algoritmos do passado: as diferentes tecnicas de multiplicação

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X ENCONTRO PARAENSE DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Belém – 400 Anos: História, Educação e Cultura Belém – Pará - Brasil, 09 a 11 de setembro de 2015 ISSN 2178-3632 ALGORÍTMOS DO PASSADO: as diferentes técnicas de multiplicação Giancarlo Secci de Souza Pereira 1 RESUMO Este trabalho tem como principal objetivo apresentar, de forma simples, os diferentes algoritmos de multiplicação desenvolvidos por diferentes povos ao longo da história. Ressaltar a importância da história da Matemática como ferramenta no processo de ensino-aprendizagem desta ciência e como esta ferramenta pode nos auxiliar no ensino de multiplicação de números naturais. Investigar quão preparados estão os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental para trabalhar com as operações que envolvem a multiplicação de números naturais, quais suas experiências e conhecimentos prévios sobre o tema. Partiremos da técnica de multiplicação usual, consagrado nas escolas brasileiras, faremos uma análise dos principais métodos de multiplicação desenvolvidos ao longo da história, seus precursores, suas contribuições para o ensino da Matemática e de que forma essas técnicas podem nos auxiliar na elaboração de novas estratégias para o ensino da multiplicação neste nível de ensino, objetivando aguçar a curiosidade de professores e alunos que buscam um ensino prazeroso e de qualidade, para que estes possam apoderar-se desta ferramenta, com o intuito de enriquecerem ainda mais suas metodologias de ensino da multiplicação de números naturais. Palavras-chaves: Técnicas de multiplicação. História da Matemática. Ensino-aprendizagem. Educação Matemática. Ensino fundamental. INTRODUÇÃO A história da Matemática é de fundamental importância para que possamos entender como que axiomas, definições, proposições e teoremas foram desenvolvido e auxiliaram na construção desta fabulosa ciência ao longo do tempo. Ao revelar a Matemática como uma criação humana, ao mostrar necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, ao estabelecer comparações entre os conceitos e processos matemáticos do passado e do presente, o professor tem a possibilidade de desenvolver atitudes e valores mais favoráveis do aluno diante do conhecimento matemático. (BRASIL, 2001, p.45) 1 Aluno do Curso de Especialização em Matemática do Ensino Médio da Universidade do Federal do Pará UFPA, Campus Abaetetuba. E-mail: [email protected].

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Page 1: ALGORITMOS DO PASSADO: as diferentes tecnicas de multiplicação

X ENCONTRO PARAENSE DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Belém – 400 Anos: História, Educação e Cultura

Belém – Pará - Brasil, 09 a 11 de setembro de 2015

ISSN 2178-3632

ALGORÍTMOS DO PASSADO: as diferentes técnicas de multiplicação

Giancarlo Secci de Souza Pereira1

RESUMO Este trabalho tem como principal objetivo apresentar, de forma simples, os diferentes algoritmos de

multiplicação desenvolvidos por diferentes povos ao longo da história. Ressaltar a importância da

história da Matemática como ferramenta no processo de ensino-aprendizagem desta ciência e como

esta ferramenta pode nos auxiliar no ensino de multiplicação de números naturais. Investigar quão

preparados estão os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental para trabalhar com as operações que

envolvem a multiplicação de números naturais, quais suas experiências e conhecimentos prévios

sobre o tema. Partiremos da técnica de multiplicação usual, consagrado nas escolas brasileiras,

faremos uma análise dos principais métodos de multiplicação desenvolvidos ao longo da história,

seus precursores, suas contribuições para o ensino da Matemática e de que forma essas técnicas

podem nos auxiliar na elaboração de novas estratégias para o ensino da multiplicação neste nível de

ensino, objetivando aguçar a curiosidade de professores e alunos que buscam um ensino prazeroso

e de qualidade, para que estes possam apoderar-se desta ferramenta, com o intuito de enriquecerem

ainda mais suas metodologias de ensino da multiplicação de números naturais.

Palavras-chaves: Técnicas de multiplicação. História da Matemática. Ensino-aprendizagem.

Educação Matemática. Ensino fundamental.

