alfacinha de porto alegre

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18 Maio/Junho de 2012 STORE MAGAZINE Fátima de Sousa jornalista [email protected] Passeio Público Alfacinha de Porto Alegre Nasceu em Porto Alegre, no Brasil, mas adoptou Lisboa, a cidade onde vive há 12 anos. Luiz Mór, administrador da TAP, das Lojas Francas de Portugal e da Cateringpor, diz-se mesmo um “alfacinha de gema”. É já português por direito e por lei. E é por cá que gostaria de ficar “para sempre” lar com a direcção de marketing, sob a designação de vice-presi- dente de Vendas e Marketing. Tudo parecia correr bem, até que, em 2000, a recém-empos- sada administração da Funda- ção Ruben Berta – constituída por funcionários da companhia de bandeira brasileira – abre um precedente ao assumir clara- mente que pretendia interferir na gestão da empresa. Estala uma crise política na Varig, que de- e o governo português pediu- -lhes que assumissem a empre- sa e dessem início ao processo de recuperação económico- -financeira. Vieram em Outubro. Em Janeiro, a Swisair desiste, mas o executivo mantém a con- fiança em Fernando Pinto. Foi há 12 anos. Nesse Outubro, Luiz veio sozinho. Os filhos ainda estavam na escola – no Brasil, o ano lectivo funciona em ciclo inverso ao português. Só em A chegada de Luiz Mór a Lisboa é contemporânea da entrada de Fernando Pinto para a presidên- cia da transportadora aérea na- cional. Aliás, uma acontece por causa da outra. Ambos já tinham trabalhado juntos no Brasil – em 1996, quando Fernando assu- miu a gestão da Varig, Luiz era director de Logística Operacio- nal, convidado logo de seguida a assumir a direcção comercial e, pouco tempo depois, a acumu- sembocou na demissão de toda a administração. Fernando Pinto sai e, com ele, Luiz Mór. Das várias propostas de traba- lho que recebeu, Fernando Pinto acaba por se inclinar para a da Swissair, que aguardava apenas luz verde das autoridades de Bruxelas para adquirir a TAP. To- davia, o aval europeu não chegou e o negócio não se concretizou. Mas – lembra Luiz Mór – nesse entretanto a TAP deteriorava-se Ramon de Melo

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Alfacinha de Porto Alegre

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Page 1: Alfacinha de Porto Alegre

18 Maio/Junho de 2012 STORE MAGAZINE

Fátima de [email protected]

Passeio Público

Alfacinha de Porto Alegre

Nasceu em Porto Alegre, no Brasil, mas adoptou Lisboa, a cidade onde vive há 12 anos. luiz Mór, administrador da TAP, das Lojas Francas de Portugal e da Cateringpor, diz-se mesmo um “alfacinha de gema”. É já português por direito e por lei. E é por cá que gostaria de ficar “para sempre”

lar com a direcção de marketing, sob a designação de vice-presi-dente de Vendas e Marketing.Tudo parecia correr bem, até que, em 2000, a recém-empos-sada administração da Funda-ção Ruben Berta – constituída por funcionários da companhia de bandeira brasileira – abre um precedente ao assumir clara-mente que pretendia interferir na gestão da empresa. Estala uma crise política na Varig, que de-

e o governo português pediu--lhes que assumissem a empre-sa e dessem início ao processo de recuperação económico--financeira. Vieram em Outubro. Em Janeiro, a Swisair desiste, mas o executivo mantém a con-fiança em Fernando Pinto. Foi há 12 anos. Nesse Outubro, Luiz veio sozinho. Os filhos ainda estavam na escola – no Brasil, o ano lectivo funciona em ciclo inverso ao português. Só em

A chegada de Luiz Mór a Lisboa é contemporânea da entrada de Fernando Pinto para a presidên-cia da transportadora aérea na-cional. Aliás, uma acontece por causa da outra. Ambos já tinham trabalhado juntos no Brasil – em 1996, quando Fernando assu-miu a gestão da Varig, Luiz era director de Logística Operacio-nal, convidado logo de seguida a assumir a direcção comercial e, pouco tempo depois, a acumu-

sembocou na demissão de toda a administração. Fernando Pinto sai e, com ele, Luiz Mór.Das várias propostas de traba-lho que recebeu, Fernando Pinto acaba por se inclinar para a da Swissair, que aguardava apenas luz verde das autoridades de Bruxelas para adquirir a TAP. To-davia, o aval europeu não chegou e o negócio não se concretizou. Mas – lembra Luiz Mór – nesse entretanto a TAP deteriorava-se

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Maio/Junho de 2012 19STORE MAGAZINE

