penal. 105

100 PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

101 Idem. 102 Idem. 103 FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. Síndrome de alienação parental. 2006. Revista Pediatria, São Paulo. Trabalho de conclusão de curso (Graduação)­Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006. Publicada em 7 ago. 2006. Disponível em: <http://www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/1174.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2008.

104 GROENINGA, Giselle Câmara. O fenômeno da alienação parental. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha; MADALENO, Rolf (Coord.). Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 137.

105 FONSECA, Priscila Maria Pereira Corrêa da. op. cit., loc. cit.

40

CONCLUSÃO

A problemática que se enfrenta no discorrer do tema é o comportamento humano

refletido no descumprimento da paternidade responsável ou dos deveres inerentes à tutela e a

falta de previsão legal do assunto no ordenamento jurídico, tendo que ser analisado e decidido

unicamente pelo discernimento e convicções dos magistrados, os quais são baseados somente

em estudos sociais do caso. Para isso é necessário que haja um estudo mais aprofundado do

tema visando à atualização dos magistrados e a capacitação dos profissionais que são

necessários para esse estudo social, como psicólogos e assistentes sociais, enfim, uma equipe

multidisciplinar do juízo bem preparada para esses tipos de caso, que seja capaz de priorizar o

interesse da criança e do adolescente, que é superior ao dos pais, observando sua proteção

para que não sofram qualquer risco, seja mental ou físico, inerentes a um possível

comportamento abusivo.

Com a exposição do tema conclui­se que o cerne da questão repousa simplesmente na

proteção da dignidade da pessoa humana enquanto criança, para que esta possa crescer em um

ambiente familiar saudável ao qual tem direito, visto que a Síndrome da Alienação Parental

nada mais é do que um abuso mental perpetrado no infante, acarretando uma afronta a este

princípio tão abrangente elevado ao status constitucional.

A Síndrome da Alienação Parental, como demonstrado, é a conseqüência de um abuso

psicológico na criança, não restam dúvidas sobre o foro competente à apreciação da questão,

qual seja, a Vara da Infância e da Juventude, por caracterizar expressa violação aos direitos

fundamentais da criança e do adolescente. O que pode gerar um possível conflito de

competências é a questão da guarda no processo de separação, pois esta é decidida na Vara de

Família. Contudo, sendo identificado um possível caso de alienação parental a competência

desloca­se para a Vara da Infância e da Juventude em prol dos maiores interesses da criança,

visto que a decisão da guarda dependerá diretamente das medidas a serem tomadas para inibir

o comportamento alienador.

Além da falta de regulamentação própria desse comportamento parental nocivo ao

bem estar dos jovens, o desconhecimento do fenômeno, e por conseqüência de sua síndrome,

que já é a manifestação do fenômeno perpetrado no ambiente familiar, deixa os magistrados

vendados à identificação do comportamento, por vezes bem nítido, tanto da criança quanto

dos pais ou guardiões, deixando que a síndrome afete a vida do infante comprometendo todo

seu crescimento, como a educação, a saúde, os relacionamentos e os empregos futuros e for

41

fim, fazendo de uma criança mentalmente abusada um adulto com problemas

comportamentais irreversíveis.

Recentemente, foi elaborado um anteprojeto de lei, com a colaboração de

associações e organizações de proteção á família, para que esse tema seja regulamentado, as

possíveis medidas judiciais e terapêuticas sejam exemplificadas e o comportamento seja

penalizado. Esse anteprojeto tem a finalidade de evitar e repelir a síndrome ou fenômeno,

trazendo dispositivos para complementar o Estatuto da Criança e do Adolescente ajudando na

sua aplicação, assim como descreve a síndrome e suas possíveis manifestações na criança e

nos guardiões, e as prováveis medidas que podem ser tomadas pelo judiciário no combate a

essa questão.

Cumpre ressaltar que além da inexistência de norma específica há também doutrina

escassa sobre o tema, assim como jurisprudências, por isso, ainda se faz necessário uma

ampla discussão sobre o tema, pois um dos poucos doutrinadores que se dedicaram a explorar

o tema juridicamente e aplicá­lo em suas decisões foi a renomada Desembargadorª Maria

Berenice Dias, que é a percussora da identificação jurídica desse fenômeno no Brasil, apesar

do tema já ter sido muito abordado no campo psicológico por Podevyn, Gardner, Darnall e

outros importantes médicos e literários da psicologia, assim como já vem sendo bem

identificada em outros países.