INTRODUÇÃO

A história da Matemática é de fundamental importância para que possamos

entender como que axiomas, definições, proposições e teoremas foram desenvolvido e

auxiliaram na construção desta fabulosa ciência ao longo do tempo.

Ao revelar a Matemática como uma criação humana, ao mostrar

necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes

momentos históricos, ao estabelecer comparações entre os conceitos e

processos matemáticos do passado e do presente, o professor tem a

possibilidade de desenvolver atitudes e valores mais favoráveis do aluno

diante do conhecimento matemático.

(BRASIL, 2001, p.45)

1 Aluno do Curso de Especialização em Matemática do Ensino Médio da Universidade do Federal do Pará –

UFPA, Campus Abaetetuba. E-mail: [email protected].

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Hoje temos o privilégio de saber que grandes pensadores fizeram parte da

construção da Matemática. Saber que essa construção deu-se através das contribuições de

Euclides de Alexandria (século III a.C.), John Napier (1550 – 1617), Isaac Newton (1643 –

1727), Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646 – 1716), entre tantos matemáticos brilhantes.

Tal construção só foi possível, graças aos registros e publicações desses matemáticos nas

épocas em que viveram e ao trabalho dos historiadores pesquisadores que dedicaram, e dos

que dedicam, suas vidas as investigações acerca do desenvolvimento da Matemática.

Vejo a disciplina matemática como uma estratégia desenvolvida pela

espécie humana para explicar, para entender, para manejar e conviver

com a realidade sensível, perceptível, e com o seu imaginário,

naturalmente dentro de um contexto natural e cultural.

(D’AMBROSIO, 1996, p.7)

Segundo Zatti, Agranionih e Enricone (2010), as dificuldade em Matemática

acentuam-se no 6º ano do Ensino Fundamental, já que no 5º ano, nível anterior, os

conteúdos focam no domínio dos algoritmos básicos das operações aritméticas

fundamentais. Como disciplina especifica no currículo, as dificuldades passam a ser mais

frequentes, contribuindo para um significativo aumento no índice de reprovação.

As competências e habilidades que os alunos do 6º ano do Ensino Fundamental

trazem como conhecimentos prévios sobre aritmética básica restringem-se ao domínio dos

algoritmos básicos das operações aritméticas citadas. Neste sentido, com um olhar especial

a multiplicação, faremos uma análise dos principais métodos de multiplicação

desenvolvido ao longo da história e como esta ponte com a história da Matemática pode

nos auxiliar em sala de aula como um facilitador no processo de ensino-aprendizagem.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001, p.108), uma

abordagem frequente utilizada para a introdução da multiplicação é o processo operatório

de adições sucessivas com parcelas iguais, como mostra a ilustração 1.

ILUSTRAÇÃO 1 – Adições sucessivas do número 12.

Fonte: Elaborado pelo autor.

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É importante ressaltar que a somatória acima, em particular, não poderia ser

representado por 12 x 14, mesmo sabendo que a multiplicação é uma operação comutativa,

senão teríamos o número 14 somado a ele próprio 12 vezes. Neste caso, somamos o

número 12 catorze vezes, obtendo a multiplicação 14 x 12, que pode ser resolvida

utilizando-se o algoritmo usual da multiplicação, o que otimizará o tempo da operação em

relação as sucessivas adições.

ILUSTRAÇÃO 2 – Aplicação do método usual de multiplicação.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Este processo é similar ao método que usamos com auxílio da decomposição de

um dos números a serem multiplicados. No entanto, poderíamos dizer que, é mais

organizado. A seguir temos uma das representações da resolução pelo método da

decomposição.

ILUSTRAÇÃO 3 – Multiplicação com o método da decomposição.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Estes são os métodos consagrados nas escolas brasileiras. O segundo, visualizado

com menos frequência. Mas, o que poucos sabem é que esta técnica de multiplicação é

apenas uma, entre as diversas formas utilizadas por diferentes nações no mundo.

Page 4: ALGORITMOS DO PASSADO: as diferentes tecnicas de multiplicação

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“Entretanto, a História da Matemática nos mostra que, ao longo dos tempos, a

operação de multiplicação foi realizada de diferentes maneiras.” (OLIVEIRA, 2000, p.173)

A forma como algumas nações desenvolveram seus próprios métodos de

multiplicação pode nos auxiliar em sala de aula, para que possamos aprimorar, ou mesmo,

ensinar novos caminhos para a resolução de problemas que envolvam este tipo de

operação, visando melhorias no processo de ensino da multiplicação.

