algumas notas sobre compostos em pb e em...

22
Algumas notas sobre Algumas notas sobre compostos em PB e em compostos em PB e em LIBRAS LIBRAS Maria Cristina Figueiredo Silva (UFSC/CNPq) Fabíola Ferreira Sucupira Sell (IES/UNIFEBE/Grad.UFSC)

Upload: lenhi

Post on 10-Nov-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Algumas notas sobre Algumas notas sobre compostos em PB e em compostos em PB e em

LIBRASLIBRASLIBRASLIBRAS

Maria Cristina Figueiredo Silva (UFSC/CNPq)

Fabíola Ferreira Sucupira Sell(IES/UNIFEBE/Grad.UFSC)

1. Introdução1. Introdução

Supostamente, operações morfológicas como a derivação, a flexão e a composição são homogêneas nas línguas.

No entanto, em aparência, formações compostas, por exemplo, podem parecer muito distintas em diferentes línguas, sobretudo quando falamos de línguas de modalidades diferentes, como línguas orais e línguas visuo-espaciais.línguas orais e línguas visuo-espaciais.

Por isso, pode nos surpreender a descoberta de semelhanças indiscutíveis nos fenômenos, que afinal exibem propriedades muito similares.

Nosso interesse principal aqui é comparar alguns tipos de formação de compostos produtivos no português brasileiro e na libras, com o intuito de mostrar semelhanças e diferenças sistemáticas entre essas línguas.

2. Compostos, sintagmas, derivados, 2. Compostos, sintagmas, derivados, expressões idiomáticas: fronteirasexpressões idiomáticas: fronteiras

Como se diferencia composição de derivação?

GT: derivada é a palavra que se constrói com um único radical e algum afixo; composta é a palavra que comporta dois ou mais radicais (ou, mais modernamente, morfemas lexicais). mais modernamente, morfemas lexicais). EX: pedreiro e pedra-sabão

Questão: como distinguir afixos de radicais? Para a GT, radicais têm um significado que remete ao mundo exterior, enquanto afixos, como morfemas gramaticais que são, só podem ter significação interna. Mas como se classificam super-homem e bisavô?

2. Compostos, sintagmas, derivados, 2. Compostos, sintagmas, derivados, expressões idiomáticas: fronteirasexpressões idiomáticas: fronteiras

Uma visão alternativa dentro da própria GT: morfemas lexicais (os radicais) pertencem a classes abertas (N,V,A), enquanto os morfemas gramaticais (os afixos) pertencem a classes fechadas.

Problema: mesmo morfemas presos devem pertencer a alguma classe Problema: mesmo morfemas presos devem pertencer a alguma classe de palavras, mesmo que não exibam as propriedades normalmente atribuídas a elas: por exemplo, agro- seria encaixada na classe dos substantivos mesmo sem aceitar morfologia de gênero e de número, sem poder figurar como sujeito de uma sentença, etc.

Novamente: como se classificam super- e bi-? São N, V ou A? Ou a interpretação digamos quantificacional deles nos impede de lançá-los ambos ou um deles numa dessas classes?

2. Compostos, sintagmas, derivados, 2. Compostos, sintagmas, derivados, expressões idiomáticas: fronteirasexpressões idiomáticas: fronteiras

Dentro da linguística estruturalista e também gerativista: construção de critérios para distinguir essas operações morfológicas: por exemplo, Camara Jr. (1978) constrói um critério fonológico: a palavra derivada é arrizotônica, porque cede sistematicamente seu acento ao último sufixo acrescentado; já numa palavra composta pelo menos a última base mantém o seu acentomantém o seu acentoEX: roup- cede seu acento a -eiro quando forma roupeiro

mas guard- conserva seu acento (como acento secundário) em guarda-roupa

Problema: este critério não tem nada a dizer sobre a prefixação

É por isso que certos estudiosos desistiram de estabelecer a diferença via propriedades dos processos morfológicos e preferem falar em finalidade: a função da composição é nomear objetos novos e por isso cria fundamentalmente substantivos, mais raramente adjetivos e nunca verbos (cf. Basílio et al 1993)

2. Compostos, sintagmas, derivados, 2. Compostos, sintagmas, derivados, expressões idiomáticas: fronteirasexpressões idiomáticas: fronteiras

Outro problema: como diferenciar compostos de sintagmas?

Sandmann (1990): o que distingue ferro velho de ferro-velho?

