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ALICE VIEIRA Aqui pode encontrar A escrita é a minha profissão | Entrevista com Maria Leonor Nunes Alice Vieira | Entrevista com Catarina Pires Trinta anos de livros e leituras | Ana Margarida Ramos Obras de Alice Vieira [bibliografia] | Rui Marques Veloso A lice Vieira, que piscou os olhos ao jornalismo ainda na adolescência, iniciou-se na escrita de livros infantis em 1979 quase por acaso. Rosa, Minha Irmã Rosa, o livro que escreveu com os filhos e para os entreter durante umas férias, abriu- -lhe as portas para este universo mágico. Durante os trinta anos de carreira, Alice Vieira soube afirmar-se como autora de referência da literatura infanto-juvenil portuguesa, distinguindo-se também nos países onde os seus livros se encontram traduzidos. Muitos são os jovens e crianças que crescem na companhia dos seus contos, adivinhas e histórias tradicionais, além dos romances de temática variada, aprendendo com eles a gostar de ler e por vezes reconhecendo neles os seus conflitos e interrogações pessoais. Esta autora leva os seus leitores muito sério, e por isso não abdica de conversar com eles, tanto nos livros, como nas visitas que faz a escolas e bibliotecas. Trinta anos depois, Alice Vieira mantém-se actual e consciente acerca dos modos de pensar dos mais jovens, ao mesmo tempo que se reinventa e se aventura por novos géneros literários. A Casa da Leitura assinala este aniversário de forma simples com este dossier. | 1 | | 1 | SOL - Serviço de Orientação da Leitura | Vidas e Obras

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ALICE VIEIRA

Aqui pode encontrar

• A escrita é a minha profissão | Entrevista com Maria Leonor Nunes

• Alice Vieira | Entrevista com Catarina Pires

• Trinta anos de livros e leituras | Ana Margarida Ramos

• Obras de Alice Vieira [bibliografia] | Rui Marques Veloso

Alice Vieira, que piscou os olhos ao jornalismo ainda na adolescência, iniciou-se na escrita de livros infantis em 1979 quase por acaso. Rosa, Minha Irmã Rosa, o livro que escreveu com os filhos e para os entreter durante umas férias, abriu-

-lhe as portas para este universo mágico. Durante os trinta anos de carreira, Alice Vieira soube afirmar-se como autora de referência da literatura infanto-juvenil portuguesa, distinguindo-se também nos países onde os seus livros se encontram traduzidos. Muitos são os jovens e crianças que crescem na companhia dos seus contos, adivinhas e histórias tradicionais, além dos romances de temática variada, aprendendo com eles a gostar de ler e por vezes reconhecendo neles os seus conflitos e interrogações pessoais. Esta autora leva os seus leitores muito sério, e por isso não abdica de conversar com eles, tanto nos livros, como nas visitas que faz a escolas e bibliotecas. Trinta anos depois, Alice Vieira mantém-se actual e consciente acerca dos modos de pensar dos mais jovens, ao mesmo tempo que se reinventa e se aventura por novos géneros literários. A Casa da Leitura assinala este aniversário de forma simples com este dossier.

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SOL - Serviço de Orientação da Leitura | Vidas e Obras

Originalmente publicado em: JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, semana de 26 de Agosto a 8 de Setembro de 2009.

A escrita é a minha profissão

Maria Leonor Nunes*

Há 30 anos estreou-se como autora infanto-juvenil com o logo premiado Rosa, Minha Irmã Rosa, que

seria o seu primeiro grande sucesso. Com uma vasta bibliografia, editada em diversos países, presença

constante em escolas de todo o país, e não só, centenas e centenas de milhares de exemplares vendidos

e numerosas distinções, Alice Vieira é também uma magnífica «contadora de histórias» para todas as

idades e uma figura a vários títulos singular, como se vê na entrevista que a seguir se publica. (…)

Numa das inúmeras sessões que faz em escolas, ouviu uma aluna comentar à boca pequena: «Professora, ela tem cá uma energia.» Não podia ser mais perspicaz a observação. Alice Vieira, 66 anos, transpira energia por todos os poros. É de uma vivacidade electrizante, há nela uma corrente de alegria que lhe acentua os gestos soltos, o olhar directo, o riso franco e aberto. Daí a presença forte na vida e na Literatura.

É uma das passageiras mais frequentes do comboio da manhã, em Santa Apolónia, muitas são as escolas, de Norte a Sul do país, uma média de 80 por ano, onde vai falar dos seus livros e cultivar o gosto pelas palavras e pela leitura. E é por certo uma das melhores clientes dos Correios, tanta a correspondência que mantém com os seus leitores. Brios do ofício.

A escrita é a sua profissão, ainda que como salienta não sejam muitos os que assumem tal título profissional na Sociedade Portuguesa de Autores. Ela leva-o a sério, com o mesmo rigor e disciplina com que anos a fio foi jornalista em diários, primeiro no Diário de Lisboa, depois no Diário de Notícias. Mantém colaborações regulares com as revistas Activa e Audácia e com o Jornal de Notícias, mas é agora escritora a tempo inteiro. Coisa que não lhe passava pela cabeça, embora o coração talvez o desejasse desde sempre, quando há 30 anos publicou o primeiro livro, Rosa, Minha Irmã Rosa, já na 20.ª edição. Alice Vieira escreveu essa história por «brincadeira» para os filhos – André Fonseca, professor universitário, e Catarina Fonseca, também escritora e jornalista, e talvez tenha sido o marido na altura, Mário Castrim, que a enviou para o concurso que a Editorial Caminho lançou para assinalar o Ano Internacional da Criança. Venceu e o êxito foi tal que logo a editora lhe pediu um segundo livro.

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* jornalista

Não é por acaso que a primeira recordação da infância é ver-se diante de um espelho a contar histórias a si própria. Passou depois a inventá-las para outros, diante do papel.

Já vendeu mais de dois milhões de livros, publicou umas sete dezenas de títulos – Os Olhos de Ana Marta, A Lua Não Está à Venda, Flor de Mel, recentemente premiado na Suécia, O Casamento da Minha Mãe, Águas de Verão, A Espada do Rei Afonso, Histórias Tradicionais Portuguesas, Contos e Lendas de Macau, A Vida nas Palavras de Inês Tavares, entre outros. Uma soma a que só este ano vai acrescentar quase uma dúzia de obras. Está a escrever um novo romance para sair em Outubro, Meia Hora para Mudar a Minha Vida. Na altura, vai lançar também Rimas Perfeitas, Imperfeitas e Mais que Perfeitas e mais um Livro dos Cheiros, ou Histórias de Greene para Meninos Valentes.

Até ao fim do ano, a escritora irá ainda fazer uma investigação em Porto Santo, para terminar um romance histórico sobre uma seita chamada Os Profetas, que existiu naquela ilha no século XVI. E também um texto para ser musicado por Eurico Carrapatoso para a Orquestra Metropolitana de Lisboa. A seguir, vai dedicar-se ao seu primeiro romance para adultos a solo, previsto para Março do próximo ano.

Como gosta de dizer, bem-humorada, trabalha para cinco patrões, a Caminho, a Texto, a Oficina do Livro, a Casa das Letras e a Dom Quixote, e não tem mãos a medir. Tem a agenda completamente cheia até 2012. Não pára. Nem podia, por causa da «comichão» nos dedos que continuamente lhe pedem escrita.

Qual é o segredo da sua escrita para conquistar sucessivas gerações?Esforço-me por não ser didáctica. Quando estou a escrever, ponho-me sempre na pele dos miúdos.

Não ouve a ‘criança que há em si’?Abomino essa história. Em mim há um adulto. Se calhar, por isso não tenho uma linguagem lamechas, pseudo-infantil, diminutiva. Também não me ponho a dizer bué a torto e a direito. Quando se justifica, falo com a linguagem que eles falam. E sobretudo, procuro colocá-los em situações que são as nossas. Vivemos neste tempo, e é dele que falo, sem ser moralista.

Sem moral da história?Não me ponho a dar lições. Em nenhum livro meu aponto os bons e os maus. Os leitores que tirem as suas conclusões. A nossa literatura juvenil ainda é muito cordata e pouco transgressora. Lembro-me que quando comecei, houve pessoas que ficaram muito ofendidas, porque tinha feito um capítulo inteiro sobre a primeira menstruação. Os divórcios agora são normalíssimos, mas há 30 anos, quando falei disso, as pessoas estranharam. Num dos meus últimos livros, O Casamento da Minha Mãe, até falo dos namorados da mãe. Porque as mães têm namorados e muitas vezes namoradas. Quero apenas colocar os miúdos num mundo que é o seu e com o qual se identificam. E não faço nada para lhes agradar. | 3 |

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A nossa literatura juvenil ainda é muito cordata e pouco transgressora.

Quer dizer que não faz cedências aos jovens leitores?Sou muito egoísta. Quando escrevo, só penso em mim. Por outro lado, sou extremamente exigente. Já deitei fora livros inteiros e emendo imenso. Por exemplo, O Casamento da Minha Mãe, o que está publicado é uma terceira versão.

É uma perfeccionista?Tenho que ter sempre a certeza absoluta de que não sou capaz de fazer melhor.

À sua maneiraEste ano, tem publicado muitos livros.Até já lhes perdi a conta. Tenho trabalhado mais para a Texto e para crianças mais pequenas, o que não é o que gosto mais de fazer.