Com isso, apesar do tema já estar mais divulgado e estudado atualmente, ainda há

muito que se determinar, decidir, especificar e discutir, tanto na jurisprudência como na

doutrina e na lei, como por exemplo, os tipos de medidas a serem tomadas pelo judiciário

frente ao fenômeno jurídico e sua síndrome, visando repelir sua síndrome, procurando sempre

afastar sua instalação na criança ou no adolescente, com o fim de resguardar a proteção

integral e o melhor interesse da criança e do adolescente, que são princípios primordiais e

embasadores do Estatuto da Criança e do Adolescente repousados no princípio constitucional

da dignidade da pessoa humana.

42

REFERÊNCIAS

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OLIVEIRA, José Francisco Basílio de. Guarda, visitação e busca e apreensão de filho. Rio de Janeiro: Destaque, 2000. 356 p.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha; MADALENO, Rolf. Direito de família: processo, teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 340 p.

PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Pailegal [S. l.], 2001. Tradução: APASE. Disponível em: <http://www.pailegal.net/fatpar.asp?rvTextoId=1032779237>. Acesso em: 12 mar. 2008.

SERRA AZUL, Guilherme Giovane. Adoção, tutela e guarda: conforme o Estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. 224 p.

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GLOSSÁRIO

Status familiae – status familiar

Parens patriae – pai da família (o pai tinha o poder sobre os membros da família)

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ANEXO 1 ­ ANTEPROJETO DE LEI

ALIENAÇÃO PARENTAL

Ementa: especifica instrumentos processuais destinados a inibir a prática de atos de alienação

parental ou atenuar seus efeitos.

Art. 1º Considera­se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da

criança para que repudie genitor ou que cause prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção

de vínculos com este.

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim

declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de

terceiros:

a) realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou

maternidade;

b) dificultar o exercício do poder familiar;

c) dificultar contato de criança com genitor;

d) dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

e) omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança, inclusive

escolares, médicas e alterações de endereço;

f) apresentar falsa denúncia contra genitor para obstar ou dificultar seu convívio com a

criança;

g) mudar de domicilio para locais distantes, sem justificativa, visando dificultar a convivência

da criança com o outro genitor.

Art. 2º A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança de convívio

familiar saudável, constitui abuso moral contra a criança e descumprimento dos deveres

inerentes ao poder familiar ou decorrentes de tutela ou guarda.

Art. 3º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou

incidentalmente, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicosocial.

§ 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicosocial, conforme o

caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes e exame de documentos dos

autos.

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§ 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigida,

em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para

diagnosticar atos de alienação parental.

§ 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação

parental apresentará, no prazo de 30 (trinta) dias, sem prejuízo da elaboração do laudo final,

avaliação preliminar com indicação das eventuais medidas provisórias necessárias para

preservação da integridade psicológica da criança.

Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em

qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá

tramitação prioritária e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as

medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança.

Art. 5º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte o

convívio de criança com genitor, em ação autônoma ou incidentalmente, o juiz poderá, sem

prejuízo da decorrente responsabilidade civil e criminal e da ampla utilização de instrumentos

processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:

a) declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

b) estipular multa ao alienador;

c) ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

d) determinar intervenção psicológica monitorada;

e) determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;

f) declarar a suspensão ou perda do poder familiar.

Art. 6º A atribuição ou alteração da guarda dará preferência ao genitor que viabiliza o efetivo

convívio da criança com o outro genitor, nas hipóteses em que inviável a guarda

compartilhada.

Art. 7º As partes, por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do Ministério Público ou do

Conselho Tutelar, poderão utilizar­se do procedimento da mediação para solução do litígio,

antes ou no curso do processo.

§ 1º O acordo que estabelecer a mediação indicará o prazo durante o qual pactuada eventual

suspensão do processo e o correspondente regime provisório para regular as questões

controvertidas, que não servirá de parâmetro para eventual decisão judicial superveniente.

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§ 2º O mediador será livremente escolhido pelas partes, mas as Varas competentes, o

Ministério Público e o Conselho Tutelar formarão cadastros de mediadores habilitados a

examinar questões relacionadas a alienação parental.

§ 3º Enquanto não submetido ao exame do Ministério Público e a homologação judicial, o

termo que ajustar o procedimento de mediação ou que dele resultar terá validade relativa.

Art. 8º A Seção II do Capítulo I do Título VII do Estatuto da Criança e do Adolescente

aprovado pela Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990, passa a vigorar com o seguinte acréscimo:

“Ar t.236........................................................................................................................................

...................

