alexandre weber

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  • RESENHAS602

    Na parte final do captulo so apre-sentados dados sobre os condenados de Huancavelica, Peru, explicitando-se as variaes estabelecidas entre o kharisiri boliviano e o pishtaco peruano. Entre elas est o fato de o condenado de Huancaveli-ca tornar-se condenado logo aps o ato, e o boliviano, apenas depois da morte. A auto-ra finaliza ressaltando que o ponto comum no conjunto apresentado neste captulo o egosmo, tanto o egosmo sexual como o egosmo econmico (:133).

    No quarto captulo, Un diccionrio de los sueos, o foco a interpretao dos sonhos, sua importncia e seus diversos significados. O sonho costuma ser uma inverso do que ser a situao vivida. Spedding ressalta uma diferena entre a concepo ocidental do sonho e o sonho andino. Este possui carter relacional, compartilhado, estando diretamente re-lacionado a uma dimenso tica e moral, noo que est ligada a um conceito que a autora chamou de indivduo vinculado (:15). O sonho andino expressa interao com os demais, o que pensam, o que esto fazendo comigo e, ao mesmo tempo, ex-pressa o porvir (:138), o que acontecer com a pessoa que sonha. Trata-se de outro conceito de indivduo e de psique, bem como outra noo sobre a relao que este tem com os demais.

    Os dois ltimos captulos so publi-cados pela primeira vez nesta segunda edio do livro. No captulo 5, Gtico americano, a autora compara dados so-bre as cabeas voadoras (a cabea que se desprende do corpo e se desloca para outros lugares), obtidos atravs de relato oral, com informaes sobre outros seres semelhantes da literatura andina, os as-sassinatos por decapitao que aparecem na imprensa local, e o culto, em La Paz, a caveiras (atitas) devem ser de pessoas que tiveram morte violenta. A autora questiona acerca de uma possvel conti-nuidade entre o culto atual e as cabeas

    trofu, as cabeas cortadas que eram representadas na arte pr-hispnica.

    O sexto captulo, Chuqilqamiri Wirni-ta, o estudo de um conto popular muito difundido nos departamentos de La Paz e Oruro, cujo personagem principal d luz um beb meio humano e meio vbora, pois a mulher tem um amante que se transforma em vbora de dia. O mito tem vrios elementos que aparecem em outros contos andinos, como a inveja gerada pelos bens materiais, os casamentos por interesse, a associao da serpente com a riqueza, a relao entre o civilizado/ co-nhecido e o selvagem/ oculto, a avareza, e outras questes morais.

    Pela variedade, atualidade e natureza dos dados apresentados no disponveis facilmente em outras fontes o livro de grande interesse para os pesquisadores da regio andina, por ampliar as reflexes acerca de seus conceitos e relaes.

    WEBER, Alexandre de Vasconcelos. 2012. Transmisso de patrimnio habitacional em favelas. Niteri, RJ: Editora da UFF. 277 pp.

    Toms Henrique de Azevedo Gomes Melo Doutorando no PPGAUFF

    O livro de Alexandre Weber resultado de sua tese de doutorado, desenvolvida a partir de aproximadamente 10 anos de pesquisas dedicadas ao tema da trans-misso de patrimnios habitacionais em favelas do municpio do Rio de Janeiro. Seu trabalho se insere na mesma direo de outros esforos recentes para o reco-nhecimento de patrimnios materiais e imateriais de grupos social e politicamen-te marginalizados. J no prefcio escrito por Delma Pessanha Neves, assim como nas linhas introdutrias de Alexandre

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    Weber, tornam-se evidentes as motiva-es de um olhar atento transmisso de patrimnios de grupos populacionais costumeiramente identificados em fun-o de seu acesso precrio, ou mesmo desqualificado, a bens materiais e sua consequente transmisso.

    O fato que delineia tal trajetria de pesquisa parte de esforos anteriores que tematizaram a vida de pessoas que habitam as ruas da cidade, seu convvio em uma instituio de acolhimento e as narrativas sobre as condies de pos-sibilidade do seu viver. A partir desta experincia de pesquisa, aponta-se para o contedo variante das desqualificaes e autodesqualificaes morais como con-tedo explicativo dos motivos de excluso e/ou autoexcluso das redes de convi-vncia, solidariedade, herana, posse e vnculos parentais. O caso das pessoas em situao de rua marcado por uma desqualificao moral que serve como fundamento explicativo para o afasta-mento das redes de pertena e sucesso, criando rupturas do indivduo em relao aos projetos familiares, de tal maneira que, ainda que sejam herdeiros, passam a no ser necessariamente os sucessores de determinado patrimnio.

