alguns aspectos processuais da tutela da personalidade humana

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ALGUNS ASPECTOS PROCESSUAIS DA TUTELA DA PERSONALIDADE HUMANA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013 Pelo Prof. Doutor JOÃO PAULO REMÉDIO MARQUES PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DE COIMBRA SUMÁRIO: I. INTRODUÇÃO. RAZÃO DE ORDEM. — II. A PROPOSTA DE REDACÇÃO DA COMISSÃO DE REVISÃO DO PROCESSO CIVIL. — III. A TELEOLOGIA E ANÁLISE DO REGIME NO NOVO CPC. A (DES)ADEQUAÇÃO DA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. — IV. CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS AMEAÇAS OU DAS OFENSAS JÁ CONSUMADAS E DO PROCESSO ESPECIAL DE TUTELA DA PERSONALIDADE. — 1. OFENSA DIRECTA E ILICITUDE DA OFENSA. — 2. A GRAVIDADE DA AMEAÇA E A DISPENSA DE CULPA DO DEMANDADO. — 3. FUNGIBILIDADE POR PROVIDÊNCIA CAUTELAR INOMINADA? — V. A TRAMITAÇÃO. — VI. A IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO E O REGIME DA EXECUÇÃO. — VII. CONCLUSÃO. I. INTRODUÇÃO. RAZÃO DE ORDEM. — Os direitos de personalidade constituem um conjunto de direitos subjectivos, que incidem sobre a própria pessoa humana ou sobre alguns modos de ser fundamentais, físicos ou morais, da personalidade, inerentes à pessoa humana. Noutra formulação, estas posições jurídicas subjectivas traduzem os direitos das pessoas, que tutelam bens ou interesses da personalidade e exprimem o minimum necessário e imprescindível da personalidade humana 1 . 1 MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, 2001, Coimbra, Almedina, pp. 32 e 33; PAULO MOTA PINTO, “Os Direitos de Personalidade no Código Civil de Macau”, in: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXVI (2000), Coimbra, pp. 205-211.

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ALGUNS ASPECTOS PROCESSUAIS DA TUTELA DA PERSONALIDADE

HUMANA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2013

Pelo Prof. Doutor JOÃO PAULO REMÉDIO MARQUES PROFESSOR DA FACULDADE DE DIREITO DE COIMBRA

SUMÁRIO: I. INTRODUÇÃO. RAZÃO DE ORDEM. — II. A PROPOSTA DE REDACÇÃO DA COMISSÃO DE REVISÃO DO PROCESSO CIVIL. — III. A TELEOLOGIA E ANÁLISE DO REGIME NO NOVO CPC. A (DES)ADEQUAÇÃO DA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. — IV. CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS AMEAÇAS OU DAS OFENSAS JÁ CONSUMADAS E DO PROCESSO ESPECIAL DE TUTELA DA PERSONALIDADE. — 1. OFENSA DIRECTA E ILICITUDE DA OFENSA. — 2. A GRAVIDADE DA AMEAÇA E A DISPENSA DE CULPA DO DEMANDADO. — 3. FUNGIBILIDADE POR PROVIDÊNCIA CAUTELAR INOMINADA? — V. A TRAMITAÇÃO. — VI. A IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO E O REGIME DA EXECUÇÃO. — VII. CONCLUSÃO.

I. INTRODUÇÃO. RAZÃO DE ORDEM. — Os direitos de personalidade

constituem um conjunto de direitos subjectivos, que incidem sobre a própria pessoa

humana ou sobre alguns modos de ser fundamentais, físicos ou morais, da

personalidade, inerentes à pessoa humana. Noutra formulação, estas posições jurídicas

subjectivas traduzem os direitos das pessoas, que tutelam bens ou interesses da

personalidade e exprimem o minimum necessário e imprescindível da personalidade

humana1.

1 MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, 2001,

Coimbra, Almedina, pp. 32 e 33; PAULO MOTA PINTO, “Os Direitos de Personalidade no Código Civil de Macau”, in: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXVI (2000), Coimbra, pp. 205-211.

As linhas que seguem destinam-se a apresentar, explicitar e justificar, de uma

forma sucinta, o regime proposto pela Comissão de Revisão do Processo Civil2, em

matéria de tutela da personalidade humana, o qual foi agora plasmado no novo CPC.

O n.º 2 do art. 70º do Código Civil, no domínio da tutela dos direitos de

personalidade, prevê o direito de solicitar providências tendentes a evitar a consumação

da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. Para alcançar essa forma de

tutela, actualmente, os meios processuais ajustados eram, independentemente da

responsabilidade civil a que haja lugar, o procedimento cautelar comum e o processo

especial de jurisdição voluntária previsto nos artigos 1474.º e 1475.º do CPC de 1961.

Nestes últimos processos, além da intimação ao lesante para que cesse a conduta

ofensiva dos seus direitos, ou se abstenha de a iniciar, pode o lesado requerer uma

multiplicidade de providências que consistam na imposição ao lesante de actuações

positivas ou negativas, a título definitivo, e não apenas provisoriamente, como ocorre,

ainda hoje, com os procedimentos cautelares.

Todavia, o regime jurídico previsto nos artigos 1474.º e 1475.º do Código de

Processo Civil (CPC) de 1961 padecia de uma notória e consensual exiguidade

aplicativa e de um diminuto sector normativo da realidade que é susceptível de atingir.

Ademais, os lesados (ou ameaçados de lesão eminente) veem-se, não raras vezes, na

necessidade de instaurar providência cautelar inominada, a fim de acautelar o

periculum in mora.

II. A PROPOSTA DE REDACÇÃO DA COMISSÃO DE REVISÃO

PROCESSO CIVIL. — Face às apontadas debilidades, a Comissão de Revisão do

Processo Civil desenhou e aprovou a seguinte proposta de redacção de um novo regime

da tutela geral da personalidade humana:

Artigo 1474.º

2 A (1.ª) Comissão de Revisão do Processo Civil foi constituída em Dezembro de 2009, no

âmbito do XVIII Governo Constitucional (cujos trabalhos decorreram entre Dezembro de 2009 e Dezembro de 2010), tendo os membros desta Comissão (incluindo o autor deste pequeno estudo) sido reconduzidos pelo actual XIX Governo Constitucional, numa nova Comissão de Revisão (entre Agosto de 2011 e Dezembro de 2011), cujo projecto esteve em discussão pública e se encontra, no momento em que escrevo, em sede de apreciação parlamentar.

Pressupostos 1. Pode ser requerido o decretamento das providências concretamente adequadas a evitar a consumação de qualquer ameaça ilícita e directa à personalidade física ou moral de ser humano ou a atenuar, ou a fazer cessar, os efeitos de ofensa já cometida. 2. [Revogado]. 3. [Revogado].

