alfabetos, caligrafia e tipografia. este exemplar é de maria joana

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A História da Caligrafia, da Tipografia e da produção de tipos. Contada e ilustrada por Paulo Heitlinger. 2014. tipografos.net A L F A B E T O S

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Page 1: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

A História da Caligrafia, da Tipografia e da produção de tipos. Contada e ilustrada por Paulo Heitlinger. 2014. tipografos.net

A L F A

B E T O S

Page 2: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Autor e paginação: Paulo Heitlinger.

Copyright 2011, 2012, 2013, 2014 by Paulo Heitlinger.

Uma publicação da série de e-books da tipografos.net.

Todos os direitos reservados para a língua portuguesa

e para todas as outras línguas.

O exemplar pessoal não pode ser vendido ou oferecido

a outras pessoas que o proprietário deste exemplar.

Este exemplar pertence a Maria Joana Leitora.

A História da Caligrafia, da Tipografia e da produção de tipos. Contada e ilustrada por Paulo Heitlinger. 2014.tipografos.net

ALFABETOSVenda do formato e-book: termos e condições

Este livro é vendido por Paulo Heitlin-ger em forma de exemplar personali-zado, que identifica digitalmente o seu proprietário. O livro/PDF pode ser impresso pelo pro-prietário e partes escolhidas também po-derão ser projectado em sala de aula, por exemplo, se for esclarecida qual a origem deste documento e o seu autor. O proprietário deste exemplar também poderá copiar curtos trechos de texto, para simplificar o processo de citações. Contudo, o exemplar comprado não po-derá ser transferido a outras pessoas! A «transferência» deste exemplar a outra pessoa que não o seu comprador é facil-mente detectável e servirá para o autor optar imediatamente pelos procedimen-tos jurídicos que considere necessários, para salvaguardar os seus interesses co-merciais e os seus direitos de autor.

Intro

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Alfabetos / «Temas» / Intro / página 3 Procurar no texto: CTRL+F

TemasIntro 2

Bem-vindo! ...................................................................... 8

Prólogo 10A pedra que tudo explicou ................................................ 11O Fenício, primeiro alfabeto fonético...............................14A Escrita do Sudoeste Peninsular .................................... 20As primeiras escritas fonéticas em território português e

espanhol .......................................................................23Letras sefarditas, 1 ........................................................... 43

Árabe 53Letras árabes ................................................................... 54Lápide dupla de Évora ......................................................55

Roma 67A primeira letra global .................................................... 68As formas das letras romanas ...........................................73Os glifos .......................................................................... 78Composição de texto ....................................................... 89Os suportes ..................................................................... 92Do barro ao chumbo ........................................................93Letras de vidro ................................................................ 98Poder e status ................................................................. 101Gravar a pedra ...............................................................107Os lapicidas ...................................................................108

Epígrafes 110Capitalis Monumentalis ..................................................111Miliários ....................................................................... 140Capitalis geométrica ......................................................143Capitalis condensada ..................................................... 156Rustica lapidar ............................................................... 175Letras sem-serifa romanas ..............................................194Letras pintadas a pincel ..................................................197Letras ornamentadas .....................................................205Letras pixelizadas ......................................................... 209A Cursiva romana ..........................................................216Quadrata librária ...........................................................223Rustica librária ..............................................................230

Decadência 235Letras tardo-romanas ....................................................237Versais orientais .............................................................241

Romanas Visigóticas 243Os Visigodos em terras hispânicas ................................. 245Evolução da versal visigótica ......................................... 247Escrita visigótica librária ................................................262

Unciais, as redondas 270A fase arcaica ................................................................. 271Codex Sinaiticus ............................................................275A segunda vida da Uncialis ............................................ 284

Temas

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Alfabetos / «Temas» / Intro / página 4 Procurar no texto: CTRL+F

Unciais em pedra .......................................................... 290Versais insulares ............................................................ 300

A primeira Renascença 307A Escrita Carolina ...........................................................311A Carolina na Península Ibérica .....................................314Letras no princípio de Portugal ...................................... 318

Códices, actas, cartas 320O scriptorium monástico ...............................................322Os tabeliões medievais ...................................................327

Góticas 329Da Itália: a Beneventana ................................................ 332Gótica de Bolonha (1300-1400) ..................................... 333Textura manuscrita ........................................................ 335

Góticas na Peninsula Ibérica 337A «Góticho-quadrada», epigráfica ............................... 338Letras góticas manuelinas ..............................................376A chancelaria régia ........................................................ 381Gótica Rotunda, manuscrita .......................................... 391

Fraktur 398A Fraktur histórica ........................................................400O cisma tipográfico .......................................................404Deutsche Schrift, a escrita alemã ...................................406Albrecht Dürer, co-autor da Fraktur .............................407Modisten, os expoentes da caligrafia alemã ................... 410

O delírio da ornamentação maneirista ...........................415A Fraktur americana ..................................................... 420Rudolf Koch e os irmãos Klingspor ...............................424A Fraktur de Hitler ........................................................ 430Jornais conservadores ....................................................433Góticas romanizadas, e outros híbridos ......................... 438Behrens-Schrift ............................................................ 439A Fraktur geométrica .................................................... 442

Romanas Humanistas 445Segunda Renascença .....................................................447Romanas humanistas em Portugal ................................464

Gutenberg 477Tipografia mecânica ..................................................... 478Do manuscrito ao impresso ........................................... 480Punção, matriz, fundição, caractéres ............................ 482B-42: o primeiro livro produzido em série ..................... 486O Homem do Milénio ................................................... 488Tipos móveis ................................................................ 489O valor dos tipos! .........................................................490Manufactura de tipos .....................................................491O puncionista ............................................................... 493A puncionista Nelly Gable .............................................494Matrizes ........................................................................ 498Tipómetros e outros instrumentos ................................ 506Paicas e pontos .............................................................. 508A composição manual ....................................................510Ligaduras .......................................................................527

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Alfabetos / «Temas» / Intro / página 5 Procurar no texto: CTRL+F

Oficinas 539A célere expansão da Prototipografia ............................ 540Disseminação pela Europa ............................................ 544Identificação dos tipos metálicos ...................................545

Caligrafia e Tipografia sefardita 547Manuscritos hebraicos na Península Ibérica .................. 548Bíblia de Cervera ...........................................................552Prototipógrafos judeus em Portugal ...............................568Uma oficina tipográfica em Amsterdão ..........................576

Prototipografia em Portugal 578Manuel i, venturoso merceeiro ...................................... 580Valentim Fernandes ....................................................... 581Germão Galharde, na senda de Fernandes ......................595António Gonçalves ....................................................... 599António de Mariz, em Coimbra .....................................600

As oficinas tipográficas mais famosas 602Os ex-sócios de Gutenberg ............................................ 603A quebra do sigilo .........................................................604Anton Koberger, em Nuremberga ................................. 606William Caxton, Inglaterra ...........................................610Erhard Ratdolt, Veneza e Augsburgo ..............................612Nicolas Jenson ...............................................................617Aldus Manutius e Francesco Griffo ................................ 620A Idade de Ouro da Tipografia de França .......................625Le Bé i ........................................................................... 627Antoine Augereau, a primeira vítima da Censura........... 629

Geoffroy Tory ................................................................ 631Claude Garamond .........................................................635Jacques Sabon ...............................................................640Simon de Colines .......................................................... 642Robert Granjon e as Civilités ......................................... 645Robert Estienne, teólogo impressor .............................. 647François Guyot ..............................................................652A Censura ..................................................................... 654A greve dos griffarins em Lyon .........................................656Evolução na Holanda e Flandres .................................... 659Nicolaes Biestkens ........................................................ 666Os Elzevier em Leyden e Amsterdam ............................. 668A dinastia Enschedé de Haarlem ................................... 669Johann Michael Fleischmann ........................................ 670Os holandeses portugueses ............................................671Os Deslandes .................................................................673A Real Imprensa de Paris, 1640 ..................................... 674A Inglaterra lidera ......................................................... 680Mechanik Exercises, de Moxon .......................................681Caslon, puncionista britânico ........................................683John Baskerville of Birmingham ................................... 686O Manuel Typographique de Fournier ............................. 689Les Didot .......................................................................693Tipografia espanhola .................................................... 699Josep Pradell, em Barcelona ...........................................701Bodoni, em Parma ........................................................ 705A British Letter Foundry de Bell ....................................... 713Vincent Figgins .............................................................. 715J.E. Walbaum: Fraktur e Romanas ..................................716

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Alfabetos / «Temas» / Intro / página 6 Procurar no texto: CTRL+F

Breitkopf: partituras famosas ........................................718Benjamin Franklin, editor e tipógrafo ........................... 720A American Type Founders Company ............................722Máquinas de fundição de tipos ..................................... 727A Kelmscoot Press, de William Morris ...........................728Theodore Low DeVinne ................................................ 734Goudy, o excêntrico .......................................................736Schriftgießerei Gebr. Klingspor .................................... 740Berthold Schriftgießerei, Berlin .....................................743

Portugal e Brasil 745Fundição de tipos em Portugal ...................................... 746O primeiro impressor no Brasil e o despotismo joanino ..752Impressão Régia no Brasil ..............................................756

Impressão 759O prelo de madeira ........................................................ 760Albion e Columbia .........................................................763O prelo de Lord Stanhope, 1795 ..................................... 766Washington Press, 1821 ................................................. 770A Estereotipia, 1727 .......................................................773

Impressoras industriais 776As impressoras de König, 1811 ....................................... 777As rotativas ................................................................... 779As minervas ...................................................................781Plano a plano ................................................................ 784Imprimir madeira ......................................................... 787Hippolyte Marioni! .......................................................791

Litografia 797Revolução a cores .......................................................... 798Alois Senefelder .............................................................801Jules Chéret ................................................................... 813Toulouse-Lautrec .......................................................... 815Cassandre ......................................................................816A primeira etapa da Litografia em Portugal, 1823... ......... 818Rafael Bordallo Pinheiro, mestre da «Lythographia»... 824

Offset 828

Gravura 832Gravura com madeira .................................................... 833Gravura com metal ........................................................836Água-forte .....................................................................839

Serigrafia 842

Fototipia 844Fototipia a cores .............................................................850Fotogravura, Autotipia .................................................. 853

Máquinas de escrever 854Mecanografar e dactilografar ......................................... 855Letras monoespaçadas ...................................................863Os mimeógrafos ............................................................ 870

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Alfabetos / «Temas» / Intro / página 7 Procurar no texto: CTRL+F

Composição mecânica 873Typograph .................................................................... 874A Linotype de Mergenthaler...........................................875A Monotype de Tolbert Lanston .................................... 892Fotocomposição ............................................................901Analógica e digital ........................................................ 903Diatype e Diatronic ....................................................... 907DTP, 1985 ......................................................................910Adobe, os produtos ........................................................ 911

Sinaléticas 913Uma introdução nostálgica ............................................914Londres, para exemplo ...................................................917O mapa do Tube .............................................................918Legible London ............................................................. 920Pictogramas ...................................................................923Metro de Bilbao com a fonte Rotis ................................. 927A Metrolis em Lisboa .................................................... 930Quebrar dogmas: a Capitolium de Unger .......................932

Estilos de letras 934Famílias tipográficas? ....................................................935Gótica Rotunda .............................................................937Fraktur histórica ...........................................................939Venezianas .....................................................................941Garaldes ....................................................................... 942Transição ...................................................................... 943As Didones ...................................................................944Sem-serifas, modernas .................................................. 949Sem-serifas humanistas ................................................ 950

As Egípcias .................................................................... 951Italiennes .......................................................................952As Modernas ..................................................................953Scripts .......................................................................... 954Arte Nova ......................................................................955Art-Déco glamour ......................................................... 956Caligrafias no estilo Art-Déco ....................................... 968As Latinas ......................................................................973Brush, a letra pincelada ................................................. 974alfabetos elementares .................................................... 975

Papel 978O Moinho do Papel em Leiria ........................................ 980O Museu Papeleiro em Paços de Brandão .......................982Molí Paperer de Capellades ........................................... 986Pontusais, corondéis, marcas d’água ............................. 987Marcas de papeleiro .......................................................991Brevíssima história do papel.......................................... 99330 tipos de papel ..........................................................1002

Bibliografias 1012Livros sobre Tipografia, publicados em português ........1013Bibliografia geral .........................................................1020

Museus 1028

Glossário 1032

Índice remissivo 1066

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Alfabetos / «Temas» / Intro / página 8 Procurar no texto: CTRL+F

Bem-vinda!

Q uando se tornou claro que o meu livro Alfa-betos não iria ser vendido fora de Portugal, quis dar melhor divulgação e continuação

a esta publicação. A solução foi divulgá-la em for-mato digital. Mas actualizada, e mais abrangente.

Senti a necessidade de alargar o âmbito do livro, para poder integrar cinco anos de investigação em muitos domínios. Além disso, as experiências feitas no Typeface Design e no meio universitário reforça-vam a ideia que o livro deveria de ser alargado, para conter a abrangência de temas que o título sugere. Deste modo, esta edição digital contêm os melho-res textos do livro Tipografia e do livro Alfabetos, assim com vários artigos publicados nos Cadernos.

O novo formato, DIN A4 ao largo, leva uma representação gráfica adequada à leitura on-screen, e tira proveito dos mecanismo de navegação do for-mato PDF. Dei muita atenção ao facto de que cada vez mais documentação está acessível pela Internet. O leitor encontrará dezenas de links que lhe facilita-rão o acesso a extraordinários sites.

A Tipografia demorou 550 anos a evoluir – regista-se para cerca de 1455 a produção do primeiro livro impresso com tipos móveis de metal – mas hoje assistimos a uma grande mudança: cada vez mais o impresso é substituído pelo livro digital.

Convenções e modos de escrever

O s termos tipográficos portugueses foram frequentemente completados com os res-pectivos termos ingleses e alemães, tor-

nado esta publicação (também) num glossário ilustrado.

Os termos já bem conhecidos pela maioria dos leitores deste livro, que ocorrem constantemente no universo das letras, do desenho de fontes digi-tais e do Design editorial, não foram assinalad0s com itálicas: font, type, typeface, designer, graphic design, layout, display, print, download, newsletter, online, software, web-site, etc.

Expressões menos comuns, por exemplo, on screen ou autohinting, essas sim vão assinaladas com itálicas. Ao leitor que tiver dúvidas sobre o signifi-cado destes termos, pede-se que consulte o Glossá-rio, no fim do livro. Para mais fácil identificação, as épocas, as escolas, os movimentos culturais e artís-ticos, as correntes ideológicas e também todos os «ismos» foram escritos com letra maiúscula no princípio das palavras: Art-Déco, Arte Nova, Art Nouveau, Barroco, Calvinismo, Constru tivismo, Dadaísmo, Estilo Internacional, Escola Suíça, Humanismo, Idade Média, Idealismo, Império Romano, Fun cio nalismo, Renascença, Roman-

Como usar este e-bookEste documento digital proporciona um elevado grau de interactividade. O Índi-ce de Temas permite saltar directamen-te para a página assi nalada. O Índice Re-missivo, no fim do livro, também. Um clique em «Temas» leva o leitor de vol-ta à página 3. Clique em «Índice Remis-sivo» para saltar até lá. Os links internos – as referências cruzadas – também são interactivos. Os hyperlinks exteriores (URLs) activam o seu browser e abrem a página web em questão. Boa navegação!

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Alfabetos / «Temas» / Intro / página 9 Procurar no texto: CTRL+F

tismo, Maneirismo, Marxismo, Modernismo, Neo--Classicismo, Protestantismo, Rocócó, Surrea-lismo, Verismo, etc.

As únicas excepções são aquelas doutrinas ou instituições que optaram conscientemente por uma grafia só com minúsculas: neue typographie, hfg (abreviatura para hochschule für gestaltung, uma famosa escola em Ulm).