EXPLORANDO O MÉTODO USUAL DE MULTIPLICAÇÃO

Se retomarmos a ilustração 2, na página anterior, vamos perceber que quando

utilizamos o algoritmo usual, primeiro organizamos o multiplicando sobre o multiplicador,

particularmente para este caso, primeiro o 12, sendo o multiplicando e depois o 14 como

multiplicador; em seguida multiplicamos o 12 (1ª linha) pelo valor relativo das unidades

simples do número 14 (2ª linha), encontrando 48 (3ª linha); posteriormente, fazemos o

mesmo processo, agora com o valor relativo das dezenas simples do número 14 (2ª linha)

pelo número 12 (1ª linha), resultando em 120 (4ª linha); finalmente, somamos os resultados

das multiplicações (3ª e 4ª linha), obtendo o produto 168 (5ª linha).

Propositalmente, a figura mostra que o terceiro momento aparenta ser uma

simples multiplicação do número 12 (1ª linha) por 1 (2ª linha), que resultaria em 12 (4ª

linha), deslocado uma casa para a esquerda. Se observarmos, o zero que deveria aparecer

ao lado do algarismo 2 (4ª linha) é substituído pelo símbolo operatório da adição (+).

Como o zero é o elemento neutro da adição, este fato não influencia no resultado final.

Mas, segundo Carvalho (1994, p. 49) a notação correta para esta situação seria utilizando o

zero, e não o símbolo da adição (+), como mostra a ilustração 4.

ILUSTRAÇÃO 4 – Soma das parcelas resultantes do produto 12 x 14.

Fonte: Elaborado pelo autor.

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O EGITO ANTIGO E SUA TÉCNICA DE MULTIPLICAÇÃO

Os egípcio apresentam um sistema de numeração composto de 7 símbolos: um

bastão, um calcanhar, um rolo de corda, uma flor de lótus, o dedo indicador, um sapo ou

girino e um homem sentado, cujos valores são, respectivamente, 1, 10, 100, 1000, 10000,

100000 e 1000000, em nosso sistema de numeração. Todos os outros números do sistema

egípcio são obtidos a partir da combinação desses símbolos.

Segundo Boyer (1974), escritas a cerca de 4000 anos, milhares de tabletas

cuneiforme sobreviveram até hoje graças as suas grandes durabilidades, no entanto, apenas

uma pequena parte destas versam sobre temas relacionados a Matemática. Outro fator

determinante para o avanço nas pesquisas sobre a Matemática nesta época foi o lento

processo de decifração das tabletas.

Um grande avanço na decifração dos hieróglifos presentes na Pedra de Rosetta,

descobertas em 1799 pela expedição de Napoleão, ocorreu na primeira metade do século

XIX, proveniente dos estudos de Jean-François Champollion na França e Thomas Young

na Inglaterra.

Há um limite para a quantidade de informação matemática que se pode

retirar de calendários e pedras tumulares [...]. A matemática é muito mais

do que contar e medir, os aspectos que são tratados em inscrições

hieroglíficas.

(BOYER, 1974, p.9)

De acordo com Luchetta (2000) as principais fontes de informações referentes a

Matemática estão nos papiros de: Golonishev (ou Moscou), de aproximadamente 1850 a.C.

e Rhind (ou Ahmes) de aproximadamente 1650 a.C. No papiro de Rhind estão

apresentadas as técnicas de multiplicação e divisão dos egípcios, além de muitas aplicações

matemáticas.

Nesta seção mostraremos, de forma simples e compreensível, a metodologia

utilizada pelos egípcios para a multiplicação de números naturais. Para exemplificarmos

esta técnica considere o seguinte problema:

Em uma de suas idas ao cinema, Henrique percebeu que as poltronas estavam

agrupadas segundo uma organização retangular composta de 12 filas com 23 cadeiras

cada uma. Assim, ele pode concluir que o número total de pessoas por sessão é?