Artigo 1475.º Termos posteriores

1. Apresentado o requerimento com o oferecimento das provas, se não houver motivo para o seu indeferimento liminar, o tribunal designa imediatamente dia e hora para o julgamento. 2. A contestação é apresentada na própria audiência, na qual, se tal se mostrar compatível com o objecto do litígio, o tribunal procurará conciliar as partes. 3. Na falta de alguma das partes ou se a tentativa de conciliação se frustrar, o tribunal ordena a produção de prova e, de seguida, decide, por sentença, sucintamente fundamentada. 4. Se o pedido for julgado procedente, o tribunal determina o comportamento concreto a que o requerido fica sujeito e, sendo caso disso, o prazo para o cumprimento, bem como a sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. 5. Pode ser proferida uma decisão provisória, irrecorrível e sujeita a posterior alteração ou confirmação no próprio processo, se o requerimento permitir reconhecer a possibilidade de lesão eminente e irreversível da personalidade física ou moral e se, em alternativa:

a) O tribunal não puder formar uma convicção segura sobre a existência, extensão, ou intensidade da ameaça ou da consumação da ofensa; b) Razões justificativas de especial urgência impuserem o decretamento da providência sem prévia audição da parte contrária.

6. Quando o réu não tiver sido ouvido antes da decisão provisória, aquele poderá contestar, no prazo de 20 dias, a contar da notificação da decisão, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números 1 a 4.

Artigo 1475.º-A Regimes especiais

1. Os recursos interpostos pelas partes devem ser processados como urgentes. 2. A execução da decisão é efectuada oficiosamente e nos próprios autos, sempre que a medida executiva integre a realização da providência decretada, e é acompanhada da imediata liquidação da sanção pecuniária compulsória.

Esta proposta de redacção foi, no entretanto, plasmada nos artigos 878.º3, 879.º e

880.º do novo Código de Processo Civil, aprovado na Assembleia da República, em 10

de Maio de 2013, e enviado para promulgação no dia 16 de Maio deste ano.

III. TELEOLOGIA E ANÁLISE DO REGIME NO NOVO CPC. A

(DES)ADEQUAÇÃO DA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. — O regime jurídico

objecto da alteração dos artigos 1474.º e 1475.º do CPC de 1961 visou alargar o sector

normativo da tutela da personalidade humana e a eficácia irradiante dessa tutela, no

3 A única diferença de redacções surpreende-se no artigo 878.º, que não manteve a referência

(“revogado”) aos dois números (2 e 3) do proposto artigo 1474.º, por meras razões de legística.

que respeita às faculdades jurídicas processuais postas ao serviço das pessoas

humanas4.

Um dos problemas que os direitos de personalidade convocam é o da

prevalência, que se coloca, quer nos casos de conflitos de direitos de personalidade

entre si, quer nas hipóteses de colisão entre direitos de personalidade e quaisquer outros

direitos ou bens de natureza diferente. Noutros casos, estar-se-á perante um problema de

determinação do conteúdo e limites de direitos de personalidade invocados pelas partes

e da sua recíproca delimitação5. É sabido que o problema deve ser resolvido com

recurso ao instituto da colisão ou conflito de direitos, de harmonia com uma ideia de

harmonização ou concordância prática de direitos e, no caso de tal se revelar

necessário, na prevalência de um direito ou bem em relação a outro.

A tutela, ainda que puramente cível e cautelar, envolve em muitos casos,

necessariamente, a restrição, desde que proporcional e justificada, de direitos do

lesante: na colisão entre os direitos do lesado e do lesante devem prevalecer os direitos

do primeiro, maxime, nos casos em que o exercício dos direitos do último é causa ilícita

de lesão dos direitos do primeiro.

É verdade que esta renovação da tutela processual da personalidade humana foi

originária e formalmente inserida (scilicet, se é claro que tal tutela é mantida) no quadro

da jurisdição voluntária. Todavia, na sequência de algumas fragilidades apontadas à

inserção sistemática deste processo de tutela da personalidade humana no âmbito dos

processos de jurisdição voluntária — em particular, a questão da recorrente situação da

existência de colisão de direitos de personalidade ou de direitos fundamentais por

ocasião do exercício desta tutela jurisdicional —, a proposta aprovada na Assembleia da

República reposicionou-o no quadro dos processos especiais.

Mesmo que esta tutela jurisdicional cível da personalidade humana continuasse a

ser inserida nos processos de jurisdição voluntária, não se colocava, ao que creio,

qualquer problema quanto à realização de eventuais juízos de ponderação de bens e de

concordância prática, especialmente nos casos de colisão de direitos invocados pelas

4 Por exemplo, não pode usar-se o procedimento cautelar de embargo de obra nova para tutelar direitos de personalidade, o qual somente se acha predisposto a tutelar a ofensa a direitos reais de gozo ou a posse — já, assim, acórdão do STJ, de 14/01/1997 (MACHADO SOARES), proc. n.º 96A760, in: http://www.dgsi.pt.

5 ELSA VAZ SEQUEIRA, Dos Pressupostos da Colisão de Direitos no Direito Civil, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2004, pp. 250-257.

partes ou de recíproca delimitação do conteúdo de direitos de personalidade

conflituantes6. Isto é especialmente importante os casos de litígios envolvendo direitos

de personalidade em situações jurídicas “poligonais” (v.g., proprietário do prédio onde

sejam afixadas mensagens ofensivas ao ofendido e alegado autor das mensagens; titular

da infraestrutura digital, provedor dos serviços de Internete, responsável pelo

armazenamento das mensagens ilícitas, lesado, etc.), aí onde deixa de haver dúvida

quanto à legitimidade processual para a sua presença em juízo, ainda que por via do

incidente da intervenção principal, atento o ponderoso interesse em contradizer de tais

sujeitos.

Não se objecte — contra esta originária inserção da tutela jurisdicional da

personalidade humana no quadro dos processos de jurisdição voluntária — dizendo que

nos processos de jurisdição voluntária, o legislador não pressupõe a existência de um

conflito de interesses, mas apenas visa a tutela de um interesse ou de um feixe de

interesses. O que, nesta perspectiva, tornaria praticamente inaplicável tal regime à

protecção dos direitos de personalidade perante agressões de terceiros, cuja posição

jurídica bem podem achar-se alicerçada em outros tantos direitos de personalidade ou

direitos fundamentais.

Na verdade, não é apodíctico que todos os processos formalmente inseridos, pelo

legislador, no capítulo da denominada jurisdição voluntária visam a tutela de um

específico interesse ou de um feixe de interesses, aí onde a actuação do tribunal é

materialmente administrativa. Isto porque muitos processos de jurisdição voluntária

pressupõem ou convocam, do ponto de vista substancial, um verdadeiro conflito de

interesses7 — traduzindo, por isso, um processo de adversários e, logo, uma lógica

adversarial, pondo em causa a autonomia dogmática da denominada jurisdição

voluntária —, pese embora o seu regime jurídico adjectivo esteja previsto neste capítulo

do CPC.