“Se fosse preciso, diria que sou um brasileiro morando há muito tempo em Portugal. Sou muito velho para não ser

brasileiro, mas me sinto em casa em Portugal, mais do que no Brasil”

gostaria de ficar cá “para sempre”. Já adquiriu cidadania portuguesa, mas se lhe perguntam se se sente português ou brasileiro diz que não sabe responder

Dezembro, chegou a restante fa-mília – a mulher e os dois filhos. Mas a filha, mais velha, sentiu di-ficuldade em adaptar-se – ainda viveu um ano em Lisboa e outro em Paris, mas acabou por vol-tar para o Rio de Janeiro, onde concluiu a faculdade. Hoje, vive e trabalha em São Paulo. Não foi Lisboa a razão do regresso ao Brasil – diz o pai que estranharia qualquer cidade de tão integrada que estava no Rio. O filho, mais novo, também não ficou por cá – quando veio estudou no Colé-gio Americano (“não sabíamos por quanto tempo íamos ficar e pensei que uma escola interna-cional facilitaria se tivéssemos de mudar”), mas preferiu fazer a faculdade nos Estados Unidos, a que seguiu um mestrado em Londres, onde se radicou. Com os filhos encaminhados, Luiz e a mulher trocaram Cascais por Lisboa. Só então comprou apartamento na capital. Hoje, gostaria de ficar cá “para sem-pre”. Já adquiriu cidadania por-tuguesa, mas se lhe perguntam se se sente português ou brasi-leiro diz que não sabe responder. Ou melhor, responde que “já não é uma pergunta que cabe mais”. “Se fosse preciso, diria que sou um brasileiro morando há muito tempo em Portugal. Sou mui-to velho para não ser brasileiro, mas me sinto em casa em Por-tugal, mais do que no Brasil. Até porque não existe um só Brasil. Eu sou do Sul e me senti mais estrangeiro morando no Rio do que em Lisboa. Acho Lisboa mais parecida com Porto Alegre do que Porto Alegre com o Rio de Janeiro. Primeiro tem o clima, a passagem das estações. De-pois, os gaúchos são mais pa-recidos com os portugueses do que com os cariocas, são mais formais do que os cariocas, em-bora não tanto quanto os portu-gueses. E há a coincidência de serem cidades com rio. O Rio é um centro esmagadoramente grande”.A dificuldade em dizer-se bra-sileiro ou português estende-se aos amigos. Com mais de uma década por cá, Luiz tem amigos de ambas as nacionalidades. “Me acostumei tanto que não

percebo diferença. Cada um deles é uma pessoa única. Não são diferentes entre si pelo fac-to de um ser português e outro ser brasileiro”, comenta, ainda que reconhecendo que existe um estereótipo dos portugueses em relação aos brasileiros e o oposto.Já quando fala da cidade, não tem dúvidas em afirmar-se “al-facinha de gema”. De Lisboa aprecia a vida a pé, as colinas, o movimento das pessoas e a segurança. “Lisboa dá-me isso”. É a pé que faz a sua “peregrina-ção” de todos os sábados: pelas livrarias. “Sou um rato de livra-ria”. E conhece bem as livrarias que a cidade tem. O mercado de livros em segunda mão na travessa paralela à Bertrand, no Chiado, a Buchholz, que agora é Leya, onde se cruza com pes-soas – os indefectíveis – que lhe dão a impressão de já terem lido tudo… “O único perigo é que se vai para comprar um livro e se traz cinco…”.Luiz Mór lê muito. E muitos auto-res, autores diversos. Dos clássi-cos aos novos prosadores portu-gueses como Gonçalo M. Tava-res e José Luís Peixoto. Dos es-panhóis, como o catalão Enrique Vila-Matas, que acaba de dar à estampa “Aire de Dylan”. Dos argentinos, como Borges. E dos russos: “Terminei de ler ‘Guerra a Paz’, sai uma nova tradução bra-sileira directa do russo. Era um li-vro que não tinha enfrentado até hoje e consegui terminar”.Gosta de ler, mas no papel, no folhear das páginas. “Mais do que ler livro, eu gosto do livro”. Por isso, não é adepto dos e--books: “Se lesse no iPad não podia comprar o livro. É por isso que não leio livro emprestado – vou avisando ‘não me empreste, porque não devolvo’. Há tanto livro que não li…”.Isso não significa, porém, que Luiz Mór seja resistente à tec-nologia. Antes pelo contrário: aponta a secretária e mostra o iPhone, o iPad. “Não vivo sem o meu iPad, ando sempre carre-gando para cima e para baixo”.Nem outra coisa se poderia es-perar de quem, entre muitos pelouros, também assume o da

estala uma crise política na varig, que desembocou na demissão de toda a administração. Fernando Pinto sai e, com ele, Luiz mór