Page 6: ALGORITMOS DO PASSADO: as diferentes tecnicas de multiplicação

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Lembrando da ilustração 1, podemos usar a ideia de agrupamento de adições

sucessivas, já que cada fila contem 23 cadeira em um total de 12 filas, então temos o

produto 12 x 23. Para apresentação do método egípcio utilizaremos uma tabela com 3

colunas, como na ilustração 5.

ILUSTRAÇÃO 5: Produto 12 x 23 pelo método egípcio de multiplicação.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Os procedimentos são simples. Na primeira coluna, iniciando sempre com o

número 1, dobramos a unidade até que a soma dos elementos, desta coluna, seja maior ou

igual a 12. De fato, quando somamos os valores da 1ª coluna obtemos: 1 + 2 + 4 + 8 = 15.

Em seguida, na 2ª coluna, duplicamos o número 23 – o multiplicando – até que

cheguemos a um valor correspondente ao número 8 da 1ª coluna. Observe na ilustração 5

que cada valor da 1ª coluna deverá apresentar um número correspondente. Assim, os

valores correspondentes de 1, 2, 4 e 8 são, respectivamente, 23, 46, 92 e 184.

Finalmente, basta verificar quais elementos da 1ª coluna somam 12. Neste caso

são os números 4 e 8, pois 4 + 8 = 12. Agora basta somarmos seus elementos

correspondentes, 92 + 184 = 276, ou seja, o produto 12 x 23 = 276. Respondendo ao

problema proposto, temos que 276 é o número máximo de pessoas por sessão.

A TÉCNICA DE MULTIPLICAÇÃO ATRIBUÍDA AOS RUSSOS

Semelhante ao método utilizado pelos egípcios, temos a técnica de multiplicação

atribuída aos russos. Segundo Souza (2001) alguns matemáticos atribuem aos camponeses

Page 7: ALGORITMOS DO PASSADO: as diferentes tecnicas de multiplicação

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russos um método de multiplicação, nada simples, que utiliza dobros e metades. Mas, de

acordo com Weisstein e Zobel (1999-2015, tradução nossa) o método de multiplicação

russo, também, é chamado de Multiplicação Etíope. Este fato, permite-nos supor que este

método possa ter sido desenvolvido pelos etíopes, mais precisamente, por seus

comerciantes a milhares de anos atrás.

Para percebermos com mais clareza, como o método dos egípcios e dos russos são

similares, utilizaremos o exemplo anterior, 12 x 23, como na ilustração 6.

ILUSTRAÇÃO 6: Produto 12 x 23 pela técnica russa de multiplicação.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Na primeira coluna dividimos o 12 sucessivamente por 2 até que cheguemos a

unidade. Note que quando o resultado da divisão é um valor decimal, consideramos apenas

a parte inteira. Por exemplo, quando dividimos 3 por 2, temos 1,5, mas consideramos

somente a parte inteira, o 1.

Em seguida, na 2ª coluna, duplicamos o número 23 até que cheguemos a um valor

correspondente ao número 1 da 1ª coluna. Assim como no método egípcio, cada valor da 1ª

coluna deverá apresentar um valor correspondente. Logo, os valores correspondentes de

12, 6, 3 e 1 são, respectivamente, 23, 46, 92 e 184.

Agora, basta verificar quais elementos da 2ª coluna têm correspondentes ímpares.

Neste caso, 92 e 184. Então, efetuamos a soma 92 + 184 = 276. Portanto, o resultado do

produto 12 x 23 = 276.

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A MULTIPLICAÇÃO COM O DISPOSITIVO DE NAPIER

Uma metodologia que facilita o processo de multiplicação de números naturais e

que foi aplicado com êxito até o início do século XX, as Barras de Napier foram criadas

pelo matemático escocês John Napier (1550 – 1617) e tornadas públicas com a divulgação

de sua obra Rabdologia – do grego “conjunto de réguas – após sua morte em 1617. A

seguir temos uma ilustração das Barras de Napier.

ILUSTRAÇÃO 7: Representação das Barras de Napier.

Fonte: Elaborado pelo autor.

As Barras de Napier são compostas de 10 fichas, distribuídas entre os algarismo

de 0 a 9. Cada ficha é divididas em duas partes. Na parte superior, linha destacada em

cinza, temos os algarismos indo-arábicos, nas linhas inferiores temos os respectivos

múltiplos de cada algarismos, como mostra na ilustração 7.