Creio, na verdade, que alguns processos classificados pelo CPC como de

jurisdição voluntária constituem, substancialmente, processos de jurisdição

contenciosa, têm na sua base um conflito de interesses8 e permitem a justa composição

6 Por exemplo, direito à honra do lesado e o direito à livre circulação do lesante. 7 LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código Revisto, 2.ª edição,

Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 16, nota 13. 8 REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 118.

de interesses e direitos contrapostos dos litigantes, diferentemente da apelidada

jurisdição voluntária, que visa essencialmente promover a realização de interesses

privados não organizados em conflito. Será o caso dos processos que visam o exercício

de direitos sociais e este outro processo de tutela da personalidade9-10.

A estas considerações acresciam duas outras vantagens em situar a tutela da

personalidade humana neste capítulo do CPC: por um lado, critérios de decisão postos à

disposição do Tribunal gozam de carta de alforria relativamente aos critérios de

legalidade estrita, uma vez que aqueles pautam-se por juízos de oportunidade ou de

conveniência na prolação das suas resoluções assim melhor adequadas ao caso concreto;

por outro, o princípio do inquisitório é mais intenso, em particular no domínio da

instrução probatória. O que também se justifica, de certo modo, em atenção à

verificação de lesões eminentes e irreversíveis, bem como à eventual urgência que

impuser o decretamento de providência sem prévia audiência da parte contrária.

A recolocação desta tutela jurisdicional da personalidade humana nos processos

especiais situados formalmente fora da jurisdição voluntária — se bem que supondo um

conflito de interesses e uma lógica processual adversarial — não afasta, porém, a

necessidade de o tribunal determinar “o comportamento concreto a que o requerido fica

sujeito” (n.º 4 do artigo 879.º), bem como a eventual revisão ou alteração da decisão

provisória decretada pelo tribunal “quando o exame das provas oferecidas pelo

requerente permitir reconhecer a possibilidade de lesão iminente e irreversível da

personalidade física ou moral” (n.º 5 do artigo 879.º).

1. O OBJECTO DA PROTECÇÃO: A PERSONALIDADE HUMANA. —

A nova redacção proposta para o artigo 978.º inspira-se no artigo 109.º, n.º 1, do Código

de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais.

9 Já, neste sentido, LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa, 2.ª edição, 2011, cit., p. 16, nota 3, tal como os processos que visam o exercício de direitos sociais.

10 Esta conclusão conduz-nos a uma outra consequência, qual seja a da validade de convenção de arbitragem que atribua a tribunal arbitral competência para apreciar e julgar uma alegada ofensa à personalidade humana, mesmo que as partes não tenham acordado que esse julgamento possa ocorrer com recurso à equidade. Além disto, avulta uma outra consequência: o juiz, caso aprecie e julga o litígio no âmbito de um poder vinculado, de modo que não pode, discricionariamente, investigar ou ordenar a realização de diligências para além das que possam ser enquadradas no pedido do autor e nas ocorrências da vida real por este alegadas.

No essencial, esta proposta tenta resolver os desafios colocados pelo n.º 5 do

artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa no que tange às providências cíveis

destinadas à defesa de direitos de personalidade (ou do direito geral de personalidade,

como muitos preferem). Muitos direitos fundamentais são direitos especiais de

personalidade; mas há direitos fundamentais tipificados que somente podem ser

civilmente enquadrados mediante o recurso ao direito geral de personalidade (v.g.,

identidade e autodeterminação genética e informativa).

De acordo com o n.º 2 do art. 70.º do Código Civil, no domínio da tutela dos

direitos de personalidade, um alegado lesado desfruta do direito de solicitar

providências tendentes a evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa

já cometida. Para alcançar essa forma de tutela até ao advento do novo Código de

Processo Civil, os meios processuais ajustados eram, independentemente da

responsabilidade civil a que haja lugar, o procedimento cautelar comum e o processo

especial de jurisdição voluntária previsto nos arts. 1474º e 1475º do CPC, no qual, além

da intimação ao lesante para que cesse a conduta ofensiva dos seus direitos, podia o

lesado requerer uma multiplicidade de providências que consistam na imposição ao

lesante de actuações positivas. Estas providências eram (e continuarão a ser) decretadas

a título definitivo e não simplesmente provisório, como decorreria da tutela cautelar11.

O regime jurídico constante do novo código de Processo Civil privilegia, como

se vê, uma tutela definitiva processual geral da personalidade humana fora das

pretensões indemnizatórias. De facto, o autor fica impedido, face a uma violação

iminente ou consumada de direitos de personalidade, de cumular, no âmbito deste

processo especial, o pedido de condenatório na abstenção de conduta ou na cessação de

comportamento com um pedido indemnizatório de reparação dos danos12.

Daí que a revogação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1475.º do CPC de 1961 visa

confirmar o alcance geral da tutela dos bens da personalidade, para a qual é supérfluo e

contraproducente prever, para os casos particulares actualmente referidos nestes dois

números, regras relativas à legitimidade processual passiva.

11 Acórdão do STJ, de 2/7/2009 (SANTOS BERNARDINO), proc. n.º 09B0511, in: http://www.dgsi.pt.

12 As pretensões indemnizatórias deverão ser deduzidas com base em responsabilidade civil extracontratual ou delitual, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, em acção com processo comum. Em sentido próximo, cfr. o acórdão do STJ, de 26/06/2007 (URBANO DIAS), proc. n.º 07A2022, in: http://www.dgsi.pt.

Convém precisar que — sem recearmos infringir o núcleo essencial do princípio

da igualdade — esta tutela processual especial somente aproveita às pessoas

humanas13.

Como é sabido, às pessoas colectivas é admissível o reconhecimento de

conteúdos devidamente adaptados do direito geral de personalidade das pessoas

humanas, que não sejam inseparáveis destas últimas e se mostrem compatíveis com a

natureza das pessoas colectivas e, portanto, se surpreendem como direitos necessários