Porquê?Gosto de escrever sem pensar para quem o faço. Por exemplo, estou a fazer o novo romance para mim…

Como se vai chamar?Meia Hora para Mudar a Minha Vida. É uma epígrafe de Adriana Calcanhotto. E sei que é para jovens já crescidos. Quando é para pequeninos, é mais complicado, porque tenho que pensar na idade deles. Acabo de entregar o último daquela série dos Livros com Cheiro.

E cheira a quê?A banana. Antes foi a canela, a morango, a caramelo e a baunilha. São textos muito pequenos e a editora dá-me sempre um rol de assuntos que tenho que tratar, além de contar uma história com uma certa graça. Dá uma trabalheira. Por isso, já disse que seria o último, que se acabaram os cheiros. São ideias do marketing. Se não tivessem cheiro, não sei se vendiam tanto. Além desses livros, fiz aquele romance colectivo, 13 Gotas ao Deitar (com Leonor Xavier, Rita Ferro, Rosa Lobato Faria e Catarina Fonseca) para a Oficina do Livro.

Como se escreve a tantas mãos?Tiramos a entrega dos capítulos à sorte. Depois uma faz e manda, a outra continua e divertimo-nos muito. Só é possível com pessoas que se dêem muito bem, embora todas nós sejamos muito diferentes. A editora tem a ideia de fazer um concurso entre os leitores para que tentem adivinhar quem escreveu o quê, porque os textos não são identificados. Já é o quarto livro do género, que fazemos, mas só com mulheres é o primeiro, porque os homens se cansaram e saíram do projecto. Mas também publiquei dois ou três volumes da colecção das Histórias Tradicionais Portuguesas, para a Caminho.

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O que lhe interessa trabalhar nos contos tradicionais?Quando vou a um sítio que não conheço, gosto de procurar as histórias locais. A literatura tradicional dá-nos muito da maneira de ser de um povo. Fiz uma primeira recolha, há muitos anos, em Macau. Foi muito engraçado ouvir os contadores de histórias e depois escrevê-las à minha maneira. Curiosamente, a minha editora do Brasil editou esse livro, Contos e Lendas de Macau, e teve, no ano passado, o prémio da Fundação Nacional do Livro, brasileira, para o melhor texto em Língua Portuguesa. Tentei fazer uma coisa semelhante, há uns cinco anos, em Timor, mas não tive tempo de acabar e quero muito lá voltar para o fazer.

E as Histórias Tradicionais Portuguesas não têm fim?Quando comecei seriam dez livros, mas todos os anos escrevo mais uma ou duas histórias e estão a fazer reedições das antigas. É uma coisa de que gosto muito. E são histórias que se estão a perder, o que é pena. Nunca pensei que houvesse mães e pais de família que não conhecessem, por exemplo, a Corre, Corre Cabacinha.

Faz alterações quando fixa essas histórias?Para estabelecer a minha versão, leio muitas variantes, mas não altero nada. Há uns anos, havia essa ideia de mudar as histórias, até porque o lobo era muito mau… De resto, vai sair em Outubro um livro que fiz para a Oficina do Livro e de que gosto muito. Chama-se Contos de Greene para Meninos Valentes precisamente porque decidi publicar uma série de histórias de Graham Greene pouco conhecidas e terríveis.

Até ao fim deste ano ainda vai publicar outros títulos?Também em Outubro, vai sair Rimas Perfeitas, Imperfeitas e Mais que Perfeitas, com poemas para miúdos, cada um sobre um tempo verbal. E há tempos verbais que são muito complicados.

Qual o tempo verbal com que mais embirra?O pretérito mais que perfeito. Aquele de que gosto mais, porque estou sempre a dar ordens, é o imperativo.

Movida a caféEm Outubro, também já terá começado o ano lectivo de idas a escolas. Qual é a média anual?Sou certamente a passageira mais conhecida do comboio das seis da manhã, em Santa Apolónia. Deviam ter aquela coisa dos aviões, do passageiro frequente, que eu não parava de ganhar milhas. Faço uma média de 80 escolas por ano lectivo. Esse comboio dá-me jeito, porque chega ao Porto antes das nove da manhã, o que por vezes ainda permite regressar no mesmo dia. Ou então fico uns dias no Porto para ir a um conjunto de escolas. E há algumas, simpáticas, onde faço uma sessão de manhã, outra à tarde, outras em que chego a fazer seis por dia. Mas prefiro mais sessões do que uma única num polivalente com os meninos todos.

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Porquê?Porque é preciso criar uma relação com eles. Falarmos num ginásio, às vezes, nem nos conseguimos ouvir. Felizmente vou menos a bibliotecas. Peço sempre que os encontros sejam a partir do 5.º ano e gosto realmente mais de ir a escolas, até porque os miúdos já trabalharam sobre os livros.

Já tem a agenda preenchida para 2010?Até 2012. É um ritmo frenético. E é quando chego a casa, vinda das escolas, que escrevo, noite fora, até às quatro, cinco da manhã. Depois durmo umas horas e às 7h30 já estou no ginásio. Mas sem isso, acho que não aguentava. E uns 20 cafés por dia. Gasto duas embalagens da Nespresso diariamente, até já disse à menina que as vende que eu já tinha direito a receber o George Clooney…

Leva a escrita com um rigoroso sentido profissional?Claro. A escrita é a minha profissão e detesto as pessoas que me vêm com a história dos hobbies. Hobby é fazer malha. E se é a minha profissão, tenho que a fazer bem todos os dias, não quando a inspiração vem. Essa é outra ideia que odeio.

Escreve disciplinadamente?Picasso costumava dizer que curiosamente quando a inspiração vinha, encontrava-o sempre a trabalhar. Também a mim. De resto, este é o ritmo que sempre tive. O Renato Boaventura, que era um jornalista de que gostava muito, tinha um ritmo alucinante de trabalho e nunca tinha férias. Um dia decidiu que as ia ter, parou e morreu. Cada vez que abrando, penso nisso. Não sou de me levantar tarde. Nunca mais do que as oito.

Habituou-se ao horário dos jornais?Acho que era a única pessoa do Diário de Notícias que conhecia todas as empregadas da limpeza. Ia levar os miúdos à escola e seguia para o jornal. Gosto muito das manhãs e de trabalhar cedo. Sou muito da claridade, da luz, do sol. Gostava mesmo de só trabalhar de manhã. As noitadas que faço são porque tem que ser.

Falta falarNão se cansa de responder sempre às mesmas perguntas, nessas sessões das escolas? Quantas vezes já lhe perguntaram em que se inspirou para escrever Rosa, Minha Irmã Rosa?Umas 500. Eu gosto de ir às escolas, mas sou muito crítica em relação aos professores, aos alunos, ao ensino. Nem gosto de falar disso. Todos os anos digo que vou deixar de ir às escolas. Depois, penso que é capaz de ser importante, porque os miúdos podem ter uma relação diferente comigo e com os livros.

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O que fundamentalmente critica nas escolas?Escrevi Rosa, Minha Irmã Rosa há 30 anos e comecei a ir a escolas. E comparando com o que se passa hoje, vejo que os miúdos não fazem leituras diferentes, têm muita dificuldade de expressão, uma capacidade de concentração mínima e são incapazes de conversar. Sei que falo muito depressa, mas até me esforço por falar mais devagar e tenho que repetir muitas vezes a mesma coisa. Estão a olhar para nós e parece que as nossas palavras passam por cima deles.

Falta de leitura?Não, acho que os miúdos não lêem pouco. Se não lessem, as editoras não queriam todas uma colecção ou uma linha infantil e juvenil, isso é que vende. Escolarizados lêem por obrigação, mas além disso também. Basta ver o fenómeno Harry Potter. O difícil é falarem do que lêem e vêem. É o facto de se falar pouco que está a estragar tudo.

Em que sentido?As pessoas não conversam. Dantes, nem que fosse para dizer mal da prima, conversava-se em casa. Agora, põem-se em frente da televisão, os miúdos vão para o quarto, para o Messenger, e não se usam as palavras. Mesmo que leiam, isso nota-se no que escrevem e no que dizem, tal como na dificuldade de perceberem os enunciados dos testes. O ensino é uma área realmente muito complicada. Ainda bem que nunca fui professora. Mas ando pelas escolas todos os dias, e aflige-me o facilitismo que há por aí, o deixa andar, o não chatear os meninos. Isso é terrível, porque as crianças precisam de regras, de exigência. É preciso por exemplo habituá-las a trabalhar os textos e não apenas a copiar do computador.

Sente que é isso que muitas vezes acontece?Aconteceu-me uma história fabulosa. Muitas vezes os miúdos olham para o computador, clicam e assinam por baixo. Um dia, cheguei a uma escola e a professora disse-me que os alunos se tinham esforçado muito a preparar a sessão e um até tinha feito a minha biografia. Levantou-se um rapaz já crescidote, sacou de um papel e começou a ler: ‘Alice Vieira nasceu em Braga, cega de nascença, mãe solteira de cinco filhos, teve sempre grandes dificuldades de sobreviver, conseguindo apenas algum dinheiro que vai fazendo no seu lugar de peixe’… Eu olhei para ele e perguntei-lhe se achava que aquilo correspondia a mim e ele respondeu que era o que lá estava na net. Fiquei desvairada. Mas essa foi apenas a primeira vez. Não se calcula as vezes em que depois isso já me aconteceu.