T ambém as disciplinas do saber merece-ram sempre letra maiúscula: Matemática, Arquitectura, Geometria, Ciências Natu-

rais, Física, etc. De igual modo se assinalam os pro-cessos de produção e as tecnologias descritas neste livro, por exemplo: Banda Desenhada, Branding, Caligrafia, Composição, Cro mo lito grafia, Design, Este reo tipia, Fotocom posição, Foto grafia, Foto-montagem, Ilustração, Imprensa, Infografia, Linó-tipia, Marketing, Publicidade, Tipografia, etc.

Esta forma de grafar simplificará a identifica-ção dos temas deste livro, assim como estará em sintonia, sempre que possível, com designações semelhantes, usadas noutras línguas: Transicio-nais (Transitionals), Sem-serifas (sans-serif, inglês, seriflos, alemão). Também foi considerado impor-tante que esta terminologia não esteja em contradi-ção com as designações usadas em centenas de web--sites, devotados ao Typeface Design comercial.

R esta-me expressar um sincero «Muito obrigado!» aos amigos que me ajudaram a dar melhores conteúdos às seguintes pági-

nas: Peter Karow, Birgit Wegemann, Sofia Bernar-des, José Gameiro, Isabel Medeiros, Dino dos San-tos, Miguel Sousa, M.M. Malaquias, Nick Shinn, Mark Jamra e o já falecido Kurt Weidemann.

Porto, 25 de Fevereiro de 2014Paulo Heilinger

Seguindo a mesma linha, optei por grafar todos os nomes de letras, fontes, siste mas de escrita, carac-téres tipográficos (assim como todos os nomes de estilos de letra), com letra maiúscula no princípio das palavras: Antiqua, Blackletter, Bastarda, Capi-talis Monumentalis, Carolina, Chanceleresca, Civi-lité, Didone, Egípcia, Escrita Direita, Escrita Ver-tical, Fraktur, Garalde, Gótica, Gótica Rotunda, Grotesca, Itálica, Kurrent, Latine, Letra Inglesa, Letra Francesa, Moderna, Minúscula, Romana, Scotch, Sem-se ri fa, Serifa-grossa, Script, Transicio-nal, etc.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 10 Procurar no texto: CTRL+F

Glifos de crua beleza. Escrita do Sudoeste. Museu Arqueológico Provincial de Badajóz.

Prólogo

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 11 Procurar no texto: CTRL+F

A Escrita hieroglífica egípcia, usada na pri-meira banda da pedra gravada mostrada ao lado, ocupa uma posição singular na evo-

lução das escritas ideográficas em transição para os alfabetos. A Escrita hieroglífica também dispu-nha duma variante de escrita rápida, mais prática: a escrita hierática cursiva, utilizada nos textos reli-giosos sobre papiro. Mais tarde apareceu a Escrita Demótica, mais popular e muito divulgada; é esta forma de escrita que forma a parte central da famosa Pedra de Roseta.

N o Egipto, por volta de 1.500 a.n.e., foi esta-belecido um alfabeto fonético com 22 ou 23 glifos, representando letras conso an tes;

as vogais não eram registadas. Contudo, os Egíp-cios, mais interessados no aspecto mágico que no funcional da sua escrita, nunca substituíram os hie-róglifos pelos glifos fonéticos que tinham desen-volvido e aperfei çoa do; preferiram usar uma escrita com forte redun dância, que combinava aspectos alfabéticos e fonéticos com os hieróglifos.

A pedra que tudo explicou

A pedra com inscrições encontrada em Roseta (Raschid), mostra

o mesmo conteúdo em três sistemas de escrita: Hieróglifos,

Demótico e Grego. Jean-François Champollion decifrou as

formas escritas egípcias comparando os três textos da Pedra de

Roseta. Ilustração: Wallis Budge, Books on Egypt and Chaldaea –

Volume XVII, The Rosetta Stone. Londres, 1904.

Page 12: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 12 Procurar no texto: CTRL+F

A Pedra de Roseta foi crucial para a compreensão dos hieróglifos egípcios. Esta estela regista um decreto promulgado em 196 a.n.E., na cidade de

Memfis, em nome do rei Ptolomeu V, registado em três formas: o superior está na forma hieroglífica, o do meio em Demótico e o inferior em Grego. Exibida dentro dum templo, a estela foi removida a acabou por ser usada como material na construção de um forte na cidade de Roseta (Rashid), no delta do Nilo. Foi descoberta aí em 1799 por um soldado da expedição francesa ao Egipto.

A Pedra de Roseta despertou logo enorme interesse, pois poderia conter uma tradução do idioma egípcio, até então por decifrar. As tropas britânicas derrotaram os Franceses no Egipto em 1801, e a Pedra passou para o Reino Unido. Transportada para Londres, está em exibi-ção no Museu Britânico desde 1802, onde é o objecto mais visitado.

A primeira tradução completa do texto grego sur-giu em 1803; a decifração dos textos egípcios foi anunciada por Jean-François Champollion

em 1822. Os principais factores para esta decodificação foram a descoberta de que a Pedra oferecia três variantes do mesmo texto (1799); que o texto em Demótico utilizava caracteres fonéticos para os nomes estrangeiros (1802); que o texto em hieróglifos não só também o fazia, como tinha semelhanças profundas com o Demótico (Thomas Young, 1814); e que, além de serem utilizados para sole-trar estes nomes, os caractéres fonéticos também eram uti-lizados para palavras nativas do Egípcio (Champollion, 1822–1824).

Page 13: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 13 Procurar no texto: CTRL+F

Fenícios no Alentejo

O «Tesouro do Gaio», datavél para o século vii a.n.E., é um conjunto de pequenas peças em ouro, prata, mar-

fim e em materiais menos nobres. Foram encon-tradas em 1966 na Herdade do Gaio, próximo de Sines, e constituem uma das provas empíricas que os Fenícios/Púnicos frequentavam as costas do território hoje português. Neste tesouro púnico de simbologia egípcia está figurada, nas arreca-das, a deusa Hathor (uma deusa muito venerada no Egipto ligada ao amor, ao erotismo, à fecun-didade, à maternidade) e gravado em relevo, no sinete em marfim, o escaravelho de Tutmosis III, com o olho de Horus – deus-sol, que protegia o nascimento das crianças.

Trata-se de um conjunto de jóias de mulher. A partir das afinidades com o Tesouro de Aliseda, classifica-se o conjunto do Gaio na matriz tar-téssico-púnica e estabelece-se o século vii como datação provável. A impressão do luxo é dada pela quantidade das contas e pingentes e pela fili-grana das arrecadas e da gargantilha de ouro (na foto), peças centrais do espólio. O «Tesouro do Gaio» constitui um valioso testemunho arqueo-lógico e patrimonial, característico do chamado «Período Orientalizante», um dos mais expres-sivos aspectos da I Idade do Ferro no Sul de Por-tugal; considerando que este período se caracte-riza pela presença de objectos típicos do comér-

cio fenício, como os anforiscos e os colares de con-tas de pasta vítrea e de âmbar e as jóias em ouro, de que sobressaem as arrecadas e o colar de pla-cas articuladas, que integram o mesmo «Tesouro do Gaio» temas aqui clara evidencia da presença fenícia/púnica na costa do Alentejo e, deste modo, uma bela introdução ao seguinte artigo.

Page 14: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 14 Procurar no texto: CTRL+F

O Fenício, primeiro alfabeto fonético

O berço da maior parte das formas de escrita modernas foi, uns 3.500 anos atrás, o Pró-ximo Oriente. Além da escrita hieroglífica

egípcia, apareceram nesta zona a Escrita cuneiforme suméria e a primeira Escrita alfabética semita – ambas baseadas em ideogramas. Finalmente foram os Fenícios, povo semita de navegadores e comer-ciantes, que criaram o primeiro alfabeto, composto por 22 consoantes, e que se escrevia da direita para a esquerda. Era uma escrita consoantica, que asso-ciava a cada consoante uma vogal correspondente. Os diligentes Fenicios espalharam a sua escrita pela Grécia e pelo resto do Mediterrâneo.

Foram portanto os Fenícios os primeiros a escre-ver com um alfabeto. No próprio termo encontra-mos as duas primeiras consoantes fenícias: alef e beth. Por volta de 1000 a.n.e, os Fenícios, ma ri nhei-ros e comerciantes com forte sentido prático, re ce-beram a Escrita Proto-sinaítica e adopta ram-na gra-dual mente até formularem aquele que seria a base de todos os alfabetos usados actual mente no Oci-dente e por todas (!) as línguas in do- europeias.

Inscrição bilingue, em latim (no topo) e púnico (em baixo).

O latim lê-se da esquerda para a direita; o púnico, que é um

derivado do fenício, da direita para a esquerda. O registo

relata que o edifício foi pago e dedicado ao novo-rico local

Annobal Rufus. Teatro romano de Lepcis Magna, Líbia.

Foto: Sebastià Giralt.

Das 22 letras fenícias derivaram

importantes sistemas de escrita,

como o Hebraico, o Grego, o Aramaico e

o Latino. Também a Escrita do Sudoeste é

um derivado directo do alfabeto fenício.

Os sistemas de escrita árabe e hebraico

ainda conservam uma característica

obtida do Fenício: escrevem-se da

direita para a esquerda.

Page 15: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 15 Procurar no texto: CTRL+F

A s letras fenícias são descendentes direc-tas do sistema proto-sinaítico. A palavra sinaí tico é um adjectivo que significa rela-

tivo ao monte Sinai; contudo, o Proto-sinaítico não é semelhante ao Sinaítico. Até ao século xviii a.n.e., a Península do Sinai esteve sob o domínio egíp-cio e o seus habitantes semitas tomaram um certo número de signos hieroglíficos para anotarem a sua língua. Assim como o Proto-sinaítico, também o Fenício é um alfabeto fonético de consoantes, um abjad. (Um abjad é um sistema alfabético con-tendo um glifo por consoante; as vogais foram omi-tidas nesta fase arcaica dos sistemas de escrita foné-tica.) A maior diferença entre o Proto-sinaítico e o Fenício é de natureza gráfica. As formas dos glifos fenícios são nitidamente mais abstractas e lineares, quando as comparamos com os signos mais picto-gráficos do Proto-Sinaítico.

Fenícia foi o nome que os Gregos deram, no pri-meiro milénio a.n.e., à franja costeira do actual Líbano e Norte de Israel, desde a região de Tri-poli, no norte, até Akko (Acre), no sul. Os diligen-tes Fenícios tinham reconhecido a supe riorida de de um alfabeto fo né tico sobre os com ple xos sistemas de escrita baseados em pictogramas. E preferiram não aderir aos sistemas de escrita cuneiformes.

O alfabeto fenício foi decifrado em 1758, pelo abade francês Barthélémy d’An dlau (1447 – 1476), um letrado do Século das

Duas estatuetas de argila, uma deusa grávida e um

cavaleiro montando um cavalo alado, interessantes

testemunhos do sincretismo na cultura fenícia,

fotografados por J.P. Dalbéra, do Musée des

Civilisations de l'Europe et de la Méditerranée

http://www.mucem.eu

Moeda com inscrições gregas e fenícias.

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Luzes, que se apoiou em textos bilíngues (inscri-ções greco-fenícias da Ilha de Malta), assim como nas legendas de moedas de Tiro. Primeiro identifi-cou nomes próprios (Tiro, Melqart, etc.), a seguir iden tificou palavras simples, e finalmente fez a com-paração com as versões gregas. A maior dificuldade no decifrar residia na falta de textos longos, já que os textos conhecidos se reduziam a dedicatórias aos deuses e textos em monumentos funerários.

Pouco a pouco, os arqueólogos desenterraram manifestações do mesmo alfabeto ao longo das rotas das expedições marítimas, nos empórios e colónias fenícias fundados no Mediterrâneo.

A expansão comercial e cultural fenícia pelo mundo da Antiguidade foi o principal motor de propagação do alfabeto que foi

o «pai» de dúzias de outros alfabetos. O comér-cio com os Fenícios levou à introdução da Escrita do Sudoeste no território hoje português e espanhol.

O motivo que animou os Fenícios a utilizar um alfabeto fonético foi o aspecto prático e utilitá-rio. Os produtores de bens e os comerciantes terão achado este sistema de escrita apropriado para fazer registos, relatórios e contas.

Um alfabeto simples, com poucos glifos, mas extremamente funcional, pois servia para anotar eficientemente os fonemas de diferentes idiomas.

Para nós, o alfabeto fenício é o mais importante tronco na árvore genealógica dos alfabetos. O alfa-

Inscrições em rochas na Península do Sinai.

«Desde as idades mais remotas, diversos sistemas de registo do pensamento, abstractos ou figurativos, antecederam aquilo que chamamos <Escrita>.

A invenção do sistema alfabético pelos povos do Médio-Oriente, cerca de 1200 anos a.C., foi uma etapa decisiva na história da Humanidade. Ao decompor a linguagem falada num determinado número de símbolos fonéticos (ou letras), o alfabeto permitiu que se registassem com uma mesma escrita todas as línguas daquela região, estabelecendo assim vínculos muito fortes de comunicação entre os povos.

O alfabeto pode ser considerado o primeiro acto de um certo humanismo mediterrâneo, nascimento e fundamento da nossa cultura e das nossas sociedades modernas.» Ladislas Mandel, 1998.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 17 Procurar no texto: CTRL+F

beto árabe, o hebraico, o grego e o romano, todos têm um ascen dente comum: o alfabeto fenício.

Deste modo, não admira que o primeiro alfabeto usado em território português (Escrita do Sudo-este) também seja um derivado directo do sistema de escrita dos Fenícios, visitantes assíduos das cos-tas marítimas da Península Ibérica, onde estabelece-ram empórios para fazerem comércio com as popu-lações locais.

Os Fenícios criaram entrepostos comerciais ao longo das costas do Mediterrâneo, também em Cádiz, Adra, Almuñécar, Málaga (Espanha), chegando até às costas atlânticas: Castro Marim, Tavira, Rocha Branca, Faro, Lagos, Lisboa, etc.

N o Norte de África fundaram uma das suas principais colónias: Cartago (= Nova Cidade). Cartago, situada perto do centro

da cidade de Túnis, na Tunísia, foi uma das grandes potências da Antiguidade, disputando com Roma o controlo comercial e militar do Mediterrâneo. Nessa disputa tiveram origem as três Guerras Púni-cas, após as quais Cartago foi destruída.

O sistema de escrita fenício continuou em uso, em forma do Púnico (uma escrita mais cursiva), até 200 – 300 n.e.

Escrita de prestígioNo início do primeiro milénio a.n.e., o sistema de escrita fenício gozava de prestígio além-frontei-ras. Os Hebreus e os Arameus, que se instalaram na

Escrita fenícia. Museu ao ar livre de

Karatepe-Arslantas, Turquia. Karatepe,

uma fortaleza dos Hititas, é uma estação

arqueológica perto do rio Jeihan, na

Turquia meridional, escavada entre 1946 e

1949. As escavações de Karatepe, puseram a

descoberto lajes de pedra com cenas de caça,

navegação e também religiosas, e forneceram

inscrições bilingues (fenício e hieróglifos

hititas) — o que facilitou muito a tarefa de

decifrar a escrita hitita. Mais imagens em

www.hittitemonuments.com/karatepe.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 18 Procurar no texto: CTRL+F

zona do Sinai dois séculos antes, adoptaram várias padrões culturais dos Fenícios – entre eles, o alfa-beto. E começaram a escrever textos no seu idioma, usando glifos fenícios.