13 Às pessoas humanas e, provavelmente, aos nascituros já concebidos nas pretensões de tutela

da sua personalidade e da spes vitae que incarnam, ainda que esta tutela seja qualificada, por muitos autores, como uma tutela fraccionada ou fragmentária. O n.º 2 do artigo 71.º do Código Civil, que desfruta de um alcance instrumental em relação ao que se prescreve no seu n.º 1, determina as pessoas com legitimidade processual para requererem as providências previstas no n.º 2 do artigo anterior, quais sejam: o cônjuge sobrevivo, os descendentes, os ascendentes, os irmãos, os sobrinhos ou herdeiros do falecido. Resulta deste normativo que a legitimidade a que se reporta desconsidera a posição jurídica de herdeiro em relação à pessoa falecida à qual foi dirigida a ofensa, mas tem por relevante a proximidade familiar ou presumivelmente afectiva. A referida legitimidade inscreve-se na titularidade das pessoas mencionadas naquele normativo, isto é, trata-se, segundo creio, de interesses em agir próprios funcionalmente dirigidos à protecção de vertentes da personalidade do defunto, que, por força da lei, dele se destacaram ou separaram para além da morte. O referido normativo circunscreve a mencionada legitimidade processual dos vivos para proteger a memória dos mortos às providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da que já esteja consumada. É uma limitação que exclui a primeira parte do n.º 2 do artigo 70.º do Código Civil, ou seja, a que se refere à salvaguarda da responsabilidade civil a que haja lugar. Daqui resulta, da conjugação das normas dos n.ºs 2 do artigos 70.º e 71.º do Código Civil, a conclusão no sentido de que as pessoas legalmente legitimadas para requerer as aludidas providências não o são para formular algum pedido de indemnização ou de compensação no quadro da responsabilidade civil, seja com base na ofensa à pessoa falecida, seja por virtude de sofrimento próprio derivado dessa ofensa. Neste sentido, acórdão do STJ, de 18/10/2007 (SALVADOR DA COSTA), proc. n.º 07B3555, in: http://www.dgsi.pt. Igualmente, no sentido de que o n.º 2 do artigo do Código Civil tutela um interesse próprio de pessoas vivas contra a ofensa à dignidade de um seu parente já falecido e o respeito pelos mortos, “como valor ético e subjectivamente a defesa da inviolabilidade moral dos seus familiares e herdeiros”, cfr. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 51-52; JOÃO DE CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito civil, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Vol. I, 1978, pp. 100-101; LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral d Direito Civil, Vol. I, 3.ª edição, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2001, p. 205; CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, por PINTO MONTEIRO/PAULO MOTA PINTO, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 211; PAULO MOTA PINTO, “O Direito à Reserva sobre a Intimidade sobre a Vida Privada”, in: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 69, 1993, p. 555 ss., nota 184. Aos animais não humanos não aproveita, directamente, esta tutela processual. Porém, não obstante os seres humanos tenham ponderosos deveres para com os outros animais, há bens de personalidade cuja realização adequada passa pelo contacto do titular desses bens com animais (maxime, de companhia), cuja privação ou condicionamento de acesso ou utilização pode desencadear esta tutela processual.

ou convenientes à prossecução dos seus fins, tais como o direito ao bom nome, o direito

de associação, a inviolabilidade da sede, o segredo de correspondência e de

telecomunicações. Inclusivamente, deve admitir-se a reparação de danos não

patrimoniais a pessoas colectivas quando exista ofensa ao crédito ou ao bom nome14.

Todavia, mesmo que as ofensas deste tipo fossem dirigidas a pessoas humanas, a

reparação dos danos somente poderá ser lograda no quadro de acções de

responsabilidade civil com processo comum.

Observe-se, desde já, que o facto voluntário e ilícito que pode estar na origem do

decretamento destas providências não implica que haja culpa por parte do demandado,

nem que da ofensa ou da ameaça de ofensa da personalidade resultem danos para o

autor. A produção destes danos é indispensável em acções de responsabilidade civil

onde se peticionam indemnização, não sendo, como referi, requisito da tutela processual

especial da personalidade prevista no CPC.

IV. CARACTERÌSTICA GERAIS DAS AMEAÇAS OU DAS OFENSAS

JÁ CONSUMADAS E DO PROCESSO ESPECIAL DE TUTELA DA

PERSONALIDADE. — Na redacção do n.º 1 do artigo 878.º estão em causa as

providências cíveis de prevenção e de sancionamento de ameaças de ofensas à

personalidade humana.

Embora o casuísmo seja inabarcável, visa-se, por exemplo, a proibição ou a

inibição:

- de acesso a registos de informações ou dados da vida privada;

- de utilização, reprodução ou divulgação abusiva de imagem alheia;

- de publicação não autorizada, de cartas ou outros escritos confidenciais;

- da realização de reunião ou assembleia;

- da publicação de livros, filmes ou outras criações intelectuais lesivas de direito

de autor ou contenham graves ofensas à identidade ou à honra;

- da colocação de máquinas ou maquinismos produtores de ruídos, cheiros,

fumos, etc.).

14 FILIPE ALBUQUERQUE MATOS, Responsabilidade Civil por Ofensa ao Crédito ou ao Bom Nome, Coimbra, Almedina, 2011, p. 363 ss.; MARIA MANUELA VELOSO, “Danos não patrimoniais a sociedade comercial?”, in: Cadernos de Direito Privado, n.º 18, 2007, p. 29 e ss.

- de condutas alegadamente ofensivas da honra, bom nome ou reputação (v.g.,

proibir que o demandado se aproxime a menos de X metros do autor ou de certo local,

ou a não contactar com o autor; de não remeter, por escrito, oralmente ou outra forma,

comunicação cujo conteúdo seja injurioso para o autor; de não se manifestar em público

sobre factos ou circunstâncias íntimas ou vexatórias para o autor; de ordenar ao

demandado para se abster em perturbar a liberdade de determinação e de movimentos

do autor e o seu sossego e a tranquilidade, designadamente, cessando de imediatamente

os telefonemas e o envio de mensagens ou quaisquer manifestações junto do domicílio

daquele15, etc.)

Ademais, estou a pensar, igualmente, nas providências civis de atenuação (ou de

cessação imediata) de ofensas já consumadas, como, por exemplo:

- a cessação de captações sonoras ou audiovisuais;

- a eliminação de registos ou de ficheiros, em linha, fora de linha, materiais ou

digitais;

- a cessação da ofensa ao direito moral de autor;

- a apreensão, destruição ou inutilização de imagens ou fotografias ilicitamente

captadas;

- a eliminação de cheiros, ruídos ou fumos;

- a imposição do dever de intervir, com pessoal qualificado para lidar com

multidões, dentro dos espaços de entrada e saída do edifício onde funciona

estabelecimento de diversão, de serviços religiosos, ou de prática de desporto, bem

como nos respectivos parques de estacionamento, a fim de evitar a causação de ruídos

que excedam os permitidos pela lei16, ou outros comportamentos que perturbem o

descanso do autor17;

- a condenação na declaração de desmentido;

- a condenação na publicação de rectificação ou de divulgação de escrito;

15 Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 27/10/2010 (HENRIQUE ANTUNES), proc. n.º 18645/10.9T2SNT.L1-2, in http://www.dgsi.pt.