Resposta para esse autor: o critério fundamental é o Resposta para esse autor: o critério fundamental é o “isolamento semântico” (que é a falta de composicionalidade no cálculo do significado que se vê em copo-de-leite, a flor)

No entanto: no exemplo dado já temos um contra-exemplo (o sentido é relativamente composicional) e, pior, existem as expressões idiomáticas, que tanto podem ter o significado calculado composicionalmente (como em tirar vantagem), quanto ter o significado “isolado semanticamente” (como em bater as botas)

2. Compostos, sintagmas, derivados, 2. Compostos, sintagmas, derivados, expressões idiomáticas: fronteirasexpressões idiomáticas: fronteiras

O critério semântico de Sandmann (1990) não dá conta da diferença, mas certas propriedades morfológicas das palavras podem se encarregar de distinguir sintagmas de compostos:

- Compostos nem sempre aceitam flexão interna, mas os sintagmas e as expressões idiomáticas normalmente aceitam:

(1) a. *guardava-roupa, *guardam-roupa, *guardarei-roupab. tirava vantagem, tiram vantagem, tirarei vantagem

- Compostos não aceitam mudança de ordem de seus elementos, enquanto os sintagmas e as expressões idiomáticas podem aceitar:

(2) a. Esta é uma secretária eficienteb. Eficiente esta secretária não é.c. Esta é uma secretária-eletrônicad. *Eletrônica essa secretária não é

2. Compostos, sintagmas, derivados, 2. Compostos, sintagmas, derivados, expressões idiomáticas: fronteirasexpressões idiomáticas: fronteiras

Camara Jr. (1970): as “locuções” aceitam a eliminação de um dos elementos constituintes (o termo determinante) sem prejuízo de interpretação, mas os compostos não aceitam:

(3) a. Tomei uma grande chuvab. Tomei uma chuva.

(4) a. Peguei um guarda-chuva(4) a. Peguei um guarda-chuvab. *Peguei um guarda-, *peguei um(a) -chuva

Um argumento interessante de Figueiredo Silva & Mioto (2009) para a opacidade morfológica: licenciamento de itens de polaridade negativa:

(5) a. O João não é fiel a ninguémb. Considero o João não-fiel a ninguémc. * Considero o João infiel a ninguém

2. Compostos, sintagmas, derivados, 2. Compostos, sintagmas, derivados, expressões idiomáticas: fronteirasexpressões idiomáticas: fronteiras

Concluindo:

1. Fronteira entre composição e derivação: difícil de precisar.

2. Fronteira entre compostos e sintagmas ou expressões idiomáticas: a composição exibe rigidez na ordem de seus constituintes e impossibilidade de supressão de algum dos seus elementos – como toda formação morfológica, exibe opacidade.

Portanto, construções que permitem manipulações sintáticas como a supressão de algum dos seus elementos ou a mudança de ordem não são compostos.

3. Tipos de compostos do português 3. Tipos de compostos do português brasileirobrasileiro

Sandmann (1990)

(6) a. S+de+S (como pé-de-moleque); b. S+S (que se subdivide em dois tipos segundo a posição do elemento determinado (DM) e do elemento determinante (DT):elemento determinado (DM) e do elemento determinante (DT):

DM-DT, como em estação-tubo, ouDT-DM como em motogincana);

c. S+A (como em pé-frio);d. A+S (como em puro-sangue);e. V+S (como em lança-foguetes); e f. Num +S (como onze-letras).

3. Tipos de compostos do português 3. Tipos de compostos do português brasileirobrasileiro

Lee (1997): compostos lexicais (semanticamente DT-DM):

(7)a. N+N (como rádio-táxi); b. A+A (como ítalo-brasileiro) c. V+N (como toca-discos).

e compostos pós-lexicais (semanticamente DM-DT):

c. N+(prep)+N (como sofá-cama ou fim-de-semana);d. N+A (como bóia-fria);e. A+A (como surdo-mudo); e f. A+N (que é DT-DM, como curto-circuito).

3. Tipos de compostos do português 3. Tipos de compostos do português brasileirobrasileiro

Compostos produtivos em PB:

(8) exemplos classe das bases classe do produto(a) bolsa-família, sambódromo N+N N(b) eco-xiita, bunda-mole N+A N ou A(c) tira-manchas, estraga-prazer V+N N ou A

(9) Compostos N+Na. moto-bói b. sofá-cama

fumódromo salário-famílianarco-dólar banana-figo

(10) Compostos N+Aa. secretária-eletrônica b. belas-artes

aviso-prévio pequeno-burguêsbóia-fria pronta-entrega

3. Tipos de compostos do português 3. Tipos de compostos do português brasileirobrasileiro

O outro tipo de composto produtivo do PB: V+N

Existem três tipos básicos: agentivo (como puxa-saco), instrumental (como abre-lata) e eventivo (como arranca-rabo). Os agentivos e instrumentais aceitam em geral uma paráfrase com sintagmas do tipo N+dor+de+N.