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Escrevi Rosa, Minha Irmã Rosa há 30 anos e comecei a ir a escolas. E comparando com o que se passa hoje, vejo que os miúdos não fazem leituras diferentes, têm muita dificuldade de expressão, uma capacidade de concentração mínima e são incapazes de conversar.

Correspondência em diaDe alguma maneira, acaba por ser ingrato esse esforço de ida às escolas?Não. Até me dá material, uma ideia de como eles falam, do que eles gostam. E ao longo destes 30 anos, tudo mudou. Se não tivesse esse contacto com eles, se calhar não era capaz de escrever como escrevo. Sempre tive ao pé de mim gente muito jovem, os meus filhos, os amigos deles, agora os netos e também os miúdos com quem me correspondo.

Mantém em dia essa correspondência.Há um núcleo duro de pessoas com quem me correspondo há 30 anos, alguns desde que tinham 10. Acompanhei-os à medida que cresciam e agora são médicos, professores, têm filhos. Tenho mesmo uma prateleira com as fotografias daquilo a que a minha neta mais velha chama os «netos postiços». E respondo sempre por carta, de tal maneira os habituei que agora, quando por vezes o faço por mail, eles reclamam a carta. Aconteceu isso há pouco tempo, com uma que agora é médica e está em Los Angeles a fazer um estágio com António Damásio.

São muitos os seus correspondentes-leitores?Bastantes. Normalmente, reservo o fim-de-semana para pôr a correspondência em dia. Sempre gostei de escrever cartas e quando vou a algum sítio, continuo a mandar postais para toda a gente. Tenho uma relação privilegiada com os Correios. E envio cartas para os sítios mais diversos, até porque pelo facto de trabalhar para a revista Audácia tenho os meus missionários em África. Escrevo muito, por exemplo, para um lar de miúdos em Moçambique, mas também para o Chade, para Darfur… De tal maneira que um rapaz dos Correios um dia me disse que não tinham ninguém que enviasse cartas para tais sítios.

E hoje continua a fazer novos correspondentes?Sim. Mas há uma grande quebra. Tudo começa com a resposta a um cartão, que sai nos meus livros da Caminho. Continuam a mandá-los, eu respondo e é muito maior o número de miúdos que se contentam com a minha resposta e não voltam a escrever. Nem mesmo mails. Mas os da velha guarda escrevem cartas de muitas folhas. E às vezes aparecem nos lançamentos dos livros, ou as mães no seu lugar.

Nestes 30 anos, os seus livros fizeram certamente muita gente ter vontade de ler. É motivo de orgulho?Aquilo que realmente me agrada é a quantidade de gente que vem ter comigo e me diz isso. Na última Feira do Livro de Lisboa, uma rapariga cabo-verdiana de 30 e poucos anos passou por mim, deu-me uma carta e foi-se embora. É uma das cartas mais bonitas que me mandaram. Ando com ela na carteira e não consigo responder-lhe porque só tem o nome dela. Diz precisamente que os meus livros a ajudavam muito e que se algum dia eu estivesse menos bem devia lembrar-me de todos aqueles que tinha ajudado. Outro dia, fui à biblioteca de S. João da Madeira e depois jantei num pequeno restaurante e reparei que o dono, um rapaz de uns 30 anos, estava sempre a olhar para mim. Às tantas, aproximou-se e disse-me também que tinha começado a gostar de ler por causa dos meus livros. E foi buscá-los. É bom sentir que o que fazemos serve para alguma coisa.

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Livros por velóriosComeçou a ler muito cedo?A ler e a escrever. Aprendi sozinha, muito pequena e ajudou-me a sobreviver, porque tive uma infância complicada, sem crianças ao pé de mim. Tinha mais irmãos, mas nunca vivemos juntos, nem com os meus pais, mas com tios mais velhotes. Os livros foram os meus amigos, os meus brinquedos. Uma das recordações mais antigas que tenho é estar diante do espelho a contar-me histórias.

Que tipo de livros lia?Tudo. Devo a minha paixão pela literatura a muitos livros maus que li, aqueles dramalhões que liam as minhas tias velhas. Chorava imenso e tinha sempre vontade de ler mais. Por isso, nunca digo a alguém para não ler um livro por ser mau. Nunca se sabe qual é o toque que nos leva a gostar de outros. Eu não gosto, mas Paulo Coelho é capaz de fazer ler muita gente.

Na sua infância, tinha muitos livros?Nas casas por onde andei havia muitos e podia mexer neles à vontade. Era uma maneira de me manterem sossegada. Além disso, a minha vida de criança foi uma grande mistura de mortos e de vivos. Cada vez que morria um velhote na família, as pessoas vinham ao velório e traziam flores para o morto e um livro para mim. A isso devo a minha grande biblioteca infantil.

Houve algum livro que então a tivesse marcado especialmente?Desde muito pequena, tive a felicidade de ter descoberto Erico Veríssimo. Por isso, tenho a sua fotografia na parede, mesmo diante do computador. Foi a minha grande descoberta, porque percebi que se pode escrever uma história quase sem história, porque as palavras em si têm força, cheiro, cor. Adorei Clarissa, Música ao Longe ou As Aventuras de Tibiquera. Curiosamente foi pela via do Brasil que tive contacto com a grande Literatura.

Acha que hoje também é diferente a relação com os livros?Claro que surgiram os e-book, mas para mim é indispensável o contacto com os livros. Mas é qualquer coisa que se está a perder. Outro dia, ia a subir a Rua dos Clérigos, no Porto, e vi uma daquelas lojinhas que vendem revistas de crochet e livros, tudo ao monte, cheio de pó. Olhei para a montra e vi um livro que tinha tido quando era miúda. Chamava-se A História dos Dois Orphanzinhos, ainda com «ph». Entrei para comprar esse livro de que tinha gostado muito, de que ainda me lembrava do cheiro. Estava lá uma rapariga que vinha devolver um outro livro, porque estava estragado e não se podia ler. E então o que era? Tinha as folhas ainda por abrir… Fartei-me de rir. Mas estou convencida de que vai continuar a haver livros em suporte de papel, como agora se diz.

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Os livros foram os meus amigos, os meus brinquedos. Uma das recordações mais antigas que tenho é estar diante do espelho a contar-me histórias.

Mas já tem um dos seus livros em suporte digital.Foi uma gracinha. É uma das histórias tradicionais, o Pinto Pimpão. O e-book é muito engraçado, até se vê o virar da página. Mas o acto de ler para mim implica o papel e tomar notas. Só sei ler com o lápis na mão.

O reino do chumboComo passou das histórias ao espelho para a escrita de livros para serem publicados?Já entrei para os jornais por via da Literatura. Mário Zambujal está sempre a dizer que me conheceu na redacção do jornal de soquetes. As meias já eram pelo joelho. Comecei pelo Diário de Lisboa Juvenil. Estava no liceu e publiquei um texto numa caixinha de uma reportagem do Renato Boaventura. Começava assim: «Lisboa tem cinema às seis»… Tudo o que sei de jornalismo aprendi no DL, no duro, no chumbo, a ler as coisas ao contrário. A tipografia era o meu reino.

E sonhava ser escritora?Todos nós que escrevemos nos jornais, temos a ideia de um dia escrever qualquer coisa que não dure só um dia. Mas não pensava passar à escrita literária. Rosa, Minha Irmã Rosa foi uma brincadeira, uma coisa caseira, para os meus filhos, e nunca pensei publicar o que estava a escrever. Por isso, costumo dizer que o meu primeiro livro foi o segundo.

Uma brincadeira que se tornou rapidamente um caso sério.Apanhou-me completamente desprevenida. O livro vendeu-se muito, houve logo uma reedição e mais outra. A editora pediu-me outro livro. Comecei a ser convidada para ir a escolas.

E decidiu ser uma escritora infanto-juvenil?Mesmo aí, não pensei nisso. Depois do êxito da Rosa, achei normal que a editora me tivesse pedido outra história. Tanto assim que o segundo livro, Lote 12, 2º Frente, é a continuação do primeiro. Isto embora deteste continuações que nunca mais acabam. Só fiz essa primeira trilogia, que encerrou com Chocolate à Chuva. Mas pensei que tudo ficava por aí. Só que a dada altura passei a ter duas profissões, porque não podia largar o jornalismo. Uma escrita descansava a outra, mas foi muito complicado pela acumulação de trabalho. Tinha folgas no jornal à terça e à sexta para poder aproveitar para ir às escolas. Mas o jornalismo também me fazia falta.

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Publicar um livro no estrangeiro não é difícil. Conhece-se sempre alguém que tem uma editora. A questão é sempre saber se aguenta uma segunda edição.

Está traduzida em muitos países, acaba de ganhar mais um prémio na Suécia. Como tem corrido a recepção dos seus livros lá fora?Publicar um livro no estrangeiro não é difícil. Conhece-se sempre alguém que tem uma editora. A questão é sempre saber se aguenta uma segunda edição. Por exemplo, Os Olhos de Ana Marta está traduzido em muitos sítios, ganhou um prémio em França, mas na Alemanha já está na sétima edição. Isso interessa-me porque é um livro realmente lido, já fui lá a muitas escolas.

Quer dizer que também vai a escolas lá fora?Ah, sim. E gosto de chegar, por exemplo, às bibliotecas da Venezuela e ver lá os meus livros. Ainda levo máquina para os fotografar… É giro ser lida na América Latina e traduzida na China, ter reedições em Espanha.

Mas não é isso que a faz correr?Não, não.