16 É claro que estes limites definidos na lei apenas são os considerados como os razoáveis, perante uma situação normal. Isso não significa que tais ruídos não provoquem danos em determinadas pessoas (v.g., ansiedade, dificuldade em adormecer, irritação, cansaço). Se tal suceder, o autor da providência de tutela da personalidade, poderá obter uma reparação pecuniária. Todavia, só pode fazê-lo no quadro de uma acção com processo comum.

17 Cfr., em concreto, o recente acórdão da Relação de Guimarães, de 24/4/2012 (ESPINHEIRA

BALTAR), proc. n.º 1116/05.2TBEPS.G1, in: http://www.dgsi.pt.

- a condenação na cessação de ofensas à vida, integridade física, bom nome,

reputação, identidade ou intimidade da vida privada, ou à liberdade das pessoas;

- a condenação na cessação da ofensa a outros bens pessoais não tipificados,

protegendo aspectos da personalidade cuja lesão ou ameaça assumem um significado

ilícito com a evolução da ciência e da tecnologia (v.g., identidade e autodeterminação

genética, autodeterminação informacional, etc.).

- a condenação na comunicação de factos a terceiros, ou de publicação nos

meios de comunicação social, etc.).

Observe-se que a circunstância dos factos imputados ao demandado também

assumirem natureza criminal não deve impedir a tutela por meio destas providências

cíveis, nem, tão pouco, obsta à tutela por via de providências cautelares18. Não se

verifica a consumpção da tutela cível dos direitos de personalidade pela tutela penal.

Até porque algumas das condutas para cuja inibição se pede a condenação do tribunal

não constituem factos típicos criminalmente puníveis.

Decisivo para o efeito da boa ou da má qualificação da medida de tutela da

personalidade requerida, quer nos termos do art. 70.º do Código Civil, quer nos termos

do art. 381.º do C.P.C., é a sua adequação às concretas circunstâncias do caso, de

modo a assegurar a efectividade do direito ameaçado ou a remoção da lesão já

consumada19.

Por vezes, é aconselhável pedir e dotar a condenação de inibição em conduta

imposta ao lesante (obrigação de non facere) com um amplo espectro, susceptível de

abranger um amplo leque de possíveis actividades lesivas. É, por vezes, desaconselhável

pedir e condenar em específicos deveres de fazer ou de não fazer. Essa amplitude

justifica-se, não raras vezes, pelo carácter não vinculado dos comportamentos lesivos

18 No sentido em que a circunstância de os factos também assumirem uma natureza criminal não

é de molde a recusar a providência cautelar, cfr., neste sentido, o recente acórdão da Relação de Coimbra, de 15/05/2012 (JORGE ARCANJO), proc. n.º 322/12.8T2AVR.C1, in: http://www.dgsi.pt.; já, assim, no mesmo sentido, por ex., Acórdão da Relação de Lisboa, de 18/9/2007 (FOLQUE MAGALHÃES), proc. n.º 6973/2007; idem, de 27/10/2010 (HENRIQUE ANTUNES), proc. n.º 18645/10.9T2SNT.L1-2, in http://www.dgsi.pt.

19 Neste sentido, cfr. o citado acórdão da Relação de Lisboa, de 29/07/2009 (FOLQUE

MAGALHÃES), proc. n.º 6973/2007-1, in: http://www.dgsi.pt.

dos direitos para cuja tutela é decretada a medida de tutela da personalidade20. É que

esta medida de tutela dos bens da personalidade deve ser decretada em função do

resultado dos comportamentos (do lesante) para cuja prática o tribunal determine uma

proibição.

De resto, é inquestionável, tanto hoje como no passado, a faculdade de

peticionar e impor sanção pecuniária compulsória por cada conduta ou comportamento

judicialmente proibido ou inibido, uma vez que o efeito jurídico pretendido pelo autor,

nestes processos de tutela da personalidade, consiste, as mais das vezes, em prestações

de facere ou de non facere.

1. OFENSA DIRECTA E ILICITUDE DA OFENSA. — A ofensa deverá ser

ilícita e tais factos devem violar a personalidade juridicamente tutelada. Por outro lado,

exige-se a adequação da providência cível às circunstâncias de cada caso concreto,

mesmo que não tipificadas no artigo 70.º do Código Civil. Pode discutir-se, no que às

providências cíveis preventivas diz respeito, se deve ser significativo o mal cominado e

ponderável o receio ou o medo pela sua cominação.

O exigir-se que a ameaça à personalidade humana seja directa visa impedir a

protecção, por esta norma, das agressões patrimoniais das quais resultem danos não

patrimoniais.

2. A GRAVIDADE DA AMEAÇA E A DISPENSA DE CULPA DO

DEMANDADO. — Embora não se proponha, expressamente, que a ameaça seja grave,

a doutrina (Profs. PESSOA JORGE21, RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA22) já se

encarregou de esclarecer que deve ser significativo o mal cominado e ponderável (ou

razoável) o receio, o medo ou a perturbação pela sua cominação — por,

20 Com efeito, uma enumeração precisa e minuciosa ou uma descrição típica das condutas

objecto da condenação (maxime, em inibição) permite mais facilmente ao lesante tornear a condenação em obrigação de não fazer.

21 FERNANDO PESSOA JORGE, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1968, p. 387, sustentando que a ameaça deve ter um mínimo de gravidade.

22 RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 475.

designadamente, a própria ameaça, em si mesma, poder ser fonte de perturbação ou de

humilhação do ameaçado.

Note-se, porém, que, pretendendo o lesado obter uma indemnização por danos

(patrimoniais e não patrimoniais), está-lhe apenas aberta a via da instauração de uma

acção de condenação com processo comum — quer a fonte do dever de indemnizar seja

a responsabilidade civil pelo risco ou a responsabilidade civil por factos lícitos.

O facto jurídico voluntário e ilícito de que pode resultar o actuar desta tutela

processual especial da personalidade humana não importa a verificação de culpa por

parte do demandado23, já que os pressupostos das providências previstas no.º 2 do artigo

70.º do Código Civil e actuadas processualmente por meio deste processo especial não

se confundem com os pressupostos da responsabilidade civil consignados no artigo

483.º do mesmo Código.

3. FUNGIBILIDADE POR PROVIDÊNCIA CAUTELAR INOMINADA?

— O processo de tutela da personalidade já constituía, no quadro do CPC de 1961, uma

verdadeira acção e não um procedimento cautelar. Era, por isso, já então admissível a

antecipação da tutela jurisdicional que se dispensa à personalidade através do

decretamento de uma providência cautelar24. Com o que assim temos, ainda que em

moldes diversos dos que estão actualmente previstos no denominado regime processual

civil experimental (art. 16.º do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de Junho), a convolação

de um meio de tutela cautelar num meio de tutela final, com valor de sentença final25.