    A partir desta inspirao nas formas de ruptura com os projetos familiares e sua transmisso patrimonial, o autor realiza uma anlise das formas de constituio e transmisso do patrimnio materializado na construo da moradia, atento tambm aos diversos aspectos que atribuem valor a estes patrimnios e dinamizam disputas especficas.

    As localidades em que foi realizado o trabalho de campo so trs reas de favelas da Zona Norte do Rio de Janeiro, abrangendo seis localidades reconheci-das de modos distintos segundo a prpria Prefeitura da cidade. So elas: So Jos, Sanatrio, Candiru (ou Iguau 360), Travessa Henrique de Azevedo, Coric

    e Sap. A diferena entre as formas de nomear as localidades na Prefeitura e os modos de os moradores se referirem a elas , de certo modo, parte do proble-ma exposto ao longo do livro. Em sua anlise da bibliografia sobre programas de interveno urbanstica por parte do estado nas regies de favelas, em diver-sas fases de adensamento das ocupaes ditas irregulares da habitao popular, o autor enfatiza o carter intervencionista dessas aes, assim como a constncia de estudos que privilegiam uma perspectiva reducionista. Tais pressuposies enfati-zam a miserabilidade e a precariedade destas modulaes, segundo um olhar excludente que perde de vista a com-plexidade das composies possveis segundo critrios prprios de organiza-o. Sobretudo, trata-se de formas de interveno urbanstica que privilegiam uma abordagem tecnicista, que legitima direta ou indiretamente uma organizao socioespacial em detrimento de outra, criando uma tenso entre esta primeira forma de compreenso e as composies de um saber-fazer prprio dos moradores de favelas.

    Esta tenso notria, a exemplo de tantas outras polticas semelhantes, em virtude de um reiterado processo de inter-veno e planejamento realizado de cima para baixo. Prtica que insistentemente ignora os saberes locais, suas perspecti-vas e as caractersticas que modelam uma utilizao especfica de espaos, recursos e redes de sociabilidade, que estabelecem pertencimentos, padres de colaborao e ajuda mtua e, ainda, carregam consigo ideais estticos e padres desejveis de organizao do espao.

    Em oposio a esta postura, o que a etnografia de Weber prope como refle-xo o fato de que a insero precria em redes de transmisso, uso, herana e posse de patrimnios no significa que tal precariedade seja absoluta. O autor

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    evidencia justamente a existncia de uma complexa teia que determina padres de vinculao e pertencimento a redes que dinamizam a circulao do patrimnio, ou mesmo a excluso destas. Tais formas de transmisso orbitam fundamentalmente em torno de formas de vinculao de acordo com os sentidos pblicos, nega-tivos ou positivos, atribudos aos valores que inserem indivduos e coletivos em re-des de transmisso do patrimnio familiar de bens, particularmente habitacionais, em reas de favelas.

    Exemplo deste fato so os modos de composio de famlias chefiadas por mulheres, muitas vezes com a presena de agregados e coabitao de mais de uma famlia em uma mesma unidade residencial, que por vezes so compreen-didos enquanto dinmicas de rearranjos em face de uma situao desejvel e idealizada do que deveria ser uma famlia nuclear. Mas uma importante diferena dos habitantes de favelas em relao a outros segmentos populacionais menos favorecidos como no caso dos habitantes de rua justamente sua possibilidade de mobilizao de recursos patrimoniais, que os insere de modo qualitativamente distinto nas redes de construo e pos-se de propriedades. Tal possibilidade estabelece condies diferenciadas de vinculao a um referencial de valores e regras morais, a partir das relaes de parentesco e vizinhana, para fins de transmisso familiar de patrimnios.

    Dentre os diversos valores em jogo no processo de transmisso dos patrimnios habitacionais, existem princpios e regras que estabelecem formas de pertencimen-to para a constituio de uma noo de comunidade. O autor analisa, portanto, aquilo que chama de trajetria habita-cional, ou seja, os projetos individuais e coletivos que elaboram e organizam a sua insero especfica nos arranjos habitacionais e em suas formas de trans-

    misso. Cabe ressaltar, entretanto, que tal anlise no se fundamenta apenas em uma ateno atomizada nas trajetrias individuais em relao a casa e aos bens imveis, ao contrrio, trata-se de consi-derar o lugar desses bens no contexto das relaes familiares e de vizinhana, assim como os elementos em jogo na construo da identidade dos habitantes e seus critrios estabelecidos como valores de uma moralidade, moralidade esta que dinamiza os processos de incluso e ex-cluso nas prprias redes da transmisso do patrimnio.