Então o que a motiva para continuar com toda essa energia ao fim de tantos anos e livros publicados?Estou a fazer uma coisa de que gosto. Se calhar todos os dias me apetece parar, porque estou muito cansada. E dou por mim a pensar por que não tenho antes uma casa de comidas, visto que até cozinho bem… Ou por que não faço uns crochets para fora, até porque sou muito prendada. Mas são coisas que se dizem da boca para fora. Nunca tenho mais de uma semana de férias, aí não levo o computador comigo e fico com comichão nos dedos. Sinto falta de teclar, de escrever.

‘Netconvertida’Tardou, mas acabou por tornar-se fanática. Só há dois anos trocou a sua máquina de escrever, companheira de muitos e muitos livros escritos – primeiro uma velha Remington, depois uma eléctrica e outras –, pelo computador. Mas quando decidiu a troca foi com carácter definitivo. Aprendeu sozinha, mas não se limitou ao trivial, foi navegando sem parar no mundo digital. Hoje é uma «viciada» até no Facebook, como diz.

Tem muitos amigos no Facebook?Muitos. É o meu recreio. Passo os dias a trabalhar e de vez em quando apetece-me brincar. Conto ‘cantigas’ de que gosto, preencho aqueles questionários. Outro dia, naquele que conclui que figura histórica somos, deu-me Jesus Cristo. Não é para todos.

Mas é uma fã das tecnologias?Não. Aconteceu-me aquilo que acontece a todos os recém-convertidos: quase sempre tornam-se fanáticos. Só comecei a escrever ao computador há dois anos, porque achava que era complicado e que nunca me adaptaria. Então, a minha filha teve um argumento convincente. Disse-me que não era nada complicado, até porque era feito para americanos.

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E alguma coisa mudou no processo de escrita?A única coisa que verdadeiramente senti foi que trabalho mais depressa. Basta pensar na facilidade das emendas. Sempre escrevi à máquina e foi passar de um teclado para outro. A única coisa que ainda me faz muita falta é o papel. As minhas agendas, os meus Moleskines são um objecto de trabalho imprescindível, porque tomo muitos apontamentos, até mesmo quando estou a trabalhar. Tenho muita pena, mas não sigo aquele conselho do fim dos mails para poupar as árvores… Preciso mesmo de imprimir o que faço. Só vejo o livro em papel. Mas como não tenho carro, já contribuo bem para a defesa do ambiente.

Heterónimo poéticoÉ pela literatura infanto-juvenil que fundamentalmente a conhecem, mas Alice Vieira também escreve para gente mais crescida. Publicou recentemente um segundo livro de poesia, O que Dói às Aves, e o primeiro, Dois Corpos Tombando na Água, apanhou de surpresa o júri do prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, que venceu. Os poemas são, de resto, um departamento à parte na sua fértil produção literária. Mais justo seria atribuir-lhe um heterónimo, garante a poetisa.

O seu sucesso como escritora infanto-juvenil ofuscou, de alguma maneira, a sua escrita para os mais velhos?Não. No caso da poesia, devia ter assinado com um heterónimo, porque sinto mesmo que é outra pessoa.

Como?O processo de escrita é completamente diferente. A poesia é a única coisa que escrevo à mão e por rasgos. De repente, surgem-me frases que tenho que escrever. Não ouço vozes, mas quase… Por isso só publiquei dois livros. Tanto um como outro correspondem a épocas da minha vida, são histórias que não têm nada a ver nem com o estilo, nem com a maneira de escrever dos outros livros. De resto, o primeiro ganhou o prémio e quando me telefonaram a anunciar, o Fernando Pinto do Amaral só me dizia que quando abriram o envelope, já que tinha obviamente concorrido com pseudónimo, nem queriam acreditar que era mesmo eu a autora dos poemas. Ficaram muito admirados.

A poesia corresponde a uma face menos conhecida da sua personalidade, mais reservada e emocional?Evidentemente, é uma poesia de amor, mas também é muito cerebral. Corresponde a momentos em que tenho que parar o que estou a fazer e escrever de rajada.

Gostava de escrever mais para adultos?Não faço grande distinção. Quando entreguei Se Perguntarem por Mim Digam que Voei, o José Oliveira, da Caminho, nunca mais me dizia nada e comecei a perguntar-me se não teria gostado. Demorou, mas lá telefonou e disse-me que achava que aquilo não era um livro para jovens e que queria publicá-lo na colecção de ficção normal. Mas eu achei que

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podia não ser para adolescentezinhos, mas era para jovens. O engraçado é que, tirando a Rosa, é o livro acerca do qual recebo mais cartas, às vezes de miúdas mais novas do que eu esperava. Nunca se sabe bem qual é a fronteira. Mas é engraçado que já encontrei duas ou três pessoas que me disseram que iam dar os meus livros de poemas aos filhos, de 10 anos, que gostavam muito de poesia, e fiquei danada. Não são para miúdos. Ler não é perceber. Mas gosto de escrever para adultos. Até tenho uma encomenda da Dom Quixote, para sair em Março do próximo ano. E será o primeiro romance para adultos só meu.

Já começou a escrevê-lo?Um de cada vez. Ainda agora comecei Meia Hora para Mudar a Minha Vida.

E como começa um romance?Por uma imagem. Não tenho ideia nenhuma e de repente é como se estivesse a ver um filme. Sigo essa imagem, mas não quer dizer que cinco ou seis capítulos mais à frente não chegue à conclusão de que tudo o que escrevi não serve e comece tudo de novo.

Qual a imagem inicial do novo romance?Um carro que se afasta e uma miúda que fica a olhá-lo. Não vai ser um livro muito cor-de-rosa. Normalmente alterno e o último, A Vida nas Palavras de Inês Tavares, era muito divertido. A dona Maria Amália Vaz de Carvalho, que percebia muito disto, dizia que os meninos precisam de histórias para rir e histórias para chorar.

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Originalmente publicado em: Notícias Magazine, 23 de Agosto de 2009.

Alice Vieira

Catarina Pires*

Parece que foi ontem, mas já passaram trinta anos desde que se sentou a esta mesa onde conversamos para escrever, com os filhos, Catarina e André, o que viria a ser o seu primeiro livro – Rosa, Minha Irmã Rosa. De então para cá, não parou e já vai em mais de setenta títulos publicados, entre romance e juvenil, histórias tradicionais, livros para crianças e mais recentemente poesia de amor. Pelo meio escreveu quatro romances a várias mãos, uma experiência trabalhosa, mas muito divertida. A paixão pelo jornalismo, que a fisgou aos 14 anos, amadureceu, mas não morreu. «Quem é jornalista é jornalista para sempre», afirma. Senhoras e senhores, meninos e meninas, Alice Vieira, a escritora que antes de escrever para nós, escreve para si própria. Deve ser por isso que o faz tão bem.

Não teve uma infância feliz. Porquê?Foi uma infância diferente. Não fui criada com os meus pais, fui criada com tios-avós, gente mais velha, e não tive contacto com crianças, porque os meus irmãos também foram entregues a outras pessoas. A primeira vez que contactei com gente da minha idade tinha 10 anos, quando entrei para o liceu, o Filipa de Lencastre, onde andei sempre. Eu é que insisti muito que queria ir para o liceu e lembro-me de a minha tia dizer que sim, que fosse, que não tardava nada queria voltar para casa. Pois sim. Até inventava aulas que não tinha para estar lá mais horas.

Portanto, a adolescência foi melhor do que a infância?Complicada. Em casa a vida não era muito fácil e o liceu era o escape. Não tenho saudades nenhumas, nem da infância nem da adolescência. Acho que só fui feliz depois dos 18 anos.

Como é que essa experiência entrou nos seus livros?Há uma coisa de que me lembro como se fosse hoje: de ser muito miúda e dizer que nunca havia de esquecer aquele tempo e que havia de contar como tinha sido. Portanto, se a vingança se serve fria, neste caso serviu-se gelada. Passados estes anos todos muitas

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* jornalista

das histórias que conto e dos romances que escrevo têm que ver com esse tempo. Tenho excelente memória e nunca me esqueci de como pensava, de como falava, do que sentia em relação ao que me faziam, e acho que isso foi bom.

Em muitos dos seus livros, sobretudo nos primeiros, há sempre uma avó, verdadeira ou adoptiva, que torna as infâncias, mesmo as infelizes, mais suportáveis. É sua, essa avó?É talvez a que gostaria de ter tido. A minha avó materna já tinha morrido quando eu nasci e com a minha avó paterna tive muito pouco contacto. As avós oficiais, legais, não me tocaram. O professor João dos Santos dizia sempre que uma criança não sobrevive sem ter uma aldeia e sem ter uma avó e por isso, se não as tem, tem de as inventar. Eu fui inventando avós em várias pessoas, muitas não me eram nada, outras eram primas afastadas, mas foram muito minhas avós, eram quem me ouvia, com quem eu falava… A Maria Lúcia Namorado, por exemplo, que dirigia a revista Os Nossos Filhos, foi uma pessoa muito importante na minha vida, era minha prima afastada e terá sido quem mais me influenciou em miúda. Essas avós que escrevo não são minhas, mas quem as substituiu.