Essa providência bem pode ser, naturalmente, uma providência cautelar não

especificada ou inominada. E a providência cautelar inibitória repressiva pode, hoje, ser

solicitada como mecanismo instrumental relativamente a uma acção principal provida

23 RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito geral de Personalidade, cit., 1995, p. 473; Já

assim, MANUEL DE ANDRADE, “Esboço de um Anteprojecto de Código das Pessoas e da Família. Parte relativa ao começo e termo da personalidade jurídica, aos direitos de personalidade e ao domicílio”, in: Boletim do Ministério da Justiça, n.º 102.º, p. 156, § 2 do art. 6.º do Anteprojecto.

24 RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, cit., 1995, pp. 485-488.

25 REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª edição, 2011, cit., p. 183; RUI PINTO, Critérios judiciais de convolação não homogénea pelo art. 16º do Regime Processual Civil Experimental, in: http://www.fd.ul.pt/LinkClick.aspx?fileticket=yrGXkKzX_9k%3D&tabid=332, p. 6 ss.

de finalidade reparatória, ou seja, que tenha por objecto, a mais do direito acautelado, a

indemnização do dano sofrido pelo titular do direito de personalidade imputável à

actuação do demandado.

Sendo esse o caso, deve, no entanto, exigir-se, para o seu decretamento, a

verificação dos respectivos pressupostos. Na verdade, para evitar a demora na obtenção

das providências jurisdicionais definitivas, é legítimo instaurar procedimentos

cautelares, de forma a acautelar o efeito útil das acções de responsabilidade civil e

acções especiais de tutela da personalidade; e é também verdade que, neste caso,

sobressaem as providências cautelares inominadas, atenta a sua maleabilidade e

adequação26.

Todavia, mesmo que as providências cautelares possam, de iure condendo,

antecipar a decisão final sobre o mérito da causa, por meio do mecanismo da inversão

do contencioso27, o certo é que nelas o tribunal somente pode ser suscitado a intervir

uma vez verificados os requisitos gerais (fumus boni iuris, periculum in mora,

proporcionalidade, adequação).

A alteração do regime da tutela jurisdicional da personalidade humana, agora

vazada no novo Código de Processo Civil, dispensa, pelo contrário, a alegação e prova

dos requisitos exigíveis para o decretamento de uma providência cautelar. De facto,

26 RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral da Personalidade, cit., 1995, p. 485 ss. 27 Nos termos da proposta de redacção do artigo 369.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil: 1 – Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o

requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

2 – A dispensa prevista no número anterior pode ser requerida até ao encerramento da audiência final; tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada.

3 – Se o direito acautelado estiver sujeito a caducidade, esta interrompe-se com o pedido de inversão do contencioso, reiniciando-se a contagem do prazo a partir do trânsito em julgado da decisão proferida sobre a questão. No mais, de acordo com o n.º 1 do artigo 371.º, deste novo CPC: “ Sem prejuízo das regras sobre a distribuição do ónus da prova, logo que transite em julgado a decisão que haja decretado a providência cautelar e invertido o contencioso, é o requerido notificado, com a admonição de que, querendo, deverá intentar a acção destinada a impugnar a existência do direito acautelado nos 30 dias subsequentes à notificação, sob pena de a providência decretada se consolidar como solução composição definitiva do litígio”.

esta tutela não deve ser confundida com aquela outra28. A vantagem reside, desde logo e

como veremos, na tramitação relativamente célere do novo processo (da renovada

acção) de tutela da personalidade, o qual não exige a alegação e demonstração sumária

do periculum in mora e do fumus boni iuris.

Quando for, na verdade, de entender que a situação controvertida de direito de

personalidade pode ser composta (provisoriamente, de uma forma tendencial) por via

cautelar (por exemplo, o lesado pretende fazer cessar a consumação da lesão e

peticionar, na acção principal, uma indemnização pelos danos), esta deve ser a escolha,

em detrimento do meio processual especial cuja fisionomia e configuração é agora

intrduzido. De facto, o efeito útil pretendido pelo alegado lesado (scilicet, o pedido

formulado pelo autor) ao lançar mão deste renovado meio de tutela da personalidade

humana não pode consistir na condenação no pagamento de uma quantia a título de

indemnização pelo dano sofrido. Será, no entanto, de admitir que os interessados terão

maior interesse em lançar mão deste processo especial — atenta a tramitação célere

com que ficará dotado e com o regime recursório a ser processado com urgência —,

relativamente à instauração de providência cautelar.

A tutela jurisdicional especial da personalidade humana agora consagrada pode

actuar cumulativamente com outros instrumentos de tutela, contanto que não se

verifiquem situações de litispendência. Esta urgência processual, proposta nos n.ºs 5 e 6

do artigo 879.º deve corresponder à fonte de perigo, pelo que a especial celeridade da

tramitação processual agora proposta deve ser recusada quando não sua base se

identifique incúria em não recorrer previamente a tribunal a fim de defender a

personalidade, ou seja, sempre que se identifiquem situações culposamente tornadas

urgentes. Na verdade, o autor não pode tornar urgente o que, se tivesse adoptado uma

conduta diligente, teria sido possível alcançar em tempo útil.

Importa acentuar que a tutela da personalidade humana agora proposta visa ser

uma tutela tendencialmente rápida e contundente do exercício legítimo de direito de

personalidade face a qualquer tipo de ameaças, restrições, lesões, violações

provenientes de acção ou de omissão.

28 Isto não obstante no regime vigente já se admitir que a tutela da personalidade, por via do

artigo 1474.º e ss. do CPC, pode ser cumulada com pedido de providência cautelar cível, em particular, se for visada a antecipação dessa tutela — cfr., inter alia, Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/10/2010 (ANTUNES HENRIQUES), proc. n.º 18645/10.9T2SNT.L1-2, in: http://www.dgsi.pt.

Esta urgência na tutela da personalidade humana manifesta-se, como é bom de

ver, em função do facto temporal, no sentido em que se cura, designadamente, de

situações cujo desenvolvimento ou produção de efeitos:

- Está sujeito a um curto período de tempo;

- Diz respeito a direitos que devem ser exercitados num prazo certo ou em datas

fixas (v.g., situações conexas com eleições para orgãos de entes privados; situações

decorrentes de limitações ao exercício de direitos de personalidade num certo dia ou

data próxima).

- Respeita a actos ou comportamentos que devem ser realizados numa data fixa

próxima ou num período de tempo determinado.

V. A TRAMITAÇÃO. — A sequência dos actos plasmada na nova redacção do

artigo 879.º inspira-se, de uma forma ténue, no disposto no artigo 111.º do Código de

Processo nos Tribunais Administrativos. Procedeu-se, no entanto, à articulação deste

trâmite com a tramitação prevista no artigo 400.º do CPC, em matéria de alimentos

provisórios.

Os meios de prova devem ser logo apresentadas no requerimento destinado a

assegurar esta tutela tendencialmente urgente da personalidade e que o demandado

ofereça a contestação na própria audiência, se a conciliação não puder ser aí lograda.