A partir da primeira metade do século ix a.n.e., a escrita hebraica tomou um rumo próprio; a escrita aramaica fê-lo a partir da primeira metade do século viii a.n.e. A partir do século viii a.n.e., o sistema fenício deixou de ser «internacional», converten-do-se num sistema de escrita «nacional», tal como o Aramaico e o Hebraico. ¶

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Entre os textos mais importantes para a história

dos alfabetos, avulta a inscrição em memória

de Ahiram, rei de Biblos, mandada gravar por

volta de 1.000 a.n.e. pelo seu filho, sobre um

sarcófago reutilizado. Esta inscrição, considerada a

primeira verdadeiramente fenícia, integra 19 das 22

letras do alfabeto e já mostra elementos de separação

entre as palavras. O sarcófago foi descoberto pelo

arqueólogo francês Pierre Montet em 1923, no sítio

de Jbeil, no Líbano (a Biblos histórica), e pertence ao

Museu Nacional de Beirute. Foto: G. Eric and Edith Matson

Photograph Collection da Library of Congress, EUA.

Por baixo da fotografia nesta página, a famosa inscrição

fenícia.

Outras inscrições, igualmente de cariz real, remontam à

época persa, quando a cidade-estado de Sidon alcançou

uma posição dominante na costa marítima fenícia.

Os seus reis fizeram gravar grandes dedicatórias aos

deuses da cidade e cunhar sobre as suas tumbas avisos

aos ladrões que ousassem pilhar os sepulcros. O uso de

cunhar moedas, que apareceu nesta época, ocasionou a

legendagem de moedas com nomes de reis.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 19 Procurar no texto: CTRL+F

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aHBKLMNORSTZPQ RSWXYhpst

Escrita fenícia, fonte digital.

Fenikeliler ait yazı (sistema de escrita fenício)

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 20 Procurar no texto: CTRL+F

A Escrita do Sudoeste Peninsular

A Estela da Abóbada, achada no sítio arqueológico de Gomes Aires, em Almodôvar, é uma das poucas que inclui figuração. No centro, emoldurado pelas bandas com glifos, vemos um guerreiro armado, em pose agressiva. Esta estela documenta o primeiro sistema alfabético usado em Portugal. Muitas das estelas com Escrita do Sudoeste provêm do Baixo Alentejo e puderam ser datadas – aproximadamente –, a partir das necrópoles a elas associadas. Estas necrópoles tinham inicialmente túmulos circulares e depois túmulos elaborados em forma rectangular. As datas assinaladas para as pedras funerárias oscilam entre os séculos VII e V a.n.e.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 21 Procurar no texto: CTRL+F

Fragmento de uma estela exposta no Museu Arqueológico de Faro, Portugal. Escrita do Sudoeste. Os glifos são muito semelhantes aos do alfabeto fenício. Foto: ph.

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Fragmento de uma estela inscrita exposta no Museu Arqueológico de Badajóz, Espanha. Escrita do Sudoeste. Os glifos são semelhantes aos do alfabeto fenício. Bibliografia: La estela inscrita de Siruela, Badajoz, José M. Otero, José L. Melena,Universidad de Salamanca. Foto: ph.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 23 Procurar no texto: CTRL+F

As primeiras escritas fonéticas em território português e espanhol

Fragmento de uma estela, Museu Arqueológico de Beja.

É para o século vi a.n.e. que se data

a primeira escrita com base fonética na

Península Ibérica. Em muitas etapas da

evolução da Pré-História para a História,

o uso da escrita acompanhou o

desenvolvimento do urbanismo, da

economia mercantil e da plena evolução

das classes dirigentes e elitistas.

Em território ibérico, estes processos já

tinham sido iniciados nos povoados

fortificados do Calcolítico – mas sem o

aparecimento de uma escrita.

P ovoados fortificados, centros de poder, foram iniciados já no Calcolítico (3.000 – 2.000 a.n.e.), mas não foram acompa-

nhados pelo aparecimento de um sistema de escrita. Esta escrita foi importada, muito mais tarde, do Mediterrâneo. Foi trazida pelos Fenícios e repre-senta a mais antiga grafia fonética detectada não só em solo português e espanhol, como em toda a Europa Ocidental.

Valores fonéticos dos glifos da Escrita do Sudoeste, segundo o Museu

Arqueológico Provincial de Badajoz, Extremadura, Espanha.

AEHIBKLMNORSTUZÀÇÌÈÍÎÔÛÙé

Escrita do Sudoeste, fonte digital.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 24 Procurar no texto: CTRL+F

A chamada Escrita do Sudoeste ou Tartéssica ou Sudlusitana, da Idade do Ferro i no Sul de Espanha e Portugal, foi desenvolvida pelos Tartessos, nome pelo qual os Gregos conheciam os habitantes das actuais regiões da Andalu zia, da Extre ma dura espa-nhola, do Baixo Alentejo e do Algarve.

As inscrições que hoje conhecemos foram maiori taria mente achadas nas áreas mais aciden-ta das entre o Alentejo e o Algarve (em especial, na Serra do Caldeirão), no território das nascentes dos cursos de água desta região (Sado, Mira, Arade) e dos três subsidiários do rio Guadiana (ribeiras de Oeiras, Vascão e Foupana).

A zona estende-se até Badajoz, na Extremadura espanhola. Contudo, há que salientar que desde as prospecções do casal de arqueó lo gos alemães Georg e Vera Leisner (de 1940 a 1960), nunca mais se fez alguma prospecção e inventariação arqueo lógica sistemática em Portugal.

O s glifos do alfabeto da Escrita do Sudoeste (veja tabela na primeira página do artigo) são claramente derivados do alfabeto

feníci0. A escrita teria 27 signos, o número que se regista numa estela aparecida em Espanca (Castro Verde, Beja); esta inscrição mostra um abecedário gravado por alguém que possuía destreza, e outro imitado, por baixo, por um aprendiz.

Nos glifos do Alfabeto de Espanca, os primei-ros catorze têm formas e valores fonéticos idên ti-

As estelas, sejam de carácter funerário,

ou votivo ou cumprindo outras funções,

são elementos frequentes nos espólios

datáveis para a Idade do Ferro europeia.

As imagens de espadas e achas de ferro,

gravadas em relevo nestas estelas

expostas no Museu Regional de Beja

(www.museuregionaldebeja.net)

não nos deixam dúvidas sobre o

carácter bélico e agressivo das

sociedades que usavam a Escrita do

Sudoeste.

Em território hoje português e

espanhol, na Idade do Ferro verificou-se

a ocupação dos territórios celtas,

lusitanos e tartéssios pelas legiões

do Império Romano.

A divisão do período em Idade do Ferro I

e Idade do Ferro II, como o fez Armando

Coelho na sua obra Cultura Castreja,

permite diferenciar com maior precisão

as dinâmicas sociais e culturais.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 25 Procurar no texto: CTRL+F

cos. Os cinco glifos que se seguem, embora apre-sentem um traçado semelhante, podem correspon-der a fonemas diferenciados. Os últimos oito con-sideram-se relativamente independentes, adopta-dos para suprir a falta de glifos que completassem o sistema. Sem contar com as variantes de algumas letras, conhecemos hoje cerca de 40 glifos diferen-tes. O que é que nos transmitem?

A escrita foi considerada «complexa» e «inde-cifrável», mas o facto é que tem sido decifrada, pouco a pouco; a sua leitura começa a ser possível. Conhecemos mais de oitenta textos, muitos que são fragmentos, quase todos gravados em estelas feitas com a pedra de xisto que abunda na área da sua difu-são. Alguns textos parecem não ter qualquer con-texto funerário.

P odemos ler – foneticamente – uma boa parte das sequências gravadas nas inscri-ções, mas ainda não decifrámos os conte-

údos. O que significam? Pouco sabemos sobre a(s) língua(s) em que estão escritas. Sendo a linguagem desconhecida, as dificuldades de interpretação dos textos são grandes, agravadas pela dificuldade de isolar palavras, pois quase sempre faltam separado-res. Contudo, já temos um primeiro repertório de sequências de glifos, que podem corresponder a «palavras». Existem correspondências com nomes de origem indo-europeia.

Estela de Siruela, Badajoz. Desenho exposto no Museo

Arqueológico Provincial de Badajoz. Os glifos são muito

semelhantes aos do alfabeto fenício.

O conjunto de glifos de Espanca.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 26 Procurar no texto: CTRL+F

Um conjunto de inscrições funerárias apresenta no final uma sequência de glifos, com ligeiras varian-tes – uma fórmula do tipo «aqui jaz». A compa-ração com línguas conhecidas permite incluir o idioma representado nas línguas indo-europeias.

Admitiu-se a ligação com vestígios toponímicos da região. Neste contexto integram-se, por exemplo, os nomes de lugares terminados em -ipo (aos quais pertence a cidade andaluza de Ventipo, mas também Olisipo, Lisboa) e em -oba e -uba (onde se inclui Ossonoba, Faro, bem como Corduba, Córdova).

As características da Escrita do Sudoeste

D o ponto de vista da classificação de siste-mas de escrita, a Escrita do Sudoeste não é nem propriamente um alfabeto, nem um

silabário, mas sim uma escritura mista, um semi--silabário. À semelhança das outras escritas paleo--hispânicas, apresenta glifos com valor silábico para as oclusivas, e glifos com valor alfabético para o resto das consoantes e vogais.

A característica distintiva desta escrita é a siste-mática redundância vocálica dos signos silábicos, um fenómeno que nas outras escritas paleo-hispâni-cas é apenas residual. Este aspecto, descoberto por Ulrich Schmoll, permite classificar a maior parte dos glifos desta escrita em silábicos, vocálicos e consonânticos.

Jesús Rodríguez Ramos, num artigo derivado da sua tese de doutoramento, explica o carácter da

Estela da Herdade do Pêgo I,

Rio Mira, Ourique, Alentejo.

Museu Arqueológico de Beja. Era

sobretudo em estelas funerárias

– pedras tumulares talhadas em

xisto ou grés – que as sociedades do

Sudoeste ibérico faziam inscrições;

as estelas eram colocadas ao alto

sobre as sepulturas dos defuntos da

classe dirigente.

A Necrópole da Herdade do Pêgo

ocupa um pequeno cabeço de

xisto de vertentes suaves. Nas suas

imediações está o habitat com

o mesmo nome, relacionado com

esta necrópole. A necrópole, que

apresentava o aspecto de uma

calçada compacta de xisto, ocupava

uma área de 830 m2. Era composta

por 38 monumentos funerários,

de que se conservavam, no

momento da escavação, 35, todos

justapostos.

Escrita do Sudoeste aplicada a uma

lápide funerária. Museu de Beja.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 27 Procurar no texto: CTRL+F

Escrita do Sudoeste: «De las escrituras paleohis-pânicas de las cuales tenemos un mínimo de datos para poder trabajar, sólo nos podemos plantear la sudlusitana como la más próxima al modelo feni-cio. La forma de sus signos es la más similar al feni-cio (más apartada está la íbera meridional y mucho más la levantina) y es la más antigua documentada (al menos desde los siglos vi – v a.C.).»

«El funcionamiento de la escritura sudlusi-tana no se conoce a la perfección, pero hay algu-nos aspectos claros. Se trata de un alfabeto redun-dante, no algún signario prefenicio. Un semisilaba-rio, en el que de forma paralela al íbero se dispone de cinco signos para cada uno de los tres órdenes de consonantes oclusivas (verosímilmente velar, den-tal y labial); correspondiéndose en principio cada uno al uso exclusivo ante un signo vocálico especí-fico. La apariencia formal de la escritura es como si a cada silabograma del íbero se le añadiera sistemá-ticamente el signo de la vocal ya incluida en dicho silabograma (ba + a, be + e, etc.) pero, desde un punto de vista estructural y funcional, corresponde a un alfabeto.»

«Con todo, las inscripciones que han llegado hasta nosotros no siempre se atienen ortodoxa-mente a la regla general, sino que se aprecian lo que parecen ser simplificaciones y evoluciones diversas en un grupo minoritario; además de unas pocas ins-cripciones que utilizan formas de signos atípicas y

As estelas apresentam uma escrita sinistrorsa (escrita que se lê

da direita para a esquerda), de estrutura semi-silábica, datável

para os séculos vii e vi a.n.e., derivada do alfabeto fenício.

O abundante uso de vogais abre a hipótese de estarmos

perante uma língua falada num limitado espaço geográfico.

Estela fotografada no Museu de Almodôvar.

que deben corresponder a tradiciones epicó-ricas, por lo que son de difícil clasificación y complican sobremanera el establecimiento de regularidades a la hora de analizar el material.» Fim da citação.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 28 Procurar no texto: CTRL+F

E ntretanto, embora a lentíssimo conta--gotas, os quase inertes administrado-res da Arqueo logia portuguesa permitem

algum acesso à realidade das sociedades da época. Uma necrópole da Idade do Ferro (descoberta há 37 anos!) abriu em 2008 ao público: a Necró-pole do Pardieiro, no concelho alentejano de Ode-mira. Podemos agora visitar dez sepulturas num sítio arqueo lógico onde foram achadas três lápi-des epigrafadas com Escrita do Sudoeste e duas este-las decoradas com marcas de pés, no Monte do Par-dieiro, a cerca de três quilómetros de Corte Malhão, na freguesia de São Martinho das Amoreiras.

N as sepulturas do Pardieiro também foram achadas prendas funerárias, como colares de contas de pasta vítrea e de âmbar, pin-

gentes de cornalina (ágata, pedra preciosa), peças de cerâmica e algumas armas de ferro, como facas e pontas de lança.

Outro sítio visitável, Fernão Vaz, está integrado no Circuito Arqueológico da Cola, situado a cerca de 15 km da vila de Ourique, e ao qual se tem acesso pela estrada IC1, que liga Lisboa ao Algarve. A par-tir de 1970, os arqueólogos conseguiram locali-zar em Fernão Vaz vários monumentos funerá-rios, onde foram recolhidas inscrições com Escrita do Sudoeste, juntamente com armas de ferro, cerâ-micas de origem mediterrânea, jóias fenícias, anéis com escaravelhos egípcios – objectos provenientes do Mediterrâneo Central e Oriental.

Estela da Fonte Velha, Bensafrim.

Como se verifica em boa parte das estelas

grafadas com a Escrita do Sudoeste, o texto

é enquadrado por duas linhas paralelas,

que definem o alinhamento dos glifos.

A distribuição e a organização do texto são

quase sempre parecidas. No modelo mais

frequente, vemos uma única sequência contínua,

em forma de U invertido, iniciada na parte

inferior direita e terminada no lado oposto.

A orientação sinistrorsa é a mais frequente:

da direita para a esquerda. A posição dos

caractéres é extroversa: o topo dos glifos está

dirigido para o exterior da estela; a linha de base

está orientada para o centro.

Apesar de se tratar de um fenómeno geográfica

e cronologicamente limitado, a existência de

muitas particularidades atípicas do padrão

mediano faz crer que não se praticou uma

grande uniformização, pois as inscrições

conhecidas mostram diversos particularismos.

Page 29: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 29 Procurar no texto: CTRL+F

Estas descobertas permitiram identificar uma civilização entre os finais do século viii e o século v a.n.e.; agora faltava perceber a dinâmica social dos habitantes desta zona e a forma como se relaciona-vam com os empórios fenícios e as importações de elementos culturais trazidos por estes comerciantes.

P ouco nos interessa conhecer um sistema de comunicação social – como é o caso da Escrita do Sudoeste – se não o consegui-

mos relacionar com a organização social e política das sociedades que o usaram. Para além de várias descrições fenomenológicas, parece ser Virgílio--Hipólito Correia o único cientista que tentou per-ceber a dinâmica da sociedade que «honrava» os seus elementos de elite (que controlavam os centros de poder da região) com estelas funerárias escritas, entre os séculos viii e v a.n.e.