Sob o ponto de vista semântico, esses compostos se parecem muito com os sintagmas N+dor+de+N, como abridor de lata. Bisetto (1995) nota que as sintagmas N+dor+de+N, como abridor de lata. Bisetto (1995) nota que as mesmas restrições semânticas pesam sobre as duas formações – por exemplo, nenhuma das duas aceita verbos psicológicos: *preocupa-mãe, *preocupador de mãe.

Sob o ponto de vista sintático também há semelhança entre eles: em compostos V+N agentivos ou instrumentais, como nas formações N+dor+de+N, o N é sempre o objeto direto do verbo, nunca o objeto indireto ou o sujeito, por exemplo.

Portanto, para Bisetto (1995), V+N seria melhor descrito como Ndeverbal+N(com incorporação do verbo e do objeto desencadeada pelo sufixo nominalizador)

4. Composição em língua de sinais: o 4. Composição em língua de sinais: o caso da Librascaso da Libras

Compostos “aparentes”:

(11)a. HOMEM^CRIANÇA [menino]b. MULHER^CRIANÇA [menina]

(12)a. HOMEM^BEBÊ / MULHER^BEBÊ [bebê – menino ou menina]a. HOMEM^BEBÊ / MULHER^BEBÊ [bebê – menino ou menina]b. HOMEM^JOVEM / MULHER^JOVEM [rapaz /moça]c. HOMEM^TI@ / MULHER^TI@ [tio / tia]d. HOMEM^FILH@ / MULHER^FILH@ [filho / filha]e. HOMEM^VIUVEZ / MULHER^VIUVEZ [viúvo / viúva]f. HOMEM^PRIM@ / MULHER^PRIM@ [primo / prima]g. HOMEM^IRM@ / MULHER^IRM@ [irmão / irmã]h. HOMEM^AMANTE / MULHER^AMANTE [o amante / a amante]

4. Composição em língua de sinais: o 4. Composição em língua de sinais: o caso da Librascaso da Libras

(13)a. BEBÊ^HOMEM / BEBÊ^MULHER [bebê – menino ou menina]b. JOVEM^HOMEM / JOVEM^MULHER [rapaz /moça]c. TI@^HOMEM / TI@^MULHER [tio / tia]d. FILH@^HOMEM / FILH@^MULHER [filho / filha]e. VIUVEZ^HOMEM / VIUVEZ^MULHER [viúvo / viúva]f. PRIM@^HOMEM / PRIM@^MULHER [primo / prima]g. IRM@^HOMEM / IRM@^ULHER [irmão/irmã]h. AMANTE^HOMEM / AMANTE^MULHER [o amante / a amante]

(14)a. HOMEM ^BÊNÇÃO [papai]b. MULHER^BÊNÇÃO [mamãe]c. *BÊNÇÃO^HOMEM [papai]d. *BÊNÇÃO^MULHER [mamãe]

4. Composição em língua de sinais: o 4. Composição em língua de sinais: o caso da Librascaso da Libras

(15)a. MAÇÃ^DIVERSO [frutas]b. LEÃO^DIVERSO [animais]c. ROUPA^DIVERSO [vestuário]d. COMIDA^DIVERSO [alimentos]d. COMIDA^DIVERSO [alimentos]

(16)a. M-A-R-I-A IDADE 3 (Maria tem 3 anos)b. EU FLH@ 3 (Eu tenho 3 filhos)c. EU TER CACHORR@ 4 (Eu tenho 4 cachorros)

4. Composição em língua de sinais: o 4. Composição em língua de sinais: o caso da Librascaso da Libras

Compostos “verdadeiros”:

(17)a. HOMEM^VIGIA [vigia]b. HOMEM^RURAL [agricultor]b. HOMEM^RURAL [agricultor]c. HOMEM^MANGUEIRA [bombeiro]d. HOMEM^VENDA [vendedor]e. HOMEM^CONSTRUÇÃO [pedreiro]f. HOMEM^CONSERTO [mecânico]g. HOMEM^DIGITAÇÃO [caixa de banco, de lotérica, etc]h. HOMEM^FEIRA [feirante]i. MULHER^COSTURA [costureira]