Vamos entender, na prática, como o método de multiplicação com as Barras de

Napier funciona resolvendo o produto 23 x 57.

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ILUSTRAÇÃO 8: Produto 23 x 57 com a utilização das Barras de Napier.

Fonte: Elaborado pelo autor.

O primeiro passo é destacar as fichas dos algarismos 2 e 3 e, em seguida, observar

as linhas 5 e 7, como mostra a ilustração 8.

Na etapa seguinte, destacamos os quadros da linha 5, somamos suas diagonais e

obtemos 115, todavia, adicionamos o algarismo zero a direita do 115, resultando em 1 150.

Isso acontece porque, na verdade, multiplicamos 23 por 50 e não por 5. Na linha 7, sim,

temos o produto 23 x 7. Quando somamos as diagonais dos quadros da linha 7, obtemos

161. Agora, basta somarmos os resultados obtidos nas somas das diagonais. Logo, teremos

que 23 x 57 = 23 x (50 + 7) = 23 x 50 + 23 x 7 = 1 150 + 161 = 1 311.

O MÉTODO DA GELOSIA

De acordo com o dicionário eletrônico Priberam, a palavra italiana gelosia

significa: “1. Grade de fasquias de madeira que se coloca no vão de janelas ou portas, para

proteger da luz e do calor, e através da qual se pode ver sem ser visto”. A etimologia da

palavra nos dá uma pista sobre o porquê da sua escolha para representação do algoritmo de

multiplicação atribuído aos hindus e popularizado pelos chineses, persas e, principalmente,

pelos árabes.

O método de multiplicação, que apresenta considerável semelhança com as Barras

de Napier, desenvolve-se sobre uma malha, ou grade, disposta em linhas, colunas e

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diagonais. Para demonstrarmos sua funcionalidade, utilizaremos o produto 213 x 32, como

mostra a ilustração 9.

ILUSTRAÇÃO 9: 1ª e 2ª etapa do algoritmo de multiplicação da Gelosia.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Na 1ª etapa escrevemos o fator 213 na aba superior da grade e o fator 32 na aba

lateral direita, ambos sombreados de cinza, como mostra a ilustração 9.

A 2ª etapa consiste no processo de multiplicação que resultará nos valores que

ocuparão a grade interna. Multiplicamos cada elemento da aba superior pelos elementos da

aba lateral direita, registrando os resultados nos espaços correspondentes. Assim, quando

fazemos o produto de cada algarismo do número 213, da aba superior, por 3, da aba lateral

direita, temos: 2 x 3 = 06, 1 x 3 = 03 e 3 x 3 = 09. Imediatamente, registramos os valores

06, 03 e 09 na 1ª linha da grade, como mostra na 2ª etapa da ilustração 9.

De modo análogo fazemos para o produto dos elementos da aba superior pelo

algarismo 2, da aba lateral direita, encontrando como resultado 04, 02 e 06, que

registramos na 2ª linha da grade.

Com a grade completamente preenchida efetuaremos a soma dos elementos de

cada uma das diagonais, da direita para a esquerda. Para facilitar o entendimento,

destacamos cada diagonal com diferentes tonalidades. É importante ressaltar que, quando a

soma de uma das diagonais é superior a 9, procedemos de forma semelhante ao nosso

algoritmo de adição, armazenando o valor absoluto das unidades na diagonal em questão e

enviando o valor absoluto das dezenas para compor a soma dos elementos da diagonal

seguinte, como mostra a ilustração 10.

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ILUSTRAÇÃO 10: 3ª e 4ª etapa do algoritmo de multiplicação da Gelosia.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Na primeira diagonal temos apenas o algarismo 6, o qual corresponderá a primeira

aba inferior, da direita para a esquerda. Na segunda diagonal temos: 9 + 0 + 2 = 11. Assim

como em nosso algoritmo da adição, armazenaremos 1 na segunda aba inferior e enviamos

1 para a próxima diagonal. Na terceira diagonal temos: 0 + 3 + 0 + 4 + (1) = 8, que

registramos na terceira aba inferior. Observe que o (1) em destaque é proveniente da

diagonal anterior. Na quarta diagonal temos: 0 + 6 + 0 = 6, que registramos na primeira aba

lateral esquerda, de baixo para cima. Por fim, na quinta diagonal há apenas o algarismo

zero, que ocupará a aba lateral esquerda restante. O número registrado nas abas inferior e

lateral esquerda, 06816, representa o produto desejado. Como o zero a esquerda não possui

valor relativo, então, 213 x 32 = 6 816.