Refere este autor «uma situação conjuntural em que esses centros de poder não estavam verdadeira-mente nucleados, ou seja: em certa medida, que cre-mos ser correlativa à falta de nucleação de popula-ção e à sua incompleta urbanização, vários tipos de núcleos concentravam em si distintos tipos de poder. Esta situação, que não tem sido suficiente-mente compreendida, nem conceptualmente, nem em termos de restituições históricas produzidas pela historiografia, é, quanto a nós, fulcral em toda a envolvência arqueológica do fenómeno da escrita (…) e dos problemas do período orientalizante, em que a escrita se integra».

Necrópole de Fonte Velha de Bensafrim (Lagos): lápides com

Escrita do Sudoeste. Segundo Caetano de Mello Beirão, 1986.

(Beirão é um dos especialistas desta área.) Nas proximidades

da Fonte Velha de Bensafrim (Lagos, Algarve) descobriu-se um

local habitado durante a I. Idade do Ferro, cujos habitantes

implantaram estelas nas sepulturas dos seus membros de elite,

usando a Escrita do Sudoeste. A variadade das inscrições nas

estelas de Bensafrim é ampla e a distribuição geográfica dos

vários grupos também se revelou bastante complexa.

A paleografia que distingue estes grupos mostra tendências

sistemáticas, que podem eventualmente corres ponder a

distintas estruturas de ensino e apren diza gem; estruturas

dotadas de alguma solidez e dura bilidade. Estes grupos (clãs?)

distinguem-se no terreno por uma linha divisória que atravessa

as serras algarvias.

No âmbito do projecto da Carta Arqueológica do Algarve (1877-

1878), a Necrópole de Fonte Velha de Bensafrim foi alvo das

atenções de Estácio da Veiga em 1878. Em 1897, foi a vez de

António dos Santos Rocha (1853 – 1910) bisbilhotar o local. Sobre

as estelas com escrita do Sudoeste presentes nesta necrópole,

Virgílio Hipólito Correia (1997) procedeu à sua sistematização. As

duas primeiras estelas – Fonte Velha I (J.1.3) e II (J.1.4) – haviam

sido oferecidas a Estácio da Veiga em 1878 pelo prior de São

Sebastião de Lagos. A estas somou-se-lhe uma terceira estela

– Fonte Velha V (J.1.5) – fruto das escavações no local e que

estaria reutilizada numa sepultura (Hübner, 1893). Igualmente

reaproveitada na construção de uma outra sepultura estaria a

estela recolhida por António dos Santos Rocha – Fonte Velha VI

(J.1.1) –, hoje albergada no Museu Municipal da Figueira da Foz.

A estas quatro estelas, somar-se-ia ainda uma outra – Fonte

Velha III (J.1.2) – adquirida por José Leite de Vasconcellos para

o Museu Nacional de Arqueologia. Nesta instituição encontram-

se, desde então, as estelas I, II, III e V. Virgílio Correia (1996)

considera que estas epígrafes reportam-se à 3ª fase da evolução

da Escrita do Sudoeste, atribuindo-lhes uma cronologia do

século VI a.n.E.

Page 30: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 30 Procurar no texto: CTRL+F

Estela com Escrita do Sudoeste, achada na Herdade do Monte Gordo, freguesia de

Rosário (Almodôvar), em plena planície alentejana, entre o conjunto de Ourique e

de Neves/ Corvo, fora da área serrana onde tem ocorrido estelas em maior número.

Encontrava-se reaproveitada como umbreira de um Monte junto da estela pré-

histórica do Monte Gordo e numa zona onde devem ter aparecido 8 espetos de bronze

(Vasconcellos, 1933). A estela encontra-se mal conservada, mantendo-se em mau estado

parte do campo epigráfico. Nele se inscreveu um texto relativamente extenso, que

constituirá contributo relevante para o corpus textual associado a esta Escrita.

Page 31: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 31 Procurar no texto: CTRL+F

Estela de Capote, Higuera la Real (Badajóz). Foto: Vicente Novillo. 2005. Catálogo de Estelas Decoradas del Museo Arqueológico Provincial de Badajoz, Consejería de Cultura, Junta de Extremadura, Espanha.

Cerâmica de engobe vermelho com Escrita do

Sudoeste. Um fragmento recolhido numa escavação

no castelo de Moura, no âmbito de trabalhos

dirigidos pelo arqueólogo José Gonçalo Valente,

e inserido num conjunto material e estratigráfico

do século IV a.n.E. Neste mesmo tipo de cerâmica,

cronologias mais recuadas haviam sido indicadas

por um fragmento proveniente do Castillo de Doña

Blanca – século VIII/VII –, e indiciadas ainda pelos

grafemas que encontramos nas peças de Medellín e

no Castro da Azougada, com cronologias dos séculos

VI e V a.n.E. O fragmento de Moura é importante

pelo contexto arqueológico onde surge, com uma

cronologia segura. De acordo com a leitura de

Amílcar Guerra, à parte conservada deve ler-se:

*nabaor*, podendo provavelmente a primeira letra

de que se conserva o pequeno sector ser um a, pelo

que teríamos – com a peculiaridade de não haver

redundância – ]anabaor[.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 32 Procurar no texto: CTRL+F

Estela da Cerca do Curralão.

No âmbito das relocalizações efectuadas em 2008

pelo Projecto Estela foi possível determinar o local

da descoberta acidental, no decorrer de trabalhos

agrícolas à mais de 30 anos, da estela da Cerca do

Curralão (Santos, 1980; Beirão, Gomes, 1980: 25;

Beirão, 1986: 134, Inscrição nº63; Correia, 1996:

133, 165 e Untermann, 1997: 264, 265; inscrição

J.11.3).

O local é situado na Ribeira de Odelouca,

importante linha de água que articula a

distribuição e a passagem entre as pequenas

povoações, naquela que coincide hoje na

delimitação administrativa concelhia e regional

entre o Alentejo (Ourique e Almodôvar) e o

Algarve (Silves).

Nesta área já era conhecido um núcleo de

estelas, nomeadamente as estelas da Corte do

Freixo e de São Martinho (Cortes, 1999). A este

conjunto pode-se agora associar com segurança

a localização exacta da já conhecida estela da

Cerca do Curralão, cuja proveniência do achado

era incerta e referida a “local impreciso” e de

“cartografia impossível” (Correia, 1996: 133 e 165).

A estela da Cerca do Curralão pode ser vista no

Museu de Arqueologia e Etnografia do distrito de

Setúbal, na exposição permanente aí patente.

Descoberta em 1979, a estela funerária procedente da Cerca

do Curralão em Almodôvar, apresenta texto dextrorso embora

disposto em boustrophedon, onde se reconhecem 17 letras

completas e 8 incompletas, constituindo fórmula funerária,

possivelmente formada por seis palavras. Estas corresponderão

a nome próprio, etnónimo menor, patronímico, cognome ou

gamonímico e a etnónimo maior, usado como origónomo.

O estudo das epígrafes permite concluir que a Escrita do Sudoeste

Peninsular é alfabética e expressa uma língua indo-europeia,

que usou sete vogais e apresenta bom número de características

fonéticas e gráficas, permitindo integrá-la na grande família das

escritas arcaicas.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 33 Procurar no texto: CTRL+F

Achados com Escrita do Sudoeste no contexto

geográfico dos outros sistemas de escrita

praticados na Península Ibérica antes da

invasão romana. Mapa exposto no Museo

Arqueológico Provincial de Badajoz,

Extremadura, Espanha.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 34 Procurar no texto: CTRL+F

Face A do chumbo da Bastida de les Alcuses

(Moixent, Valência). A Escrita Ibérica Meridional

(ou Suroriental) é uma escrita similar à Escrita

do Sudoeste. Contudo, esta expressa algo como

a «língua tartéssica», enquanto que a Escrita Ibérica

Meridional expressa a «língua ibérica», como o fazem

também a Escrita ibérica Nororiental e o alfabeto

greco-ibérico. Como a maior parte das outras escritas

paleohispânicas (à excepção do alfabeto greco-

ibérico), esta escrita tem glifos para consoantes e

vogais, e signos que representam sílabas, como os

silabários.

A sua utilização é datada entre os séculos iv e ii a.n.e.

no Sudeste da Península Ibérica (Anda luzia Oriental,

Murcia, Albacete, Alicante e Valên cia). Escrevia-se da

direita para a esquerda, como a Escrita do Sudoeste.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 35 Procurar no texto: CTRL+F

Bronze de Cortono. Proveniência

desconhecida. Sistema de

escrita: Signário ocidental.

Esta escrita exprime a língua

celtibérica. É uma adaptação directa

da Escrita Ibérica Nororiental. Como

a maior parte das outras escritas

páleo-hispânicas, integra glifos

que representam consoantes e

vogais, como os alfabetos, e signos

que representam sílabas, como os

silabários. Foi utilizada nos séculos

II e I a.n.E., no interior da Península

Ibérica (Guadalajara, Soria, Zaragoza).

Escrevia-se quase sempre da esquerda

para a direita.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 36 Procurar no texto: CTRL+F

N a Idade do Ferro peninsular, os contac-tos e o comércio a média e a longa distân-cia, com comerciantes fenícios, por exem-

plo, eram controlados pelas elites. Já Maria Euge-nia Aubet salientara em 1982 que a interacção com as regiões orientais do Mediterrâneo era controlada pelo estrato dominante da sociedade.

A «penetração orientalizante» foi um processo de afirmação de uma elite, e a sua difusão na socie-dade peninsular foi um instrumento para garantir essa dominância. Virgílio-Hipólito Correia disse a este propósito: «É indispensável abordar os fenó-menos políticos se se quer com pre ender os fenóme-nos orientalizantes, entre eles a escrita.»

E ntre os vários tipos de povoamento pratica-dos nos séculos viii a v, foram importantes alguns povoados não-urbanos, mas locais

centrais de extensões territoriais significativas, que incorpo raram funções económicas e rituais. Um sítio deste tipo é Fernão Vaz – um edifício de planta regular, composto por quatro longos compartimen-tos, de planta semelhante à dos Armazéns de Tos-canos. O acesso é feito por outro grande comparti-mento rectangular, que forma um dos lados de um grande pátio, onde se entra por um vestíbulo monu-mental com uma lareira proeminente.

Ao lado desta entrada, abrindo para o lado oposto, existem duas outras salas; a do lado sul terá funcionado como santuário ou como depósito de objectos rituais. Um raro conjunto de objectos,

Sítio arqueológico de Fernão Vaz.

Ruínas do edifício rectangular descrito no

texto. Fernão Vaz designa os restos de um

povoamento da Idade do Ferro, com uma

ocupação posterior medieval-islâmica.

Este pequeno sítio faz parte do Circuito

arqueológico do Castro da Cola, um

percurso que surgiu como aproveitamento

de trabalhos de arqueo logia realizados no

concelho de Ourique, no Alentejo.

A selecção dos locais foi orientada pela

visibilidade dos sítios, mas também de

modo a contribuir para desvendar uma

paisagem organizada em torno do rio Mira,

que funcionou como elemento aglutinante

das populações deste território.

Dos cerca de 30 sítios conhecidos, foi

seleccionado um conjunto de 15 que,

pelo seu estado de conservação, reuniam

condições para uma apresentação ao

público: os monumentos megalíticos de

Fernão Vaz 1, Fernão Vaz 2 e Nora Velha,

o povoado calcolítico do Cortadouro, as

necrópoles da Idade do Bronze de Alcaria

1, Alcaria 2 e Atalaia, os povoados da Idade

do Ferro Porto das Lages e Fernão Vaz, as

necrópoles e monumentos funerários da

Idade do Ferro de Fernão Vaz, Nora Velha

2, Vaga da Cascalheira, Casarão e Pego da

Sobreira e o povoado fortificado medieval

(islâmico e cristão) da Cola.

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 37 Procurar no texto: CTRL+F

incluindo um obelos, dois kiathoi e um vaso, tornam provável a hipótese de que algum tipo de libação ou ritual tivesse tido lugar nesta sala, ou noutra sala do edifício a que esta serviria de depósito.

Neste edifício terão sido centralizadas várias actividades de exploração de recursos naturais: a cerca de 300 metros situava-se uma jazida mineira, explorada no Calcolítico e de novo na Idade do Ferro; da exploração agrícola dependente de Fer-não Vaz conhece-se o pequeno habitat de Porto das Lages.

F ernão Vaz parece ser um paradigma, pois este padrão reproduz-se por outros povoa-dos dispersos pela planície do Baixo Alen-

tejo. Também existiram povoados fortificados; na zona de Fernão Vaz tal povoado terá existido sobre uma elevação próxima. Vários grandes monu-mentos funerários rodeiam a área de Fernão Vaz.

À ocupação antiga de Cola pertenceram uma espada do Bronze Final, elementos de foice de sílex, uma fíbula de cotovelo e várias mós. À volta deste povoado encontram-se várias necrópoles (Azinhal, Mamoa do Marchicão, Nora Velha II e a reutiliza-ção do Tholos da Nora Velha).

Resume Virgílio-Hipólito Correia: «Com os dados disponíveis, é sustentável que os habitats não fortificados se distribuíam

de maneira semelhante à epigrafia, um factor pri-

Estela de Mesas do Castelinho

mordial na identificação de sepulturas de prestígio. Quer as inscrições, quer os grandes monumentos funerários têm uma larga distribuição por muitas necrópoles que, na maioria dos casos, estão associa-das a pequenos povoados e não a centros urbanos.»

«O padrão de distribui ção das inscrições e dos sítios associados parece ser função da dispersão de recursos naturais. Assim, se as inscrições são indi-cador de um alto estatuto social na sociedade da época, esse estatuto estava directamente ligado a unidades demográficas orga nizadas em pequenos grupos, dispersos, que explo ravam directamente áreas localizadas de recursos naturais particular-mente ricos.»

A Estela de Mesas do Castelinho

O sítio arqueológico de Mesas do Castelinho foi um povoado fortificado com quase três hectares e há nele vários vestígios da Idade

do Ferro. O povoado terá sido fundado no século iv ou v a.n.e. As campanhas arqueológicas aí realiza-das desde 1987 permitiram descobrir várias fortifi-cações, construídas na Idade do Ferro.

A Estela de Mesas do Castelinho (imagem), achada em Setembro de 2008 em bom estado de conservação, é notável pela quantidade dos glifos presentes. Com 86 signos, é a estela com a inscri-ção mais extensa de Escrita do Sudoeste. Contudo,

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Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 38 Procurar no texto: CTRL+F

a bela peça não se encontrava numa necrópole; foi descoberta por mero acaso numa zona já prospec-tada pelos arqueólogos, com a inscrição virada para baixo.

O mais recente achado de uma estela com Escrita do Sudoeste deu-se no ano de 2008, durante pros-pecções na povoa ção de Corte Pinheiro, na zona de Loulé. A Estela de Corte Pinheiro foi recolhida pelos arqueó logos Samuel Melro e Pedro Barros, protagonistas do Projecto Estela. ¶

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Fragmento de estela funerária, com Escrita do Sudoeste, proveniente de Alagoas, Salir, Algarve. Museu de

Loulé, Algarve, Portugal. Foto: ph. A distribuição espacial das estelas revela uma concentração na serra

de Mú e Caldeirão, entre o Algarve e o Baixo Alentejo. Aqui foram assinaladas dois conjuntos, um a Sul, na

transição da Serra com o Barrocal, entre Benafim e Salir, onde foram encontradas as estelas da Fazenda

das Alagoas, Viameiro e Barradas e que com as estelas encontradas em Bensafrim (Lagos) e São Bartolomeu de

Messines (Silves) traçam o limite Sul da concentração de estelas com escrita do Sudoeste. O outro, a Norte, em

torno das Ribeiras do Vascãozinho, Vascanito e do Vascão, revela uma das três principais concentrações deste

tipo de vestígios epigráficos, que engloba sítios arqueológicos localizados em Loulé e em Almodôvar.