Parágrafo único. Incorre na mesma pena, se o fato não constituir crime mais grave, quem

apresenta relato falso a agente indicado no caput cujo teor possa ensejar restrição ao convívio de criança com genitor.”

Art. 9º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A presente proposição tem por objetivo inibir conduta de alienação parental e de atos

que dificultem o efetivo convívio entre criança e genitor.

A alienação parental é prática que pode se instalar no arranjo familiar, após

separação conjugal, onde há filho do casal manipulado por genitor para que, no extremo, sinta

raiva ou ódio contra o outro genitor. É forma de abuso emocional, que pode causar à criança

distúrbios psicológicos (por exemplo, depressão crônica, transtornos de identidade e de

imagem, desespero, sentimento incontrolável de culpa, sentimento de isolamento,

comportamento hostil, falta de organização, dupla personalidade) para o resto da vida.

O problema ganhou maior dimensão na década de 80, com a escalada de conflitos

decorrentes de separações conjugais, e ainda não recebeu adequada resposta legislativa.

A proporção de homens e mulheres que induzem distúrbio psicológico relacionado à

alienação parental nos filhos tende atualmente ao equilíbrio.

Deve­se coibir todo ato atentatório à perfeita formação e higidez psicológica e

emocional de filhos de pais separados. A família moderna não pode ser vista como mera

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unidade de produção e procriação; é palco de plena realização de seus integrantes, pela

exteriorização dos seus sentimentos de afeto, amor e solidariedade.

A alienação parental merece reprimenda estatal porquanto é forma de abuso no

exercício do poder familiar, de desrespeito aos direitos de personalidade da criança em

formação. Envolve claramente questão de interesse público, ante a necessidade de exigir uma

paternidade ou maternidade responsável, compromissada com as imposições constitucionais,

bem como de salvaguardar a higidez mental de nossas crianças. O art. 227 da Constituição

Federal e o art. 3º da Lei 8.069/90 asseguram o desenvolvimento físico, mental, moral,

espiritual e social das crianças e adolescentes, em condições de liberdade e de dignidade.

Assim, exige­se postura firme do Congresso Nacional no sentido de aperfeiçoar o

ordenamento jurídico para que haja expressa reprimenda à alienação parental ou a conduta

que obste o efetivo convívio entre criança e genitor. A presente proposição, além de pretender

introduzir definição legal da alienação parental no ordenamento jurídico, estabelece rol

exemplificativo de condutas que dificultam o efetivo convívio entre criança e genitor, de

forma a não apenas viabilizar o reconhecimento jurídico da conduta de alienação parental,

mas sinalizar claramente à sociedade que tal merece reprimenda estatal.

A proposição não afasta qualquer norma ou instrumento de proteção à criança já

existente no ordenamento, mas propõe ferramenta mais adequada que permita clara e ágil

intervenção judicial para lidar com questão específica, qual seja a alienação parental, ainda

que incidentalmente. É elaborada para ser acoplada ao ordenamento jurídico e também

facilitar a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em casos de alienação parental,

sem prejuízo da ampla gama de instrumentos e garantias de efetividade prevista no Código de

Processo Civil.

À luz do direito comparado, a proposição ainda estabelece como critério diferencial

para a atribuição ou alteração da guarda, nas hipóteses em que inviável a guarda

compartilhada, sem prejuízo das disposições do Código Civil e do Estatuto da Criança e do

Adolescente, o exame da conduta do genitor sob o aspecto do empenho para que haja efetivo

convívio da criança com o outro genitor. Neste particular, a simples aprovação da proposição

será mais um fator inibidor da alienação parental, em clara contribuição ao processo de

reconhecimento social das distintas esferas de relacionamento humano correspondentes à

conjugalidade e à parentalidade.

A par desses argumentos, contamos com o apoio inestimável de todos os membros

do Congresso Nacional para a aprovação desta proposição.

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Esta justificação é elaborada com base em artigo de Rosana Barbosa Ciprião Simão

publicado no livro “Síndrome da Alienação Parental e a Tirania do Guardião – Aspectos

Psicológicos, Sociais e Jurídicos” (Editora Equilíbrio, 2007), em informações do site da

associação “SOS – Papai e Mamãe” (www.sos­papai.org/br combate.html) e no artigo

“Síndrome de Alienação Parental” de François Podevyn traduzido pela APASE

(www.apase.org.br) com a colaboração da associação “Pais para Sempre”. Também

colaboraram com sugestões individuais membros das associações “APASE”, "Pais para

Sempre", "Pai Legal", "Pais por Justiça", “IBDFAM” e da sociedade civil.