OS CHINESES E O ALGORITMO DOS BAMBUS

“Os chineses foram umas das primeiras civilizações a entender que os cálculos

num sistema decimal são mais simples e eficazes. Em 1500 anos a.C. tinham sistema com

5000 caracteres posicionais, mais tarde inventaram os cilindros de contagem.” (GASPAR,

2013).

É atribuído aos chineses o desenvolvimento do algoritmo de multiplicação

intuitivo, que pode nos auxiliar, de forma lúdica, no ensino da Matemática utilizando

varetas de bambu. Esta técnica consiste na contagem das interseções entre as varetas que

representam certo produto. Vamos resolver o produto 12 x 14 para visualizarmos, na

prática, como esta técnica funciona.

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ILUSTRAÇÃO 11: Processo do algoritmo de multiplicação chinês.

Fonte: Elaborado pelo autor.

A metodologia de multiplicação chinesa consiste na representação dos números

através de varetas de bambu. Na 1ª etapa da ilustração 11 temos a representação do número

12, na 2ª etapa, o número 14 e na 3ª etapa a representação do produto 12 x 14.

Para resolvermos esta multiplicação, procederemos da seguinte forma: primeiro

marcamos todos os pontos de interseção entre as varetas; depois dividimos o processo em

três seções, como mostra a 3ª etapa da ilustração 11; o último passo é somar os pontos de

cada seção, da direita para a esquerda, neste caso, começamos na terceira seção, na qual

temos 8, na segunda 4 + 2 = 6 e na primeira 1. Logo o resultado de 12 x 14 = 168. Se por

acaso uma das seções, exceto a última a esquerda, for maior que 9, faremos como em

nosso algoritmo da adição, armazenamos o valor absoluto das unidades e enviamos o valor

absoluto das dezenas para a próxima seção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação Matemática no Brasil apresenta um quadro pouco animador, mas,

sobre tudo desafiador.

No Brasil, os resultados obtidos em testes, aplicados aos alunos de

todas as faixas etárias, expressam a CRISE do ensino de

Matemática, não só na escola pública, mas também na escola

Page 13: ALGORITMOS DO PASSADO: as diferentes tecnicas de multiplicação

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privada, pois a prova de Matemática dos vestibulares está entre

aquelas que apresentam os mais baixos escores.

(CARNEIRO, 2000, p.13).

Sim, só quem realmente gosta do que faz e busca a cada dia preparar-se para

transportar seus alunos para um mundo diferente a cada aula, aceitará embarcar nesta

missão. Matematicamente falando, é necessário e suficiente que, por maior que sejam as

dificuldades, o professor de Matemática, em particular, tem o dever de orientar de forma

prazerosa, harmoniosa, eficiente e eficaz o desenvolvimento de seus alunos. Entretanto,

não podemos atribuir a carga de toda essa responsabilidade apenas ao professor, pois

segundo Carneiro (2000) o sucesso da aprendizagem depende, também, dos alunos e do

contexto social e institucional.

Devemos ter a convicção de que, a Matemática está em toda parte, e que essa

concepção é a base, o alicerce, sobre o qual devemos construir juntamente com nossos

alunos o saber matemático. Saber este, que não é apenas saber contar ou medir, é o

paradigma que será aplicado as suas vidas, tendo valor intrínseco e social.

Portanto, é essencial que saibamos como e quando usar a História da Matemática

como ferramenta didática para facilitar e agregar valor as aulas de Matemática, tornando o

processo de ensino desta fabulosa disciplina algo que atraia os olhares, hora

desacreditados, de nossos alunos, fazendo com que estes conheçam a evolução da

Matemática na sociedade e desenvolvam as habilidades e competências necessárias para o

pleno desenvolvimento acadêmico e social.

REFERÊNCIAS

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Cortez, 1994.

Page 14: ALGORITMOS DO PASSADO: as diferentes tecnicas de multiplicação

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