Page 39: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

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Page 40: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

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Fragmento de uma estela funerária, com Escrita do Sudoeste, proveniente de Vale dos Vermelhos, Algarve.A estela de Monte

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Page 42: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 42 Procurar no texto: CTRL+F

Guerreiros. Século I n.E.

As esculturas de guerreiros

lusitano-galaicos constituem

uma das manifestações

plásticas mais destacadas do mundo

castrejo do Noroeste peninsular.

Dos 30 exemplares documentados,

apenas quatro se reconhecem

epigrafados: as estátuas de Meixedo

(Viana do Castelo - na imagem

à esquerda); de Santa Comba

(Cabeceiras de Basto), de São Julião

(Vila Verde) e de Rubiás (Ourense).

A estátua de guerreiro mostrada à

direita vem de Boticas, Vila Real.

No Guerreiro de Meixedo, o texto encontra-se dividido por três áreas: a primeira na parte frontal, sobre o saio e sob o escudo; a segunda desenvolve-se sobre o saio e sobre a perna direita; a terceira, sobre a perna esquerda.

Em cima: a leitura do texto, fortemente abreviado, é da autoria de Armando Redentor.

P(ublio)·Clodameo / Corocaudi / f(ilio)·Seaueo[n]i

L(ucius)·Sest/ius·L(ucii)·l(ibertus)·Coroc/audius /

contu(bernalis) / frater et Tubene(n)

s(es)·f(aciendum)·c(urauerunt)·A lgumas estátuas de guerreiros, do Noro-este da Península Ibérica, testemunham a penetração cultural das populações

indígenas pelos invasores romanos. A sociedade castreja, patriarcal, de competição agressiva, regia-se por uma hierarquia em que o guerreiro ocupava a posição mais importante. A presença de jóias e de armas nos túmulos revela-nos essa elite guerreira.

A organização das famílias revela-nos uma estrutura gentílica da sua sociedade – era refe-rida nas fontes epigráficas com a designação de gentes ou gentiliates. Os Lusitanos viviam unidos entre si por laços de sangue ou parentesco e não pelo território ocupado. O tipo de governo era a chefia militar, na qual o líder era eleito em assem-bleia popular, escolhido os que se distinguiam pela coragem, valor, capacidade de liderança e vitórias obtidas em guerra.

Os autores gregos referiam-se a estes chefes militares como hegoumenos, isto é, líder, chefe, e os Romanos, dux. No entanto, o nome de reg-nator (rei), e príncipe, também foram referidos. O hospitium, em que se adoptavam estranhos na comunidade, seria também um costume dos Lusitanos. Apiano (95 — 165, autor da Histó-ria Romana) revela-nos a existência de uma pro-priedade comuni tária.

Estátuas indígenas, inscrições latinas

Page 43: Alfabetos, Caligrafia e Tipografia. Este exemplar é de Maria Joana

Alfabetos / «Temas» / Prólogo / página 43 Procurar no texto: CTRL+F

Em cima: Epitáfio da judia Isidora, escrito em versais romanas, em latim. Tarracona. Texto: (lulab) (menora)

Hi(lulab)c est (menora) (lulab) / memoria bone(!) re/cordationis Isid/ora filia bene me/morii(!) Ionati et Ax/iaes(!)

pauset ani/ma eius in pace cu/m omne(!) Israel(!) / [a]men amen amen. Século IV-V. Tarragona. Foto: ph.

Os testemunhos mais antigos são já de época romana avançada: uma lápide funerária encontrada em Adra e

hoje perdida, provavelmente do século III, que procedia do enterro de uma garota judia, certamente escrava; e a

famosa lápide de Tarragona, na qual se combinam inscrições em latim com símbolos judaicos.

Letras sefarditas, 1

A rqueólogos da Universidade de Jena (Alemanha), encontraram em 2012 uma das mais antigas evidências da presença

judaica na Península Ibérica, durante escava-ções perto de Silves, no Algarve. Numa placa de mámore, com 40 x 60 cm, podemos ler o nome Yehiel, seguido de letras ainda não decifradas. Os arqueólogos pensam ser uma lápide fune-rária (imagem em baixo). A datação do achado tem como base os restos zoológicos que estavam junto da inscrição. A matéria orgânica, datada por radiocarbono, aponta para cerca de 390 n.E. A mais antiga evidência arqueo lógica associada à cultura judaica no actual território português é também uma lápide com inscrição em latim e uma gravura de um menorá (candelabro com sete braços) datado de 482 n.E.

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Epitáfio hebraico,

Museo Sefardi,

Toledo. Século xi.

N a descoberta de Silves não se trata apenas de uma data excepcional, mas também de um contexto invulgar. Nunca antes se

detectaram evidências judaicas numa villa romana. Durante o Império romano, por volta da data da inscrição, os Judeus escreviam habitualmente em Latim, por receio de represálias. O Hebraico, tal como se encontra na laje, só passou a ser utilizado após o declínio da supremacia romana, respectiva-mente durante o período de migrações populacio-nais ocorridas durante o século VI ou VII.

G eralmente a informação relativa às comu-nidades judaicas na região do Sul de Por-tugal provem na sua maioria de escritu-

ras. Durante o Concílio de Elvira, cerca de 300 n.E., foram decretadas regras repressivas da conduta dos Judeus. Na Península Ibérica, a população judaica já seria bastante numerosa – mas as evidências arqueo-lógicas no território português continuam omissas. Já em Tarragona, por exemplo, foram encontrados vários testemunhos de uma comunidade judaica em época tardo-romana.

O alfabeto hebraico é utilizado para escrever o Hebraico, língua semítica pertencente à família das línguas afro-asiá ti cas. Este alfa-

beto, um dos mais antigos, é escrito da direita para a esquerda, assim como o alfabeto árabe.

O alfabeto hebraico só utiliza glifos para con-soantes, pois as vogais são representadas por sinais diacríticos, chamados nikud ou sinais massoréticos.

Inscrição hebraica,

Tarragona. Foto:

ph.

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Epitáfio do rabi Abraham Satabi, fragmento de lápida de arenisca do século XIII, procedente

da necrópole da Aljama de Soria. Pode tratar-se apenas da metade da lápide original.

Os caractéres foram incisos muito profundamente, incluiu-se elementos decorativos

curviformes, distintos em cada um dos lados; uma raridade entre os modelos conhecidos da

epigrafia hebraica hispânica. Texto: «Naquele momento a visão cessou […] / ao morrer um sábio,

um homem […] / […] um rabi cheio de […] / […] Abraham Satabi».

Procede do cemitério judeu de Soria, Espanha.

Por estas características, torna-se óbvia a sua descendência dos sistemas de escrita arcaicos que também deram origem ao alfa-beto fenício.

Depois da conquista da Judeia pelos Romanos ( Jerusalém foi destruída em 70 n.E. pelo general Tito, pondo fim à Revolta Judaica), o Hebraico foi pouco usado como língua falada. Con-tudo, na diáspora, os Judeus que continuaram religiosos dedica-ram muito esforço à alfabetização, com o propósito de fazer os fiéis lerem os textos originais da Bíblia hebraica e das múltiplas obras religiosas e filosóficas que a acompanham.

A s línguas/dialectos que os Judeus desenvolveram e adoptaram na diáspora, nomeadamente o ladino e o jidisch, não estão relacionadas com o hebraico. O

Jidisch (falado na Europa Central e nos países do Leste) é um dialecto do alemão medieval que é expressão da cultura asque-nazi (a dos Judeus da Europa Central e Oriental). A palavra asquenazi vem do termo hebraico medieval para designar a Ale-manha: Ashkenaz.

Sefarditas (em hebraico sefardi; plural, sefardim) é o termo genérico que designa os Judeus que viveram em Portugal e Espa-nha. (Sefarad é a palavra hebraica que designa a Península Ibé-rica.) O Ladino, falado na Península Ibérica, baseado no Caste-lhano e no Português, com empréstimos do Árabe, foi o idioma dos Judeus sefarditas; ainda é falado por cerca de 150.000 pes-soas em comunidades sefarditas em Israel, nos Balcãs, na Grécia, no Próximo Oriente e em Marrocos.

Orientada por um estilo próprio de ritual litúrgico, a cultura sefardita criou costumes e tradições culinárias, poéticas, musi-cais, da arte do livro, etc. Depois das seguinte páginas, com ilus-trações, esta temática continua na (página 42).

Em cima: Inscrição

hebraica, Tarragona,

Espanha. Foto: ph.

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Epígrafe hebraica.

Museu de León. León,

Espanha. Foto: ph.

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Fragmento de epitáfio em

pedra caliça. (Puente Castro).

Princípios do século XII. Museu

de León. León. Foto: ph.

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Fragmento de

epígrafe hebraica.

Tarragona, Espanha.

Foto: ph.

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Inscrição. Antiga sinagoga de Belmonte. Belmonte está

localizado entre a Covilhã e a Guarda, aos pés da Serra

da Estrela. No bairro da Judiaria, a primeira Sinagoga

data de 1297, dela hoje resta apenas uma inscrição.

A Comunidade Judaica de Belmonte é a única

comunidade peninsular herdeira da antiga presença

histórica dos Judeus sefarditas.

Durante toda a época da Inquisição, conseguiu preservar

muitos dos ritos, orações e relações sociais. Apesar da

pressão para a diluição na sociedade católica portuguesa,

muitos dos belmontenses cristãos-novos continuaram a

casar-se apenas entre si durante séculos.

Em 1989 a Comunidade foi reconhecida oficialmente e

em 1996 inaugura a sinagoga “Beit Eliahu” (Filho de Elias)

precisamente numa das ruas da antiga judiaria.

Também o cemitério judaico foi aberto em 2001.

Desde 2005 está igualmente aberto ao público o Museu

Judaico, que retrata a história da presença sefardita em

Portugal, usos, costumes e que integra um memorial

sobre as vítimas da Inquisição.

Sinagoga de Belmonte, Rua Fonte Rosa,

6250-041 Belmonte, Portugal

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D evia ser sumptuosa – em termos da época medieval em que foi construída, a sina-goga situada na então Judiaria Grande de

Lisboa, no ponto mais próximo da igreja da Mada-lena, que ficava então frente à cerca da Judiaria. Tal-vez tivesse sido intencional a presença de um tem-plo cristão, dedicado à judia arrependida Miriam de Migdal, junto ao bairro dos Judeus lisboetas.

A única descrição que temos da Sinagoga grande de Lisboa foi deixada pelo médico alemão Jeroni-mus Muenzer, que visitou a Espanha e Portugal em 1494, num itinerário em latim. A tradução em espanhol, de Júlio Puyol (Boletim da Biblioteca da Real Academia de la Historia): «El sábado, vigilia de San Andrés, visité su sinagoga. No había estado nunca en uno de estos templos. En un patio que hay delante de ella, crece una parra gigantesca, cuyo tronco mide cuatro palmos de circunferencia. El interior, arreglado con extremada pulcritud, tiene una cátedra o púlpito para predicar, por el estilo del de las mezquitas; ardían diez enormes candelabros con cincuenta o sesenta luces cada uno, además de otras muchas lámparas, y las mujeres colócanse en lugar separado del de los hombres, alumbrado, de igual modo, con profusión de luces.»

Q ue a sinagoga tinha pelo menos três naves, sabemos pelo inventário dos bens apreen-didos a Isaac Abrabanel, quando este fugiu

para Castela, por ter sido acusado de implicação na tentativa de subversão do Duque de Bragança: «hum lugar de sseda [cadeira, na interpretação de

Elias Lipiner] na esnoga grande de Lisboa, na nave do meo em que see assentava Yuda Abrabanel seu padre”.

O s Judeus pagavam à Comuna uma pensão anual pelos lugares reservados que manti-nham na sinagoga. Mas tinham o direito

de os transmitir por venda, ou por herança. Assim se explica que João II se tenha apropriado dos três lugares pertencentes a Isaac Abrabanel, de um dos quais fez doação, em 1486, a Mousem Zarco, seu alfaiate. Em 1497, quando da conversão forçada dos

Judeus de Portugal, todas as sinagogas do reino pas-saram para a posse do rei.

M ais tarde, Manuel I fez doação do edi-fício da Sinagoga grande de Lisboa aos frades da Ordem de Cristo, em troca do

convento que estes mantinham no Restelo, onde viria a ser construído o Mosteiro dos Jerónimos. O edifício da sinagoga foi transformado pelos fra-des, devidamente autorizados pelo Papa, na Igreja da Conceição (Velha), que o Terramoto de 1755 des-truiu totalmente.

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Lápide da Grande Sinagoga de Lisboa, século XIV.

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Lápide comemorativa da Sinagoga

de Girona, século XIV, encontrada em

1888. (MAC, Girona). Foto: Olybrius.

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Árabe

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Letras árabes

C onsiderando o longo tempo que durou o domínio islâmico do território que é hoje Portugal, é lastimável que se tenham con-

servado tão poucos testemunhos dessa cultura. Uma razão deve-se, sem dúvida, ao facto que os grandes centros de poder se encontram em Cór-dova, Medina al-Zahra, Granada, Toledo, Bada-józ, Sevilha e outras cidades andaluzes. Em Portu-gal conhecemos vestígios em Lisboa e no Al-Gharb (Silves, Faro).

C omo se sabe, os Árabes tinham grande apreço pela Caligrafia. Copiar um texto alcorânico era considerado um acto meri-

tório de um Muçulmano pio. Os epitáfios que conhecemos continham frequentemente ao lado de dados pessoais do defunto, tais como o nome, filia-ção etc, data do falecimento, também trechos do Alcorão. Entre os monumentos de epigrafia árabe conhecidos em Portugal, existe no Museu de Faro uma lápide que serviu de pedra de ensaio a uma ins-crição proveniente de Silves. A reforçar a hipótese apresentada pelo arabista americano A. R. Nykl, é o facto de ambas as lápides, tanto a lápide funerá-ria E-6562 como a que lhe serviu de pedra de ensaio, nomeadamente E-7417, são feitos em mármore do mesmo tipo, isto é, em mármore cinzento da região de Mértola.

Lápide com inscrição árabe, Mértola.

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As características da lápide, o tipo de

escrita e a referência à reconstrução da

cidade, permitem ligar esta inscrição à

restauração de Évora e datá-la do ano de

914-915 n.E., corroborando as informações

do cronistae Ibn Hayyán, factos que a

tornam notável.

E m 1968, quando se procedia às obras de desaterro da cave do Museu de Évora, (o antigo Paço Arquiepiscopal) foi encon-

trado um fragmento de lápide com inscrições ára-bes nas duas faces. Servia de cabeceira a uma sepul-tura. O fragmento é constituído por uma peça única de mármore com 40 cm de altura, por 63 de largura e 6 de espessura. Calculando o seu tamanho original a partir do texto e tendo em conta as for-mas mais comuns na Espanha Árabe, é de admitir que a lápide deveria ser quadrangular.

A quase totalidade da lápide é ocupada pelo campo epigráfico, com as letras em relevo, delimitado por uma moldura lisa.

O texto: «Em nome de Deus, o Clemente, o Mise-ricordioso. (Dou testemunho que) não há outro deus senão Deus, Ele só, - que não tem associado e que Muhammad é o seu servo eleito e o seu pro-

Lápide de forma rectangular,

incompleta. Seis linhas de texto árabe

em cúfico arcaico e, originariamente,

tendo em conta as prováveis

dimensões, deveria possuir pelo menos

nove linhas. Cronologia: 302 H. (914-915

n.E.) Suporte: mármore.