Note-se, porém, que, salvo quando ocorra uma situação de lesão iminente e

irreversível da personalidade física ou moral, o tribunal deve ter cuidado de não marcar

a audiência para uma data muito próxima à apresentação da petição. Faz-se necessário

que o exercício do contraditório seja exercido de uma forma eficaz. Deve assim, no

caso, a audiência ser marcada, no mínimo, para uma data não inferior a 20 dias, a contar

da citação do demandado, à semelhança do que se dispõe expressamente no n.º 6 do

artigo 879.º; isto se for entendido que o prazo para apresentar a defesa não deve ser

determinado pelo regime geral, que prevê um prazo de 10 dias.

Na verdade, no que se refere à audição do demandado, propôs-se uma

tramitação bipartida:

(1) tendencialmente urgente (n.ºs 1 a 3); e com

2) especial urgência (n.º 5).

Julga-se adequado prever a prolação de despacho liminar. O indeferimento

liminar pode ocorrer por qualquer uma das circunstâncias previstas no artigo 226.º, n.º

4, do novo CPC (anterior artigo 234.º-A, n.º 1, do CPC de 1961).

A proposta de redacção do n.º 6 visa acautelar aquelas situações em que, nas

situações de especial urgência — atenta a possibilidade reconhecida de lesão eminente

e irreversível29 — não é possível, ou não se mostra aconselhável ouvir o demandado

antes de o tribunal decidir. Nesses casos, o tribunal não pode logo formar uma

convicção segura sobre os contornos ou as singularidades da lesão ameaçada ou

consumada quanto à sua existência, extensão e intensidade. Assim, se o tribunal proferir

uma decisão provisória, esta será sujeita a posterior confirmação ou alteração nos

próprios autos30.

Este regime não se deve aplicar, já se vê, às eventualidades em que a lesão

ameaçada ou em vias de ser consumada se esgota num único acto, irrepetível, cuja

abstenção ou prática, por parte do demandado, se verifica num momento temporal de tal

maneira próximo à instauração da acção, que torna inviável, em concreto, a prolação de

uma decisão provisória.

VI. A IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO E O REGIME DA EXECUÇÃO. —

Atente-se que a impugnação da decisão final — de indeferimento ou de provimento —

29 Independentemente da ocorrência de circunstâncias posteriores à decisão ou anteriores, que

não tenham sido alegadas, por ignorância ou outro motivo ponderosos. 30 Esta decisão, já no quadro da proposta da Comissão de Revisão do Processo Civil, não é

susceptível de recurso (ordinário). Com efeito, uma vez que se trata de uma decisão provisória susceptível de alteração ou de confirmação fora do esquema dos procedimentos cautelares, julga-se que, do ponto de vista da economia processual — até porque o recurso de apelação interposto desta decisão provisória gozaria de efeito meramente devolutivo (artigo 647.º, n.ºs e 3, do novo CPC; artigo 691.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC de 1961) —, a faculdade jurídica de impugnação fará mais sentido se o objecto do recurso for a decisão final da 1.ª instância que tenha confirmado ou revogado a decisão provisória. Julga-se que entre uma e a outra decisão não deverá decorrer um lapso de tempo significativo em termos de o seu transcurso ser susceptível de ofender substancialmente o “núcleo essencial” do direito de acção na modalidade do direito de impugnar as decisões em que o recorrente se acha vencido. De resto, mesmo no seio dos procedimentos cautelares, está vedado o recurso autónomo de decisões interlocutórias, excepto se estiverem abrangidas pelo disposto no artigo 647.º, n.º 3, alínea d), do novo CPC (correspondente, cum grano salis, ao antigo artigo 691.º, n.º 2, alínea l), do CPC de 1961). Cfr. ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, 5. Procedimento Cautelar Comum, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2010, pp. 267-268.

não segue o regime das providências cautelares31, uma vez que nos situamos no

domínio dos processos especiais.

Uma outra alteração, constante do n.º 1 do artigo 880.º, consiste em conferir a

natureza urgente aos recursos interpostos da decisão final32. Embora pudesse ter sido

proposta a atribuição de natureza urgente a todo o processado na 1.ª instância,

ponderou-se o risco de a generalização desta urgência desembocar na ... falta dela,

atenta a inflação de processos que, actualmente, são tramitados com preferência

relativamente a outros (maxime, providências relativas a menores, procedimentos

cautelares, acção de despejo). De resto, ocorrendo a possibilidade de lesão iminente e

irreversível, o novo regime do n.º 5 do artigo 879.º já permite a prolação de uma decisão

(provisória) no mais curto espaço de tempo.

No que respeita à execução coerciva dos deveres de facere (de non facere ou,

eventualmente de dare coisas diferentes de prestações pecuniárias) decretados pelo

tribunal, a Comissão de Revisão optou pela desnecessidade de instauração de uma

acção executiva autónoma, mesmo que por apenso, mas apenas nos casos em que a

medida executiva integrar a própria realização da providência de tutela da

personalidade, designadamente nas situações de falta de cumprimento voluntário de

obrigações de dare (maxime, a apreensão de objectos, com ou sem restituição ou

entrega ao autor). Uma vez que tais situações não constituem a maioria, a execução

coerciva de deveres de facere — (in)fungíveis — positivos ou negativos, em que os

demandados tenham sido condenados implicam o recurso à acção executiva, por isso

mesmo que se faz mister a cooperação espontânea do obrigado e este não efectua a

prestação ou viola a obrigação negativa; outrossim, a realização coerciva da falta de

pagamento da sanção pecuniária compulsória implica a instauração de execução para

pagamento de quantia certa33, embora a quantificação (liquidação) do montante

31 Desde logo, o recurso de apelação interposto da decisão que indefira liminarmente a

providência cautelar ou não a ordene desfruta de efeito suspensivo (artigo 647.º, n.º 3, alínea d), do novo CPC).

32 Isto significa que a tramitação do recurso de apelação, interposto da decisão final, no tribunal a quo e no tribunal ad quem precede qualquer outro serviço judicial não urgente.

33 Note-se, ainda, que, com base na proposta da Comissão de Revisão do Processo Civil — tendo em vista suprimir, tanto quanto possível, os obstáculos à cumulação de execuções quando os seus fins sejam diferentes —, o n.º 4 do artigo 626.º do novo CPC dispõe agora que: “Se o credor, conjuntamente com o pagamento de quantia certa ou com a entrega de uma coisa, pretender a prestação de um facto, a notificação prevista no n.º 2 do artigo 868.º é realizada em conjunto com a notificação do executado

exequendo se deva processar, previamente à execução, nos autos da acção declarativa

especial — e por incidente —; antes, portanto, da propositura desta outra acção

executiva, nos termos dos artigos 358.º, n.º 2, e 360.º, n.º 3, ambos do novo CPC.