A fuga da infância leva-nos para o jornalismo. Como se começa no jornalismo aos 14 anos?Foi exactamente isso, uma fuga. E como é que se podia fugir naquela altura? Havia um jornal, que era o Diário de Lisboa, que tinha um suplemento, o Juvenil, e eu comecei a escrever textos e a mandar para lá. Era muito engraçado naquela idade ver o meu nome assim impresso. Era uma colaboradora assídua, os anos foram passando e há sempre a ideia de ver como é que aquilo se faz e eu fui ver. Agora já não cheira a nada, mas naquela altura quando se entrava numa tipografia sentia-se o cheiro do chumbo e aquilo era uma droga que se metia no sangue e já não saía.

Foi lá que se fez jornalista.Foi, acho que o que aprendi de jornalismo foi na tipografia do Diário de Lisboa. Aquela foi a minha casa, quando o jornal acabou foi um grande desgosto. A primeira vez que escrevi para o jornal a sério era miúda e percebi que a minha vida ia ser aquela. Depois, quando fui viver com o Mário [Castrim], que era director do Juvenil e redactor do Diário de Lisboa, achei que marido e mulher no mesmo sítio dá disparate, e saí para o Diário Popular, onde estive oito anos, até ao 25 de Abril, que foi quando passei para o Diário de Notícias. Ao mesmo tempo fiz o curso [Filologia Germânica]. As tias todas queriam que eu fosse professora, a única profissão que viam que uma menina de boas famílias podia ter, para além de casar com um marido rico, mas isso já tinham percebido que

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Em casa a vida não era muito fácil e o liceu era o escape. Não tenho saudades nenhumas, nem da infância nem da adolescência. Acho que só fui feliz depois dos 18 anos.

não ia acontecer. Por isso, ser professora era a outra opção, mas, coitadas, também se desiludiram. Até hoje, as tias que ainda tenho, já muito velhas, quando lhes perguntam pelas sobrinhas, dizem: fulana é médica, sicrana é advogada e a Alice, essa, lá anda na vida que escolheu [ri]. O jornalismo não era uma coisa muito honesta…

Mas a paixão pelo jornalismo acabou em divórcio, em 1990. Foi a literatura que se meteu entre vocês os dois?Não, não foi divórcio nenhum. Digamos que fomos viver para casas separadas. Ainda hoje trabalho para o Jornal de Notícias, para a Activa e para a Audácia. Quando, em 1990, deixei o jornal nem foi por zanga, foi por motivos de saúde. Quando adoecemos com uma certa gravidade, percebemos que não somos eternos e queremos fazer aquilo de que gostamos mais. Era-me impossível continuar com o jornal todos os dias, com as escolas, com os livros, por isso parei. Ainda por cima, o médico tinha-me dito que, na melhor das hipóteses, teria dois anitos de vida… Isto foi há vinte, mas na altura foi complicado e decidi dedicar-me aos livros a tempo inteiro. Não queria ter horários, queria o pouco tempo de vida que tinha todo para mim. Deixei a redacção do Diário de Notícias e passei a ser colaboradora, situação em que me mantive por muitos anos, até passar para o Jornal de Notícias. Ser jornalista está-me na massa do sangue e passaria muito mal se não tivesse onde escrever. Se ficasse só com os livros, esse outro lado far-me-ia muita falta.

Teve medo quando o médico lhe disse que só tinha dois anos de vida?Não, reagi muito bem. Uma coisa boa foi voltar logo ao trabalho – ainda fiquei um ano no jornal depois de ser operada [a um cancro na mama] e enquanto estive a fazer os tratamentos. Foi o meu marido que insistiu, e bem, porque foi uma terapia óptima. A Manuela Maria – eu, a Manuela Maria e a Simone somos o trio das cancerosas de serviço, como costumo dizer, na brincadeira – diz uma coisa que é muito verdade e que também me aconteceu: que nunca pensou que ia morrer. Eu também não. Mesmo depois de o médico me ter dado só dois anos de vida. E penso que essa maneira positiva de encarar as coisas é muito importante.

Tem medo de alguma coisa?Tenho medo de pássaros, muito medo. Até de um pintainho fujo a sete pés. É mesmo uma fobia. Nunca tive tanto medo no cinema como a ver Os Pássaros, do Hitchcock, devo ter passado o filme todo com a cabeça enfiada no ombro do meu marido. E tenho medo de ficar dependente e de perder as capacidades, porque aí perde-se tudo. Se me esqueço de uma palavra entro em pânico, por isso, leio e escrevo muito, para dar trabalho à cabeça.

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Ser jornalista está-me na massa do sangue e passaria muito mal se não tivesse onde escrever. Se ficasse só com os livros, esse outro lado far-me-ia muita falta.

Tem alguma relação com Deus?Tenho uma T-shirt que uso às vezes que diz: «God is too big to fit one religion» [Deus é grande de mais para caber numa só religião]. Não sei em que acredito, mas penso que há qualquer coisa. Tenho uma certa religiosidade. Trabalho há muitos anos com os missionários combonianos, que têm a revista Audácia, e isso é muito importante para mim. O meu marido também trabalhou com eles e era muito engraçado porque o Mário, embora fosse um comunista ortodoxo, tinha uma raiz católica que manteve até ao fim da vida.

Falou da filiação partidária do seu marido. A Alice Vieira também apoia a CDU. Como é que pauta a sua intervenção política?Não sou tão militante como era o meu marido, pago as quotas, dou o meu nome para determinadas coisas, nas eleições se me põem nos últimos lugares da lista, pois com certeza. Às vezes, chateio-me com eles, mas quando vou votar, começo a pensar e a minha mão não vai para mais lado nenhum. Tenho sempre na cabeça uma frase que o Mário Dionísio me disse e que me tocou: «Os erros dos nossos amigos nunca nos hão-de pôr do lado dos nossos inimigos.» Por isso, mesmo que os meus amigos cometam erros, e cometem, e eu esteja em desacordo, chega uma altura em que penso no essencial, largo o acessório e fico com eles, porque no essencial defendo o que o PCP defende.

Já contou milhares de vezes como começou a escrever o Rosa, Minha Irmã Rosa e como este resultou de um ultimatum dos seus filhos que aos 9 e 10 anos já não tinham o que ler.Foi nesta mesa! Por isso é que chia tanto. É por isso que os meus filhos não me deixam deitar fora esta porcaria e comprar outra. Estávamos de férias e ter miúdos de férias em casa é complicado, de maneira que, para ver se os sossegava um bocadinho, já que estavam sempre a pedir que escrevesse uma história para eles, disse: «Vamos tentar escrever uma história nestes vinte dias de férias.» Sentávamo-nos aqui, eles traziam os cadernos da escola e eu ia escrevendo, depois líamos, emendávamos, no outro dia mais um bocadinho e no fim das férias a história estava pronta. Eles levaram-na para a escola e eu arrumei-a numa gaveta e nunca mais pensei naquilo. Nem sequer fui eu que a mandei para o concurso. Quando veio no jornal a notícia de que havia um prémio instituído pela Caminho para o melhor texto do Ano Internacional da Criança (era 1979), foi o Mário que pegou naquilo e mandou. Por isso, quando ganhei o prémio foi um grande espanto para mim. E significou uma volta de 180 graus na minha vida. O livro vendeu-se muito, o editor pediu-me logo para escrever outro e nunca mais parei…

O primeiro livro foi colectivo…Pois foi, os meus filhos acham que devia ter posto também o nome deles como autores. E devia, porque aquilo foi um trio muito conseguido.

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De então para cá como é que os seus métodos de trabalho evoluíram?O meu método de trabalho [suspira]… Não tenho método de trabalho. Nunca sei o que vou fazer nem quando vou fazer, mas trabalho muito bem com prazos e quando tenho muita coisa para fazer ao mesmo tempo. Sou muito organizada na desorganização. Mas só quando estou a escrever é que descubro que história vai acontecer. Antes dizia que tinha que ver com o barulho das teclas, agora já não posso dizer isso, porque o computador é um bicho mudo… e o barulho faz-me tanta falta. Havia no Diário de Notícias um jornalista, o Humberto Vasconcelos, que, quando entraram os computadores, sofreu muito, como eu, e então fez uma gravação com o barulho das teclas, para o acompanhar quando escrevia no computador [ri]. Comigo continua a ser um bocadinho assim: só quando estou no teclado é que aquilo vem, antes não acontece nada. Mas agora, com cinco «patrões» [escreve para cinco editoras do grupo Leya] e sempre a correr de um lado para o outro para ir às escolas, ando a trabalhar que é uma maluqueira, durmo duas horas por noite.

Nunca lhe ocorre dizer que não?Pois, tenho muita dificuldade. As pessoas são muito engraçadas, amam-me de paixão, mas depois exploram-me ao máximo [ri].

Como é que alguém para quem era tão importante dormir e que só conseguia escrever de manhãzinha, consegue passar do dia para a noite e só dorme duas horas?Cada vez me adapto melhor às circunstâncias. De há três ou quatro anos para cá, a minha vida é muito diferente. Passo os dias nas escolas, chego a casa à noite, começo a escrever e quando dou por mim são três ou quatro da manhã. E se não tenho escolas no dia a seguir, às sete e meia estou no ginásio a fazer a minha passadeirinha (onde às vezes adormeço, é verdade). É muito trabalho! E eu aceito tudo, meto-me em tudo…

É autora do grupo Leya. Este fenómeno de concentração do mercado editorial causou alguma polémica. Como o encarou?A Caminho, que era a minha casa há quase trinta anos, na altura convocou-me para uma reunião para dizer o que ia acontecer, e eu tive sérias dúvidas, mas eles puseram as coisas neste pé: ou entramos no grupo ou fechamos a porta. Diante desta opção, não havia muito a fazer. Hoje, devo dizer que trabalho muito bem com o grupo.