Proveniência: subsolo do edifício do

Museu de Évora, 1968.

feta, merecedor de toda a sua complacência – que Deus nos guie através dele pelo bom caminho. Esta cidade foi reconstruída…»

É uma peça importante hispano-árabe, não só por ser das raras inscrições em cúfico arcaico encontradas em Portugal, mas

sobretudo pela notícia da reconstrução da cidade. Infelizmente, por falta das linhas finais, não dá outras informações quanto a datas ou personalida-des ligadas à reconstrução. Apesar disso, o sítio em que foi encontrada, a própria lápide em si (face B) e as notícias que possuímos de cronistas árabes e cristãos, permitem concluir que se refere à recons-trução de Évora no princípio do século X, após

o saque da cidade por Ordonho II, pouco tempo antes deste ocupar o trono da Galiza. Foi no início deste século, precisamente a 13 de Muhárram de 301 H (18 de Agosto de 913 n.E.) que, segundo os cro-nistas, Ordonho, ao tempo rei vassalo da Galiza, cercou Évora com um grande exército. Devido ao mau estado das muralhas, a cidade foi rapidamente tomada.

O governador Marwán Ibn Abd al-Málik ibn Ahmad foi morto na mesquita, enquanto a cidade era teatro de grande chacina. No dia seguinte, Ordonho partiu vitorioso levando em cativeiro quatro mil mulheres e crianças.

Lápide dupla de Évora

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U m texto árabe, o volume V do Al-Múqta-bas do cronista cordovês Ibn Hayyán, veio trazer elementos inéditos e importan-

tes sobre a sorte de Évora após a vitória de Ordo-nho. Ao descrever os acontecimentos do ano 301 H, acrescenta que, tendo Évora ficado deserta, o senhor de Badajoz, Abd Alláh Ibn Muhâmmad al--Jilliqi, temendo que alguns dos bérberes das ime-diações lá se metessem e lhe viessem a causar preo-cupações, destruiu as suas torres e as muralhas. Ficou Évora abandonada até que o mesmo senhor a reconstruiu no ano seguinte, 302 H. (27.7.914 a 16.7.915 n.E.) para o seu aliado Mas’úd Ibn Sa’dún as-Shurunbaqui.

O reverso da lápide (imagem) recebeu, cerca de dois séculos depois, outra inscrição com a escrita em posição inversa à primeira. O

campo epigráfico, rebaixado, é delimitado pelo que resta de uma moldura lisa estreita e que, tal como o relevo das letras, quase desapareceu em virtude de um desgaste profundo.

T radução: (…) (em) quinhentos e (….) Ordenou a sua construção o imãm al-Man-sur bi—Llah Abu Muhâmmad Sidray Ibn

Wai’r al-Qaysi. E terminou sob a direcção do Vizir (…) Abu Abd Alláh Muhâmmad. É uma inscrição comemorativa de fundação, mas não sabemos a que construção se refere. Sabemos sim que foi man-

dada fazer por Abu Muhâmmad Sidray Ibn Wazir al-Qaysi, figura conhecida no Andaluz nos meados do século XII n.E. Os títulos que lhe são atribuídos al-Imám, al-Mansur bi-Llah, já conhecidos de ins-crições numismáticas, levam-nos a concluir que, ao tempo, seria rei de Taifa.

D a data apenas resta a indicação da centúria de quinhentos (século xii), pois, devido à estrutura da datação árabe em que as cen-

tenas são colocadas após as unidades e as dezenas, estas estariam nas linhas anteriores desaparecidas.

Todavia, o que se conhece da vida de Ibn Wazir permitirá uma hipótese de datação mais precisa ao tentar identificar a altura em que, como senhor independente, se teria proclamado rei. São pou-cas, e por vezes um tanto confusas, as informações que possuímos do acidentado período que se situa

entre o final da dominação Almorávida e o início da Almóada, vulgarmente chamado de Segundas Taifas.

D esde 539, ano da revolta em Évora con-tra os almorávidas, até 552, Ibn Wazir está em dependência ou de Ibn Qasi ou de Ibn

Hamdín ou dos almóadas, à excepção de um curto período que vai dos finais de 542 (meados de 1148) — expulsão dos almóadas de Sevilha — ao início de 546 (2.° quartel de 1151) data da homenagem a Abd al-Mumiin, em Salé. É neste período que parece lógica a sua proclamação como rei e será, portanto, dessa data a presente inscrição.

Q uanto à construção em causa, nada se sabe. Onde hoje está a Catedral de Évora, pode ter existido a mesquita principal e, nas pro-

ximidades, a alcáçova. O facto da construção ter merecido ser assinalada com uma inscrição, faz supor tratar-se de uma obra de relevância. A ins-crição é testemunho de uma época conturbada e reconfirmar em Évora a soberania de Abu Muhâm-mad Sidray Ibn Wazir, Rei de Taifa.

BibliografiaBorges, Artur Goulart de Melo. Duas inscrições ára-bes inéditas no Museu de Évora. In: A Cidade de Évora, n.ºs 67-68, 1984-1985.

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Lápide epigrafada. XIII d.C. Período Islâmico. Dimensões (cm): A:

20; L: 16,5; espessura: 4,3. O fragmento tem forma triangular. Leva

uma inscrição em árabe, incompleta, disposta em cinco linhas, da

primeira subsistindo apenas a parte inferior, em escrita Nashhi

em relevo. Do lado esquerdo tem uma espécie de moldura em cordão

e em baixo existe uma margem sem inscrição. A lápide é executada

em mármore granolamelar cinzento da região de Mértola. Lápide

proveniente de Mértola, sendo desconhecidos outros pormenores.

Lápide epigrafada incompleta, subsistindo apenas cinco linhas de escrita

em caracteres nashhi em relevo, de execução pouco cuidada e sem

pontos diacríticos. A análise do texto não permite nenhuma conclusão

quanto a seu conteudo dado que apenas a segunda linha faz sentido,

lendo-se:» noventa e quinhentos», sendo o resto do texto composto

por junção de letras. A. R. Nykl, arabista americano, que a examinou

nos anos quarenta no âmbito do levantamento da epigrafia árabe em

Portugal por ele empreendida, avançou a hipótese de que a lápide em

apreço constituir uma espécie de pedra de ensaio, reconhecendo nela a

mão do mesmo aritífice que teria executado a lápide E 6562, proveniente

também de Mértola, no acervo do MNA, coincidindo a segunda linha da

pedra de ensaio com a nona linha do texto da lápide acabada E 6562.

Lápide com inscrição árabe,em caractéres cúficos. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola.

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Lápide tumular. Inscrição em letras cúficas. Museu Arqueológico de Badajóz.

Fragmento de lápide funeráriaTradução: “Em nome de Deus, o [Clemente, o Misericordioso.] Este é o sepulcro de […] Ibn Khãlis […] Muhammad Ibn al-[…]”Séc. XI-XII. Museu de Mértola – Núcleo Islâmico. Bibliografia: Macias, Santiago. Mértola: o último porto do Mediterrâneo. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, vol 3, pp.46. 2005.

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E stela comemorativa da construção dum alminar. Alto relevo talhado, 419 x 394 x 46 mm. 969 n.E. Procedência: Córdova. Oito linhas de caractéres cúficos floridos em relevo de 7 mm. Esta peça foi estudada,

entre outros autores, por Lévi-Provençal, que a considerou única, tratando-se da comemoração da edificação dum edifício religioso por um particular.

Texto do epitáfio: «Só Deus é eterno! Tenha Deus piedade (de quem está aqui sepultado); por favor, tu que me estás vendo, contempla este lugar um momento. Para ele (este lugar) teve de passar.»

Proveniência: Frielas, Loures. Período Islâmico. Século XII. Lápide funerária em mármore. Dimensão: altura 33,5 cm, largura 51,5 cm, espessura 4,5 cm. Museu Nacional de Arqueologia. O fragmento de forma rectangular, é a parte superior de uma lápide funerária decorada com uma moldura em relevo no interior da qual está inscrito um arco, também em relevo, que contém a inscrição em árabe insculpida, em caractéres cúficos. Nas extremidades da parte superior do espaço entre a moldura e o arco situa-se a primeira linha da inscrição que constitui um epitáfio. As restantes 5 linhas encontram-se no interior do arco. O campo epigráfico delimitado pelo arco ogival mede: A: 26cm e L: 36 cm. Um aspecto estético a realçar é a presença de um arco, elemento de ornamentação bastante frequente nas lápides peninsulares. Em Portugal são conhecidas outras lápides que empregam o arco como elemento ornamental, nomeadamente uma da Madragoa e outra da Praça da Figueira (Liosboa), ambas no Museu da Cidade (Lisboa) e uma outra, no Museu de Évora.

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Lápide funerária de Abu Bakr Yaḥyã ‘Abd Allâh Ibn al - Huwãrī

Pertenceu à colecção de Estácio da Veiga, que a encontrou em 1877 encravada “no revestimento do lado nordeste” da torre do Castelo de Mértola. Museu de Mértola. Museu de Arte Islâmica.Lápide rectangular, mais larga na parte superior, quase totalmente preenchida pelo campo epigráfico com treze linhas, em relevo, num cursivo compacto e sem diacríticos, numa paginação pouco cuidada e muito irregular. Dimensões: 445 x 260 x 70 mmCronologia: 598 H./1202 n.E.Bibliografia: Torres, Cláudio; Macias, Santiago (coord.) (2003): Museu de Mértola: arte islâmica: guia do museu. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola.

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Inscrição funerária árabe, em letras cúficas. Mértola. Núcleo de Arte Islamica. Foto: ph.

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Estela Funerária

E ste placa epigráfica foi encontrada embutida numas antigas paredes postas a descoberto, quando se abriam as fundações para a construção

do edifício nº 19 da Rua das Madres, na Madragoa, Lisboa. A estela tem o topo quadrangular rodeado por uma mol-dura, definindo o campo epigráfico, ocupado pelo texto e por motivos decorativos: o arco simbólico e dois discos com folha lanceolada.

O texto, gravado em relevo, está relativamente bem conservado, excepto na primeira linha onde apenas se con-segue ler “Allah”. O restante texto é uma citação do Corão (Sura LV, 26-27): “Tudo o que se encontra sobre a Terra desaparecerá. Só a face do teu Senhor permanecerá aureo-lada de majestade e nobreza”.

A citação corânica, os motivos decorativos da estela e o tipo de letra, um cúfico arcaizante, permitem atribuir uma data do final do século XII ou dos inícios do século XIII.

Esta estela testemunha a importância da comunidade islâmica a residir em Lisboa, tendo pertencido a um dos cemitérios muçulmanos (almocavares) da cidade.

Desactivados na época de Manuel I e por determinação régia, foi permitida a reutilização de todos os elementos pétreos aí existentes, nas obras públicas. Que triste.

Calcário. Séc. XII – Séc. XIII. Proveniência: Rua das Madres, 19, Lisboa,

Portugal. Dim.: 545 mm X 479 X 94mm.Nº Inventário: MC.ARQ.RM.65.

EP.0001. Museu da Cidade de Lisboa.

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Lápide comemorativa da construção de uma torre.

Mármore. Silves, Faro. 624 Hégira (1.227 n.E.) Escrita

em cursivo nasrida, muito floreado e decorativo. Na

terceira linha o nome de quem a mandou construir foi

deliberadamente apagado. Museu Arqueológico de Faro,

Algarve, Portugal. Foto: ph.

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Lápide funerária.

Museu Arqueológico

de Faro, Algarve,

Portugal. Foto: ph.

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Inscrição comemorativa árabe, em

letras cúficas. Al-Andalus, período

dos Reinos Taifas, cerca de 1085.

Transcrição para a lingua castelhana:

(´Basmala. Tasliyya. Ha ordenado la

gran señora Umm Rasid Abu-l-Husayn

Ubayd Allah, hijo de al-Mu´tamid `alá

Allah, al-Mu`ayyad bi-nasri-llah, Abu-l-

Qasim Muhammad b. ´Abbad (que Dios

le ayude asistiéndole y apoyándole, e

ilumine a ambos), la erección de este

alminar en su mezquita (Dios le guarde),

buscando una generosa recompensa. Se

terminó, con la ayuda de Dios, bajo la

dirección del visir y secretario Abu-l-

Qasim b. Hayyay (Dios le favorezca) en el

mes de sa`ban del 478´) [Fonte: Oliva e

outros, 1985].

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Alcorão

E ste manuscrito está entre os poucos Alcorões datados sobreviventes da Peninsula Ibérica islâmica. Foi conclu-

ído em Sevilha, em 1226 n.E. (624 A.H.), tendo sido resgatado da destruição feita pela Recon-quista cristã por Muçulmanos que fugiram da Espanha para o Norte da África.

Em 1535, quando o imperador Carlos V (1500 –1558) conquistou Túnis numa expedição contra os piratas bárbaros, as suas tropas confiscaram o Alcorão e levaram-lo de volta para a Europa.

Posteriormente, o precioso manuscrito pas-sou para Johann Albrecht Widmanstetter (1506 –1557, diplomata e orientalista), cuja biblioteca mais tarde se tornou a base para a Biblioteca da corte de Munique.

O texto foi posto em pergaminho na escrita andaluza condensada. O dourado predomina na coloração da página dupla de abertura, nos títu-los das suras (capítulos), nos marcadores dos ver-sículos e nos ornamentos nas margens que se referem às prostrações e à divisão do Alcorão em secções.

A página final com o colofão foi adornada com uma roseta rodeada por uma moldura qua-drada. O manuscrito encontra-se na Biblioteca Estatal da Baviera, em Munique, Alemanha. Data: 1226. Sevilha. Idioma árabe.

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Roma

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N o século i a.n.E, finalizando uma lenta evolução percorrida ao longo de 700 anos, os Romanos usavam um alfabeto versal

muito seme lhante ao nosso, no qual faltavam apenas as letras J, V, W e Z.

Os Roma nos não só desen vol ve ram o «nosso» alfabeto, com os seus valores foné ticos, mas tam bém a for ma das letras, a sua esté tica e até as suas relações recíprocas – os espaçamentos entre as letras que hoje se chamam tracking e kerning, assim como os melhoramentos ópticos e contracções designados por ligaduras (página 136).

No decorrer do século i a.n.E., as formas das letras em inscrições romanas alteraram-se radical e permanentemente. Substituindo as letras mono-lineares (hastes de grossura constante) começam a aparecer cada vez mais frequentemente formas com modulação, ou seja, com nítidas diferenças entre traços fortes e finos.

Surgem letras serifadas, surge a Capitalis. Esta mudança de padrão estético tem sido justificada com mudanças nos suportes, pois passou a usar-se mármore em vez de pedras mais brandas. Mas tam-bém os Gregos, já quatro séculos antes, gravavam as suas letras sobre mármore, e faziam belas letras pequenas, geométricas, sem serifas e monolineares.

O que provocou a grande mudança foi que a tradição caligráfica romana exis-tente – arte de alta sofisti cação e qua-lidade –, penetrou no universo das letras gravadas em pedra. William Richard Lethaby (retrato ao lado), o fundador da Central School of Arts and Crafts, formulou em 1912:

«Os caractéres romanos que hoje são as nossas letras – embora as suas pri-meiras formas nos tenham chegado apenas em versões gravadas em pedra – devem ter sido escritas com um pincel largo e duro, ou ferramenta compará-vel (flat, stiff brush, or some such tool).

A disposição de traços fortes e finos, e tam-bém o feitio exacto das formas curvas, foram produzidos por uma ferra menta

manejada com gestos rápidos. Penso que as grandes inscrições monumentais foram

desenhadas in situ por um mestre calí-grafo, e em seguida cortadas na pedra por um gravador, sendo a gravação ape-nas a fixação do escrito.» Poucos anos depois de Lethaby ter formulado estes

significativos comentários, foram desco-bertas as pinturas murais de Pompeia, que

as cinzas do vulcão Vesúvio tinham conser-vado intactas (página 181). Aí se pôde confirmar a excelente escrita rápida (rapid writing) da qual Lethaby falára. Mais tarde, o epigrafista norte-ame-ricano Edward M. Catish iría novamente confirmar o comentado por Lethaby (página 62). Mas será importante fixar que o estudioso britânico falava das «grandes inscrições monumentais».