4. Composição em língua de sinais: o 4. Composição em língua de sinais: o caso da Librascaso da Libras

(18) a. EL@ TRABALHAR VIGIAR[Ele trabalha como vigia]

b. J-O-Ã-O TRABALHAR CONSTRUIR[João trabalha na construção civil]

(19) a. CASA^ESTUDO [escola](19) a. CASA^ESTUDO [escola]b. CASA^CRUZ [igreja]c. CASA^ANTIG@ [museu]

(20) a. MENIN@ INTELIGENTEb. *INTELIGENTE MENIN@

(21) a. MORTE^CRUZ [cemitério]b. CONSERTO^CARRO [oficina mecânica]

4. Composição em língua de sinais: o 4. Composição em língua de sinais: o caso da Librascaso da Libras

Compostos “frasais”

(22) a. HOMEM^CONSERTO^ELETRICIDADE [eletricista]b. HOMEM^ELETRICIDADE^CONSERTO [eletricista]

(23 ) ELETRICIDADE^CONSERTO [eletricista]

(24) a. CASA^VENDA^PAPEL [papelaria](24) a. CASA^VENDA^PAPEL [papelaria]b. CASA^VENDA^CARNE [açougue]c. CASA^GRUPO^VELHO [asilo]d. CASA^GRUPO^PRESO [presídio]e. CASA^DORME^PRESO [orfanato]f. CASA^CRIANÇA^ADOTA [orfanato]

(25) a. *PAPEL^CASA^VENDAb. *VELHO^CASA^GRUPOc. *CASA BONITA^VENDA^PAPELd. *CASA^CRIANÇA BONITA^ADOTA

4. Conclusões desta etapa da 4. Conclusões desta etapa da pesquisa e direções de pesquisa pesquisa e direções de pesquisa

futurafutura

(26) a. SABER^ESTUDAR [acreditar](26) a. SABER^ESTUDAR [acreditar]b. ESCREVER^COMPRAR [receitar]c. SABER^NADA [não-entender]

‘Cabô!‘Cabô!

Muito obrigada!Muito obrigada!

Referências BibliográficasReferências Bibliográficas

Basílio, M. et alli (1993) "Derivação, composição e flexão no português falado: condições de produção". In: M. Basílio (org.) Gramática do português falado. vol. IV. Campinas: Editora da Unicamp.

Bisetto, A. (1995) Tra Derivazione e Composizione: su alcune formazioni complesse in italiano. Tese de doutoramento, Universidade de Pádova, Itália.

Camara Jr., J.M. (1970) Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis: Vozes._____ (1978) Dicionário de Lingüística e Gramática. Petrópolis: Vozes, 8ª ed.Cunha, C. & L. Cintra (1985) Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2004) Instituto Antonio Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva

Ltda.Di Sciullo, A.M. & E. Williams (1987) On the definition of word. Cambrigde: MIT Press.Figueiredo Silva, M.C. & C. Mioto (2009) “Considerações sobre a prefixação”. Revista Virtual de Estudos da Figueiredo Silva, M.C. & C. Mioto (2009) “Considerações sobre a prefixação”. Revista Virtual de Estudos da

Linguagem (ReVEL), vol. 7, n. 12Johnston, T. & A.C. Schembri (2007). Australian Sign Language: An Introduction to Australian Sign Language

Linguistics. Cambridge: Cambridge University Press.Katamba, F. (1993) Morphology. Palgrave Modern Linguistics. London: Palgrave Macmillan Ed.Lee, S.H. (1997) "Sobre os compostos do PB". D.E.L.T.A., vol. 13, n.1, p. 17-33. Lee, S.H. (1992) "Fonologia lexical do português". Cadernos de Estudos Lingüísticos, n. 23, p. 103-120.Liddell, S. (1984). THINK and BELIEVE: Sequentiality in American Sign Language. Language 60, p. 372-399.

Quadros, R. & L. Karnopp (2004) Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed.Sandmann, A. (1990) "O que é um composto?". D.E.L.T.A., vol. 6, n.1, p. 1-18.Schmitt, D. (2002) Curso de pedagogia para surdos. Língua brasileira de sinais. Florianópolis: UDESC, CEAD.Spencer, A. (1993) Morphological Theory. Oxford: Blackwell.Williams, E. (1981) “On the notions ‘lexically related’ and ‘head of a word’ ” LI 12, p. 245-274.