E não é estranho para si ser protagonista de uma campanha como esta – «Alice Vieira – 30 anos de livros» –, com lápis, crachás, autocolantes, marcadores, cartazes e por aí fora?Completamente. O meu neto é que outro dia dizia: «Ó ‘vó, está ali uma que pareces tu, mas não és porque tens o cabelo azul.» Mas gosto muito que os patrões se lembrem que faço trinta anos de trabalho. O que me espanta é que tenham passado tantos anos, porque para mim foi ontem. A campanha de mandar um livro para Timor por cada postal – daqueles que vêm dentro dos meus livros – que os meus leitores me enviarem foi uma ideia minha, porque queria que isto tivesse um significado maior. Tenho uma relação forte com Timor e nunca vi ninguém naquele país pedir nada que não fosse lápis ou livros. Isso toca muito uma pessoa.

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Visita cerca de oitenta escolas por ano, porque é que para si é tão importante ir às escolas?Pelos miúdos. Uma coisa é eles lerem os livros, outra é falarem com quem os escreveu. Além disso, crio uma relação com eles que sai muito das escolas e dos livros, eles escrevem-me, eu respondo, até hoje escrevo-me com leitores meus. Alguns há trinta anos, já casados e com filhos. Os miúdos têm muita necessidade, há trinta anos como hoje, que os oiçam, às vezes só querem ser ouvidos. Ainda outro dia, uma miúda, assim da sua idade [trintas], passou por mim na Feira do Livro e deu-me uma carta. Não tinha referência alguma, só o nome dela, era cabo-verdiana, e dizia qualquer coisa como isto: quando estiver em baixo, leia esta carta e lembre-se de quantas raparigas leram os seus livros; eu li-os quando a minha vida não era nada fácil… Sentir que estamos a contribuir para que miúdos e jovens sejam um bocadinho mais felizes dá-nos vontade de trabalhar.

A sua amiga Rosa Lobato de Faria, que entrevistei há uns tempos, diz que fala com as personagens e elas é que lhe dizem o que ela tem de escrever, não inventa nada, Deus a livre…É exactamente isso. As personagens ditam o que o livro vai ser. Quando começo a escrever, como lhe disse, nunca sei o que vou fazer, sou um bocado espectadora, é como se estivesse no cinema, a olhar para o ecrã e a partir dali a história surgisse. Também falo muito com as personagens e ainda bem que estou aqui sozinha porque faço umas figuras desgraçadas: paro, falo, insulto, berro, sobretudo insulto muito o computador quando as coisas correm mal. Dantes a culpa era do papel, rasgava e deitava fora, agora não posso deitar fora o ecrã.

Hoje é mais fácil destruir um livro, se não gostar do resultado?É muito mais fácil destruir, mas também é muito mais fácil escrever. Tenho a certeza de que se não tivesse computador e estivesse ainda na velha máquina de escrever não era capaz de desenvolver este trabalho todo. Embora – por muito que custe aos ecologistas e às florestas – ainda precise muito de papel para fazer as últimas emendas. Só consigo ver o livro quando está em papel. O José Palla e Carmo, que era um grande crítico, dizia: «Tanta árvore que se deita abaixo para se fazer papel de parvo.» Não sendo esse o caso, lembro-me sempre disso quando imprimo um texto.

Nestes trinta anos, já publicou mais de setenta livros. É obra! Onde vai buscar a matéria para tanta produtividade?Pois, parece que sim [suspira]. Além da minha infância e da dos meus filhos, vou sempre ou quase sempre buscá-la ao meu dia-a-dia. Saio e quando chego a casa já trago um romance para escrever. Matéria-prima nunca falta desde que se esteja com atenção. O António Torrado costuma dizer que para escrever uma história basta olharmos pela janela.

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Os miúdos têm muita necessidade, há trinta anos como hoje, que os oiçam, às vezes só querem ser ouvidos.

Consegue dizer o que é que gosta mais de escrever?O mais difícil é o que escrevo para crianças. Tenho o dobro do trabalho e levo o dobro do tempo a escrever pequenas histórias para os mais novos porque tenho de estar sempre a pensar que idades têm, se percebem determinada palavra ou não. Por isso, prefiro escrever romance. Sou muito egoísta quando estou a escrever; sou eu, a máquina e mais ninguém, e escrevo para mim. Sou muito, muito exigente, mas é comigo, já deitei fora romances completos quando os ia entregar.

As crianças e jovens são os que mais lêem neste país. Mas são bons leitores?São. Muito por causa da escola, resta saber é se quando saem da escola continuam a ser bons leitores. Penso que temos de os cativar para o gosto da leitura muito antes disso, desde bebés, habituá-los a mexer nos livros, contar-lhes histórias, só assim serão adultos que lêem.

A Alice Vieira está no Facebook. Resistiu durante tanto tempo às novas tecnologias e agora…Eu? Eu sou uma viciada no Facebook, outro dia até propus umas clínicas de desintoxicação do Facebook [ri]. Aquilo é terrível, às vezes dou por mim há uma hora dentro daquela porcaria. Mas tem coisas muito boas. Outro dia de repente estava lá toda a minha antiga redacção do Diário de Notícias, já não nos víamos há anos, fomos todos para o Snob e saímos de lá às três da manhã. Este contacto entre as pessoas é que acho muito engraçado.

Recentemente publicou dois livros de poesia. Mas só depois de sujeitar o primeiro – Dois Corpos Tombando na Água – a concurso sob o pseudónimo Filipa Sousa e Silva. Porquê?Gosto muito de poesia e até será o que leio mais, mas sou muito crítica. Tinha ideia de que não estaria mal, mas não valia de nada dar aquilo a alguém porque iam logo dizer que estava muito bom. E então soube que havia o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho e, como os membros do júri eram gente que me dava muita segurança, mandei sem ninguém saber. Os únicos que souberam, como aliás sabem da minha vida toda, foram os senhores dos Correios. E pronto, ganhei. Mas ainda outro dia estava a dizer a uma amiga que acho que devia assinar a poesia com outro nome, não pseudónimo, mas heterónimo, porque sinto que quem escreve aquilo é outra pessoa. A sério, não sou eu, a maneira de escrever, o quando escrevo. Eu, que nunca fui capaz de escrever nada à mão, nem uma carta, só consigo escrever poesia à mão.

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Sou muito egoísta quando estou a escrever; sou eu, a máquina e mais ninguém, e escrevo para mim. Sou muito, muito exigente, mas é comigo, já deitei fora romances completos quando os ia entregar.

Dizia numa entrevista, em 1984, que a poesia escrita por si tinha morrido, que a tinha escrito aos 20 anos, porque estava apaixonada, e que à medida que se envelhece se aprende a conter as emoções e por isso sentia-se melhor no rigor da prosa. O que aconteceu, então?Pois, não sei. De facto, sou muito de prosa e portanto é qualquer coisa estranha que de repente aparece.

E Filipa Sousa e Silva vem de onde?[Hesita] Essa Filipa Sousa e Silva digamos que é o correspondente feminino de um namorado que tive [ri].

O registo poético é muito íntimo, desnuda o autor. Que dúvidas teve?Aquilo é poesia de amor e a poesia de amor está sempre numa fronteira muito frágil: ou é boa ou é uma lamechice pegada. Havia um autor que dizia que os maiores crimes passionais eram os sonetos de amor. Eu tenho sempre medo de estar a cometer um crime passional, porque essa fronteira é tão ténue que às vezes basta uma palavra para cair para o lado de lá. Por isso, corrijo muito, vem de rajada, mas depois há o ofício, é preciso levar aquilo à oficina da escrita. Apesar de tudo, sou muito lúcida e muito de prosa e isso defende-me.

Aos 66 anos, ainda acha que o seu calcanhar de Aquiles é ser muito impulsiva e acreditar demais nas pessoas?Acreditar nas pessoas é bom, apesar de tudo. Nunca me arrependo disso, vale mais desiludirem-me do que estar sempre a desconfiar. Mas impulsiva sou muito e tenho pouca paciência para certas coisas. Tenho pouca paciência para gente burra, por exemplo.

Se perguntarem por si, o que é que quer que eu diga?Ai, queria tanto que dissesse: deixem-na descansar, deixem-na dormir. Digam que voei, digam que emigrei, digam que estou fechada para balanço. Qualquer coisa, desde que me deixem descansar um bocadinho.

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Originalmente publicado em: JL – Jornal de Letras, Artes e Ideias, semana de 26 de Agosto a 8 de Setembro de 2009.

Trinta anos de livros e leituras

Ana Margarida Ramos*

Alice Vieira está a celebrar 30 anos de actividade literária. Neste longo percurso, iniciado em 1979 com a publicação de Rosa, Minha Irmã Rosa, obra distinguida com o prémio de Literatura Infantil – Ano Internacional da Criança, tem particular relevo a produção da autora dirigida preferencialmente ao universo infantil e juvenil, ainda que também tenha publicado obras para adultos.

Objecto de vários prémios, em Portugal e no estrangeiro (o mais recente, a Estrela de Prata do Prémio Peter Pan, acaba de ser atribuído à edição sueca de Flor de Mel), incluindo, em 1994, o Grande Prémio Gulbenkian, pelo conjunto da sua obra, a autora foi mesmo finalista, em 1998, do Prémio Hans Christian Andersen para o qual foi nomeada duas vezes.