A primeira letra global

AbCDEFGHIKLMNOpQrstvxYZ

Alfabeto latim arcaico, com letras de grossura constante e de traçado simples. Digitalização do autor.

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Neste livro falaremos destas, mas também de muitas outros estilos de letras romanas, que terão sido dese-nhados de outro modo, seguindo outros padrões estéticos e beneficiando de outros processos de execução, adaptados a outros suportes.

O s Romanos usaram, quase sempre em para-lelo, sete diferentes tipos de letra. I. A Capitalis Monumentalis era eleita para

figurar em epígrafes de pom pa e circunstância, para celebrar datas importantes, conquistas, feitos militares, chefes políticos e divindades.

II. A Capitalis Quadrata, variante manuscrita da Capitalis lapidar, era usada para todos os docu-mentos importantes, escritos com um cálamo sobre papiro (página 208). A poesia e a prosa literária escreviam-se com a Quadrata.

III. A Capitalis Quadrata condensada, que propor-cionava economia de espaço.

IV. A Rustica, letra de ducto muito caligráfico, quase sempre condensada, também proporcio-nava economia de espaço; pintava-se em pare-des, esculpia-se em pedra, gravava-se em metal (por exemplo, para escrever diplomæ militaris) e escrevia-se em documentos de papiro.

V. Para a grafia de documentos menos importan-tes, muitas vezes fei tos à pressa, riscava-se a Cur-siva em tabuinhas de cera ou de madeira, usan-do um estilete (stilus). Esta tinha as característi-cas de uma minúscula, com hastes ascendentes e descendentes.

VI. Para cunhar marcas e logótipos, usaram le-tras de formas simplificadas, geométricas, com pouca modulação na grossura das hastes, muitas vezes sem serifas, ou com serifas muito pequenas.

VII. Além disso, desenvolveram uma anotação taquigráfica.

A expansão à escala mundial

N o sistema político e colonial que foi o maior, o mais potente e o mais duradouro império da Antiguidade, os Romanos

impuseram a primeira letra global. Nos vastos ter-ritórios ocupados durante séculos, as letras roma-nas substituíram quase todos os outros sistemas de escrita autóctones (só o grego foi tolerado). Conhe-cemos, por exemplo, lápides em língua lusitana, mas grafada com letras latinas.

O alfabeto latino é utilizado para escrever a lín-gua portuguesa, as línguas da Europa Ociden tal e Central. Através do latim falado pelos invasores, o alfabeto latino expandiu-se com o Impé rio romano. Na metade oriental do Império, incluindo a Gré-cia, a Ásia Menor, o Ponto e o Egipto, continuou-se a usar o grego como língua franca, mas o latim foi falado na metade ocidental do Império.

As linguas românicas – castelhano, francês, pro-vençal, catalão, português, galego e italiano – evolu-íram do latim e continuaram a usar o alfabeto latino.

O alfabeto latino disseminou-se entre os povos germânicos do Norte da Europa durante a propa-gação do Cristianismo. Na Idade Média, entrou em uso entre os polacos, checos, croatas, eslovenos e eslovacos, assim que estes adoptaram o Catolicismo; os eslavos orientais adoptaram em geral o Cristia-nismo Ortodoxo e o alfabeto cirílico.

Imagem e texto: saliente-se que em muitas lápides se

conjugavam elementos escultóricos ou pictóricos com

as letras.

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As línguas bálticas (lituano e letão), assim como o finlandês, o estoniano e o húngaro, também usam o alfabeto latino.

Com a colo ni zação ultramarina, os idiomas castelha no, português, inglês, francês e holandês disseminaram o alfabeto latino pelas Américas, Aus-trá lia, partes da Ásia, África e Pacífico.

M uitos linguistas consideram o uso de gli-fos fonéticos (com ou sem diacríticos) o sistema mais funcional de escrita.

No entanto, a maioria das línguas ocidentais que adoptaram o alfabeto latino não são «foneticamente correctas», já que o mesmo som pode ser represen-tado por caractéres diferentes (C, Q e K, por exemplo) ou dois sons diferentes pelo mesmo caractére (i de ministro e i de ideia).

Uma experiência frustrante para qualquer criança portuguesa que aprende inglês (ou vice--versa) é constatar que até às simples vogais são asso-ciadas sons diferentes. Estas ambiguidades diluem o aspecto racional do alfabeto latino.

Para atenuar este efeito, introduziram-se mais diacríticos, acentos foné ticos que servem para alte-rar a pronúncia de cer tas letras, conso ante o idioma para o qual são empregues. •

São muito escassas as representações do alfabeto grego

na região hoje portuguesa – autênticas raridades. Placa

funerária patente em Mértola. Foto: ph.

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Lápide funerária, gravada com

letras gregas. Mértola, Baixo Guadiana,

Portugal. Foto: ph.

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A O

M

B asicamente, as formas e as proporções das letras roma-nas «clássicas», concreta-

mente, as da Capitalis Monumenta-lis, inserem-se em formas simples. A a sua tipometria orienta-se pelas for-mas geométricas quadrado, tri ân-gulo e circulo. Num quadrado, ou no triângulo que cabe nesse quadrado, cabem o V, A, X, O, N, H, C, G, D e T. Outras letras ocupam metade desse quadrado; são essas o E, F, S e L. Algumas letras são mais largas que esse quadrado – o M – e uma é mais estreita que metade do quadrado: o I. P, B e R ocupam posições intercalares. O Q tem um valor próprio, devido à sua cauda. Todas estas indicações são valores aproximados.

A criatividade dos artesãos pro-duziu numerosas variações, de modo que é inútil fixar «cânones absolu-tos». •

V GI

D XESFL

NH

P BR

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 73 Procurar no texto: CTRL+F

O carácter geral das letras versais romanas lapidares (Kapitalschrift, alemão; capi-tals, inglês) deve-se ao facto de que estas

letras ditas maiúsculas se formam pela conjugação de linhas direitas, horizontais, verticais e diagonais – com a excepção de algumas letras de origem mais antiga, de formas curvas. Dentro deste quadro geral, as diversas épocas, as diferentes formas de monu-mentos epigráficos e os diferentes suportes deram origem a uma apreciável gama de variações. Dentro desta enorme panóplia de formas, poderão ser dis-tinguidos os seguintes grupos:

A. Letras versais de formas irregulares e tos-cas, sem alinhamento preciso dos traços hori-zontais e verticais; as distâncias entre as letras também não são cuidadas. De modo geral, aqui os traços são de grossura constante; ou seja, as formas não apresentam modulação. Os terminais não são cortados, nem apresen-tam os acabamentos próprios das letras serifadas. Este grupo poderá ser subdividido em:

A. 1. Letras versais arcaicas, da época em que a letra não mostrava origens caligráficas.

As formas das letras romanas

...letras versais arcaicas, da época em que a letra não mostrava origens caligráficas.

Lapidário do Museo de León, Espanha. Foto: ph.

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A. 2. Uma letra de características semelhantes, mas já praticada nas épocas depois da influência caligráfica nos padrões das letras. Estas letras mostram formas detorieadas pelo desleixo, pressa e incompetência na execução dos lapicidas, assim como pela escolha ina-propriada dos suportes, e demais condicionantes.

B. Uma letra versal de formas regulares e de evi-dentes qualidades estéticas. De modo geral, as ins-crições são feitas num único padrão de letra, ou, por vezes, numa equilibarada construção incluindo, por exemplo, uma Capitalis Monumentalis e uma Capi-talis Condensada. Não faltam exemplos, também na presente documentação, de combinações desse género.

Estes magníficos exemplos são típicos dos últi-mos séculos da Républica romana. Durante os reina-dos de Trajano e Adriano, encontramos as mais cui-dadas e brilhantes execuções lapidares da letra for-mada caligráficamente, de formas quadradas – as lit-terae quadratae.

Antes e depois da Era dos Antoninos (Nerva, Trajano e Adriano), observamos uma letra mais alongada (condensada); na pri-

meira fase cavada mais profundamente na pedra, na segunda mais superifical. Com a degeneração do gosto e das qulificações dos artistas e artesão, a quali-dade caligráfica da escrita lapidar piora. No que toca as inscrições em monumentos públicos, a letra é, de modo geral, de melhor qualidade. É óbvio que, tam-bém nas fase de excelência, se detectam suficientes exemplos de má qualidade; alguns quisemos incluir na escolha feita para a presente documentação.

Lápide funerária exposta no Museu de Évora.

O facto de esta inscrição ter sido realizada

sobre um lápide de xisto dificultou seriamente

o trabalho do lapicida. Mais do que gravadas,

as letras foram riscadas neste material pouco

adequado ao propósito. Foto: ph.

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 75 Procurar no texto: CTRL+F

As características das letras de alta estética distinguem-se pela uniformidade e regularidade das linhas direitas e curvas; assim como nas distâncias observadas entre elas (o que hoje ze traduz no conceito de kerning) e nas justas proporções da largura e da altura. Na modulação, é importante as relações do contrastes entre traços finos e grossos...

Nesta categoria das letras versais mais conseguidas, mais bem proporcionadas e bem formadas ainda podemos diferenciar:

1) Letras quadradas;2) Letras oblongas, condensadas (página 71);3) largas (página 153); 4) inclinadas. Dentro deste quadro – discutível, sem dúvida – existem uma

quantidade de aberrações: letras invertidas, da esquerda para a direita, ou mesmo de cima para baixo. Letras com hastes alonga-das, na tentativa «pós-modernista» de embelezá-las. Ou simples-mente letras mal-feitas, conforme estão documentadas na publica-ção «Cultura Visigótica», do mesmo autor.

Lápide funerária de Públio Júlio Tangino. Século I

n.E. Achada em São Pedro do Corval (Reguengos de

Monsaraz, Alentejo, Portugal), exposta no Museu de

Évora. ME 1812.

p(ubli) iuli g(ai!) f(ilii) / gal(eria) tang/ini

an(norum) l h(ic) s(itus) e(st) s(it) t(ibi) t(erra)

l(evis)

O facto de esta inscrição ter sido realizada sobre

um lápide de xisto dificultou seriamente o trabalho

do lapicida. Mais do que gravadas, as letras foram

riscadas neste material pouco adequado ao propósito.

Fotos: P.H.

Nesta página: inscrições pautadas por linhas auxiliares.

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 76 Procurar no texto: CTRL+F

Exemplo de letras romanas mal concebidas

e mal executadas. Nesta pedra, acumulam-se erros

de alinhamento, de kerning e de orientação do eixo

das letras. Execução grosseira do «Y».

Lápide funerária romana para Galla, em exposição no

Museu Arqueológico Nacional, Lisboa. Fotos: P.H.

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 77 Procurar no texto: CTRL+F

A s letras das inscrições romanas gravadas em pedra eram pintadas? Preenchidas com côr, para melhorar con-trastar com as pedras alvas? Existe pouco evidên-

cia que nos mostre resíduos de pigmentos nas formas cavadas pelos lapicidas. Tudo indica para que as letras pintadas a ver-melho (a cor que se observa mais frequentemente) tenha sido adicionada por antiquários e epígrafistas zelosos. Aliás, o facto que as letras gravadas eram formadas em três dimensões (lar-gura, altura, profundidade) não aponta para que esse efeito fosse aplanado pela pintura, que, necessariamente, reduz as formas das letras a duas dimensões... •

O decalque de inscrições latinas e gre-gas (latin squeeze, rubbing, paper impression, inglês; cliché, estam-

page en papier mouillé, francês; Abklatsch, alemão) tem sido uma técnica amplamente usada para reproduzir inscrições da Anti-guidade. Quando ainda não era comum (ou difícil) fazer a fotografia de uma dada ins-crição, os epigrafistas recorriam a esta téc-nica de decalque sobre papel húmido para obterem reproduções em negativo. Infelizmente, esta variante da técnica foi feita sem coloração do papel (ink rubbing, como o faziam os Chineses), de modo que resulta difí-cil obter os contornos exactos de cada uma das letras de um texto. O que resulta útil para um epigrafista, é pouco proveitoso para um desenhador de letras... Decalque de uma inscrição latina.

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O alfabeto latino foi tomado dos Gregos e dos Etruscos. A primeira alteração que o alfabeto sofreu, foi a introdução do G para

diferenciar os sons G e K – uma iniciativa de Spu-rius Carvilius Ruga, um liberto que abriu a primeira escola de Gramática em Roma. Nesta época terá sido abandonado o Z dos Etruscos.

Quando a Républica Romana terminou, depois da conquista da Grécia (146 a.n.E.) as letras gregas Ypsilon e Zeta foram adicionadas ao fim do alfa-beto, em forma do Y e do Z – para que os Romanos pudessem escrever adequadamente nomes e palavras gregas.

N o século ii a.n.E. ficou fixado o alfabeto latino de 23 letras, que se manteve sem grandes alterações durante todo o Império.

A, B, C, D, E, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, V, X, Y, Z.

O glifo V corresponde tanto ao som vocálico /u/ como ao consonântico /v/, do mesmo modo que o I representa os sons /i/ e /j/. Em nenhuma inscri-ção romana vemos as grafias U e J. Estas foram intro-duzidas no Renascimento para distinguir os valores vocálicos dos consonânticos.

A única tentativa séria de alargar o espectro foné-tico do alfabeto latino foi a iniciativa do imperador Claudio de introduzir três novas letras: o C inver-tido (antisigma) para o som /PS/, um F invertido

Os glifos

(digamma inversum) para representar o /Ü/, e meio H (sonus medius), para representar o /W/. Estas chamadas letras claudianas não sobreviveram o seu inventor.

Assim como os Gregos, os Romanos usaram letras para representar os números. Uma barra hori-zontal sobre a cifra servia para multiplicar por mil, e uma caixa para multiplicar por cem mil.

Q O eixo de inclinação do Q e do O

é uma característica das letras

romanas derivadas directamente

do modo como eram desenhadas:

com um pincel largo.

N as inscrições também identificamos sinais diacríticos. No latim escrito, o diacrítico denominado apex (plural: apices) era um

acento fonético com a forma semelhante ao nosso acento agudo ( ´ ); era colocado sobre as vogais que deviam ser pronunciadas longas. A forma deste acento pode variar, mesmo no contexto de uma só inscrição.

O sicilicus, com forma parecida ao nosso acento circumflexo, indica que a letra sobre a qual vai posto deve ser lida duas vezes.

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Os Romanos usaram a pontuação para separar as palavras – e para fins decorativos, no princípio ou fim da linha. Esta pontuação era colocada a meia altura da linha • A forma de pontuação mais fre-quentemente empregue era o triângulo com o vér-tice para baixo; com menos frequência aparecem os quadrados. No século i n.E. aparece a forma de folha • (hedera distinguens), e no século ii também se usa o círculo.

A s formas das letras romanas seguem sim a ortodoxia dum padrão praticado em todo o Império, mas também mostram particu-

laridades regionais e expressão individual, variando

segundo o ordinator encarregado de traçar as letras sobre a lápide, para depois ser gravada a cinzel.

As letras eram primeiro pintadas sobre a pedra com um pincel mais ou menos largo, segurado dia-gonalmente. Este método de pré-traçar as formas antes de aplicar o cinzel explica as variações de gros-sura de traço das letras latinas, a partir da Era Impe-rial – como no «A» mostrado em baixo. Se tam-bém explica a existência, assim como as formas espe-cíficas e os alinhamentos das serifas, tem sido um tema muito discutido, mas os especialistas não che-garam a conclusões definitivas.