    A partir da constituio das trajetrias habitacionais particulares, o autor conse-gue apresentar diversos eventos e foras que, para alm da prpria materialidade da habitao e das inseres especficas nas relaes familiares, so capazes de catalisar aspectos de valorizao e desva-lorizao da habitao e das localidades em que ela se estabelece. Dentre estes fatores, o autor identifica: as condies geolgicas dos lugares em que as casas so construdas, acarretando a possibili-dade de deslizamentos de terra, perda da casa e risco da integridade fsica de seus habitantes; o risco de enchentes e perda de bens; o risco de remoes foradas; a presena do trfico de drogas e de con-flitos violentos na regio da habitao; e a ao de programas de reurbanizao e regularizao fundiria.

    Mas se tais aspectos delineiam as di-nmicas de valorizao e desvalorizao possveis, as combinaes e as formas de organizao dos projetos habitacionais e a subsequente transmisso intrageracio-nal deste patrimnio, segundo estratgias particulares, se do de forma ainda mais cambiante em face das possibilidades de cada trajetria especfica. curioso notar que, se tomada uma trajetria particular, percebe-se que seu incio se d mediante a continuidade daquilo que foi proporcio-nado pela gerao anterior, at uma de-

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    terminada idade em que se torna possvel uma colaborao mais ativa, ou mesmo autnoma, do indivduo de acordo com a sua insero na rede familiar especfica. A forma de construo deste projeto mais ou menos individualizado se estabelece tambm segundo combinaes possveis com os demais membros familiares, tais como irmos e irms que se casam ou continuam na casa dos pais; a colaborao entre diversos membros para aumentar a casa e criar cmodos separados, para si ou para os outros; as mudanas em virtude de filiao, casamento e morte de algum membro familiar; as mudanas no que diz respeito ao emprego e s oscilaes na rentabilidade do grupo. Estas so possibi-lidades, dentre diversas outras que, com-binadas com as escolhas possveis diante das valorizaes e das desvalorizaes do imvel e da localidade, dinamizam as op-es de habitao, coabitao, mudana e transmisso intrageracional.

    Os diferentes aspectos que contribuem para o estabelecimento de escolhas possveis nas formas de habitao e transmisso patrimonial so regulados por dois tipos combinados. So eles: os aspectos imateriais da sociabilidade que constituem os grupos domsticos e, ainda, os direitos reais aos bens mate-riais. Isto significa dizer tambm que o sistema de transmisso regulado por um tipo de frmula de distribuio dos bens entre irmos, de acordo com seus posicionamentos no seio da famlia e a consequente diviso de acordo com uma lgica de perpetuao destes bens.

    A crtica fundamental apresentada no livro trata da compreenso do patrimnio enquanto um valor que no se resume reificao de determinados bens em detri-mento de outros sejam eles materiais ou no segundo uma qualificao daquilo que pode ser identificado socialmente e reconhecido enquanto um bem. O pano de fundo que acompanha o raciocnio

    justamente o seu oposto, a saber, o esforo de identificao dos bens e suas decor-rentes formas de transmisso em grupos sociais subalternizados em diversas dimenses de seu viver.

    O trabalho de Weber, portanto, um timo exemplo do que uma etnografia bem feita pode nos oferecer de melhor. Trata-se, afinal, do esforo de refletir a srio sobre as formas de obteno e transmisso dos patrimnios de grupos sociais tradicionalmente considerados apenas de acordo com um padro de precariedade material de seu modo de vida. Aponta para o questionamento de tais interpretaes ao salientar dimenses costumeiramente menos privilegiadas, rumo ao desafio metodolgico, e mesmo temtico, de reconhecer as lgicas e as formas prprias da transmisso de patri-mnios de grupos sociais compreendidos como em situao de vulnerabilidade social ou pobreza.

    WILKIS, Ariel. 2013. Las sospechas del di-nero. Moral y economa en la vida popular. Buenos Aires: Paids. 192 pp.

    Pablo FigueiroCONICET, IDAES/UNSAM

    Traduo de Guillermo Vega Sanabria

    O livro inicia constatando, com fluidez narrativa, o lugar central que ocupa o dinheiro na vida pessoal e coletiva das ca-madas populares da periferia da Cidade de Buenos Aires. Esta afirmao desafia as vises mais comuns, que enxergam tais camadas ora como desmonetizadas, ora como corrodas pela presena sem-pre suspeita do dinheiro em suas mos. No entanto, diz Ariel Wilkis (doutor em Sociologia pela EHESS de Paris), a cres-cente financeirizao formal e informal