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Comunicação. E a TAP – recorda – é uma empresa aberta às no-vas tecnologias, tendo mesmo sido pioneira na estratégia de re-lacionamento com o consumidor com a web 2.0, nomeadamente usando o Facebook como uma ferramenta que vai muito para além do promocional. Reconhece que existe um te-mor das empresas na utilização

não tem dúvidas em afirmar-se “alfacinha de gema”

“Se lesse no iPad não podia comprar o livro. É por isso que não leio livro emprestado – vou avisando ‘não me empreste, porque não devolvo’. Há tanto livro que não li…”

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Passeio Público

das redes sociais, por medo de se exporem, mas vai dizendo que esse é um temor infundado desde que haja uma atitude de transparência. “É preciso saber gerir e essa preparação fascina--me”. Foi com a crise do encerramento do espaço aérea devido às cin-zas vulcânicas do Eyjafjallajökull que a TAP potenciou o Facebook como elo com os seus clientes. “Todo o mundo quis entrar em contacto connosco, não houve telefone que chegasse. E perce-bemos que as pessoas estavam colocando as suas perguntas no Facebook, então construímos uma equipa só para esse canal de comunicação”. Depois da cri-se, a bonança, e hoje a empresa possui uma equipa de “campe-ões internos” recrutados nos di-versos departamentos, de modo a que haja sempre alguém dis-ponível para dar uma resposta imediata. Luiz Mór não tem dú-vidas de que o Facebook aproxi-mou a empresa dos clientes.Este exemplo sintetiza bem o perfil deste administrador: “Gos-to desse movimento de mudan-ça, de perceber o novo, para onde temos de ir, o que está er-rado e é preciso corrigir. É o que faço o tempo inteiro na TAP”.

Luiz Mór é licenciado em Engenharia. Hoje está muito longe do enge-nheiro (“Graças a Deus”, deixa escapar). “Na minha época, era assim: se você era bom a Português ia para Direito, se era bom em Biologia ia para Medicina, se era bom a Matemática ia para Engenharia. Eu era muito bom a Matemática…”.Está explicada a escolha, tanto mais que Luiz não tinha clareza quanto ao que queria. E não se arrepende: a faculdade de Engenharia era “mui-to puxada, exigia bastante”. Formou-se em Engenharia Mecânica na sua cidade natal. Em 1972, estava no segundo ano do curso, ingressou na Varig, na área de manutenção de turbinas, ali tendo continuado ainda um ano após a formatura. Foi contratado então por uma empresa de aviação de pequeno porte, que revendia aparelhos e fazia manutenção. Mas – recorda – fazer manutenção de aviões de terceiros é muito dife-rente do que fazer manutenção dos seus próprios aviões, envolve um trabalho muito mais comercial, de relacionamento com o cliente. E foi aqui que comprovou que o que o interessa não são as máquinas, são as pessoas. De tal forma que quando se decidiu por um mestrado ainda equacionou Gestão de Recursos Humanos, mas abandonou a hi-pótese porque não o motivava traçar planos de carreira ou incentivos – o que queria mesmo era relacionar-se com as pessoas. Marketing foi a

opção. No entretanto, é de novo convidado para Varig, desta vez – es-tava-se em 1990 – para participar na reabertura da escola de formação de pilotos da companhia. Ali ficou, na qualidade de director, até à consti-tuição do primeiro curso superior de Ciências Aeronáuticas, em parceria com a Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mantém-se na Varig, ainda em Porto Alegre como gerente comercial do estado, depois no Rio de Janeiro, como director de Logística Operacional. É quando conhece Fernando Pinto. E o princípio de uma vida de 12 anos em Portugal.Uma vez por ano, Luiz regressa a Porto Alegre, para visitar a família. É uma das viagens que faz a título pessoal, porque a maior parte das ve-zes é o trabalho que o faz voar. Todos os anos também, desde há nove, faz uma semana na neve – elege os Alpes como destino para uma ac-tividade completamente anti-stress. São momentos de “relaxamento total”, ele, a paisagem, o silêncio. Momentos de grande esforço físico também, mas já está habituado: afinal, em Lisboa vai ao ginásio todos os dias, excepto ao sábado, reservado às livrarias. Vai no final do expediente: “Tenho um horário de trabalho um pouco em contraciclo, chego cedo, saio cedo, evito almoços fora, se querem marcar uma reunião comigo marcamos, mas almoços não”.

As máquinas e as pessoas

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