C aracterizada por três tipos de inscrições – funerárias, votivas e honoríficas – a epí-grafia latina do período imperial obedecia

a formulários pré-definidos, que constituem indi-cadores da tipologia das inscrições. Por exemplo: a presença de fórmulas como D.M.S. (consagrado aos deuses Manes), H.S. E. (aqui está) e S. T. T. L. (que a terra te seja leve) não deixa dúvidas quanto ao carác-ter funerário da inscrição. •

Ligaduras romanas.A

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Note que as letras das

inscrições lapidares

apresentavam um belo efeito

tridimensional, obtido pela

gravura na pedra, um corte

que tinha necessariamente

alguma profundidade.

Assim, o aspecto das letras

gravadas variava con soante

o ângulo de incidência da

luz do dia. Porém, quando se

transportavam as letras para

o gesso liso de uma parede

ou para um pergaminho (e

mais tarde para o papel),

perdia-se este maravilhoso

efeito... Foto: ph.

Luz e sombra

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Um ângulo de iluminação pouco comum põe em evidência o esmerado cuidado

posto no traçado das finíssimas serifas. Estas formas terminais tornáram-se um

elemento distintivo das mais elegantes letras elaboradas por lapicidas romanos.

Museo de la Romanización, Calahorra. Foto: Manuel Ramirez Sanchez.

Serifas

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Edward M. Catich

N ascido em 1906 (Stevensville, Montana) e falecido em 1979 (Davenport, Iowa), o padre norte-ame-ricano tornou-se uma das mais consideradas per-

sonalidades no mundo da Epigrafia e do Typeface Design. Docente, calígrafo, ilustrador e lapicida, Catich é especial-mente lembrado pela análise das letras romanas inscritas no pedestal da Coluna de Trajano, em Roma. A sua principal tese é que a Capitalis Monumentalis da época augustina foi sem-pre pré-desenhada com um pincel largo, daí originando as for-mas características, a modulação do traço e as serifas. Come-çou como aprendiz do letrista (sign-writer) Walter Heberling. Catich formou-se no St. Ambrose College (1931 – 1934) e rece-beu o seu Masters em Arte na University of Iowa. Partiu para Roma em 1935 para estudar na Pontifical Gregorian University for Holy Orders, onde também estudou Arqueologia e Paleo-grafia. Aí descobriu a sua vocação para estudar as letras roma-nas. Fundou o Departamento de Arte da St. Ambrose Univer-sity e aí fez docência durante 40 anos, até à sua morte em 1979.

Dos apontamentos de Catich: a letra M, pré-desenhada com uma trincha (em verde), pelo

ordinator e depois esculpida na pedra pelo lapicida (em vermelho).

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Planeamento e cooperação

A produção de um texto epigráfico na época romana foi um processo mais ou menos complexo, que constava, na maior parte dos casos, das seguintes fases:

• Redacção prévia do texto sobre papiro ou outro material. Provavelmente elaborado com a caligrafia cursiva, a que os romanos chamavam forma.

• Ordinatio, ou seja, o traçado das linhas auxiliares horizontais, e o traçado das letras da inscrição com um pincel (brocha), uma ponta de metal, ou um carvão. Este trabalho de esquisso era feito pelo ordinator, que também era responsável pela paginação, a disposição das letras, seus tamanhos, etc.

• incisão definitiva da inscrição pelo lapicida, que gravava na pedra (mármore, grauvaque, granito, xisto) com um cinzel ou uma goiva.

Esta descrição, demasiado sumária, não precisa um factor importante: que enten-

dimento e que sintonia havia, de caso a caso, entre o ordinator e o lapicida?

Que conhecimentos e que experi-ência tinha o ordinator de caligra-fia, para saber passar adequada-mente o ductus caligráfico à inci-são da pedra? Em muitos casos

observamos um gravado muito fiel aos padrões caligráfico; noutros

casos, o lapicida parece recusar delibe-radamente o traçado do pincel e impôr

um desenho muito linear, geométrico e com letras de exagerada simetria. •

Desenho de letras muito linear, geométrico e com glifos de exagerada simetria.

Capitalis Rustica: desenho de letras muito próximo das formas caligráficas.

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 84 Procurar no texto: CTRL+F

L inhas auxiliares são essen-ciais para garantir um con-junto de letras de tama-

nho homogéneo. Já os artifices romanos o sabiam, e para tal, risca-vam na pedra dois traços auxilia-res para cada linha de texto: a linha de base (baseline, na Tipografia moderna), e a altura das maiúscu-las. Em trabalhos de gravado realiza-dos mais apressadamente, esses tra-ços não eram apagados. Tarragona. Foto: ph. •

U]lpiae fil[iae] / [---]A mater. Roman

Museum em Butchery Lane, Canterbury,

Kent. Foto: Linda Spashett.

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 85 Procurar no texto: CTRL+F

Capitalis quadrata. Em trabalhos mais tos-cos, como este mostrado no Museu Monográ-fico de Conímbriga, o lapicida exagerou na grossura dos traços auxiliares – o que de pouco lhe valeu, porque o desenho das suas letras não mostra qualidade. Não é exacto, nem belo, nem homogéneo.Lápide funerária procedente da cidade romana Conímbriga, Condeixa-a-Velha, Coimbra, Portugal.scaevinus et / silo scaevae / dauto-nis f(ilio) / patri suo / f(aciendum) c(uraverunt)

Fotos: P.H.

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 86 Procurar no texto: CTRL+F

C ertas letras, por exemplo o T, I e L, eram ocasionalmente gravadas em tamanhos aumentados. Observe a forma do T, entre

o N e o U. A letra foi ligeiramente aumentada em altura (para permitir melhor espaçamento entre as letras?) Museu de Conímbriga.

AVGVStO,

Diferentes tamanhos

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 87 Procurar no texto: CTRL+F

Na inscrição ao lado, observa-se o mesmo aumento da altura do T.gato cabiri / f(ilio) civi viroman/duo demioncae / coniugi eius / atha-mae et atrecto / gati fili(i)s / bienus gati f(ilius) pie / de suo f(aciendum) c(uravit)Refer.: CIL 13, 08342 = RSK 00313 = IKoeln 00417 = AE 1891, 00144Foto: Elena

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Capitalis quadrada, elegante. Epitáfio a Licinia. Campo epigráfico: 43,5 × 43 cm. Módulo letras: 4,5-5,5. Nas linhas 1, 2, 4 e 5, I longae; acentos nas linhas 3 e 5; na linha 6, as duas

letras finais em nexo e apenas com 2 cm de altura. Proveniente de Asturica Augusta (Astorga).Liciniae / Sparsi fi(liae) / Procillae / Luci / Lusi / Asturicae [-------]Museu Romano, Astorga, León, Espanha. Fotos: P.H.

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Fragmento de um calendário romano.

A K(alendae) Ian(uariae) [f(astus)]/ Aesc(ulapio)/ B f(astus)/

C c(omitialis)/ [ // ]/ E f(astus) feriae/ Imp(eratoris)

Caesar(is)/ F f(astus)/ G c(omitialis)/ XXXI/ [ // ]/ B

Eq(uirria) [n(efas) p(iaculum)]/ C c(omitialis)/ XXIIX/ [ // ]/ B

c(omitialis)/ XXXI / [ // ] / XXX / [ // ] / [G Tu]bil(ustrium) / [H]

q(uando) r(ex) c(omitiavit) f(as) / [A c(omitialis)] Fortunae

P(ublicae) p(opuli) R(omani).

Museo Epigrafico, Roma. Foto: Kleuske

Composição de texto

A organização de conteúdos complexos

A composição de textos longos, com uma orga-nização complexa de conteúdos, deixou-nos admiráveis exemplos. Os Romanos surpreen-

dem-nos com a qualidade da organização de textos com-plexos. As lápides mostradas nesta e nas seguintes pági-nas são bons exemplos de escrita lapidar, que nos com-pensam da quase inexistência de textos librários deste género. Outros documentos complexos foram as placas de bronze inscritas com leis municipais. (página 175)

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Alfabetos / «Temas» / Roma / página 90 Procurar no texto: CTRL+F

Fasti Praenestini

E sta lápide exemplifica uma organiza-ção complexa do texto, alcançada com uma hierarquia de tamanhos de letra

que distingue quatro distintos corpos de letra. O «texto corrido», o tamanho mais pequeno, é representado por uma Capitalis Rustica de nítido cariz caligráfico, escrita em versaletes. As letras gran-des, usados para o alfabeto, têm uma estética parecida à da Capitalis Quadrata.

Os Fasti Praenestini são um calendário composto pelo pontifex maximus para regular o calendário público da cidade. Descreve os dies fasti e os dies nefasti que dictávam se era ou não possível exercer actividades como as de litigar em tribunal. Este calendário terá sido composto entre o ano 6 e 10 a.n.E. pelo gramático Ver-rius Flaccus, tutor dos netos do imperador Augusto. Era exibido no forum de Praeneste (Palestrina), situ-ado a sul de Roma, um monumento em hemiciclo. Museo Nacional de Roma, Palazzo Massimo.

Foto: Ian W. Scott

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Octavia L et ) L ArbusculaV A XXIII et Mensens XTuccia ) L. Urbana, Mater Eiusterminus est vitae nostrae tertius et vicensimus annus cum me florentem mei combussere parentes / vixi ego, dum licuit, superis acceptior unaquoi nemo potuit verbis maledicero acerbo / crudele, pater, funus nati vidisse

videris / et pia complexu mater spoliata senescens / at tu, dulcis soror exts-tincto me solare parentes / crudelis pluton, nimio saevite rapinae

parce, precor, nostram iam lacerare domum / te, lapis, optestor: leviter super ossa residas / ne nostro doleat conditus officio

desine iam frustra, mater mea, desine fletu / te miseram totos exagitare dies / namque dolor talis non nunc tibi contigit uni / haec eadem et magnis regibus acciderunt

cil vi. 7872(?)

Hierarquia de conteúdos,suportada por três diferen-

tes corpos de letra. Texto corrido a duas colunas, em Capitalis Rustica.

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No Museu de Braga encontramos uma série de telhas de cerâmica, assinaladas com a marca dos seus fabricantes. Trata-se de um precoce manifestação do que mais tarde será «marca» e «logótipo», no contexto do Marketing dos nossos dias. Foto: ph.

Os suportes

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Do barro ao chumbo

O facto de os italianos que construíram a catedral de Pisa terem usado lápides romanas com belas inscrições (imagem

ao lado) é deplorável – e, ao mesmo tempo, com-preensível. Em muitos casos, os Romanos pre-feriam materiais nobres, como o mármore, para servir de suporte às inscrições comemorativas, honoríficas ou fúnebres. Não admira que tantas lápides romanas tenham sido reaproveitadas...

Quando o mármore era demasiado caro, ou difícil de obter, optava-se por granito, calcá-rio ou até xisto, se não houvesse outras opções. A opção por pedras duras e resistentes, como o mármore, garantiu a conservação de muitas ins-crições durante séculos – não só de lápides soter-radas, como também daquelas colocadas ao ar livre, expostas às intempéries.

Outros suportes, outros estilos de letraSob a denominação de instrumenta agrupam-

-se todas as inscrições feitas sobre um suporte móvel, de fácil transporte (cerâmicas de cozinha, pratos e vasos, lucernas, vidros, etc.). Vejamos alguns exemplos:•Lateres signati são selos impostos sobre

tijolos ou telhas, nos quais figura o dominus praediorum (ou dominus figlinae) no genitivo, e o officinator no nominativo. Complementarmente podia ser incluída mais qualquer informação sobre o lugar de

produção, a oficina... Os domini, proprietários das lojas e oficinas onde se fabricavam os tijolos, eram frequentemente pessoas de alto nível social.

•Nas ânforas aparecem os tituli picti e o selos (marcas, logótipos). Os tituli picti são escritos com tinta indelével e contêm informação sobre a capacidade da ânfora, o nome do comerciante, o lugar de origem. Os selos mostram nomes de pessoas, cuja identidade ainda não foi esclarecida (proprietários do material que se transportava dentro da ânfora, ou talvez antes o dono da oficina de fabricação?)

• Copos ou vasos, com inscrições geralmente festivas.

• Menção especial merecem os Copos de Vicarello, em cujas paredes cilíndricas estão gravados os nomes e as distâncias das estações (mansiones) de Gades a Roma.

•Mosaicos, compostos por tesserae. • Pequenas peças de metal, marfim ou madeira,

para fins como tesserae hospitales, entradas para banquetes ou espectáculos...

•Glandes: projécteis pequenos. Os textos aludem ou aos inimigos, ou aos comandantes do próprio exército.

•Tabellae defixionum. Chapas de chumbo com inscrições destinadas a amaldiçoar uma pessoa.

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Versais geométricas sem serifas. Tijolos cunhados da Legio XXII

Primigenia. Saalburgmuseum. Foto: Hartmann Linge.

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A Cursiva era a grafia do dia-a-dia romano. Escrevia-se com o stilus em tabuinhas de cera ou com o cálamo sobre pergaminho. Ou

até num pedaço de barro fresco, como neste frag-mento da cidade romana de Conímbriga, descoberto na oficina de cerâmica de um certo Maelus. Achado datável do século I n.E.Ex officin(a) / Maelonis / diarias / rogata/s solvi

Imagem pequena: outros fragmentos de barro, com letras inscritas. Museu Monográfico de Conímbriga. Fotos: P.H.

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Letras em relevo. Marca de origem cunhada num lingote de chumbo. Museo Arqueológico Municipal de Cartagena. Selo da família consignatária da exploração mineira. C. Aquini. Século I a.n.E. Os selos ou marcas sobre lingotes de chumbo levavam, na maioria dos casos, o nome do propietário das minas, embora também apareçam nomes de indivíduos associados à exploração da mina – ou nomes de sociedades.

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Lingote de chumbo. Britânia

romana, 76 n.E. Proveniência:

Hints Common, Staffordshire.

O chumbo foi extensivamente

usado pelos Romanos, tanto como

componente do bronze, como pelas

características do próprio metal. A sua

densidade e maleabilidade indicavam-

no como excelente opção para fabricar

medidas de pesos e tubos para condutas

de água, assim como para revestir

telhados. O chumbo era um produto

secundário da prospecção do minério

galénio. Isto significava que, até ao

século II n.E., a produção de chumbo

foi frequentemente controlada pelo

imperador.

A inscrição reza IMP.VESP.VII.T.IMP.V.COS,

que se traduz «[fundido] quando o

imperador Vespasiano foi cônsul pela

sétima vez, e Titus, imperador, foi cônsul

pela quinta vez.» Deste modo, é possível

datar o lingote para o ano 76 n.E.

As letras DECEANG, no lado do lingote,

mostram que o chumbo foi prospectado

no território dos Deceangli, uma tribo

que vivia no norte da Valisia. O lingote,

achado em 1771 na estrada romana

chamada Watling Street, deve ter caído da

carroça que o transportava.

Foto: British Museum.

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Letras de vidro

A s letras trabalhadas em taças de vidro de luxo são exemplos impressionantes da qualidade do artesanato praticado na época romana. Destes preciosos copos

(cage cup, inglês, Diatretglas, alemão, coppa diatreta, ita lia no, diatreta, português), revestidos de redes vítreas, conhecemos apenas cerca de cinquenta, quase todos fragmenta dos. O belo exemplar do Museu de Colónia exibe a letragem em relevo bebe e vive muitos anos. Data do século iv. ¶

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Copo de vidro com gladiadores, com figuras e com letras, produzido por soflagem em molde. Artista: Diceus, M. Licinius. Provavelmente elaborado no Norte da Itália, ou na Gália. Data: 50-100 n.E.

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Copo com gladiadores, ca. 50–80 a.n.E. Época de Nero - Flávio. Vidro transparente com figuras e com letras, produ-zido por molde. Achado em Montagnole, Sul da França.

Dado de jogos, formado em vidro, com letras e símbolos gravados. Século ii n.E.