Ao invés, neste domínio, julgou-se mais adequada uma aproximação ao regime

da execução das providências cautelares (art. 375.º, in fine, do novo CPC); vale dizer,

consagra-se a execução nos próprios autos, sempre que a medida executiva de

reintegração da tutela da personalidade já concedida integrar a realização da providência

decretada34. O que significa a desnecessidade, nestas eventualidades — que serão as

mais comuns — de apresentação de requerimento executivo, designação de agente de

execução, remessa dos autos a este agente, etc. O oficial de justiça desempenhará, por

conseguinte, a função de agente de execução. Por outro lado, a execução da providência

concretamente decretada é oficiosa. Todavia, de harmonia com as regras gerais do

dispositivo, o requerente da providência ficará salvo de requerer que esta execução não

seja efectuada, já que estamos perante direitos disponíveis.

para deduzir oposição ao pagamento ou à entrega”. E para dar consistência e celeridade a este regime de cumulação de execuções, se forem diversas as medidas decretadas de tutela da personalidade, propôs-se, ademais, que: “Se a execução tiver por finalidade o pagamento de quantia certa e a entrega de coisa certa ou a prestação de facto, podem ser logo penhorados bens suficientes para cobrir a quantia decorrente da eventual conversão destas execuções, bem como a destinada à indemnização do exequente e ao montante devido a título de sanção pecuniária compulsória” (n.º 5 do artigo 626.º do novo CPC).

Este regime compreende-se, de resto, à luz da redacção do artigo 710.º do novo CPC, segundo o qual “Se o título executivo for uma sentença, é permitido cumular a execução de todos os pedidos julgados procedentes”. Ora, o vocábulo sentença — há muito usado no artigo 46.º, n.º 1, alínea a), do CPC de 1961 —, abarca as decisões condenatórias proferidas por tribunais colectivos (acórdãos), as decisões proferidas por tribunais arbitrais, as decisões condenatórias proferidas por tribunais estaduais estrangeiros, as decisões condenatórias proferidas por orgãos jurisdicionais de organizações internacionais (p. ex., no âmbito do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 35/92, in: Diário da República, 1.ª Série-A, n.º 291, 3.º Suplemento, de 18/12/1992: art. 110.º do referido Acordo; as decisões proferidas pelo Orgãos de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre — EFTA —, pelo Tribunal da Associação Europeia do Comércio Livre, pela Comissão Europeia, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e pelo Tribunal Geral), os despachos e — no que ao caso interessa — as decisões proferidas em sede de procedimentos cautelares. Cfr. LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma, 5.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 48; REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 57-59, pp. 64-65.

34 Para a execução de providências cautelares, cfr. LEBRE DE FREITAS/MONTALVÃO MACHADO/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 67-68; ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 4.ª edição, 2010, cit., pp. 263-264.

Nos demais casos, a execução seguirá os termos gerais do processo executivo

comum (na forma sumária, de harmonia com as propostas de alteração da acção

executiva, já que o executivo é uma decisão judicial)35.

VII. CONCLUSÃO. — A novo regime processual de tutela jurisdicional da

personalidade humana pretende alargar, não apenas o sector normativo dos ilícitos a

ofensas de bens pessoais tipificados e não tipificados, para cuja protecção o direito de

acção visa demonstrar que a eficácia irradiante dos direitos de personalidade está, hoje

mais do que nunca, processualmente dependente, como também revitalizar este

mecanismo processual, por via da concessão de uma maior celeridade à sequência dos

actos destinada, ainda assim, a lograr uma composição definitiva do litígio.

Esta tutela apresenta-se substancialmente como um processo que tem na sua

base um conflito de interesses. Lembre-se que alguns processos formalmente

disciplinados no âmbito da denominada jurisdição voluntária comungam de uma lógica

adveersarial e supõem um verdadeiro conflito de interesses. Isto permite que o Tribunal

possa resolver tais litígios numa lógica adversarial, seja quando se está perante uma

colisão ou conflito de direitos, seja quando nos situamos face à determinação do

conteúdo e limites de direitos de personalidade invocados pelos litigantes.

Por outro lado, embora seja claro que esta tutela processual não é uma tutela

indemnizatória, o regime processual agora consagrado evitará, em muitos casos, a

instauração de providências cautelares inominadas para a tutela destes bens pessoais,

atenta a sequência dos actos — assim adequada a direitos que devem ser exercidos num

prazo certo ou em datas fixas próximas, ou cujo desenvolvimento e produção de efeitos

está sujeito a um curto período de tempo — e a desnecessidade de alegar e demonstrar

sumariamente o fumus boni iuris e o periculum in mora.

35 Nos termos do artigo 550.º, n.º 2, alínea a), do novo Código de Processo Civil “Emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas: a) Em decisão arbitral ou judicial nos casos especiais em que esta não deva ser executada no próprio processo”. Por outro lado, ao abrigo do artigo 626.º, n.º 1, do novo CPC: “A execução da decisão judicial condenatória inicia-se mediante simples requerimento, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 724.º e seguintes, salvo nos casos de decisão judicial condenatória proferida no âmbito do procedimento especial de despejo”. Mas, nos termos do n.º 2 deste artigo 626.º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária (acção executiva com processo sumário), havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora.

Ao que acresce a possibilidade de o tribunal poder decretar decisão provisória

— exactamente uma decisão independente da verificação destes últimos pressupostos da

tutela cautelar — quando não possa formar uma convicção segura sobre a existência,

extensão ou intensidade da ameaça ou da consumação da ofensa ou se a especial

urgência derivada da ameaça ou da sua consumação impuserem, à luz do princípio da

necessidade, o decretamento de tal decisão provisória.

De igual sorte, a execução coerciva dos deveres de dare coisas (maxime,

apreensão de objectos, com ou sem restituição ou entrega ao autor) processa-se nos

próprios autos, sempre que a medida executiva integra a própria realização da

providência de tutela da personalidade e tem lugar nos próprios autos. O que —

concede-se — muitas vezes não ocorrerá. De facto, a execução coerciva de deveres de

facere (in)fungíveis (positivos ou negativos) implicará, as mais das vezes, a necessidade

de dedução de acção executiva. Se a decisão for acompanhada do decretamento de

sanção pecuniária compulsória, a execução coerciva deste dever de prestar as quantias

pecuniárias em dívida implica a instauração de uma acção executiva para pagamento de

quantia certa, mas a quantificação do montante exequendo processa-se previamente nos

autos e antes da propositura desta outra acção executiva (artigos 358.º, n.º 2, e 360.º, n.º

3, ambos do novo CPC).

Por último, o conferir a natureza urgente aos recursos interpostos da decisão

final transporta para a instância superior a celeridade que se espera instilar no tribunal a

quo.

Coimbra, Maio de 2013.