A sua produção reparte-se por diferentes géneros, dos quais se destaca a reescrita da tradição oral, em especial de contos populares – leiam-se os volumes da colecção «Histórias Tradicionais Portuguesas» (Caminho), mas também os textos insertos em Eu Bem Vi Nascer o Sol (1994), onde a autora agrupa um conjunto significativo de produções do património oral, desde as lengalengas aos trava-línguas, incluindo textos dos romanceiros, cantigas populares e rimas infantis muito variadas; a edição de contos literários (colecção «Livros com Cheiro»); 2 Histórias de Natal (2002) e Contos e Lendas de Macau (2001); e de teatro, com o livro Leandro, Rei da Helíria (1991), obra que se aproxima do texto shakespeareano King Lear, construída com base no conto tradicional A Comida sem Sal, que lhe serve de intertexto. No âmbito da poesia, para além da edição da antologia poética O Meu Primeiro Álbum de Poesia (2008), deu à estampa A Charada da Bicharada (2008), obra que integra um conjunto de poemas-adivinhas, subordinados à temática animal. Neste especial bestiário poético, a dimensão lúdica dilui-se subtilmente no lirismo das composições poéticas, onde, através do olhar e da voz do sujeito poético, às vezes identificado com o próprio animal, é proposta uma revisitação particular, muitas vezes metafórica e simbólica das várias espécies. Contudo, é no âmbito da narrativa juvenil, incluindo novelas e romances, que Alice Vieira se assume como particularmente inovadora, constituindo uma referência incontornável no nosso país. Iniciada com a edição de um tríptico composto pelas narrativas Rosa, Minha Irmã Rosa (1979), Lote 12, 2º Frente (1980) e Chocolate à Chuva (1982), percorridas por uma certa unidade de concepção, a produção literária da autora apresenta um conjunto de eixos cuja assiduidade assegura

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* Universidade de Aveiro

a sua coesão ideotemática, configuradores de um macro-texto singular. Estruturadas em torno de problemáticas relevantes, reiteradamente perspectivadas a partir de focalizações internas, capazes de recriar os dilemas existenciais de personagens adolescentes e os seus processos de crescimento, as narrativas e os conflitos que as enformam nunca são lineares ou apresentam unívocas possibilidades de leitura. O universo feminino, alvo de especial atenção, é recriado nas suas múltiplas e complexas dimensões. Diferentes gerações de mulheres, pertencendo a estratos sociais também diversificados, integram uma polifacetada galeria ficcional que acompanha a evolução da sociedade portuguesa nas últimas décadas, dando conta, simultaneamente, dos seus elementos estruturantes, assim como das suas tensões e fracturas, problematizando estereótipos e comportamentos tipificados, em obras como Águas de Verão (1985), Às Dez a Porta Fecha (1988), Úrsula, a Maior (1988), Caderno de Agosto (1995), Se Perguntarem por Mim, Digam que Voei (1997) ou Um Fio de Fumo nos Confins do Mar (1999).

Apesar de fortemente ancoradas no universo juvenil, a partir do qual são narradas, as intrigas não passam ao lado de um conjunto muito abrangente de preocupações de outros grupos etários, dando voz a outras personagens, recriando diálogos geracionais particularmente ricos e afectivamente produtivos. Situações traumáticas, como a perda, a negligência ou abandono afectivos, são alvo de tratamento frequente, permitindo a problematização de experiências e emoções. Leiam-se, nesta linha, textos como Paulina ao Piano (1985), Flor de Mel (1986), Os Olhos de Ana Marta (1990) e, mais recentemente, O Casamento da Minha Mãe (2005).

Estruturas afectivas e sociais, como a família, são submetidas a intensos processos de análise e questionamento, revelando as suas falhas e forças. A questão da identidade, tanto em termos individuais como nacionais ou culturais, incluindo a relação com o passado e com a História, é outra das linhas de força da produção narrativa de Alice Vieira. Esta última questão, particularmente relevante, alvo de tratamento romanesco no díptico composto pelas obras A Espada do Rei Afonso (1981) e Este Rei que Eu Escolhi (1983), volta a surgir com particular relevância em Promontório da Lua: Histórias (1991). Seguindo as tendências modernas da metaficção historiográfica (ver Linda Hutcheon, 1988, ou Elisabeth Wesseling, 1991), é proposta uma perspectiva alternativa em relação ao discurso historiográfico oficial, dando voz a outros intervenientes. Esta tendência para questionar a escrita da História serve igualmente de mote a Vinte e Cinco a Sete Vozes (1999), onde sete personagens, de diferentes gerações, dão conta das suas perspectivas particulares sobre o 25 de Abril de 1974, submetendo-o ao seu crivo pessoal e subjectivo, forma de apropriação íntima da própria História.

Do ponto de vista da organização narrativa, sublinhe-se o recurso a estruturas romanescas particularmente complexas, como acontece com o cruzamento de diversos fios narrativos, com o recurso ao monólogo interior ou ao discurso indirecto livre e, sobretudo, com a introdução de níveis diegéticos distintos através da técnica de encaixe. O tempo, alvo de várias manipulações, é também um elemento determinante para a construção de uma estrutura narrativa que foge a modelos lineares e sequenciais. Recorrendo a um estilo e uma linguagem muito pessoais, Alice Vieira cria um registo único, capaz de cruzar momentos de grande humor, em resultado da combinação de vários tipos de cómico que explora com singular mestria, com outros de forte tonalidade lírica e intensidade dramática

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e emocional. A vivacidade dos diálogos e a fluidez das descrições resultam, em grande medida, da forma como a autora explora todas as potencialidades da língua, criando expressivos jogos de palavras, tanto em termos sonoros, como morfológicos e sintácticos. O recurso assíduo à enumeração e à anáfora, a criação de paralelismos estruturais e a exploração das potencialidades simbólicas da adjectivação são responsáveis pela criação de um discurso simultaneamente acessível e cativante, também do ponto de vista rítmico e melódico.

Em conclusão, saliente-se, pois, o relevo de Alice Vieira no panorama literário e editorial português, autora de dezenas de obras cuja leitura não cabe, naturalmente, nos limites deste texto. Alvo de várias investigações de teor académico, em Portugal e no estrangeiro, para além dos estudos mais pontuais de Natércia Rocha, Álvaro Salema, Maria Lúcia Lepecki, José António Gomes, Natividades Pires, Isabel Vila-Maior, e outros, as suas novelas e romances juvenis determinam e ilustram uma mudança do paradigma literário, por altura do final dos anos 70, no que respeita à escrita para crianças e jovens, valorizando uma certa introspecção e complexidade temática e diegética em detrimento da tendência da narrativa de aventuras de estrutura mais ou menos codificada.

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Obras de Alice Vieira

Rui Marques Veloso

Alice de Jesus Vieira Vassalo Pereira da Fonseca nasceu em Lisboa, em 1943. Frequentou o Liceu D. Filipa de Lencastre e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde se licenciou em Filologia Germânica. Ingressou no jornalismo, em 1969, no Diário Popular, passando, em 1975, para o Diário de Notícias; presentemente, trabalha para o Jornal de Notícias e para as revistas Activa e Audácia. A tradução tem sido uma outra actividade que lhe granjeou reconhecimento internacional. Publicou, pela primeira vez, em 1964, um livro de poemas, mas será em 1979 que ganha o Prémio de Literatura Infantil «Ano Internacional da Criança», promovido pela Editorial Caminho, com a obra Rosa, Minha Irmã Rosa, iniciando uma carreira auspiciosa no difícil território que é a literatura infantil e juvenil. A sua criação literária mantém-se regular, ora explorando temáticas muito próximas das vivências dos jovens, ora fazendo incursões na literatura oral do nosso património tradicional e da cultura macaense. São muitas as distinções recebidas, com especial destaque para os Prémios Gulbenkian – em 1983, com Este Rei que Eu Escolhi, e, em 1994, pelo conjunto da sua obra; foi incluída na Honour List do IBBY, em 1994, com Os Olhos de Ana Marta – romance que conquistou, em 2000, em França, o Prix Octogone de romance juvenil – e obteve reconhecimento internacional nas candidaturas ao Prémio Andersen, em 1996 e 1998. Parte da obra está traduzida em várias línguas e editada em diversos países; numerosos livros seus estão incluídos em listas de obras literárias de qualidade recomendadas pela célebre International Youth Library de Munique. Dissertações de doutoramento, em Portugal e no Brasil, incidiram na análise de textos da sua autoria.

Escritora de imenso talento, Alice Vieira oferece aos jovens leitores a descoberta de contos tradicionais, reescritos com imaginação e linguagem sedutoras, bem como a recuperação das rimas infantis preservadas pela cultura popular. Cria universos ficcionais muito próximos da realidade vivida por crianças e adolescentes, onde as interacções familiares ganham uma dimensão dolorosa (sem cair na lamechice) e contribuem para a clarificação do mundo interior do leitor e para a construção da sua identidade. Com um discurso próximo do coloquial, sem cedências de qualquer espécie, tempera a narração com humor subtil e crítica social discreta. Ler Alice Vieira constitui um encontro com a Vida em toda a sua policromia.

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SOL - Serviço de Orientação da Leitura | Vidas e Obras

Bica Escaldada, Lisboa, Casa das Letras, 2009 (2ª edição).

Contos e Lendas de Macau, ilustr. Alain Corbel, Lisboa, Caminho, 2009 (2ª edição).

Lote 12, 2º Frente, ilustr. Henrique Cayatte, Lisboa, Caminho, 2009 (16ª edição).

O Menino da Lua e Corre, Corre, Cabacinha, Lisboa, Caminho, 2009 (1ª edição).

Tejo, Lisboa, Caminho, 2009 (1ª edição).

13 Gotas ao Deitar, com Catarina Fonseca, Rosa Lobato de Faria, Luísa Beltrão, Rita Ferro e Leonor Xavier, Lisboa, Oficina do Livro, 2009 (1ª edição).

Pezinhos de Coentrada, Lisboa, Casa das Letras, 2009 (2ª edição).

O que Dói às Aves, Lisboa, Caminho, 2009 (1ª edição).

Rato do Campo e Rato da Cidade; João Grão de Milho, ilustr. Danuta Wojciechowska, Lisboa, Caminho, 2009 (2ª edição).

Rimas Perfeitas, Imperfeitas e Mais-que-perfeitas, ilustr. Afonso Cruz, Lisboa, Texto Editores, 2009 (1ª edição).

Águas de Verão, ilustr. Catarina Rebelo, Lisboa, Caminho, 2008 (9ª edição).

Este Rei que Eu Escolhi, ilustr. Teresa Dias Coelho, Lisboa, Caminho, 2008 (13ª edição).

Graças e Desgraças da Corte de El-Rei Tadinho, ilustr. Teresa Dias Coelho, Lisboa, Caminho, 2008 (16ª edição).

Leandro, Rei da Helíria, Lisboa, Caminho, 2008 (8ª edição).

Livro com Cheiro a Canela, ilustr. Sandra Serra, Lisboa, Texto Editores, 2008 (1ª edição).

O Meu Primeiro Álbum de Poesia, ilustr. Danuta Wojciechowska, Lisboa, Dom Quixote, 2008 (1ª edição).

Os Olhos de Ana Marta, ilustr. Cristina Sampaio, Lisboa, Caminho, 2008 (6ª edição).

Rosa, Minha Irmã Rosa, ilustr. Henrique Cayatte, Lisboa, Caminho, 2008 (20ª edição).

Se Houvesse Limão; O Coelhinho Branquinho e a Formiga Rabiga, ilustr. Mónica Cid, Lisboa, Caminho, 2008 (1ª edição).

Se Perguntarem por mim Digam que Voei, ilustr. Catarina Fonseca, Lisboa, Caminho, 2008 (6ª edição).

Trisavó de Pistola à Cinta e Outras Histórias, Lisboa, Caminho, 2008 (4ª edição).

Úrsula, a Maior, ilustr. José Ribeiro, Lisboa, Caminho, 2008 (8ª edição).

A Vida nas Palavras de Inês Tavares, Lisboa, Caminho, 2008 (1ª edição).

Vinte e Cinco a Sete Vozes, ilustr. Filipe Abranches, Lisboa, Caminho, 2008 (3ª edição).

Chocolate à Chuva, ilustr. Henrique Cayatte, Lisboa, Caminho, 2007 (15ª edição).

Dois Corpos Tombando na Água, Lisboa, Caminho, 2007 (1ª edição).

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SOL - Serviço de Orientação da Leitura | Vidas e Obras

A Espada do Rei Afonso, ilustr. Teresa Dias Coelho, Lisboa, Caminho, 2007 (12ª edição).

O Filho do Demónio; A Adivinha do Rei, ilustr. Daniel Silvestre da Silva, Lisboa, Caminho, 2007 (1ª edição).

Flor de Mel, ilustr. Ivone Ralha, Lisboa, Caminho, 2007 (9ª edição).

Um Ladrão debaixo da Cama, ilustr. Vasco Colombo, Lisboa, Caminho, 2007 (2ª edição).

Livro com Cheiro a Baunilha, ilustr. Afonso Cruz, Lisboa, Texto Editores, 2007 (1ª edição).

As Moedas de Ouro de Pinto Pintão, ilustr. Raffaelo Bergonse, Lisboa, Caminho, 2007 (2ª edição).

A que Sabe Esta História?, com Vítor Sobral, ilustr. Carla Nazareth, Lisboa, Oficina do Livro, 2007 (1ª edição).

Caderno de Agosto, ilustr. José Miguel Ribeiro, Lisboa, Caminho, 2006 (4ª edição).

O Código d’Avintes, com Rosa Lobato de Faria, Mário Zambujal, Luísa Beltrão, José Fanha, João Aguiar e José Jorge Letria, Lisboa, Oficina do Livro, 2006 (1ª edição).

2 Histórias de Natal, ilustr. João Caetano, Lisboa, Caminho, 2006 (2ª edição).

Livro com Cheiro a Morango, ilustr. Carla Nazareth, Lisboa, Texto Editores, 2006 (1ª edição).

A Lua não Está à Venda, ilustr. Constança Lucas, Lisboa, Caminho, 2006 (9ª edição)

A Machadinha e a Menina Tonta; O Cordão Dourado, ilustr. Bela Silva, Lisboa, Caminho, 2006 (1ª edição).

Promontório da Lua, ilustr. Helena Caldas, Lisboa, Caminho, 2006 (5ª edição).

Viagem à Roda do Meu Nome, ilustr. Levina Valentim, Lisboa, Caminho, 2006 (10ª edição).

O Casamento da Minha Mãe, Lisboa, Caminho, 2005 (1ª edição).

A Fita Cor-de-rosa, Sintra, Museu do Brinquedo (CMS), 2005.

Histórias e Canções em Quatro Estações – Outono, com Natércia Rocha, Carlos Pinhão e Ricardo Alberty, Lisboa, Lisboa Editora, 2005.

Livro com Cheiro a Chocolate, ilustr. Daniela Gonçalves, Lisboa, Texto Editores, 2005 (1ª edição).

Os Novos Mistérios de Sintra, com Mário Zambujal, João Aguiar, José Jorge Letria, José Fanha e Luísa Beltrão, Lisboa, Oficina do Livro, 2005 (1ª edição).

Eu Bem Vi Nascer o Sol, ilustr. Catarina Fonseca, Lisboa, Caminho, 2004 (6ª edição).

Rosa, Minha Irmã Rosa, ilustr. Evelina Oliveira, Lisboa, Caminho, 2004 (1ª edição).

Manhas e Patranhas, Ovos e Castanhas, ilustr. Gémeo Luís, Lisboa, Caminho, 2003 (1ª edição).

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Viajar nos Livros, ilustr. João Caetano, Lisboa, IPLB, 2003.

Um Fio de Fumo nos Confins do Mar, Lisboa, Caminho, 2001 (2ª edição).

Paulina ao Piano, ilustr. Isabel França Aires, Lisboa, Caminho, 1999 (5ª edição).

Os Anéis do Diabo, ilustr. André Letria, Lisboa, Caminho, 1998 (1ª edição).

Às Dez a Porta Fecha, ilustr. Pedro Cavalheiro, Lisboa, Caminho, 1998 (5ª edição).

O Gigante e as Três Irmãs, ilustr. Teresa Lima, Lisboa, Caminho, 1998 (1ª edição).

Praias de Portugal, Lisboa, Caminho, 1997 (1ª edição).

O Coelho Branquinho e a Formiga Rabiga, ilustr. João Tinoco, Lisboa, Caminho, 1994 (1ª edição).

O Pássaro Verde, ilustr. Alain Corbel, Lisboa, Caminho, 1994 (1ª edição).

A Bela Moura, ilustr. José Serrão, Lisboa, Caminho, 1993 (1ª edição).

Esta Lisboa, fotog. António Pedro Ferreira, Lisboa, Caminho, 1993 (1ª edição).

As Três Fiandeiras, ilustr. Armanda Duarte, Lisboa, Caminho, 1993 (1ª edição).

Desanda, Cacete, ilustr. Carlos Jarnac, Lisboa, Caminho, 1992 (1ª edição).

Maria das Silvas, ilustr. Paula Nery, Lisboa, Caminho, 1992 (1ª edição).

Periquinho e Periquinha, ilustr. Carlos Marques, Lisboa, Caminho, 1992 (1ª edição).

Rato do Campo e Rato da Cidade, ilustr. Henrique Cayatte, Lisboa, Caminho, 1992 (1ª edição).

A Adivinha do Rei, ilustr. Siabhan Dodds, Lisboa, Caminho, 1991 (1ª edição).

Corre, Corre Cabacinha, ilustr. José Miguel Ribeiro, Lisboa, Caminho, 1991 (1ª edição).

Fita, Pente, Espelho, ilustr. Manuela Bacelar, Lisboa, Caminho, 1991 (1ª edição).

As Árvores que Ninguém Separa, ilustr. Evelyn Poon, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988 (1ª edição).

Um Estranho Barulho de Asas, ilustr. Lok Tai Tong, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988 (1ª edição).

As Mãos de Lam Seng, ilustr. Lok Tai Tong, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988 (1ª edição).

O que Sabem os Pássaros, ilustr. Evelyn Poon, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988 (1ª edição).

O Templo da Promessa, ilustr. Lok Tai Tong, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988 (1ª edição).

Uma Voz do Fundo das Águas, ilustr. Evelyn Poon, Macau, Instituto Cultural de Macau, 1988 (1ª edição).

Um Nome para Setembro, Lisboa, Plátano Editora, 1979 (1ª edição).| 28 |

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